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ARNALDO: MOMIGLIANO: OS LIMITES DA HELENIZACAO A-INTERAGAO CULTURAL DAS €IVILIZACOES GREGA, ROMANA,. CELTICA, JUDAICA E-PERSA ‘en Wado, The ints of ellenation “Trad trae piso Bg es tocar publ 1990 jor Cambege Universly Prem, de Canis Ign CCopriht © Camb Une Pres 1978 ‘Conyight © 1991 ex eto em ious pores Jorge Zahar Editor Lid ar Méxion 3 sabe 20031 Rio de Jeo, Tos os eres ese ‘regione t-te desta pias, 0 ‘em pare, const ilo do copia. (Lei 5.988) os: Ti Lins Sto asa ducap: Maa do rio de Alena 0 Grnae inno cersice TopTextar Edges Gris Lit pees: Tavera La SB: 0524-39761. (e.g bods) ISBN; 45-7110:1795 (Z8,RD) Sumdrio Preficio, 7 Os Gregos e seus Vizinhos no Mundo Hetenfstico, 9 Polibio ¢ Posidénio, 27 Os Celtas € os Gregos, 51 A Descoberta Helenistica do Judaismo, 71 Gregos, Judeus ¢ Romanos de Antioco Illa Pompeu, 89 Iranianos ¢ Gregos, 111 Bibliografia Selecionada, 133 Indice Onoméstico, 153 6 Tranianos e Gregos “Tan cols devia sx dita no lnverno, a0 lado do fog, cuando ‘um homem bem alimentado se recosta num diva macio, bebendo vinho doce e mastigando grio-de-bico - coisas como: “Quem és ¢ de onde vvens? e que idade tens, bom homem? que idade tinhas quando os medos chegaram?" * (Xen6fanes, fr. 18 Dichl ~ 22 Edmonds). A chegada dos medos a J6nia ou seja, a vitdria de Hérpago o medo em nome de Ciro © persa em aproximadamente 545 a.C. - foi o inicio de uma nova era para Xenéfanes de Colofonte. Em conseqiiéncia desse acontecimento, ‘le préprio abandonou quando jovem a sua cidade natal. Por volta de 472 a.C., com 92 anos, ele ainda estava vivo. De uma forma ou de ‘outra, a conquista persa do reino da Lidia envolveu todos os grogos da Asia Menor. Os gregos teryaram armas com os assirios ¢ tiveram problemas com os egipcios, mas munca tinham vivido num grande império - pelo menos néo depois do império hitita do qual nio se Jembravam de nada. O dominio lidio fora ficil de aceitar, pois a Lidia Jogo foi dominada pela cultura grega - acessivel a negociantes, srtis- tas, soldados ¢ ordculos gregos. Ciro marcou época para os gregos assim como marcara para os judeus - embora as razées fossem dife- rentes. Os estudiosos da filologia comparada querem que recuemos 0 contato entre 08 iranianos © os gregos para épocas mais antigas. E, Benveniste argumentou que as palavras mada e parsa nio poderiam dar em grego medos ¢ perses apés 0 final do século 10 a.C., quando a transigio do a grego original pata o e jénico e a redugio do e longo original antes de um grupo de consoantes deixaram de atuar. (La Persia ¢ il mondo greco-romano, Atti del Convegno Ace. Lincei 1965, p. 479-85, 1965). Serfamos transportados para um periodo ainda mais 1 m2 0 limites da helenizagdo antigo das relagdes iraniano-gregas pela palavra para designar rosa — rhodon -, cara.a Homero ¢ presumivelmente aos seus mestres poéticos, pois ele trata 0 rhododdkrulos Heds como uma formula venerdvel, Diz-se que a rosa é uma dédiva do Ira na Idade do Bronze. © pobre historiador, que nada conhece das relagdes entre a Grécia ¢ 0 Iti antes do século VI, s6 pode fazer um relato. Ele ja encontra certa dificuldade em compreender por que no século V medismo indicaria simpatia pelas petsas, quando pelo menos durante sessenta ‘anos os medos tinham sido stiditos dos persas. Podemos nos recordar da observagdo de Estrabio (15.3.23, p. 735): “De todos os birbaros, ‘0s persas se tomaram os mais famosos entre os gregos, porque nenhum dos outros bérbaros que dominaram a Asia dominow os gregos; nem cesses povos estavam familiarizados com os gregos, tampouco 08 gre- ‘g08 com os birbaros, exceto por pouco tempo por rumor longinquo. Homero pelo menos no conhecia o império das sfrios nem o dos medos; pois do contririo, uma vez que ele menciona Tebas egipcia e se refere a riqueza de Id riqueza da Fen{cia, nfo teria deixado passar ‘em siléncio a da Babil6nia, de Nino e Ecbétana”” (Loeb). A sucessio de acontecimentos entre a conquista persa da Lidia por volta de 546 ¢ a rebelido jénica contra a Pérsia de 500 a.C. deve ter ‘ocupado & mente de todo grego da Asia Menor - ¢ talvez de qualquer outro grego. Em poucos anos uma nagio anteriormente quase desco- nhecida tomou Babilénia, se envolveu numa guerra malsucedida con- ta uma rainha lendstia do Oriente remoto (que resultou na morte de Ciro) tomou o Egito. Cambises se tomou célebre pela impiedade, os magos se rebelaram ~ ¢ se contavam estranhas histérias acerea do seu lider. Por fim Dario, que se saiu vitorioso contra os magos, pés em risco o seu exéreito em outra aventura extravagante contra os citas na Riissia meridional ~ ¢ de algum modo reapareceu com a reputagéo quase intoceda. Logo os gregos estavam envolvidos praticamente em todos os niveis do proceso de expanséo do estado persa. Segundo um relato em um historiador helenistico, Agitocles de Cizico, Ciro o Grande deu vérias cidades da Asia Menor ao seu amigo Pitarco de Cizico - um precedente para o presente dado por Artaxerxes a Temistocles (472 F 6 Jacoby). © ateniense Mileiades, como 0 governante de Quersoneso da Tricia, se viu vassalo do Grande Rei ¢ um dos comandantes dos contingentes _gtegos na expedigio cita: naturalmente os tiranos estabelecidos pelos persas nas cidades jOnicas se achavam na mesma situaglo. A queda da tirania da Polferates ~ com o subseqtiente dominio persa em Samos - iranianos e gregos U3 foi o fim de um dos mais brithantes centros da vida intelectual grega no século VI indicou claramente que o mar Egeu se tomara uma zona de influéncia persa. Cflax de Cariands, um navegador grego ou meio- ‘Bfego que escrevia em grego, foi incumbido da exploragio do rio Indo € da rota maritima da foz do Indo a Suez..Arquitetos, escultores ¢ ‘canteiros gregos trabalharam para construir Pusdrgada, Susa e Persé. polis. Embora os pormenores sejam incertos e exisia uma parcela de subjetividade na avalisgio da contribuigio dos gregos para esses {tabalhos, a sua participagao ¢ certa (G. Gullini, La Parola del Passato 142-4, p. 13-39, 1972). Recentemente Giovanni Pugliese Carratelli publicou uma inserigZo, do final do século VI, de uma das pedreiras ue abasteceram as construgoes de Persépolis. A insctigio diz: Pur- /hdrkho eimi, *Pertengo a Pitarco'* (East and West 16, p.31-2, 1966). Pitarco deve ter sido tum empreiteiro grego. Como Pugliese Carratelli observa pnidentemente, pode ser uma simples coineidéncia que 0 nome Pitarco seja idéntico ao do homem de Cizico que era amigo de Ciro. Esse Pitarco parece ter tido logo dificuldades com os seus stiditos: ele ou a sua familia pode ter passado para oremoda construgio ‘em Persépolis. No teinado de Dario, os gregos também ajudaram a transportar materiais de construgio para Susa, mas eu néo acompa- nharia S. Mazzarino na sua temerétia teoria de que os jénios, e mais precisamente os milesianos, estavam incumbidos da navegagdo de Babilénia a Susa (La Persia e il mondo grego-romano, 75-83). Prova- velmente os gregos levaram de volta a palavra paradeisos, para desig nar 0 horto de caga ou recinto fechado, desses contatos com a arquitetura ea paisagem iranianas (a palavra aparece pela primeira vez em Xenofonte, entre as fontes existentes). Nio se preservou nada das crdnicas resis escritas pelos persas. A historiografia particular do tipo grego no parece ter existido na Pérsia ~ ou, pelo menos, nfo deixou vestigio direto ou indireto, Talvez os clementos da educagio persa - montara cavalo, ter boa pontaria e dizer 8 verdade ~ néo fossem propicios a formagio de um historiador. O que ‘chamamos de tradigao na Pérsia é na maior parte a tradigio dos stiditos ou inimigos da Pérsia. Mas hé sérias limitagSes mesmo a0 nosso conhecimento das reagdes gregas a Pérsia’\ Nao se preservou quase <, nada do periodo anterior & rebeligo jnica, De fato, os textos que nos foram transmitidos refletem uma situacio completamente diferente: luma situago em que os persas sio militarmente inferiores aos gregos ¢ jf foram derrotados em Maratona ¢ Salamina. O que foi escrito antes de $00 a.C. por Cilax ¢ talvez por Hecateu de Mileto desapareceu. ‘Tampouco sabemos.o que Frinico disse em sua tragédia sobre a captura ua 0s limites da helenizago de Mileto que foi representada antes da batalha de Maratona e portanto em um momento de profunda depressao para os gregos: Mas naturalmente resta a possibilidade de que-o pensamento reli- ‘zioso persa tenha influenciado os primérdios da filosofia grega nesse exato periodo entre 550 ¢ 500 a.C., quando ninguém na Grécia ques- tionava ou parecia questionar 0 novo poder dominante. Aqueles que tém afirmado que Ferecides de Sira, Anaximandro, Herdclito e mesmo Empédocles obtiveram algumas das stias doutrinas na Pérsia nem sempre se deram conta de que a situagio politica era propicia a tais, contatos. Mas nfo se pode dizer isso do Professor M. L. West, 0 mais, recente defensor das origens iranianas da filosofia grega. Ele sem diivida sabe que, se houve uma época em que os magos podiam ‘exportar as suas teorias para um mundo grego disposto # ouvir, foi a segunda metade do século IV a.C. E inegavelmente tentador explicar cortas caracteristicas da filosofia grega inicial por meio de influéncias iranianas. A stibita elevagio do Tempo a um deus primevo em Fereci- des, a identificagdo do Fogo com a Justiga em Herdclito, a astronomia ‘de Anaximandro que localizava as estrelas mais perto da Terra do que ‘a Tua ~ essas ¢ outras idéias trazem imediatamente & meméria teorias ‘que nos ensinaram a considerar zoroastrianas ~ ou de qualquer forma Persas - ou, pelo menos, oricntais. ‘Sabemos, porém, ainda menos sobre o zoroastrismo aqueménida do que sabemos sobre 0 pensamento pré-socritico. Temos de forcar 0s dados em slgum ponto se queremos afirmar a dependéncia dos pré-so- créticos para com os magos ou até genericamente para com o pensa- ‘mento oriental. Gragas ao Professor I. Gersevitch, temos agora certeza de que por volta do final do século VI a.C. Zurvan existia como um deus do Tempo (Studia classica et orientalia A. Pagliaro oblata ii, p. 197, 1969; Trans. Philol. Soc., p. 165-200, 1969). Mas ainda tenho de encontrar um paralelo oriental exato para a frase inicial do livro de Ferecides: “*Zas e Cronos sempre existiram, e assim também Ctdnia, © Cténia recebeu o nome de Gé quando Zas the deu a Terra de presente” (Diels-Kranz*, 7 fr. 1). Hé uma consideragio simples que me faz hesitar nesse jogo de busca das origens zoroastrianas do pensamento grego. Se nio Sabemos muito sobre os pré-socriticos, sabemos pelo menos que os seus leitores, antigos julgavam cada um deles muito diferente dos outros. Se todos tivessem sido inspirados pelos magos, haveria menos diversidade de problemas e solugea. 46 onde podeanos ver, no il nenbuspa inxpi- am por trés dos mais antigos fildsofos gregos Onde iranianos e gregos us ‘© indicio de influéncia & mais forte ~ como no caso de Ferecides de Sira -, a contaminagéo da abordagem mitolégica e da abordagem ‘cosmogénica é mais evidente, Esta é a opinido de Aristételes: “desde ‘9 tc6logos ‘mistos’, aqueles que no dizem tudo em forma mitica, al ‘como Ferecides ¢ alguns dos outros, ¢ também os magos, denominam © primeiro criador a melhor coisa” (Metaph, 14.1091 b 8). Natural- ‘mente, pode ser significativo quc o pai de Ferccides tivesse 0 nome \barbaro de Babys, mas qualquer coisa pode ser significativa onde nada & corto ~ até mesmo a carta forjada de Dario a Heréclito convidando-o para a corte persa. Houve uma época, hi nao muito tempo, em que 0 ‘que Aclian Var. Hist, diza respeito de Pitégoras usar calgas era tomadlo como prova das suas relagdes iranianas (W. Burkert, Weisheit und Wissenschaft p. 135, 178, n. 18, 1962). Concluirei esta parte com uma histéria acauteladora, Em 1923 Albrecht Gptze publicou o seu famoso ensaio “*Persische Weisheit in sriechischem Gewande” (Zeitschrif fir Indologie und Iranistik 2, 60 8). Finalmente foi ali doutrina iraniana que atin No tratado hipocritico De hebdomadibus, publicado pela primeira vezem 1853 por Littré em uma versio latina muito adulterada, hé uma teoria sobre a correspondéncis centre as partes do corpo humano ¢ as partes do mundo intciro. Gétze ‘mostrou que essa teoria podia também ser encontrada em Bundahishn ‘Maior, wma obra cosmoldgics zoroastriana do século IX d.C., que se actedita retornar ds partes perdidas do Avesta. Gitze considerou a obra hipocrdtica “um bloco extravagante na Hellas” que se originara do Ind. Naturalmente R. Reitzenstein tomou isso como uma confirmayio das suas teorias sobre as origens iranianas da cosmologia grega (Stu- dien zum antiken Synkertismus, p. 119 ff. 1926), e quase todos ficaram felizes. Trinta anos depois, em Harvard Theological Review 49, p. 115 s8., 1956, o professor J. Duchesne-Guillemin apontou as fragilidades de todo 0 ensaio de Gdtze e, como 4s modas haviam mudado, quase todos ficaram felizes de novo, Em 1962, R. N. Frye, um dos maiores iranistas vives, simplesmente declarou na mesma publicago que, com © desaparecimento da prova de De hebdomadibus, nada restava da teoria das influéncias iranianas sobre o pensamento grego antes de Alexandre (55, 261-8). Quando em 1965 a Accademis dei Lincei ‘organizou o bem -sucedido simpésio sobre La Persia ail mondo greco- romano, 0 Zeitgeist ja néo se movia na mesma diregio. Duchesne-Gui- Uemin retirow a sua refutagio de Gétze, como podemos ler nas colaboragées para o simpésio publicadas. Ele achava entio que a 116 0s limites da helenizagdo coincidéncia néo podia ser causal e queum médico grego que tabalhow 1a Pérsia levara de volta uma teoria persa no século V ou IV @.C. Mas em 1971 M. L. West, em sua andlise muito minuciosa de De he xdoma- dibus (Classical Quarterly 65, p. 365-88), estava novamente cético @ respeito de uma influéncia oriental direta sobre o texto, Cotio ele diz: “*A nogio bisica de um paralelismo entre 0 mundo eo corpo humano (.) bem pode ter chegado a Grécia no século VI, vindo do Leste. Depois disso, no entanto, o desenvolvimento independente parece suficiente para explicar 0 fenémeno™ (p. 387) I Apés a vitéria sobre os persas, houve muita reflexio sobre as causas da superioridade militar dos gregos. A linha de explicagdo predomi nante a atribuia 2o amor grego i liberdade e isso, por sua vez, suscitava © problema de se « autoconfianca dos gregos, a sua coragem, a independéncia de agio etc. se deviam a fatores climéticos, ow institu- cionais ou raciais. Poetas, historiadores e fil6sofos gregos meditaram sobre esses problemas ¢ as suas conclusdes (tal como formuladas em Os persas, de Esquilo, em Herédoto e no hipocritico Os ares, as dguas ¢ 08 lugares) séo wm documento primordial da nova ciéncia grega da cetnografia que estava surgindo. Explicagdes mais simples estavam cbviamente sendo difundides e deixeram marcas em nossas fontes ~ por exemplo, a pega que Temistocles pregou no erédulo rei persa que Esquilo deve ter considerado suficientemente auténtica para merecer ‘mengio (355 ss.). Nao me surpreenderia se 0 famoso erro cronolégico de Ctésias ao situar a batalha de Platéia antes da batalha de Salamina (Persic. 25) néo fosse outra versio popular objetivando simplificar a narrative da guerra: uma batalha no tertitério be6cio entre Termépilas « Salamina tiraria muito do britho dos feitos navais dos atenienses. Por ser totalmente indiferente a liberdade grega ¢ talvez. pré-espartano, (Ctésias nfo teria dificuldade em aceitar tal versio, Mas nem mesmo as reflexSes de Esquiloe Herddoto estavam concentradas exclusivamente 1a oposigio entre os gregos arnantes da liberdade e os persas tendentes Aescravidio. Afinal, como disse Esquilo,a Asia ex Europa cram irmas. ‘Hi bons motivos para interpretar as ims de Os persas Il. 185-6 como ‘a Pérsia © a Grécia, que scriam apoiadas pelas duas jovens Asia ¢ Hellas do vaso de Dario (final do século IV: C. Anti, Archeol. Class. 4 (24-45, 1952), Em Esquilo, Dario pensa em termos universais e atribui a iranianos e gregos 7 derrota no & superioridade dos gregos, mas a transgressio da lei divina. Ele prega a doutrina da hybris, que para nés pode parecer extremamente grega, mas para Esquilo ¢ Herédoto cra objetivamente verdadcira ¢ portanto inteligivel para qualquer homem sensato, fosse srego ou nio. Por mais que se faga com que os persas pareeam extravagantes cm Esquilo, eles no so barbaros rematados como os egipcios de As suplicantes. De forma ainda mais enfdtica do que Esquilo, Herécoto respeita os persas e os considera capazes de pensar ‘como os gregos. Ao registrar 0 comportamento abomindvel de Xerxes para com 0 corpo sem vida de Le6nidas, ele enfatiza que se tratava de ‘uma excegdo: “os persas sio, dentre todos os homens que conhe¢o, os ais acostumados a honrar os guerreiros corajosos"* (7.238). Ele eré que os Iidios ¢ os gregos atrafram sobre si a firia dos persas pelo seu comportamento provocadot. A sua falta de simpatia pela rebelizo jonica & notéria. A’ vitéria dos gregos, ¢ sobretudo a coragem dos atenienses, 0 obrigou a reconhecer uma profunda diferenga entre os Persas © os gregos, Era uma vantagem se interessar por isegoria, a ‘igualdade na liberdade de palavra, e se sentir um homem livre, e no lum escravo'\e esté comprovado ndo por um, mas por muitos exem. plos, que isegoria é uma boa coisa’*(5.78),)Mas a sua opinigo esté basicamente comprometida com o entendimedto miituo entre gregos ¢ persis. Os sensatos dentre os persas comentam, para o evidente encan- to de Herédoto, que os gregos eram tolos em fazer uma guerra a fim de vingar o rapto de uma mulher ~ c era a guerra de Trdia (1.4). Muito significativamente, Herddoto proclama os persss capazes de discutir ‘osméritos relatives da democracia, da oligarquiae da monarquia como qualquer sofista bem preparado (3.80-2): “Quando Mardonio chegou 4 Jonia em sua viagem pela costa da Asia fez. uma coisa que registrei Para o assombro daqueles gregos que nio acteditaréo que Otanes declarou a sua opinifo entre os Sete de que a democracia era melhor para os persas” (6.43). Os estudiosos modernos nao tém ficado menos surpreendidos do que os ouvintes das prelegdes de Herédoto com 0 fato de que ele pudesse atribuir tais nogées helenisticas aos persas. Mas mesmo um estudioso de ouvido tio agucado quanto K. Reinhardt mal foi capaz de distinguir entre as narrativas persas auténticas e as narra- tivas atribuidas aos persas pelos gregos (‘‘Herodots Persergeschi- cchten"* in Vermachanis der Antike, 2. ed., p. 133-74, 1966). Critérios toscos de diferenciagio is vezes sio mais witeis do que refinadas andlises literdrias. Recentemente A. Demandt observou que os monu- ‘mentos persas representam o rei com as orelhas descoberias, enquanto U8 os limites da helenizaao na iconografia grega 0 rei persa ¢ mostrado com as orelhas cobertas. ‘Assim, a narrativa de Herédoto de como Phaidymia desmascarou 0 falso Smerdis 10 descobrir, nfo sem risco pessoal, que ele tinha as orelhas mutiledas s6 faz sentido na tradigao iconogratica grega (Irani- ca Antiqua 9, p. 94-101, 1972): uma observagao desconcertante para aqueles que, como eu, consideraram esse trecho de Herédoto uma tipica histéria oriental. © proprio Herédoto, porém, nio teria ficado desconcertado com a pericia iconografica do Professor Demandt. Ele apreciava uma certa confusio. Relatou que os j6nios salvaram 0 impétio persa no se recusarem a sealiar aos citas no final da expedigio de Dario: acrescenta que 0s citas definiam os jénios “como os mais figis dos escravos e os mais ingenuamente apegados aos seus senho- res" (4.142). © capitulo final da obra de Herédoto record a escolha de Ciro o Grande: “*habitar uma terra esteril ¢ exercer @ autoridade em vvez de cultivar planicies a ser os eseravas de outros" (9.122). Preten- de-se que o Ieitor se lembre de que Demarato explicara a Xerxes que ‘8 Grécia, tendo por companheira a pobreza, alcangara a virtde © sabedoria e em conseqiiéncia evitara ser despoticamente dominada (7.102), Por mais que a vit6ria dos gregos tenha sido memoravel, 0 império persa nio sé continuou a existir, mas a conservar uma force ‘moral que Herédoto sentiu que tinha de justificar. ite [No periodo entre 411 ¢ 336 a.C., a Pérsia exerceu uma pressio mi ‘maior sobre a Grécia do que exercera na época da supremacia naval ateniense. A Pérsia recuperara 0 dominio dos gregos da Asia Menor ¢ apoiava a cidade ou o partido que parecesse conveniente. Filipe Il da Macedénia imitou visivelmente a méquina administrati persa no esforgo de transformar a monarquia patriareal que herdara ‘num estado vasto que se estendia da Tricia a Tessélia e dominava grande parte da Grécia. Eumenes de Cérdia, apesar de ser grego, ‘organizou a chancelaris maced6nia nos moldes da persa. Arriano ddeclara explicitamente que Filipe criou um corpo de pajens de acordo com 0 modelo persa: como os seus equivalentes orientais, os pajens tinham de auxiliar 0 rei com o seu cavalo tn persikin tropon (Anab. 4.13.1). Quaisquer que fossem as suas origens remotas, os companhei- 108 do rei, os hefairoi no sentido estrto, se tornaram semelhantes 0s amigos do rei na Pérsia. iranianos e gregas 119 Hé, porém, poucos indicios de que no século IV o sistema imperial persa fosse submetido por algum grego a uma anélise minuciosa, O nosso grande ponto de interrogagio € Ctésias, que escreveu nio s6 livros genéricos sobre a Pérsia © a India, mas também uma obra feogdlica um periplous eum trata espciic sobre 0 tos da sin. As duas tltimas obras se perderam ¢ os livros sobre a Pérsia a India nos chegaram apenas num resumo bizantino. A tradigéo indireta, porém, é considerivel: Diodoro ¢ Plutarco, por exemplo, devem muito a Ctésias. Temos de admitir uma ampla margem de diivida, no entanto o que temos € decepcionante. A Persica estava repleta de intrigas da corte e nio era confidvel sequer quanto a isso. Nao ha sinal de que Ctésias tenha tentado compreender os persas de sua época, cpmo fizera Herddoto. Ctésias parece ser inferior a Herédoto mais ou menos da mesma forma que o seu contemporineo Timéteo ¢ inferior a Esquilo como o autor de uma obra dram sobre os persas. Observe-se que Os persas de Timéteo mostra indicios de ambigao politica ¢ um desejo de agradar Esparta: Ctésias é cha- ‘mado philolakon por Plutarco (Arta. 13.4), Xenofonte, que cita Ctésias com respeito (Anab. 1.8.26-7),néo estd muito interessado na sociedade persa da sua época, embora tivesse ampla oportunidade de observé-la quando participou de campanha com Ciro o Jovem. Naturalmente Xenofonte pode nos relatar que um arqueiro cretense tinha um alcance menor do que um persa (Anab. 3.3.7) ¢ tem suficiente conhecimento do estilo dos ge6grafos para notar 1s particularidades de uma cidadezinha por que passara: “elas casas, fartos suprimentos e os habitantes tinham vinho em tais quantidades ‘que o guardavam em cisternas cimentadas”* (4.2.23), A desctigéo do Jovem Ciro inevitavelmente contém algumas particularidades auténti- ccas da vida da corte persa (1.9). Mas nessa descriglo de Ciro jf existe a tendéncia idealizadora, o obscurecimento dos aspectos persas espe- cfficos que earacterizavam a Cyropaedia posterior. Comobem se sabe, de fato Xenofonte transferiu muitos personagens menos importantes de Anabasis para Cyropaedia. & irrelevante para nés, embora nio insignificante em si mesmo, se determinados aspectos da Cyropaedia podem ser interpretados como lendas persas. Arthur Christensen for- ‘mulou uma hipdtese para a historia, obviamente falsa, de Ciroo Grande morrendo em sua prépria cama cercado pela familia como sendo um tema petsa lendario: hé paralelos em Firdausi (Les gestes des rois dans {es traditions de Iran antique (1936) 126). Como 0 seu companheiro 0 Antistenes, Xenofonte nio pretendia escrever a histétia de 120 os limites da helenizagiio Ciro, mas sim apresentar a descricéo de um rei ideal. Para esclarecer mesmo o leitor mais desatento, Xenofonte acrescentou a Cyropaedia ‘um capitulo em que explicava como e por que os persas da sua época ceram diferentes dos contemporineos de Ciro 0 Grande: a corrupcio tomara o lugar da austetidade ¢ da viriidade. A autenticidade, que freqentemente tem sido questionsda, desse capitulo final parece ser garantida por vérias caracteristicas estilisticas ¢ alusbes histéricas, ‘Além disso, a mesma técnica de opor a realidade do presente a ideali- zagio do passado ¢ utilizada por Xenofonte no seu livreto sobre a constituigéo de Esparta. Isso, porém, ndo se destina a dar uma cara terizagio mais equilibrada da vida persa como podia ser observada no século IV. Ter mais cobertas no cavalo do que na eama talvez seja um sinal de efeminagdo, mas nao explicard as rebelides dos sétrapas. ‘Acho muito dificil entender por que atitude severa mas apreciativa para com 0 império pers que predominava no século V cedeu no século IV a uma mistura de idealizagéo dos reis persas mortos © mexericos a respeito de intrigas da corte contemporinea, A falta de interesse pelas realidades da organizacio politica e social persa sc manteve visivel nos historiadores que narraram o seu fim. A julgar por Aatiano, 0s livros mais sérios escritos sobre a campanha de Alexandre ‘no tentaram avaliar o Estado persa ou analisar as causas da sua queda, Os historiadores contemporineos menos sérios, como Onesicrito ¢ Clitarco, associavam variadamente o mexerico de Ctésias com a idea- lizagio da Cyropaedia de Xenofonte ¢ produziam relatos sensacionai que nem mesmo os leitores antigos conseguiam tolerar inteiramente. Ao aludir a0 posto de Onesfcrito como timonciro do navio de Alexan- 4dre na viagem pelo Indo abaixo, Estrabio esereve que ele podia set ‘mais bem denominado o “principal timoneiro da fantasia" (15.1.28), Como Ciésias, Onesicrito preferiu se deleitar sem repressio nas mara~ vilhas da India. **Clitarchi probatur ingenium, fides infamatur™’, diz ‘Quintiiano (10.1.75). Nenhum dos fragmentos de Clitarco, nem qual- «quer dos capitulos do Livro 17 de Diodoro que pode ser razoavelmente econstituido até ele, alude as instituigdes persas, embora saibamos que descreveu a Babilénia ¢ fez com que Alexandre se encontrasse com a rainha das amazonas (fr. 10; 15-16 Jacoby). Outros historiadores fizerain breves relatos ou alusbes a instituigdes especialmente curiosas: por exemplo, Policlito de Larissa descreveu a diversidade das rendas do Grande Rei (128 F3 Jacoby) e Chares de Mitilene desereveu os habites voluptuosos do Grande Rei (125 F 2). Eles pretendiam entreter. iranianos e gregos 121 Essa situagio é menos surpreendente se considerarmos que Plato ¢ Aristétcles omitiram o sistema politico dos persas nos seus livros sobre Politica. De fato, As leis de Platio, Livro 3.6934, contém « dcclaragao muito promissora do ateniense: ““Existem duss matrizes, ‘como podemos denomind-las, de constituigdes das quais realmente se pode dizer que todas as outras se originam, o nome exato de uma ‘monarquia, 0 da outra é democracia. A primeira é vista a perfecigio entre os persas, a segunda entre os meus compatriotas. So esses os fios (...) €om que todas as outras constituigdes, de modo geral, sio urdidas."* © que se segue, porém, é um repiidio implicito a imagem idealizada de Xenofonte da educacio persa, como notou Atencu (11.505a). Platiéo negava que ser criado em um harém por mulheres € cunucos pudesse scr uma boa coisa ¢, como confirmagio, citava corrupgio na Pérsia de sua época. Como Isécrates ¢ outros observado- res, ele naturalimente reparara na crescente dependéncia do Grande Rei ‘de mercensrios estrangeiros. Mas 0 Estado persa como um todo nio é ‘cxaminado, Em Politica, Aristteles ¢ ainda mais apressado em prete- rir 0 despotismo persa. Alude aos reis da Pérsia como tiranos que devem se precaver para a propria seguranga (1284 b 1; 1313 a 38) € ‘considera os persas, como os citas, os tricios ¢ os celtas, uma nagio ‘em expanso que honra a forga militar (1324 b 11). Observa também, ‘mum aparte caracteristico, que 0s reis persas hijo tocam um instrumen- to, mas fazem com que a miisica seja toceda para eles (1339 a 34). O ‘império persa néo fazia parte do mundo politico. E impossivel dizer ‘em que medida a Pérsia aparecia em Nomima Barbarika, a sua descri- <0 das instituiges dos bérbaros. Os poucos fragmentos remanescen- tes tratam dos cétios, dos etruscos e dos antepassados gregos dos romanos. ‘Terfamos de compor uma imagem muito diferente de Aristdteles se ‘© texto érabe de uma carta sua para Alexandre for realmente auténtico. Essa carta, que era conhecida por citagGes de escritores medievais 4rabes ¢ judeus, foi publicada em 1891 numa versio reduzida por J Lippert ¢ em 1970 numa versio mais longa por Josef Bielawski, com ‘um comentério de Marian Plezia. Independentemente: de Plezia, versio mais longa foi estudada por Samuel Stern no pequeno livro Aristotle on the World Stave (1968). Stern pretendia publicar uma digo critica e comentérios do texto mais longo em colaboragio com Oswyn Murray, mas a sua morte prematura sobreveio. O seu estudo, que tende a accitar a avtenticidade da carta, é mais ertico ¢ penetrante do que o livro de Bielawski e Plezia, ambos firmes defensores da sua 122 os limites da helenizagdo autenticidade, Os dois aspectos da carta que nos interessam sio, primeiro, a recomendagao a Alexandre para que deportasse para & Europa, se nfo todos os persas, pelo menos a aristocracia, e, segundo, a prefiguracio de um estado universal em que “todos desfrutem de seguranga ¢ tranqUilidade, dividindo o dia em partes, parte para 0 bem-estar do corpo, parte para a educagio ¢ atengio aquela nobre busca, a filosofia"* (S. M. Stem, p. 7-8). Aristeles defenderia a idéia

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