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1 author:
Paulo Marques
Escola Superior de Enfermagem do Porto
42 PUBLICATIONS 93 CITATIONS
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All content following this page was uploaded by Paulo Marques on 29 September 2016.
Sebenta de Casos
Clínicos para
Enfermagem
Paulo Marques [PhD]
Professor adjunto na Escola Superior de Enfermagem do Porto
Ficha técnica
Título: Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
ISBN: 978-972-99386-1-0
Edição de autor
Foto de capa: Writing por Mateusz Stachowskiign & paginação: Francisco Vieira
“Sebenta de Casos Clínicos em Enfermagem” de Paulo Marques foi licenciado com uma
Licença Creative Commons - Atribuição-Uso Não-Comercial-SemDerivados 3.0 Não
Adaptada.
A obra Sebenta de Casos Clínicos em Enfermagem, obra publicada por Paulo Marques, foi composta na família tipográfica
Minion Pro, desenhada por Robert Slimbach em 1990.
3 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Índice
Nota Introdutória 9
Nota Introdutória
A primeira coisa que importa fazer ab initio, para que se possa perceber o que re-
presenta esta obra, é dar resposta a três questões básicas. Interessa saber o porquê,
o para quê e o a quem ela se dirige.
Ser enfermeiro, implica estar preparado para intervir, diretamente sobre pessoas,
saudáveis ou doentes, o que é uma tarefa de grande complexidade e exigência. É
necessário o desenvolvimento de competências de variadíssima ordem, que se
adquirem de múltiplas formas.
São estórias que, muito naturalmente, partem quase sempre de situações reais,
sendo transformadas q.b. para respeitarem os direitos mais elementares dos seus
atores e, por outro lado, para poderem responder ao que estava na nossa mente,
nos objetivos que tínhamos em cada uma. As fontes utilizadas são muitas e va-
riadas, a que se acrescenta a colaboração de alguns colegas, aos quais desde já
agradecemos.
Ninguém se deve sentir ofendido com algo aqui contido, porque rejeitamos em
absoluto esse intento. Apostamos antes na pedagogia.
Nem tudo está dito, claro ou transparente. Existem muitas entrelinhas, ideias dis-
simuladas na pontuação ou no verbo. Também por isso, nem todos compreende-
rão, ou serão capazes de encontrar tudo aquilo que quisemos transmitir. Pode-se
inclusive descobrir nuances ou vertentes pertinentes, que nos passaram desperce-
bidas ou que, por estarmos centrados noutros domínios, desvalorizamos. O facto
de não haver uma única enfermagem, mas várias, facilitará a menor ou maior
apetência por um dado, e o realce que lhe é conferido. E sempre se poderão acres-
centar peças, desde que lógicas e bem justificadas.
11 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Do que está dito não se pode inferir ser esta uma obra neutra, isenta, apolítica no
sentido de não ter uma ideia do que deve ser a Enfermagem. Antes pelo contrário,
é ideológica nas escolhas que faz e no sentido para que aponta.
Mas o uso deste compêndio deve englobar simultaneamente a crítica do que está
mal, e a consideração da prescrição de intervenções de enfermagem, que resultem
da evidência científica. Por questões de facilitar e direcionar a pesquisa, decidi-
mo-nos por uma divisão por áreas.
Este é pois um livro dirigido sobretudo a quem se dedica à Enfermagem, mas que
pode servir com propriedade a outras áreas do conhecimento.
Paulo Marques
Doutorado em Enfermagem, professor na Escola Superior de Enfermagem do Porto.
email: paulomarques@esenf.pt
12 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
photo by: Jelle Boontje
O Sr. Costa é um doente que sai fora do que é habitual vermos numa medicina.
Apesar de também já não ser propriamente um jovem, apresenta um ar muito
bem cuidado, ainda que com um semblante triste. Logo muito cedo, levanta-se e
vai-se arranjar à casa de banho. Toma banho, barbeia-se, perfuma-se e muda de
roupa. Regressa à enfermaria com tudo impecavelmente arranjado e pronto para
ser colocado na mala que trouxe consigo para o hospital.
Vê-se ao longe que é uma pessoa de um estrato social elevado, a forma como fala,
os termos que usa, como se dirige às pessoas, como come, em todos os gestos
está bem patente a sua condição económica. É curioso que, bem vistas as coisas,
ele não faz por fazer diferente, mas naturalmente, sobressaem diferenças com os
outros. A sua presença, de per si, provoca alguns comentários, atitudes e compor-
tamentos inabituais.
O Enf.º Mário sentia alguma proximidade com o Sr. Costa e estava a discutir com
um colega a propósito de tudo isso.
– Uma coisa é dizer que devemos respeitar todas as pessoas de igual forma, e fazê-lo,
sobretudo isto, outra é ocorrer uma empatia com alguém em especial. Claro que al-
gumas pessoas, seja pela sua maneira de ser, de se relacionar ou até pelo sofrimento
por que passam, que sentimos uma maior proximidade.
– Eu concordo contigo, nesse aspeto, mas não gosto de ver algumas pessoas a trata-
rem-no com todas as deferências, só pelo seu estatuto, enquanto ao Sr. António, da
cama ao lado, é tudo ao contrário, como se ele não existisse.
– Mas ele não tem culpa. Não faz nada para, nem incentiva isso, a culpa não é dele.
– Pois, mas ele pode, bem podia ir para um hospital privado, assim já não dava
nisto. Estavam todos ao mesmo nível.
– Na sexta-feira à noite, estive a falar bastante com ele, e acho que foi intencional
ter vindo para aqui.
– Se calhar a culpa é mais dos outros. Estava aí a filha do Sr. António, como de
costume.
– Deve gostar bem do pai, sempre a falar-lhe e a dar-lhe carinhos. E ele nem se
aperceberá.
14 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Encontrei-o num estado que nem imaginas. As lágrimas corriam-lhe pela cara
descontroladamente, mas nem soluçava. As filhas disseram-lhe que tinham nojo de
vir cá, que era tudo sujo e então, telefonam-lhe.
Tem 55 anos de idade, é de raça caucasiana, nasceu no Minho onde ainda vive
com a família (esposa e três filhos menores). Tem a 4ª classe e é pintor de auto-
móveis desde os 14 anos de idade, numa garagem próxima ao local de habitação.
Desde menino, que ocupa o seu tempo livre na agricultura, tendo um terreno
circundante à sua habitação o qual lhe permite cultivar alguns alimentos, criar
animais e colher algum vinho, verde, morangueiro ou americano. Salienta com al-
gum orgulho, que todos os anos faz a matança do porco, pelo que consome alguns
fumados, nomeadamente, presunto e enchidos preparados em casa.
Refere, também, que por noite dorme cerca de 8 horas, mas neste momento o
padrão do sono está alterado, dada a evolução da sua doença. O pai era hiper-
tenso, controlado com medicação e a sua mãe apresentava varizes nos membros
inferiores.
– Senhor Sr. Sampaio! Tem que ter calma. – Refere a Enf.ª Olga – Só para a morte é
que não há solução. Tudo se resolve.
15 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Sr. Sampaio! Vou ter que lhe colher sangue para umas análises. Posteriormente
será observado pelo médico.
– O Sr. Sampaio tem uma recidiva de Ca gástrico. Foi submetido a uma Gastrec-
tomia tipo Billroth II, em 1985, após seguimento médico por úlcera gástrica. Anu-
almente fazia endoscopia alta e nesse mesmo ano o histológico revelou tratar-se de
adenocarcinoma gástrico do antro. Depois da cirurgia fez quimioterapia, o protoco-
lo FAM, sem grande sucesso... Passados estes dezasseis anos, recidivou.
4. ‘– Enfermeira! Enfermeira!’
– Então Sr. Samuel! O que se passa? Tenha calma, o que vê não existe… Nós estamos
aqui para o proteger.
Samuel, homem de força quando jovem, desde cedo sentiu que ‘o estudo não lhe
puxava…’. Coisa de família. E os tempos não estavam para brincadeiras… Andar
a passear os livros, enquanto o pai mantinha-o, era gozo para ricos… Naquela
casa quem queria pão ia à luta.
– Tudo bem, Dr.! Quanto à imobilização, todas as superfícies da cama estão al-
mofadadas, eventualmente poderemos fazer umas luvas de boxe, mas prender vai
acabar por ser pior.
Samuel trabalhava na construção civil. A sua força era o garante do trabalho. Ca-
sado com Albertina, doméstica, têm dois filhos, um menino de 1 ano de idade
e uma menina de 3. Em Maio de 2004 sofreu um acidente de trabalho, por uma
queda de um andaime. Fez múltiplas fraturas e esteve internado na UCIP de um
Hospital Central.
O posterior inquérito atribuiu a causa ao seu estado alcoolizado, o que o fez des-
respeitar os procedimentos de segurança ao manipular uma grua elétrica de co-
mando filo-guiado, tornando o embate da carga no andaime, em que se encontra-
va conjuntamente com mais dois colegas, inevitável. Um deles veio a morrer e o
outro ficou numa cadeira de rodas. O que o salvou foi um providencial monte de
areia que amorteceu a queda. Após o internamento, foi despedido.
– Ele bebia, quase até cair! Quantas noites eram os amigos que o traziam. Bem, mas
os outros estavam na mesma! Um dia estava sozinha e comecei a falar para os meus
botões… Se o dinheirinho vai todo para a bebida a fome começa a apertar. Não! É
que estou seca e os meus filhinhos… Coitadinhos, às vezes o que vale é que os engano
com uma água de unto! Bom, mas estava eu a pensar… E se fosse ao Sr. Afonso, o
nosso Presidente da Junta? Talvez nos desse o rendimento mínimo! Em boa hora o
fiz. Ao fim de dois meses lá começou a vir aquele dinheirinho. Só que o danado do
meu marido quanto mais tinha, mais gastava em bebida… Até tenho vergonha de
ir à Vila. Agora até já nem levo os meninos ao Sr. Doutor. É que cada vez que lá
vou ele dá-me cada sermão… E eu não tenho culpa, o que é que ele quer? Diz-me
sempre o mesmo, que a minha filha está atrasada no desenvolvimento… Assim o
seu menino corre riscos…
– Mas ontem é que foi o bom e o bonito! O Samuel estava a preparar-se para sair,
como de costume até à taberna, e sentiu-se enojado… Foi à casa de banho e em vez
de vomitar, saiu-lhe sangue pela boca, até tremia. Eu disse-lhe logo para não me dar
trabalho. Que fosse ao hospital. É que pensei que fosse coisa ruim! A nossa vizinha
Josefa é que chamou o 112… Quando a ambulância chegou estava como morto…
Nunca mais veio a si!
Com efeito, o Sr. Samuel tinha dado entrada no serviço de urgência com hema-
temeses, icterícia, bilirrubinas e transamináses aumentadas. Aparentemente tem
ascite. Na posição ortostática sentia lipotimia. Ficou em OBS para ser estudado e
se decidir a terapêutica a instituir. Durante a noite o quadro complicou-se, com
alterações da consciência.
17 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Boa tarde, Sr. Dr.! Nós somos os pais do Ramiro. Então, o que tem o nosso menino?
– Nós não percebemos nada da área da saúde. É muito grave? Como será a sua
recuperação?
– As consequências são muito graves, receio que o vosso filho fique tetraplégico,
passando o resto da sua vida numa cama… E agora se me dão licença, vou para a
UCI. Logo que possível vamos leva-lo ao BO para o operar.
João e Teresa, pais do Ramiro, ficaram destroçados. O seu único menino ficaria
neste estado deplorável para o resto da vida.
– Olá! Boa tarde! Eu sou a Enf.ª Paula. Estou com o vosso filho até às 20 horas. Vou
só levá-lo para o Bloco Operatório. Depois, se quiserem, podemos conversar.
18 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
O Sr. Jorge veio transferido do hospital da sua área, após internamento de uma
semana por febre e agravamento da descamação da pele por Psoríase pustulosa.
Este doente tem antecedentes de Diabetes Mellitus tipo 2 e Hipertensão Arterial.
O Sr. Jorge é uma pessoa muito bem-disposta, dando-se muito bem com todos.
Os enfermeiros já estavam a desconfiar que nem tudo o que ele dizia correspon-
deria à verdade, daí que tenham planeado averiguar. No final da manhã, como
habitualmente, a sua esposa e filha vieram visitá-lo.
– Estou ótimo, tenho casa, mesa e roupa lavada, de que me posso queixar.
– Precisava de saber como é a alimentação do Sr. Jorge. Ele agora está bem, mas é
provável que precisemos de fazer alguns ajustes no regime terapêutico.
– Ele ralha connosco se não fazemos a comida que ele quer, e levanta-se de noite
para ‘atacar’ o frigorífico. Nós bem lhe dizemos que não o deve fazer, mas ele é que
sabe. – Confidenciava a mulher, resignada.
– Veja bem Sr.ª Enf.º, eu tenho vivido bem assim, não é agora aos 74 anos que vou
mudar. A gente tem de morrer de alguma coisa, não é. É o que se leva desta vida.
– Sabe, Sr. Jorge, a questão não tem só a ver com o viver e o morrer.
– Ele está sempre a comparar-se com o pai, que levava uma vida desregrada e viveu
quase até aos 100 anos.
– Muito bem, Sr. Jorge, eu percebo o seu ponto de vista, mas enquanto enfermeiro
tenho o dever de o informar, motivar e tentar fazer com que adira a comporta-
mentos mais saudáveis, mas falaremos disso numa altura mais propícia, consigo e
com a sua família. Só irá regressar a casa depois de termos tido algumas conversas,
asseguro-lhe.
Por via da sua condição de saúde, persistia uma quase total descrença da parte
do doente, da sua família e também de alguns dos profissionais de saúde, relati-
vamente a uma possível recuperação, e consequentemente melhoria da qualidade
de vida. Estavam em causa atividades fundamentais, como andar, ir à casa de
banho, entre outras.
As frases que se iam ouvindo, aqui e ali, pronunciadas por pessoas próximas do
doente, andavam à volta de: ´coitadinho, Sr. Enf.º, ele está muito mal, não está?’,
ou ‘ele vai morrer não vai, Sr. Dr.?’, e também, ‘o que ele foi e o que é. Ao que nós
chegamos’. Comentários muitas vezes efetuados sem o cuidado devido, e portan-
to, completamente escusados.
– Que coisa extraordinária esta. O que lhe fizemos foi tão simples. Qualquer pessoa
numa situação normal é capaz de o fazer, parece até que menosprezamos estes atos,
que não têm qualquer aparato, como alguns dos procedimentos que efetuamos e, no
entanto, que grandioso isso foi para o Sr. Valdemar. A alegria que irradia da sua
face, não deixa dúvidas. – Congeminou um dos Enf.ºs.
– Quando tomava banho na cama, sentia-me ‘porco’, e quando a fralda ficava suja
com fezes não chamava os enfermeiros por vergonha. Aquilo por que se passa, quan-
do assim ficámos, é inimaginável.
O Sr. Jaime, um homem de 56 anos, casado, que tem dois filhos (por sua vez já
casados e com uma filha cada um), residente na área metropolitana do Porto e
que foi internado por pneumonia à direita (da comunidade) e insuficiência res-
piratória. Em 1999 foi-lhe diagnosticada esclerose múltipla, sendo seguido pela
especialidade de Neurologia num dos hospitais do grande Porto.
A doença não tem, até ao momento, tratamento. Apesar disso, podem ser usados
diferentes recursos terapêuticos que ajudam a aliviar os sintomas e prevenir even-
tuais complicações. A fisioterapia, que o doente realiza 3 vezes por semana, é uma
boa forma de melhorar o estado físico e prevenir sequelas motoras/sensitivas,
procurando possibilitar-lhe a máxima autonomia.
Todavia, mesmo sentindo-se frágil e por vezes com falta de energia (física e men-
tal) para realizar as atividades de vidas diárias, esforçava-se por realizá-las e por
colaborar o máximo possível.
O doente olhava para mim e parecia que me estava a dizer que ‘desaparecia’ aos
poucos, vítima da doença que o acometia. Pensar nessa possibilidade assusta; as
mudanças são momentos de crise e reflito nas transições que se tem de fazer para
se encarar de forma positiva o futuro.
Refere ser a caçula, mas a sua relação com os irmãos não parece ser muito cordial.
Desde cedo começou a trabalhar, foram vários os empregos, estando à cerca de 6
anos a trabalhar numa casa de alterne.
Da história ginecológica revelou ter tido a menarca aos 12 anos de idade, tendo
nesta mesma idade começado a ter relações sexuais.
Esta doente foi admitida em Junho de 1999, pelo Serviço de Ginecologia, com dor
pélvica e leucorreia. A observação detetou condilomas por HPV. Foi de imediato
internada, sendo feita cauterização das lesões e tratada da infeção. Foi-lhe dada
alta clínica.
– Pois, tem razão, mas sabe, quando há hemorragia, tem que ficar com esse tampão
e as pernas estendidas e juntas... Para ver se para.
– E se não parar?
A doente é fumadora de 2 maços por dia. Nega hábitos etílicos, no entanto refere
que ‘por vezes, com alguns clientes bebo uns Whiskeys... O número de refeições
por dia é variável, entre três a quatro. Tem hábitos de sono muito desregrados.
Na hora da visita foi possível à Enf.ª Sofia falar com uma sua amiga...
– Sim claro, no que eu puder ajudar! Mas ela está muito caída não está?
– Sim está, mas é natural, já que perdeu muito sangue. Mas... E a família, não pode
cá vir?
– Não acredito que venham. A Fátima saiu de casa muito jovem... Dizem que teve
mimo a mais, e que começou a andar com este e com aquele muito cedo. Quase nem
se falam. Culpam-na, inclusivamente, da morte da mãe, dizendo que a Sr.ª morreu
de desgosto.
– Fica comigo, já que partilhamos o mesmo quarto. Mas à noite terá de ficar sozi-
nha, já que eu trabalho no mesmo bar que ela.
Os médicos estavam reunidos e a Enf.ª entrou para participar. Não pareciam ha-
ver alternativas. Teria de fazer uma embolização pélvica. Com efeito, a doente já
tinha sido poupada a esse procedimento aquando do diagnóstico de carcinoma
in situ. Pelo que agora, perante uma complicação da irradiação com Césio 137,
atonia uterina, só em última instância a equipa médica se decidiria por tal.
23 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Bom, vamos lá preparar para o Bloco. – A Enf.ª Rute não tinha tempo a perder.
– Isso não é comigo, eu cá só tenho que a arranjar. E, mais a mais, a Sr.ª já sabia que
com a vida que levava ia ter de acabar mal. Bom, é só um instante.
Naquele preciso momento, a Enf.ª Sofia ia a passar junto à porta do quarto e não
gostou do que ouviu... As duas Enf.ªs encontram-se na sala de trabalho...
– Estás com má cara, mas se foi pela resposta que eu lhe dei, foi ela que a pediu...
– Vais-me desculpar, mas nós somos enfermeiras, não somos nem juízes nem mora-
listas. Não nos cabe a nós julgar...
– De facto há riscos… Não só pela sua doença, mas por outras como a SIDA, a He-
patite B... Faria algum sentido que refletisse e tentasse mudar...
– Eu gostava mas... Inicialmente ainda haveria tempo, mas aí era difícil perceber.
Agora é um pouco tarde... Mas o pior é o estar só... (começou a chorar).
Faz tratamento para a asma e tem história de histerectomia total com anexotomia
bilateral por pólipo no útero em 1985. Em 20 de Setembro de 2000 fez tumorec-
tomia mamária com esvaziamento axilar, que decorreu sem incidentes. O exame
de anatomia patológica determinou um carcinoma invasor. Posterior consulta
de grupo oncológico determinou a realização complementar de quimioterapia e
radioterapia. A Sr.ª Alice apenas tolerou a realização de dois tratamentos de Qui-
24 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
mioterapia, tendo feito de seguida vinte sessões de RT. Como efeito secundário
da rádio, surgiram lesões mamárias e axilares, não tendo sido possível obter qual-
quer melhoria, apesar de todos os cuidados e orientação terapêutica instituída.
No início da noite do 3º dia surgiu um pico febril de 38, 5 graus centígrados, e era
visível uma zona de cerca de 2, 5cm de tecido necrosado. Decorridos mais 3 dias,
constata-se a presença de uma drenagem serosa no penso. No 9º dia foi observa-
da pelos médicos da Cirurgia Plástica, que efetuaram desbridamento da região
necrosada, retiraram os drenos e deram indicação para se efetuar tratamentos
diários da ferida com compressas embebidas em iodopovidona. Os dias seguintes
confirmaram os receios que já existiam, tendo a ferida evoluído de sinais inflama-
tórios com saída de líquido hemático escuro, para líquido sero purulento, o que
conduziu à instituição de antibioterapia. No dia posterior a esta medida, a ferida
continha um líquido purulento com cheiro fétido. Neste momento foi alterado o
modo de tratamento da ferida, passando a fazer-se com S.F. + Soluto de Dakin, o
que não contribuiu para uma evolução positiva da mesma, daí que se tenha evo-
luído para a aplicação de compressas de carvão ativado com prata.
– Então, Dr.ª! O que se passa? Querem meter cá mais algum daqueles que vêm para
ficar?
25 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Não, vão-nos enviar uma doente que não carece de cuidados intensivos e isso
irrita-me. Ou tem critérios ou não tem.
– Deixe lá, já sabe que ninguém gosta de nos ver parados. Quem nunca aqui traba-
lhou acha que nós não fazemos nada. É a conversa de sempre: ‘vocês com um doente
ou dois ainda se queixam, que fará nós’. Eles não percebem!
– Mas olhe que não vai ser uma situação fácil. A doente pesa cento e tal quilos e
tem uma neoplasia na coxa esquerda. Na segunda-feira vão-lhe fazer uma Perfusão
Hipertérmica do membro, no Bloco Operatório, e vem cá mais para observação e
também para outra coisa.
– O quê, Dr.ª?
– Ela tem uma ferida no local do problema, em muito mau estado, e tem um cheiro
fétido. A indicação é para fazer o tratamento com Soluto Dakin. Manter permanen-
temente as compressas humedecidas, mais por causa do odor.
A doente tinha um olhar triste e parecia não estar a ver nada em especial, nem se-
quer aqueles que a rodeavam. Não mostrava reação de estranheza pelo ambiente.
Parecia alheia a tudo e a todos.
– Pedro?… Pedro?… Chamem o 112… o pai está caído no chão e não responde!
Pedro tem 50 anos, gestor de empresas, com uma vida estável e bem estruturada.
Tem à sua responsabilidade um importante grupo empresarial. Passa cerca de 8
a 10 horas por dia, a trabalhar, fumando 30 a 40 cigarros. Aprecia a boa mesa…
Bom conversador, saboreia cada momento com especial prazer. Adora a cozinha
portuguesa e não prescinde das entradas típicas (presunto, chouriço…) nem tão
pouco do copo de whisky… Até porque um amigo de família, já bem idoso, falara
em tempos a seu pai, que o seu médico, muito afamado, afirmara que um copo
diário prevenia as doenças do coração.
– Hoje foi um dia diferente, levantou-se indisposto, com uma cefaleia contínua e
latejante. Tomou um comprimido analgésico, mas não cedeu… Eram cerca das 10
horas da manhã e achei por bem ir vê-lo. Acordou, sentou-se, pegou-me na mão e
comentou…
– Isto só pode ser do ritmo de trabalho, tenho que meter uns dias de férias! De repen-
te, levou a mão à cabeça e disse que parecia que tudo ia explodir. Começou a ficar
pálido e foi quando caiu inanimado sem mais nada dizer.
(Quero falar e não posso… Eh! Parece que há algo a pressionar a bochecha da minha
cara à esquerda… sinto-me tonto… o meu corpo não mexe à direita… Isto não me
pode estar a acontecer!... Vejo rostos sobre mim… Falam lá longe… ouço-os mas
não os percebo… A forma não fica focada… que estranho local. Ah! E depois a luz,
é branca e bem intensa…)
– Minha senhora, o seu marido sofreu um AVC. Neste momento está estável, mas
temos que aguardar umas horas. Vai ter de realizar outra TAC. Para já a nível mé-
dico é ainda tudo muito reservado, temos que aguardar. A Sr.ª enfermeira já vem
falar consigo.
– Boa-tarde, D. Alice. Eu sou a enfermeira Cláudia. O seu marido vai precisar mui-
to da sua ajuda. É importante que, logo que esteja preparada, falemos de alguns
aspetos importantes.
– Desculpe?! Eu quase não me contenho aqui de pé… Não me diga que já estão a
tentar dar-lhe alta! Para isso nem vinha para o hospital. Só o trouxe para cá porque
ele sempre me disse que se algum dia ficasse doente, com gravidade, queria vir para
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um hospital público. Mas, por mim, no privado é que estava bem. Onde é que já se
viu uma coisa destas!
– Estás a ver Cláudia, é bem feito. Cismas com as psicologias… e depois é isso. Co-
migo não há hipóteses, cumpro o que o médico prescreve, dou-lhes o banhinho e a
comidinha e ala que se faz tarde… Não é para isso que nos pagam? E ainda por cima
com a esmola que recebemos.
– Eu não vou discutir contigo, mas sabes bem que há muito mais e bem importante
para fazermos.
– Claro, até porque blá, blá, blá… Só teorias… Bem, tu é que sabes. Eu também já
fui assim, mas o tempo ensina-nos. E acabaram-se as minhas chatices.
Na passagem de turno, o Enf.º Paulo tinha estado atento aos dados referentes aos
doentes que lhe estavam atribuídos. Uma dessas pessoas era a Dª Georgete, de 40
anos de idade. Foi internada por metástases cerebrais de primário desconhecido.
Fez Craniotomia e o pós-operatório decorre de acordo com o habitual. Está cons-
ciente e colaborante, apresentando um Glasgow de 15.
O Enf.º Paulo dirigiu-se na direção da cama da doente, que ainda dormia. Avaliou
os sinais vitais e documentou-os. Passado pouco tempo, e depois da Dª Georgete
ter acordado, o Enf.º iniciou os cuidados de higiene, ao mesmo tempo que con-
versava com a doente. A sua intervenção tinha múltiplos objetivos. No decorrer
do diálogo estabelecido, a doente questionou o Enf.º a propósito das terapias al-
ternativas.
– Eu acho que há mais coisas para além daquilo que nós conhecemos. Por vezes não
conseguimos encontrar uma explicação racional e isso perturba-nos, e talvez seja
esse o problema. Nós temos uma grande necessidade de objetivar. Isso é fruto da
nossa educação, da cultura em que nos inserimos.
corpo. Pedi à cabeleireira para ela me esclarecer sobre o tema, porque há já algum
tempo que tinha uma dor aguda e permanente, localizada numa determinada zona
de um dos meus pés.
– É verdade. A partir daí não consegui deixar de pensar no assunto, e logo que pude
fui ao meu médico pedir-lhe para ele me receitar uma TAC.
– Achou estranho, porque eu não me queixava de nada, nem tinha sinais de qual-
quer problema, mas eu insisti. Ele deve ter julgado que eu era hipocondríaca, e que
assim me iria tranquilizar, já que ia dar negativo.
– Pois não. Ele ficou surpreendido, eu já estava à espera desse resultado. Entretanto
já fiz montes de exames e não se consegue saber qual a origem de tudo.
O Sr. José é uma pessoa muito especial, aliás, como todas o são. Com cerca de 82
anos e uma história de antecedentes pessoais muito longa (HTA, DPOC, doen-
ça coronária...) encontra-se internado devido a uma infeção respiratória. Bem,
também é certo que ele diz que perdeu a chave de casa e por isso, enquanto não
lhe mudarem a fechadura não adianta darem-lhe alta, porque não tem onde ficar
e volta para cá. Não é uma pessoa fácil de aturar. Tem uma personalidade muito
vincada e um feitio muito difícil, de tipo autoritário. Já não chegavam as dificul-
dades próprias de um serviço com as características daquele, com doentes, sobre-
tudo idosos, em mau estado, com muitas dependências e que obrigavam toda a
equipa a um corre-corre, e ainda tinham de aturar um ‘cromo’ destes.
Sempre que se lhe propõe alguma atividade ele está do contra, ou então, quer
que seja à sua maneira. Diga-se de passagem que não é fácil. É bem mais simples
quando os doentes aceitam o que lhes dizemos. É que bem vistas as coisas, nor-
malmente não existem alternativas, tipo pijama às riscas ou liso. É mais, se não
quiser o que há, fica sem nada, ou com uma bata, o que, em abona da verdade
torna as pessoas ridículas. É preciso muita paciência e uma excelente capacidade
de persuasão.
O Sr. José dificultava todas as atividades, para o banho quer pijama completo,
levar a bala de O2 e ir de cadeira de rodas, quando não tem necessidade disso.
29 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
O que ele gostava era que a casa de banho viesse até ele. Além disso, não ad-
mite não ser o primeiro em tudo e acha que tem de dar tanto ou mesmo mais
trabalho que os outros doentes. Disse que a Enf.ª Rosa era sua empregada, que
estava ali para fazer as coisas por ele, que era um doente cardíaco e não podia
esforçar-se, o que lhe fez ‘saltar a tampa’.
– Sr. José! Exijo que me respeite, o Sr. tem direitos mas também deveres. A minha
função é fazer aquilo que é melhor para si, não o que o Sr. julga que é, quando uma
coisa e outra são diferentes.
O Sr. José passa o dia a gritar e a tratar mal todos. Só a Enf.ª Rosa percebeu que ele
tinha problemas de audição. Quando lhe falavam baixo era para o gozarem e alto,
uma falta ao respeito... Para lidar com ele, ela tem que explicar-se constantemente.
Propõe a atividade, aguarda que ele grite e diga que não, espera até que ele queira
fazer, o que demora sempre alguns minutos importantes. Hoje de manhã o Sr.
José pediu-lhe desculpas pela forma como falava consigo, afirmando que muitas
das coisas que dizia era sem pensar.
Este doente tem como antecedentes HTA, Diabetes tipo 2, Insuficiência Respira-
tória Crónica, Glioblastoma multiforme, ao qual foi operado em Dezembro do
ano passado (encontrando-se restringido no leito desde essa altura), e apresenta
hemiparesia sequelar à esquerda.
O estado de debilidade física que apresenta e a forma como aparenta lidar com
a sua condição, tendo uma real consciência do seu estado, são fatores perturba-
dores para os profissionais de saúde que o cuidam, já que não encontram muitos
casos iguais. O Sr. Joaquim parece conformado, dir-se-ia mesmo, tranquilo.
De dia para dia, a situação foi-se agravando, dificultando a comunicação. Nos pri-
meiros dias ainda conseguia pronunciar alguns monossílabos e cumprir ordens
simples. Com o passar do tempo, apesar de todo o seu esforço, foi-se tornando
cada vez mais incapaz de comunicar com os outros.
Nesse dia, em que nada de bom parecia ir acontecer, o próprio som do oxímetro,
sempre a fazer-se ouvir, stressava a Enf.ª, que se sentia impotente perante a dessa-
turação do doente. Não havia mais medicina para aquele doente, haveria o quê?
Cerca das 20:00 desse dia, quando se preparava para terminar o turno e mudava
o aparelho das saturações de dedo, a mão fria em que tocava, agarrou-a com fir-
meza. Sentiu um arrepio! Com mais dúvidas que certezas, ficou um pouco, ali.
Este doente foi proposto para realizar hemodiálise, pelos seguintes fatores: insu-
ficiência renal crónica avançada, cardiopatia dilatada, presença de enfartes lacu-
nares múltiplos cerebrais, retinopatia hipertensiva, HTA, anemia e suspeita de
derrame pericárdico.
Neste momento, o doente encontra-se numa fase inicial do tratamento por hemo-
diálise. Esta condição, muito recente para o doente, reflete-se nalgumas limita-
ções no seu quotidiano, até porque se vai prolongar por toda a sua vida, caso não
seja possível realizar um transplante renal.
31 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Sendo uma pessoa jovem e com uma vida ativa, além de gostar de viajar praticava
vários desportos, e é inclusivamente federado numa modalidade, esta alteração
na sua vida está a perturbá-lo. Até que ponto conseguirá manter o seu estilo de
vida, é a pergunta que faz a si próprio. E, uma das questões que colocou aos
Enf.os foi, como poderia viajar tendo de realizar as sessões de hemodiálise três
vezes por semana.
Apesar de tudo, o Sr. Nuno é uma pessoa muito bem-humorada, alegre e interes-
sado nos assuntos relacionados com a sua saúde.
Enquanto trabalhava nas obras e sem saber muito bem porquê, o Sr. Moreira so-
freu um Acidente de Trabalho, dos muitos que acontecem todos os dias por este
país fora. Caiu desamparado de uma altura de aproximadamente 3 metros, queda
essa que resultou numa fratura do maléolo e tíbia à direita. Transportado ao hos-
pital mais próximo, foi operado nesse mesmo dia, fazendo osteossíntese de ambas
as fraturas com anestesia geral.
Tendo em conta que se tratava de uma pessoa jovem – 39 anos –, sem anteceden-
tes pessoais ou familiares conhecidos de qualquer tipo, que fizessem aumentar o
risco, finda a cirurgia foi encaminhado para o Serviço de Ortopedia da referida
instituição de saúde.
Posta ao corrente do que se havia passado com o marido, pela empresa para a qual
ele trabalhava, não tardou muito a que a mulher do Sr. Moreira estivesse ao seu
pé. Um pouco chorosa de início, já que dispunha apenas de informações gerais
sobre o acontecimento que o havia levado ao hospital, desconhecendo em abso-
luto a situação em que o marido se encontrava, foi tranquilizando pouco a pouco,
na sequência da conversa que manteve com o Enf.º António José.
32 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Então Sr. enfermeiro, que lhe parece, será efeito da anestesia? Eu sempre ouvi
dizer...
– Vai algaliá-lo?
– Por enquanto ainda não, vamos ver. Vou tentar estimular a eliminação. Se não
obtivermos resultados insiro um cateter vesical transitoriamente.
Ricardo Ferreira estava a ser seguido pela consulta de Gastroenterologia, por úl-
cera gástrica. Após tratamento medicamentoso à Helicobacter Pylori e acompa-
nhamento da evolução através de endoscopias seriadas, verificou-se uma melho-
ria acentuada do problema identificado. Todavia, perante a manutenção da dor
abdominal, foi recomendada uma observação por Medicina Interna para exclu-
são de problemas cardíacos. As suspeitas de Estenose Aórtica foram confirmadas
após a realização de diversos exames, nomeadamente Ecocardiograma, Holtter,
Prova de Tilt e Cateterismo Cardíaco, conduzindo a que lhe fosse proposto a co-
locação de válvula aórtica mecânica, o que aceitou.
O Sr. Ricardo tem 70 anos, está reformado, apresenta bom estado geral e não sofre
de qualquer défice motor, sendo completamente independente nas atividades de
vida diária. Dois meses após a cirurgia observam-se apenas ligeiros edemas nos
membros inferiores e um aumento acentuado do peso, cerca de 9 kg.
internamento. Parece que foi a única consequência das recomendações que lhe
foram feitas no decurso daquele. O exercício físico diário e a dieta pobre em gor-
duras, rica em fibras e com restrição de sal, além da ingestão de 1 litro de água,
não estarão a ser cumpridos. Questionado sobre a (s) razão para tal comporta-
mento, responde com um evasivo: “então o que é que sobrava?”. Tem atualmente
um consumo de cerca de 192 gramas de vinho por dia, a acompanhar as refeições.
Perto do final do mês, recorreu ao hospital distrital da sua área de residência por
apresentar dispneia de repouso com cianose labial e das extremidades, e prostra-
ção. Foi internada por Insuficiência Cárdeo Respiratória.
Tendo em conta que o estado daquela pessoa exigia uma diferenciação de cui-
dados que o nível da instituição não dispunha, foi transferida para um hospital
central nessa mesma noite.
– Não sei, eu nunca vi aqui ninguém, mas lembro-me de alguém dizer que tem um
filho, pelo menos é o que diz no processo...
Como a D.ª Regina apresentou menorragias, nesse dia não efetuou trombolítico.
Dois dias depois, por manter a insuficiência respiratória e se tratar de um TEP
submaciço, foi reequacionado o reinício da Heparina, apesar das perdas sanguí-
neas que apresentava. Por dificuldade na identificação e cateterização de um aces-
so venoso periférico, foi decidido colocar cateter central na veia subclávia direita,
processo que decorreu sem incidentes. Após bólus de Alteplase iniciou epistáxis,
ligeiro hematoma no local da punção e aumento do fluxo sanguíneo menstrual,
determinando-se a suspensão do produto. Fez TAC de controlo que não mostrou
extravasamento. Neste período há a assinalar apenas uma baixa ligeira nas satu-
rações de oxigénio.
Esta doente acabou por estar internada cerca de quinze dias, fazendo anticoagu-
lantes após ter sido puncionada, que passaram para via oral numa fase posterior.
Realizou ainda e antes do seu regresso ao domicílio, Ecocardiograma, Cintilogra-
ma, TAC e Arteriografia Pulmonar.
Às 12 horas do dia 21, a Enf.ª Luciana aproximou-se da doente, que estava a ar-
ranjar os seus pertences para se ir embora, para lhe fornecer algumas informações
que consideravam importante. Depois da conversa de circunstância que estabele-
ceu com a senhora, indagou-a sobre a medicação que levava, se sabia os cuidados
a ter, etc, ao que a Dª Regina respondeu:
– Deram-me este papel que é para eu ir ao Serviço de Sangue nestas datas, e disse-
ram-me que tenho de fazer o Varfarina como diz aqui. Há mais alguma coisa que
é preciso?
Tendo em consideração que por diminuição dos recursos humanos naquele hos-
pital, nomeadamente de enfermagem, tinha sido abandonada a visita pré-opera-
tória, a identificação dos dados relevantes ao diagnóstico de enfermagem passou
a ser iniciada na admissão do doente no Bloco Operatório. Num espaço físico
36 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
com condições inadequadas e num tempo incorreto, quer para uma boa interação
enfermeiro/doente, quer para uma análise adequada do seu processo clínico, de
forma a implementar um correto Plano de Cuidados.
Quando abordado pela enfermeira, o Sr. Fernando referiu saber o que lhe iam
fazer, mas não se lembrava bem do que lhe tinha sido dito sobre o período pré-
-indução. Por outro lado, à questão se sabia onde e como previsivelmente iria
decorrer o pós-operatório, respondeu negativamente.
A ação que vai ser relatada decorre numa enfermaria de um serviço de medicina de
um hospital central, em Portugal, no ano de 2007. São 8:10 da manhã, e a Enf.ª Mar-
ta, que fez ‘vela’, está a passar o turno aos colegas que a vão substituir. Encontram-se
na referida sala, além de três elementos da equipa de enfermagem, seis dos sete
doentes aí internados, mais quatro alunos de uma escola de enfermagem que iam
iniciar o Ensino Clínico Hospitalar, e uma médica que tinha sido chamada para ob-
servar o Sr. Alberto da cama 4, em virtude de um agravamento do seu estado geral.
à espera do resultado da TAC cerebral que fez na segunda-feira e, fora isso, não está
cá a fazer mais nada. Há! Continua a queixar-se de dores de cabeça, mas eu esta
noite nem lhe dei nada. É assim, da farmácia continua a haver falhas na reposição
da medicação, e não vou ser eu a andar a pedir aos outros serviços... mas ele também
não se queixa muito.
– Nós dizemos-lhe para ele ficar na cama, mas ele diz que se sente bem, o que é que eu
posso fazer? Não vou obrigá-lo.
– Já vou Dr.ª Luísa! – Respondeu sem olhar e prosseguiu. – Até agora não havia
pressa nenhuma; no processo até está que não é para reanimar... Na cama 2 está o
Orlando, de 85 anos, que entrou de tarde. Passou a noite toda a dizer que eu era
filha dele e que ainda não lhe tinha trazido, não sei o quê; é difícil entender o que ele
diz. Entrou por pneumonia, mas tem história de AVC’s, hemiparesia à direita, que
mantém, síndrome demencial e uma série de outras coisas. Está acamado, em casa,
desde há dois anos. Parece que é a mulher e uma empregada que cuidam dele e, pelo
que parece, bem. Não tem nenhuma escara. Já vinha com sonda nasogástrica. Tive de
lhe imobilizar os braços, antes que se magoasse. Ele estava sempre a mexer na região
perineal e a tentar sair da cama. É completamente dependente nos autocuidados e...
– Sr.ª Enf.ª, já fez o que lhe pedi? – A médica acabara de entrar para fazer a punção
arterial. Contrariada, a Enf.ª Marta dirigiu-se ao carro de medicação, tendo retira-
do duas ampolas de Furosemida, mais duas de Prednisolona (25 mg/cada) que se
apressou a preparar. No final, olhou para uma aluna e disse:
– Não sei... – a aluna pareceu hesitar, mas ao sentir os olhares de todos na sua dire-
ção, decidiu-se – Está bem.
– Srs. Enfermeiros! Srs. Enfermeiros! O Sr. João está caído na casa de banho...
– Entrei lá por acaso e ele tinha caído da sanita, e está lá estendido no chão... – Pros-
seguiu a assistente operacional.
38 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Como a sonda vesical que o doente apresenta não está adequada ao tratamento, o
Enf.º Jorge foi explicar-lhe o porquê de a ter de substituir por outra, de três vias.
À medida que vai explicando as razões e o procedimento, de forma a contar com
a colaboração do Sr. Rosas, apercebe-se de alguma indiferença na atitude e nas
respostas que aquele vai verbalizando, quase por monossílabos e sem sequer olhar
para o enfermeiro.
– Peço desculpa, Sr. Enf.º. Não tem nada a ver consigo, eu é que já estou farto e digo
mal da minha sorte...
– Percebo...
– (...) Estou aqui e tenho a minha mulher lá em casa, sei lá como. Ela ainda está pior
do que eu, já não é capaz de dar conta de nada. Ainda vai fazer alguma asneira.
– Não! Nunca calhou. Mas podia não ajudar em nada, eu conheço casos que ainda
é pior, por isso... Mas quem sabe, não dessem jeito agora.
– E os vizinhos?
– Bem é que não está. Esquece-se muito, não fica bem sozinha.
– Está bem, não se preocupe, eu vou telefonar para o Centro de Saúde e os colegas
vão avaliar a situação. Depois digo-lhe alguma coisa, fique tranquilo que tudo se vai
resolver da melhor maneira.
Assinala-se ainda que o Sr. Rosas tem como antecedentes pessoais uma Neoplasia
39 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Como a situação inicial não revertia, vai ao Bloco Operatório realizar nova RTU-
-TV com coagulação. Regressa à enfermaria com cistostomia suprapúbica, que
está clampada e com sonda vesical funcionante, a drenar urina clara. Dois dias
depois, por apresentar dor peniana intensa, retira a algália e passa a drenar a uri-
na pela cistostomia. Como persistiam queixas álgicas generalizadas é solicitada
consulta de dor.
Aquela tarde não era exceção à regra. Um quarto para as duas e já estava equi-
pada. Esperava a passagem de turno com um ‘nó’ na barriga. Os outros, de uma
forma bem vincada, faziam notar a sua falta de estatuto. Raramente lhe dirigiam
o olhar e mostravam desinteresse pelas suas opiniões.
40 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Focalizou a sua atenção nos dados que lhe iam sendo transmitidos sobre o doente
da cama n.º 7. Hoje iria ficar só com um, mas convinha não embandeirar em
arco, porque em princípio as dificuldades eram inversamente proporcionais ao
número.
– Bom, o Sr. Gouveia deu entrada ontem por volta das 19h – e muito sinceramente
não sei o que veio cá fazer... é um doente terminal –, sem tensões, cianosado, pra-
ticamente em paragem cardiorrespiratória, em anúria, enfim, estão a ver, não é!
Entretanto foi entubado nasotraquealmente, algaliado – com uma sonda n.º 14 – e
estabilizado hemodinamicamente com aminas (que ainda mantém). Está a fazer
Alimentação Entérica pela jejunostomia e os médicos estão a pensar iniciar hemo-
filtração. Ele neste momento está consciente, ‘não colaborante’, direi mesmo agitado.
É preciso ter atenção que ele procura arrancar tudo e sair da cama. Está sempre a
tentar falar, mas não se percebe nada. Tem períodos de desadaptação ao ventilador
– módulo de Pressão Assistida de 20 – e mantém sedação com Propofol a 20 ml/h,
que tem sido ajustado. Aliás, neste momento está a menos, porque como ele estava
com 38,8º C de temperatura axilar teve que fazer o Paracetamol, mas eu diminuí os
limites do alarme das tensões.
– Tem secreções espessas e purulentas; faz extrassístoles esporádicas e está com baixo
débito urinário desde as 10h da manhã e urina ligeiramente hemática.
Carla já quase havia gasto a folha de notas de enfermagem que lhe servia de ras-
cunho, mas faltava uma peça e arriscou a pergunta.
– Diz-me uma coisa, Sónia – interrogou a Enf.ª Célia, quanto é que ele pesa?
– Considerou-se 50Kg para o balanço, mas até parece menos, para dizer a verdade.
Ah, já me esquecia de uma coisa, a mulher é uma chata dos diabos, está sempre a
fazer perguntas. Espero que a chefe não a autorize a passar cá a noite, se não esta-
mos bem arranjados...
– É a nossa ‘amiga’ Dr.ª Lurdes. Estais feitos! Tentem mas é não estragar o que eu
fiz...
Carla tremia toda enquanto se dirigia para a cama 7. É hoje que o mundo vai
desabar, pensava.
41 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Ao chegar perto do Sr. Gouveia, tentou integrar rapidamente o que os seus sen-
tidos lhe transmitiam, procurando analisar a situação de uma forma racional e
sistemática. Olhando para o doente, reparou que ele estava inclinado na sua dire-
ção, ainda que imobilizado nos antebraços. Uma das mãos, apesar de edemaciada
e da dificuldade, tracionava a sonda vesical; suado, deixava escorrer uma lágrima
pelo rosto. A falta de contração muscular deixava Carla na dúvida. Seria da me-
dicação...
O monitor denunciou uma acentuada taquicardia. A sua presença parece ter es-
timulado o doente, que aparentava querer dizer qualquer coisa. Tentou ler-lhe os
lábios.
– Sr.ª Enf.ª! Estou tão cansada que já não consigo raciocinar direito. Tenho estado a
tentar pensar no que será melhor para o meu marido e, ainda que isso me custe mui-
to, eu sei que ele não queria passar por isto. Nós só viemos cá por ele não conseguir
respirar direito. Ajude-nos, por favor! – O seu rosto triste não conseguia esconder
a convicção que as palavras e as mãos que apertavam forte as suas comunicavam.
– Então Carla, não ouviste o que a doutora disse? É melhor dizer à esposa do Sr.
para esperar lá fora. – A voz da sua colega ‘empurrou-a’ ainda mais contra a pa-
rede.
– Provavelmente amanhã irá ter alta, já que neste momento não necessita de cuida-
dos que justifiquem a sua permanência na unidade de cuidados. Os valores analí-
ticos estão bem, pelo que agora é uma questão de tempo... e de juízo. – Disse o Dr.
Jorge (assistente do Dr. Rui, à mulher do Enf.º Ferreira). – Vai medicado para casa
com Varfarina, AAS, anti hipertensores e um calmante para o ajudar a dormir.
– Eu acho-o tão diferente, doutor. Está agressivo, comigo e não quer receber visitas...
Passa o dia a olhar pela janela...
– Isso passa-lhe. Se fosse comigo eu ia reagir pior. Temos de lhe dar tempo para se
acostumar à nova situação. Quanto às visitas, até é bom, porque no princípio pare-
cia uma romaria; só o cansavam.
– Já viste Manel, não valemos mesmo nada. O Ferreira, tão novo e já com todos
aqueles problemas. Eu bem te digo para não fumares, mas és teimoso.
– Sabes bem que eu não tenho nem um terço dos problemas dele. Só fumo, e nem
chegam a 10 cigarros. Mas ele não está nada bem. Noutro dia, depois de sair da casa
de banho, ficou lá um cheiro intenso a tabaco.
– O quê? Ele é livre para tomar as suas opções, se quiser morrer é com ele. Aliás, eu
falei com um colega nosso que o veio visitar, que me disse que ele estava com ideias
de suicídio.
O Sr. João era já um doente habitual daquele serviço de Medicina. Mal o frio
apertava, lá recorria ele à urgência para mais um período de recuperação da agu-
dização da sua DPOC. Fumador inveterado desde muito cedo – vício que deixou
vai para quatro anos -, conhecia a sua doença como ninguém.
– Bom-dia Sr. João! Soube que passou mal a noite. – A resposta fez-se com um ace-
43 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Não sei. Quando ia a passar reparei que ele tinha tirado a máscara, e quando me
aproximei ele já não respondia às minhas perguntas.
Rui estava há cinco anos no serviço de Medicina daquele hospital, ainda que ti-
vesse mais anos de experiência como enfermeiro. Naquela manhã, aparentemente
igual a tantas outras, tinha ficado responsável pelos doentes da enfermaria J. Ain-
da que sobrelotada, aliás como toda a unidade, só tinhas dois doentes acamados.
O Sr. Vitorino, já um ‘velho’ conhecido de todos, com antecedentes de AVC is-
quémico e internado por uma Insuficiência Cardíaca, e o Sr. Augusto de 63 anos,
com uma história de vários E.A.M., Insuficiência Cardíaca e que foi internado por
AVC hemorrágico há cerca de 5 dias. Apresentava hemiplegia à direita e desvio
da comissura labial.
44 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Enf.º Rui! O Enf.º Nuno está a chamá-lo à sala de trabalho – alertou-o a assistente
operacional Rosa.
– Ana, não se esqueça dos comprimidos que estão na mesinha de cabeceira dos
doentes, que eu venho já.
– Então Sr. Augusto, assim cospe-me toda. Tome lá os comprimidos e seja mais
rápido, que eu não tenho a manhã toda.
– Deitou tudo por fora, eu acho que é preferível dar-lhe por uma sonda.
– Eu já sabia, eles têm a mania, mas como não estão aqui... Vamos lá à ‘banhoca’,
Sr. Augusto!
– Veja se não escorrega, que eu não tenho almofadas para lhe colocar. – O doente
nem sequer abriu os olhos.
Cerca das duas horas da tarde, o Enf.º Rui entrou na enfermaria para falar com a
45 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Sr. Enf.º, o meu marido está pior, não está? Eu já tentei falar com ele, mas ele não
reage.
– Ai, eu não acho nada normal, ele ontem estava muito mais acordado...
– Alta como, Sr. Enf.º? Como é que ele vai assim para casa, eu não sei tratar dele...
Ele agora nunca mais vai ser o mesmo. Eu tenho um vizinho que já teve uma trom-
bose há cinco anos e está pior do que quando saiu do hospital.
– Depois nós vamos dizer-lhe o que deve fazer, e os médicos vão pedir fisioterapia.
Desta vez foi internado para fazer uma biopsia hepática amanhã, mas irá ficar
certamente mais tempo, já que traz a ferida do maléolo externo da perna direita,
aparentemente infetada, e quando estava a vestir o pijama do hospital, teve um
acesso de tosse com expetoração hemoptoica.
O seu aspeto geral não é muito diferente do que costuma apresentar, ou seja:
emagrecido, com as extremidades do membro inferior direito pálidas e frias, e as
dos membros superiores ligeiramente cianosadas, o que nele é habitual, já que é
bronquítico.
46 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Quando a Enf.ª Ana se aproximou, José Carlos exclamou com a sua voz rouca: –
olá Sr. Enf.º! Venho chatear-vos mais um pouco.
– Não diga isso, nós gostámos muito do senhor, mas preferíamos que nos viesse
visitar por bons motivos...
– Pois é... – O doente não conseguiu acabar a frase, já que as lágrimas não lho
permitiram.
– Então, não fique assim. Eu já vou arranjar tempo para falar consigo, para me con-
tar como anda essa vida, mas agora quero que expetore para este recipiente, e vou
ver como está o açúcar no seu sangue, mas se for como o costume...
Pacheco tem 55 anos de idade, agricultar de profissão, está casado com a Júlia, que
é doméstica. Têm uma filha solteira, maior de idade, empregada comercial, que
vive com os pais em Trás-os-Montes. João refere que leva uma vida pacata, sem
comportamentos de risco e ocupando os tempos livres a ver televisão, sobretudo
à noite, e a conversar com os amigos. Come o que a terra lhe dá e os animais que
cria, exceto os que têm penas, que não aprecia. Esses ficam para as mulheres e
para as alheiras.
Sem nada que o supusesse, emagreceu oito quilos nos últimos 2 meses, o que se
nota bastante numa pessoa já de si de estatura magra. Até aí nunca tinha ido ao
médico. Tem de antecedentes familiares a doença coronária do pai e a hipertensão
arterial da mãe, ambos já falecidos.
Dias após inicia tratamento quimioterápico por via oral com Idamicina e Dexa-
metasona.
– Este doente vem num estado depauperado. Está asteniado e tem dispneia em re-
pouso. Não sei se chegam as medidas médicas e de enfermagem que tomamos. Ele
não está muito calmo, mas falou bem comigo. Parece ter razões para estar como está.
Também pedi à filha para ficar um pouco com ele, até a situação ficar um pouco
mais estabilizada.
– Se queres que te diga, dá-me ideia que não está muito por dentro, ou talvez as suas
respostas queiram dizer outra coisa. Esqueci-me de te dizer que tem febre elevada. Já
colhi hemoculturas e bacteriológica de urina. Vai iniciar antibiótico às 18h.
Após análise ao estado do Sr. Romeu, aos riscos versus possibilidades de recupe-
ração, sem esquecer a sua idade, a equipa médica decidiu-se pela sua transferên-
cia para o serviço de neurologia, para efetuar tratamento conservador.
Ao chegar, o doente vinha com alguma agitação motora, pelo que se decidiu ele-
var as grades de proteção da cama e, por via das dúvidas e também pela causa de
tudo o que lhe tinha provocado.
São 10:00 horas da manhã e na sala de estar da enfermaria estava a Sra. Helena,
acompanhada pelo seu marido e pelo seu único filho. Fez 300km para ali estar às
9 horas, em ponto. Ainda estava em jejum, pois podia ser necessário para fazer
algum exame, pensou ela.
O secretário clínico dirigiu-se à sala de estar para recolher alguns dados necessá-
rios para a realização do internamento, e no final disse-lhe:
– Aguarde, que logo que possível a Sra. Enf.ª vem ter consigo, para lhe falar. – Às
10.40, a Enf.ª Natália, Enf.ª responsável pela Sra. Helena, chegou perto dela com
49 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Bom dia! Peço desculpa pela demora, mas o serviço está complicado. – Com um
ar um pouco espantado, continuou. – … Estou a reconhecer a sua cara. É nossa
doente, não é?
– Sou sim, Sra. Enf.ª, e lembro-me bem de si. Se não estou em erro chama-se Natália.
– É verdade. – Respondeu. – Gostaria de lhe dizer que vai ficar no quarto 7, cama
15. Se me quiser acompanhar.
– Para além desta pequena apresentação, vou realizar-lhe uma colheita de sangue e
vai ainda fazer um ECG e um RX do tórax, mas isto no período da tarde.
– Sra. Enf.ª, provavelmente não se lembra, mas ela nunca soube o verdadeiro mo-
tivo da primeira cirurgia. Pensa que a quimioterapia foi só a título preventivo e
ainda não sabe o motivo do internamento. Por favor não lhe digam o verdadeiro
diagnóstico.
A um canto da sala, estava a Sra. Marta, sozinha, com uma expressão tão triste
que até dava arrepios. Tinha uns olhos lindos, enormes, mas que teimavam estar
aguados…
A Sra. Marta nunca esteve internada por motivo de doença. A única experiência
hospitalar foi de felicidade, por maternidade, para o parto dos seus dois gémeos
monozigóticos, que têm agora 7 anos.
– Penso que fiquei esclarecida no que se refere aos seus dados. Não tem nenhuma
doença como diabetes ou hipertensão? – Perguntou novamente a Enf.ª Alexandra.
– Sim, à penicilina!
– Muito bem.
– Olhe, até às 16 horas serei a enfermeira responsável por si. Se precisar de alguma
coisa venha ter comigo. E já agora, quer fazer-me alguma pergunta?
– Quero sim. – Respondeu a Sra. Marta com os olhos humedecidos e a voz tré-
mula. – Preciso muito falar com a médica que me vai operar. – E de imediato as
lágrimas correram-lhe pelo rosto. – Para além de a querer conhecer, preciso saber
se me vão tirar só o nódulo ou a mama toda. Isso é muito importante para mim…
A verdade é que foi submetida a mastectomia total mas, apesar dos esforços de
muitos, só conheceu a Dr.ª Marta, que por ironia tinham o mesmo nome e prati-
camente a mesma idade, minutos antes da Cirurgia.
– Estou toda suja, Sra. enfermeira. Isto é horrível. Não sei como viver assim. Não
sou capaz…
– Tenha calma, são situações que acontecem, especialmente agora nesta fase inicial.
O seu intestino ainda não criou hábitos, e a Sra. ainda está num processo de apren-
dizagem e de adaptação. Mas não se preocupe, vamos cuidar de si e colocar um novo
dispositivo na ostomia.
– Então, quem era? – Perguntou a Márcia, quando a colega chegou à sala de en-
51 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
fermagem.
– Ontem estive de tarde, e por volta das 21 horas o saco da Sra. Cremilde descolou-
-se, mas eu observei-o previamente, umas duas vezes, e estava tudo ok. Ela estava
deitada, sem grandes movimentos e ele não tinha muito conteúdo…
– É possível… A situação não é fácil. Passa as noites sem dormir, sempre a pensar
no mesmo… A família não lhe liga nenhuma, e agora aos 65 anos ter de aprender a
cuidar de uma ostomia, sem apoio, vai ser complicado!
– Pois, especialmente porque ela não ajuda, está muito renitente, deprimida, assim
não vai lá!
– Bom, de manhã o melhor é falar com a chefe e com as colegas para ver se encon-
trámos uma solução para o problema.
– Tem que ser, até porque a alta médica dela deve estar para breve.
– Estou a lembrar-me que a Sra. Cremilde gosta muito de uma neta, que por acaso
até a visita com alguma frequência. Talvez seja uma boa solução. Se a neta falasse
com ela e aprendesse a cuidar da ostomia da avó, poderia nesta fase dar-lhe uma
ajuda preciosa, permitindo que toda esta situação fosse ultrapassada mais facil-
mente.
– Pois é! Também podíamos falar com a D.ª Carla, a doente da cama 4. Se ela não
se importasse, falava acerca da sua experiência como colostomizada de longa data.
Podia ser uma boa referência para promovermos uma melhor aceitação.
– Nem por isso Sra. Enf.ª! É muito barulho. É um entra e sai, e também estou muito
triste com tudo isto… Já viu a minha vida? Já entraram e saíram tantas doentes
52 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
desde que aqui estou, e eu não ato nem desato! Acha que vou começar a comer hoje?
– Eu compreendo a sua apreensão, e sabe que estamos aqui para ajudar no que for
possível. Uma boa notícia é que hoje não fez febre.
– Só depois de amanhã, Sra. enfermeira! Sabe, queria tanto ir para casa. Estou pre-
ocupada com o meu marido e com o meu filho… Os dois sozinhos lá em casa, sabe
como é. Ainda por cima, o meu filho faz anos na sexta-feira. Estou tão arrependida
por ter sido operada, nunca pensei vir a sofrer tanto. Tenho tanta sede, que só me
apetece engolir um litro de água seguido… Não aguento mais!
– Sra. Alzira! Sabe bem que essa seria a pior atitude que poderia ter contra si pró-
pria. Vamos fazer o seguinte, vai para a casa de banho e lava bem a boca. En-
tretanto, trago-lhe água bem fresquinha para fazer gargarejos, para essa sensação
incomoda abrandar. Pode ser?
A Sra. Alzira é uma doente com um IMC de 62,54, para um peso de 187kg e uma
altura de 1,73m. Aumentou de peso à cerca de dez anos, altura em que teve o
primeiro filho, após três abortos consecutivos. Devido ao facto de a criança ter
nascido com uma deficiência, a doente passou a fazer medicação antidepressiva,
aumentando progressivamente de peso. Em 2003, fez histerectomia total e ane-
xectomia, por metrorragias, apresentando como complicações anemia e trom-
bocitopenia. Iniciou então corticoterapia com Prednisolona, o que favoreceu
um novo aumento acentuado de peso. Passou a ser seguida por Endocrinologia,
tendo feito dieta, sem resultados muito apreciáveis. Sofre de hipertensão arterial
desde os trinta e cinco anos e de uma depressão reativa. É também diabética e
fazia no domicílio Omeprazol, Diazepam, Metformina, Cloridrato de Fluoxetina,
Lisinopril e Nimesulida.
Está internada há 36 dias por Obesidade Mórbida, tendo sido submetida a trata-
mento cirúrgico, mais especificamente a um Bypass gástrico por Laparoscopia.
Tem uma fístula na Anastomose gastrojejunal, com consequente deiscência da
sutura a esse nível, como complicação cirúrgica. Faz tratamento da ferida dia-
riamente. Tem um dreno de Shirley (colocado após 10 dias da cirurgia). Está em
53 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
pausa alimentar e faz nutrição parentérica em y com soro glicosado por Cateter
Venoso Central. Apesar de algumas dificuldades, é autónoma na realização das
atividades de vida diárias.
Ao fim de uma vida de trabalho, Rafael ansiava por gozar a sua merecida reforma.
Nunca até então tinha sofrido de qualquer problema de saúde, significativo, com
a exceção da peritonite a que tinha sido tratado ia para uns trinta anos. Certa noi-
te começou a queixar-se de dores abdominais muito fortes, tendo de se encolher
para as conseguir aguentar. Levado ao hospital da sua área, pela família, foi-lhe
diagnosticado uma apendicite aguda. Quem o observou entendeu que o trata-
mento conservador era o mais indicado, no momento, pelo que lhe foram dadas
indicações quanto ao que fazer, tendo tido alta.
Ao fim de algumas horas em casa, e como as queixas álgicas não aliviavam, antes
pelo contrário, retornou ao hospital. Nessa altura ficou internado no serviço de
OBS. No final da madrugada teve de ir de urgência ao BO, por rotura do apêndi-
ce. E começou aí a sua primeira experiência de doença. Esteve internado várias
semanas, já que a infeção do peritoneu custou a ser debelada, sendo necessário
fazer uma cicatrização por segunda intenção da parede abdominal.
Tirando aquele azar, tudo parecia decorrer com tranquilidade. Os seus pais ti-
nham falecido com idades perto dos noventa, pelo que desse ponto de vista estava
salvaguardado, dizia muitas vezes.
Na urgência, a médica de serviço que o observou não gostou muito da sua apa-
rência. Pensou numa Pneumonia, ainda que a auscultação não o indicasse, pelo
que pediu um RX de tórax. Já com o exame em seu poder, a clínica hesitou e pediu
ajuda a um colega. Tinham ambos dúvidas, se haveria ou não algo a nível pulmo-
nar, mas concordaram que o melhor seria internarem-no para fazer medicação e
ser vigiado.
Nesse mesmo dia, já próximo da meia-noite, o médico que tinha recebido o doen-
te estranhou as queixas de cefaleias fortes do doente, notando alguma rigidez nos
54 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
movimentos da sua cabeça. Fez uma Punção Lombar, que deu resultado positivo.
O Sr. Rafael estava com uma meningite, que mais tarde veio a confirmar-se tratar-
-se da sua variante vírica.
– O que me havia de acontecer agora! Como terei apanhado isto? – Dizia o Sr. Ra-
fael aos familiares que o visitavam.
Estava em casa há dois dias, depois de ter estado um período no hospital, a recu-
perar forças, quando numa ida ao WC para urinar, o Sr. Américo sentiu umas do-
res fortes, reparando que algo de estranho aparecia misturado com a urina. – Pode
ser que não seja nada, pensou. – Confidenciou o que se tinha passado à mulher,
mas desvalorizou. A sua vontade de que não fosse nada era claramente superior,
ao seu interesse em ter um diagnóstico precoce. Estava farto de hospitais. Podia
até ser dos medicamentos que estava a fazer, ou até relacionado com a próstata, já
que tinha hipertrofia benigna, ou qualquer outra coisa passageira.
A sua mulher não gostou muito das justificações apresentadas, mas não se alar-
mou demasiado. Iam esperar pelas próximas vezes e logo se veria.
Américo estava com receio de ir urinar, mas não pôde esperar mais, teve de se
decidir. Aí o resultado foi pior do que o anterior. Enquanto da primeira vez eram
uns ‘farfalhos’, agora era sangue vivo.
– Deixa que eu vou ligar ao teu filho para ver o que ele acha.
Ao fim de umas duas horas dava entrada no hospital tão seu bem conhecido. Feita
a consulta e os exames, o médico não tinha indicação de infeção, e a hematúria
era agora microscópica e em pouca quantidade. Estava inclinado a dar alta ao
doente, medicando-o preventivamente com antibioterapia, mas a insistência do
filho e o facto de o Sr. Américo ter estado recentemente naquela unidade, ainda
que por um motivo completamente diferente, fizeram-no vacilar. Era provavel-
mente uma infeção nosocomial, mas podia também ser outra coisa.
– Eu vou deixá-lo esta noite cá, para ver se amanhã fazemos uma Ecografia e logo
se vê.
– Sr. Américo! Vai ter que ficar aqui connosco mais alguns dias. A Eco mostrou uma
massa a nível da bexiga, que é necessário saber do que se trata. E apareceu também
uma imagem de uma alteração na cabeça do pâncreas, que os cirurgiões irão escla-
recer. Diga-me uma coisa, em que é que o Sr. trabalhava?
– Em petróleos.
Já na Urologia, foi-lhe colocada uma sonda vesical de três vias com sifonagem,
tendo feito uma Cistoscopia com raquianestesia. O produto enviado para análise
confirmou uma Neoplasia in situ, de grau 1, tendo o médico decidido omitir esse
dado ao doente.
– Não percebo. Disseram-me que podia ser provocado pela hipertensão, mas eu sem-
pre tive tensões normais. Como é que isto foi agora aparecer?
Depois de uma explicação breve mas adequada sobre a situação clínica do doente,
o Dr. Valdemar (Cirurgia Vascular) explicou a situação ao doente.
– Os aneurismas nem sempre têm indicação cirúrgica, por vezes as pessoas ficam a
ser acompanhadas, mas no seu caso não nos parece a melhor opção. E o ideal seria
colocar uma endoprótese, já que o Sr. tem um abdómen hostil, além de que a sua
condição física não é a melhor para uma intervenção daquelas. A sua lesão é muito
próxima das ilíacas, mas pensámos que dará.
– Eu não aguento estas dores, tenho de ir à urgência. Não consigo estar quieto, não
tenho posição, é terrível, nunca estive assim.
56 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Foi a primeira que consegui dormir, desde há dias. Devem ter alterado a medi-
cação, porque a outra não estava a ser muito eficaz. Passei do 10 na escala, para 0.
Hoje mal acordei levantei-me para tomar banho, fiz a barba, no meu vagar, e ainda
deu uns passitos.
Joana nasceu há 36 anos, no Distrito do Porto. Está aposentada com uma incapa-
cidade de 94%. Vive em casa própria com o marido e não tem filhos.
Há seis anos atrás foi submetida a uma cirurgia laparoscópica. Durante o ato ci-
rúrgico, detetaram-se lesões na aorta e veia cava, e a doente fez duas paragens car-
díacas, imediatamente recuperadas. Descobriu-se ainda uma estenose da artéria
ilíaca comum, que não pôde ser corrigida em virtude da instabilidade hemodinâ-
mica da doente. Como resultado, adveio uma lesão do plexo lombo sagrado, mais
marcada no nervo proneal. As complicações obrigaram à sua transferência para
um hospital central, com valores de hemoglobina demasiado baixos.
– Coitada da senhora! Quem olha para ela parece não ter nenhum problema, e no
entanto…
– Eu não percebo muito bem, é a razão para este internamento. Acho que há mais
qualquer coisa do que o que está escrito. Aqueles hematomas todos que ela apresen-
ta, parecem-me esquisitos.
Abdul tem 26 anos e trabalha na construção civil. Veio para o nosso país por
intermédio do irmão mais velho, que já cá reside há seis anos.
– Que queres dizer com isso? Só se levanta para os cuidados de higiene e para rezar,
mas a muito custo. De resto, temo-nos entendido bem, tendo em conta que ele só fala
Francês. Mas é muito colaborante, não dá qualquer problema.
– Achas que eu sei muito? Vou arranhando e utilizo a linguagem gestual… Não foi
complicado. Além disso, o irmão vem cá várias vezes e serve de tradutor, porque fala
muito bem a nossa língua.
58 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Ainda não se sabe ao certo, mas parece ser uma coisa grave. Ele tem indicação de
repouso no leito e está a fazer vários tipos de análises e exames. Entretanto também
temos de ter atenção à comida, já que ele não come de tudo.
Os dias foram passando naturalmente, até que numa tarde os enfermeiros re-
ceberam uma chamada telefónica. Do outro lado da linha uma voz estrangeira
perguntava por alguém que não se encontrava internado. Os Enf.ºs confirmaram
que o nome não constava, mas a subsequente resposta ao interlocutor resultou na
confirmação de que, afinal, aquele doente não se chamaria Abdul.
Neste momento o seu estado é estável e só requer vigilância, mas a sua presença já
‘obrigou’ a que se quebrassem algumas regras. Apesar de todas as recomendações
59 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Sabe como é, o hábito é grande. Mas também me distraio. Se estiver aqui sem fazer
nada, acho que dou em doido, não sou capaz de estar quieto.
– Para dizer a verdade, ainda não dei muito por isso, mas eu já tinha feito várias
tentativas para deixar de fumar. Acho que vai ser desta vez… Sabe quando é que eu
vou fazer o cateterismo?
– Penso que será depois de amanhã, pelo menos é quando está agendado.
– Sabe, Sr. Enf.º, eu sei o que preciso de fazer, mas nunca arranjei tempo para o
concretizar. Tem sido sempre trabalho, trabalho e mais trabalho, e nem arranjo um
espaço para ir ao ginásio. É sempre a correr, pouco tempo para comer e tudo à base
de gorduras, o que não faz nada bem, mas o que se pode fazer!
Não apresenta défices neurológicos e o capacete compressivo que trás, está limpo
e seco. Está algaliada, tem uma SNG em drenagem livre e oxigenoterapia por
ventimask a 31%. Faz soroterapia por CVC e, por referir cefaleias foi-lhe admi-
nistrada Morfina 2,5mg EV.
Apesar de toda a evolução estar a ser favorável, o que é confirmado pela recupe-
ração física e pela TAC de controlo (sem imagem de hemorragia significativa da
loca cirúrgica), a doente apresenta-se muito pouco comunicativa, sem qualquer
manifestação emotiva, aparentemente muito distante.
Pese embora a presença assídua e afetuosa do marido, que tenta dar incentivo e
valorizar os aspetos positivos em detrimento dos negativos, a Dª Júlia não parece
muito importada.
– Não sei o que se passa com a minha mulher, parece que nem me ouve. Não esboça
um sorriso, não solta uma lágrima, não ralha, não grita. – Confidencia o marido a
uma Enf.ª, num desabafo que soa a pedido de ajuda.
Os enfermeiros estão preocupados, mas também não sabem o que fazer. Ainda
hoje, o tema principal da passagem de turno foi esse. Já se tentou a ajuda do Psi-
quiatra. Depois de a observar, tentou falar com ela, mas nada. Sugeriu que estava
a fazer uma depressão e medicou-a, mas até agora, nada. Tentou-se um Psicólogo
e o desfecho foi o mesmo. Agora a questão está a perturbar a equipa, porque
alguns enfermeiros custa-lhes falar para o ‘boneco’, já que a Sr.ª Júlia não tem
qualquer tipo de reação, enquanto outros até preferem, já que, como ela aparenta
não querer comunicar, eles não têm de falar nada. A Enf.ª Sara tem pensado mui-
to naquele caso. Já falou inclusive com alguns profissionais de diferentes áreas,
mas continua sem uma resposta. Agora pediu à sua chefe para ficar com a doente.
Por outro lado, o Enf.º Marco, tutor da Maria, passava muito tempo junto do Sr.
José. Sentava-se a seu lado e conversavam demoradamente. De uma forma subtil,
a aluna já tinha tentado ouvir aquilo que diziam, mas o tom de voz baixo com que
falavam não o permitiu.
Chegou à sala de trabalho e olhou para o quadro da parede, cama 20. O diagnós-
tico médico do Sr. José, de 56 anos de idade, era Acidente Isquémico Transitório,
de repetição. O seu tutor acabou de entrar e parecia vir a falar sozinho, mas não
conseguiu perceber o quê.
– É a família e os amigos. Estão mais preocupados do que ele próprio. É uma pessoa
que lutou muito para ter sucesso, profissional e económico, na vida, mas a saúde
tem-lhe pregado algumas partidas, não só a ele, mas também à filha de 21 anos, que
tem um cancro da mama. Ele que sempre quis dar tudo aos que o rodeavam, evitar-
-lhes preocupações, sente-se agora bastante triste por estar a afetar as vidas deles.
Ainda agora chegou a mulher e dois dos quatro filhos que ele tem.
– Eu reparei que com a família ele muda completamente de expressão, como que a
animá-los.
62 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Mas pelas 17:30 o barulho da ambulância não deixou qualquer dúvida. Trazia
um ferido grave. Tratava-se de um homem, que estaria a trabalhar na construção
civil, e que provavelmente teria caído, já que os bombeiros lhe tinham efetuado os
procedimentos adequados a essa circunstância.
Apresenta fratura do fémur, tíbia e perónio esquerdo, bem como dos ossos do pé
correspondente, do rádio e cúbito do mesmo lado e a queda terá provocado um
comprometimento da espinal medula, pelo que ficará irremediavelmente para-
plégico. Além disso, tem bastantes escoriações e hamatomas disseminados por
várias partes do corpo.
– Sr. Antunes! Sabe se a sua família já foi informada do que lhe aconteceu?
– Nós precisávamos de falar com alguém da sua parte. O Sr. vive sozinho?
– Sabe se ela vem cá hoje? – O doente olhou para a janela e fez um esforço para
conter as lágrimas. De repente irrompeu numa agitação tremenda. Tentou sair
da cama e retirar os dispositivos médicos, mas como foi prontamente impedido
pelo Enf.º e assistente operacional que estavam por perto, começou a gritar des-
controladamente.
63 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Júlia tem 29 anos de idade, teve uma gravidez recentemente (1º gesta; 1 paradis-
tócico por ventosa em Agosto de 2005).
No início de Fevereiro volta a ter cólica biliar, faz CPRE e, por apresentar melho-
ria do seu estado, acaba por ter alta médica ao fim de dois dias, com encaminha-
mento para cirurgia.
Após os cumprimentos iniciais, Júlia foi contando a sua história, referindo ter
perdido cerca de 15 kg desde Setembro último, perda essa que atribui à dieta para
tentar controlar os problemas biliares que a têm apoquentado. Até foi bom, fiquei
com um aspeto melhor, já gosto mais de me olhar ao espelho. A Enf.ª nota que o
discurso e o semblante da doente demonstram alguma preocupação. Apesar de se
ir rindo, não parece muito tranquila, pelo que resolve abordar o assunto.
– Dá-me ideia que está um pouco nervosa, tem a ver com a cirurgia.
– Se calhar, sabe como é! Por muito que se diga que é simples e que vai correr tudo
bem, nem sempre á assim. É bem mais fácil quando falamos na terceira pessoa, e
não nos diz respeito diretamente...
64 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Vou retirar a vesícula biliar, penso eu, pelo menos foi o que me disseram. A ver-
dade é que eu não podia andar assim, sempre a recorrer ao hospital. Eu bem tentei
com a dieta, mas parece que não resultou.
O Sr. Manuel, de 77 anos de idade, foi trazido ao hospital pelo filho António,
com quem vive. A razão foi a presença de febre, polipneia, secreções abundantes,
respiração ruidosa e recusa em se alimentar desde há quatro dias. O diagnóstico
médico estabelecido foi: Infeção Respiratória em doente alectuado – Pneumonia.
Nebulizações de 4/4h;
Registo de diurese;
– Boa tarde! Diga-me uma coisa, por favor. O seu marido passava o dia na cama,
ou levantavam-no?
A D.ª Otília era uma mulher à moda antiga. Filha de agricultores casou-se com o
Sr. Raul, também agricultor. Cuidava da lida da casa, dos filhos e ainda alimenta-
va e tratava dos inúmeros animais que tinham na propriedade. Apesar da idade,
82 anos, ainda era ela que orientava todas as tarefas da sua casa, agora entregues
prioritariamente aos descendentes, filhos, noras, netos e netas.
No dia 2 do mês passado, o filho mais velho apercebeu-se de que algo não estaria
muito bem. Quando o chamou para almoçar, ele verificou que parte da comida
estava preparada e outra estava por preparar, tendo chamado a atenção da mãe
para esse facto, o que a deixou bastante perturbada.
A partir daí, começou a ter queixas de cefaleias fortes, a não ser capaz de fazer
as suas tarefas de forma adequada, e passou a apresentar um desequilíbrio para a
esquerda. Recorreram ao médico de família que terá falado em senilidade. Volta-
ram para casa, mas passado cerca de uma semana tiveram de a levar ao hospital,
porque começou a ficar mais dependente.
– Dói-lhe a cabeça?
66 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Dói. Ao que a gente chega, Sr. Doutor. Tenho dificuldade em lembrar-me das coi-
sas, parece que tenho um vazio na cabeça.
Entretanto, chegam o filho e o marido, que fica a seu lado de pé. Tece elogios à sua
mulher, ao mesmo tempo que lhe dá a mão.
– Tenho sonhado muito, com a minha mãe e o meu irmão… Ela está aí atrás de
ti. – Fala nem sempre num tom percetível, dirigindo-se ao marido. O filho sorri e
esclarece que os dois familiares já faleceram.
– Deixa-me falar. Eu preciso de desabafar. Há mais coisas más que boas, na vida e
eu queria recordar as boas e não consigo. Sinto-me muito fraca, sem forças
– Dizíamos com ela. Se a contrariássemos ela ficava parada a olhar para nós. Re-
sultava mais.
A passagem de turno foi interrompida duas ou três vezes por médicos internos,
que entravam para recolher os processos clínicos dos seus doentes, até que o Enf.º
Moreira deu indicação aos restantes enfermeiros, para retirarem as folhas de en-
fermagem e colocarem os processos na parte de fora da sala, possibilitando con-
tinuarem sem perturbações.
Um dos doentes que estava atribuído ao Enf.º Baltazar despertou a sua atenção.
Tratava-se do Sr. Caseiro, que tinha vindo transferido de um hospital psiquiátri-
co. Era um doente crónico do foro mental, estando internado na referida institui-
ção, fazia anos, por uma psicose grave. Agora estava com uma pneumonia.
– Ele está aparentemente calmo, mas com um doente de psiquiatria, nunca se sabe.
Por isso imobilizei-o, não vá o diabo tecê-las… Ele tem um pedido de colheita de
67 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
urina, mas ainda não urinou, e eu decidi esperar pela manhã. Ainda não passaram
muitas horas desde que entrou, e como não tem globo vesical, resolvi não o algaliar.
Se ele urinar espontaneamente, será bem melhor. Vocês vejam.
O doente olhava impávido e sereno para todos os presentes, como esperando pela
sentença. Enquanto a aluna Micaela retirava as ligaduras que improvisavam uma
restrição dos movimentos dos braços do doente, o Enf.º Baltazar palpou-lhe a
região supra púbica.
– Está com globo vesical. – De imediato pegou no urinol que se encontrava sus-
penso num suporte colocado na grade da cama e, colocando-o a jeito, pediu ao
doente para urinar, sem sucesso.
– Sr. Caseiro! E importante que urine. Caso contrário, temos de lhe colocar uma
algália.
O Sr. Martins tem 48 anos e vive numa cidade do Grande Porto. Tem hipertensão
arterial, como o pai, que além disso é diabético não insulinodependente. Depois
de diagnosticado o problema, começou a ser medicado com anti hipertensores e
dislipidémicos. Faz também medicação para o ajudarem a dormir.
Quinta-feira passada, cerca das 17:00h, deu entrada no serviço de urgência, após
queda. Referiu ter sentido falta de forças nos membros inferiores. Apresenta pa-
restesias e parésia nas pernas, inicialmente com predominância distal, mas que se
deslocaram progressivamente, acabando por afetar todos os membros. Quando
68 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
interpelado a dizer se tinha havido algo de anormal nos últimos dias, disse ter
estado gripado e com diarreia, sentindo igualmente dores intensas nos membros
inferiores.
O estado geral do doente vai-se agravando, até que acaba por fazer várias crises
convulsivas generalizadas, que regridem espontaneamente. Enquanto realiza uma
TAC cerebral, o seu estado de consciência agrava-se assinalavelmente. É entuba-
do orotraquealmente, ao mesmo tempo que lhe é colocado um dreno torácico,
por Edema Agudo do Pulmão resultante de crise hipertensiva.
Quem olha para o Sr. Martins, vê alguém com um ar ‘alucinado’. Parece ter acor-
dado de um longo sonho, e ainda não ter tomado conta de tudo o que lhe aconte-
ceu. Volta e meia, a perceção dos défices motores, que não compreende, fazem-no
reagir, o que o monitor, a que está conectado, de imediato dá nota.
A mãe acaba de entrar na unidade, mas, apesar do seu ar sorridente, como que a
querer-lhe dizer que tudo está a melhorar, provoca-lhe alguma ansiedade.
– Sr. Martins, hoje vai ser um dia muito bom, agora vamos ver se consegue engolir
o iogurte. Se assim for, retiro-lhe a SNG.
Já no hospital, detetou-se azotemia grave. Efetuou biopsia renal que revelou ne-
fropatia de IgA. Tratado inicialmente com corticosteróides, teve de iniciar progra-
ma regular de hemodiálise, após colocação de Cateter Venoso Central na jugular
interna à direita. Ficou à espera de lhe ser realizada uma fístula arteriovenosa.
Está mais uma vez internado no hospital, por uma agudização do seu estado de
saúde.
– Gostas mesmo de nós, Jorge. Estás sempre a fazer tudo para vir para cá. Para mim
deves estar interessado em alguém…
– Estou farto de todas estas limitações, de não poder fazer isto e aquilo, de não poder
ser como os outros.
– Já te dissemos que com algum cuidado, não precisas de tantas restrições assim,
depende um pouco de ti.
O doente do lado, com ar de ‘veterano’, olha para ele e confirma o que o Enf.º
Fernando afirmara.
– É verdade. Não podemos mudar o que não depende de nós, tudo o resto pode ser
realizado, tem a ver com a força de vontade, com o querer. Eu também já passei por
essa fase e também é verdade que a minha mulher me ajudou muito, mas é possível.
‘Águas passadas não movem moinhos’.
70 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
A D.ª Maria tem 80 anos de idade, e é uma doente com Insuficiência Renal Cró-
nica terminal, secundária a nefropatia diabética. Tem hipertensão arterial e Dia-
betes Mellitus tipo 2 diagnosticada há mais de trinta anos. Estava medicada com
ADO e, mais recentemente, com insulina. A doença evoluiu com mau controlo
da glicemia capilar.
Apesar de se ter feito tudo aquilo que está determinado, voltou a surgir uma agu-
dização, com edemas e dispneia.
Deu entrada no hospital, ontem, tendo feito imediatamente TAC torácico que in-
dicou a presença de um derrame pericárdico. Nesse sentido, iniciou hemodiálise
pela fístula.
– Sim, mas não era isso que eu queria saber. Deu-se bem?
– Nem bem, nem mal. Disseram-me que agora vou ter que fazer sempre isto, várias
vezes por semana. Se assim for, está bem, está. Quem é que vai valer ao meu homem,
lá em casa.
– Os meus filhos estão todos em França. Nós até agora não temos precisado deles,
cá nos temos arranjado.
71 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– AJUDEM! AJUDEM! Caiu uma doente e está a deitar sangue pela testa.
Não demorou muito a ajuda. Felizmente a queda não trouxe graves problemas a
acrescentar aos já existentes. Foi mais o susto, e uma pequena escoriação.
A enfermaria está a abarrotar. Não há espaço para mais nada, nem ninguém, ou
pelo menos, era o que todos julgavam. Bem, quase todos. Ontem ainda, quando
pela manhãzinha surgiu a informação de que os estrangeiros da comissão de acre-
ditação cá iriam passar numa visita ‘surpresa’, foi um ver se te havias, a transferir
doentes e a arrumar tudo direitinho, conforme as exigências. No momento da
visita às ‘tropas’ estava tudo conforme, podia-se ver na conversa que mantinham
animada com os nossos superiores
Hoje, porém, o caso é diferente. Dizem que não há espaço em mais lado nenhum
e, por essa razão é que continuam a entrar doentes.
– D.ª Antónia, vai ter de ter paciência, mas vai ter de ficar na maca e aqui no meio
da enfermaria. Não é muito bom, mas é melhor do que ficar no corredor, não acha?
– É como eu. Estou muito doente, mas podia estar pior. E melhor seria nem sequer
estar aqui a dar-lhes trabalho.
– Quem me dera a mim não precisar, mas nós não mandamos nada.
É uma pessoa que sofre de IRC, fazendo hemodiálise num centro, e de artrite
reumatóide. Encontra-se aletuada há cerca de três anos. Tem um aspeto emagre-
cido, extremidades cianosadas e anquiloses dos membros. O exame físico mais
pormenorizado revela algum descuido na higiene e arranjo da doente, bem como
a presença de várias úlceras de pressão, no sacro, calcâneo direito e na omoplata
do mesmo lado.
72 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– D.ª Antónia! Diga-me uma coisa, ainda está no lar que a segurança social lhe
arranjou?
Tendo em conta o estado geral da doente, fica em dieta zero e vai iniciar sorote-
rapia, logo após a colocação de um Cateter Venoso Central. Tem também indi-
cação para ser entubada nasogastricamente (sonda para ficar em drenagem livre)
e algaliada.
A Enf.ª Helena aproximou-se da doente para lhe tentar colocar um cateter venoso
periférico, e de imediato a D.ª Antónia alertou-a:
– Sr.ª. Enf.ª! Não se esqueça que não pode ser nesse braço.
Madalena, de 78 anos, foi levada ao centro de saúde da sua área de residência, pela
filha com quem vive. Está mais prostrada e menos reativa, vai para uma semana.
Após uma primeira avaliação, foi encaminhada para o hospital.
Dislipidemia, medicada;
Fibrilação auricular.
73 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
A filha refere que levantava a mãe todos os dias, pela manhã, com a ajuda do
marido, para um cadeirão, e que pedia ajuda a uma vizinha para a voltar a deitar
depois do almoço, porque não o conseguia fazer sozinha. Desde que verificou o
agravamento, não o voltou a fazer, com medo de não fazer bem. A única ajuda
institucional que recebe, é do centro de saúde. De tempos a tempos vão substituir
o que é preciso.
– Ela está algaliada desde que acamou, Sr. Enf.º. Ainda tentamos com fraldas, mas
depois tinha-mos de as mudar várias vezes e era difícil. Ela queixava-se muito. En-
tão decidimos pedir para que a algaliassem, porque é mais fácil para todos.
Irene de 37 anos de idade tem 4 filhos e está à espera de um quinto. Não é casada
nem tem companheiro fixo. É natural de S. Tomé e vive em Lisboa desde muito
cedo, tendo vindo com os seus pais. Trabalha numa grande superfície desde 1998.
Era uma pessoa saudável até então, raramente recorrendo ao médico do centro de
saúde. O seu empenho no trabalho, por força também de proporcionar o único
sustento aos seus filhos, fazia com que raramente faltasse. O seu único vício era o
tabaco, fumando um maço por dia.
Nos últimos quatro meses não se têm verificado alterações significativas do seu
estado de saúde. Está a seguir um programa regular de fisioterapia. Tem abertura
espontânea dos olhos, sem resposta verbal ou motora, postura de descorticação,
tetra paresia espástica e é alimentada e hidratada por SNG.
Desde que veio para o hospital, apenas recebeu visitas, com alguma regularidade,
na primeira semana, da mãe e do provável companheiro. Desde essa data, a pro-
genitora aparece esporadicamente e não passa da porta da enfermaria onde a filha
se encontra. Diz que não sabe o que fazer ou dizer, sendo preferível ficar ao longe.
Dr. Júlio tem 50 anos de idade, ocupa um cargo importante numa instituição
bancária e tem sido saudável até então. Vive sozinho.
Questionado sobre a sua história familiar, não refere nenhum facto de relevo. Os
pais, residentes no distrito de Bragança, ainda são vivos e aparentemente saudá-
veis. Ao que sugeriu, parece que continuam a produzir a terra que os seus ante-
passados lhes deixaram. Nota-se que o assunto, ‘família’, o perturba, quase o irrita.
‘Qual a importância disso? Não são eles que estão doentes.’
começaram a elogiar a sua perda de peso; ‘O ginásio está a fazer-te bem’. No en-
tanto, com o passar do tempo, o que parecia um dado positivo passou a ser enca-
rado como um problema. Não lhe diziam nada pessoalmente, mas ele sabia que a
sua aparência demasiado magra, era motivo de muitos comentários.
– Eu não quero que ninguém de fora saiba qual é a causa dos meus problemas.
Isso ia significar não só a destruição da minha carreira, como da imagem que os
outros têm de mim. Não suportaria ser motivo de chacota pelas minhas orientações
sexuais.
– Eu compreendo.
– Pode falar com a sua esposa, não há problema nenhum. – A voz da Enf.ª Marga-
rida soou familiar e Ana abriu os olhos. Quando o encarou, o seu rosto encheu-se
de lágrimas e as máquinas reagiram àquela emoção. Os ‘pis’ irromperam pela sala
e a visita estremeceu, surpreendida.
– Está tudo bem, mas como ela está ligada a todos estes aparelhos, qualquer pe-
quena coisa que ultrapasse os limites que nós determinamos, faz essa reação. – A
enfermeira aproximou-se e silenciou os barulhos incomodativos.
– Então, não diz nada à sua mulher, vai ficar aí a olhar. Para isso mais vale não vir
cá. – A Enf.ª ia caminhando para longe enquanto vociferava.
– Não digas isso. Está tudo bem com o bebé, não está?
– Diga-me, p. f., há alguma possibilidade do meu filho ficar afetado com toda esta
situação.
– Quem lhe poderá responder com mais propriedade a essa questão é o médico de
serviço. Se quiser, eu posso dizer-lhe que quer falar com ele.
Dois meses depois, a doente regressa queixando-se de cansaço, dispneia para pe-
quenos esforços, tosse produtiva e dor ao respirar no terço inferior do hemitórax
à esquerda. Apresenta igualmente febre. Em consequência de todo o quadro, é
internada.
– Sr.ª Enf.ª! Isto está mau, não está? Eu ainda cheguei a pensar que estava tudo
ultrapassado, mas agora percebo que cada vez é pior.
79 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
A Enf.ª olhou para a doente e ficou sem saber o que dizer. Qual seria a melhor
reação. Fingir não ter ouvido, responder que não se preocupasse, que tudo estava
a ser feito para resolver o problema, ou o quê?
Josefina era uma rapariga jovem e alegre. Por isso não foi muito difícil perceber
que algo de estranho se passava com ela. O marido foi o primeiro a perceber a
alteração. Com um casamento de dois anos e, aparentemente feliz, a que se aliava
o facto de terem tido um filho recentemente, que era do desejo de ambos, não
encontrou explicação para o sucedido.
– Isso que ela tem só pode ser uma depressão pós-parto. A minha filha também teve
isso. No nosso tempo isso não era possível, havia lá tempo para isso. Agora é para
o que estamos. Mas eu estranho muito a sua filha. Não serão mas é problemas com
o António?
– Não diga isso, que ele anda muito abatido. Ela só lhe diz que não é nada, que vai
passar, e ele fica na mesma.
A D.ª Berta resolveu insistir, afinal era a sua filha e, com certeza havia de lhe dar
alguma justificação. Mas, nada. Já em desespero de causa, não aguentou e não teve
outro remédio se não chorar.
– Filha! Tens de pedir ajuda a alguém que confies. A um médico, sei lá. Ou talvez a
um psicólogo. A Dª Florinda disse-me...
– Então procura quem te possa ajudar, estás a prejudicar o teu casamento. Parece
que foi um fardo o nascimento do João...
– Não diga isso, mãe. Eu amanhã tenho de ir ao hospital, a uma consulta de pedia-
tria e vou falar com a Enf.ª Rute da obstetrícia, onde eu estive.
– Então, Josefina, por aqui! Está tudo bem com o seu bebé? – De imediato se lhe
soltaram as lágrimas.
– Não, está tudo mal. Alguma coisa deve ter corrido mal durante o parto. Já viu,
tenho 25 anos e qualquer coisa me faz perder urina...
Bárbara tem 29 anos de idade, teve uma gravidez recentemente (1º gesta; 1 para-
distócico por ventosa em Agosto de 2005).
No início de Fevereiro volta a ter cólica biliar, faz CPRE e, por apresentar melho-
ria do seu estado, acaba por ter alta médica ao fim de dois dias, com encaminha-
mento para cirurgia.
Após os cumprimentos iniciais, Bárbara foi contando a sua história, referindo ter
perdido cerca de 15 kg desde Setembro último, perda essa que atribui à dieta para
tentar controlar os problemas biliares que a têm apoquentado. Até foi bom, fiquei
com um aspeto melhor, já gosto mais de me olhar ao espelho. A Enf.ª nota que o
discurso e o semblante da doente demonstram alguma preocupação. Apesar de se
ir rindo, não parece muito tranquila, pelo que resolve abordar o assunto.
– Dá-me ideia que está um pouco nervosa, tem a ver com a cirurgia.
– Se calhar, sabe como é! Por muito que se diga que é simples e que vai correr tudo
bem, nem sempre á assim. É bem mais fácil quando falamos na terceira pessoa, e
não nos diz respeito diretamente...
– Vou retirar a vesícula biliar, penso eu, pelo menos foi o que me disseram. A ver-
dade é que eu não podia andar assim, sempre a recorrer ao hospital. Eu bem tentei
com a dieta, mas parece que não resultou.
– Não.
O Sr. Guedes nasceu em 1946, é casado e está reformado. Vive na cidade do Por-
to. Sofre da doença de Parkinson há já vários anos, tendo tido uma deterioração
motora muito exacerbada nos últimos 24 meses, apesar da medicação. É seguido
por neurologia desde que lhe foi diagnosticado o problema e faz Levodopa, anti-
depressivos e indutores do sono.
As limitações causadas pela doença provocaram-lhe uma acentuada diminuição
da qualidade de vida. Refere ataxia da marcha, rigidez e tremores intensos, difi-
cultando a deambulação, pelo que passa a maior parte do tempo sentado. Quando
o tempo está bom, vem para o pequeno pátio que têm nas traseiras da casa, apa-
nhar um pouco de ar, quando não, fica em frente à televisão.
O agravamento da patologia e a revolta que sente tornaram-no pouco compreen-
sivo e mesmo agressivo com os outros, nomeadamente com a mulher. Tudo serve
para despoletar uma discussão. Ou porque ela não lhe cortou bem os alimentos,
que já tem dificuldade em mastigar e deglutir, ou porque demorou para o ajudar
a ir para a casa de banho, ou simplesmente porque não deu o jeito adequado para
ele se conseguir vestir.
Apesar de ser uma pessoa pouco instruída, o Enf.º que o recebe no serviço aper-
cebe-se de que tem um conhecimento relativamente bom sobre as características
da doença.
– Sabe, Sr. Enf.º, quando me disseram o que tinha, eu não acreditei. Por isso resolvi
ler tudo o que podia a esse propósito, para confirmar se era mesmo isso, ou se es-
tavam enganados. Mas infelizmente, eu é que estava errado. – O doente apresenta
um discurso lentificado, mas perfeitamente percetível.
– Então sabe o que vem fazer?
– O meu médico explicou-me. Disse-me que me iam colocar um estimulador ce-
rebral, mas eu tenho pouca esperança de vir a melhorar significativamente. Mas é
sempre mais uma hipótese, não posso desperdiçar a oportunidade que me é dada.
82 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
O Sr. José é idoso e, como tantos outros ali, está debilitado pelo desgaste provo-
cado pela doença.
Os primeiros contactos do pessoal médico com o Sr. José não foram muito sim-
páticos. Ele falava de uma forma ríspida, e olhava para todos com uma expressão
por vezes de fúria. Outras vezes, simplesmente evitava-os, virando a cara para o
lado oposto à sua presença.
Não tão cedo, como gostaria, apercebeu-se de que para conquistar a confiança do
Sr. José era necessário ser, ou pelo menos parecer, segura e confiante.
Nas primeiras conversas que conseguiu ter com o Sr. José, ele dizia que preferia
que Deus o levasse, que era melhor assim, que queria morrer e que já estava farto
daquilo tudo. Era certo que ele estava doente e tinha muitas dores, mas outros
assim estavam e reagiam de forma diferente, embora não fosse menos verdade
que todas as pessoas reagem de forma diferente. Mas havia algo que o fazia reagir
assim e ela estava disposta e descobrir.
Com paciência, a insistência da Enf.ª foi resultando. O doente foi ganhando con-
fiança, foi-se ‘abrindo’ e falou do emprego que tinha tido, da sua família, falou dos
filhos, dos netos… A Enf.ª Diana chegou mesmo a ver na cara daquele homem,
quase sempre zangado, uma expressão de ternura enquanto falava da família, um
sorriso…
83 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Numa das conversas com o Sr. José, ele revelou as causas para o seu ressentimen-
to. Vive apenas com a esposa, que também sofre de graves problemas de saúde e,
tal como ele, é idosa, tendo por isso dificuldade em lhe prestar os cuidados neces-
sários. Os filhos estão noutras zonas do país e só os visitam quando podem. Não
tem apoio domiciliário, porque, segundo o próprio, é caro, estando por isso, para
além das suas possibilidades. Se voltar para casa, vai dar ainda mais preocupações
à sua esposa, vai ser um peso.
– Não me consigo virar sozinho, nem levantar-me. Preciso de ajuda para tudo, sou
pior que um bebé. Eles sempre são mais leves…
A história não era diferente de muitas outras, cada vez mais frequentes.
– Então é por isso que o Sr. José não tem recebido visitas’
– Só ontem é que veio cá uma vizinha, que vai dando alguma ajuda à minha mu-
lher. É muito boa pessoa, mas tem a sua vida.
Diz-se que o Sr. Rogério se encontra em fase terminal, sem indicação para SAV –
conforme pode ler-se no processo clínico -, e os cuidados de enfermagem tentam
ir ao encontro da promoção da qualidade de vida, nomeadamente do alívio da
dor.
vesse dificuldade. Daí que preferisse alguém que falasse e, se possível, bastante.
Isso ajudava-a a descontrair e a ganhar confiança. Agora, ter de comunicar sem a
presença da voz… Ainda para mais num doente em fase final de vida…
Nos primeiros dias sentiu-se inútil, incapaz de ajudar o Sr. Rogério. Não obtinha
qualquer feedback das suas ações. Fazia um esforço enorme para lhe aliviar o
sofrimento, recorrendo a um conjunto de técnicas não farmacológicas, mas em
vão. Estava sempre a olhar para o relógio, mas as horas em que podia administrar
o analgésico teimavam em não chegar. E a verdade, é que os sinais de dor não se
alteravam muito, nem por muito tempo.
Precisava de ficar com outro doente, porque não conseguia deixar de pensar no Sr.
Rogério e isso estava a interferir na sua vida. Adormecia com ele no pensamento
e acordava a pensar como ele estaria. Para não falar dos pesadelos que amiúde a
‘assaltavam’. Mas, por outro lado, isso poderia ser interpretado como um sinal de
fraqueza. Se ao menos conseguisse algo que lhe desse alento…
– Já contactámos a família, eles estão a vir para cá, para estar com ele…
A família chegou. Eram quatro pessoas com rostos contraídos. Agradeceram que
os tivéssemos chamado. A Raquel ficou completamente perdida, sem saber o que
dizer ou fazer, dessa vez não havia livro de procedimentos para recorrer. Ficou
apenas ali.
Mário de 63 anos, casado, era uma pessoa bem-sucedido. Possuía casa própria,
onde criara toda a sua família, uma casa de férias e uma oficina de carros, o que
sempre havia desejado.
Há 2 anos, havia sido submetido a cirurgia gástrica, pois tinha-lhe sido diagnosti-
cado Adenocarcinoma Gástrico. Foram meses difíceis de suportar, quer para ele,
quer para o restante agregado, porém, foram superados.
Para complicar tudo, um certo dia o filho mais novo é atropelado e morre, quan-
do saía de casa atrás da bola que se lhe escapara. Em consequência disso, Mário
desabou numa depressão grave, encontrando refúgio no álcool.
85 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Nem o tempo nem a bebida conseguiram atenuar a dor sentida por Mário, deci-
dindo-se, aos 63 anos de idade, por tentar dar termo à sua vida, pelo que ingeriu
meio frasco de um inseticida para a lagarta. Fortuitamente, a esposa de Mário,
Helena, acorreu a tempo de agir a favor da vida de seu marido.
A Enf.ª Lúcia foi a primeira a contactar com o Sr. Mário. Apresentava um humor
depressivo, rejeitando todas as propostas de fazer o que quer que fosse, colabo-
rando muito pouco nos autocuidados. Ao mesmo tempo, tinha diminuição da
força, tanto dos membros superiores como dos inferiores, não possuindo movi-
mentos finos das mãos.
A D.ª Helena é a primeira pessoa a aparecer no serviço, logo a seguir aos profis-
sionais. Logo pela manhã, ali está ela totalmente disponível para ajudar o marido.
Nota-se que com ela ele se esforça mais. O problema é que nem todos compre-
endem a importância dela, colocando-a muitas vezes de parte, e impedindo-a de
colaborar nos cuidados. A senhora ainda tentou protestar, da primeira vez, mas
depressa desistiu.
– Hoje vai ser um bonito dia para ti. A chefe colocou-te na sala A, onde está o Sr.
Madureira. – O Enf.º não compreendeu a natureza de tanta ‘atenção’, mas não
valia a pena perguntar a razão. Inevitavelmente lhe responderiam. – ‘Logo verás!’.
Logo depois de uma primeira análise aos doentes que lhe foram atribuídos, não
se apercebeu de nada de anormal, estavam todos calmos. Voltou para trás e foi
conhecer melhor o estado clínico daquele, como dos outros doentes.
putado em ambos os membros inferiores, a nível das coxas, devido a uma acentu-
ada insuficiência vascular. O seu diagnóstico médico de entrada foi ‘deiscência do
coto de amputação da coxa esquerda’ uma vez que depois da segunda amputação,
a sutura cedeu por força de uma grande pressão sobre o coto de amputação.
Sempre que o Enf.º se aproximava, ele troçava de tudo, contagiando alguns dos
doentes ali presentes.
– Já o conheces, agora? Ele vai passar o tempo a chamar-te. Está a ver como reages.
Ele é um doente muito difícil, não faz nada do que devia. Explicamos-lhe que tem
de aliviar a pressão do coto e ele mostra-se indiferente, colocando ainda mais peso.
Prova disto é o estado em que está a ferida.
– Tem calma, ele está revoltado com a sua situação, não é nada de pessoal. Quase
não come nada e não liga nada aos posicionamentos.
Marco tem 18 anos de idade, é guineense e reside na Amadora. Vive com os pais
e uma irmã mais nova.
Aos 8 anos de idade é-lhe diagnosticado uma Anemia das células falciformes e
passa a ser seguido na consulta de Pediatria de um hospital da Grande Lisboa.
num serviço de medicina. Tem alta, assintomático, mas vai medicado com
Amoxicilina+Ácido Clavulânico profilático e Ácido Fólico. Dois meses após,
recorre de novo ao serviço de urgência, com queixas de dor epigástrica e a
nível dorsal, inespecífica de grande intensidade. Quando se tenta aprofundar a
situação, menciona outras algias nas articulações do punho, cotovelo e joelhos,
sem inflamação. É reinternado na medicina.
Apresenta alguma dispneia e tem prescrito oxigénio que não cumpre. Tem tam-
bém Cloridrato de Tramadol 100mg de 8/8h EV, Ibuprofeno 600mg oral de 6/6h,
Sulfato de Morfina 20mg oral de 12/12h e Petidina IM em S.O.S.
– Como é que o meu filho está Sr.ª Enf.ª, tem tido dores? Ele está tão pálido.
– Ele está a fazer analgesia, a horas certas, e desse ponto de vista tem estado bem.
De resto não há mais nada de especial. Ele já nos conhece e nós a ele. Temos de ver
como é que ele reage à terapêutica.
– Não sabia.
– O pai já diz que não o vai conseguir vir visitar, que não aguente pensar no que lhe
vai suceder o mesmo.
– Sr. Enf.º! Se as análises de hoje estiverem bem, o Sr. Daniel vai ter alta.
– Ótimo! Quando souber a certeza diga-me que eu telefono logo para o virem buscar.
– Vai ser necessário falar com o prestador de cuidados para lhe dar algumas dicas
sobre a medicação e a alimentação, por causa da hipertensão.
A Enf.ª Josefina, que estava nesse dia com o doente, ficou um pouco surpresa e
questionou a médica.
– Dr.ª! Não seria melhor ele ficar mais uns dias até recuperar mais um pouco. Nós
ainda não conseguimos falar com ninguém da família, para lhes darmos algumas
informações sobre a sua recuperação e pode perder-se tudo.
No final da manhã, bem se tentou contactar com algum familiar, mas sem sucesso.
Aos 27 anos de idade, já tem que lhe chegue. No processo está escrito que é ex-
-toxicodependente, tem hepatite B e C e VIH positivo.
O doente que está na cama ao lado da sua, que é o que, com ele, se encontra mais
independente, procurou o Enf.º para lhe colocar uma dúvida, apreensão.
– Pois, mas também não é preciso. Mesmo antes de ter ouvido eu já sabia. Eu passei
esta noite toda acordado, com medo que ele me atacasse, ou a algum dos outros do-
entes. Ele está sempre a levantar-se para ir à casa de banho, e eu não estou tranquilo.
Vão ter de me mudar de enfermaria, que eu não aguento.
– Mas aconteceu alguma coisa? Esse doente já o perturbou? Ele parece-me calmo.
– É sempre a mesma coisa, não há critérios para colocar os doentes e depois é isto.
Eu também tenho certos receios nestes doentes. E não acredito nada na história do
‘ex’. Os casos em que deixam são muito poucos. Já viste os braços e as pernas dele.
Noutro dia eu ia picá-lo para tirar sangue, e estava a tremer toda. Ele virou-se para
mim e disse-me qual era a melhor veia.
Passado pouco tempo, o Enf. Victor deslocou-se à Enf.ª para realizar um procedi-
mento e viu o Fernando com a visita da mãe.
– Bom-dia.
– Claro.
90 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Não acreditem no que ele vos diz. Ele engana todos. E continua a consumir.
Dora tem 79 anos de idade e entrou no serviço vinda da urgência com o diagnós-
tico médico de doença hepática crónica Child C, com anasarca e encefalopatia
hepática. Entrou com um quadro de confusão e Godet positivo.
A doente vinha acompanhada pela filha, que não largou a mãe todo o tempo. O
médico que a recebeu pediu para aguardar um pouco no corredor, que logo que
pudesse falava com ela.
– Já viu o estado em que esta doente vem, Dr.? E para posicionar é que vai ser bonito.
Ela deve pesar uns cento e tal quilos. Como é que as pessoas se deixam chegar a este
estado.
– Esta doente está muito mal. O que se vai fazer é tentar controlar a situação, não
vamos fazer nenhuma intervenção extraordinária.
– Já viu as flictenas que ela apresenta nos pés? Quer dizer que se ela parar não é
para fazer nada?
-Percebo.
– O estado dela é muito grave, não a vou enganar. As análises dão valores muito
alterados, e sabe que o fígado é um órgão essencial
– Eu sei, mas hoje em dia a medicina está muito avançada, não é verdade? Até se
fazem transplantes, pelo menos é o que eu ouço. Vão fazer tudo para ela ficar boa
não é verdade, Dr.?
– Que é que quer dizer com isso?... Ela ainda há pouco era uma pessoa completa-
mente ativa, ajudava-me muito. Desde o princípio do ano é que começou a piorar, a
ficar dependente, mas ela é uma pessoa cheia de força de vontade.
– Vamos a ver como ela reage, não podemos ter certezas absolutas, mas o normal é
continuar a evoluir negativamente.
O serviço encontrava-se repleto. Eram oito os doentes, duas mulheres e seis ho-
mens. A maior parte das situações eram de pós-operatórios habituais, sendo o
caso mais preocupante de uma doente do foro médico. Tratava-se de uma doente
idosa, com uma doença oncológica hematológica, conectada ao ventilador e num
estado considerado muito grave.
– Parece que vamos ter problemas, Dr.ª Lina. Fez uma bradicardia espontaneamen-
te, e eu já confirmei, é real.
– Estou a ver. Não sei porquê, mas eu estava a desconfiar que este doente ia compli-
car. Vou pedir ajuda de cardiologia. Entretanto, é melhor preparar uma medicação,
para o caso de ser preciso.
92 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– O meu colega passa por cá mais logo, entretanto vai fazer esta medicação.
Cerca das duas horas da manhã, quando tudo parecia calmo, e no preciso mo-
mento em que a porta se abria para entrar o cardiologista, um forte e agudo ru-
ído não deixou margem para dúvidas. O doente da cama 3 estava a fazer uma
assistolia. Todos correram na sua direção e o primeiro a chegar aplicou-lhe uma
pancada precordial.
– Faça-me um favor, Nuno. Não vamos fazer nada a esta doente, mas não deixe que
a Enf.ª Susana se aperceba. Já sabe como é. Ela acha que todos devem ser reanima-
dos e eu não estou para me chatear com ela.
A doente foi admitida no serviço de urgência com lesões de vasculite nos mem-
bros inferiores. Referiu terem surgido à cerca de uma semana. Dois dias após,
inicia dispneia com rápido agravamento. Deteta-se hipoxemia grave e infiltrado
pulmonar bilateral, que sugerem Pneumonia/ARDS.
Já com o documento em seu poder, a Enf.ª vai falar com a médica que entregara
o pedido.
– Tenho. E já falei com o marido. Ele é um dos que assina esse papel, e diz que se
for necessário para o fazermos. Apenas pediu para termos cuidado com as outras
visitas. Enquanto estiver a ser administrado não entra ninguém, ou então dissimu-
lamos a perfusão.
– Não se preocupe. Aliás, é para lhe salvar a vida, por isso podemos fazê-lo.
– Eu tenho dúvidas. A pessoa deve ter pensado nisso quando assinou isto.
– Eu faço isso, não te preocupes. Ela precisa do sangue, não precisa? Então qual é
a dúvida. Quero lá saber que, sei lá há quanto tempo, tenha escrito uma coisa, que
nem sei se ainda pensa. Vamos deixá-la morrer sem fazer nada. Eu não concordo
nada com isso. Ela depois que me leve a tribunal, mas viva.
– E nos outros turnos, como é que vai ser, tu não estás sempre cá.
Gertrudes tem 55 anos de idade e, enquanto regava as plantas de sua casa, caiu
pelas escadas, tendo resultado TCE. Chegada ao hospital, é pedida uma TAC que
identifica contusão focal temporo-basal direita, áreas hemorrágicas profundas,
94 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
hérnia do uncus direito com desvio de 1cm da linha média e fratura temporopa-
rietal direita.
Ao fim de duas semanas, que decorreram com oscilações do seu estado neuroló-
gico e hemodinâmico, suspende sedação. Apesar de estar a ventilar espontanea-
mente, necessita de peça em ‘T’, pelo que é realizada traqueostomia.
– Vai ser a mesma coisa do costume. Era necessário haver estruturas de retaguarda
que acolhessem estes doentes. Precisam de alguns cuidados, mas não deviam estar a
ocupar uma cama num serviço destes.
– Pois, o problema é que não existem. Ela para casa não pode ir e as alternativas
são os lares. E eu não estou a ver nenhum que lhe possa oferecer o que ela precisa.
– Pode até ser que já exista alguma instituição privada que o faça, mas deve ser por
um valor incomportável para a maioria das pessoas.
– Aqui, se calhar, bem-feitas as contas ela ainda fica mais cara o Estado.
95 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Numa das consultas de rotina realizadas, foi detetado um nódulo na mama es-
querda da Dª Ilda, de 48 de idade. Casada e mãe de duas filhas, uma de 16 e outra
de 18 anos, foi incapaz de dizer ao marido tudo o que o médico lhe tinha dito.
Chegou ao serviço logo pela manhã cedo. Vinha acompanhada pelo marido e pe-
las duas filhas. Traziam um ar descontraído e confiante. Pouco depois, o marido
despediu-se e prometeu voltar pela hora do almoço.
Quando as enfermeiras entraram para a levar ao BO, mãe e filhas não puderam
deixar de se emocionar. As Enf.ªs tentaram desdramatizar, para lhes dar confiança.
– Daqui a pouco já está de volta, vai ver que corre tudo bem.
A cirurgia acabou pouco tempo após, e a doente não tardou muito a estar de novo
com os seus. O seu olhar era triste e estava coberto de lágrimas. As filhas suspei-
taram e foram incapazes de perguntar.
– Pronto, já passou. Não chores. – Tentou consolá-la o marido. – Eu vou ver se falo
com alguém para me dizerem qualquer coisa.
Durante alguns meses não volta a ter qualquer problema, até que um dia tem uma
lipotimia no trabalho, com perda de consciência durante cerca de um minuto.
Acorda desorientado, com uma lesão occipital a sangrar, e os colegas chamam
uma ambulância que o leva ao hospital.
O médico que o recebe, enquanto lhe sutura a ferida, pergunta-lhe se tem ideia de
como estava antes de tudo acontecer.
– Não tenho bem a certeza, mas penso que senti uma dor forte, não sei bem onde, e
falta de ar. Depois só me lembro da cara de susto dos meus colegas.
De volta ao serviço, deu de caras com a filha e a esposa, que depressa se apercebe-
ram de que algo não estaria bem. Ele que era uma pessoa comunicativa e alegre, e
estava estranhamente silencioso e sorumbático.
As duas familiares não se conformaram com as suas explicações e logo que ti-
veram oportunidade e, nesse mesmo dia, questionaram o seu médico assistente.
– Que eu saiba não. Ele só fez o exame hoje, e até aqui não tínhamos qualquer
certeza. Agora já é diferente. O seu marido vai ter de ser operado quanto antes.
Precisamos de lhe retirar o estômago.
97 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Ai, meu Deus! O que é que ele tem? Ele não vai aguentar a notícia.
– Não lhe diga o que nos disse, Dr. É preferível não saber. Conhecendo-o como co-
nheço, é preferível que ele pense numa coisa mais positiva.
Foi dito ao doente que por apresentar uma lesão extensa, impossível de tratar de
forma conservadora, teria de ser submetido a uma Gastrectomia Total Radical.
A D.ª Rosalina de 89 anos de idade deu entrada naquele serviço em Janeiro pas-
sado, com o diagnóstico médico de hematúria. Tem antecedentes de neoplasia
vesical e já foi submetida a resseção transvesical, por duas vezes.
Ficou com uma sonda vesical de três vias, nº 24, a fazer sifonagem contínua. A
doente tem muitas dificuldades em se mobilizar sozinha, só o conseguindo fazer
com ajuda. Apresenta ainda queixas álgicas inespecíficas, sendo que desta vez o
objetivo do internamento é precisamente o controlo das dores.
– Acho que não. Deve estar a chegar. Vinha saber se a medicação está ou não a
resultar. Preciso que me diga, porque se for preciso temos outras coisas para lhe dar.
– Eu nunca tive nenhum problema de saúde e suportava as coisas que iam surgindo.
Essas coisas só fazem mal. Mas desde que me mexeram nunca mais fui a mesma. Eu
bem sei que ninguém fica cá… Para agora estou bem. Sinto-me mole, com poucas
forças.
– Estou a ver que me vou chatear. Fui pedir para te trazer a comida e disseram-me
que era proibido, que tinhas de comer o que o hospital dava. Isso é que era bom, nem
que eu tenha de ir falar com o Papa…
– Não sei, vocês andam todos vestidos da mesma forma, que a gente nem sabe o
que são.
A D.ª Glória tem 45 anos de idade e acaba de dar entrada na UCI por Insuficiência
Respiratória, motivada por pneumonia. Veio transferida de um outro hospital
que não tinha possibilidade de lhe proporcionar suporte ventilatório.
Uma leitura ao processo pouco revela. Trata-se de uma grande fumadora, cerca
de dois maços por dia, e está a ser seguida numa consulta de neurologia por quei-
xas periódicas de astenia.
Passado algum tempo, a progressão para uma situação mais favorecedora, permi-
tiu a suspensão da medicação que a trazia adormecida. Despertou agitada, olhos
arregalados a percorrer incessantemente todo o espaço. Tentava falar e a Enf.ª
Maria Rui procurou acalmá-la. Disse-lhe que agora não podia falar, mas que isso
era transitório. Para tentar articular as palavras lentamente, porque assim é mais
fácil de as entender.
– Nesta fase parece-nos a melhor opção, Dª Glória. Já tentámos por várias vezes
retirar-lhe esse tubo e não tem sido possível. A traqueostomia não vai ser para sem-
pre e vai facilitar todo o processo. Por outro lado vai poder alimentar-se pela boca,
o que é sempre melhor.
A doente escutava o que lhe diziam, mas não revelava o que lhe ia na mente. Teria
percebido tudo? Precisaria de mais alguma explicação?
– Há outra coisa que preciso de lhe dizer, existem riscos graves de mantermos a
entubação, por exemplo, de desenvolver uma traqueomalácia.
Pela leitura dos lábios, a Enf.ª Maria Rui percebeu a palavra ‘filhos’.
– Quer ver os seus filhos? – A resposta foi positiva. – Eu vou telefonar à sua irmã.
É ela que vem cá todos os dias, não é?
– Sr.ª Enf.ª! Não se esqueça que é preciso que alguém assine a autorização. A senho-
ra não está capaz disso.
A irmã era a familiar mais próxima da D.ª Glória, já que ela era viúva. Tinha três
filhos, dois dos quais a viver com a tia. As normas da unidade, não permitiam a
entrada de crianças com a idade de dois dos seus filhos.
O Dr. Amadeu tem 27 anos e nunca confessou à família sofrer de qualquer ques-
tão relacionada com a saúde. É médico no hospital onde fez a maior parte dos
seus estágios clínicos, e aquele onde sempre quis trabalhar. Namora com a Dr.ª
Madalena, uma médica nefrologista da mesma instituição e pensam casar.
O problema inicial que o afligiu já tinha quase uma dezena de anos. Lembrava-se
bem dele, ou não tivesse estourado o carro do pai. Pensou que morria, quando viu
que ia embater na árvore que lhe apareceu pela frente. O destino, ou seja lá o que
for, não o quis. Fez uma lesão no tendão de Aquiles, uma fratura da clavícula e um
traumatismo renal, que resultou em hematúria macroscópica.
para a consulta externa, da qual desistiu mal a função renal e as tensões arteriais
estabilizaram.
Durante cerca de 5 anos não recorreu por nenhuma vez a algum médico ou insti-
tuição, apesar de ter tido três episódios de hematúria macroscópica acompanhada
de dor no flanco. No final desse tempo recorre à consulta de Nefrologia, onde
conhece a Dr.ª Paula., por HTA, tendo-se constatado que estava com uma Insu-
ficiência Renal Crónica severa. As desculpas apresentadas não evitaram as fortes
críticas que lhe dirigiram. Ainda se fosse um ignorante, agora ele. ‘O meu avô
faleceu com doença renal’, terá dito.
A partir daí começou o seu calvário. A primeira fístula arteriovenosa que lhe foi
construída, trombosou pouco tempo após, tendo feito outra pouco tempo depois.
A deterioração rápida e acentuada da sua função renal obrigou-o a ter de iniciar
hemodiálise, mas os acessos vasculares não ajudaram. As permanentes tromboses
de todas as fístulas, que impunham a necessidade de colocação de CVC, não lhe
davam sossego.
O Dr. Amadeu está neste momento sentado no cadeirão. O seu rosto demonstra
alguma preocupação, mas é uma pessoa reservada, não é fácil estabelecer diálogo
com ele. A única exceção é o Enf.º Passos, pessoa extremamente bem-disposta e
com quem tem afinidades.
– Tenho estado a pensar… A Madalena merecia melhor vida do que esta que está a
ter. Sinto que estou a ser um estorvo. Ela está a abdicar de muitas coisas.
Após alguns dias sem melhoras significativas, surge um pico febril e um agrava-
mento das dores, tendo-se decidido por uma drenagem do abcesso e substitui-
ção do antibiótico. Colhe sangue para hemoculturas. Poucas horas após entra em
choque.
Transferido para a UCI por septicemia, teve de se sujeitar a uma limpeza cirúrgica
da região do tórax. Fica com um penso oclusivo na região da ferida cirúrgica e
inicia alimentação parentérica. Além de estar com a mobilidade bastante limita-
da, apresenta um humor depressivo.
A esposa do Sr. Eduardo ficou indignada com o que lhe foi comunicado. Insistiu
em ver o marido, que isso só podia ter sido provocado por efeitos da doença ou
da medicação. Responsabilizou-se pelas consequências e ninguém a conseguiu
impedir de entrar.
– Não digas isso, que mal é que eu te fiz. Pensa no nosso filho. – E enquanto pro-
nunciava palavras sentidas de desespero, procurava a proximidade de um toque.
Tentativa imediatamente reprimida com um gesto agressivo.
O Enf.º Matos entra no quarto do Sr. Eduardo para saber a razão dele ter recusado
alimentar-se, ao jantar.
– Sabe que pagam-me para o ‘chatear’. Essa sua postura não vai resolver os seus
problemas, só os está a adiar.
– O que é que você sabe. Como é que eu lhe vou dizer que tenho a doença. Agora que
estava tudo a correr tão bem. Estou a pagar pela asneira que fiz, pelo meu egoísmo.
102 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Margarida tem 46 anos de idade, é casada e tem dois filhos menores. Foi internada
por suspeita de doença do neurónio motor.
Tudo começou em Abril desse ano, quando começou com queixas de lombocia-
talgia à direita, acompanhadas de défice motor do membro inferior direito de pre-
domínio distal. Nessa altura foi observada por Ortopedia, surgindo o diagnóstico
de hérnia discal. Fez cirurgia pouco depois. No mês seguinte surge-lhe diminui-
ção da força muscular da mão direita, com dificuldade em realizar extensão dos
dedos. Mais tarde surgem os mesmos sintomas no outro membro, acompanhado
por uma dificuldade em articular palavras.
Está medicada com Messalazina 1500mg por dia em virtude de sofrer da doença
de Crohn.
– Como é que eu vou fazer. Ela está cada vez pior e querem que ela vá para casa,
como é que isso pode ser. Neste momento ela é incapaz de comer, de fazer a sua
higiene, de se vestir, de mover-se, sem a ajuda de outra pessoa. Quem é que me vai
valer, eu não posso deixar de trabalhar e os meus filhos são pequenos, têm de ir para
a escola.
– O centro de saúde da sua área vai ser informado e ser-lhe-á prestada assistência
considerada necessária.
103 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
A D.ª Margarida passa os dias a chorar. Apenas durante a noite, por culpa da
medicação, parece serenar.
olhou para ele espantada, mas não foi capaz de pronunciar o mais pequeno som.
A médica explicou-lhes tudo o que lhe aconteceria com e sem o tratamento. Caso
o recusasse, o que ela discordava, só lhe podiam fazer analgesia.
Ficaram os dois a sós e o Eng.º Antunes disse à Dª Rosa qual a sua vontade.
– Sr.ª Enf.ª! Tem de me ajudar a convencer o meu marido a aceitar o tratamento.
Carlos tem 33 anos e está internado por celulite e fasceíte da região nadegueira
esquerda, com atingimento da coxa. Vai ser submetido a fasciotomia com drena-
gem de abcesso.
No dia da cirurgia, antes de seguir para o BO, foi visitado pelo irmão mais ve-
lho, que juntamente com a mãe ainda mantêm com ele alguns elos familiares. A
Enf.ª ‘Ju’ tentou recolher mais informações sobre o Carlos, ficando a saber que
era desde sempre uma pessoa problemática. Os ‘amigos’ tinham-no conduzido ao
vício. Não tinha emprego e já tinha sido preso por assaltos a residência. Apesar
das tentativas para acabarem com eles, mantinha-se como arrumador numa rua
do Porto.
O Carlos é uma pessoa de facis triste, que se apresenta muito ansioso e com quei-
xas álgicas localizadas na ferida operatória.
A Enf.ª Juvenália conversa com uma colega a propósito deste doente, referindo
que gostava de o ajudar.
– Esse não é o principal problema dele. Se não inverter o rumo dos acontecimentos,
volta a vir para cá. Devíamo-nos centrar em tentar encaminhá-lo para uma desin-
toxicação.
Questionado sobre se já recorreu a algum CAT, o Carlos responde que não acre-
dita nisso. ‘Isso é uma treta dos governantes e de algumas empresas, para ficarem
bem com a opinião pública e ganharem rios dinheiro’.
Carlos mantém-se com pouco ânimo, apesar dos incentivos que vêm do irmão
e da equipa de cuidados. Tem frequentes alterações do humor, está renitente aos
tratamentos, não tem disposição para a realização dos seus autocuidados e passa
a noite acordado, apesar da medicação que tem prescrito a horas certas.
O Sr. Jorge tem 65 anos de idade e encontra-se em estado terminal por demência
alcoólica. Está em casa desde que teve alta do último internamento por infeção
respiratória e desidratação. Passa o dia na cama e quem lhe presta os cuidados é
a mulher.
Quando se encontrava de saúde, o Sr. Jorge era um mau pai e marido. Apesar de
trabalhar como trolha, e se gabar de ganhar ‘quanto queria’, quase nunca contri-
buía para as despesas da casa, pelo que deixou a família passar necessidades. A
sua prioridade era ele próprio. Por outro lado, ainda batia bastante nas filhas e na
mulher.
A acrescentar a tudo isto, violou a filha mais velha quando ela tinha 13 anos,
causando-lhe danos irreparáveis a nível físico e psíquico. Ambas as descendentes
saíram de casa ainda adolescentes, nunca mais voltando desde então, nem dando
sinais de vida. ‘Eu acho que elas andam na má vida, mas elas é que sabem, que não
me venham incomodar.
A D.ª Augusta diz que cuida do marido por caridade. Nota-se que o assunto não
a deixa indiferente, mas é difícil saber o que pensa em concreto. Os vizinhos,
questionados pelo Enf.º Amílcar do CS, dizem que ela se está a vingar do mal que
ele lhe fez e às filhas. E por interesse. A reforma dele dá-lhe muito jeito, referem.
– D.ª Augusta, talvez fosse melhor ele ir para uma instituição, não lhe parece? Se
calhar era o melhor para si, também. Aliviava-se o seu trabalho.
106 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Era o que faltava, levarem-no agora para um lar, ou coisa parecida, eu é que sou
a sua mulher. Eu e ele dissemos no altar que era para o bom e para o mau. Eu estou
agora a fazer a parte que faltava.
Vive maritalmente com outro homem na mesma casa, que raramente é visto pe-
los Enf.ºs do Centro de Saúde que lá vão fazer tratamento às inúmeras úlceras de
pressão, na região sacrococcígea, nos calcâneos e trocânteres, e para substituir a
sonda vesical de três em três meses e a SNG.
Encontra-se em mau estado geral, e o quarto onde se encontra não recebe luz
solar. Está numa espécie de anexo da casa, sem condições mínimas de habitabi-
lidade.
– E o cheiro. É horrível. Como é que alguém pode estar assim, em pleno século XXI,
num país europeu. Isto é desumano. Não se pode fazer nada?
Antero deu entrada no serviço no final do turno da manhã. Vinha para fazer uma
cirurgia programada. Tinha um quisto sacrococcígeo infetado com uma fístula
perianal à direita, pelo que ia fazer uma colostomia temporária, para se poder
resolver a situação, já que doutro modo a presença contínua de fezes dificulta a
cicatrização.
O Enf.º Hilário aborda o doente no sentido de saber se ele está por dentro do que
lhe vai ser feito, e a resposta é positiva. ‘O médico explicou-me tudo. Disse que era
o melhor tratamento e que se tratava de uma situação transitória’, respondeu-lhe o
Sr. Antero, e o enfermeiro ficou satisfeito com as explicações.
O Enf.º Rocha, que estava agora com o Sr. Antero, comentou com o Enf.º Hilário,
com quem fazia turno e enquanto ambos preparavam as medicações dos seus
doentes.
– Ontem passaste que o doente da cama 23 sabia ao que vinha, mas eu tenho as
minhas dúvidas. Desde que veio do BO que não diz nada. Já o ouvi a discutir com a
mulher, pelo que me dá a ideia de que não sabia tanto assim.
– Ele disse-me que sabia e referiu uma ou outra coisa que eram verdadeiras, agora,
não posso dizer que ele soubesse tudo, até porque isso é muito relativo.
– Repara, dizer a uma pessoa que tem 20% de probabilidades de sobreviver ou que
tem 80% de hipóteses de morrer, é o mesmo em termos estatísticos, estás a dizer o
mesmo. Mas o significado que uma coisa e a outra têm, para quem escuta e está
numa situação crítica, é diferente.
– Esse não é o caso deste doente, mas percebo o que dizes. Não sei se a omissão com
boa intenção, será condenável eticamente, mas isso é outra história. Não queres
falar com ele? Eu sei que só estamos os dois e que não dá para conversas, mas podias
tentar.
Um pouco mais tarde, o Enf.º Hilário foi tentar perceber a causa para o problema
do doente. O que o incomodava, não era a colostomia estar ou não a funcionar
bem, e estar a contribuir para a resolução do que o havia levado ali, o que o preo-
cupava era o aspeto que aquilo tinha e ter de prestar os cuidados a si próprio. Mas
principalmente, tinha muitas dúvidas relacionadas com a sexualidade.
O Sr. Fontes de 57 anos deu entrada na urgência daquele hospital, por volta das
3h da manhã, num estado bastante grave. Apresentava umas saturações de 44%,
cianose da face e extremidades. Foi também aspirado, já que o ruído era bastante
audível, tendo saído bastantes secreções traqueais de aspeto purulento e espesso.
O doente foi posicionado e colocado com oxigenoterapia com uma máscara de
alto débito.
sia intestinal e está em fase terminal. Já esteve internado por diversas vezes, tendo
realizado inúmeros tratamentos, que todavia não conseguiram evitar a progres-
são da doença.
A esposa e o filho mais velho, que o acompanharam, pareceram estar bastante por
dentro do estado de saúde do Sr. Fontes.
– Isto é uma exceção, pelo que a devemos tratar como tal. Se ele amanhã ainda cá
estiver, será transferido para um serviço e depois é com eles, logo se verá. Por mim
não vejo problema em autorizarmos.
Ao fim de pouco mais de uma hora, em que o pulso foi oscilando dentro de uma
contínua bradicardia, soou estridentemente o alarme. Os enfermeiros dirigiram-
-se lentamente na direção do doente. Tinham intenção de suspender o alarme e
proceder de acordo.
– Boa-tarde, Sr. Inácio. Vai ter de nos ajudar. Só sabendo o que o preocupa e que o
podemos ajudar. Escreva qualquer coisa.
Saúde Materna
– Não, até agora só tivemos este, que tu não vais levar, porque teve que ir para a
neonatologia.
Como era habitual em casos destes, um perturbador silêncio acaba por se instalar
111 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
A Dulce é uma jovem de 26 anos de idade, que deu entrada no hospital às 22:00
horas, em trabalho de parto. Pelas 23:00 horas nasceu o João com um Apgar 6,
7, 7, tendo ido de imediato para a neonatologia. A mãe quer dá-lo para adoção e
está muito renitente em responder às perguntas que lhe são feitas, mas colabora
nos cuidados.
No serviço havia poucas vagas, pelo que ela teve de ficar inevitavelmente numa
enfermaria de 6 camas. Se tivesse sido possível, teria ficado numa enfermaria
mais reservada, primeiro porque o filho estava na neonatologia e, por outro lado,
a Enf.ª sentia necessidade de explorar a situação que lhe tinha sido relatada.
Entretanto, o telefone tocava a dizer que o irmão e o seu namorado queriam subir
para falar com ela, desesperados com a surpresa (!) e ansiosos por ver como ela
estava. Porém, ela dizia-me que não queria estar com ninguém.
A médica disse para eles subirem, mas a enfermeira Mª José não pôde autorizar a
entrada deles na enfermaria. Entendeu que não tinha o direito de desrespeitar a
vontade da cliente, justificando a sua decisão com o cansaço da D.ª Dulce.
Então, a Enf.ª sugeriu à médica e às colegas que falassem com o familiar e namo-
rado lá fora, enquanto ela conversaria com a senhora, aproveitando para retirar o
sangue para as análises pedidas.
Falando-lhe baixinho, para que mais ninguém ouvisse e para que as restantes
clientes descansassem, perguntou-lhe se queria falar de alguma coisa, apelando
ao seu bom senso, uma vez que o recém-nascido corria risco de vida e era neces-
sário tomar medidas que dependiam de informações que só ela podia dar.
Foi então que a D.ª Dulce se abriu com a Enf.ª, contando-lhe o que tinha acon-
112 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
tecido. O João era fruto de uma relação de uma noite com um homem que não
conhecia, de nacionalidade Francesa. Não era do namorado, e ela não sabia se ele
tinha alguma doença ou outro problema.
Confessou-lhe, que durante este tempo todo, tinha dito à família que lhe tinha
surgido um problema no útero, e que precisaria de ser operada. Procurou infor-
mação na Internet, e foi enganando os familiares desta forma. Vive sozinha, é
gestora, mas não quer o filho.
Há cerca de dois dias estava no café com o irmão e com o namorado e sentiu a
bolsa de águas rebentar. Foi para casa, e como tinha lido que o nascimento podia
não ser logo, foi-se aguentando até sentir contrações, que só se tornaram ritmadas
hoje.
– Eu não quero este bebé, mas também não quero que ele morra. Não sabia que lhe
estava a fazer mal. Apenas me tentava proteger, não queria que ninguém soubesse!
A Enf.ª Mª José pediu que ela descansasse e que refletisse com calma no que que-
ria fazer. Logo que ela se restabelecesse, voltariam a conversar.
Um dia como tantos outros, uma tarde como tantas outras, mas clientes sempre
diferentes com histórias de vida distintas.
A Enf.ª Juliana dizia à sua colega como adorava fazer tardes, pela proximidade
que conseguia com a família e pelas possibilidades de trabalhar outros aspetos,
para além da mera execução, com o tempo disponível.
A D. Joaquina é uma senhora de 32 anos que decidiu ter o seu primeiro filho neste
hospital. O facto de ter feito manhã e tarde seguidas, fez com que a enfermeira
tenha acompanhado o seu puerpério.
No primeiro dia acolheu no serviço o casal e filha, dando continuidade aos cuida-
dos iniciados no bloco de partos.
113 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– O meu leite não presta, ela não fica satisfeita… E ela não se adapta bem à mama.
Junto da mãe que me dizia querer amamentar e do pai que se prontificou a ajudar,
a Enf.ª tentou adaptar a recém-nascida à mama, numa tentativa de ultrapassar a
situação.
Não foi fácil! Desde conseguir acordá-la bem, até encontrarem a melhor posição,
foi complicado, mas finalmente conseguiram colocar a Eduarda à mama. Mamou
cerca de 15 minutos com boa sucção.
– Sra. Enfermeira! Acha que foi suficiente o tempo que mamou? – Parecia receosa
em colocar a questão. Talvez imaginasse estar a ser ridícula com aquele tipo de
dúvida.
– D.ª Joaquina, ninguém nasce ensinado. É normal não saber o que fazer em inúme-
ras situações, nomeadamente naquelas que acarretam uma responsabilidade maior,
como a de ser mãe. Eu vou esclarecer tudo aquilo que for preciso, fique descansada.
A D.ª Licínia estava no segundo dia pós-parto, e a questão que se levantava tinha
a ver com as consequências de uma grande perda de sangue durante o parto. A
hemoglobina baixou para 6,4. Antes da colheita, a Enf.ª Helena tinha verificado
a sua palidez. Cansava-se com mais facilidade que no dia anterior – nem tinha
aguentado estar perto da Carlota no banho -, e o resultado laboratorial confirmou
a suspeita.
Apesar disso, a vontade de amamentar não tinha diminuído, pedindo ajuda para
o fazer, enquanto o marido não chegava.
A sua recusa não caiu muito bem. A Dr.ª Carla insistiu para que assinasse a auto-
rização para a transfusão. A senhora voltar a negar, dizendo que ninguém a podia
obrigar.
114 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
A situação tinha uma certa gravidade, mas talvez se pudesse aguardar algum tem-
po. Decidiu-se respeitar a sua decisão, aguardando que ela consultasse o compa-
nheiro, conforme era seu propósito.
A D.ª Licínia, apesar de estar claramente enfraquecida, fazia um esforço por pres-
tar os cuidados necessários à sua filha.
– Nenhuma opção é tão boa como esta. Não quer amamentar, Licínia? – Questio-
nou a Dr.ª Carla.
Ficou no serviço cinco dias até a hemoglobina voltar a valores ‘aceitáveis’, e poder
ir para casa.
115 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Os enfermeiros do serviço têm achado estranho, mas ainda não surgira a oportu-
nidade, ou a pessoa certa para questionar a Dª Francisca, sobre o facto de não ter
ainda recebido visitas do marido.
A Enf.ª Patrícia, que ia iniciar o turno da tarde, enquanto ouvia os habituais co-
mentários dos colegas, pegou no processo da doente e foi-o desfolhando, numa
tentativa de encontrar resposta para o que acabara de ouvir. Mas não tinha sido a
primeira, e o resultado foi semelhante.
– Por aí não vais lá, eu já fiz o mesmo. E já perguntei à Dr.ª Rosa, mas ela respon-
deu-me de forma evasiva. Aliás, pareceu-me que sabia mais do que disse. Deve
achar que eu quero as informações por fofoquice…
– É evidente que não. Uma coisa é, nós lá fora, como pessoas. Com os defeitos e
virtudes que cada um tem. Outra é enquanto profissionais. Eu não tenho de lhe dar
as minhas razões, se ela não me dá as dela.
– Já percebi, mas com essas atitudes quem sai a perder é a Dª Francisca. Bem, dei-
xa lá. Hoje eu vou-me centrar em perceber o que está a acontecer, para podermos
ajudar.
– Ainda não vimos por cá o seu marido, há algum problema? – A referência pertur-
bou claramente a Dª Francisca, que não soube ou conseguiu responder.
– É tão bonito, o meu filho, não é Sr.ª Enf.ª? Não é por ser meu, mas todos que o vêm
dizem isso. E o pai não quer saber dele…
– Ele não dizia que sim nem que não. Mas não quer a responsabilidade de ser pai.
Diz que é comigo, eu é que fui a culpada, por isso que me arranje. E eu não sei qual
vai ser a reação dele quando nós chegarmos lá a casa.
116 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
O parto decorreu com normalidade, dentro do que era de esperar. Os pais estavam
aparentemente felizes, mas percebia-se algum receio e, muitas, muitas dúvidas.
– Enf.ª Sónia! Estávamos aqui a falar de si, ou melhor, das suas mães. A Enf.ª M.ª do
Céu diz que a Carla continua como no primeiro dia, muito temerosa.
– Ela tenta fazer como a gente lhe diz, mas é muito novinha, ainda devia andar mas
era com as bonecas. Precisa de mais tempo para aprender a ser mãe.
– Pois é, mas isso também se aplica a toda a gente. Já não há razões objetivas para
a mantermos cá, vamos ter de lhe dar alta.
– Eu hoje fiz-lhe algumas perguntas sobre a sua condição económica, e parece que
não é lá grande coisa. Vivem num anexo da casa dos pais do rapaz, que foram os
que estiveram cá ontem de tarde. Não sei se os viu…
– Não… Mas se for assim, temos de avaliar melhor a situação, talvez precisem de
algum apoio.
Berta olhou para a criança que estava à sua frente no colo da enfermeira. Sentia-se
muito confusa e não podia simplesmente apagar todo o seu passado. E o futuro.
Teria coragem para o modificar?
117 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Mas ela pareceu-me querer amamentar, será que não está a conseguir, ou pensa
que é insuficiente? Não me apercebi de nada.
A Enf.ª deslocou-se ao quarto para tentar averiguar. Todos os dias lhe apareciam
casos particulares com problemas comuns. Desconhecimento, muitas vezes, falta
de vontade, outras tantas, enfim, mas haviam sempre as exceções.
– A mulher é estranhíssima, parece maluca. Quando estamos a falar com ela evi-
dencia ser uma pessoa conscienciosa e, logo a seguir tem comportamentos contradi-
tórios. Há ali qualquer coisa que ela nos está a esconder.
Os Enf.ºs passaram a estar mais atentos, reparando que até então, ainda não ti-
nha sido visitada por ninguém, o que não era vulgar. Confrontada com o facto,
argumentou que a família não teria tempo, pois era necessário atender aos seus
outros filhos, etc, etc.
– Por muito que se tenha de fazer, não se arranja um bocado para estar com a
pessoa?
– Eu não sei se ouvi bem, mas hoje quando vinha de almoçar reparei que ela estava
118 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
de conversa com uma senhora mais velha, e pareceu-me que a tratou por outro
nome.
Afinal, ‘encostada à parede’, não mais resistiu. Inventara uma identidade. O ma-
rido a quem tinha prometido fazer uma laqueação depois da última gravidez,
porque a família já era grande de mais para a sua condição económica não ia
entender. Simulou outro problema.
Em Janeiro deste ano deu entrada no Serviço de Obstetrícia a D.ª Matilde. Vinha
com perda de líquido amniótico, tendo-lhe sido diagnosticada uma rutura pre-
matura das membranas e oligoâmnios, tendo por esse motivo de ficar internada.
A D.ª Matilde tinha uma gravidez de risco, estando em repouso absoluto desde o
primeiro trimestre de gestação, por correr o risco de parto antes do tempo. Apesar
disso, e considerando que estava a seguir à risca as indicações médicas, o início do
trabalho de parto apanhou-a de surpresa.
O casal Rodrigues estava bastante angustiado por toda aquela situação, particu-
larmente a Dª Matilde, que se sentia culpada por o que estava a acontecer à sua
filha. Já tinha estado grávida uma vez, mas não se conseguiu evitar o aborto es-
pontâneo ao fim de poucas semanas. Os sacrifícios que lhe tinham sido pedidos,
para viabilizar aquela segunda gravidez foram aceites com alegria, tal era a sua
vontade de ser mãe.
Quando tudo parecia estabilizar ao fim de uma semana, surgiu um enfisema in-
tersticial pulmonar, que conduziu a um agravamento da situação clínica da Ma-
riana. Passados uns dias, a equipa médica leva a Mariana ao BO para fazer o
encerramento do canal arterial. Regressa num estado crítico e os pais pedem para
ser feito o batismo, o qual é realizado.
119 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Durante muitos meses, instalam-se sucessivas sépsis e as tentativas para que con-
siga respirar espontaneamente revelam-se infrutíferas. A Mariana tem um défice
de acuidade visual, paralisia cerebral e alimenta-se por um botão de Gastrosto-
mia.
O casal está cansado e desgastado. A Dª Matilde não sai do serviço e mantém uma
ligação muito forte com a filha. O pai está diferente e parecem diferir quanto ao
que desejam para a sua filha. Ele já confidenciou a alguns profissionais que prefe-
ria que a criança morresse.
– Deixava de sofrer. O que vai ser dela, assim, se sobreviver a isto. E de nós. A minha
mulher pensa de uma forma diferente…
8. ‘Anabela e Rúben’
Anabela e Rúben, ambos com 37 anos dirigem-se para o hospital. Estão prestes
a ser pais pela terceira vez. Queriam muito um rapaz, ou melhor dizendo, queria
a mãe, que o pai não sofria dessas ideias ultrapassadas que alguns homens têm.
Mas agora iam ficar por ali, fosse rapaz ou rapariga. Não tinham querido saber
o sexo da criança antes do nascimento, para ser uma surpresa completa. ‘Seja o
que Deus quiser. O que importa é que seja perfeitinho e tenha saúde’, referiam e
concordavam até à exaustão, com as afirmações costumeiras dos amigos e família.
– Quer vir comigo, Sr. Rúben? Vamos buscar o seu bebé? Eu já sei o que é, mas não
lhe vou dizer. Vai ser surpresa até ao fim.
Caminharam em passo normal até ao BO. Rúben estava nervoso, como qualquer
pai que se preze e não dizia nada, ficando a Enf.ª com as despesas da conversa.
A experiência aqui conta pouca coisa, dizem. A Enf.ª Rute foi-lhe dizendo que a
criança viria numa incubadora, por causa das diferenças de temperatura, mas que
isso era uma prática habitual, para não o alarmar.
– Olha, não queria estar no teu lugar. Isso é um diagnóstico médico, encaminha
para os Sr. doutores. É o que eu faria.
A Enf.ª Rute foi-se dirigindo com a incubadora para fora do BO, sem ter um
plano definido de atuação. Pensou em jogar na defensiva, talvez fosse o melhor.
Mal assomou à porta, foi abordada pelo pai, que se agarrou ao aparelho com as
lágrimas a jorrar pela face abaixo.
– Está, está, não teve qualquer problema no parto… E a sua vai chegar não tarda
nada.
Berta tem 32 anos de idade e é solteira. Deu entrada no hospital grávida de qua-
renta semanas. Esta é a sua terceira gravidez.
A médica que a recebe aborda o assunto que parece estar na cabeça de todos. Por-
que é que deixou a gravidez chegar a este ponto? Porque é que não fez um aborto.
– Dos seus outros filhos, compreende-se. Havia as questões legais, agora com este
isto já não se passa.
– Que é que a doutora tem a ver com isso? Querem ver agora esta.
– Façam mas é o que vos compete que eu tenho mais o que fazer. Eu não estou aqui
por minha vontade. Cheguei a falar com um médico, mas ele disse-me que eu já
tinha tempo a mais. Mas, ouça, não há crianças a menos? Se vocês não engravidam,
faço-o eu, ò doutorzinha.
filho da Berta vive com a avó e o segundo foi entregue para adoção. Provavelmen-
te é isso que vai acontecer com este.
O parto, normal, decorreu com tranquilidade, tendo nascido uma menina. Nos
primeiros dois dias, Berta apresentou períodos de sudorese, astenia, tremores e
alguma agitação, pelo que foi pedida a ajuda de psiquiatria.
– Já está mais calma, Berta? Não quer pegar na sua filha? Já viu que linda que ela é.
– Desarranjada como está, talvez tenha razão, mas não foi sempre assim, tenho a
certeza disso.
Nesse momento, aflora à porta da enfermaria uma senhora que se veio a saber
ser a sua mãe. Aproximou-se sem dizer uma palavra, enquanto a filha escondia
o rosto.
– Eu não consigo fingir que não sei. Que tu não existes. Não há dia nenhum em que
não pense em ti, ou que não tenha esperança, basta olhar para a Daniela.
122 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
photo by: Lonnie Bradley
Saúde Infantil
O João tem 2 anos de idade e foi à consulta de enfermagem com a sua mãe. O João
não quer sair do colo da mãe e não admite que lhe retirem um pequeno peluche
que traz consigo. A enfermeira Catarina registou os seguintes dados: peso – 11 kg
|P(10)|; altura: 87 cm |P(50)|; IMC: 15 |P(10)|; procura ativamente um objeto em
diversos possíveis esconderijos; tenta copiar gestos e palavras; reconhece-se no
espelho e faz referências verbais a si mesmo; faz uma torre de 3 cubos.
Durante a entrevista a mãe verbalizou: ‘tem sido muito difícil criar o João. Res-
ponde a tudo que não, está sempre a implicar com a irmã mais nova e até voltou
a querer beber o leite por biberão... Não percebo porquê que ele é assim, às vezes
penso que ele faz isto só para me irritar. Não percebo, não sei o que fazer e quase
já nem saio à rua porque está sempre a fazer birras’.
123 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
2. ‘O Filipe nasceu’
O Filipe nasceu por parto eutócico, às 38 semanas gestacionais, Apgar 7-8-10, tem
agora 36 horas de vida.
A sua mãe (Maria) tem 18 anos de idade, teve uma gravidez vigiada no centro de
saúde, mas que foi ocultada à família até às 16 semanas. A Maria é extrovertida,
muito conversadora e bem-disposta. É muito cuidadosa e embora atenta às ne-
cessidades do filho, refere frequentemente: ‘não faço ideia se este rapaz é capaz de
ouvir quando falo com ele’.
A Ana nasceu com 35 semanas por cesariana após várias tentativas sem sucesso
de aplicação de ventosa. Apgar 6-8-9. O líquido amniótico apresentava cheiro
fétido. Pesa 2200 gr; tem 45 cm de comprimento.
A Ana tem 6 horas de vida e apresenta boa vitalidade, choro forte, pele e mucosas
rosadas, já teve uma dejeção de mecónio, o abdómen está mole e depressível e
mama vigorosamente. A mãe afirma não ter roupa para a menina nem meios
económicos para lhe satisfazer as necessidades básicas após o regresso a casa.
A Joana nasceu por parto eutócico, às 40 semanas gestacionais, Apgar 8-8-10, tem
agora 48 horas de vida. A gravidez não foi desejada, nem foi vigiada. Ao nasci-
mento, o líquido amniótico apresentava mecónio e cheiro fétido. A mãe iniciou
febre 4 horas após o parto.
A Joana é a primeira filha da D. Manuela que tem 40 anos de idade. A D. Manuela
é introvertida e tem muita dificuldade em se expressar verbalmente. É muito cui-
dadosa e, embora atenta às necessidades básicas da filha raramente interage com
ela. Quando a enfermeira Catarina a questionou sobre este facto a D. Manuela
respondeu: ‘Para quê? Se os bebés não conseguem ver e ouvir não é preciso nada
disso (...) nunca vi a minha mãe fazer isso e olhe que ela teve 8 filhos e estamos
todos muito bem. E eu nem sei fazer o que está a dizer’.
A menina está normotérmica e normoglicémica; apresenta frequência respirató-
ria de 68 cr/min, TA 100/ 78 mmHg, pulso 170 bat/min, satO2 89% e adejo nasal.
A Enf.ª Catarina ao supervisionar a alimentação da menina verificou que esta
está agitada e com dificuldade em mamar, soltando frequentemente a aréola. A
mãe verbaliza ‘a Joana faz um barulho esquisito ao respirar e não consigo dar-lhe
de mamar, ela até parece ter fome mas não agarra a mama. E já passaram 4 horas
desde a última mamada’.
A D. Marta levou hoje a filha Fabiana que tem 9 meses à consulta de saúde infan-
til. O enfermeiro João registou os seguintes dados no processo clínico da Fabiana:
dentes incisivos centrais em erupção; procura conforto no carinho, na simpatia e
em objetos de segurança; medo, apreensão, choro e lágrimas quando afastada da
mãe; choro, sorriso e vocalização diferenciados para a mãe; olha mais para a mãe
mesmo que ela não esteja perto; explora quando está longe da mãe, apesar de a
utilizar como uma base segura; brincadeiras basicamente solitárias; peso 7 kg |P
(5) |; comprimento 69 cm |P(50)|; pinça fina ausente; controle completo da cabeça;
senta-se sem ajuda.
Durante a entrevista a mãe referiu: ‘a Fabiana tem chorado muito e leva tudo à boca
e até pensei que podiam ser os dentes a aparecer. Mas os dentes não nascem mais
tarde Srs. enfermeiros?... Retirei do berço da Fabiana todos os brinquedos... Colo-
quei barreiras de acesso a áreas perigosas... Ela já fica perto da família durante as
refeições e deixo-a beber por um copo; mas para ela comer é mais complicado, fica
tudo sujo, não sei o que fazer... Quando eu não estou perto dela é muito complicado
porque chora muito, não vai para o colo de mais ninguém e não deixa que ninguém
lhe toque’.
125 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
O Filipe tem sido uma criança que na escola tem tido dificuldades de aprendiza-
gem, os pais referem que tem muitos amigos com quem brinca frequentemente.
É uma criança que os pais referem como tendo ‘muito apetite’ e ‘estar sempre a
comer... De tudo’. A Enf.ª Joana verifica que é normalmente o pai que responde
às questões e que a mãe assume uma atitude reservada, dizendo poucas palavras.
A Ângela é uma menina de 14 anos que veio à consulta de Saúde Infantil. Traz
vestida uma minissaia e uma camisola fina, com uma camisa por cima (Dezem-
bro/temperatura aproximada de 7º).
A mãe (D. Sofia) refere que a Ângela se tem alimentado mal, e que ‘passa muitas
horas a ver televisão e anda muito mal humorada’. Face aos comentários da mãe
a Ângela começa a chorar e quando a enfermeira a questiona responde que ‘não
gosta de estar em casa, sobretudo quando o pai lá está’. A D. Sofia apressa-se em
se despedir da Enf.ª Catarina argumentando que tem que ir trabalhar e que a filha
tem muita imaginação. Após alguma insistência a Enf.ª ainda teve tempo para
agendar uma visita domiciliária.
O João é filho da D. Rosa e tem 12 horas de vida. Nasceu por paro eutócico, é o
quarto filho de um casal com baixo nível socioeconómico e que se tem mostrado
conflituoso. A família vive numa habitação degradada, sem água canalizada e sem
luz elétrica. É uma família registada como ‘de risco’ e tem sido acompanhada pela
assistência social. A mãe recusa amamentar o filho, raramente pega no filho ao
126 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
A Mariana é uma menina de 14 anos, com paralisia cerebral, que tem graves dé-
fices motores, está acamada e afásica. O Enf.º Manuel, do centro de saúde da sua
área de residência, que dá apoio domiciliário à família, ao realizar o exame físico
verifica a presença de globo vesical. Pergunta à mãe (que habitualmente cuida da
Mariana) as características das micções (quantidade, cheiro e coloração).
– Quando lhe mudo a fralda ela não se encontra muito molhada. A urina tem um
cheiro muito intenso, mas nunca me preocupei com isso.
O Enf.º verifica ainda, que hoje, a mãe da Mariana se apresenta com ‘ar cansado’,
está particularmente agitada, relatando com minúcia o seu dia-a-dia e descreven-
do com pormenor todos os cuidados que tem tido com a filha.
Com poucos dias de vida iniciou alimentação com leite artificial, quando a mãe
se deparou com a insuficiência do seu leite. A menina não parava de chorar após
as mamadas, com o que parecia ser fome.
127 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– A senhora não via que ela não estava bem. Já cá a devia ter trazido. – Olinda, de
22 anos, foi incapaz de responder. Chorava cabisbaixa. A criança é internada pela
primeira vez.
De novo, a mãe apercebe-se de que algo não está bem com a sua filha, ocorrendo
novo internamento. Reinicia APT. Nesta fase a progenitora encontra-se bem mais
ansiosa. Diz que tudo lhe vem à cabeça.
– Esta incerteza, de não saber a razão para o que lhe está a acontecer, traz-me
angustiada.
– Nós percebemos, mas para nós também não é agradável o que está a acontecer.
A mim, pessoalmente, irrita-me não termos ainda descoberto qual é o problema.
– A sua filha tem uma intolerância às proteínas do leite de vaca. Agora ela vai ter de
passar por um processo de adaptação ao novo leite. – Ela rejeita-o, vigorosamente.
Em abono da verdade, aquilo era apenas uma das coisas que teria de acontecer.
Aos 5 meses, tinha de reaprender a mamar, já que ainda o tinha feito muitas pou-
cas vezes.
A mãe está receosa e cansada com tudo o que têm passado, e confidencia a uma
Enf.ª os seus temores.
– Isso não vai acontecer. Agora temos a certeza do que é. Quanto ao resto, nós vamos
ajudá-la. Temos de ter paciência e empenho. Logo que ela comece a mamar, vamos
reduzindo a APT até a suspender por completo e retirar o CVC.
128 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
O Rui tinha sido um menino saudável, até ao momento em que uma crise o levou
às urgências. Tinha então 9 anos de idade e o diagnóstico médico caiu como uma
bomba. Diabetes Mellitus tipo 1. Tanto para ele como para os pais, pessoas com
um estatuto social elevado.
Os pais ficaram inconformados com a notícia. Não queriam acreditar que o seu
filho sofresse de uma doença crónica, e que tivesse de passar a ter comportamen-
tos que, para eles, só fazia sentido num adulto. Disseram-lhes que seria necessário
fazer pesquisa de glicemia capilar e administrar insulina, bem como ter alguns
cuidados com a alimentação e o exercício físico. Tudo lhes pareceu demasiado
estranho.
Não confiaram logo no que lhes havia sido dito. O pai telefonou ao pediatra do fi-
lho, que até era amigo, para ele falar com os colegas, porque o Rui ficou internado.
O Dr. Esteves não hesitou e, nesse mesmo dia foi conferenciar pessoalmente com
a Dr.ª Márcia, do serviço de Pediatria do hospital.
– Olá Rui! Como é que estás? – Perguntou o Dr. Esteves. A resposta foi um enco-
lher dos ombros, continuando entretido com o jogo do telemóvel.
– É como vos têm dito, a partir de agora ele vai ter de ter alguns cuidados, e os pais
também, mas não é nada que vocês não sejam capazes.
– Eu não percebo, como é que isto pode ter acontecido. Ele não come mais ‘porcarias’
que os outros…
A partir daquele momento, tudo o que precisava de ser feito para habilitar, quer os
pais, quer o Rui a gerir a sua nova situação, foi feito, e a alta foi dada.
Passaram-se poucos dias quando o Rui vem novamente à urgência, com mais
uma situação aguda e é internado no mesmo serviço.
– Eu não percebo, tão cultos e parecem uns ignorantes. Ainda há pouco tempo lhes
explicamos tudo. Bem, ela sempre se mostrou muito esquisita com as picadas. Dizia
que parecia estar a fazer mal ao filho. Mas eu disse-lhe que era ao contrário.
129 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Pois, mas ele ainda não se adaptou à nova situação. Não deve ser fácil.
Joana era uma menina de dois anos de idade… Loirinha, com olhos de um azul
penetrante. De modos absolutamente femininos, até no jeito de pegar nas bone-
cas. Estava de férias no Algarve com os pais e os seus dois irmãos, quando um
quadro febril se evidenciou. As tremuras não a largavam e a febre não cedia ao
antipirético. Ao terceiro dia, como os sintomas não cediam, os seus pais ligaram
ao Pediatra que seguia a menina, que os aconselhou a irem ao hospital.
– Temo que sim, mas só uma picadinha no osso, que se chama mielograma, poderá
confirmar as minhas suspeitas. Suspeito que a vossa filha tenha Leucemia.
– Sabe Sr.ª Enfermeira nunca pensamos passar por isto. É que estava tudo tão
bem… (soluçava a mãe)
– Calma, é certo que para isto ninguém está preparado, mas são as crianças que
mais êxitos têm neste tipo de tratamento. Para além disso, agora só nos resta seguir
em frente… Nós e os médicos vamos tentar ajudar, mas vocês são essenciais para a
vossa filha, sobretudo no apoio que ela precisa.
– Venha cá. Vamos tomar um chã aqui na saleta. Depois vai chamar o seu marido,
porque temos muito que conversar. O vosso papel é fundamental no decurso do tra-
tamento da vossa filha, aqui no hospital, e depois em casa, também.
A Maria João é uma menina de 23 meses que deu entrada no Serviço de Urgência
de um hospital Distrital com febre, pieira e dispneia. Estava acompanhada pela
mãe que tinha um ar ansioso, irrequieto, sempre a fazer perguntas e a dizer que a
‘sua menina não estava bem’.
Como antecedentes, é de salientar que tinha sido diagnosticado à Maria João uma
taquiarritmia pré-natal e há cerca de um ano atrás sofreu uma crise de taquicardia
supraventricular associada a uma pneumonia.
Durante a sua permanência no serviço de urgência, a Maria João teve vários epi-
sódios de taquicardia que reverteram de forma espontânea. A equipa médica de-
cidiu transferi-la para um hospital central.
O André tem 5 anos de idade e foi trazido ao serviço de urgência pela mãe por ter
caído a jogar à bola e estar a ‘sangrar muito do lanho na testa’.
Ao questionar a criança sobre tais lesões este referiu que era porque não se porta-
va bem. A mãe, por sua vez, confrontada com a mesma questão, referiu: ‘ele anda
sempre metido com os mais velhos lá do bairro e é por isso que está assim…’.
Peso – 9000g;
Comprimento – 73cm;
espera e porque não tinha carta de referência de nenhum médico (facto que ela
sabia ser imprescindível para o atendimento da criança).
O Manuel vai ficar durante a noite no serviço de pediatria com a avó, pois tem
dois irmãos lactentes que são gémeos e de quem a mãe tem que cuidar em casa,
porque não tem a quem os deixar.
O enfermeiro responsável por ele pôde observar que os seus pais estão bastante
preocupados com a sua situação clínica. Contudo, a mãe tem um comportamento
mais ansioso e apelativo do que o pai.
Na entrevista que o enfermeiro fez à mãe do Marco, esta referiu que ele é um bebé
sociável e bastante interativo com o meio que o rodeia, o que de momento não se
verifica, pois chora muito e quer colo o dia todo. Está muito preocupada com ele
porque comia muito bem, fazia 6 refeições por dia, nomeadamente: 4 refeições
com 180ml de leite adaptado a 13%, uma de sopa e outra de papa, o que agora não
acontece. Apresenta recusa alimentar há 4 dias e quando insiste para ele comer, de
seguida vomita. Preocupa-a também o seu padrão intestinal, pois normalmente
tinha 2 dejeções/dia de fezes moldadas, em moderada quantidade, e no segundo
dia de internamento já teve 8 episódios de fezes líquidas, amarelas e em grande
quantidade.
A mãe, desde que o Marco passou do serviço de urgência para o serviço de pe-
diatria, não para de chorar e de perguntar a toda a gente (médicos, enfermeiros e
assistentes operacionais) se já se sabe mais alguma coisa dos exames que o Marco
fez, por suspeita de doença metabólica.
Dias após o seu nascimento, chega a altura de conhecer o seu lar. Não era uma
casa, na verdadeira aceção da palavra, mas um barraco, sem as mínimas condi-
ções de habitabilidade. A família tinha-se instalado num terreno baldio. O con-
forto inexistente, era compensado pelo aconchego dos colos que se disponibili-
zavam para ele, colos cheios de uma cultura, crenças e tradições de etnia cigana,
que um dia também ele terá.
Até ver, os seus irmãos e o pai, de 40 anos, são saudáveis. A mãe, de 39 anos, tem
hipertensão arterial, e está medicada com Nifedipina. Por vezes, apresenta perío-
dos de descompensação que a fazem recorrer ao serviço de urgência.
Ao fim de uma semana de ter nascido, Henrique regressa ao hospital por icterícia
neonatal, sendo tratado durante três dias com fototerapia.
135 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Já junto dos seus, o frio obriga a que o embrulhem em inúmeros cobertores, en-
cardidos pelo tempo e constante exposição ao fumo. Uma semana mais, e a mãe
trá-lo outra vez ao hospital, agora por recusa alimentar, tendo alta passados três
dias. O pai parece estranhar tanta fragilidade, já que nenhum dos irmãos teve
tantos cuidados.
Não foi preciso esperar muito para se ver o Henrique outra vez, pelas piores ra-
zões. Agora, era internado por Bronquiolite Aguda. Enquanto os pais ‘faziam’ as
feiras, os irmãos mais velhos alternavam no seu acompanhamento. Passados dias
e, já depois de ter melhorado, volta a ser internado com o mesmo diagnóstico
médico.
A família não percebe bem a razão daquilo tudo, e não é fácil explicar-lhes no que
consiste e qual o propósito do que está a ser feito. Estão ansiosos e fazem pergun-
tas que ninguém entende.
Quando a mãe voltou para dentro de casa, viu a criança a brincar com a sua car-
teira e reparou no blister das pílulas vazio, pelo que pegou nela e desatou a chamar
pela vizinha do lado que a acalmou e as levou para o serviço de urgência. A cami-
nho do hospital a mãe da Filipa confessou à vizinha que a criança normalmente
brincava com a carteira dela, mas que nunca tinha metido nada à boca.
136 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Bruna tem 12 anos e foi internada no serviço de Cirurgia Pediátrica para fazer
uma correção cirúrgica de Pectus Escavatum. Tem uma estatura física adequada
para a idade. O problema que a aflige trás consequências sobretudo a nível esté-
tico.
Deu entrada acompanhada dos pais, que entretanto foram postos ao corrente de
algumas questões administrativas e outras relacionadas com a estada da sua filha.
– Não precisavas de trazer o material para fazer a cama. Nós, isso ainda temos, pelo
menos temos tido. – A menina sorriu e respondeu.
– É o meu pano da sorte, quando vou para um lugar estranho não me posso esquecer
dele.
– Estou a perceber. Queres perguntar-me alguma coisa. Uma dúvida, ou outra coisa
qualquer. Está à vontade para o fazer.
– Mais ou menos… Não sei como é isto de ser operada… Acho que estou com um
bocado de medo.
– Disseram-me que me vão introduzir uma barra de metal no tórax. Como é que
isso se faz?
– Vão-te introduzir uma barra de metal para corrigir a deformação por aproxima-
damente dois anos e depois voltas para ta tirarem.
– Não te preocupes que te vamos dar medicação e vais estar a dormir. Não sentirás
nada, garanto.
– O Anestesista ainda vai falar contigo, talvez mais daqui a pouco e vai-te explicar
137 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
tudo a esse respeito. E nós vamos levar-te e buscar-te ao BO. Quando deres conta
está tudo feito e vais ficar bem satisfeita.
– Se ao menos eu ficar com um aspeto diferente, vai valer a pena. Já quase não saio
de casa, nem consigo que os meus amigos me vejam.
– Na tua idade é complicado. Vocês passam a dar uma grande importância à ima-
gem, não é?
À nascença:
Peso – 3000g;
Comprimento – 50cm;
APGAR : 1’ – 9 ; 5’ – 10.
Peso – 2550g;
Comprimento – 50,5cm;
Júlia tem 13 anos de idade e foi transportada pelo INEM ao hospital, vítima de
uma queimadura elétrica. Vem acompanhada pela mãe, que refere a causa de
tudo. Ao retirar uma extensão da tomada, acabou por ser por ela atingida no
lábio inferior.
O seu comportamento podia, contudo, dever-se a uma série de causas que impor-
tava despistar. Foram-lhe dadas informações relativamente ao local onde estava,
que era normal ai estar e que seria transitório. Por outro lado, por motivo da ma-
nipulação numa zona de grande irrigação, os tecidos encontravam-se edemacia-
dos e repuxados, podendo causar mal-estar e dor, mas a menina abanou a cabeça.
139 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Quando a Enf.ª Marlene a foi buscar, os Enf.ºs estavam todos à volta da cama da
Júlia, assim como o anestesista. Ela estava agressiva, de olhos arregalados, tentan-
do desesperadamente levantar-se e fazer algo que ninguém conseguia perceber.
Os seus pais, que acompanharam a Enf.ª do serviço, ficaram à porta sem saber o
que fazer.
Entretanto um dos Enf.ºs apercebeu-se de que Júlia estava com secreções, pelo
que de imediato pegou numa sonda e introduzindo-a pelo único espaço possível,
aspirou-as. A menina pareceu acalmar um pouco, mas mantinha-se intranquila.
– Vamos deixar entrar os pais para ver se ela se acalma. – Disse alguém.
Os pais entraram e acarinharam-na, esperando que esse seu gesto fosse suficiente.
O João trabalha desde os 15 anos. Deixou a escola porque não gostava de estudar
e faltava às aulas sem os pais saberem. A Maria é aluna no 11º ano de escolarida-
de. Os dois casaram há 3 meses porque a Maria engravidou. A gravidez não foi
planeada nem vigiada e tentaram escondê-la dos familiares.
Neste momento, coabitam na casa dos pais do João por não terem dinheiro para
irem para outro lado.
A Maria foi com o Rodrigo ao Centro de Saúde para realizar o diagnóstico preco-
ce, acompanhada pela sogra. Na consulta de enfermagem o enfermeiro reparou
que a sogra praticamente não a deixava tocar no bebé, repreendendo-a insistente-
mente pela falta de conhecimentos, de jeito e pela sua inexperiência com crianças.
André é um menino lindo. Tem uns olhos grandes e azuis, que sobressaem do seu
rosto. Fez 4 anos de idade o mês passado e foi trazido pela mãe, cerca das 22h, ao
serviço de urgência, que alega ser o seu filho vítima de abuso sexual por parte do
seu pai, seu ex-marido. O André fica então internado para se averiguar o funda-
mento da queixa, encaminhando-se a situação para o Projeto de Apoio à Família
e à Criança (PAFAC).
140 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
A mãe refere que o André tem episódios de retorragias e desde há meses sofre de
encoprese, estando a ser tratado.
No sentido de se obter uma opinião técnica da veracidade das queixas, são os dois
levados ao Instituto de Medicina legal, sendo aí realizado um exame pericial, que
não deu como provados os factos.
A Enf.ª que recebe a chamada fica sem saber o que dizer ou fazer, resolvendo
comunicar o sucedido.
– Que sina a nossa, já não bastava a nossa vida, ainda havia do puto ter estes
problemas...
O Alberto tem 30 anos e é casado com a Eufémia que tem 28. Está desempregado,
já fez de quase tudo e em nada permaneceu... A esposa, agora é doméstica...
– Não sei Sr. Dr., mas o menino está uma lástima, cheira mal. Até me custa pegar
nele... O que o Sr. achar melhor é o que faremos.
O médico optou por tentar a via menos lesiva para o bebé, pelo que prescreveu
uma emulsão hidratante de uso no banho, um emoliente para aplicar na pele, e
para o couro cabeludo um creme de aveia.
– Mãe! Não confio nada neste médico. Então o menino está neste estado e ele só
manda cremes e mais cremes... Não fazem nada e são bem caros! O rapaz já está a
dar mais trabalho e despesa do que o que vale.
– Sr.ª Enfermeira, isso é tudo muito bonito, mas esses leites são muito caros e eu lá
142 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
O Joel é um menino com os percentis de peso e altura nos 5%. Denota maus
cuidados de higiene, apesar de vestir roupa de marca, que segundo a mãe foi ofe-
recida pela Comissão de Luta Contra a Pobreza.
O Luís tem 9 anos de idade e está acompanhado da sua mãe (D. Fernanda) na
consulta de enfermagem do Centro de Saúde da área de residência. O enfermeiro,
ao consultar o seu Boletim de Saúde Infantil e Juvenil constatou, no que se refere
aos dados antropométricos, os seguintes registos:
Saúde Mental
1. ‘A D.ª Fernanda’
É casada com um polícia reformado e tem duas filhas maiores, solteiras, que ainda
vivem consigo.
empresa de segurança, daí que não tenha mais tempo livre do que já tinha. Vem
visitá-la todos os dias, durante cerca de trinta minutos, e parece atencioso com
ela. Quando ele vai embora, ela fica a olhar pela janela, referindo sistematicamen-
te o mesmo.
– Lá vai ele ter com elas. Agora é que está bem, não tem quem o chateie, pode fazer
o que quiser. – Depois, senta-se a um canto da sala, em silêncio, até que surja
alguma das filhas, ou a sua irmã, que lhe trás sempre algum mimo confecionado
por si própria.
– Deixa-te dessas tretas, mãe. Isso das depressões é coisa de ricos, que não têm nada
que fazer e passam o tempo a pensar na ‘morte da bezerra’. Depois queixas-te que o
pai faz isto e aquilo… Pudera.
A irmã era o principal elo de ligação com a família. Vivia próximo da Dª Fernan-
da, apesar de não serem visitas. Quando questionada sobre a razão, disse:
– O marido da minha irmã não se dá muito comigo, porque eu não me fico. Uma
vez levantou-me a mão e eu disse-lhe que se me tocava, levava.
2. ‘A D.ª Orquídea’
Por outro lado, o diagnóstico de uma doença crónica, DPOC, não foi muito bem
aceite pela doente; ‘eu nunca tive nenhum problema pulmonar, como é que me
dizem agora que tenho uma coisa para sempre’. Esta doença agravou a sua de-
bilidade física, já que também não seguia a prescrição à risca, desconfiando do
problema identificado e das certezas dos clínicos.
3. ‘A D.ª Mena’
A D.ª Mena deu entrada no serviço de Psiquiatria daquele hospital, vinda de OBS,
com o diagnóstico médico de Psicose Maníaco-depressiva, com predomínio de-
pressivo.
Joana sonhava encontrar, um dia, o seu príncipe encantado … Como nos contos
de fadas e como todas as jovens. Por causa da guerra que assolava o país, abando-
nou o lugar onde estava, abandonou a sua casa, os seus animais, que tanta compa-
nhia lhe fazia... E os seus amiguinhos? Não os podia levar.
Conseguiram lugar num avião para Portugal, a abarrotar de gente, gente que
como a sua família, regressavam à terra natal. Na mão, o pai apenas levava uma
mala. Tiveram que recomeçar tudo do zero. O pai e a mãe arranjaram emprego e
local onde viver.
147 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Acreditava viver um verdadeiro conto de fadas, em que José era o seu príncipe
encantado, como nas histórias que a mãe lhe contava quando era pequena.
Ao fim de dois anos, José pediu-a em casamento, tendo concretizado o seu maior
sonho.
Tiveram uma linda menina, logo no primeiro ano de casados, a quem chamaram
Mariana.
Cedo se apercebeu que José tinha um feitio diferente, especial, o seu príncipe não
gostava de ser contrariado, sendo que, a última palavra era dele. Ela achava que
aquele feitio se devia ao stresse do trabalho excessivo… Ou queria acreditar nisso.
Pelo menos tinha a mãe por perto, para poder desabafar.
José andava muito nervoso, culpava-a de todo o mal e isso entristecia-a. O am-
biente em casa foi ficando cada vez mais hostil. Pensou que ao ser submissa as coi-
sas iriam melhorar, porém tudo se agravou. O seu príncipe encantado transfor-
mou-se num monstro, e quando lhe fazia frente, ele agredia-a, tanto física como
psicologicamente. Cada agressão marcava-a por dentro. Deixou de ter vontade
de sair de casa, de fazer as tarefas domésticas, de ler, ‘só os meus filhos e os meus
animais me alegravam.’
Era impossível viver… Com o José. Pensou em ligar para a APAV, mas não passou
de uma ideia. ‘Que infeliz me sinto!’
Depois de mais uma discussão horrível, onde foram trocadas ameaças e agressões
verbais… Foi chamada a polícia... Enquanto falava com o agente da autoridade,
olhou para o revólver que ele trazia dependurado no cinto. ‘O revólver parecia
chamar por mim. Senti vontade de pegar nele e dar termo à minha vida. Em
desespero, dirigi a mão na sua direção. Num movimento rápido, peguei nele e
dirigi-o à minha cabeça… Mas, para mal dos meus pecados, a arma não dispa-
rou. O gatilho estava travado. Fui de imediato levada, pela polícia, para o hospital
psiquiátrico.’
‘Local estranho. Porque me trouxeram para aqui? Eu não estou maluca! Apenas
desesperada… Sou uma mulher que viu os seus sonhos desfeitos e o chão a fugir-
-lhe dos pés… E que tenho… Como vou voltar a ter vontade de viver, de construir
novos castelos… Será que conseguirei voltar a sonhar.’
148 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
‘Tudo na minha vida deixou de fazer sentido, não consigo delinear uma nova
saída para tudo isto… ‘
‘Passo horas e horas a tentar perceber o que fiz de errado para estar assim, outras
vezes tento não pensar sequer na minha existência…’
‘Hoje ouvi as enfermeiras a comentarem, entre elas, sobre o meu estado… Por
eu estar sempre a vaguear pelo corredor. E até dizem num tom de gozo, que faço
isso para manter a linha! Sabem lá elas o que é estar na minha situação… Sabem
lá como é uma pessoa sentir-se presa dentro da sua própria existência… Vagueio
pelo corredor na esperança de esquecer a vida, a pessoa que sou!’
‘Todos os dias de manhã é sempre a mesma cena, reclamam por não desfazer a
barba… Por não me pentear… Por… Tudo e por nada. Mas eu quero é paz! Que
me deixem… Quero lá saber do meu aspeto!’
‘Foi terrível… Moro com os meus tios, num quarto fora da casa principal. Moro
com eles porque são as únicas pessoas que se preocupam comigo, os únicos fami-
liares presentes na minha vida. Fizeram de tudo para que me sentisse bem… Mas
só conseguiram aumentar a minha ansiedade e tristeza.’
‘Coitados. Sei que os fiz sofrer… Mas também estou a sofrer e ninguém me pode
ajudar.’
Todas as histórias de vida são interessantes, porque são únicas… Mas algumas
tornam-se mais importantes, mais fantásticas que outras…
Uma família inteira, que faz um esforço enorme para vencer as barreiras que a
149 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
doença impõe a um dos seus membros, e que pelo seu trabalho mostra à socieda-
de em que vivemos que é sempre possível melhorar as capacidades, cognitivas e
motoras, de uma pessoa, quando existe sensibilidade, amor e vontade de ajudar.
Os pais, sobretudo, têm uma grande proximidade com o Amílcar, fazendo todo
o possível para que seja o mais autónomo possível, mas… A vida não é fácil para
quem tem limitações, quer intelectuais, quer físicas, e o mundo do trabalho é
muito seletivo…
A maior preocupação dos pais é o futuro do seu filho. Dir-se-ia, de todos, mas
quando se está na posse de todas as faculdades, dependemos mais de nós. E se
dinheiro houvesse, seria bem diferente, mas não é o caso. Apesar de tudo aquilo
que já consegue fazer, existem ainda coisas que não é capaz de resolver.
‘Continuo a não entender a razão que leva todos estes profissionais a se preocu-
parem comigo!‘
‘Só de pensar e ver aquilo em que me tornei, fico totalmente desolado, porque
antigamente tudo era diferente. Lembro-me com nitidez do homem que eu era…
A minha energia, o meu humor, o meu porte…’
‘A minha vida nunca foi fácil. Mas, ao olhar para trás, tenho muito orgulho nos
filhos que criei. Como eles lutaram para serem o que são hoje, nos netos que me
deram e que estão bem encaminhados.’
‘Tenho grande devoção pela minha fé, gostava de rezar o terço, de ir à missa ao
domingo e agora sinto falta desses momentos… Da presença de Deus, para me
reconfortar.’
150 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
‘Apesar de velho, tenho dificuldade em aceitar estar aqui fechado, sinto que nunca
mais voltei a ser o mesmo…’
‘Sinto necessidade de estar sozinho, a comida deixou de ter sabor, o meu apetite
foi-se perdendo, o meu ânimo pela vida deixou de ser o mesmo, o que alterou
radicalmente os meus hábitos de sono.’
‘Sentia-me mal, desconfiado para com os que me rodeavam, com a minha família.
O tempo foi passando e fui ficando mais velho, mais cadavérico, e a minha cabeça
começou a enfraquecer… Como poderia eu confiar numa família destas? O meu
destino estava traçado e condenado. A minha mulher e os meus filhos não tinham
o mesmo comportamento, olhavam-me de forma diferente. Já não podia suportar
nem mais um minuto.’
‘E passei a andar de hospital em hospital. E em todo este périplo, tive que contar,
relatar, repetir a minha história, explicar as razões dos meus atos, ainda impossí-
veis de verbalizar, a pessoas de bata branca, que não conheço.’
‘Agora, limito-me a contar os dias e a vê-los passar à minha frente. Com atenção
da família e com alguns ‘mimos’, mas o meu estado em nada se alterou. A minha
cabeça? Cada vez pior. O meu corpo? Está magro e o odor a putrefação é insu-
portável para mim e para os que me rodeiam. Resido aqui, literalmente, à espera
do meu dia.’
‘Há dias em que tento aproximar-me um pouco mais de todos os que aqui estão e
permito que venham sentar-se ao meu lado, e a falarem comigo, quando a réstia
de esperança que possuo ressalta. E há outros em que, somente, preferia nem
sequer existir… Porque, em suma, eu não valho a pena!’
Mafalda é uma mulher na casa dos 50 anos, marcada pelo tempo, pela vida que
construiu, e por todos os acontecimentos e circunstâncias em que ninguém con-
segue interferir.
Relata a sua infância de um modo triste, com um olhar vazio e fixo, por vezes
emerge uma expressão de dor nas suas feições.
151 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Refere nunca ter tido a coisa que mais queria na vida, o amor do pai. Sempre
sentiu repressão da sua parte, principalmente na expressão de sentimentos. Foi
por isso, uma criança triste e amedrontada, com vontade de exprimir o que lhe ia
na alma, mas faltavam-lhe as forças. Para ela, era ainda mais sufocante ver a mãe
a ser alvo das agressões verbais que o pai constantemente lhe dirigia. Era uma
tortura ver o sofrimento da mãe.
Descreve o pai, como a pessoa mais fria e distante que alguma vez conheceu, au-
toritário, hostil, vazio de sentimentos positivos, guardando e exprimindo apenas
rancor e agressividade.
Começou a namorar, aos 14 anos, com aquele que viria a ser o seu marido. Teve
de guardar segredo desta relação por um largo período. Aos 18 anos de idade,
ainda solteira, engravidou. Com o medo das represálias do pai, decidiu abortar,
mesmo contra a sua vontade, uma vez que não o conseguia enfrentar.
Teve então a sua primeira crise. Emagreceu muito, não conseguia sair da cama,
não tinha forças e tinha medo de estar sozinha.
Mais tarde, envolveu-se noutra relação, desta vez com um homem casado, que
a fez acreditar que se iria separar da esposa e que iriam ser muito felizes juntos.
Mafalda, carente de afetos e com um grande desejo de atingir a felicidade e o
carinho que sempre lhe fugiu, agarrou-se a esta oportunidade de felicidade sem
medir todas as consequências.
Quase todos os anos, numa determinada altura, tinha uma crise, que a tornava
incapaz de fazer o seu dia-a-dia normalmente.
Mais tarde, deparou-se com outro grande problema. Descobriu que tinha um nó-
dulo na mama, tendo sido submetido a uma mastectomia radical.
A Enf.ª Sónia passava horas a ouvi-la, com tanta tristeza, perguntando a razão de
não ser feliz, a razão de tantos problemas.
Tomou mais ansiolíticos do que era normal tomar, tendo ficado fechada no seu
quarto o dia inteiro. Na manhã seguinte, apresentava um quadro de ansiedade
marcado e teve um episódio de heteroagressividade, partindo alguns objetos em
casa…
152 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
‘Ouvi muito bem. Quando passava pela sala de Enfermagem, diziam 295. Falam
por código… Serei eu a ouvir coisas ou terá sido mesma a enfermeira? O número
até não é mau. Sempre gostei do número cinco. Mas… Um número?…’
Jorge brincava com os outros miúdos da sua idade. Era uma criança completa-
mente igual a qualquer uma das que brincavam naquele jardim.
‘O verde… sempre foi a minha cor… verde. As árvores eram verdes, as plantas,
a relva.
Os meus amigos costumavam dizer que quando chovia nada brilhava. Que nunca
deveria chover. Eu sorria e acenava com a cabeça, que sim.’
‘A infância passou. Como eu queria voltar para lá. Onde ninguém me chamava
maluco e não olhavam para mim de lado como se viesse de outro planeta. Mas
isso não foi possível, nunca pude voltar àquela idade.’
‘E, de um momento para o outro, sem saber porquê, começou o problema. Co-
mecei a ouvir… A ouvir o que os outros não ouviam. A sentir o que os outros não
sentiam.’
‘Tinha chovido. Tudo brilhava agora com os raios de sol. Eu tinha crescido e os
meus amigos também, mas, o jardim, esse continuava o mesmo de sempre.’
‘Eu estava doente? Não sei. Nem todos viam este problema da mesma maneira.
Dois, nove, cinco… Voltei a pensar naquela enfermeira. Disse que eu era um tolo.
E tinha razão. Eu era um tolo. Chama-se esquizofrenia.’
‘Ser diferente! Experimentei. Foi bom! Já me sentia mais igual. Não deixei de ou-
vir, mas, pelo menos, estava menos diferente.’
153 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
‘De um momento para o outro, estava no serviço de Psiquiatria pela primeira vez,
preso, sem poder sair, passear… Apetece-me partir esta m... Toda. Os vidros são
fáceis de partir e posso pirar-me…’
‘A minha família tinha percebido que eu era diferente. Eu sabia que não era justo
que me fizessem isto mas não me importava. Pelo menos ali, a minha família não
me chamava tolo, era mais um daqueles que ouvem coisas, daqueles doentes que
não entendem os iguais… Um: 295, e eles agora não têm de me aturar.’
‘A minha família nunca foi o melhor para mim, nunca tivemos o melhor rela-
cionamento, nunca cumpri o que me diziam, nunca tomei a medicação como
me mandavam… Talvez, por isso, tenha feito o que fiz na minha adolescência…
Talvez tenha sido por isso que bati com a cabeça e continuo a bater. Talvez eu
mereça.’
1. ‘A aldeia recôndita’
A aldeia recôndita onde vivem o Ti Manel e do ‘Sê’ Serafim, tem uma ‘beleza é in-
descritível, como ambos gostam de afirmar. Nasceram, cresceram e estruturaram
todas as suas vidas, lá. Hoje idosos, recordam como em outros tempos a mesma
era habitada por jovens e crianças que em bando se deslocavam para a escola ou
até para as brincadeiras… Deserta, dos oitenta fogos que a constituíam, já só exis-
tem cinco e uma capela quase sempre fechada, o que se traduz numa população
de oito ‘idosos entregues a si próprios’… Como diz a Ti Eulália. E a Vila fica ainda
a 12 km de distância.
– Veja lá que o Sr. João, que tem noventa anos, lá está entrevadinho na cama, vai
para três anos. Se não fosse eu e a irmã Julieta, morria à fome e todo sujinho. –
Refere a D.ª Eulália. – Como somos mais novas (ambas com setenta e dois anos) e
amigas de infância, lá nos vamos valendo uma à outra… É a nossa sina!
Com efeito o Sr. João sofreu um AVC, tendo ficado com hemiparesia esquerda.
Verificou-se ainda um processo demencial (Alzheimer). Os défices motores são
155 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Mas na aldeia há ainda o Sr. Jaime e a esposa a D. Deolinda, ambos com proble-
mas de diabetes e hipertensão. No entanto, por vezes, este casal vai para casa do
filho, que vive em Coimbra. De tempos a tempos, regressam à terra e ficam umas
semanas, após o que voltam de novo para o filho.
A Ti Eulália também ‘sofre de alguns males’, como ela diz. ‘Bicos de papagaio’…
– Por vezes, ao andar as pernas custam a mexer e dói imenso cá em cima, mas
temos que bulir…
– Tanto quanto sei vão trinta anos que me apareceram os Diabetes. – Diz o ‘Sê’
Serafim numa consulta no Centro de Saúde – Felizmente basta tomar o comprimi-
dinho todas as manhãs e vamos andando. Agora, o que passa a vida a atormentar-
-me é o colesterol, Dr. Mas, repare, crio todos os anos um porquito. Divido com a
minha filha que está em França com o marido e os filhos, quando eles cá vêm, pelo
Natal. Que havia eu de fazer, vou deitar a carnita fora? É que não tem nadinha de
veneno. O animal é criado com coisas bem naturais. Sabe, colho umas batatitas e
em ano bom, mesmo dividindo com os restantes comparsas da terra sobram bas-
tantes. Vendê-las... Não há quem as compre. Levá-las para o Porto ou Coimbra,
teria que pagar… E bem! Assim, faz-se um caldo e o ‘xico’ lá vai crescendo, quase
sem trabalho. Depois o Dr. fala-me das análises e ‘requetrapéu’ pardais ao ninho…
Mas esta comidinha é que faz bem, não é a dos centros comerciais que é plástica…
Falta ainda a tia Rosa que é esposa do Ti Manel. Como o marido diz ‘é uma mu-
lher muito sofrida, desde sempre é fraca da cabeça’. Tem antecedentes de depres-
são, sendo seguida e medicada por um psiquiatra do hospital da área. Segundo o
marido, a solidão que sentem é difícil de suportar, afirmando mesmo que esta só
é um pouco atenuada com a visita da Sr.ª enfermeira, quando se desloca a casa
do Sr. João…
– Se não fosse a Sra. Enfermeira Marília que anda nuns estudos quaisquer, estaría-
mos sempre sozinhos… É que ela é tão bem disposta que até nos faz esquecer o que
não é tão bom…
– Oh! Caiu-me o lenço... Que desastrado... E a Olívia? Não está aqui! E agora? Vou
gritar... Não, quase não se ouve. Que raiva... Cada vez mais magro e completamente
sem forças... Sou um inválido... Como posso chamar a Olívia? Isto é uma porra...
Ninguém me ouve! Ninguém me percebe! E como se isto não chegasse, tenho um
hálito horrível. Onde quer que eu esteja, o meu cheiro é insuportável. Fica tudo a
olhar para mim... Para não falar dos tratamentos que aí vêm... A Quimioterapia,
a Radioterapia, como será? O médico disse-me qualquer coisa, é um soro que corre
para a veia e umas radiações, mas dizer é fácil, diz-se tanta coisa... Sim, dizer não
custa, só que depois é que são elas. Não sei se é bom se é mau, mas como vou falar?
O Almerindo das Barrocas também tem um tubo, e ele fala. Se ele conseguiu, eu
também vou conseguir. O pior é o trabalho... E se eu não voltar a poder trabalhar. A
Olívia, coitada, não vai aguentar.
– Lá está! Metido no quarto... Eu sempre lhe disse que o maldito fumo e o vinho
haviam de o matar. Mas ele não queria saber. Dizia que o pai fumou e bebeu desde
sempre e viveu até aos 90 anos. Só que agora nem sei o que fazer. É que ele era o
sustento da casa, e agora? Amanhã vamos ao hospital, para começar um tratamen-
to... Vamos lá ver...
– Então! Custou muito? Bom, vamos lá tentar o início da nova dieta... Primeiro,
lavar bem a boca... O truque é testar a temperatura da comida, como fazemos com
os bebés... Agora adaptamos a seringa à sonda e depois muito lentamente introduzi-
157 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
mos a comida. Está a ver? É simples, mas cuidado, a tendência é dar muito rápido.
No final não podemos esquecer de lavar com 20 a 30 ml de água, caso contrário o
tubo fica obstruído. Quer experimentar Sr. António?
– Sr. Enfermeiro, e eu?... Ai, Sr. Enfermeiro, não sei se consigo... É que não é só a
comida, é o tubo. Tem que ser mudado, não tem. Temos que ir ao hospital e as via-
gens ficam tão caras! E se acontece alguma coisa? Se o tubo entope? Ainda por cima
vivemos tão longe de tudo. Que miséria a nossa!... Hoje já nem consegui ir ao talho.
Estava a ver que abafava a meio do caminho. Estou cada vez pior. E agora com isto
tudo... Ai meu Deus! Nunca mais me chamaram para ser operada. Tiraram-me os
dentes por causa da operação, e agora somos dois a comer papas. Olhe! Agora mais
vale que não chamem, se não, quem toma conta do meu António...
– Qual filha? Olhe, morarem cá e não morarem, é igual... Não querem saber de
nada... Saem de manhã para o trabalho, e entram à noite, ela e ele... Como se isto
fosse um hotel. Já nem sequer comem connosco. Lembra-se do que nos fizeram no
Natal? Não foram capazes de consoar na sala... Enfiaram-se no quarto. Não aguen-
tavam o cheiro... E eu! Não aguentei o deles, quando lhes mudava as fraldas? Mas
disso, os filhos nunca se lembram... Moram cá porque ainda não arranjaram dinhei-
ro para sair daqui para fora. Caso contrário, há muito que já tinham abalado... A
minha filha nem sequer me vai à farmácia, aviar uns medicamentos que a doutora
me receitou para o coração, vai para uns quinze dias. Se morrêssemos, para eles era
um alívio, e olhe, se quer que lhe diga... Para nós também.
A Mariana tem uma estatura média, cuida do seu arranjo pessoal e é uma rapariga
que os colegas rapazes classificam como ‘gordinha’.
A professora Sara deu a aula de matemática como tinha planeado, mas não deixou
de prestar atenção na Mariana. Estava estranhamente ausente e parecia não ter
dado atenção nenhuma à matéria. A maior parte dos seus colegas até não teria
158 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Pode.
– Reparei que hoje não estás nos teus dias, não ouviste nada do que eu disse…
– Para mim, que julgo conhecer-te, foi. Há algum problema? Posso ajudar-te?
– Olha que às vezes temos de nos abrir para alguém, doutro modo fica difícil aguen-
tar. – Dito isto, Mariana desata a chorar compulsivamente.
– Eu sei que tenho de evitar isso, porque senão não me controlo, mas também sinto
falta do convívio e de me divertir. Antes de sair de casa fiz um esforço de mentaliza-
ção, para não cair na tentação, mas eles insistiram muito e eu acabei por comer dois
hambúrgueres e batatas fritas com todos aqueles molhos.
– Pois, mas eu… Eu sofro de bulimia. Mal cheguei a casa forcei o vómito. Vinha
com uma sensação enorme de culpa. Já viu como eu sou gorda. Eu não era assim, e
agora nada me serve. E ainda não tive coragem de dizer isto a ninguém, a Prof. Foi
a primeira, não sei porquê.
4. ‘A Enf.ª Rita’
A Enf.ª Rita, que trabalha no Centro de Saúde que abrange aquela vila piscatória,
tem a Família Resende como um dos alvos da sua visita nessa manhã. São ambos,
marido e mulher, relativamente independentes e quando entendem ou têm uma
consulta, deslocam-se ao próprio centro.
159 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
O Sr. Zé, de 74 anos de idade, é um pescador reformado, que tem Diabetes tipo 2
e é um doente cardíaco, enquanto a Dª Graça, de 70 anos de idade, ganhava a vida
a vender peixe no mercado, padecendo de Bronquite Crónica e Reumatismo. São
ambos uns ‘castiços’ e gostam de conversar. Passa-se um bom tempo com aqueles
dois. São tão engraçados como teimosos, não sendo fáceis de convencer.
Como de costume, pouco depois de ter batido à porta a Enf.ª Rita entrou, depa-
rando logo com o Sr. Zé sentado na sua cadeira predileta em frente da televisão.
– Como está menina Rita? É sempre a mesma coisa, mas a gente vai-se distraindo.
– Isso bem eu queria, mas ela gosta muito de mim, não é capaz disso. Está lá fora a
assar umas sardinhas que a minha nora cá veio trazer.
– Bem, vamos então ver como é que está o seu açúcar no sangue. Tem-se portado
bem? – Enquanto isso, ia preparando o material para lhe fazer a pesquisa de gli-
cemia.
– Então não tenho. Faço tudo o que a minha mulher manda, sem tirar nem pôr.
Efetuada a medição, a Enf.ª verifica que os valores estão altos, decidindo pesquisar
outros dados para melhor perceber o que se está a passar. Com um ‘até já, que vou
procurar a sua mulher’, dirige-se para as traseiras da casa, onde existe um pátio.
– Muito obrigada, cheira muito bem. Fica para outro dia. Estive a fazer a picada ao
Sr. Zé e os valores estão outra vez elevados. Ele tem feito a medicação?
– Tem sim, Sr. Enf.º Tudo direitinho. Sou eu que lhos dou, não há que enganar.
– Isso é que já é mais complicado, sabe como é. Se eu não fizer como ele quer, não
me come nada. Ele já é tão magrinho, que ainda fica pior.
– Ele já disse ao Sr. Doutor que não ia deixar de fumar. Coitado do homem, também
não lhe podemos tirar agora os poucos prazeres que ele tem.
5. ‘A Enf.ª Natércia’
6. ‘Quem conhece’
– Não é que não lhe dê banho. – Refere a avó. – Mas é que a cadeira não passa na
porta da casa de banho e, já se vê, tenho que o levar ao colo e eu já não posso… Sabe,
o pior é a fralda!!! O intestino não funciona durante duas, às vezes três semanas, e
o senhor doutor mandou-me dar este xarope, mas depois ele vai para escola e cheira
mal! Fica ali com a fralda suja o dia todo. Por isso é que não lhe dou o xarope mais
vezes… Bem, por isso e por causa das fraldas. A senhora já viu o dinheiro que elas
custam? Quem é que lhes pode chegar? Sim, sim, recebo um dinheirito da segurança
social para ajuda, mas vem todo de uma vez e como o dinheiro nunca chega… Já se
vê… Gasta-se em outras coisas.
– O que eu não gosto nada é das ‘argálias’. O médico do hospital disse que tenho que
meter uma ‘argália’ para despejar a bexiga, e os enfermeiros ensinaram-me, mas eu
não gosto nada!
– Sim, tem feridas nas pernas muitas vezes e tem sempre os pezinhos inchados e
roxos – referiu a avó. – Por isso é que nem o calço, anda sempre com três pares de
meias.
162 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– O que eu gostava na vida?! Não, da escola eu não gosto muito, nem de estudar.
Gosto de ficar na ilha com os meus amigos a jogar cartas e a conversar. O que vou
fazer no futuro? Não sei… Mas o que eu mais queria era ver o Tony Carreira ao
vivo!
A Joana estava decidida a ter aquela criança e, apesar da reatividade, a mãe apoia-
va essa decisão.
Quando sozinha com a enfermeira, Joana explicou que a gravidez não acontecera
por acaso, foi uma decisão que tomou para mudar de vida. A mãe não a compre-
ende, o pai não quer saber dela. Sentia que nunca tinha tido ninguém a quem
amar e que nunca tinha sido realmente amada. Por isso, aproximou-se do João do
7.º E, que tem 17 anos, e não foi difícil convencê-lo a lhe ‘dar um bebé’.
O plano da Joana não tinha um futuro além do ter o ‘bebé’, o projeto global de vida
estava completamente ausente; ela e a mãe haviam concordado que não regressa-
ria à escola. Aliás, a própria diretora de turma aconselhara-o, referindo que nem a
Joana se sentiria bem com os colegas, nem os colegas com ela, sobretudo quando
a barriga começasse a crescer. A professora de Matemática, que também teria es-
cutado a conversa, tinha opinião contrária, e achava que a Joana até era uma aluna
razoável e que se deveria manter na escola e continuar, depois da criança nascer.
Nesse dia a Joana fez a sua primeira consulta de grávida. Foram pedidos todos os
exames complementares necessários e agendada nova consulta. Mas a enfermeira
Ana achou que isto não era suficiente e combinou com a Joana acompanhá-la
mais de perto. Era necessário ajudar esta menina, não apenas a preparar-se para
ser mãe, como também a viver a sua adolescência, em parte já condicionada.
163 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Dizem que lhe rebentou uma veia na cabeça, mas o Sr. Doutor disse que não era
muito grave. Parece que tem a ver com a Tensão. Oh! Sr.ª enfermeira… O meu ho-
mem não tem força no lado esquerdo, mas o pior é que ele está lá numa tristeza que
mete dó! E não quer saber de nada… Só fala que prefere morrer a dar-me trabalho.
Quando Helena chegou ao Centro de Saúde resolveu ligar para o Hospital e falar
com uma colega que lhe disse, que o doente ‘estaria bem’ e sairia, em breve, com
alta. Sabendo o que isso pode significar, ter alta no dia seguinte, apressou-se a
procurar a morada do casal e aproveitou a saída para domicílios para visitar a D.
Alcina, no final do dia. Como estaria aquela família a viver este momento difícil?
Como se iriam organizar para acolher de novo em casa o Sr. Damião? Será que
esta família possui elementos que possam e estejam dispostos a ajudar o casal?
Como pode ela, enfermeira, ajudar esta família? Que recursos dispõem e que re-
cursos da comunidade irão necessitar?
Nesse dia, apesar da escassez do tempo ‘entre dois pensos’, Helena ficou a saber
mais sobre a família, conheceu a sua casa e demonstrou à D. Alcina que não estava
só. Mais tarde percebeu que sem estes elementos a sua intervenção não teria sido
possível.
No dia seguinte voltou e encontrou, como combinado, o sobrinho (que era como
filho) e a irmã mais nova do Sr. Damião, que se disponibilizaram para ajudar no
que fosse possível. Como Helena não tinha avaliado funcionalmente o Sr., nem ti-
nha tido acesso a qualquer informação, definiram objetivos e intervenções gerais,
baseadas na informação da esposa, ficando de reavaliar a situação logo que este
regressasse a casa. Helena, afastou também a decisão, talvez precipitada, de alugar
uma cama articulada e de comprarem um colchão de pressão alterna.
– Vamos ver se, de facto, o seu marido precisa desses apoios, ou não.
Não houve tempo para mais planeamento porque no dia seguinte o Sr. Damião
regressava a casa com uma carta para o médico de família e para a uma consulta
de Fisiatria.
Quando o Sr. Damião chegou e se viu rodeado da família os seus olhos encheram-
-se de lágrimas, mas o verdadeiro brilho surgiu quando viu a sua cama.
Em tempos o jardim daquela casa era o mais bonito da rua; hoje acusava o aban-
dono a que estava votado. Todos os dias depois do emprego o Sr. Eduardo passava
horas a arrancar ervinhas, a regar ou a espontar os arbustos. Mas o aspeto do
jardim não era nada comparado com a angústia que o casal vivia dentro daquela
casa. Desde que a doença se manifestara tudo entrou em desarmonia, sobretudo
a relação entre o Sr. Eduardo e a D. Maria.
– Não percebo esta doença, Sr. Enfermeiro! – Queixou-se a D. Maria. – O meu ma-
rido era tão meu amigo… Agora está mau! Olha-me como se me odiasse, ou então
desata a chorar. Até parece que o trato mal. E olhe que eu estou muito cansada, já
não aguento mais! Faço um esforço enorme para o levantar, para lhe dar banho…
Ele não dá uma ajuda, não se mexe! Tenho que lhe dar a comida à boca e passado
um bocado, levanta-se e anda às voltas pela casa. Depois cai e ainda me dá mais
165 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
trabalho. Agora, mal pede para urinar, molha-se todo. Não dá tempo a levá-lo à
casa de banho. Ele, apesar de magro, custa muito a levantar, parece que eu puxo
para um lado e ele para o outro.
– D. Maria! Importa-se que eu veja a medicação que o Sr. Eduardo está a tomar e
a que horas a toma?
– Comer sozinho? Isso, já não acredito que algum dia venha a acontecer.
– Ia para a praia de sandálias e bati com o dedo numa pedra. Nem dei importância
na altura, só na praia é que vi que tinha sangue e estava feio. Só não percebo porque
é que nunca mais cura, já lá vai mais de um mês!
– Não, não, só tenho 35 anos, Sr.ª enfermeira! Quer dizer… Uma vez um médico
disse que eu tinha pré-diabetes, mas tomei uns comprimidos e aquilo passou.
– Sim?!... OK! Mas pelo sim, pelo não vou-lhe fazer uma picada no dedo para ver como
está o açúcar, está bem?
166 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
– Exercício? Faço, sim senhora. Todos os dias para me levantar, para ir trabalhar...
– Não acha que eu possa ser diabético, pois não? Isto deve ter sido do bolo que comi
ontem!
(Dias depois…)
– A senhora tinha razão! O Dr. mandou-me tomar uns comprimidos e disse que a
Sr.ª Enf.ª ia dar-me uma máquina, para eu picar o dedo. Disse que se não controlas-
se bem isto, tinha que tomar insulina! Nem estou em mim! Mandou-me emagrecer
e deixar de beber.
– Vamos lá ver… Primeiro vamos pensar na medicação, o que vai tomar, quando
vai tomar… E como é que não vai esquecer-se de tomar. Depois vai para casa, vai
sossegar um pouco e amanhã, depois do emprego, volta cá. De preferência com a
esposa para conversarmos sobre o que precisa e o que está disposto a mudar na sua
vida, para viver bem com a sua Diabetes. Depois vemos a máquina, OK?
167 Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
Porto 2013