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Sebenta de casos Clínicos para Enfermagem

Book · January 2013

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1 author:

Paulo Marques
Escola Superior de Enfermagem do Porto
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Sebenta de
Casos Clínicos
para Enfermagem
Paulo Marques
2  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Sebenta de Casos
Clínicos para
Enfermagem
Paulo Marques [PhD]
Professor adjunto na Escola Superior de Enfermagem do Porto

Ficha técnica
Título: Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Autor: Paulo Marques

ISBN: 978-972-99386-1-0

Edição de autor

Design e Paginação: Francisco Vieira [http://pt.linkedin.com/pub/francisco-vieira/24/922/277]

Foto de capa: Writing por Mateusz Stachowskiign & paginação: Francisco Vieira

“Sebenta de Casos Clínicos em Enfermagem” de Paulo Marques foi licenciado com uma
Licença Creative Commons - Atribuição-Uso Não-Comercial-SemDerivados 3.0 Não
Adaptada.

A obra Sebenta de Casos Clínicos em Enfermagem, obra publicada por Paulo Marques, foi composta na família tipográfica
Minion Pro, desenhada por Robert Slimbach em 1990.
3  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Este livro é dedicado a todos os enfermeiros


que têm o brio como princípio primeiro
4  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Índice

Nota Introdutória  9

Saúde individual e hospitalar 12


1. ‘Andreia tem 23 anos’ 12
2. ‘O Sr. Costa é um doente’ 13
3. ‘Esta história reporta-se’ 14
4. ‘– Enfermeira! Enfermeira!’ 15
5. ‘Ramiro é um jovem promissor…’ 17
6. ‘O Sr. Jorge veio transferido’ 18
7. ‘Na cama 12 está internado’ 19
8. ‘O Sr. Jaime, um homem de 56 anos’ 20
9. ‘No Serviço de Braquiterapia’ 21
10. ‘Alice de 74 anos deu entrada’ 23
11. ‘São 10:00 da manhã’ 24
12. ‘– Pedro?… Pedro?…’ 26
13. ‘Na passagem de turno’ 27
14. ‘O Sr. José é uma pessoa’ 28
15. ‘O Sr. Joaquim foi levado’ 29
16. ‘Nuno, de 27 anos’ 30
17. ‘Enquanto trabalhava nas obras’ 31
18. ‘Ricardo Ferreira estava’ 32
19. ‘No início de Março a D.ª Lúcia’ 33
20. ‘A Sr.ª Regina de 31 anos’ 34
21. ‘Tendo em consideração’ 35
22. ‘A ação que vai ser relatada’ 36
23. ‘Rosas de 75 anos de idade’ 38
24. ‘Carla havia concluído a licenciatura’ 39
25. ‘Enf.º Ferreira é o doente’ 41
26. ‘O Sr. João era já um doente habitual’ 42
27. ‘Rui estava há cinco anos’ 43
28. ‘É dia 20 de Dezembro’ 45
29. ‘Pacheco tem 55 anos de idade’ 46
30. ‘Romeu de 85 anos’ 47
31. ‘São 10:00 horas da manhã’ 48
32. ‘A um canto da sala’ 49
33. ‘São 3 horas da manhã’ 50
5  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

34. ‘– Bom dia, Sra. Alzira!’ 51


35. ‘Ao fim de uma vida de trabalho’ 53
36. Estava em casa há dois dias’ 54
37. ‘O Sr. Laureano começou a queixar-se’ 55
38. ‘Joana nasceu há 36 anos’ 56
39. ‘A passagem de turno’ 57
40. ‘Artur Matos, de 58 anos de idade’ 58
41. ‘Em Novembro do ano passado’ 59
42. ‘Aquele doente’ 60
43. ‘Aquele turno parecia’ 62
44. ‘Júlia tem 29 anos de idade’ 63
45. ‘O Sr. Manuel’ 64
46. ‘A D.ª Otília era uma mulher’ 65
47. ‘Os alunos entraram’ 66
48. ‘O Sr. Martins tem 48 anos’ 67
49. ‘O Sr. Jorge é um doente’ 68
50. ‘A Dª Maria tem 80 anos de idade’ 70
51. ‘A enfermaria está a abarrotar.’ 71
52. ‘Madalena, de 78 anos’ 72
53. ‘Irene de 37 anos de idade’ 73
54. ‘Dr. Júlio tem 50 anos de idade’ 74
55. ‘Ana, de 23 anos de idade’ 75
56. ‘Rosalina deu entrada’ 77
57. ‘Em Maio’ 78
58. ‘Josefina era uma rapariga jovem e alegre’ 79
59. ‘Bárbara tem 29 anos de idade’ 80
60.‘O Sr. Guedes nasceu em 1946’ 81
61. ‘O Sr. José é idoso’ 82
62. ‘O Sr. Rogério de 86 anos’ 83
63. ‘Mário de 63 anos, casado’ 84
64. ‘Após um período de férias’ 85
65. ‘Marco tem 18 anos de idade’ 86
66. ‘O Sr. Daniel, de 54 anos’ 87
67. ‘Fernando deu entrada’ 89
68. ‘Dora tem 79 anos de idade’ 90
69. ‘A noite aparentava’ 91
70. ‘A doente foi admitida’ 92
71. ‘Gertrudes tem 55 anos de idade’ 93
6  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

72. ‘Numa das consultas de rotina’ 95


73. ‘O Sr. Castro, de 63 anos de idade’ 96
74. ‘A D.ª Rosalina de 89 anos’ 97
75. ‘A D.ª Glória tem 45 anos’ 98
76. ‘O Dr. Amadeu tem 27 anos’ 99
77. ‘Eduardo recorreu’ 100
78. ‘Margarida tem 46 anos de idade’ 102
79. ‘Antunes de 70 anos de idade’ 103
80. ‘Carlos tem 33 anos’ 104
81. ‘O Sr. Jorge tem 65 anos de idade’ 105
82. ‘Antero deu entrada’ 106
83. ‘O Sr. Fontes de 57 anos’ 107
84. ‘Inácio é agricultor’ 108

Saúde Materna 110


1. ‘Passavam poucos minutos’ 110
2. ‘Um dia como tantos outros’ 112
3. ‘A D.ª Licínia estava no segundo dia’ 113
4. ‘Os enfermeiros do serviço’ 115
5. ‘Carla e Rui formam um casal jovem’ 116
6. ‘Adelina tem 35 anos de idade’ 117
7. ‘Em Janeiro deste ano’ 118
8. ‘Anabela e Rúben’ 119
9. ‘Berta tem 32 anos de idade e é solteira’ 120

Saúde Infantil  122


1. ‘O João tem 2 anos de idade’ 122
2. ‘O Filipe nasceu’ 123
3. ‘A Ana nasceu com 35 semanas’ 123
4. ‘A Joana nasceu por parto eutócico’ 124
5. ‘A D. Marta levou hoje a filha Fabiana’ 124
6. ‘O Filipe é uma criança de 8 anos’ 125
7. ‘A Ângela é uma menina de 14 anos’ 125
8. ‘O João é filho da D. Rosa’ 125
9. ‘A Vanessa é uma adolescente’ 126
10. ‘A Mariana é uma menina’ 126
11. ‘Alexandra tem neste momento’ 126
12. ‘O Rui tinha sido um menino saudável’ 128
13. ‘Joana era uma menina’ 129
7  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

14. ‘A Maria João é uma menina’ 130


15. ‘O André tem 5 anos de idade’ 130
16. ‘O António tem 2 anos de idade’ 131
17. ‘A Joana tem 15 meses de idade.’ 131
18. ‘A Daniela, de 15 meses de idade’ 132
19. ‘O Manuel é um menino de 9 anos’ 133
20. ‘O Marco é um lactente’ 133
21. ‘No início do inverno nasce’ 134
22. ‘Durante a manhã’ 135
23. ‘Bruna tem 12 anos’ 136
24. ‘A Vanessa é um bebé’ 137
25. ‘Júlia tem 13 anos de idade’ 138
26. ‘A família Pereira’ 139
27. ‘André é um menino lindo.’ 139
28. ‘– Que sina a nossa’ 141
29. ‘O Luís tem 9 anos de idade’ 142

Saúde Mental  143


1. ‘A D.ª Fernanda’ 143
2. ‘A D.ª Orquídea’ 144
3. ‘A D.ª Mena’ 145
4. ‘Joana sonhava encontrar’ 146
5. ‘Tudo na minha vida deixou’ 148
6. ‘Todas as histórias de vida’ 148
7. ‘Já vos disse que eu não valho nada’ 149
8. ‘Mafalda, mulher na casa dos 50 anos’ 150
9. ‘É um: dois, nove, cinco’  152

Saúde Familiar e Comunitária 154


1. ‘A aldeia recôndita’ 154
2. . ‘– Oh! Caiu-me o lenço...’ 156
3. ‘Mariana tem 19 anos’ 157
4. ‘A Enf.ª Rita’ 158
5. ‘A Enf.ª Natércia’ 160
6. ‘Quem conhece’ 161
7. ‘Mãe e filha entraram’ 162
8. ‘Cruzou-se com a D. Alcina’ 163
9. ‘Em tempos o jardim’ 164
10. ‘Na sala de tratamentos’ 165
8  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
9  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Nota Introdutória
A primeira coisa que importa fazer ab initio, para que se possa perceber o que re-
presenta esta obra, é dar resposta a três questões básicas. Interessa saber o porquê,
o para quê e o a quem ela se dirige.

Ser enfermeiro, implica estar preparado para intervir, diretamente sobre pessoas,
saudáveis ou doentes, o que é uma tarefa de grande complexidade e exigência. É
necessário o desenvolvimento de competências de variadíssima ordem, que se
adquirem de múltiplas formas.

Porque falámos de pessoas, é fundamental que na primeira experiência de con-


tacto real com os clientes, se disponha já de um conjunto de recursos mínimos
que potencializem uma relação terapêutica adequada, reduzindo ao mesmo tem-
po, naturais insuficiências.

Dessa forma, a utilização de cenários clínicos fictícios, apresenta-se como um


importante meio para a compreensão das diferentes variáveis em jogo, e para a
apropriação do conceito de holismo, sobretudo quando não se colocam limites à
análise dos dados.

As histórias são utilizadas em manuais, unidades curriculares específicas, ou nou-


tras em que o que se pede é a integração dos conhecimentos adquiridos, conju-
10  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

gando a patologia com a farmacologia e a enfermagem, com a ética e as atitudes


dos intervenientes, sejam alunos, enfermeiros, médicos, assistente operacional,
doentes, familiares, prestadores de cuidados ou outros quaisquer.

Simultaneamente, a nossa especificidade sociocultural dificulta e inviabiliza mes-


mo, a utilização de casos que os livros de outra origem contêm. Nessa medida,
entendemos como fundamental a publicação de um conjunto alargado de situa-
ções, que integrem tantas possibilidades quanto possível, de forma a serem exaus-
tivamente utilizados.

Bastariam poucas palavras, para se ter potencialmente um grande enredo, mas


optamos por um formato médio mais alargado. Algumas situações apresentam
explicitamente uma maior riqueza, outras são mais interessantes, umas revoltar-
nos-ão, outras terão semelhanças com o que já vivemos, outras ainda, deixar-nos-
ão perplexos. Terão parecenças aqui e ali, mas principalmente dissemelhanças.

São estórias que, muito naturalmente, partem quase sempre de situações reais,
sendo transformadas q.b. para respeitarem os direitos mais elementares dos seus
atores e, por outro lado, para poderem responder ao que estava na nossa mente,
nos objetivos que tínhamos em cada uma. As fontes utilizadas são muitas e va-
riadas, a que se acrescenta a colaboração de alguns colegas, aos quais desde já
agradecemos.

Abrangem situações graves, ou mais simples, assuntos controversos e onde não


há consenso, temáticas que estão na berra ou mais tradicionais. Questões étnicas
e religiosas. Têm personagens, diálogos, explanação dos ambientes envolventes,
coisas certas e erradas, aspetos sobretudo criticáveis. Ninguém poderá afirmar
que algo deveria estar escrito de outro modo, por estar clínica ou eticamente in-
correto, por exemplo. A ser assim, será essa a sua intenção, sendo portanto uma
virtude, já que o que se pretende é propiciar uma melhor aprendizagem, e tam-
bém se aprende com o errado. Como virtuoso é quem o descobriu. Parabéns por
isso, já é meio caminho andado. Resta saber o que fazer, talvez o mais importante
e a finalidade última deste livro.

Ninguém se deve sentir ofendido com algo aqui contido, porque rejeitamos em
absoluto esse intento. Apostamos antes na pedagogia.

Nem tudo está dito, claro ou transparente. Existem muitas entrelinhas, ideias dis-
simuladas na pontuação ou no verbo. Também por isso, nem todos compreende-
rão, ou serão capazes de encontrar tudo aquilo que quisemos transmitir. Pode-se
inclusive descobrir nuances ou vertentes pertinentes, que nos passaram desperce-
bidas ou que, por estarmos centrados noutros domínios, desvalorizamos. O facto
de não haver uma única enfermagem, mas várias, facilitará a menor ou maior
apetência por um dado, e o realce que lhe é conferido. E sempre se poderão acres-
centar peças, desde que lógicas e bem justificadas.
11  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

E uma das riquezas desta Sebenta é precisamente, as imensas possibilidades que


cada caso encerra em si mesmo. Podem ser utilizadas por inteiro ou em partes,
analisadas por um ângulo ou por vários. Esperamos contudo que, seja como for,
incluam a utilização da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem e
incidam na conceção de cuidados e na decisão clínica em enfermagem.

Do que está dito não se pode inferir ser esta uma obra neutra, isenta, apolítica no
sentido de não ter uma ideia do que deve ser a Enfermagem. Antes pelo contrário,
é ideológica nas escolhas que faz e no sentido para que aponta.

Mas o uso deste compêndio deve englobar simultaneamente a crítica do que está
mal, e a consideração da prescrição de intervenções de enfermagem, que resultem
da evidência científica. Por questões de facilitar e direcionar a pesquisa, decidi-
mo-nos por uma divisão por áreas.

Este é pois um livro dirigido sobretudo a quem se dedica à Enfermagem, mas que
pode servir com propriedade a outras áreas do conhecimento.

Paulo Marques
Doutorado em Enfermagem, professor na Escola Superior de Enfermagem do Porto.
email: paulomarques@esenf.pt
12  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
photo by: Jelle Boontje

Saúde individual e hospitalar

1. ‘Andreia tem 23 anos’

Andreia tem 23 anos e é finalista do Curso de Medicina. Foi internada no hospital


universitário onde estudava, com o diagnóstico médico de Fibrilação Ventricular,
logo após a primeira manifestação, para estudo eletrofisiológico.

Compreendido o problema, foi-lhe proposto a implantação de um desfibrilador


cardíaco interno. Quando lhe comunicaram a decisão, já ela sabia tudo sobre a sua
patologia, tratamentos e prognóstico, mas ficou arrasada na mesma. ‘Quem sabe,
talvez possa haver engano e tudo não passar de um pesadelo’, pensava de si para si.

Surgiram-lhe de rompante, na consciência, inúmeras perguntas para as quais só


ela saberia responder, mas não, infelizmente, agora. Como iria ser o seu futuro, a
partir daqui? Poderia realizar os sonhos que acalentava? Que alterações teria de re-
alizar nas suas rotinas? Passaria a estar dependente de uma máquina? Aguentaria a
pressão? Alguém a poderia ajudar a adaptar-se à sua nova realidade.
13  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

2. ‘O Sr. Costa é um doente’

O Sr. Costa é um doente que sai fora do que é habitual vermos numa medicina.
Apesar de também já não ser propriamente um jovem, apresenta um ar muito
bem cuidado, ainda que com um semblante triste. Logo muito cedo, levanta-se e
vai-se arranjar à casa de banho. Toma banho, barbeia-se, perfuma-se e muda de
roupa. Regressa à enfermaria com tudo impecavelmente arranjado e pronto para
ser colocado na mala que trouxe consigo para o hospital.

Vê-se ao longe que é uma pessoa de um estrato social elevado, a forma como fala,
os termos que usa, como se dirige às pessoas, como come, em todos os gestos
está bem patente a sua condição económica. É curioso que, bem vistas as coisas,
ele não faz por fazer diferente, mas naturalmente, sobressaem diferenças com os
outros. A sua presença, de per si, provoca alguns comentários, atitudes e compor-
tamentos inabituais.

O Enf.º Mário sentia alguma proximidade com o Sr. Costa e estava a discutir com
um colega a propósito de tudo isso.

– Uma coisa é dizer que devemos respeitar todas as pessoas de igual forma, e fazê-lo,
sobretudo isto, outra é ocorrer uma empatia com alguém em especial. Claro que al-
gumas pessoas, seja pela sua maneira de ser, de se relacionar ou até pelo sofrimento
por que passam, que sentimos uma maior proximidade.

– Eu concordo contigo, nesse aspeto, mas não gosto de ver algumas pessoas a trata-
rem-no com todas as deferências, só pelo seu estatuto, enquanto ao Sr. António, da
cama ao lado, é tudo ao contrário, como se ele não existisse.

– Mas ele não tem culpa. Não faz nada para, nem incentiva isso, a culpa não é dele.

– Pois, mas ele pode, bem podia ir para um hospital privado, assim já não dava
nisto. Estavam todos ao mesmo nível.

– Na sexta-feira à noite, estive a falar bastante com ele, e acho que foi intencional
ter vindo para aqui.

– Não me digas, ele não é de muitas palavras…

– Se calhar a culpa é mais dos outros. Estava aí a filha do Sr. António, como de
costume.

– Deve gostar bem do pai, sempre a falar-lhe e a dar-lhe carinhos. E ele nem se
aperceberá.
14  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Encontrei-o num estado que nem imaginas. As lágrimas corriam-lhe pela cara
descontroladamente, mas nem soluçava. As filhas disseram-lhe que tinham nojo de
vir cá, que era tudo sujo e então, telefonam-lhe.

-Mas ele tem sempre o telemóvel desligado…

3. ‘Esta história reporta-se’

Esta história reporta-se à vivência de um doente do sexo masculino, portador de


um Ca gástrico, que deu entrada no Serviço de Medicina Oncológica do Hospital
X, a fim de resolver uma complicação resultante da evolução da sua doença...

Hoje deu entrado no Serviço de Medicina Oncológica do Hospital X o senhor


Joaquim. Trata-se de um internamento de urgência, já que apresenta disfagia to-
tal para sólidos e parcial para líquidos e refere dor aguda no epigastro. Diz estar
muito preocupado com o seu estado de saúde desde Janeiro do ano anterior...

Tem 55 anos de idade, é de raça caucasiana, nasceu no Minho onde ainda vive
com a família (esposa e três filhos menores). Tem a 4ª classe e é pintor de auto-
móveis desde os 14 anos de idade, numa garagem próxima ao local de habitação.

Desde menino, que ocupa o seu tempo livre na agricultura, tendo um terreno
circundante à sua habitação o qual lhe permite cultivar alguns alimentos, criar
animais e colher algum vinho, verde, morangueiro ou americano. Salienta com al-
gum orgulho, que todos os anos faz a matança do porco, pelo que consome alguns
fumados, nomeadamente, presunto e enchidos preparados em casa.

Quanto ao consumo de substâncias revela ser apreciador de café, tomando 4 a 5


por dia e fuma cerca de 2 maços de cigarros (40 cigarros) por dia. Nega no entanto
hábitos etílicos, bebendo cerca de um copo de vinho, da sua colheita, à refeição.
Faz por dia uma média de 3 refeições, sendo estas compostas por alguns legumes
e ‘criação’...

Refere, também, que por noite dorme cerca de 8 horas, mas neste momento o
padrão do sono está alterado, dada a evolução da sua doença. O pai era hiper-
tenso, controlado com medicação e a sua mãe apresentava varizes nos membros
inferiores.

Manifesta estar ansioso e com medo...

– Esta doença vai acabar comigo...

– Senhor Sr. Sampaio! Tem que ter calma. – Refere a Enf.ª Olga – Só para a morte é
que não há solução. Tudo se resolve.
15  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

O olhar era de desalento. Aquelas palavras transmitiam-lhe uma esperança que


sabia ser pouco ou nada consistente. O seu fenótipo ainda o rotulava mais de ‘do-
ente com cancro’... Tinha estatura média (1,70m), estava emagrecido, revelando
malnutrição. Do rosto sobressaíam as arcadas zigomáticas. Os olhos eram casta-
nhos e encovados... quase que a implorarem ajuda. Tinha estampado no rosto um
ar de sofrimento.

– Sr. Sampaio! Vou ter que lhe colher sangue para umas análises. Posteriormente
será observado pelo médico.

– O Sr. Sampaio tem uma recidiva de Ca gástrico. Foi submetido a uma Gastrec-
tomia tipo Billroth II, em 1985, após seguimento médico por úlcera gástrica. Anu-
almente fazia endoscopia alta e nesse mesmo ano o histológico revelou tratar-se de
adenocarcinoma gástrico do antro. Depois da cirurgia fez quimioterapia, o protoco-
lo FAM, sem grande sucesso... Passados estes dezasseis anos, recidivou.

As análises revelam anemia ferropénica, TGP 45 UI/ml, TGO 50 UI/ml, Ag Car-


cinoembrionário 35ng/ml e Proteínas totais 4.

– O primeiro procedimento será entubar o doente. E entretanto vou analisar o trân-


sito esofagogástrico, que foi feito, e pedir apoio de Cirurgia.

4. ‘– Enfermeira! Enfermeira!’

– Enfermeira! Enfermeira! Os bichos… Ali!

– Então Sr. Samuel! O que se passa? Tenha calma, o que vê não existe… Nós estamos
aqui para o proteger.

Samuel, homem de força quando jovem, desde cedo sentiu que ‘o estudo não lhe
puxava…’. Coisa de família. E os tempos não estavam para brincadeiras… Andar
a passear os livros, enquanto o pai mantinha-o, era gozo para ricos… Naquela
casa quem queria pão ia à luta.

– O meu nome é Albertina… Tina, para os vizinhos e a família. Tenho passado


boas, mas por esta é que eu não contava. Até parece castigo de Deus! O malandrote
deu-me muito mal viver, mas agora está a pagar pelo que fez. Muitas lágrimas cho-
rei para dentro… Sim, para dentro, porque se o danado me visse assim, ainda ficava
mais furibundo e a sova ainda era maior. Um dia fiquei toda negrinha. Até perdi
os sentidos. Quando acordei estava no hospital, os senhores doutores e as senhoras
enfermeiras ficaram indignados, e uma senhora, a assistente social, aproximou-se
de mim dizendo que devia queixar-me. Mas lá vinham os remorsos e, no fundo, ele
era o meu homem. Lá acabava por lhe perdoar tudo.
16  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Sr.ª Enfermeira! Vamos reforçar a dose do Cloridrato de Tiapride, e se for preciso


imobilizámo-lo!

– Tudo bem, Dr.! Quanto à imobilização, todas as superfícies da cama estão al-
mofadadas, eventualmente poderemos fazer umas luvas de boxe, mas prender vai
acabar por ser pior.

Samuel trabalhava na construção civil. A sua força era o garante do trabalho. Ca-
sado com Albertina, doméstica, têm dois filhos, um menino de 1 ano de idade
e uma menina de 3. Em Maio de 2004 sofreu um acidente de trabalho, por uma
queda de um andaime. Fez múltiplas fraturas e esteve internado na UCIP de um
Hospital Central.

O posterior inquérito atribuiu a causa ao seu estado alcoolizado, o que o fez des-
respeitar os procedimentos de segurança ao manipular uma grua elétrica de co-
mando filo-guiado, tornando o embate da carga no andaime, em que se encontra-
va conjuntamente com mais dois colegas, inevitável. Um deles veio a morrer e o
outro ficou numa cadeira de rodas. O que o salvou foi um providencial monte de
areia que amorteceu a queda. Após o internamento, foi despedido.

– Ele bebia, quase até cair! Quantas noites eram os amigos que o traziam. Bem, mas
os outros estavam na mesma! Um dia estava sozinha e comecei a falar para os meus
botões… Se o dinheirinho vai todo para a bebida a fome começa a apertar. Não! É
que estou seca e os meus filhinhos… Coitadinhos, às vezes o que vale é que os engano
com uma água de unto! Bom, mas estava eu a pensar… E se fosse ao Sr. Afonso, o
nosso Presidente da Junta? Talvez nos desse o rendimento mínimo! Em boa hora o
fiz. Ao fim de dois meses lá começou a vir aquele dinheirinho. Só que o danado do
meu marido quanto mais tinha, mais gastava em bebida… Até tenho vergonha de
ir à Vila. Agora até já nem levo os meninos ao Sr. Doutor. É que cada vez que lá
vou ele dá-me cada sermão… E eu não tenho culpa, o que é que ele quer? Diz-me
sempre o mesmo, que a minha filha está atrasada no desenvolvimento… Assim o
seu menino corre riscos…

– Mas ontem é que foi o bom e o bonito! O Samuel estava a preparar-se para sair,
como de costume até à taberna, e sentiu-se enojado… Foi à casa de banho e em vez
de vomitar, saiu-lhe sangue pela boca, até tremia. Eu disse-lhe logo para não me dar
trabalho. Que fosse ao hospital. É que pensei que fosse coisa ruim! A nossa vizinha
Josefa é que chamou o 112… Quando a ambulância chegou estava como morto…
Nunca mais veio a si!

Com efeito, o Sr. Samuel tinha dado entrada no serviço de urgência com hema-
temeses, icterícia, bilirrubinas e transamináses aumentadas. Aparentemente tem
ascite. Na posição ortostática sentia lipotimia. Ficou em OBS para ser estudado e
se decidir a terapêutica a instituir. Durante a noite o quadro complicou-se, com
alterações da consciência.
17  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

5. ‘Ramiro é um jovem promissor…’

Ramiro é um jovem promissor… Transborda vida, nos seus 16 anos de idade.


Hoje decidiu ir à praia com o seu grupo de amigos. Que dia fabuloso, uma imensi-
dão de azul, rasgada por um sol fervoroso. Bom… E o grupo? É um espetáculo…
De rompante, alguém desata a correr rumo ao mar e diz:

– O último a chegar é um nabo!

Sem hesitações todos correm a persegui-lo… Era o Afonso o mais energético do


grupo, até lhe atribuíam a alcunha do ‘pilhas’. Após o alcançarem decidiram mer-
gulhar de um penedo majestoso que de água à cintura montava guarda à praia.

Filipe, o nadador salvador bem gritou e puxou do apito à distância… Só que o


grupo, embriagado nas suas brincadeiras subiu à rocha sem se aperceber da pre-
monição do atento Filipe e num ápice todos mergulham… A alegria era tal que
nem se tinham apercebido que dos seis só estavam cinco… Filipe corria desespe-
radamente em direção à zona do mergulho… O que temera aconteceu com um
dos elementos! Faltava Ramiro. Nesse instante, alguém do grupo percebeu que
algo tinha corrido mal, mas vacilou. Quem podia dizer se não era apenas mais
uma partida. Infelizmente não era. Foi Filipe quem retirou o Ramiro, já em ap-
neia. Após a Reanimação, bem-sucedida, Ramiro chorava assustado, dizendo que
não sentia o corpo. De imediato foi levado para o hospital da área.

(Duas horas após)

– Boa tarde, Sr. Dr.! Nós somos os pais do Ramiro. Então, o que tem o nosso menino?

– O vosso filho fez um traumatismo vertebro-medular grave, ao ter mergulhado de


uma rocha, com fratura em cunha de C4, seccionando a espinal-medula. Depois de
estabilizado será feita osteossíntese.

– Nós não percebemos nada da área da saúde. É muito grave? Como será a sua
recuperação?

– As consequências são muito graves, receio que o vosso filho fique tetraplégico,
passando o resto da sua vida numa cama… E agora se me dão licença, vou para a
UCI. Logo que possível vamos leva-lo ao BO para o operar.

João e Teresa, pais do Ramiro, ficaram destroçados. O seu único menino ficaria
neste estado deplorável para o resto da vida.

– Olá! Boa tarde! Eu sou a Enf.ª Paula. Estou com o vosso filho até às 20 horas. Vou
só levá-lo para o Bloco Operatório. Depois, se quiserem, podemos conversar.
18  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

6. ‘O Sr. Jorge veio transferido’

O Sr. Jorge veio transferido do hospital da sua área, após internamento de uma
semana por febre e agravamento da descamação da pele por Psoríase pustulosa.
Este doente tem antecedentes de Diabetes Mellitus tipo 2 e Hipertensão Arterial.

É obeso, tem níveis de glicemia descontrolados, o que já acontecia em sua casa e


refere ter uma alimentação adequada. É independente nos autocuidados e só tem
vigilâncias.

O Sr. Jorge é uma pessoa muito bem-disposta, dando-se muito bem com todos.
Os enfermeiros já estavam a desconfiar que nem tudo o que ele dizia correspon-
deria à verdade, daí que tenham planeado averiguar. No final da manhã, como
habitualmente, a sua esposa e filha vieram visitá-lo.

– Então, como estás hoje?

– Estou ótimo, tenho casa, mesa e roupa lavada, de que me posso queixar.

– É um brincalhão, o Sr. Jorge. – Interveio a Enf.ª Ana Maria. – Queria falar um


pouco com as duas, pode ser?

– Claro Sr.ª Enf.ª Passa-se alguma coisa?

– Precisava de saber como é a alimentação do Sr. Jorge. Ele agora está bem, mas é
provável que precisemos de fazer alguns ajustes no regime terapêutico.

Enquanto a esposa e a filha relatavam à enfermeira os factos, ele ria-se com um


ar malandro.

– Ele ralha connosco se não fazemos a comida que ele quer, e levanta-se de noite
para ‘atacar’ o frigorífico. Nós bem lhe dizemos que não o deve fazer, mas ele é que
sabe. – Confidenciava a mulher, resignada.

– Veja bem Sr.ª Enf.º, eu tenho vivido bem assim, não é agora aos 74 anos que vou
mudar. A gente tem de morrer de alguma coisa, não é. É o que se leva desta vida.

– Sabe, Sr. Jorge, a questão não tem só a ver com o viver e o morrer.

– Ele está sempre a comparar-se com o pai, que levava uma vida desregrada e viveu
quase até aos 100 anos.

– E não me lembro de ele ter ido alguma vez aos médicos.


19  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Muito bem, Sr. Jorge, eu percebo o seu ponto de vista, mas enquanto enfermeiro
tenho o dever de o informar, motivar e tentar fazer com que adira a comporta-
mentos mais saudáveis, mas falaremos disso numa altura mais propícia, consigo e
com a sua família. Só irá regressar a casa depois de termos tido algumas conversas,
asseguro-lhe.

7. ‘Na cama 12 está internado’

Na cama 12 está internado o Sr. Valdemar, com diagnósticos médicos de Rabdo-


miólise e SIRS. Deu entrada no serviço com astenia acentuada, desorientação,
distúrbios do comportamento e diminuição da força muscular, principalmente
nos membros inferiores. Razões que levaram a que estivesse alectuado e total-
mente dependente nos autocuidados, por um período bastante longo.

Por via da sua condição de saúde, persistia uma quase total descrença da parte
do doente, da sua família e também de alguns dos profissionais de saúde, relati-
vamente a uma possível recuperação, e consequentemente melhoria da qualidade
de vida. Estavam em causa atividades fundamentais, como andar, ir à casa de
banho, entre outras.

As frases que se iam ouvindo, aqui e ali, pronunciadas por pessoas próximas do
doente, andavam à volta de: ´coitadinho, Sr. Enf.º, ele está muito mal, não está?’,
ou ‘ele vai morrer não vai, Sr. Dr.?’, e também, ‘o que ele foi e o que é. Ao que nós
chegamos’. Comentários muitas vezes efetuados sem o cuidado devido, e portan-
to, completamente escusados.

Apesar de todo aquela desconfiança, os enfermeiros mantinha ações de promo-


ção da sua autonomia. Realizaram o primeiro levante ao doente, posteriormente
levaram-no a tomar banho no chuveiro, e era vê-lo: parecia que lhe tinham feito
a melhor coisa do mundo.

– Que coisa extraordinária esta. O que lhe fizemos foi tão simples. Qualquer pessoa
numa situação normal é capaz de o fazer, parece até que menosprezamos estes atos,
que não têm qualquer aparato, como alguns dos procedimentos que efetuamos e, no
entanto, que grandioso isso foi para o Sr. Valdemar. A alegria que irradia da sua
face, não deixa dúvidas. – Congeminou um dos Enf.ºs.

Outro dia ensinaram-no a andar de cadeira de rodas e, finalmente, já deambula


pela enfermaria. O doente está diferente, quer sob o ponto de vista físico, quer
psicológico. Mesmo não estando a 100%, como por vezes refere, já sente de volta
alguma da dignidade que tinha perdido.
20  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Quando tomava banho na cama, sentia-me ‘porco’, e quando a fralda ficava suja
com fezes não chamava os enfermeiros por vergonha. Aquilo por que se passa, quan-
do assim ficámos, é inimaginável.

8. ‘O Sr. Jaime, um homem de 56 anos’

O Sr. Jaime, um homem de 56 anos, casado, que tem dois filhos (por sua vez já
casados e com uma filha cada um), residente na área metropolitana do Porto e
que foi internado por pneumonia à direita (da comunidade) e insuficiência res-
piratória. Em 1999 foi-lhe diagnosticada esclerose múltipla, sendo seguido pela
especialidade de Neurologia num dos hospitais do grande Porto.

Esta patologia do sistema nervoso (esclerose múltipla) é caracterizada por um


processo de deterioração das bainhas de mielina que revestem as fibras nervosas
da substancia branca do encéfalo e da espinal medula, e que têm a função de tor-
nar a condução dos impulsos nervosos mais rápida. Os motivos por detrás deste
processo de súbita destruição da mielina, que afeta a transmissão dos impulsos
nervosos, ainda não se encontram esclarecidos. As lesões propagam-se a todo o
sistema nervosos central, levando a múltiplas manifestações da doença, quer do
ponto de funcionamento motor quer sensitivo.

O Sr. Jaime apresentava diferentes manifestações que caracterizam a doença. No


que concerne a perturbações motoras, exibia paresia generalizada (em que a per-
da de força muscular era mais evidente ao nível dos membros inferiores e nestes
o lado esquerdo era o mais afetado), diminuição da coordenação motora (com
comprometimento da mobilidade e alteração evidente da deambulação) e tremor,
afasia motora em grau moderado (necessitando de algum tempo para articular
as palavras e as frases de forma percetível). A retenção urinária, que apresenta,
poderá não estar diretamente relacionada coma hipertrofia benigna da próstata
(para a qual se encontra medicado) mas com possíveis alterações das fibras ner-
vosas que controlam a micção.

A doença não tem, até ao momento, tratamento. Apesar disso, podem ser usados
diferentes recursos terapêuticos que ajudam a aliviar os sintomas e prevenir even-
tuais complicações. A fisioterapia, que o doente realiza 3 vezes por semana, é uma
boa forma de melhorar o estado físico e prevenir sequelas motoras/sensitivas,
procurando possibilitar-lhe a máxima autonomia.

As alterações da mobilidade afetam sobretudo o campo do autocuidado, com-


prometendo-o a vários níveis, nomeadamente na atividade física, higiene, comer,
beber e ir ao sanitário, necessitando de ajuda para completar as atividades que
com eles se relacionam.
21  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

O doente apresentava ocasionalmente episódios de humor depressivo. Apesar de


poderem ocorrer como manifestação de perturbação mental, não me pareceu o
caso. O doente estava perfeitamente consciente da sua situação clínica e do de-
pauperamento orgânico que o foi tornando cada vez mais distante da pessoa ativa
que teria sido (antes de se reformar, trabalhava na indústria hoteleira).

No que respeita à pneumonia, a expetoração era eficaz, não necessitando de ser


aspirado, mas de ser incentivado a tossir.

Todavia, mesmo sentindo-se frágil e por vezes com falta de energia (física e men-
tal) para realizar as atividades de vidas diárias, esforçava-se por realizá-las e por
colaborar o máximo possível.

O doente olhava para mim e parecia que me estava a dizer que ‘desaparecia’ aos
poucos, vítima da doença que o acometia. Pensar nessa possibilidade assusta; as
mudanças são momentos de crise e reflito nas transições que se tem de fazer para
se encarar de forma positiva o futuro.

9. ‘No Serviço de Braquiterapia’

No Serviço de Braquiterapia encontra-se internada a Sr.ª Fátima, com 38 anos


de idade. Tem como diagnóstico médico hemorragia uterina pós braquiterapia.
Nasceu e reside no Porto. Completou o Ensino Preparatório, deixando de estudar.
É solteira e tem 2 irmãos, um com 45 e outro com 50 anos, morando ambos na
mesma cidade... E duas irmãs, uma com 52 e outra com 55 anos de idade.

Refere ser a caçula, mas a sua relação com os irmãos não parece ser muito cordial.
Desde cedo começou a trabalhar, foram vários os empregos, estando à cerca de 6
anos a trabalhar numa casa de alterne.

Da história ginecológica revelou ter tido a menarca aos 12 anos de idade, tendo
nesta mesma idade começado a ter relações sexuais.

– Então Dr. Luís! Temos cá novamente a nossa amiga!

– É para expurgarmos os pecados!

Esta doente foi admitida em Junho de 1999, pelo Serviço de Ginecologia, com dor
pélvica e leucorreia. A observação detetou condilomas por HPV. Foi de imediato
internada, sendo feita cauterização das lesões e tratada da infeção. Foi-lhe dada
alta clínica.

Passados seis meses a doente voltou à Urgência de Ginecologia queixando-se de


22  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

hemorragias, dispareunia e referiu ainda uma escorrência escura e espessa por


via vaginal. De imediato foi feita uma citologia pelo método de Papanicolau que
revelou grau IV. Foi internada para ser submetida a biopsia dirigida por colposcó-
pio. O exame histológico revelou tratar-se de carcinoma in situ pelo que a equipa
médica optou pela irradiação intracavitária...

– Olá, D.ª Fátima, então essas forças? – A enfermeira conhecia-a bem.

– Hoje estão fracas. E já me doem as costas de estar deitada nesta posição.

– Pois, tem razão, mas sabe, quando há hemorragia, tem que ficar com esse tampão
e as pernas estendidas e juntas... Para ver se para.

– E se não parar?

– Nesse caso, ou é operada ou vai ao Serviço de Radiologia de Intervenção para a


tratarem lá.

A doente é fumadora de 2 maços por dia. Nega hábitos etílicos, no entanto refere
que ‘por vezes, com alguns clientes bebo uns Whiskeys... O número de refeições
por dia é variável, entre três a quatro. Tem hábitos de sono muito desregrados.

Na hora da visita foi possível à Enf.ª Sofia falar com uma sua amiga...

– Boa tarde! Por favor, posso dar-lhe uma palavrinha?

– Sim claro, no que eu puder ajudar! Mas ela está muito caída não está?

– Sim está, mas é natural, já que perdeu muito sangue. Mas... E a família, não pode
cá vir?

– Não acredito que venham. A Fátima saiu de casa muito jovem... Dizem que teve
mimo a mais, e que começou a andar com este e com aquele muito cedo. Quase nem
se falam. Culpam-na, inclusivamente, da morte da mãe, dizendo que a Sr.ª morreu
de desgosto.

– Quando ela tiver alta, com quem fica?

– Fica comigo, já que partilhamos o mesmo quarto. Mas à noite terá de ficar sozi-
nha, já que eu trabalho no mesmo bar que ela.

Os médicos estavam reunidos e a Enf.ª entrou para participar. Não pareciam ha-
ver alternativas. Teria de fazer uma embolização pélvica. Com efeito, a doente já
tinha sido poupada a esse procedimento aquando do diagnóstico de carcinoma
in situ. Pelo que agora, perante uma complicação da irradiação com Césio 137,
atonia uterina, só em última instância a equipa médica se decidiria por tal.
23  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Bom, vamos lá preparar para o Bloco. – A Enf.ª Rute não tinha tempo a perder.

– E o que me vão fazer? Vai doer?

– Isso não é comigo, eu cá só tenho que a arranjar. E, mais a mais, a Sr.ª já sabia que
com a vida que levava ia ter de acabar mal. Bom, é só um instante.

Naquele preciso momento, a Enf.ª Sofia ia a passar junto à porta do quarto e não
gostou do que ouviu... As duas Enf.ªs encontram-se na sala de trabalho...

– Estás com má cara, mas se foi pela resposta que eu lhe dei, foi ela que a pediu...

– Vais-me desculpar, mas nós somos enfermeiras, não somos nem juízes nem mora-
listas. Não nos cabe a nós julgar...

O procedimento cirúrgico foi um sucesso. A hemorragia cessou, pelo que a doen-


te poderá ter alta médica daqui a dois dias.

Chegada ao Serviço, conversou com a Enf.ª Sofia, desabafando um pouco sobre


a sua vida...

– De facto há riscos… Não só pela sua doença, mas por outras como a SIDA, a He-
patite B... Faria algum sentido que refletisse e tentasse mudar...

– Eu gostava mas... Inicialmente ainda haveria tempo, mas aí era difícil perceber.
Agora é um pouco tarde... Mas o pior é o estar só... (começou a chorar).

– A Sr.ª é jovem e já tem uma história bem complicada… Normalmente sobrevalo-


rizamos os aspetos negativos e torna-se difícil reagir, inverter o rumo.

10. ‘Alice de 74 anos deu entrada’

Alice de 74 anos deu entrada no serviço vinda da consulta externa de cirurgia,


onde tinha ido com indicação para provável limpeza cirúrgica. Após observa-
ção e análise, foi entendido pela equipa clínica que a melhor opção seria realizar
mastectomia mais limpeza axilar com retalho cutâneo da grade costal, que será
efetuado com colaboração da plástica.

Faz tratamento para a asma e tem história de histerectomia total com anexotomia
bilateral por pólipo no útero em 1985. Em 20 de Setembro de 2000 fez tumorec-
tomia mamária com esvaziamento axilar, que decorreu sem incidentes. O exame
de anatomia patológica determinou um carcinoma invasor. Posterior consulta
de grupo oncológico determinou a realização complementar de quimioterapia e
radioterapia. A Sr.ª Alice apenas tolerou a realização de dois tratamentos de Qui-
24  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

mioterapia, tendo feito de seguida vinte sessões de RT. Como efeito secundário
da rádio, surgiram lesões mamárias e axilares, não tendo sido possível obter qual-
quer melhoria, apesar de todos os cuidados e orientação terapêutica instituída.

À entrada apresentava úlceras comunicantes na região axilar direita com tecido


necrosado. Ficou com indicação para realizar tratamento diário com Soro Fisio-
lógico e iodopovidona, tendo por objetivo melhorar as condições locais para a
cirurgia, a que se associou antibioterapia.

Decorridas duas semanas foi intervencionada. Trazia drenos de Redy Vac a


drenarem líquido hemático em pequena quantidade. A extremidade do retalho
indiciava ausência de irrigação, encontrando-se a restante parte com aparência
normal.

No início da noite do 3º dia surgiu um pico febril de 38, 5 graus centígrados, e era
visível uma zona de cerca de 2, 5cm de tecido necrosado. Decorridos mais 3 dias,
constata-se a presença de uma drenagem serosa no penso. No 9º dia foi observa-
da pelos médicos da Cirurgia Plástica, que efetuaram desbridamento da região
necrosada, retiraram os drenos e deram indicação para se efetuar tratamentos
diários da ferida com compressas embebidas em iodopovidona. Os dias seguintes
confirmaram os receios que já existiam, tendo a ferida evoluído de sinais inflama-
tórios com saída de líquido hemático escuro, para líquido sero purulento, o que
conduziu à instituição de antibioterapia. No dia posterior a esta medida, a ferida
continha um líquido purulento com cheiro fétido. Neste momento foi alterado o
modo de tratamento da ferida, passando a fazer-se com S.F. + Soluto de Dakin, o
que não contribuiu para uma evolução positiva da mesma, daí que se tenha evo-
luído para a aplicação de compressas de carvão ativado com prata.

Finalmente, ao fim de quase dois meses de internamento, e como resultado de


uma melhoria significativa do estado da ferida, a Sr.ª Alice teve alta médica, tendo
sido encaminhada para a consulta de cirurgia, com indicação de penso diário.

11. ‘São 10:00 da manhã’

São 10:00 da manhã e o telefone toca na unidade. Apesar do barulho incomoda-


tivo que ecoa, o pessoal está muito ocupado com as suas atividades, e ninguém
se disponibiliza a atender. Finalmente, a chamada é atendida pela D.ª Joana. Des-
calçou uma das luvas e pegou no auscultador. Do outro lado comunicaram-lhe
que iria haver uma entrada. Não parece ter ficado muito contente, a avaliar pela
reação intempestiva e aparentemente sem sentido, que teve.

– Então, Dr.ª! O que se passa? Querem meter cá mais algum daqueles que vêm para
ficar?
25  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Não, vão-nos enviar uma doente que não carece de cuidados intensivos e isso
irrita-me. Ou tem critérios ou não tem.

– Deixe lá, já sabe que ninguém gosta de nos ver parados. Quem nunca aqui traba-
lhou acha que nós não fazemos nada. É a conversa de sempre: ‘vocês com um doente
ou dois ainda se queixam, que fará nós’. Eles não percebem!

– Mas olhe que não vai ser uma situação fácil. A doente pesa cento e tal quilos e
tem uma neoplasia na coxa esquerda. Na segunda-feira vão-lhe fazer uma Perfusão
Hipertérmica do membro, no Bloco Operatório, e vem cá mais para observação e
também para outra coisa.

– O quê, Dr.ª?

– Ela tem uma ferida no local do problema, em muito mau estado, e tem um cheiro
fétido. A indicação é para fazer o tratamento com Soluto Dakin. Manter permanen-
temente as compressas humedecidas, mais por causa do odor.

Passados cerca de 20 minutos, a porta abriu-se e os enfermeiros e médica de ser-


viço acercaram-se da cama que os colegas empurravam. Não tardou muito para
que as dúvidas se dissipassem. Colocada a cama no lugar respetivo, os enfermei-
ros trataram de fazer o que era habitual. Colocar os elétrodos e conectar a doente
ao monitor cardíaco, saturações, etc.

A doente tinha um olhar triste e parecia não estar a ver nada em especial, nem se-
quer aqueles que a rodeavam. Não mostrava reação de estranheza pelo ambiente.
Parecia alheia a tudo e a todos.

Passado pouco tempo, ninguém conseguia ficar indiferente à nova presença. O


cheiro era de tal forma intenso e nauseabundo, que se espalhara por todo o ser-
viço, entranhando-se nas roupas e afetando inexoravelmente todos os que por ali
passavam. O equipamento de proteção individual surgia como um paliativo de
fraca qualidade.

Os enfermeiros aproximavam-se para prestar os cuidados necessários e faziam


um esforço para mostrarem normalidade, dialogando com a doente, que se mos-
trava muito parca em palavras.
26  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

12. ‘– Pedro?… Pedro?…’

– Pedro?… Pedro?… Chamem o 112… o pai está caído no chão e não responde!

Pedro tem 50 anos, gestor de empresas, com uma vida estável e bem estruturada.
Tem à sua responsabilidade um importante grupo empresarial. Passa cerca de 8
a 10 horas por dia, a trabalhar, fumando 30 a 40 cigarros. Aprecia a boa mesa…
Bom conversador, saboreia cada momento com especial prazer. Adora a cozinha
portuguesa e não prescinde das entradas típicas (presunto, chouriço…) nem tão
pouco do copo de whisky… Até porque um amigo de família, já bem idoso, falara
em tempos a seu pai, que o seu médico, muito afamado, afirmara que um copo
diário prevenia as doenças do coração.

No dia-a-dia experimenta níveis de stresse elevados, até porque também transa-


ciona ações na bolsa. Pedro sofria de hipertensão, mas sempre argumentara que
era característica de família, já o seu avô tinha e morreu com 90 anos de idade.

– Hoje foi um dia diferente, levantou-se indisposto, com uma cefaleia contínua e
latejante. Tomou um comprimido analgésico, mas não cedeu… Eram cerca das 10
horas da manhã e achei por bem ir vê-lo. Acordou, sentou-se, pegou-me na mão e
comentou…

– Isto só pode ser do ritmo de trabalho, tenho que meter uns dias de férias! De repen-
te, levou a mão à cabeça e disse que parecia que tudo ia explodir. Começou a ficar
pálido e foi quando caiu inanimado sem mais nada dizer.

(Quero falar e não posso… Eh! Parece que há algo a pressionar a bochecha da minha
cara à esquerda… sinto-me tonto… o meu corpo não mexe à direita… Isto não me
pode estar a acontecer!... Vejo rostos sobre mim… Falam lá longe… ouço-os mas
não os percebo… A forma não fica focada… que estranho local. Ah! E depois a luz,
é branca e bem intensa…)

– Minha senhora, o seu marido sofreu um AVC. Neste momento está estável, mas
temos que aguardar umas horas. Vai ter de realizar outra TAC. Para já a nível mé-
dico é ainda tudo muito reservado, temos que aguardar. A Sr.ª enfermeira já vem
falar consigo.

– Boa-tarde, D. Alice. Eu sou a enfermeira Cláudia. O seu marido vai precisar mui-
to da sua ajuda. É importante que, logo que esteja preparada, falemos de alguns
aspetos importantes.

– Desculpe?! Eu quase não me contenho aqui de pé… Não me diga que já estão a
tentar dar-lhe alta! Para isso nem vinha para o hospital. Só o trouxe para cá porque
ele sempre me disse que se algum dia ficasse doente, com gravidade, queria vir para
27  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

um hospital público. Mas, por mim, no privado é que estava bem. Onde é que já se
viu uma coisa destas!

– Estás a ver Cláudia, é bem feito. Cismas com as psicologias… e depois é isso. Co-
migo não há hipóteses, cumpro o que o médico prescreve, dou-lhes o banhinho e a
comidinha e ala que se faz tarde… Não é para isso que nos pagam? E ainda por cima
com a esmola que recebemos.

– Eu não vou discutir contigo, mas sabes bem que há muito mais e bem importante
para fazermos.

– Claro, até porque blá, blá, blá… Só teorias… Bem, tu é que sabes. Eu também já
fui assim, mas o tempo ensina-nos. E acabaram-se as minhas chatices.

13. ‘Na passagem de turno’

Na passagem de turno, o Enf.º Paulo tinha estado atento aos dados referentes aos
doentes que lhe estavam atribuídos. Uma dessas pessoas era a Dª Georgete, de 40
anos de idade. Foi internada por metástases cerebrais de primário desconhecido.
Fez Craniotomia e o pós-operatório decorre de acordo com o habitual. Está cons-
ciente e colaborante, apresentando um Glasgow de 15.

O Enf.º Paulo dirigiu-se na direção da cama da doente, que ainda dormia. Avaliou
os sinais vitais e documentou-os. Passado pouco tempo, e depois da Dª Georgete
ter acordado, o Enf.º iniciou os cuidados de higiene, ao mesmo tempo que con-
versava com a doente. A sua intervenção tinha múltiplos objetivos. No decorrer
do diálogo estabelecido, a doente questionou o Enf.º a propósito das terapias al-
ternativas.

– Acredita que há mais coisas além da medicina tradicional?

– Eu acho que há mais coisas para além daquilo que nós conhecemos. Por vezes não
conseguimos encontrar uma explicação racional e isso perturba-nos, e talvez seja
esse o problema. Nós temos uma grande necessidade de objetivar. Isso é fruto da
nossa educação, da cultura em que nos inserimos.

– Sabe como é que eu soube que tinha este problema?

– Não faço ideia.

– Estava eu um dia no Cabeleireiro, a arranjar o cabelo, quando reparei num car-


taz na parede em frente a mim, sobre Reflexologia. Comecei a ler e despertou-me
curiosidade o facto de pontos específicos dos nossos pés, corresponderem a órgãos do
28  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

corpo. Pedi à cabeleireira para ela me esclarecer sobre o tema, porque há já algum
tempo que tinha uma dor aguda e permanente, localizada numa determinada zona
de um dos meus pés.

– Não me diga que correspondia à cabeça?

– É verdade. A partir daí não consegui deixar de pensar no assunto, e logo que pude
fui ao meu médico pedir-lhe para ele me receitar uma TAC.

– O que é que ele disse?

– Achou estranho, porque eu não me queixava de nada, nem tinha sinais de qual-
quer problema, mas eu insisti. Ele deve ter julgado que eu era hipocondríaca, e que
assim me iria tranquilizar, já que ia dar negativo.

– Mas não deu.

– Pois não. Ele ficou surpreendido, eu já estava à espera desse resultado. Entretanto
já fiz montes de exames e não se consegue saber qual a origem de tudo.

14. ‘O Sr. José é uma pessoa’

O Sr. José é uma pessoa muito especial, aliás, como todas o são. Com cerca de 82
anos e uma história de antecedentes pessoais muito longa (HTA, DPOC, doen-
ça coronária...) encontra-se internado devido a uma infeção respiratória. Bem,
também é certo que ele diz que perdeu a chave de casa e por isso, enquanto não
lhe mudarem a fechadura não adianta darem-lhe alta, porque não tem onde ficar
e volta para cá. Não é uma pessoa fácil de aturar. Tem uma personalidade muito
vincada e um feitio muito difícil, de tipo autoritário. Já não chegavam as dificul-
dades próprias de um serviço com as características daquele, com doentes, sobre-
tudo idosos, em mau estado, com muitas dependências e que obrigavam toda a
equipa a um corre-corre, e ainda tinham de aturar um ‘cromo’ destes.

Sempre que se lhe propõe alguma atividade ele está do contra, ou então, quer
que seja à sua maneira. Diga-se de passagem que não é fácil. É bem mais simples
quando os doentes aceitam o que lhes dizemos. É que bem vistas as coisas, nor-
malmente não existem alternativas, tipo pijama às riscas ou liso. É mais, se não
quiser o que há, fica sem nada, ou com uma bata, o que, em abona da verdade
torna as pessoas ridículas. É preciso muita paciência e uma excelente capacidade
de persuasão.

O Sr. José dificultava todas as atividades, para o banho quer pijama completo,
levar a bala de O2 e ir de cadeira de rodas, quando não tem necessidade disso.
29  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

O que ele gostava era que a casa de banho viesse até ele. Além disso, não ad-
mite não ser o primeiro em tudo e acha que tem de dar tanto ou mesmo mais
trabalho que os outros doentes. Disse que a Enf.ª Rosa era sua empregada, que
estava ali para fazer as coisas por ele, que era um doente cardíaco e não podia
esforçar-se, o que lhe fez ‘saltar a tampa’.

– Sr. José! Exijo que me respeite, o Sr. tem direitos mas também deveres. A minha
função é fazer aquilo que é melhor para si, não o que o Sr. julga que é, quando uma
coisa e outra são diferentes.

O Sr. José passa o dia a gritar e a tratar mal todos. Só a Enf.ª Rosa percebeu que ele
tinha problemas de audição. Quando lhe falavam baixo era para o gozarem e alto,
uma falta ao respeito... Para lidar com ele, ela tem que explicar-se constantemente.
Propõe a atividade, aguarda que ele grite e diga que não, espera até que ele queira
fazer, o que demora sempre alguns minutos importantes. Hoje de manhã o Sr.
José pediu-lhe desculpas pela forma como falava consigo, afirmando que muitas
das coisas que dizia era sem pensar.

15. ‘O Sr. Joaquim foi levado’

O Sr. Joaquim foi levado ao serviço de urgência do Hospital de um hospital no


Porto, em Junho, por apresentar recusa alimentar e prostração. No serviço de
urgência foi-lhe diagnosticado sépsis com ponto de partida não identificado e de-
sidratação.

Este doente tem como antecedentes HTA, Diabetes tipo 2, Insuficiência Respira-
tória Crónica, Glioblastoma multiforme, ao qual foi operado em Dezembro do
ano passado (encontrando-se restringido no leito desde essa altura), e apresenta
hemiparesia sequelar à esquerda.

O estado de debilidade física que apresenta e a forma como aparenta lidar com
a sua condição, tendo uma real consciência do seu estado, são fatores perturba-
dores para os profissionais de saúde que o cuidam, já que não encontram muitos
casos iguais. O Sr. Joaquim parece conformado, dir-se-ia mesmo, tranquilo.

De dia para dia, a situação foi-se agravando, dificultando a comunicação. Nos pri-
meiros dias ainda conseguia pronunciar alguns monossílabos e cumprir ordens
simples. Com o passar do tempo, apesar de todo o seu esforço, foi-se tornando
cada vez mais incapaz de comunicar com os outros.

Inicialmente, a família esperava a recuperação total do Sr. Joaquim, tendo contra-


tado uma empregada para ajudar a esposa nos cuidados básicos ao marido, mas
30  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

com o passar do tempo, foram-se tornando mais conscientes da gravidade do seu


caso, da impossibilidade de retorno ao ponto inicial, e a sua atitude mudou. A
partir desse momento, os momentos de visita transformaram-se. Os familiares
falavam entre eles, como se não estivesse ali aquele de quem falavam, ou se ele não
tivesse capaz de ouvir. A Enf.ª Maria, recém-formada, sentiu-se incomodada com
o facto, mas foi incapaz de intervir na defesa do Sr. Joaquim. ‘Parece que estão a
velar um morto’. Terá dito.

Nesse dia, em que nada de bom parecia ir acontecer, o próprio som do oxímetro,
sempre a fazer-se ouvir, stressava a Enf.ª, que se sentia impotente perante a dessa-
turação do doente. Não havia mais medicina para aquele doente, haveria o quê?

Cerca das 20:00 desse dia, quando se preparava para terminar o turno e mudava
o aparelho das saturações de dedo, a mão fria em que tocava, agarrou-a com fir-
meza. Sentiu um arrepio! Com mais dúvidas que certezas, ficou um pouco, ali.

16. ‘Nuno, de 27 anos’

Nuno, de 27 anos, é Insuficiente Renal e recorreu ao Serviço de Urgência do Hos-


pital de Aveiro, por apresentar Insuficiência Renal Crónica Terminal, emergência
hipertensiva e hemoglobina a 10mg/dl.

Este doente foi proposto para realizar hemodiálise, pelos seguintes fatores: insu-
ficiência renal crónica avançada, cardiopatia dilatada, presença de enfartes lacu-
nares múltiplos cerebrais, retinopatia hipertensiva, HTA, anemia e suspeita de
derrame pericárdico.

O Sr. Nuno trabalhava na indústria metalúrgica, antes de ficar de baixa. É casado


e tem um filho de 4 anos de idade. Apresenta como antecedentes familiares, um
irmão mais novo, atualmente com 25 anos, com história provável de epilepsia,
desde os 3 anos, com repercussões a nível neurológico.

O doente em questão foi internado no serviço de Medicina a 4 de Julho.

Segundo o próprio, a Insuficiência Renal foi-lhe diagnosticada há cerca de um


ano e meio, tendo sofrido uma evolução extremamente rápida.

Neste momento, o doente encontra-se numa fase inicial do tratamento por hemo-
diálise. Esta condição, muito recente para o doente, reflete-se nalgumas limita-
ções no seu quotidiano, até porque se vai prolongar por toda a sua vida, caso não
seja possível realizar um transplante renal.
31  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Sendo uma pessoa jovem e com uma vida ativa, além de gostar de viajar praticava
vários desportos, e é inclusivamente federado numa modalidade, esta alteração
na sua vida está a perturbá-lo. Até que ponto conseguirá manter o seu estilo de
vida, é a pergunta que faz a si próprio. E, uma das questões que colocou aos
Enf.os foi, como poderia viajar tendo de realizar as sessões de hemodiálise três
vezes por semana.

Apesar de tudo, o Sr. Nuno é uma pessoa muito bem-humorada, alegre e interes-
sado nos assuntos relacionados com a sua saúde.

17. ‘Enquanto trabalhava nas obras’

Enquanto trabalhava nas obras e sem saber muito bem porquê, o Sr. Moreira so-
freu um Acidente de Trabalho, dos muitos que acontecem todos os dias por este
país fora. Caiu desamparado de uma altura de aproximadamente 3 metros, queda
essa que resultou numa fratura do maléolo e tíbia à direita. Transportado ao hos-
pital mais próximo, foi operado nesse mesmo dia, fazendo osteossíntese de ambas
as fraturas com anestesia geral.

Tendo em conta que se tratava de uma pessoa jovem – 39 anos –, sem anteceden-
tes pessoais ou familiares conhecidos de qualquer tipo, que fizessem aumentar o
risco, finda a cirurgia foi encaminhado para o Serviço de Ortopedia da referida
instituição de saúde.

Vinha ainda sonolento e queixava-se de dores no membro inferior direito. O


enfermeiro que o recebeu tentou tranquilizá-lo, explicando-lhe que estava tudo
dentro do que era previsto, e que, no mais breve espaço de tempo lhe iria admi-
nistrar medicação analgésica que ele tinha em S.O.S, para o aliviar da dor. Insta-
lado o doente na enfermaria, Tozé dirigiu-se apressadamente à sala de trabalho
para prepara o Paracetamol prescrito por via endovenosa. Sem se deter muito em
pormenores, que ficariam para mais tarde, visualizou um a um toda a folha de
terapêutica. Além do soro, que já vinha do B.O., tinha ainda anti-inflamatórios,
mais analgésicos e um antibiótico.

Posta ao corrente do que se havia passado com o marido, pela empresa para a qual
ele trabalhava, não tardou muito a que a mulher do Sr. Moreira estivesse ao seu
pé. Um pouco chorosa de início, já que dispunha apenas de informações gerais
sobre o acontecimento que o havia levado ao hospital, desconhecendo em abso-
luto a situação em que o marido se encontrava, foi tranquilizando pouco a pouco,
na sequência da conversa que manteve com o Enf.º António José.
32  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Após um período de repouso, facilitado pela eficácia da analgesia, o doente co-


meçou a ficar com alguma agitação, mas foram os suores frios que mais preocu-
param a sua esposa, que se apressou a chamar o enfermeiro.

– Então Sr. enfermeiro, que lhe parece, será efeito da anestesia? Eu sempre ouvi
dizer...

– Não se preocupe, já diagnostiquei o problema do seu marido. Com a mão sobre a


região suprapúbica do doente, o Enf.º Tozé não teve dúvidas. Ele não está a conse-
guir urinar, vamos ter de o ajudar.

– Vai algaliá-lo?

– Por enquanto ainda não, vamos ver. Vou tentar estimular a eliminação. Se não
obtivermos resultados insiro um cateter vesical transitoriamente.

18. ‘Ricardo Ferreira estava’

Ricardo Ferreira estava a ser seguido pela consulta de Gastroenterologia, por úl-
cera gástrica. Após tratamento medicamentoso à Helicobacter Pylori e acompa-
nhamento da evolução através de endoscopias seriadas, verificou-se uma melho-
ria acentuada do problema identificado. Todavia, perante a manutenção da dor
abdominal, foi recomendada uma observação por Medicina Interna para exclu-
são de problemas cardíacos. As suspeitas de Estenose Aórtica foram confirmadas
após a realização de diversos exames, nomeadamente Ecocardiograma, Holtter,
Prova de Tilt e Cateterismo Cardíaco, conduzindo a que lhe fosse proposto a co-
locação de válvula aórtica mecânica, o que aceitou.

O Sr. Ricardo tem 70 anos, está reformado, apresenta bom estado geral e não sofre
de qualquer défice motor, sendo completamente independente nas atividades de
vida diária. Dois meses após a cirurgia observam-se apenas ligeiros edemas nos
membros inferiores e um aumento acentuado do peso, cerca de 9 kg.

Como antecedentes familiares, destaca-se a elevada incidência de falecimento por


AVC’s (mãe, avô e avó paterna), diabetes na avó materna e mãe. Apesar de ser o
irmão mais velho de uma família numerosa, alguns já faleceram. Um irmão de
Cirrose Hepática por alcoolismo e outro por AVC.

Pessoalmente conta apenas com um internamento anterior, há cerca de 50 anos


para resolução de problema simples de otorrinolaringologia. Por outro lado, apre-
senta dislipidemia e hipertensão arterial controlada por medicação. Fumava cerca
de dois maços de cigarros por dia, mas diz que deixou o hábito após o último
33  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

internamento. Parece que foi a única consequência das recomendações que lhe
foram feitas no decurso daquele. O exercício físico diário e a dieta pobre em gor-
duras, rica em fibras e com restrição de sal, além da ingestão de 1 litro de água,
não estarão a ser cumpridos. Questionado sobre a (s) razão para tal comporta-
mento, responde com um evasivo: “então o que é que sobrava?”. Tem atualmente
um consumo de cerca de 192 gramas de vinho por dia, a acompanhar as refeições.

Além da medicação que já fazia anteriormente, tem também Atenolol 50 mg/dia,


Telmisartan 80 mg/dia, Atorvastatina e Varfarina (segundo controlo).

19. ‘No início de Março a D.ª Lúcia’

No início de Março a D.ª Lúcia, de 78 anos de idade e viúva, começou a apre-


sentar dispneia, progressivamente mais acentuada, acompanhada por sonolência
diurna, edemas periféricos de predominância vespertina, iniciando um quadro
de crescente intolerância aos decúbitos.

Perto do final do mês, recorreu ao hospital distrital da sua área de residência por
apresentar dispneia de repouso com cianose labial e das extremidades, e prostra-
ção. Foi internada por Insuficiência Cárdeo Respiratória.

No dia seguinte a situação agravou-se, surgindo bradipneia e alterações do estado


de consciência. Foi realizada gasometria arterial, revelando uma baixa do Ph e um
aumento do CO2. Como consequência, foi entubada orotraquealmente e venti-
lada mecanicamente. Estes procedimentos provocaram uma recuperação transi-
tória da sonolência, ficando mais desperta para o ambiente que a rodeava, mas o
restante quadro clínico sofreu um retrocesso, com instabilidade hemodinâmica,
traduzida em hipotensão e taquicardia, a que se juntaram sinais de má perfusão
periférica, tendo iniciado suporte de Cloridrato de Dopamina.

Nos breves instantes em que readquiriu a consciência, percorreu com o olhar o


espaço à volta do leito em que se encontrava, parecendo ficar alarmada com o
aparato que ali se havia instalado. O número de pessoal de saúde que ali estava era
elevado, pareciam agir em sintonia, dominando as funções com relativa seguran-
ça. O volume em que se produziam os discursos era elevado, o que pode também
ter contribuído para a sua expressão. Tentou levantar a mão, mas a resposta não
se deu com a rapidez habitual, tendo ficado, por segundos, em suspenso, mas
acabando por retornar à sua posição anterior. Ouviu-se um: “-tenha calma!”, que
soou mais como a resposta à necessidade de quem proferiu a expressão, do que
para quem se dirigiu. Olhou para um dos lados e procurou o olhar do médico que
ali se encontrava, mas não obteve nenhum feedback.
34  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Tendo em conta que o estado daquela pessoa exigia uma diferenciação de cui-
dados que o nível da instituição não dispunha, foi transferida para um hospital
central nessa mesma noite.

Após a chegada, encaminharam-na para a Unidade de Cuidados Intensivos Poli-


valente, onde permaneceu ventilada, sedada e com suporte de aminas.

Na sequência da realização de diversos exames complementares, estabeleceu-se


o diagnóstico médico de Insuficiência Cardíaca com presença de derrame peri-
cárdico de pequeno volume e existência de aumento da aurícula esquerda. Foram
ainda diagnosticadas Insuficiência Respiratória tipo II e disfunção multiorgânica
com provável ponto de partida numa pneumonia da comunidade.

Ao fim de cinco dias de internamento, sem alteração da condição da doente, a


Enf.ª Cristina perguntou a uma colega:

– Esta senhora tem família? Sabes de alguma coisa?

– Não sei, eu nunca vi aqui ninguém, mas lembro-me de alguém dizer que tem um
filho, pelo menos é o que diz no processo...

20. ‘A Sr.ª Regina de 31 anos’

A Sr.ª Regina de 31 anos de idade recorreu ao Serviço de Urgência em 17 de Fe-


vereiro de 2005. Queixava-se de dispneia e toracalgia à direita, além de escassos
acessos de tosse seca desde o dia anterior ao internamento. Referia igualmente
dispneia para esforços progressivamente mais pequenos, nos quinze dias que an-
tecederam a sua vinda à urgência.

Como antecedentes familiares e pessoais, há apenas a registar abortamentos de


repetição, durante o primeiro trimestre e uma Miomectomia em 2004.

Na admissão encontrava-se consciente, colaborante, hemodinamicamente está-


vel, com ligeira taquicardia e sub-febril. Fez eletrocardiograma, ecocardiograma e
RX pulmonar que mostrou Hipo transparência no lóbulo inferior esquerdo, pelo
que foi proposta a realização de uma Tomografia Axilar Computorizada.

A Angio-TAC Torácica revelou trombo em ‘sela’, insinuando-se para ambas as


artérias pulmonares e respetivos ramos proximais; concomitantemente, apre-
senta-se uma condensação parenquimatosa com broncograma aéreo, delimitado
anteriormente pela grande cisura com área em vidro despolido à sua periferia,
no segmento superior do lóbulo inferior esquerdo. Na pequena cisura regista-se
35  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

pequena quantidade de líquido, loculado, conferindo aspeto nodular. Sem alte-


rações parenquimatosas à direita. Regista-se ainda uma proeminência do tronco
pulmonar, traduzindo hipertensão pulmonar.

Foi internada em OBS e iniciou perfusão contínua de Heparina. No dia seguinte


foi transferida para a Unidade de Cuidados Intermédios de Medicina por Trom-
bose Embólica Profunda. Nesta altura não se registavam alterações significativas
do seu estado geral. A observação clínica demonstrou ainda a não existência de
edemas ou sinais inflamatórios nos membros inferiores.

Como a D.ª Regina apresentou menorragias, nesse dia não efetuou trombolítico.
Dois dias depois, por manter a insuficiência respiratória e se tratar de um TEP
submaciço, foi reequacionado o reinício da Heparina, apesar das perdas sanguí-
neas que apresentava. Por dificuldade na identificação e cateterização de um aces-
so venoso periférico, foi decidido colocar cateter central na veia subclávia direita,
processo que decorreu sem incidentes. Após bólus de Alteplase iniciou epistáxis,
ligeiro hematoma no local da punção e aumento do fluxo sanguíneo menstrual,
determinando-se a suspensão do produto. Fez TAC de controlo que não mostrou
extravasamento. Neste período há a assinalar apenas uma baixa ligeira nas satu-
rações de oxigénio.

Esta doente acabou por estar internada cerca de quinze dias, fazendo anticoagu-
lantes após ter sido puncionada, que passaram para via oral numa fase posterior.
Realizou ainda e antes do seu regresso ao domicílio, Ecocardiograma, Cintilogra-
ma, TAC e Arteriografia Pulmonar.

Às 12 horas do dia 21, a Enf.ª Luciana aproximou-se da doente, que estava a ar-
ranjar os seus pertences para se ir embora, para lhe fornecer algumas informações
que consideravam importante. Depois da conversa de circunstância que estabele-
ceu com a senhora, indagou-a sobre a medicação que levava, se sabia os cuidados
a ter, etc, ao que a Dª Regina respondeu:

– Deram-me este papel que é para eu ir ao Serviço de Sangue nestas datas, e disse-
ram-me que tenho de fazer o Varfarina como diz aqui. Há mais alguma coisa que
é preciso?

21. ‘Tendo em consideração’

Tendo em consideração que por diminuição dos recursos humanos naquele hos-
pital, nomeadamente de enfermagem, tinha sido abandonada a visita pré-opera-
tória, a identificação dos dados relevantes ao diagnóstico de enfermagem passou
a ser iniciada na admissão do doente no Bloco Operatório. Num espaço físico
36  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

com condições inadequadas e num tempo incorreto, quer para uma boa interação
enfermeiro/doente, quer para uma análise adequada do seu processo clínico, de
forma a implementar um correto Plano de Cuidados.

O Sr. Fernando, de 73 anos, empresário de profissão, chegou ao Serviço conscien-


te, colaborante e orientado. Apesar da Hipoacusia, não demonstra dificuldades na
comunicação, tendo um discurso bastante fluente.

Em virtude de patologia cardíaca, tem alguma limitação da sua mobilidade. As-


sintomático do ponto de vista cardiovascular até 2004, começou a sentir dor pre-
cordial para esforços progressivamente menores, o que não valorizou. Dia 25 de
Fevereiro de 2007 recorre ao SU por episódio de dor na mesma localização, mas
com duração superior ao habitual. Os exames efetuados confirmaram as suspei-
tas, com evidência Eletrocardiográfica de isquemia do miocárdio e subida dos
marcadores de necrose mio cárdica. O cateterismo subsequente revelou doença
de 3 vasos e foi-lhe proposta cirurgia de revascularização do miocárdio, o que
aceitou. Fez ainda os seguintes exames, ECG, ETT, Angiografia Coronária, Provas
da Função Respiratória e Triplex Carotídeo.

Tem como antecedentes os seguintes diagnósticos médicos: doença venosa peri-


férica – varizes nos membros inferiores –, Diabetes tipo II, desde há 3 anos, altura
em que deixou de fumar (3 maços de cigarros/dia), úlcera gástrica e dislipidemia,
bem como Amigdalectomia na juventude.

Quando abordado pela enfermeira, o Sr. Fernando referiu saber o que lhe iam
fazer, mas não se lembrava bem do que lhe tinha sido dito sobre o período pré-
-indução. Por outro lado, à questão se sabia onde e como previsivelmente iria
decorrer o pós-operatório, respondeu negativamente.

22. ‘A ação que vai ser relatada’

A ação que vai ser relatada decorre numa enfermaria de um serviço de medicina de
um hospital central, em Portugal, no ano de 2007. São 8:10 da manhã, e a Enf.ª Mar-
ta, que fez ‘vela’, está a passar o turno aos colegas que a vão substituir. Encontram-se
na referida sala, além de três elementos da equipa de enfermagem, seis dos sete
doentes aí internados, mais quatro alunos de uma escola de enfermagem que iam
iniciar o Ensino Clínico Hospitalar, e uma médica que tinha sido chamada para ob-
servar o Sr. Alberto da cama 4, em virtude de um agravamento do seu estado geral.

– Bem, vamos mas é começar. – Sentada na primeira cama, a que se encontrava


vazia, começou: – O ‘cama’ 1, já é vosso conhecido, não é... – era uma pergunta retó-
rica, pelo que não esperou por qualquer resposta e prosseguiu – Anda por aí. Está
37  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

à espera do resultado da TAC cerebral que fez na segunda-feira e, fora isso, não está
cá a fazer mais nada. Há! Continua a queixar-se de dores de cabeça, mas eu esta
noite nem lhe dei nada. É assim, da farmácia continua a haver falhas na reposição
da medicação, e não vou ser eu a andar a pedir aos outros serviços... mas ele também
não se queixa muito.

– Ele não tinha indicação de repouso no leito? – Inquiriu a Enf.ª Svetlana.

– Nós dizemos-lhe para ele ficar na cama, mas ele diz que se sente bem, o que é que eu
posso fazer? Não vou obrigá-lo.

– Sr.ª Enf.ª! Importa-se de administrar 80mg de Furosemida, 50 mg de Prednisolona


e de colocar uma máscara de alto débito a este doente, enquanto eu vou fazer uma
gasometria.

– Já vou Dr.ª Luísa! – Respondeu sem olhar e prosseguiu. – Até agora não havia
pressa nenhuma; no processo até está que não é para reanimar... Na cama 2 está o
Orlando, de 85 anos, que entrou de tarde. Passou a noite toda a dizer que eu era
filha dele e que ainda não lhe tinha trazido, não sei o quê; é difícil entender o que ele
diz. Entrou por pneumonia, mas tem história de AVC’s, hemiparesia à direita, que
mantém, síndrome demencial e uma série de outras coisas. Está acamado, em casa,
desde há dois anos. Parece que é a mulher e uma empregada que cuidam dele e, pelo
que parece, bem. Não tem nenhuma escara. Já vinha com sonda nasogástrica. Tive de
lhe imobilizar os braços, antes que se magoasse. Ele estava sempre a mexer na região
perineal e a tentar sair da cama. É completamente dependente nos autocuidados e...

– Sr.ª Enf.ª, já fez o que lhe pedi? – A médica acabara de entrar para fazer a punção
arterial. Contrariada, a Enf.ª Marta dirigiu-se ao carro de medicação, tendo retira-
do duas ampolas de Furosemida, mais duas de Prednisolona (25 mg/cada) que se
apressou a preparar. No final, olhou para uma aluna e disse:

– Queres dar esta medicação?

– Não sei... – a aluna pareceu hesitar, mas ao sentir os olhares de todos na sua dire-
ção, decidiu-se – Está bem.

– Srs. Enfermeiros! Srs. Enfermeiros! O Sr. João está caído na casa de banho...

– Quem é o Sr. João? – Perguntou o Enf.º Ricardo.

– É o das cefaleias. – Respondeu a Enf.ª Svetlana.

– Entrei lá por acaso e ele tinha caído da sanita, e está lá estendido no chão... – Pros-
seguiu a assistente operacional.
38  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

23. ‘Rosas de 75 anos de idade’

Rosas, de 75 anos de idade, recorreu ao Serviço de Urgência daquele Hospital


Central, por hematúria macroscópica, com presença de abundantes coágulos. A
observação da região genital mostra edema do pénis e o doente refere dor local
moderada. Perante o quadro apresentado, o médico prescreve lavagem vesical
contínua e antibioterapia.

Como a sonda vesical que o doente apresenta não está adequada ao tratamento, o
Enf.º Jorge foi explicar-lhe o porquê de a ter de substituir por outra, de três vias.
À medida que vai explicando as razões e o procedimento, de forma a contar com
a colaboração do Sr. Rosas, apercebe-se de alguma indiferença na atitude e nas
respostas que aquele vai verbalizando, quase por monossílabos e sem sequer olhar
para o enfermeiro.

– Então, o que se passa? Está-me a responder de uma forma...

– Peço desculpa, Sr. Enf.º. Não tem nada a ver consigo, eu é que já estou farto e digo
mal da minha sorte...

– Percebo...

– (...) Estou aqui e tenho a minha mulher lá em casa, sei lá como. Ela ainda está pior
do que eu, já não é capaz de dar conta de nada. Ainda vai fazer alguma asneira.

– O Sr. não tem filhos?

– Não! Nunca calhou. Mas podia não ajudar em nada, eu conheço casos que ainda
é pior, por isso... Mas quem sabe, não dessem jeito agora.

– E os vizinhos?

– No prédio onde eu vivo, no centro da cidade, neste momento só lá moramos nós.


Está tudo devoluto.

– Mas a sua mulher está doente?...

– Bem é que não está. Esquece-se muito, não fica bem sozinha.

– Está bem, não se preocupe, eu vou telefonar para o Centro de Saúde e os colegas
vão avaliar a situação. Depois digo-lhe alguma coisa, fique tranquilo que tudo se vai
resolver da melhor maneira.

A expressão mudara, já não era tão ‘carregada’.

Assinala-se ainda que o Sr. Rosas tem como antecedentes pessoais uma Neoplasia
39  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

da Próstata há oito anos, tendo efetuado Prostatectomia radical seguida de


bloqueio hormonal. Já este ano foi-lhe diagnosticado um cancro da bexiga e foi
submetido a RTU-TV. Em casa toma Bicalutamida, um comprimido por dia e
Pamoato de Triptonalina uma injeção de três em três meses.

Em virtude de valores baixos de hemoglobina, 5,0 mg/dl, fez duas unidades de


Glóbulos Rubros.

Como a situação inicial não revertia, vai ao Bloco Operatório realizar nova RTU-
-TV com coagulação. Regressa à enfermaria com cistostomia suprapúbica, que
está clampada e com sonda vesical funcionante, a drenar urina clara. Dois dias
depois, por apresentar dor peniana intensa, retira a algália e passa a drenar a uri-
na pela cistostomia. Como persistiam queixas álgicas generalizadas é solicitada
consulta de dor.

O estado geral do doente agrava-se, com astenia, renitência à mobilização, so-


nolência e comunicação muito limitada. Está acamado, vai fazer três dias e já
começa a rejeitar a alimentação que lhe é dada.

Tem prescrito a seguinte medicação: Cloridrato de Ciprofloxacina 500mg; Me-


toclopramida; Cloridrato de Tramadol 100mg; Paracetamol 1gr em S.O.S.; Sul-
fato de Morfina 20mg + 20mg em S.O.S.; Lorazepam 3mg à noite e Lactulose em
S.O.S..

24. ‘Carla havia concluído a licenciatura’

Carla havia concluído a licenciatura em enfermagem em Julho, tinham passado


cerca de 4 meses, e não se podia queixar muito. Estava empregada desde então,
ainda que tivesse sido – a contragosto – colocada numa Unidade de Cuidados
Intensivos. Preferia ter adquirido mais experiência num outro serviço, mas a falta
de pessoal -motivo que lhe referiram – a isso a tinha obrigado. Já não estava em
integração, ainda que se sentisse muito insegura. A responsabilidade era enorme
e estava desapoiada. O trabalho era imenso, a um ritmo alucinante, e quase não
havia tempo para pensar. Só o facto de saber que tinha de ir para a unidade dei-
xava-a stressada, a imaginar o que a esperaria; que doentes lhe seriam atribuídos;
quem seriam os colegas; e se aquela médica «horrorosa» estaria de urgência... A
saída era a ‘libertação’, ainda que o fizesse de ‘rastos’.

Aquela tarde não era exceção à regra. Um quarto para as duas e já estava equi-
pada. Esperava a passagem de turno com um ‘nó’ na barriga. Os outros, de uma
forma bem vincada, faziam notar a sua falta de estatuto. Raramente lhe dirigiam
o olhar e mostravam desinteresse pelas suas opiniões.
40  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Focalizou a sua atenção nos dados que lhe iam sendo transmitidos sobre o doente
da cama n.º 7. Hoje iria ficar só com um, mas convinha não embandeirar em
arco, porque em princípio as dificuldades eram inversamente proporcionais ao
número.

– Bom, o Sr. Gouveia deu entrada ontem por volta das 19h – e muito sinceramente
não sei o que veio cá fazer... é um doente terminal –, sem tensões, cianosado, pra-
ticamente em paragem cardiorrespiratória, em anúria, enfim, estão a ver, não é!
Entretanto foi entubado nasotraquealmente, algaliado – com uma sonda n.º 14 – e
estabilizado hemodinamicamente com aminas (que ainda mantém). Está a fazer
Alimentação Entérica pela jejunostomia e os médicos estão a pensar iniciar hemo-
filtração. Ele neste momento está consciente, ‘não colaborante’, direi mesmo agitado.
É preciso ter atenção que ele procura arrancar tudo e sair da cama. Está sempre a
tentar falar, mas não se percebe nada. Tem períodos de desadaptação ao ventilador
– módulo de Pressão Assistida de 20 – e mantém sedação com Propofol a 20 ml/h,
que tem sido ajustado. Aliás, neste momento está a menos, porque como ele estava
com 38,8º C de temperatura axilar teve que fazer o Paracetamol, mas eu diminuí os
limites do alarme das tensões.

– Tem secreções espessas e purulentas; faz extrassístoles esporádicas e está com baixo
débito urinário desde as 10h da manhã e urina ligeiramente hemática.

Carla já quase havia gasto a folha de notas de enfermagem que lhe servia de ras-
cunho, mas faltava uma peça e arriscou a pergunta.

– Qual é o diagnóstico médico do Sr. Gouveia?

– Eu ainda não acabei, já lá vou! Ele tem 30 anos e um carcinoma do esófago. Já


fez cirurgia e quimioterapia, mas parece que tem metástases por tudo o que é sítio...

– Diz-me uma coisa, Sónia – interrogou a Enf.ª Célia, quanto é que ele pesa?

– Considerou-se 50Kg para o balanço, mas até parece menos, para dizer a verdade.
Ah, já me esquecia de uma coisa, a mulher é uma chata dos diabos, está sempre a
fazer perguntas. Espero que a chefe não a autorize a passar cá a noite, se não esta-
mos bem arranjados...

– Quem é o médico de serviço? – Perguntou o Enf.º Pedro.

– É a nossa ‘amiga’ Dr.ª Lurdes. Estais feitos! Tentem mas é não estragar o que eu
fiz...

Carla tremia toda enquanto se dirigia para a cama 7. É hoje que o mundo vai
desabar, pensava.
41  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Ao chegar perto do Sr. Gouveia, tentou integrar rapidamente o que os seus sen-
tidos lhe transmitiam, procurando analisar a situação de uma forma racional e
sistemática. Olhando para o doente, reparou que ele estava inclinado na sua dire-
ção, ainda que imobilizado nos antebraços. Uma das mãos, apesar de edemaciada
e da dificuldade, tracionava a sonda vesical; suado, deixava escorrer uma lágrima
pelo rosto. A falta de contração muscular deixava Carla na dúvida. Seria da me-
dicação...

O monitor denunciou uma acentuada taquicardia. A sua presença parece ter es-
timulado o doente, que aparentava querer dizer qualquer coisa. Tentou ler-lhe os
lábios.

– MA-TE-ME! MA-TE-ME! – Fez que não percebeu, desviou o olhar e centrou-o


na esposa que se aproximou, entretanto.

– Sr.ª Enf.ª! Estou tão cansada que já não consigo raciocinar direito. Tenho estado a
tentar pensar no que será melhor para o meu marido e, ainda que isso me custe mui-
to, eu sei que ele não queria passar por isto. Nós só viemos cá por ele não conseguir
respirar direito. Ajude-nos, por favor! – O seu rosto triste não conseguia esconder
a convicção que as palavras e as mãos que apertavam forte as suas comunicavam.

– Enf.ª Carla! Prepare-me a máquina da hemofiltração, ou peça a alguém que o


faça. – A voz da Dr.ª Lurdes soou inquisidoramente, mas Carla sentiu-se hesi-
tante...

– Então Carla, não ouviste o que a doutora disse? É melhor dizer à esposa do Sr.
para esperar lá fora. – A voz da sua colega ‘empurrou-a’ ainda mais contra a pa-
rede.

25. ‘Enf.º Ferreira é o doente’

Enf.º Ferreira é o doente que está internado no Serviço de Cirurgia Cárdio-Torá-


cica de um hospital de Lisboa. Fez dois Bypass por indicação do Dr. Rui, médico
que o conhece desde há vários anos, já que trabalharam juntos. Os exames que
efetuou, com isótopos radioativos, cateterismo cardíaco, prova de esforço, ECG e
Ecocardiograma, entre outros, demonstraram algum tipo de insuficiência cardí-
aca, e um risco elevado de enfarte do miocárdio. Ferreira tem 48 anos de idade,
1,69 de altura, 115 kg de peso, é hipertenso e fumava 2 maços de cigarros por dia.
Aliás, se a Enf.ª Rute – mulher de Ferreira – não tivesse garantido ao Cirurgião
que o marido tinha deixado de fumar dois meses antes da operação, ele não o
tinha intervencionado.
42  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Provavelmente amanhã irá ter alta, já que neste momento não necessita de cuida-
dos que justifiquem a sua permanência na unidade de cuidados. Os valores analí-
ticos estão bem, pelo que agora é uma questão de tempo... e de juízo. – Disse o Dr.
Jorge (assistente do Dr. Rui, à mulher do Enf.º Ferreira). – Vai medicado para casa
com Varfarina, AAS, anti hipertensores e um calmante para o ajudar a dormir.

– Eu acho-o tão diferente, doutor. Está agressivo, comigo e não quer receber visitas...
Passa o dia a olhar pela janela...

– Isso passa-lhe. Se fosse comigo eu ia reagir pior. Temos de lhe dar tempo para se
acostumar à nova situação. Quanto às visitas, até é bom, porque no princípio pare-
cia uma romaria; só o cansavam.

Na sala de enfermagem, o Enf.º Manuel e a Enf.ª Teresa conversam sobre o colega


que está internado.

– Já viste Manel, não valemos mesmo nada. O Ferreira, tão novo e já com todos
aqueles problemas. Eu bem te digo para não fumares, mas és teimoso.

– Sabes bem que eu não tenho nem um terço dos problemas dele. Só fumo, e nem
chegam a 10 cigarros. Mas ele não está nada bem. Noutro dia, depois de sair da casa
de banho, ficou lá um cheiro intenso a tabaco.

-Então continua a fumar. E tu não lhe disseste nada?

– O quê? Ele é livre para tomar as suas opções, se quiser morrer é com ele. Aliás, eu
falei com um colega nosso que o veio visitar, que me disse que ele estava com ideias
de suicídio.

26. ‘O Sr. João era já um doente habitual’

O Sr. João era já um doente habitual daquele serviço de Medicina. Mal o frio
apertava, lá recorria ele à urgência para mais um período de recuperação da agu-
dização da sua DPOC. Fumador inveterado desde muito cedo – vício que deixou
vai para quatro anos -, conhecia a sua doença como ninguém.

Era uma pessoa habitualmente bem-disposta e adaptada à sua situação. O seu


aspeto magro, cianosado e em permanente esforço respiratório, ‘encaixava-se’
perfeitamente na categoria das doenças pulmonares obstrutivas.

A Enf.ª Daniela aproximou-se da cama 8.

– Bom-dia Sr. João! Soube que passou mal a noite. – A resposta fez-se com um ace-
43  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

no de cabeça. Ligado a um aparelho de ventilação não invasiva -BIPAP-, o doente


aparentava estar extenuado. Os seus olhos pareciam pedir auxílio. Ali, completa-
mente desprotegido, braços ao longo do corpo transpirado, estava dependente da
enfermeira.

– Já está a fazer Aminofilina e vou-lhe administrar 25 mg de Prednisolona. Vai


ver que com isso e com a nebulização de Budesonido que lhe vou colocar, que vai
melhorar. – Ao mesmo tempo que falava, reparou que o oxímetro de pulso – que
estava no indicador direito – não dava valores corretos e estava constantemente a
apitar. Decidiu desligar os alarmes, comentando: – Este já deu o que tinha a dar...

Tendo em conta a situação, a Enf.ª resolveu adiar os cuidados de higiene da ma-


nhã para um momento mais oportuno, sem deixar, contudo, de dar um ‘jeito’ no
dispositivo urinário externo que se tinha exteriorizado e estava a perder urina
para a fralda. – Mais tarde temos que ver aqui a pele, que está muito vermelha.

– Agora vou levantar-lhe a cabeceira da cama e pôr-lhe a nebulização. – Com um


movimento rápido, a Enf.ª Daniela posicionou-o em Fowler elevado ao mesmo
tempo que lhe colocava a nebulização com um FiO2 de 50%. Com esta falta de ar,
é melhor não facilitar, pensou.

Tinham passado cerca de 30 minutos, quando a Enf.ª Daniela – que entretanto


estava a ajudar uma colega na sala ao lado – ouviu um pedido de ajuda vindo do
corredor. Só quando saiu da enfermaria e olhou em frente, é que reparou que se
tratava do Sr. João. Estava aparentemente em paragem respiratória.

– O que se passou? – Perguntou.

– Não sei. Quando ia a passar reparei que ele tinha tirado a máscara, e quando me
aproximei ele já não respondia às minhas perguntas.

27. ‘Rui estava há cinco anos’

Rui estava há cinco anos no serviço de Medicina daquele hospital, ainda que ti-
vesse mais anos de experiência como enfermeiro. Naquela manhã, aparentemente
igual a tantas outras, tinha ficado responsável pelos doentes da enfermaria J. Ain-
da que sobrelotada, aliás como toda a unidade, só tinhas dois doentes acamados.
O Sr. Vitorino, já um ‘velho’ conhecido de todos, com antecedentes de AVC is-
quémico e internado por uma Insuficiência Cardíaca, e o Sr. Augusto de 63 anos,
com uma história de vários E.A.M., Insuficiência Cardíaca e que foi internado por
AVC hemorrágico há cerca de 5 dias. Apresentava hemiplegia à direita e desvio
da comissura labial.
44  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Quando a situação o exigia – como era o caso – e os colegas o justificavam, im-


portava ‘controlar’ tudo, o mais rápido possível, para ir ajudar os outros enfermei-
ros. Depois da medicação preparada, chamou a A.A.M. Ana para o ajudar nos
pequenos-almoços e nas higienes daqueles doentes mais dependentes, já que os
outros cuidavam de si próprios.

– Enf.º Rui! O Enf.º Nuno está a chamá-lo à sala de trabalho – alertou-o a assistente
operacional Rosa.

– Ana, não se esqueça dos comprimidos que estão na mesinha de cabeceira dos
doentes, que eu venho já.

– É melhor tomarem no fim, não é, Sr. Enf.º?

– Pode ser, têm é de os tomar.

Ao mesmo tempo que segurava na chávena do leite do Sr. Augusto, doente da


cama 42, Ana pegou nos comprimidos que estavam dentro do copo, no invólucro
e foi lendo. Cisaprida, Digoxina, A.A.S.. A sua distração foi interrompida pela tos-
se do doente, que se tinha engasgado, na tentativa de ingerir o leite pela palhinha.

– Então Sr. Augusto, assim cospe-me toda. Tome lá os comprimidos e seja mais
rápido, que eu não tenho a manhã toda.

Entretanto, o Enf.º Rui regressou à enfermaria e de imediato começou os prepara-


tivos para o banho do Sr. Augusto.

– Que tal ele se portou, Ana?

– Deitou tudo por fora, eu acho que é preferível dar-lhe por uma sonda.

– Eu já sabia, eles têm a mania, mas como não estão aqui... Vamos lá à ‘banhoca’,
Sr. Augusto!

– O doente esboçou um sorriso e tentou falar, sem sucesso.

– Tenha calma, Sr. Augusto. – Em pouco tempo, Enf.º e assistente operacional


tinham acabado o banho. Rui posicionou o doente em decúbito lateral esquerdo,
porque ele apresentava uma zona de pressão sacrococcígea, e deu-lhe um último
alerta:

– Veja se não escorrega, que eu não tenho almofadas para lhe colocar. – O doente
nem sequer abriu os olhos.

– Cansou-se Sr. Enf.º, agora vai dormir a manhã toda...

Cerca das duas horas da tarde, o Enf.º Rui entrou na enfermaria para falar com a
45  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

esposa daquele doente, a pedido desta.

– Sr. Enf.º, o meu marido está pior, não está? Eu já tentei falar com ele, mas ele não
reage.

– Isso é normal, ele ficou cansado depois da higiene.

– Ai, eu não acho nada normal, ele ontem estava muito mais acordado...

– Um destes dias vai ter alta.

– Alta como, Sr. Enf.º? Como é que ele vai assim para casa, eu não sei tratar dele...
Ele agora nunca mais vai ser o mesmo. Eu tenho um vizinho que já teve uma trom-
bose há cinco anos e está pior do que quando saiu do hospital.

– Depois nós vamos dizer-lhe o que deve fazer, e os médicos vão pedir fisioterapia.

28. ‘É dia 20 de Dezembro’

É dia 20 de Dezembro, e a correria no serviço é enorme. Doentes a entrarem e a


saírem, como se fosse uma consulta.

José Carlos tem 65 anos e é reformado da construção civil. É um doente habitual


daquele serviço. Volta e meia, lá torna ele a dar entrada, ora por uma coisa, ora
por outra. Há até quem diga que ele prefere estar no hospital do que em casa,
principalmente agora no Inverno. É viúvo e pai de três filhos, que parecem ligar-
-lhe pouco. Comenta-se, que por causa do vinho lhes batia muito quando eram
pequenos, e que agora não querem saber dele. A casa onde vive não deve ter
muitas condições, porque ele aparece sempre em mau estado, mas também deve
ser do desinteresse que aparenta, em se cuidar. A comida é-lhe fornecida por uma
vizinha, sobretudo por solidariedade, já que o que ele lhe dá não chega para a
despesa, mas é o que pode. Se não fosse assim, não faria refeições quentes.

Desta vez foi internado para fazer uma biopsia hepática amanhã, mas irá ficar
certamente mais tempo, já que traz a ferida do maléolo externo da perna direita,
aparentemente infetada, e quando estava a vestir o pijama do hospital, teve um
acesso de tosse com expetoração hemoptoica.

O seu aspeto geral não é muito diferente do que costuma apresentar, ou seja:
emagrecido, com as extremidades do membro inferior direito pálidas e frias, e as
dos membros superiores ligeiramente cianosadas, o que nele é habitual, já que é
bronquítico.
46  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Quando a Enf.ª Ana se aproximou, José Carlos exclamou com a sua voz rouca: –
olá Sr. Enf.º! Venho chatear-vos mais um pouco.

– Não diga isso, nós gostámos muito do senhor, mas preferíamos que nos viesse
visitar por bons motivos...

– Pois é... – O doente não conseguiu acabar a frase, já que as lágrimas não lho
permitiram.

– Então, não fique assim. Eu já vou arranjar tempo para falar consigo, para me con-
tar como anda essa vida, mas agora quero que expetore para este recipiente, e vou
ver como está o açúcar no seu sangue, mas se for como o costume...

Passados uns dias, os resultados dos exames efetuados confirmaram a suspeita


inicial, foi diagnosticado ao Sr. José Carlos Tuberculose Pulmonar.

29. ‘Pacheco tem 55 anos de idade’

Pacheco tem 55 anos de idade, agricultar de profissão, está casado com a Júlia, que
é doméstica. Têm uma filha solteira, maior de idade, empregada comercial, que
vive com os pais em Trás-os-Montes. João refere que leva uma vida pacata, sem
comportamentos de risco e ocupando os tempos livres a ver televisão, sobretudo
à noite, e a conversar com os amigos. Come o que a terra lhe dá e os animais que
cria, exceto os que têm penas, que não aprecia. Esses ficam para as mulheres e
para as alheiras.

Sem nada que o supusesse, emagreceu oito quilos nos últimos 2 meses, o que se
nota bastante numa pessoa já de si de estatura magra. Até aí nunca tinha ido ao
médico. Tem de antecedentes familiares a doença coronária do pai e a hipertensão
arterial da mãe, ambos já falecidos.

Em meados do final do ano passado, foi trazido ao serviço de urgência de um


hospital central, pela filha, por apresentar epistáxis de assinalável quantidade.
As análises efetuadas comprovaram a urgente necessidade de ser submetido a
transfusão, pelo que fez concentrado de eritrócitos e plaquetas. Entretanto, foi
realizado tamponamento nasal com Spongostan®. O diagnóstico médico surgiu
sem margem para dúvidas: Leucemia Mielóide Aguda.

Dias após inicia tratamento quimioterápico por via oral com Idamicina e Dexa-
metasona.

Desde o primeiro episódio de hemorragia, sucederam-se inúmeros outros, nos


47  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

dias subsequentes, que o fizeram regressar à unidade hospitalar para controlo do


quadro, acabando finalmente por ser internado, com neutropenia, gengivorragias
e epistáxis.

O Enf.º João, que o recebeu, confidencia ao colega de turno.

– Este doente vem num estado depauperado. Está asteniado e tem dispneia em re-
pouso. Não sei se chegam as medidas médicas e de enfermagem que tomamos. Ele
não está muito calmo, mas falou bem comigo. Parece ter razões para estar como está.
Também pedi à filha para ficar um pouco com ele, até a situação ficar um pouco
mais estabilizada.

– Como é que ele está a encarar a situação?

– Se queres que te diga, dá-me ideia que não está muito por dentro, ou talvez as suas
respostas queiram dizer outra coisa. Esqueci-me de te dizer que tem febre elevada. Já
colhi hemoculturas e bacteriológica de urina. Vai iniciar antibiótico às 18h.

– Já pedi para a Farmácia o suplemento proteico que ele tem prescrito.

30. ‘Romeu de 85 anos’

Romeu de 85 anos, viúvo e residente em Terras do Bouro, deu entrada no hospital


no dia 5 de Janeiro às 17:00h, transferido do Centro de Saúde da sua área de re-
sidência, em virtude de ter sofrido uma queda no domicílio, o que lhe provocou
perda de consciência, que recuperou passado pouco tempo, e diminuição da força
do membro inferior à direita.

Apesar de ter chegado consciente e orientado no tempo e no espaço, os Enf.ºs


repararam, ao fim de algum tempo, que passou a apresentar afasia e sonolência,
tendo-se de imediato decidido realizar uma TAC cerebral, que confirmou as sus-
peitas de agravamento do seu estado clínico. Tinha um TCE, mais propriamente
uma contusão frontotemporal esquerda com edema, o que provocava um desvio
razoável da linha média, associado a hematoma subdural agudo frontal esquerdo.

Na consulta ao processo, verificou-se que, para além de valores tensionais eleva-


dos, não estavam documentados quaisquer antecedentes, médicos e ou cirúrgi-
cos, pessoais ou familiares, dignos de registos.

Pouco tempo após a realização do exame, desencadeou-se uma crise convulsiva


generalizada, para o que fez Fenitoína.
48  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Após análise ao estado do Sr. Romeu, aos riscos versus possibilidades de recupe-
ração, sem esquecer a sua idade, a equipa médica decidiu-se pela sua transferên-
cia para o serviço de neurologia, para efetuar tratamento conservador.

A prescrição que o acompanhava, incluía atitudes médicas, como a oxigenotera-


pia a 31%, pesquisa de glicemia capilar de 6/6 horas e monitorização do estado de
consciência em S.O.S., bem como soroterapia (S.F. 1000cc e Ionosteril G 1000cc
nas 24h), e os seguintes fármacos:

 Captopril 25mg SL, se TA (S) ≥ 180mmHg e/ou TA (d) ≥ 100mmHg;

 Paracetamol 1gr EV, em S.O.S;

 Fenitoína 100mg per os, de 8/8h;

 Dexametasona 5mg EV, de 12/12h.

Ao chegar, o doente vinha com alguma agitação motora, pelo que se decidiu ele-
var as grades de proteção da cama e, por via das dúvidas e também pela causa de
tudo o que lhe tinha provocado.

31. ‘São 10:00 horas da manhã’

São 10:00 horas da manhã e na sala de estar da enfermaria estava a Sra. Helena,
acompanhada pelo seu marido e pelo seu único filho. Fez 300km para ali estar às
9 horas, em ponto. Ainda estava em jejum, pois podia ser necessário para fazer
algum exame, pensou ela.

A Sra. Helena foi operada, há cerca de 6 meses atrás, por Adenocarcinoma do


reto. Após cirurgia – Hemicolectomia –, fez terapia adjuvante, mais especifica-
mente quimioterapia, e agora foram-lhe diagnosticadas metástases hepáticas. Na
TAC de controlo realizada, verificou-se uma resposta parcial, pelo que lhe foi
sugerido o tratamento cirúrgico – hepatectomia -. A TAC torácica, abdominal e
pélvica pôs em evidência, duas formações nodulares hipodensas no lobo direito,
situadas nos Segmento VI / VII, medindo a maior cerca de 2,2cm, compatíveis
com localizações secundárias. Nos seus antecedentes a doente referia apenas uma
Amigdalectomia, litíase renal e hipercolesterolemia. O exame físico era normal.

O secretário clínico dirigiu-se à sala de estar para recolher alguns dados necessá-
rios para a realização do internamento, e no final disse-lhe:

– Aguarde, que logo que possível a Sra. Enf.ª vem ter consigo, para lhe falar. – Às
10.40, a Enf.ª Natália, Enf.ª responsável pela Sra. Helena, chegou perto dela com
49  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

um ar apressado e iniciou o acolhimento.

– Bom dia! Peço desculpa pela demora, mas o serviço está complicado. – Com um
ar um pouco espantado, continuou. – … Estou a reconhecer a sua cara. É nossa
doente, não é?

– Sou sim, Sra. Enf.ª, e lembro-me bem de si. Se não estou em erro chama-se Natália.

– É verdade. – Respondeu. – Gostaria de lhe dizer que vai ficar no quarto 7, cama
15. Se me quiser acompanhar.

– Com certeza – respondeu a Sra. Helena.

– Para além desta pequena apresentação, vou realizar-lhe uma colheita de sangue e
vai ainda fazer um ECG e um RX do tórax, mas isto no período da tarde.

E de repente, a Enf.ª Natália é interpelada discretamente pelo marido e pelo filho


que lhe dizem:

– Sra. Enf.ª, provavelmente não se lembra, mas ela nunca soube o verdadeiro mo-
tivo da primeira cirurgia. Pensa que a quimioterapia foi só a título preventivo e
ainda não sabe o motivo do internamento. Por favor não lhe digam o verdadeiro
diagnóstico.

32. ‘A um canto da sala’

A um canto da sala, estava a Sra. Marta, sozinha, com uma expressão tão triste
que até dava arrepios. Tinha uns olhos lindos, enormes, mas que teimavam estar
aguados…

A Sra. Marta nunca esteve internada por motivo de doença. A única experiência
hospitalar foi de felicidade, por maternidade, para o parto dos seus dois gémeos
monozigóticos, que têm agora 7 anos.

A Enf.ª Alexandra recebeu a Sra. Marta e procedeu à sua integração na enferma-


ria. Explicou-lhe a organização e deu-lhe a conhecer a estrutura física, bem como
as rotinas e o funcionamento daquela cirurgia. No final, deu-lhe o manual de
acolhimento do hospital e o número de telefone do serviço. Também lhe explicou
como o seu dia seria passado. Iria realizar uma colheita de sangue, além de fazer
um ECG e um RX do tórax, pois eram exames necessários para a sua intervenção
cirúrgica. Para além disso, informou-a que poderia comer até às 24 hora desse dia
e que a operação seria na manhã do dia seguinte, às 8 horas. Podia estar tranqui-
la e dormir descansada, porque a Enf.ª que estivesse a fazer noite iria acordá-la
50  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

quando necessário, sendo orientada no sentido de realizar todos os procedimen-


tos inerentes ao pré-operatório.

– Penso que fiquei esclarecida no que se refere aos seus dados. Não tem nenhuma
doença como diabetes ou hipertensão? – Perguntou novamente a Enf.ª Alexandra.

– Não, pelo menos que eu saiba.

– E história de alergia a algum medicamento?

– Sim, à penicilina!

– Muito bem.

– Olhe, até às 16 horas serei a enfermeira responsável por si. Se precisar de alguma
coisa venha ter comigo. E já agora, quer fazer-me alguma pergunta?

– Quero sim. – Respondeu a Sra. Marta com os olhos humedecidos e a voz tré-
mula. – Preciso muito falar com a médica que me vai operar. – E de imediato as
lágrimas correram-lhe pelo rosto. – Para além de a querer conhecer, preciso saber
se me vão tirar só o nódulo ou a mama toda. Isso é muito importante para mim…

A verdade é que foi submetida a mastectomia total mas, apesar dos esforços de
muitos, só conheceu a Dr.ª Marta, que por ironia tinham o mesmo nome e prati-
camente a mesma idade, minutos antes da Cirurgia.

33. ‘São 3 horas da manhã’

São 3 horas da manhã e a campainha toca a meio do serviço, espavorindo as pou-


cas doentes que já dormem. A Enf.ª Madalena e a Enf.ª Márcia estão de serviço e
encontravam-se nesse preciso momento o rotularem os tubos de sangue para as
6 horas da manhã.

– Boa noite, Dª. Cremilde, precisa de alguma coisa?

– Estou toda suja, Sra. enfermeira. Isto é horrível. Não sei como viver assim. Não
sou capaz…

– Tenha calma, são situações que acontecem, especialmente agora nesta fase inicial.
O seu intestino ainda não criou hábitos, e a Sra. ainda está num processo de apren-
dizagem e de adaptação. Mas não se preocupe, vamos cuidar de si e colocar um novo
dispositivo na ostomia.

– Então, quem era? – Perguntou a Márcia, quando a colega chegou à sala de en-
51  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

fermagem.

– Era a Dª Cremilde... Ando a estranhar uma coisa…

– Que queres dizer com isso? – Perguntou a Madalena.

– Ontem estive de tarde, e por volta das 21 horas o saco da Sra. Cremilde descolou-
-se, mas eu observei-o previamente, umas duas vezes, e estava tudo ok. Ela estava
deitada, sem grandes movimentos e ele não tinha muito conteúdo…

– No que é que estás a pensar?

– Também já me tinha acontecido o mesmo na manhã de quarta-feira. Estou a


magicar, até posso estar errada, mas parece-me que ela arranca o dispositivo. Como
forma de manifestar a sua raiva, negação ou para chamar de atenção, sei lá!

– É possível… A situação não é fácil. Passa as noites sem dormir, sempre a pensar
no mesmo… A família não lhe liga nenhuma, e agora aos 65 anos ter de aprender a
cuidar de uma ostomia, sem apoio, vai ser complicado!

– Pois, especialmente porque ela não ajuda, está muito renitente, deprimida, assim
não vai lá!

– Bom, de manhã o melhor é falar com a chefe e com as colegas para ver se encon-
trámos uma solução para o problema.

– Tem que ser, até porque a alta médica dela deve estar para breve.

– Estou a lembrar-me que a Sra. Cremilde gosta muito de uma neta, que por acaso
até a visita com alguma frequência. Talvez seja uma boa solução. Se a neta falasse
com ela e aprendesse a cuidar da ostomia da avó, poderia nesta fase dar-lhe uma
ajuda preciosa, permitindo que toda esta situação fosse ultrapassada mais facil-
mente.

– Pois é! Também podíamos falar com a D.ª Carla, a doente da cama 4. Se ela não
se importasse, falava acerca da sua experiência como colostomizada de longa data.
Podia ser uma boa referência para promovermos uma melhor aceitação.

34. ‘– Bom dia, Sra. Alzira!’

– Bom dia, Sra. Alzira! Como se sente? Passou bem a noite?

– Nem por isso Sra. Enf.ª! É muito barulho. É um entra e sai, e também estou muito
triste com tudo isto… Já viu a minha vida? Já entraram e saíram tantas doentes
52  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

desde que aqui estou, e eu não ato nem desato! Acha que vou começar a comer hoje?

– Eu compreendo a sua apreensão, e sabe que estamos aqui para ajudar no que for
possível. Uma boa notícia é que hoje não fez febre.

– Pois é Sra. Enf.ª – disse a Sra. Alzira.

– Em relação à dieta, dificilmente iniciará hoje, só depois de se reiniciar o trânsito


gástrico e da fistulo grafia, que será realizada na quinta-feira... Não sei se alguém já
lhe tinha dito? Sabe que no seu caso não seria prudente iniciar a dieta sem termos a
confirmação de que o podemos fazer.

– Só depois de amanhã, Sra. enfermeira! Sabe, queria tanto ir para casa. Estou pre-
ocupada com o meu marido e com o meu filho… Os dois sozinhos lá em casa, sabe
como é. Ainda por cima, o meu filho faz anos na sexta-feira. Estou tão arrependida
por ter sido operada, nunca pensei vir a sofrer tanto. Tenho tanta sede, que só me
apetece engolir um litro de água seguido… Não aguento mais!

– Sra. Alzira! Sabe bem que essa seria a pior atitude que poderia ter contra si pró-
pria. Vamos fazer o seguinte, vai para a casa de banho e lava bem a boca. En-
tretanto, trago-lhe água bem fresquinha para fazer gargarejos, para essa sensação
incomoda abrandar. Pode ser?

A Sra. Alzira é uma doente com um IMC de 62,54, para um peso de 187kg e uma
altura de 1,73m. Aumentou de peso à cerca de dez anos, altura em que teve o
primeiro filho, após três abortos consecutivos. Devido ao facto de a criança ter
nascido com uma deficiência, a doente passou a fazer medicação antidepressiva,
aumentando progressivamente de peso. Em 2003, fez histerectomia total e ane-
xectomia, por metrorragias, apresentando como complicações anemia e trom-
bocitopenia. Iniciou então corticoterapia com Prednisolona, o que favoreceu
um novo aumento acentuado de peso. Passou a ser seguida por Endocrinologia,
tendo feito dieta, sem resultados muito apreciáveis. Sofre de hipertensão arterial
desde os trinta e cinco anos e de uma depressão reativa. É também diabética e
fazia no domicílio Omeprazol, Diazepam, Metformina, Cloridrato de Fluoxetina,
Lisinopril e Nimesulida.

No momento do internamento, apresentava edemas nos membros inferiores e


varizes. O restante exame físico é normal.

Está internada há 36 dias por Obesidade Mórbida, tendo sido submetida a trata-
mento cirúrgico, mais especificamente a um Bypass gástrico por Laparoscopia.
Tem uma fístula na Anastomose gastrojejunal, com consequente deiscência da
sutura a esse nível, como complicação cirúrgica. Faz tratamento da ferida dia-
riamente. Tem um dreno de Shirley (colocado após 10 dias da cirurgia). Está em
53  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

pausa alimentar e faz nutrição parentérica em y com soro glicosado por Cateter
Venoso Central. Apesar de algumas dificuldades, é autónoma na realização das
atividades de vida diárias.

35. ‘Ao fim de uma vida de trabalho’

Ao fim de uma vida de trabalho, Rafael ansiava por gozar a sua merecida reforma.
Nunca até então tinha sofrido de qualquer problema de saúde, significativo, com
a exceção da peritonite a que tinha sido tratado ia para uns trinta anos. Certa noi-
te começou a queixar-se de dores abdominais muito fortes, tendo de se encolher
para as conseguir aguentar. Levado ao hospital da sua área, pela família, foi-lhe
diagnosticado uma apendicite aguda. Quem o observou entendeu que o trata-
mento conservador era o mais indicado, no momento, pelo que lhe foram dadas
indicações quanto ao que fazer, tendo tido alta.

Ao fim de algumas horas em casa, e como as queixas álgicas não aliviavam, antes
pelo contrário, retornou ao hospital. Nessa altura ficou internado no serviço de
OBS. No final da madrugada teve de ir de urgência ao BO, por rotura do apêndi-
ce. E começou aí a sua primeira experiência de doença. Esteve internado várias
semanas, já que a infeção do peritoneu custou a ser debelada, sendo necessário
fazer uma cicatrização por segunda intenção da parede abdominal.

Tirando aquele azar, tudo parecia decorrer com tranquilidade. Os seus pais ti-
nham falecido com idades perto dos noventa, pelo que desse ponto de vista estava
salvaguardado, dizia muitas vezes.

Passavam poucos dias do início do novo ano, quando aparentemente se consti-


pou, começando a fazer febre. Tinha Paracetamol no domicílio, pelo que come-
çou a automedicar, esperando melhorar ao fim de dois ou três dias. Todavia, ao
fim de quarenta e oito horas o seu estado começou a deteriorar-se. Passou a dizer
coisas sem nexo, a responder de forma inadequada às perguntas da esposa e esta
não perdeu tempo. Pensou que podia estar a delirar pela febre alta, mas, fosse
como fosse, seria melhor ser visto por quem sabe.

Na urgência, a médica de serviço que o observou não gostou muito da sua apa-
rência. Pensou numa Pneumonia, ainda que a auscultação não o indicasse, pelo
que pediu um RX de tórax. Já com o exame em seu poder, a clínica hesitou e pediu
ajuda a um colega. Tinham ambos dúvidas, se haveria ou não algo a nível pulmo-
nar, mas concordaram que o melhor seria internarem-no para fazer medicação e
ser vigiado.

Nesse mesmo dia, já próximo da meia-noite, o médico que tinha recebido o doen-
te estranhou as queixas de cefaleias fortes do doente, notando alguma rigidez nos
54  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

movimentos da sua cabeça. Fez uma Punção Lombar, que deu resultado positivo.
O Sr. Rafael estava com uma meningite, que mais tarde veio a confirmar-se tratar-
-se da sua variante vírica.

– O que me havia de acontecer agora! Como terei apanhado isto? – Dizia o Sr. Ra-
fael aos familiares que o visitavam.

36. Estava em casa há dois dias’

Estava em casa há dois dias, depois de ter estado um período no hospital, a recu-
perar forças, quando numa ida ao WC para urinar, o Sr. Américo sentiu umas do-
res fortes, reparando que algo de estranho aparecia misturado com a urina. – Pode
ser que não seja nada, pensou. – Confidenciou o que se tinha passado à mulher,
mas desvalorizou. A sua vontade de que não fosse nada era claramente superior,
ao seu interesse em ter um diagnóstico precoce. Estava farto de hospitais. Podia
até ser dos medicamentos que estava a fazer, ou até relacionado com a próstata, já
que tinha hipertrofia benigna, ou qualquer outra coisa passageira.

A sua mulher não gostou muito das justificações apresentadas, mas não se alar-
mou demasiado. Iam esperar pelas próximas vezes e logo se veria.

Américo estava com receio de ir urinar, mas não pôde esperar mais, teve de se
decidir. Aí o resultado foi pior do que o anterior. Enquanto da primeira vez eram
uns ‘farfalhos’, agora era sangue vivo.

– Estou lixado, o que será agora?

– Deixa que eu vou ligar ao teu filho para ver o que ele acha.

Ao fim de umas duas horas dava entrada no hospital tão seu bem conhecido. Feita
a consulta e os exames, o médico não tinha indicação de infeção, e a hematúria
era agora microscópica e em pouca quantidade. Estava inclinado a dar alta ao
doente, medicando-o preventivamente com antibioterapia, mas a insistência do
filho e o facto de o Sr. Américo ter estado recentemente naquela unidade, ainda
que por um motivo completamente diferente, fizeram-no vacilar. Era provavel-
mente uma infeção nosocomial, mas podia também ser outra coisa.

– Eu vou deixá-lo esta noite cá, para ver se amanhã fazemos uma Ecografia e logo
se vê.

Na manhã seguinte, o diagnóstico apontou noutra direção, ou melhor em mais


do que uma.
55  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Sr. Américo! Vai ter que ficar aqui connosco mais alguns dias. A Eco mostrou uma
massa a nível da bexiga, que é necessário saber do que se trata. E apareceu também
uma imagem de uma alteração na cabeça do pâncreas, que os cirurgiões irão escla-
recer. Diga-me uma coisa, em que é que o Sr. trabalhava?

– Em petróleos.

Já na Urologia, foi-lhe colocada uma sonda vesical de três vias com sifonagem,
tendo feito uma Cistoscopia com raquianestesia. O produto enviado para análise
confirmou uma Neoplasia in situ, de grau 1, tendo o médico decidido omitir esse
dado ao doente.

37. ‘O Sr. Laureano começou a queixar-se’

O Sr. Laureano começou a queixar-se de dores abdominais incomodativas. Pas-


sou a ter a ter obstipação e referia também dores nas ‘cruzes’, mas a sua vida se-
dentária e a quase inexistente ingestão de água, podiam justificar alguma coisa.
O seu médico de família pediu-lhe uma Ecografia abdominal, que detetou um
aneurisma da aorta abdominal. O diagnóstico soou estranho ao Sr. Laureano.

– Não percebo. Disseram-me que podia ser provocado pela hipertensão, mas eu sem-
pre tive tensões normais. Como é que isto foi agora aparecer?

– Provavelmente já o tem há algum tempo. Os aneurismas normalmente detetam-se


ou por exames de rotina, ou quando rebentam, o que é bem mais complicado. Vai
fazer uma TAC para melhor localização e para sabermos o tamanho, etc.

Depois de uma explicação breve mas adequada sobre a situação clínica do doente,
o Dr. Valdemar (Cirurgia Vascular) explicou a situação ao doente.

– Os aneurismas nem sempre têm indicação cirúrgica, por vezes as pessoas ficam a
ser acompanhadas, mas no seu caso não nos parece a melhor opção. E o ideal seria
colocar uma endoprótese, já que o Sr. tem um abdómen hostil, além de que a sua
condição física não é a melhor para uma intervenção daquelas. A sua lesão é muito
próxima das ilíacas, mas pensámos que dará.

Já em casa, enquanto aguardava chamada do hospital, o Sr. Laureano começa com


queixas fortíssimas de dores na perna direita. Inicialmente tenta a medicação que
lá tinha, mas sem resultados.

– Eu não aguento estas dores, tenho de ir à urgência. Não consigo estar quieto, não
tenho posição, é terrível, nunca estive assim.
56  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Já internado, a TAC realizada assinala um aumento do aneurisma.

– Bom-dia, Sr. Laureano, passou melhor esta noite?

– Foi a primeira que consegui dormir, desde há dias. Devem ter alterado a medi-
cação, porque a outra não estava a ser muito eficaz. Passei do 10 na escala, para 0.
Hoje mal acordei levantei-me para tomar banho, fiz a barba, no meu vagar, e ainda
deu uns passitos.

– Vejo que está muito mais bem-disposto, já se ri.

– Pudera, sinto-me muito melhor.

No corredor do serviço, a mulher do Sr. Laureano questionou a Enf.ª sobre a situ-


ação do seu marido, vindo a saber que passou a fazer Morfina 10mg de 12/12h e
Metamizol 1 cápsula de 6/6h.

38. ‘Joana nasceu há 36 anos’

Joana nasceu há 36 anos, no Distrito do Porto. Está aposentada com uma incapa-
cidade de 94%. Vive em casa própria com o marido e não tem filhos.

Há seis anos atrás foi submetida a uma cirurgia laparoscópica. Durante o ato ci-
rúrgico, detetaram-se lesões na aorta e veia cava, e a doente fez duas paragens car-
díacas, imediatamente recuperadas. Descobriu-se ainda uma estenose da artéria
ilíaca comum, que não pôde ser corrigida em virtude da instabilidade hemodinâ-
mica da doente. Como resultado, adveio uma lesão do plexo lombo sagrado, mais
marcada no nervo proneal. As complicações obrigaram à sua transferência para
um hospital central, com valores de hemoglobina demasiado baixos.

Dias após, foi de novo intervencionada por ventre agudo em consequência de


bridas. No pós-operatório instalou-se um quadro séptico, com formação de múl-
tiplas locas intra-abdominais, aspiradas percutaneamente com sucesso.

Ultrapassados os eventos negativos inesperados, a doente foi recuperando o seu


estado, no serviço de cirurgia, mantendo drenagem contínua do abdómen através
de um cateter introduzido por Ecografia, e que levou para casa aquando da alta,
passado mês e meio.

No seguimento médico que se seguiu, cessou a drenagem abdominal e foi-lhe


diagnosticado uma fístula no ureter direito, tendo realizado nefrostomia com
controlo ecográfico. Mais tarde foi operada para correção do problema ureteral.
57  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

A Enf.ª Paula continua a desfolhar o Processo Clínico da doente atónita e ao mes-


mo tempo surpreendida. Vira-se para uma colega e diz:

– Além de tudo, o tratamento da lesão vascular provocou-lhe isquemia neurológica


e arterial periférica de um dos membros inferiores, o que lhe provoca claudicação da
coxa, o que é muito incapacitante, e também, durante o tempo frio, lesões cutâneas
no pé.

– Coitada da senhora! Quem olha para ela parece não ter nenhum problema, e no
entanto…

– É verdade, é extremamente divertida e está sempre na brincadeira, apesar de to-


dos os azares que a têm afligido. Eu se fosse ela estava completamente em baixo. Tão
nova e com tantos problemas.

– Eu não percebo muito bem, é a razão para este internamento. Acho que há mais
qualquer coisa do que o que está escrito. Aqueles hematomas todos que ela apresen-
ta, parecem-me esquisitos.

– O diagnóstico médico ainda está interrogado, mas apontam para alterações da


coagulação. O certo é que quando hoje abordei o assunto ela esquivou-se, disse que
se tinha magoado.

39. ‘A passagem de turno’

A passagem de turno apresentava uma nuance particular. Tinha sido internado


um doente marroquino, Abdul de seu nome.

Deu entrada por queixas de cansaço extremo, e as primeiras análises demonstra-


ram alterações sanguíneas compatíveis com doença hematológica grave.

Abdul tem 26 anos e trabalha na construção civil. Veio para o nosso país por
intermédio do irmão mais velho, que já cá reside há seis anos.

– Como é que ele é? – Pergunta o Enf.º Carlos.

– Que queres dizer com isso? Só se levanta para os cuidados de higiene e para rezar,
mas a muito custo. De resto, temo-nos entendido bem, tendo em conta que ele só fala
Francês. Mas é muito colaborante, não dá qualquer problema.

– Eu não sei falar Francês, que vá para lá alguém que saiba.

– Achas que eu sei muito? Vou arranhando e utilizo a linguagem gestual… Não foi
complicado. Além disso, o irmão vem cá várias vezes e serve de tradutor, porque fala
muito bem a nossa língua.
58  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Qual é o diagnóstico dele?

– Ainda não se sabe ao certo, mas parece ser uma coisa grave. Ele tem indicação de
repouso no leito e está a fazer vários tipos de análises e exames. Entretanto também
temos de ter atenção à comida, já que ele não come de tudo.

Os dias foram passando naturalmente, até que numa tarde os enfermeiros re-
ceberam uma chamada telefónica. Do outro lado da linha uma voz estrangeira
perguntava por alguém que não se encontrava internado. Os Enf.ºs confirmaram
que o nome não constava, mas a subsequente resposta ao interlocutor resultou na
confirmação de que, afinal, aquele doente não se chamaria Abdul.

No dia seguinte, confrontado com a descoberta, o irmão disse a verdade. Tinha


dado os seus dados à entrada, porque se encontrava legalizado e tinha direito a
assistência, ao contrário do irmão.

A doença, entretanto diagnosticada, exigia tratamentos prolongados e dispendio-


sos, daí que se tenha transmitido essa informação a Abdul, quer para ele contactar
os serviços diplomáticos do seu país, no sentido de resolverem o problema do
irmão, quer também para os ajudarem nas decisões a tomar. Por outro lado, foi
pedida colaboração aos serviços sociais do hospital.

40. ‘Artur Matos, de 58 anos de idade’

Artur Matos, de 58 anos de idade, deu entrada no serviço de Cardiologia – Unida-


de de Cuidados Intermédios, com o diagnóstico de Enfarte agudo do Miocárdio,
com 24 horas de evolução.

Tem como antecedentes pessoais, Tuberculose Pulmonar aos 25 anos, acidente de


viação com traumatismo torácico e fratura do externo há 4 anos, e um problema
neurológico recente em estudo, já que se vem queixando de dormência e dores
musculares nos membros superiores e inferiores. O pai faleceu com AVC e a mãe
sofria de angina de peito, morrendo supostamente por síncope cardíaca.

O Sr. Artur é um fumador inveterado e sofre de dislipidemia. É diretor de uma


grande cadeia comercial, e a importância e exigência do cargo causam-lhe um
stresse permanente. Apesar de saber o risco que corria, sempre foi desvalorizando
os riscos, contando que os problemas, a surgir, viessem mais tarde, a exemplo dos
progenitores.

Neste momento o seu estado é estável e só requer vigilância, mas a sua presença já
‘obrigou’ a que se quebrassem algumas regras. Apesar de todas as recomendações
59  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

e indicações em contrário, o impedimento da companhia do telemóvel e portátil,


causaram-lhe um nervosismo tal, com repercussões elétricas no ECG, que acabou
por ser tolerada, com algumas restrições.

O Enf.º Nunes aproxima-se do doente para realizar algumas vigilâncias e mete


conversa com o Sr. Artur.

– Como está, Sr. Artur? Sempre à volta do computador.

– Sabe como é, o hábito é grande. Mas também me distraio. Se estiver aqui sem fazer
nada, acho que dou em doido, não sou capaz de estar quieto.

– E o tabaco. Tem sentido a falta?

– Para dizer a verdade, ainda não dei muito por isso, mas eu já tinha feito várias
tentativas para deixar de fumar. Acho que vai ser desta vez… Sabe quando é que eu
vou fazer o cateterismo?

– Penso que será depois de amanhã, pelo menos é quando está agendado.

– Sabe, Sr. Enf.º, eu sei o que preciso de fazer, mas nunca arranjei tempo para o
concretizar. Tem sido sempre trabalho, trabalho e mais trabalho, e nem arranjo um
espaço para ir ao ginásio. É sempre a correr, pouco tempo para comer e tudo à base
de gorduras, o que não faz nada bem, mas o que se pode fazer!

Conforme estava previsto, foi efetuado o cateterismo cardíaco, resultando em


PCTA da DA.

41. ‘Em Novembro do ano passado’

Em Novembro do ano passado, Júlia foi submetida a Mastectomia por diagnósti-


co de Neoplasia da mama direita. Complementarmente realizou Quimioterapia
e Radioterapia.

Há cerca de um mês, por cefaleias persistentes, o médico assistente pediu uma


TAC cerebral que revelou a existência de uma lesão cerebelosa esquerda com ede-
ma perilesional e alguma dilatação ventricular, tendo iniciado corticoterapia, o
que resultou numa melhoria dos sintomas.

Está neste momento internada no pós-operatório de craniotomia posterior em


posição de semi fowler, para exérese da lesão cerebral. O exame citológico ex-
temporâneo confirmou a suspeita de metástase cerebral do carcinoma mamário.
60  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Não apresenta défices neurológicos e o capacete compressivo que trás, está limpo
e seco. Está algaliada, tem uma SNG em drenagem livre e oxigenoterapia por
ventimask a 31%. Faz soroterapia por CVC e, por referir cefaleias foi-lhe admi-
nistrada Morfina 2,5mg EV.

Apesar de toda a evolução estar a ser favorável, o que é confirmado pela recupe-
ração física e pela TAC de controlo (sem imagem de hemorragia significativa da
loca cirúrgica), a doente apresenta-se muito pouco comunicativa, sem qualquer
manifestação emotiva, aparentemente muito distante.

Pese embora a presença assídua e afetuosa do marido, que tenta dar incentivo e
valorizar os aspetos positivos em detrimento dos negativos, a Dª Júlia não parece
muito importada.

– Não sei o que se passa com a minha mulher, parece que nem me ouve. Não esboça
um sorriso, não solta uma lágrima, não ralha, não grita. – Confidencia o marido a
uma Enf.ª, num desabafo que soa a pedido de ajuda.

Os enfermeiros estão preocupados, mas também não sabem o que fazer. Ainda
hoje, o tema principal da passagem de turno foi esse. Já se tentou a ajuda do Psi-
quiatra. Depois de a observar, tentou falar com ela, mas nada. Sugeriu que estava
a fazer uma depressão e medicou-a, mas até agora, nada. Tentou-se um Psicólogo
e o desfecho foi o mesmo. Agora a questão está a perturbar a equipa, porque
alguns enfermeiros custa-lhes falar para o ‘boneco’, já que a Sr.ª Júlia não tem
qualquer tipo de reação, enquanto outros até preferem, já que, como ela aparenta
não querer comunicar, eles não têm de falar nada. A Enf.ª Sara tem pensado mui-
to naquele caso. Já falou inclusive com alguns profissionais de diferentes áreas,
mas continua sem uma resposta. Agora pediu à sua chefe para ficar com a doente.

– Boa-tarde Dª Júlia. Muito sinceramente, eu gostava de poder ajudá-la, mas tam-


bém não sei como o fazer. Posso apenas dizer-lhe que estou disponível para, se qui-
ser, o tentar fazer.

42. ‘Aquele doente’

Aquele doente apresentava algumas dissemelhanças com os restantes. Entrava-se


na enfermaria e era notória a fragrância agradável que dali emanava. Os pijamas
‘caiam-lhe’ impecavelmente e mantinha sempre uma pose correta no cadeirão.
A aluna que ficou naquela enfermaria estava receosa de o abordar. Não porque
tivesse medo dele, o que não fazia sentido, mas por não encontrar muito para lhe
fazer. Portanto, a entabular conversa, teria de ser de circunstância, para passar o
tempo e não com um sentido terapêutico.
61  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Todos os outros doentes tinham necessidades básicas afetadas. Ou não conse-


guiam realizar a sua higiene, ou não eram capazes de comer, ou beber, sozinhos,
ou não se conseguiam movimentar, etc. O Sr. José não tinha nenhum desses pro-
blemas.

Por outro lado, o Enf.º Marco, tutor da Maria, passava muito tempo junto do Sr.
José. Sentava-se a seu lado e conversavam demoradamente. De uma forma subtil,
a aluna já tinha tentado ouvir aquilo que diziam, mas o tom de voz baixo com que
falavam não o permitiu.

Na cabeça de Maria, começou a fazer-se um grande filme, por um lado a curio-


sidade sobre o que traria aquele doente ao hospital, por outro, o que levaria a
que o Enf.º Marco passasse tanto tempo com ele. Era bem capaz de ser para se
esquivar do trabalho pesado, que havia com os outros doentes da enfermaria. Ou
talvez quisesse testar as suas competências. Quando fazia esta análise, vinha-lhe à
memória o apoio e orientação que ele lhe prestava, estando presente sempre que
a situação se justificava, o que contrariava a tese inicial.

Chegou à sala de trabalho e olhou para o quadro da parede, cama 20. O diagnós-
tico médico do Sr. José, de 56 anos de idade, era Acidente Isquémico Transitório,
de repetição. O seu tutor acabou de entrar e parecia vir a falar sozinho, mas não
conseguiu perceber o quê.

– O que se passa com o Sr. José, Enf.º Marco?

– Ele está com a cabeça lá fora, pensa pouco nele.

– Ele está sempre a receber telefonemas…

– É a família e os amigos. Estão mais preocupados do que ele próprio. É uma pessoa
que lutou muito para ter sucesso, profissional e económico, na vida, mas a saúde
tem-lhe pregado algumas partidas, não só a ele, mas também à filha de 21 anos, que
tem um cancro da mama. Ele que sempre quis dar tudo aos que o rodeavam, evitar-
-lhes preocupações, sente-se agora bastante triste por estar a afetar as vidas deles.
Ainda agora chegou a mulher e dois dos quatro filhos que ele tem.

– Eu reparei que com a família ele muda completamente de expressão, como que a
animá-los.
62  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

43. ‘Aquele turno parecia’

Aquele turno parecia ir contrariar os últimos dias. Finalmente a urgência estava


calma, só com problemas menores. A Enf.ª Manuela que estava na triagem, já
tinha comentado isso mesmo com as colegas.

– Hoje só dou amarelos!

Mas pelas 17:30 o barulho da ambulância não deixou qualquer dúvida. Trazia
um ferido grave. Tratava-se de um homem, que estaria a trabalhar na construção
civil, e que provavelmente teria caído, já que os bombeiros lhe tinham efetuado os
procedimentos adequados a essa circunstância.

Tratava-se do Sr. Antunes, de 35 anos, solteiro e pintor de profissão, que se dese-


quilibrara quando estava a acabar uma parede exterior de um prédio, em cons-
trução.

Apresenta fratura do fémur, tíbia e perónio esquerdo, bem como dos ossos do pé
correspondente, do rádio e cúbito do mesmo lado e a queda terá provocado um
comprometimento da espinal medula, pelo que ficará irremediavelmente para-
plégico. Além disso, tem bastantes escoriações e hamatomas disseminados por
várias partes do corpo.

Já na enfermaria, o doente encontra-se calmo e acordado. Tem uma tração esque-


lética e nas restantes fraturas foram colocados aparelhos gessados.

– Sr. Antunes! Sabe se a sua família já foi informada do que lhe aconteceu?

O doente pareceu hesitar na resposta, soltando finalmente uma breve e concisa


frase.

– Já, o meu patrão informou.

– Nós precisávamos de falar com alguém da sua parte. O Sr. vive sozinho?

– Não! Vivo com a minha companheira. – A administrativa estava a cumprir um


pedido que lhe tinha sido formulado. Era necessário entrar em contacto com al-
guém próximo do doente, para lhe comunicar uma série de coisas, sobretudo as
consequências do acidente.

– Sabe se ela vem cá hoje? – O doente olhou para a janela e fez um esforço para
conter as lágrimas. De repente irrompeu numa agitação tremenda. Tentou sair
da cama e retirar os dispositivos médicos, mas como foi prontamente impedido
pelo Enf.º e assistente operacional que estavam por perto, começou a gritar des-
controladamente.
63  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Acalme-se Sr. Antunes! Ainda vai estragar o que lhe fizeram.

Apesar de ter recuperado o controlo, decidem não o incomodar durante algum


tempo. Os três acabam de sair, quando ouvem uma voz aflita de outro doente.

– Sr. Enf.º! – No preciso momento em que se viram, observam um objeto a esta-


telar-se ruidosamente numa das paredes. Trata-se do telemóvel do Sr. Antunes.

– Ela não lhe atende as chamadas. – Remata o doente do lado.

44. ‘Júlia tem 29 anos de idade’

Júlia tem 29 anos de idade, teve uma gravidez recentemente (1º gesta; 1 paradis-
tócico por ventosa em Agosto de 2005).

Em Setembro de 2006, recorre pela primeira vez ao Serviço de Urgência queixan-


do-se de dores abdominais com irradiação para a omoplata direita. A partir dessa
data, recorre pelo mesmo motivo e por várias vezes, todos os meses até Janeiro de
2007, ao SU. Finalmente é internada no Serviço de Gastroenterologia por cólica
biliar e icterícia das escleróticas. As ecografias demonstram microlitíase, vesícula
distendida mas sem espessamento da parede, compatível com colecistite aguda.

No início de Fevereiro volta a ter cólica biliar, faz CPRE e, por apresentar melho-
ria do seu estado, acaba por ter alta médica ao fim de dois dias, com encaminha-
mento para cirurgia.

Cinco dias depois é reinternada para fazer colecistectomia laparoscópica. Na par-


te da tarde a Enf.ª Maria, do Bloco Operatório deslocou-se ao Serviço onde a
Joana estava internada para lhe fazer a visita pré-operatória.

Após os cumprimentos iniciais, Júlia foi contando a sua história, referindo ter
perdido cerca de 15 kg desde Setembro último, perda essa que atribui à dieta para
tentar controlar os problemas biliares que a têm apoquentado. Até foi bom, fiquei
com um aspeto melhor, já gosto mais de me olhar ao espelho. A Enf.ª nota que o
discurso e o semblante da doente demonstram alguma preocupação. Apesar de se
ir rindo, não parece muito tranquila, pelo que resolve abordar o assunto.

– Dá-me ideia que está um pouco nervosa, tem a ver com a cirurgia.

– Se calhar, sabe como é! Por muito que se diga que é simples e que vai correr tudo
bem, nem sempre á assim. É bem mais fácil quando falamos na terceira pessoa, e
não nos diz respeito diretamente...
64  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– O que é que sabe sobre o que vai fazer?

– Vou retirar a vesícula biliar, penso eu, pelo menos foi o que me disseram. A ver-
dade é que eu não podia andar assim, sempre a recorrer ao hospital. Eu bem tentei
com a dieta, mas parece que não resultou.

– Não lhe disseram mais nada?

– Não. Porquê, havia mais para me dizerem?

45. ‘O Sr. Manuel’

O Sr. Manuel, de 77 anos de idade, foi trazido ao hospital pelo filho António,
com quem vive. A razão foi a presença de febre, polipneia, secreções abundantes,
respiração ruidosa e recusa em se alimentar desde há quatro dias. O diagnóstico
médico estabelecido foi: Infeção Respiratória em doente alectuado – Pneumonia.

De antecedentes, o Sr. Manuel tem vasculopatia periférica, epilepsia e doença ce-


rebrovascular. Está afásico, mas consciente de tudo o que o rodeia.

O doente encontra-se muito emagrecido, aparentemente com mau estado nutri-


cional. É de notar que a esposa era quem o alimentava oralmente e por seringa,
já que ele está completamente dependente de terceiros para as atividades de vida
diária. No que se refere à eliminação, apresenta-se com uma algália de longa du-
ração, em virtude de episódios de retenção. Os enfermeiros do Centro de Saúde
são quem a substitui. Evacua uma vez por dia para a fralda.

As análises laboratoriais confirmam o desequilíbrio nutricional e acrescentam


uma anemia.

É instituída a seguinte terapêutica:

 Captopril 25mg SL, se TA (S) ≥ 180mmHg e/ou TA (d) ≥ 100mmHg;

 Brometo de Ipatrópio+Sulfato de Salbutamol, 1 amp. de 4/4 horas;

 Furosemida 20mg de 6/6h;

 Soro Polielectrolítico com glucose 1000cc/dia;

 Paracetamol 1gr EV de 12/12h;

 Ranitidina 150mg oral/dia;

 Fenitoína 150mg oral/dia;


65  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

 Vancomicina 1 gr. EV de 12/12h;

 Proteínas, 10gr via oral 3X/dia;

E como atitudes terapêuticas:

 Oxigenoterapia por ventimask a 31%;

 Nebulizações de 4/4h;

 Registo de diurese;

 Entubação nasogástrica para alimentação entérica (dieta líquida).

A Enf.ª Mariana aproximou-se da unidade do doente para uma primeira avalia-


ção. A seu lado, sentada numa cadeira estava a mulher.

– Boa tarde! Diga-me uma coisa, por favor. O seu marido passava o dia na cama,
ou levantavam-no?

46. ‘A D.ª Otília era uma mulher’

A D.ª Otília era uma mulher à moda antiga. Filha de agricultores casou-se com o
Sr. Raul, também agricultor. Cuidava da lida da casa, dos filhos e ainda alimenta-
va e tratava dos inúmeros animais que tinham na propriedade. Apesar da idade,
82 anos, ainda era ela que orientava todas as tarefas da sua casa, agora entregues
prioritariamente aos descendentes, filhos, noras, netos e netas.

No dia 2 do mês passado, o filho mais velho apercebeu-se de que algo não estaria
muito bem. Quando o chamou para almoçar, ele verificou que parte da comida
estava preparada e outra estava por preparar, tendo chamado a atenção da mãe
para esse facto, o que a deixou bastante perturbada.

A partir daí, começou a ter queixas de cefaleias fortes, a não ser capaz de fazer
as suas tarefas de forma adequada, e passou a apresentar um desequilíbrio para a
esquerda. Recorreram ao médico de família que terá falado em senilidade. Volta-
ram para casa, mas passado cerca de uma semana tiveram de a levar ao hospital,
porque começou a ficar mais dependente.

Aproximo-me da cabeceira da sua cama e cumprimento-a. Responde de forma


adequada. Uma das mãos está pousada sobre a grade da cama, enquanto a outra
vai deslizando de um lado ao outro da cabeça.

– Dói-lhe a cabeça?
66  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Dói. Ao que a gente chega, Sr. Doutor. Tenho dificuldade em lembrar-me das coi-
sas, parece que tenho um vazio na cabeça.

Entretanto, chegam o filho e o marido, que fica a seu lado de pé. Tece elogios à sua
mulher, ao mesmo tempo que lhe dá a mão.

– Tenho sonhado muito, com a minha mãe e o meu irmão… Ela está aí atrás de
ti. – Fala nem sempre num tom percetível, dirigindo-se ao marido. O filho sorri e
esclarece que os dois familiares já faleceram.

Continua a falar, emocionando-se com alguma facilidade, alternando um discur-


so orientado, com aspetos irreais. Apela a Deus, para livrar todas as pessoas de
dar trabalho aos outros.

– Sossega, não fales tanto. – Apela o marido.

– Deixa-me falar. Eu preciso de desabafar. Há mais coisas más que boas, na vida e
eu queria recordar as boas e não consigo. Sinto-me muito fraca, sem forças

– Como é que faziam, quando ela dizia coisas sem nexo?

– Dizíamos com ela. Se a contrariássemos ela ficava parada a olhar para nós. Re-
sultava mais.

47. ‘Os alunos entraram’

Os alunos entraram e foram-se distribuindo pela periferia da sala, esperando pelo


início da reunião. Enquanto todos aguardavam a chegada do chefe, os enfermei-
ros iam trocando alguns comentários, ora sobre os doentes, ora a propósito de
outra coisa qualquer.

A passagem de turno foi interrompida duas ou três vezes por médicos internos,
que entravam para recolher os processos clínicos dos seus doentes, até que o Enf.º
Moreira deu indicação aos restantes enfermeiros, para retirarem as folhas de en-
fermagem e colocarem os processos na parte de fora da sala, possibilitando con-
tinuarem sem perturbações.

Um dos doentes que estava atribuído ao Enf.º Baltazar despertou a sua atenção.
Tratava-se do Sr. Caseiro, que tinha vindo transferido de um hospital psiquiátri-
co. Era um doente crónico do foro mental, estando internado na referida institui-
ção, fazia anos, por uma psicose grave. Agora estava com uma pneumonia.

– Ele está aparentemente calmo, mas com um doente de psiquiatria, nunca se sabe.
Por isso imobilizei-o, não vá o diabo tecê-las… Ele tem um pedido de colheita de
67  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

urina, mas ainda não urinou, e eu decidi esperar pela manhã. Ainda não passaram
muitas horas desde que entrou, e como não tem globo vesical, resolvi não o algaliar.
Se ele urinar espontaneamente, será bem melhor. Vocês vejam.

Ao entrar na enfermaria, o Enf.º Baltazar e duas das alunas de enfermagem, de-


pararam-se com dois médicos ao redor da cama 12, onde estava o Sr. Caseiro.
Observavam o doente.

– Sr. Enf.º! Já se fizeram as colheitas que foram pedidas?

– Falta a amostra de urina, porque queríamos ver se não o precisávamos de algaliar.


Eu trato disso, pode estar descansada.

– Nós precisamos desse resultado, não podemos estar a esperar indefinidamente. Se


não urina algaliem-no.

O doente olhava impávido e sereno para todos os presentes, como esperando pela
sentença. Enquanto a aluna Micaela retirava as ligaduras que improvisavam uma
restrição dos movimentos dos braços do doente, o Enf.º Baltazar palpou-lhe a
região supra púbica.

– Está com globo vesical. – De imediato pegou no urinol que se encontrava sus-
penso num suporte colocado na grade da cama e, colocando-o a jeito, pediu ao
doente para urinar, sem sucesso.

– Sr. Caseiro! E importante que urine. Caso contrário, temos de lhe colocar uma
algália.

– Talvez se o colocarmos em pé, consiga fazer. – Sugeriu a aluna.

Depois de explicarem ao doente o que pretendiam, levantaram-no e ele urinou.

48. ‘O Sr. Martins tem 48 anos’

O Sr. Martins tem 48 anos e vive numa cidade do Grande Porto. Tem hipertensão
arterial, como o pai, que além disso é diabético não insulinodependente. Depois
de diagnosticado o problema, começou a ser medicado com anti hipertensores e
dislipidémicos. Faz também medicação para o ajudarem a dormir.

Quinta-feira passada, cerca das 17:00h, deu entrada no serviço de urgência, após
queda. Referiu ter sentido falta de forças nos membros inferiores. Apresenta pa-
restesias e parésia nas pernas, inicialmente com predominância distal, mas que se
deslocaram progressivamente, acabando por afetar todos os membros. Quando
68  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

interpelado a dizer se tinha havido algo de anormal nos últimos dias, disse ter
estado gripado e com diarreia, sentindo igualmente dores intensas nos membros
inferiores.

A PL efetuada revelou a presença de elevado número de proteínas no líquor, esta-


belecendo-se o diagnóstico de Síndrome de Guillan Barré.

O estado geral do doente vai-se agravando, até que acaba por fazer várias crises
convulsivas generalizadas, que regridem espontaneamente. Enquanto realiza uma
TAC cerebral, o seu estado de consciência agrava-se assinalavelmente. É entuba-
do orotraquealmente, ao mesmo tempo que lhe é colocado um dreno torácico,
por Edema Agudo do Pulmão resultante de crise hipertensiva.

Já na Unidade de Cuidados Intensivos, onde passa a estar ventilado artificialmen-


te, é-lhe colocada em perfusão contínua, sedação com Propofol e analgesia com
Morfina. Mesmo assim, apresenta períodos de HTA, sendo necessário adminis-
trar medicação em S.O.S..

Ao fim de alguns dias, e já estabilizado, consciente e colaborante, é desconectado


da prótese ventilatória e posteriormente extubado.

Quem olha para o Sr. Martins, vê alguém com um ar ‘alucinado’. Parece ter acor-
dado de um longo sonho, e ainda não ter tomado conta de tudo o que lhe aconte-
ceu. Volta e meia, a perceção dos défices motores, que não compreende, fazem-no
reagir, o que o monitor, a que está conectado, de imediato dá nota.

A mãe acaba de entrar na unidade, mas, apesar do seu ar sorridente, como que a
querer-lhe dizer que tudo está a melhorar, provoca-lhe alguma ansiedade.

– Sr. Martins, hoje vai ser um dia muito bom, agora vamos ver se consegue engolir
o iogurte. Se assim for, retiro-lhe a SNG.

– T’ ás a ver! Não tarda nada, estás como novo. – Comenta a mãe.

– Isso, agora há que ter força de vontade. O caminho é para a frente.

49. ‘O Sr. Jorge é um doente’

O Sr. Jorge é um doente bastante conhecido de toda a equipa do serviço de he-


modiálise do hospital. A sua história e a sua idade, 26 anos, contribuem para a
irreverência das atitudes e comportamentos recorrentemente manifestados.
69  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

O início dos problemas ocorreu aos 11 anos, com um episódio de hematúria


macroscópica, que foi desvalorizado. Ficou sem vigilância subsequente até aos
21 anos, altura em que, por aparecimento de astenia e dispneia para pequenos
esforços, recorreu ao médico do centro de saúde, que o encaminhou de imediato
para o hospital.

Já no hospital, detetou-se azotemia grave. Efetuou biopsia renal que revelou ne-
fropatia de IgA. Tratado inicialmente com corticosteróides, teve de iniciar progra-
ma regular de hemodiálise, após colocação de Cateter Venoso Central na jugular
interna à direita. Ficou à espera de lhe ser realizada uma fístula arteriovenosa.

Neste momento, passados seis anos, é um Insuficiente Renal Crónico, a realizar


programa de hemodiálise regular, três vezes por semana no centro de diálise da
sua terra. Estaria tudo relativamente bem, não fosse o Sr. Jorge uma pessoa revol-
tada. Tem apresentado constantes problemas, devido ao facto de não cumprir as
restrições hídricas e dietéticas necessárias. Por outro lado, nos últimos tempos
tem faltado a algumas sessões, levando a graves consequências, por presença ele-
vada de elementos nocivos no sangue.

Está mais uma vez internado no hospital, por uma agudização do seu estado de
saúde.

– Gostas mesmo de nós, Jorge. Estás sempre a fazer tudo para vir para cá. Para mim
deves estar interessado em alguém…

– Não me chateies. Já nem para isso sirvo…

– Lá estás tu, com essa cantilena de desgraçado, de coitadinho, já falamos várias


vezes sobre isso e pareces perceber tudo, não sei o que é que se passa.

– Estou farto de todas estas limitações, de não poder fazer isto e aquilo, de não poder
ser como os outros.

– Já te dissemos que com algum cuidado, não precisas de tantas restrições assim,
depende um pouco de ti.

O doente do lado, com ar de ‘veterano’, olha para ele e confirma o que o Enf.º
Fernando afirmara.

– É verdade. Não podemos mudar o que não depende de nós, tudo o resto pode ser
realizado, tem a ver com a força de vontade, com o querer. Eu também já passei por
essa fase e também é verdade que a minha mulher me ajudou muito, mas é possível.
‘Águas passadas não movem moinhos’.
70  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

50. ‘A Dª Maria tem 80 anos de idade’

A D.ª Maria tem 80 anos de idade, e é uma doente com Insuficiência Renal Cró-
nica terminal, secundária a nefropatia diabética. Tem hipertensão arterial e Dia-
betes Mellitus tipo 2 diagnosticada há mais de trinta anos. Estava medicada com
ADO e, mais recentemente, com insulina. A doença evoluiu com mau controlo
da glicemia capilar.

Apresenta igualmente retinopatia da mesma origem, tendo já efetuado fotocoa-


gulação com laser. Neuropatia periférica, com parestesias nos pés, e queixas de
perturbações do trânsito intestinal, alternando períodos de diarreia com obsti-
pação.

A sua situação clínica começou a sofrer um agravamento, com o aparecimento de


edemas, tendo sido diagnosticado síndrome nefrótico. As análises realizadas re-
velaram os seguintes valores: ureia 185 mg/dl e creatinina 4,4 mg/dl. A indicação
médica foi no sentido de uma intensificação da terapêutica diurética, mantendo a
Besilato de Amlodipina e os restantes anti hipertensores. Entretanto, foi pedida a
construção de uma FAV e prescrita eritropoetina (3000 U, SC 1X/semana), tendo
em consideração os valores da hemoglobina.

Apesar de se ter feito tudo aquilo que está determinado, voltou a surgir uma agu-
dização, com edemas e dispneia.

Deu entrada no hospital, ontem, tendo feito imediatamente TAC torácico que in-
dicou a presença de um derrame pericárdico. Nesse sentido, iniciou hemodiálise
pela fístula.

Terminada a sessão, os Enf.ºs telefonaram para o serviço a que pertencia a virem


buscar.

– Correu tudo bem, D.ª Maria?

– Não sei, vocês é que sabem. Não fui eu que estudei.

– Sim, mas não era isso que eu queria saber. Deu-se bem?

– Nem bem, nem mal. Disseram-me que agora vou ter que fazer sempre isto, várias
vezes por semana. Se assim for, está bem, está. Quem é que vai valer ao meu homem,
lá em casa.

– Vivem os dois sozinhos?

– Os meus filhos estão todos em França. Nós até agora não temos precisado deles,
cá nos temos arranjado.
71  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Já na enfermaria, a D.ª Maria precisou de se deslocar aos lavabos. Primeiro sen-


tou-se na beira da cama, um pouco a medo. Sentiu-se bem, pelo que ganhou cora-
gem e lá foi ela. Os primeiros passos correram bem, o pior foi a manivela da cama
8 que não tinha sido recolhida completamente, fazendo-a estatelar-se no chão.

– AJUDEM! AJUDEM! Caiu uma doente e está a deitar sangue pela testa.

Não demorou muito a ajuda. Felizmente a queda não trouxe graves problemas a
acrescentar aos já existentes. Foi mais o susto, e uma pequena escoriação.

51. ‘A enfermaria está a abarrotar.’

A enfermaria está a abarrotar. Não há espaço para mais nada, nem ninguém, ou
pelo menos, era o que todos julgavam. Bem, quase todos. Ontem ainda, quando
pela manhãzinha surgiu a informação de que os estrangeiros da comissão de acre-
ditação cá iriam passar numa visita ‘surpresa’, foi um ver se te havias, a transferir
doentes e a arrumar tudo direitinho, conforme as exigências. No momento da
visita às ‘tropas’ estava tudo conforme, podia-se ver na conversa que mantinham
animada com os nossos superiores

Hoje, porém, o caso é diferente. Dizem que não há espaço em mais lado nenhum
e, por essa razão é que continuam a entrar doentes.

– D.ª Antónia, vai ter de ter paciência, mas vai ter de ficar na maca e aqui no meio
da enfermaria. Não é muito bom, mas é melhor do que ficar no corredor, não acha?

– É como eu. Estou muito doente, mas podia estar pior. E melhor seria nem sequer
estar aqui a dar-lhes trabalho.

– Nós estamos aqui para isso mesmo.

– Quem me dera a mim não precisar, mas nós não mandamos nada.

A senhora Antónia tem 64 anos e veio transferida de um hospital da periferia por


quadro de dor abdominal generalizada, sem irradiação, acompanhada de deje-
ções diarreicas e vómitos pós-prandiais.

É uma pessoa que sofre de IRC, fazendo hemodiálise num centro, e de artrite
reumatóide. Encontra-se aletuada há cerca de três anos. Tem um aspeto emagre-
cido, extremidades cianosadas e anquiloses dos membros. O exame físico mais
pormenorizado revela algum descuido na higiene e arranjo da doente, bem como
a presença de várias úlceras de pressão, no sacro, calcâneo direito e na omoplata
do mesmo lado.
72  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– D.ª Antónia! Diga-me uma coisa, ainda está no lar que a segurança social lhe
arranjou?

– Onde queria que eu estivesse, ninguém me quer…

– Bem, vamos ter de ver isso.

Tendo em conta o estado geral da doente, fica em dieta zero e vai iniciar sorote-
rapia, logo após a colocação de um Cateter Venoso Central. Tem também indi-
cação para ser entubada nasogastricamente (sonda para ficar em drenagem livre)
e algaliada.

A Enf.ª Helena aproximou-se da doente para lhe tentar colocar um cateter venoso
periférico, e de imediato a D.ª Antónia alertou-a:

– Sr.ª. Enf.ª! Não se esqueça que não pode ser nesse braço.

– Não se preocupe, mas fez bem em lembrar-me.

Ao fim de uns dias, foi submetida a colectomia do transverso com colostomia.

52. ‘Madalena, de 78 anos’

Madalena, de 78 anos, foi levada ao centro de saúde da sua área de residência, pela
filha com quem vive. Está mais prostrada e menos reativa, vai para uma semana.
Após uma primeira avaliação, foi encaminhada para o hospital.

Apresenta mau estado geral, febre, tosse e expetoração purulenta. A pesquisa de


glicemia capilar indica o valor de 524 mg/dl. O RX pulmonar demonstrou Hipo
transparência da base esquerda. O diagnóstico médico estabelecido à entrada foi
Pneumonia à esquerda, e foi medicada com Amoxicilina+Ácido Clavulânico.

Tem os seguintes antecedentes:

 Diabetes Mellitus tipo 2, medicada com Glibenclamida;

 HTA, medicada com Perindopril;

 Dislipidemia, medicada;

 Enfarte talâmico, que resultou em hemicoreia vascular à esquerda;

 Fibrilação auricular.
73  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

A filha refere que levantava a mãe todos os dias, pela manhã, com a ajuda do
marido, para um cadeirão, e que pedia ajuda a uma vizinha para a voltar a deitar
depois do almoço, porque não o conseguia fazer sozinha. Desde que verificou o
agravamento, não o voltou a fazer, com medo de não fazer bem. A única ajuda
institucional que recebe, é do centro de saúde. De tempos a tempos vão substituir
o que é preciso.

A doente abre os olhos à chamada e pronuncia alguns sons impercetíveis. Tem


um gemido quase constante e apresenta movimentos involuntários de um dos
braços.

Alimenta-se por sonda nasogástrica por não apresentar o reflexo da deglutição, e


trás uma sonda vesical. O Enf.º Filipe, que a recebe, questiona a filha sobra a razão
da algaliação da mãe.

– Ela está algaliada desde que acamou, Sr. Enf.º. Ainda tentamos com fraldas, mas
depois tinha-mos de as mudar várias vezes e era difícil. Ela queixava-se muito. En-
tão decidimos pedir para que a algaliassem, porque é mais fácil para todos.

– E quando foi isso.

– Já foi para aí há uns três ou quatro anos.

– Eu quero o melhor para a minha mãe.

53. ‘Irene de 37 anos de idade’

Irene de 37 anos de idade tem 4 filhos e está à espera de um quinto. Não é casada
nem tem companheiro fixo. É natural de S. Tomé e vive em Lisboa desde muito
cedo, tendo vindo com os seus pais. Trabalha numa grande superfície desde 1998.

Era uma pessoa saudável até então, raramente recorrendo ao médico do centro de
saúde. O seu empenho no trabalho, por força também de proporcionar o único
sustento aos seus filhos, fazia com que raramente faltasse. O seu único vício era o
tabaco, fumando um maço por dia.

Apenas no último parto surgiram problemas, tendo necessidade de fazer uma


cesariana de urgência. Habitualmente as gravidezes eram seguidas e nenhuma foi
planeada, ocorreram todas por acaso, já que usava anticoncecionais orais.

No início deste mês, recorre ao serviço de urgência do hospital, por hemorragia


vaginal e placenta marginal, estando com 32 semanas de gestação. Após avaliação,
foi submetida a cesariana urgente.
74  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Após a entubação traqueal, emergiu broncoespasmo acentuado, com hipoxia e


bradicardia, tendo progredido para paragem cardiorrespiratória. Iniciadas de
imediato as manobras de reanimação, a situação reverteu-se ao fim de aproxima-
damente 12 minutos.

Deu entrada na UCI em coma com midríase bilateral, tendo um Glasgow de 6.


Vinha em ventilação mecânica, completamente controlada pelo aparelho.

Esteve sedada cerca de 18 dias, tendo-se iniciado então, desabituação progressiva


da prótese ventilatória, para o que passou para peça em ‘T’ e de seguida ventimask
40%, sendo transferida passados dois dias para o serviço de neurologia.

Os exames complementares de diagnóstico, entretanto realizados, revelaram uma


Encefalopatia por anoxia cerebral, acentuada desmielinização cerebral, sobretudo
ao nível dos núcleos da base, córtex cerebral e substância branca.

Nos últimos quatro meses não se têm verificado alterações significativas do seu
estado de saúde. Está a seguir um programa regular de fisioterapia. Tem abertura
espontânea dos olhos, sem resposta verbal ou motora, postura de descorticação,
tetra paresia espástica e é alimentada e hidratada por SNG.

Desde que veio para o hospital, apenas recebeu visitas, com alguma regularidade,
na primeira semana, da mãe e do provável companheiro. Desde essa data, a pro-
genitora aparece esporadicamente e não passa da porta da enfermaria onde a filha
se encontra. Diz que não sabe o que fazer ou dizer, sendo preferível ficar ao longe.

54. ‘Dr. Júlio tem 50 anos de idade’

Dr. Júlio tem 50 anos de idade, ocupa um cargo importante numa instituição
bancária e tem sido saudável até então. Vive sozinho.

Questionado sobre a sua história familiar, não refere nenhum facto de relevo. Os
pais, residentes no distrito de Bragança, ainda são vivos e aparentemente saudá-
veis. Ao que sugeriu, parece que continuam a produzir a terra que os seus ante-
passados lhes deixaram. Nota-se que o assunto, ‘família’, o perturba, quase o irrita.
‘Qual a importância disso? Não são eles que estão doentes.’

A única medicação que toma com alguma regularidade é ansiolítica. A respon-


sabilidade profissional faz com que ande permanentemente em stresse, daí a sua
necessidade.

Teve um emagrecimento progressivo e acentuado nos últimos meses, com astenia


e anorexia, que também têm vindo a agravar-se. De início, os colegas de trabalho
75  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

começaram a elogiar a sua perda de peso; ‘O ginásio está a fazer-te bem’. No en-
tanto, com o passar do tempo, o que parecia um dado positivo passou a ser enca-
rado como um problema. Não lhe diziam nada pessoalmente, mas ele sabia que a
sua aparência demasiado magra, era motivo de muitos comentários.

Cerca de duas semanas antes do internamento, apresentou uma síndrome gripal


e agravamento do seu estado geral, permanecendo a maior parte do tempo na
cama. Ao fim desse tempo, e porque a situação não revertia com os medicamentos
habituais, recorreu ao serviço de urgência.

Encontra-se taquipneico, cianosado, hipotenso, taquicárdico e com uma tem-


peratura axilar de 38 graus centígrados. A gasometria arterial revela hipoxémia
grave. Na auscultação pulmonar detetam-se crepitações no hemotórax esquerdo
com diminuição dos sons na respectiva base. Analiticamente tem anemia, leuco-
citose, trombocitose e hiponatrémia. É pedido um RX pulmonar e marcadores
víricos, que revelam pneumonia e VIH positivo, respetivamente.

Já na enfermaria, pede para falar com o diretor do serviço.

– Bom-dia, Dr. Júlio, que me quer dizer?

– Eu não quero que ninguém de fora saiba qual é a causa dos meus problemas.
Isso ia significar não só a destruição da minha carreira, como da imagem que os
outros têm de mim. Não suportaria ser motivo de chacota pelas minhas orientações
sexuais.

– Eu compreendo.

– Já me chega o que tive de aturar daqueles que se dizem meus pais…

55. ‘Ana, de 23 anos de idade’

Ana, de 23 anos de idade, deu entrada na Unidade de Cuidados Intermédios de


Medicina por síndrome febril, com uma gestação de 22 semanas.

Tem como antecedentes Conetivite Mista e história de Hepatite B crónica, sendo


seguida nos últimos anos na consulta de Medicina Interna. Durante algum tempo
fez terapêutica com Prednisolona, resultando em alívio progressivo da sintoma-
tologia; astenia, anorexia e artralgias, entre outros.

A partir da 19ª semana de gravidez surgiu um agravamento clínico, tendo reini-


ciado medicação com corticosteróides que todavia não surtiu os efeitos deseja-
76  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

dos, pelo que recorreu ao hospital, ficando imediatamente internada.

Na UCIM tem apresentado cefaleias, alterações da visão e o seu estado de cons-


ciência oscila entre períodos de menor e maior lucidez. Numa destas fases, foi
visitada pelo marido. A seu lado, sem se mexer, olhava com estranheza para tudo
o que rodeava a sua mulher.

– Pode falar com a sua esposa, não há problema nenhum. – A voz da Enf.ª Marga-
rida soou familiar e Ana abriu os olhos. Quando o encarou, o seu rosto encheu-se
de lágrimas e as máquinas reagiram àquela emoção. Os ‘pis’ irromperam pela sala
e a visita estremeceu, surpreendida.

– Está tudo bem, mas como ela está ligada a todos estes aparelhos, qualquer pe-
quena coisa que ultrapasse os limites que nós determinamos, faz essa reação. – A
enfermeira aproximou-se e silenciou os barulhos incomodativos.

– Então, não diz nada à sua mulher, vai ficar aí a olhar. Para isso mais vale não vir
cá. – A Enf.ª ia caminhando para longe enquanto vociferava.

Esta era a primeira gravidez de Ana. Ambos desejavam muito o nascimento do


filho que tinham planeado. Jorge aproximou-se de sua mulher a agarrou-lhe a
mão, fazendo um esforço por conter as lágrimas que teimavam em espreitar. Ana
olhava para o outro lado, para o vazio.

– Nem para te dar um filho sirvo! – Apesar da dificuldade, o companheiro lá con-


seguiu articular algumas palavras.

– Não digas isso. Está tudo bem com o bebé, não está?

O silêncio voltou. Jorge despediu-se, argumentando com a necessidade de voltar


para o emprego. À saída pediu para falar com a Enf.ª que o tinha interpelado.

– Diga-me, p. f., há alguma possibilidade do meu filho ficar afetado com toda esta
situação.

– Quem lhe poderá responder com mais propriedade a essa questão é o médico de
serviço. Se quiser, eu posso dizer-lhe que quer falar com ele.

– Se não for muito incómodo.


77  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

56. ‘Rosalina deu entrada’

Rosalina deu entrada no serviço de Obstetrícia do hospital em Fevereiro, com


uma gravidez múltipla de alto risco, de 33 semanas. Ao 5º dia inicia um quadro de
crises convulsivas generalizadas, com sonolência progressiva e instalação súbita
de cefaleias intensas.
Chamada a intervir, a especialista de Neurocirurgia foi confrontada com a histó-
ria clínica desta doente. Os primeiros problemas terão surgido há poucos anos,
quando apresentou um episódio de mioclonias da face, hipertensão e cefaleias.
Desvalorizada a ocorrência, tudo se normalizou até há duas semanas a esta parte,
quando voltaram as cefaleias acompanhadas de vómitos. Os exames que fez, a
pedido do seu médico, revelaram a existência de provável meningioma.
Tendo em conta o sucedido, a médica decidiu solicitar a realização de uma To-
mografia Axial Computorizada, que mostrou a existência de uma lesão tumoral
extensa, de localização frontotemporal direita.
Foi de imediato transferida para a UCIN, tendo ficado em ventilação mecânica
assistida, e com sedação e analgesia em perfusão contínua. Contactada a família,
foi-lhes dito que o melhor seria realizar, quanto antes, a extração da Lesão Ocu-
pante de Espaço, em simultâneo com o parto, por cesariana.
Tudo se processou conforme previsto. No dia seguinte nasceram duas crianças
saudáveis, a necessitar apenas de apoio de Neonatologia, ao mesmo tempo que
se retirou o tumor.
Mal foi possível, poucas horas após a cirurgia e já com a doente acordada, o exa-
me neurológico detetou paresia do hemicorpo esquerdo, lentificação motora e
afasia mista. O marido, que se encontrava presente, ficou indignado.
– Que é que aconteceu, Dr.ª? A minha mulher não vai ficar como era? Ela não pode
ficar assim aos quarenta anos. O que é que correu mal? Quem é que vai cuidar dos
meus filhos? Isto não me pode estar a acontecer…
A médica pareceu perturbada com a reação do familiar da Dª Rosalina, e reagiu
no mesmo tom.
– O Sr. acalme-se, para eu concluir o exame. Doutro modo vou ter de lhe pedir para
aguardar lá fora.
– A doutora não me cala. Se julga que faz asneiras e não lhe acontece nada, está
enganada. – O alvoroço acabou por chamar a atenção de várias pessoas, entre
os quais da Enf.º Chefe que, entrando na enfermaria procurou deitar ‘água na
fervura’.
– Posso falar consigo?
78  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

57. ‘Em Maio’

Em Maio, Manuela de 80 anos de idade, casada e com dois filhos, apercebe-se


de tumefações cervicais bilaterais indolores, com aparecimento sucessivo de nó-
dulos axilares e inguinais. Recorreu ao médico de família do centro de saúde da
sua área, que pediu várias análises. O hemograma detetou linfocitose de 76%,
e as ecografias confirmaram as adenomegalias e mostraram um tumor tiroideu.
Finalmente, a biopsia da adenopatia cervical revelou doença linfoproliferativa.

Como antecedentes de relevo fez colecistectomia há mais de vinte anos, tendo


surgido uma hepatite, de etiologia desconhecida, passados seis meses. Faz medi-
cação por motivo de hipercolesterolemia.

Encaminhada para o Instituto de Oncologia, onde realizou inúmeros exames e


análises, é-lhe diagnosticado um Linfoma Não-Hodgkin do tipo Linfocítico de
pequenas células B – Leucemia Linfocítica Crónica. A consulta de grupo dá in-
dicação para iniciar Clorambucil 6mg/dia. Meses depois, encontra-se em remis-
são completa, pelo que a quimioterapia é suspensa, ficando em seguimento por
follow-up.

Cerca de dois anos após, o aparecimento de nódulos cervicais e a nível subcutâ-


neo do braço direito, bem como adenomegalia jugular e carotídea, tornam neces-
sário o reinicio da medicação suspensa.

Passados três meses, o agravamento da situação através do surgimento de novas


adenomegalias e aumento das existentes, torna necessária a introdução de corti-
coides e ciclofosfamida oral.

Dois meses depois, a doente regressa queixando-se de cansaço, dispneia para pe-
quenos esforços, tosse produtiva e dor ao respirar no terço inferior do hemitórax
à esquerda. Apresenta igualmente febre. Em consequência de todo o quadro, é
internada.

A médica que a recebe, suspende drogas citotóxicas e prescreve oxigenoterapia


por cânula nasal, nebulizações com S.F. e Salbutamol de 6/6h, antibioterapia em-
pírica e Paracetamol EV em S.O.S. Pede igualmente PV para hemoculturas em
pico febril.

Com a febre, agrava-se a sensação de falta de ar e a Enf.ª eleva-lhe a cabeceira da


cama, ao mesmo tempo que lhe administra o antipirético.

– Sr.ª Enf.ª! Isto está mau, não está? Eu ainda cheguei a pensar que estava tudo
ultrapassado, mas agora percebo que cada vez é pior.
79  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

A Enf.ª olhou para a doente e ficou sem saber o que dizer. Qual seria a melhor
reação. Fingir não ter ouvido, responder que não se preocupasse, que tudo estava
a ser feito para resolver o problema, ou o quê?

58. ‘Josefina era uma rapariga jovem e alegre’

Josefina era uma rapariga jovem e alegre. Por isso não foi muito difícil perceber
que algo de estranho se passava com ela. O marido foi o primeiro a perceber a
alteração. Com um casamento de dois anos e, aparentemente feliz, a que se aliava
o facto de terem tido um filho recentemente, que era do desejo de ambos, não
encontrou explicação para o sucedido.

Ninguém da família conseguia perceber a situação. Josefina ficou pouco comuni-


cativa e com um ar triste. Parecia contraditório com a satisfação de ter um filho,
que normalmente acompanha as mães. A Dª Berta, sua mãe, desejosa de ver o
problema identificado e ultrapassado, porque nada lhe ocorria e, ‘as mães sabem
tudo’, falou com uma vizinha.

– Isso que ela tem só pode ser uma depressão pós-parto. A minha filha também teve
isso. No nosso tempo isso não era possível, havia lá tempo para isso. Agora é para
o que estamos. Mas eu estranho muito a sua filha. Não serão mas é problemas com
o António?

– Não diga isso, que ele anda muito abatido. Ela só lhe diz que não é nada, que vai
passar, e ele fica na mesma.

A D.ª Berta resolveu insistir, afinal era a sua filha e, com certeza havia de lhe dar
alguma justificação. Mas, nada. Já em desespero de causa, não aguentou e não teve
outro remédio se não chorar.

– Filha! Tens de pedir ajuda a alguém que confies. A um médico, sei lá. Ou talvez a
um psicólogo. A Dª Florinda disse-me...

– Mãe, por favor. Não é disso que eu preciso.

– Então procura quem te possa ajudar, estás a prejudicar o teu casamento. Parece
que foi um fardo o nascimento do João...

– Não diga isso, mãe. Eu amanhã tenho de ir ao hospital, a uma consulta de pedia-
tria e vou falar com a Enf.ª Rute da obstetrícia, onde eu estive.

– Tu lá sabes, logo que seja para teu bem.


80  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

No dia seguinte e conforme promessa, dirigiu-se ao serviço respetivo e, por sorte,


a Enf.ª que ela queria estava a fazer o turno da manhã.

– Então, Josefina, por aqui! Está tudo bem com o seu bebé? – De imediato se lhe
soltaram as lágrimas.

– Não, está tudo mal. Alguma coisa deve ter corrido mal durante o parto. Já viu,
tenho 25 anos e qualquer coisa me faz perder urina...

59. ‘Bárbara tem 29 anos de idade’

Bárbara tem 29 anos de idade, teve uma gravidez recentemente (1º gesta; 1 para-
distócico por ventosa em Agosto de 2005).

Em Setembro de 2006, recorre pela primeira vez ao Serviço de Urgência queixan-


do-se de dores abdominais com irradiação para a omoplata direita. A partir dessa
data, recorre pelo mesmo motivo e por várias vezes, todos os meses até Janeiro de
2007, ao SU. Finalmente é internada no Serviço de Gastroenterologia por cólica
biliar e icterícia das escleróticas. As Ecografias demonstram microlitíase, vesícula
distendida mas sem espessamento da parede, compatível com Colecistite Aguda.

No início de Fevereiro volta a ter cólica biliar, faz CPRE e, por apresentar melho-
ria do seu estado, acaba por ter alta médica ao fim de dois dias, com encaminha-
mento para cirurgia.

Cinco dias depois é reinternada para fazer colecistectomia laparoscópica. Na par-


te da tarde a Enf.ª Maria do Bloco Operatório deslocou-se ao Serviço onde a Bár-
bara estava internada para lhe fazer a visita pré-operatória.

Após os cumprimentos iniciais, Bárbara foi contando a sua história, referindo ter
perdido cerca de 15 kg desde Setembro último, perda essa que atribui à dieta para
tentar controlar os problemas biliares que a têm apoquentado. Até foi bom, fiquei
com um aspeto melhor, já gosto mais de me olhar ao espelho. A Enf.ª nota que o
discurso e o semblante da doente demonstram alguma preocupação. Apesar de se
ir rindo, não parece muito tranquila, pelo que resolve abordar o assunto.

– Dá-me ideia que está um pouco nervosa, tem a ver com a cirurgia.

– Se calhar, sabe como é! Por muito que se diga que é simples e que vai correr tudo
bem, nem sempre á assim. É bem mais fácil quando falamos na terceira pessoa, e
não nos diz respeito diretamente...

– O que é que sabe sobre o que vai fazer?


81  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Vou retirar a vesícula biliar, penso eu, pelo menos foi o que me disseram. A ver-
dade é que eu não podia andar assim, sempre a recorrer ao hospital. Eu bem tentei
com a dieta, mas parece que não resultou.

– Não lhe disseram mais nada?

– Não.

60.‘O Sr. Guedes nasceu em 1946’

O Sr. Guedes nasceu em 1946, é casado e está reformado. Vive na cidade do Por-
to. Sofre da doença de Parkinson há já vários anos, tendo tido uma deterioração
motora muito exacerbada nos últimos 24 meses, apesar da medicação. É seguido
por neurologia desde que lhe foi diagnosticado o problema e faz Levodopa, anti-
depressivos e indutores do sono.
As limitações causadas pela doença provocaram-lhe uma acentuada diminuição
da qualidade de vida. Refere ataxia da marcha, rigidez e tremores intensos, difi-
cultando a deambulação, pelo que passa a maior parte do tempo sentado. Quando
o tempo está bom, vem para o pequeno pátio que têm nas traseiras da casa, apa-
nhar um pouco de ar, quando não, fica em frente à televisão.
O agravamento da patologia e a revolta que sente tornaram-no pouco compreen-
sivo e mesmo agressivo com os outros, nomeadamente com a mulher. Tudo serve
para despoletar uma discussão. Ou porque ela não lhe cortou bem os alimentos,
que já tem dificuldade em mastigar e deglutir, ou porque demorou para o ajudar
a ir para a casa de banho, ou simplesmente porque não deu o jeito adequado para
ele se conseguir vestir.
Apesar de ser uma pessoa pouco instruída, o Enf.º que o recebe no serviço aper-
cebe-se de que tem um conhecimento relativamente bom sobre as características
da doença.
– Sabe, Sr. Enf.º, quando me disseram o que tinha, eu não acreditei. Por isso resolvi
ler tudo o que podia a esse propósito, para confirmar se era mesmo isso, ou se es-
tavam enganados. Mas infelizmente, eu é que estava errado. – O doente apresenta
um discurso lentificado, mas perfeitamente percetível.
– Então sabe o que vem fazer?
– O meu médico explicou-me. Disse-me que me iam colocar um estimulador ce-
rebral, mas eu tenho pouca esperança de vir a melhorar significativamente. Mas é
sempre mais uma hipótese, não posso desperdiçar a oportunidade que me é dada.
82  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Vai-lhe ser colocado um neuro estimulador subtalâmico, bilateralmente.


– Pois, isso. Isto é muito complicado viver assim. Não me sinto velho e, no entanto,
dependo da minha mulher para quase tudo, eu que era quem sustentava a casa.
Agora, se não fosse ela eu teria de ir para um lar. E se continuar assim, é o que vai
acontecer, que ela já não está a aguentar. Ela não diz nada, coitada, mas eu bem
vejo. Ainda para mais ela sofre do coração, tem angina de peito.
– A ideia é que possa melhorar, vamos a ter esperança.
– Não fosse a minha fé, e já não sei.

61. ‘O Sr. José é idoso’

O Sr. José é idoso e, como tantos outros ali, está debilitado pelo desgaste provo-
cado pela doença.

Os primeiros contactos do pessoal médico com o Sr. José não foram muito sim-
páticos. Ele falava de uma forma ríspida, e olhava para todos com uma expressão
por vezes de fúria. Outras vezes, simplesmente evitava-os, virando a cara para o
lado oposto à sua presença.

Inicialmente ninguém compreendia o porquê dele estar sempre aborrecido e res-


ponder de modo tão áspero e seco. Muitas vezes recusava os cuidados que lhe
eram propostos, e ficava-se sem saber o que lhe dizer, como lidar com a situação
ou como reagir. Alguns Enf.ºs, mais experientes, não davam assim tanta impor-
tância, os mais novos ficavam inseguros, como era o caso da Enf.ª Diana.

Não tão cedo, como gostaria, apercebeu-se de que para conquistar a confiança do
Sr. José era necessário ser, ou pelo menos parecer, segura e confiante.

Nas primeiras conversas que conseguiu ter com o Sr. José, ele dizia que preferia
que Deus o levasse, que era melhor assim, que queria morrer e que já estava farto
daquilo tudo. Era certo que ele estava doente e tinha muitas dores, mas outros
assim estavam e reagiam de forma diferente, embora não fosse menos verdade
que todas as pessoas reagem de forma diferente. Mas havia algo que o fazia reagir
assim e ela estava disposta e descobrir.

Com paciência, a insistência da Enf.ª foi resultando. O doente foi ganhando con-
fiança, foi-se ‘abrindo’ e falou do emprego que tinha tido, da sua família, falou dos
filhos, dos netos… A Enf.ª Diana chegou mesmo a ver na cara daquele homem,
quase sempre zangado, uma expressão de ternura enquanto falava da família, um
sorriso…
83  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Numa das conversas com o Sr. José, ele revelou as causas para o seu ressentimen-
to. Vive apenas com a esposa, que também sofre de graves problemas de saúde e,
tal como ele, é idosa, tendo por isso dificuldade em lhe prestar os cuidados neces-
sários. Os filhos estão noutras zonas do país e só os visitam quando podem. Não
tem apoio domiciliário, porque, segundo o próprio, é caro, estando por isso, para
além das suas possibilidades. Se voltar para casa, vai dar ainda mais preocupações
à sua esposa, vai ser um peso.

– Não me consigo virar sozinho, nem levantar-me. Preciso de ajuda para tudo, sou
pior que um bebé. Eles sempre são mais leves…

A história não era diferente de muitas outras, cada vez mais frequentes.

– Então é por isso que o Sr. José não tem recebido visitas’

– Só ontem é que veio cá uma vizinha, que vai dando alguma ajuda à minha mu-
lher. É muito boa pessoa, mas tem a sua vida.

62. ‘O Sr. Rogério de 86 anos’

O Sr. Rogério de 86 anos entrou no serviço com o diagnóstico médico de Infeção


Respiratória, e também por degradação do seu estado geral. Tem história de Dia-
betes Mellitus tipo 2, Retinopatia Diabética e Insuficiência Renal. Faz hemodiálise
desde há seis anos.

O doente está aletuado e apresentava úlceras venosas em ambos os calcâneos, pé


direito e na face lateral do terço inferior da perna direita, o que lhe causa bastante
dor.

Diz-se que o Sr. Rogério se encontra em fase terminal, sem indicação para SAV –
conforme pode ler-se no processo clínico -, e os cuidados de enfermagem tentam
ir ao encontro da promoção da qualidade de vida, nomeadamente do alívio da
dor.

O doente queixa-se de dores fortes, principalmente aquando da realização do


tratamento às úlceras venosas que, por indicação médica, é realizado com Hipo-
clorito de Sódio. A terapêutica prescrita não surte grande efeito, mas, apesar dos
vários pedidos ao médico responsável, nada se alterou.

Raquel, aluna de enfermagem, estava no Ensino Clínico, tendo-lhe sido atribu-


ído este doente. Foi-lhe dito que o doente não tinha resposta verbal, ou que era
escassa. Pensou de imediato que não ia ser um doente fácil. Apesar de lhe terem
ensinado a importância da comunicação, esse não era um dos aspetos onde ti-
84  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

vesse dificuldade. Daí que preferisse alguém que falasse e, se possível, bastante.
Isso ajudava-a a descontrair e a ganhar confiança. Agora, ter de comunicar sem a
presença da voz… Ainda para mais num doente em fase final de vida…

Nos primeiros dias sentiu-se inútil, incapaz de ajudar o Sr. Rogério. Não obtinha
qualquer feedback das suas ações. Fazia um esforço enorme para lhe aliviar o
sofrimento, recorrendo a um conjunto de técnicas não farmacológicas, mas em
vão. Estava sempre a olhar para o relógio, mas as horas em que podia administrar
o analgésico teimavam em não chegar. E a verdade, é que os sinais de dor não se
alteravam muito, nem por muito tempo.

Precisava de ficar com outro doente, porque não conseguia deixar de pensar no Sr.
Rogério e isso estava a interferir na sua vida. Adormecia com ele no pensamento
e acordava a pensar como ele estaria. Para não falar dos pesadelos que amiúde a
‘assaltavam’. Mas, por outro lado, isso poderia ser interpretado como um sinal de
fraqueza. Se ao menos conseguisse algo que lhe desse alento…

Uma sexta-feira de tarde aproximou-se do Sr. Rogério. Como de costume cum-


primentou-o e, sem esperar, obteve resposta do seu interlocutor. Olhou para ele
radiante, reparando que ele estava estranhamente calmo, parecia, inclusive, sorrir.
O Enf.º José aproximou-se de si e disse

– Já contactámos a família, eles estão a vir para cá, para estar com ele…

A família chegou. Eram quatro pessoas com rostos contraídos. Agradeceram que
os tivéssemos chamado. A Raquel ficou completamente perdida, sem saber o que
dizer ou fazer, dessa vez não havia livro de procedimentos para recorrer. Ficou
apenas ali.

63. ‘Mário de 63 anos, casado’

Mário de 63 anos, casado, era uma pessoa bem-sucedido. Possuía casa própria,
onde criara toda a sua família, uma casa de férias e uma oficina de carros, o que
sempre havia desejado.

Há 2 anos, havia sido submetido a cirurgia gástrica, pois tinha-lhe sido diagnosti-
cado Adenocarcinoma Gástrico. Foram meses difíceis de suportar, quer para ele,
quer para o restante agregado, porém, foram superados.

Para complicar tudo, um certo dia o filho mais novo é atropelado e morre, quan-
do saía de casa atrás da bola que se lhe escapara. Em consequência disso, Mário
desabou numa depressão grave, encontrando refúgio no álcool.
85  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Nem o tempo nem a bebida conseguiram atenuar a dor sentida por Mário, deci-
dindo-se, aos 63 anos de idade, por tentar dar termo à sua vida, pelo que ingeriu
meio frasco de um inseticida para a lagarta. Fortuitamente, a esposa de Mário,
Helena, acorreu a tempo de agir a favor da vida de seu marido.

Em pouco tempo, Mário foi transportado para o hospital, numa ambulância do


INEM, tendo-lhe sido prestado Suporte Básico de Vida, devido a paragem respi-
ratória, e administrado Sulfato de Atropina endovenosa.

Já na Unidade de Cuidados Intensivos, Mário adquiriu uma Pneumonia nosoco-


mial. Doze dias após, foi transferido para a Unidade de Cuidados Intermédios e
depois de estabilizado o seu estado de toxicidade intermédia, foi transferido para
o serviço de Medicina Interna.

A Enf.ª Lúcia foi a primeira a contactar com o Sr. Mário. Apresentava um humor
depressivo, rejeitando todas as propostas de fazer o que quer que fosse, colabo-
rando muito pouco nos autocuidados. Ao mesmo tempo, tinha diminuição da
força, tanto dos membros superiores como dos inferiores, não possuindo movi-
mentos finos das mãos.

A D.ª Helena é a primeira pessoa a aparecer no serviço, logo a seguir aos profis-
sionais. Logo pela manhã, ali está ela totalmente disponível para ajudar o marido.
Nota-se que com ela ele se esforça mais. O problema é que nem todos compre-
endem a importância dela, colocando-a muitas vezes de parte, e impedindo-a de
colaborar nos cuidados. A senhora ainda tentou protestar, da primeira vez, mas
depressa desistiu.

64. ‘Após um período de férias’

Após um período de férias, o Enf.º Lino regressou ao serviço. Quando entrou


na sala de trabalho, a colega que primeiro o viu disse-lhe, ao mesmo tempo que
sorria ironicamente:

– Hoje vai ser um bonito dia para ti. A chefe colocou-te na sala A, onde está o Sr.
Madureira. – O Enf.º não compreendeu a natureza de tanta ‘atenção’, mas não
valia a pena perguntar a razão. Inevitavelmente lhe responderiam. – ‘Logo verás!’.

Logo depois de uma primeira análise aos doentes que lhe foram atribuídos, não
se apercebeu de nada de anormal, estavam todos calmos. Voltou para trás e foi
conhecer melhor o estado clínico daquele, como dos outros doentes.

Tratava-se de um doente com Insuficiência Renal Crónica em fase Terminal e am-


86  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

putado em ambos os membros inferiores, a nível das coxas, devido a uma acentu-
ada insuficiência vascular. O seu diagnóstico médico de entrada foi ‘deiscência do
coto de amputação da coxa esquerda’ uma vez que depois da segunda amputação,
a sutura cedeu por força de uma grande pressão sobre o coto de amputação.

Nesse momento começou a ouvir alguém a gritar por um enfermeiro. Simulta-


neamente, acendeu-se a luz indicativa da cama. Tratava-se do Sr. Madureira. Mal
entrou na sala, o doente dirigiu-se-lhe arrogantemente.

– Traga-me a aparadeira que estou muito aflito para fazer a vida.

Pouco depois de uma A.A.M. ter providenciado a arrastadeira, o Sr. Madureira


torna a berrar, agora para lha tirarem.

– Afinal foi falso alarme. – Referiu sorrindo.

Sempre que o Enf.º se aproximava, ele troçava de tudo, contagiando alguns dos
doentes ali presentes.

De volta à sala de trabalho, a Enf.ª Teresa voltou a abordar o colega.

– Já o conheces, agora? Ele vai passar o tempo a chamar-te. Está a ver como reages.
Ele é um doente muito difícil, não faz nada do que devia. Explicamos-lhe que tem
de aliviar a pressão do coto e ele mostra-se indiferente, colocando ainda mais peso.
Prova disto é o estado em que está a ferida.

– Eu digo-lhe! Se ele julga que me goza, está bem enganado.

– Tem calma, ele está revoltado com a sua situação, não é nada de pessoal. Quase
não come nada e não liga nada aos posicionamentos.

65. ‘Marco tem 18 anos de idade’

Marco tem 18 anos de idade, é guineense e reside na Amadora. Vive com os pais
e uma irmã mais nova.

Aos 8 anos de idade é-lhe diagnosticado uma Anemia das células falciformes e
passa a ser seguido na consulta de Pediatria de um hospital da Grande Lisboa.

Em Fevereiro passado um exame histológico de granulomas deteta uma Tuber-


culose Pleural, sendo posteriormente identificado BK. Passa a ser tratado com
Isoniazida, Etambutol, Pirazinamida, Rifampicina e Piridoxina.

Nesse mesmo mês, apresenta uma crise álgica vaso-oclusiva, e é internado


87  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

num serviço de medicina. Tem alta, assintomático, mas vai medicado com
Amoxicilina+Ácido Clavulânico profilático e Ácido Fólico. Dois meses após,
recorre de novo ao serviço de urgência, com queixas de dor epigástrica e a
nível dorsal, inespecífica de grande intensidade. Quando se tenta aprofundar a
situação, menciona outras algias nas articulações do punho, cotovelo e joelhos,
sem inflamação. É reinternado na medicina.

É um doente colaborante, completamente autónomo, e que passa a maior parte do


dia com a sua ‘PSP’ Fala apenas o essencial. Ainda que o pessoal do serviço qui-
sesse, o que aconteceu, não foi possível colocá-lo noutra enfermaria, com gente
mais nova, porque a média de idades é de setenta anos.

Apresenta alguma dispneia e tem prescrito oxigénio que não cumpre. Tem tam-
bém Cloridrato de Tramadol 100mg de 8/8h EV, Ibuprofeno 600mg oral de 6/6h,
Sulfato de Morfina 20mg oral de 12/12h e Petidina IM em S.O.S.

Na tarde do dia do internamento a mãe e a irmã aparecem para o visitar. A mãe


está visivelmente emocionada, tentando disfarçar quando o vê. Num momento
em que os irmãos se divertiam a jogar, a mãe aproximou-se de uma Enf.ª.

– Como é que o meu filho está Sr.ª Enf.ª, tem tido dores? Ele está tão pálido.

– Ele está a fazer analgesia, a horas certas, e desse ponto de vista tem estado bem.
De resto não há mais nada de especial. Ele já nos conhece e nós a ele. Temos de ver
como é que ele reage à terapêutica.

– Sabe, já me morreu um filho com o mesmo. Se volta a acontecer, não sei.

– Não sabia.

– O pai já diz que não o vai conseguir vir visitar, que não aguente pensar no que lhe
vai suceder o mesmo.

66. ‘O Sr. Daniel, de 54 anos’

O Sr. Daniel, de 54 anos, tem como motivos de admissão no serviço de Medicina:

 Pós-operatório de drenagem de hemorragia da fossa posterior;

 HTA de difícil controlo;

 Pneumonia nosocomial (em resolução).

No primeiro contacto, o doente apresentava-se afásico, sonolento, com diminuição


88  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

acentuada da força muscular e da mobilidade, tendo grandes dependências nos


autocuidados. Tendo em conta os dados encontrados, que foram ponderados, a
Enf.ª Cátia que recebeu o doente, entendeu que devia planear as intervenções de
enfermagem, canalizando os esforços da equipa na promoção da independência,
na prevenção de complicações decorrentes da diminuição da mobilidade e na
estimulação da comunicação expressiva.

Implementadas as medidas, pôde constatar-se algumas melhorias no seu esta-


do geral, ao fim de poucos dias. A força muscular e mobilidade davam sinais
de retorno, através do aumento do número de movimentações espontâneas, bem
como da amplitude dos movimentos que fazia. O olhar não se dirigia a quem fala-
va com ele, mas, era claro que compreendia e conseguia cumprir algumas ordens
simples. Assim, e na ausência de resposta verbal, a estimulação para comunicar
por gestos (por ex.: acenar a cabeça ou piscar os olhos) era frequente, embora de
pouco sucesso.

Ao fim de duas semanas as questões agudas estavam ultrapassadas. O início da-


quela manhã estava a decorrer numa velocidade pouco usual. Pouco passava das
oito e já os médicos entravam nas enfermarias com os processos. ‘O sino tocou a
rebate’: era preciso darem-se altas.

A médica aproximou-se e durante algum tempo ficou a analisar a situação. Ava-


liou os sinais vitais, auscultou o doente, e no fim dirigiu-se ao Enf.º chefe.

– Sr. Enf.º! Se as análises de hoje estiverem bem, o Sr. Daniel vai ter alta.

– Ótimo! Quando souber a certeza diga-me que eu telefono logo para o virem buscar.

– Vai ser necessário falar com o prestador de cuidados para lhe dar algumas dicas
sobre a medicação e a alimentação, por causa da hipertensão.

A Enf.ª Josefina, que estava nesse dia com o doente, ficou um pouco surpresa e
questionou a médica.

– Dr.ª! Não seria melhor ele ficar mais uns dias até recuperar mais um pouco. Nós
ainda não conseguimos falar com ninguém da família, para lhes darmos algumas
informações sobre a sua recuperação e pode perder-se tudo.

– Não podemos ficar com ele mais tempo.

No final da manhã, bem se tentou contactar com algum familiar, mas sem sucesso.

– E agora? – Perguntou alguém.

– Se ninguém o vier buscar, eu mando a ambulância levá-lo à porta de casa. Quero


ver se não o recebem…
89  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

67. ‘Fernando deu entrada’

Fernando deu entrada no serviço com o diagnóstico de pneumonia da comuni-


dade. O seu aspeto não deixa margem para dúvidas, referem todos os que por ali
passam. Emagrecido e sujo, dentes podres, cabelo desarranjado e um ar de quem
está sempre com sono.

Aos 27 anos de idade, já tem que lhe chegue. No processo está escrito que é ex-
-toxicodependente, tem hepatite B e C e VIH positivo.

O doente que está na cama ao lado da sua, que é o que, com ele, se encontra mais
independente, procurou o Enf.º para lhe colocar uma dúvida, apreensão.

– Sr. Enf.º! Aquele doente é drogado, não é? Eu conheço-os ao longe.

– Eu não posso dar-lhe informações que são confidenciais.

– Pois, mas também não é preciso. Mesmo antes de ter ouvido eu já sabia. Eu passei
esta noite toda acordado, com medo que ele me atacasse, ou a algum dos outros do-
entes. Ele está sempre a levantar-se para ir à casa de banho, e eu não estou tranquilo.
Vão ter de me mudar de enfermaria, que eu não aguento.

– Mas aconteceu alguma coisa? Esse doente já o perturbou? Ele parece-me calmo.

– Não, mas vejam lá se me resolvem o problema. Eu sofro do coração, não posso


estar nesta ansiedade.

Depois do Sr. José ter saído, a Enf.ª Marisa iniciou o diálogo.

– É sempre a mesma coisa, não há critérios para colocar os doentes e depois é isto.
Eu também tenho certos receios nestes doentes. E não acredito nada na história do
‘ex’. Os casos em que deixam são muito poucos. Já viste os braços e as pernas dele.
Noutro dia eu ia picá-lo para tirar sangue, e estava a tremer toda. Ele virou-se para
mim e disse-me qual era a melhor veia.

– É um bocado complicado, é. Mas temos de o tratar, como aos outros.

Passado pouco tempo, o Enf. Victor deslocou-se à Enf.ª para realizar um procedi-
mento e viu o Fernando com a visita da mãe.

– Bom-dia.

– Bom-dia, Sr. Enf.º, será que eu podia falar consigo?

– Claro.
90  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Vê lá o que vais dizer. Não te metas na minha vida, ouviste.

Ao mesmo tempo que caminhavam no corredor, a senhora perguntou:

– Ele tem estado bem, Sr. Enf.º?

– Sim, de uma maneira geral.

– Não acreditem no que ele vos diz. Ele engana todos. E continua a consumir.

68. ‘Dora tem 79 anos de idade’

Dora tem 79 anos de idade e entrou no serviço vinda da urgência com o diagnós-
tico médico de doença hepática crónica Child C, com anasarca e encefalopatia
hepática. Entrou com um quadro de confusão e Godet positivo.

Desde há quatro meses a fazer terapêutica com corticosteroides, após identifi-


cação de hepatite auto imune, com cirrose hepática, a que se chegou através de
biopsia hepática e estudo analítico imunológico. Tem, nesse período, história de
uma infeção urinária.

Apresenta sinais de hipertensão portal e a EDA revelou a presença de varizes eso-


fágicas.

A doente vinha acompanhada pela filha, que não largou a mãe todo o tempo. O
médico que a recebeu pediu para aguardar um pouco no corredor, que logo que
pudesse falava com ela.

– Já viu o estado em que esta doente vem, Dr.? E para posicionar é que vai ser bonito.
Ela deve pesar uns cento e tal quilos. Como é que as pessoas se deixam chegar a este
estado.

– Esta doente está muito mal. O que se vai fazer é tentar controlar a situação, não
vamos fazer nenhuma intervenção extraordinária.

– Já viu as flictenas que ela apresenta nos pés? Quer dizer que se ela parar não é
para fazer nada?

– Exato. Mas não está escrito.

-Percebo.

Do lado de fora, a filha interpela o médico que acabava de sair da sala.


91  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Dr., como é que está a minha mãe?

– O estado dela é muito grave, não a vou enganar. As análises dão valores muito
alterados, e sabe que o fígado é um órgão essencial

– Eu sei, mas hoje em dia a medicina está muito avançada, não é verdade? Até se
fazem transplantes, pelo menos é o que eu ouço. Vão fazer tudo para ela ficar boa
não é verdade, Dr.?

– Repare, a sua mãe já tem uma certa idade…

– Que é que quer dizer com isso?... Ela ainda há pouco era uma pessoa completa-
mente ativa, ajudava-me muito. Desde o princípio do ano é que começou a piorar, a
ficar dependente, mas ela é uma pessoa cheia de força de vontade.

– Vamos a ver como ela reage, não podemos ter certezas absolutas, mas o normal é
continuar a evoluir negativamente.

– Tenho fé que ela vai melhorar.

69. ‘A noite aparentava’

A noite aparentava ser igual a tantas outras na Unidade de Cuidados Intensivos.


Eram cerca das 23:00 e, tanto a equipa de enfermagem, como a médica de serviço
estavam ocupados com os doentes.

O serviço encontrava-se repleto. Eram oito os doentes, duas mulheres e seis ho-
mens. A maior parte das situações eram de pós-operatórios habituais, sendo o
caso mais preocupante de uma doente do foro médico. Tratava-se de uma doente
idosa, com uma doença oncológica hematológica, conectada ao ventilador e num
estado considerado muito grave.

Inesperadamente, o monitor cardíaco do doente da cama 3 começou a dar sinal.


O Enf.º que lá estava verificou tudo rapidamente, antes de dar o alerta. A médica,
que estava perto, aproximou-se e olhou para o doente.

– Parece que vamos ter problemas, Dr.ª Lina. Fez uma bradicardia espontaneamen-
te, e eu já confirmei, é real.

– Estou a ver. Não sei porquê, mas eu estava a desconfiar que este doente ia compli-
car. Vou pedir ajuda de cardiologia. Entretanto, é melhor preparar uma medicação,
para o caso de ser preciso.
92  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Do outro lado do telefone, e depois de se ter realizado um ECG ao doente, o


especialista e a médica de serviço discutiram durante algum tempo o caso do
doente. No final, decidiram-se por algumas alterações terapêuticas e aumentar
a vigilância.

– O meu colega passa por cá mais logo, entretanto vai fazer esta medicação.

Cerca das duas horas da manhã, quando tudo parecia calmo, e no preciso mo-
mento em que a porta se abria para entrar o cardiologista, um forte e agudo ru-
ído não deixou margem para dúvidas. O doente da cama 3 estava a fazer uma
assistolia. Todos correram na sua direção e o primeiro a chegar aplicou-lhe uma
pancada precordial.

– Não resulta. – Disseram.

A seguir, foi o que se imagina. Vários profissionais a tentar reanimar o doente.


Posicionando-o, administrando-lhe a medicação apropriada, fazendo-lhe massa-
gem cardíaca, mas nada. Tentou-se a desfibrilação. E assim foi. Uma vez, duas…

Entretanto, outro monitor chama a atenção. O Enf.º Nuno corre na direção do


doente.

– Dr.ª Lina! Pode chegar aqui. Vamos ter outra paragem.

– Faça-me um favor, Nuno. Não vamos fazer nada a esta doente, mas não deixe que
a Enf.ª Susana se aperceba. Já sabe como é. Ela acha que todos devem ser reanima-
dos e eu não estou para me chatear com ela.

70. ‘A doente foi admitida’

A doente foi admitida no serviço de urgência com lesões de vasculite nos mem-
bros inferiores. Referiu terem surgido à cerca de uma semana. Dois dias após,
inicia dispneia com rápido agravamento. Deteta-se hipoxemia grave e infiltrado
pulmonar bilateral, que sugerem Pneumonia/ARDS.

É entubada traquealmente e passa a ser ventilada mecanicamente, pelo que é


transferida para a UCI. Vai também com suporte de Noradrenalina e Cloridrato
de Dopamina.

Como antecedentes conhecidos existe uma cardiopatia isquémica, taquicardia


ventricular, bronquite crónica e Diabetes Mellitus tipo 2.

Setenta e duas horas depois, o estado da doente agrava-se significativamente, ao


93  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

ponto de se tornar inevitável uma transfusão de produtos sanguíneos. A Enf.ª


Celeste, a quem a médica entrega o pedido de colheita de sangue para tipagem,
sabe que a doente é testemunha do Jeová, porque se lembra de ter visto no pro-
cesso um documento qualquer, a referir que a doente não aceita receber sangue
de outras pessoas.

Já com o documento em seu poder, a Enf.ª vai falar com a médica que entregara
o pedido.

– Dr.ª! Tem conhecimento disto?

– Tenho. E já falei com o marido. Ele é um dos que assina esse papel, e diz que se
for necessário para o fazermos. Apenas pediu para termos cuidado com as outras
visitas. Enquanto estiver a ser administrado não entra ninguém, ou então dissimu-
lamos a perfusão.

– Mas isso estará certo?

– Não se preocupe. Aliás, é para lhe salvar a vida, por isso podemos fazê-lo.

– Eu tenho dúvidas. A pessoa deve ter pensado nisso quando assinou isto.

– Sabe lá se ela foi pressionada, ou se a obrigaram. Se ela estivesse capaz eu pergun-


tava-lhe, mas como não está.

A Enf.ª Mónica, que ouvia a conversa, interveio, disponibilizando-se para fazer


ela, o que a colega tinha tanta dificuldade em concretizar.

– Eu faço isso, não te preocupes. Ela precisa do sangue, não precisa? Então qual é
a dúvida. Quero lá saber que, sei lá há quanto tempo, tenha escrito uma coisa, que
nem sei se ainda pensa. Vamos deixá-la morrer sem fazer nada. Eu não concordo
nada com isso. Ela depois que me leve a tribunal, mas viva.

– E nos outros turnos, como é que vai ser, tu não estás sempre cá.

– Não te preocupes que alguém fará.

– Se for preciso faço eu, Sr.ªs Enf.ªs.

71. ‘Gertrudes tem 55 anos de idade’

Gertrudes tem 55 anos de idade e, enquanto regava as plantas de sua casa, caiu
pelas escadas, tendo resultado TCE. Chegada ao hospital, é pedida uma TAC que
identifica contusão focal temporo-basal direita, áreas hemorrágicas profundas,
94  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

hérnia do uncus direito com desvio de 1cm da linha média e fratura temporopa-
rietal direita.

É submetida a craniotomia descompressiva de urgência, seguindo para a UCI.


Está sedada e em ventilação artificial, tendo prescrição de monitorização da pres-
são intracraniana.

Ao fim de duas semanas, que decorreram com oscilações do seu estado neuroló-
gico e hemodinâmico, suspende sedação. Apesar de estar a ventilar espontanea-
mente, necessita de peça em ‘T’, pelo que é realizada traqueostomia.

Já na Neurologia, tem um Glasgow de 10 (abertura espontânea dos olhos, localiza


a dor à direita), pupilas isocóricas, de tamanho médio e reativas à luz. Hemipa-
resia à esquerda. Secreções escassas e esbranquiçadas. Tem alimentação entérica
total por SNG e está algaliada com uma sonda de poliuretano. Urina concentrada.

A doente iniciou um programa regular de cinesiterapia respiratória e de fisiotera-


pia. Uma vez por dia, os técnicos deslocavam-se ao serviço.

Ao segundo dia a doente apresentou um vómito de características alimentares. Fi-


cou com a alimentação suspensa por uma hora e reiniciou-a ao fim desse tempo.
Três horas de pois voltou a vomitar. A SNG ficou em drenagem livre, aparecendo
no saco uma mistura da alimentação com um líquido esverdeado.

– Temos de estar atentos à eliminação intestinal desta doente. Eu estive a consultar


os registos e não encontro nada. Pode ter sido esquecimento.

– Era melhor prescreverem-lhe laxantes.

Ao fim de um mês a situação mantinha-se quase inalterada, sob o ponto de vista


neurológico.

– Vai ser a mesma coisa do costume. Era necessário haver estruturas de retaguarda
que acolhessem estes doentes. Precisam de alguns cuidados, mas não deviam estar a
ocupar uma cama num serviço destes.

– Pois, o problema é que não existem. Ela para casa não pode ir e as alternativas
são os lares. E eu não estou a ver nenhum que lhe possa oferecer o que ela precisa.

– Pode até ser que já exista alguma instituição privada que o faça, mas deve ser por
um valor incomportável para a maioria das pessoas.

– Aqui, se calhar, bem-feitas as contas ela ainda fica mais cara o Estado.
95  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

72. ‘Numa das consultas de rotina’

Numa das consultas de rotina realizadas, foi detetado um nódulo na mama es-
querda da Dª Ilda, de 48 de idade. Casada e mãe de duas filhas, uma de 16 e outra
de 18 anos, foi incapaz de dizer ao marido tudo o que o médico lhe tinha dito.

Em princípio, ia ser realizada uma tumorectomia da mama e esvaziamento dos


gânglios axilares. Mas a análise a efetuar no BO podia conduzir a outro desfecho,
bem mais aterrador. Preferia pensar positivo, ainda que isso fosse mais da boca
para fora. Era difícil ter clareza de raciocínio nesta altura.

Confessou tudo às filhas que a começaram a acompanhar às consultas. A filha


mais velha não entendia as reservas da mãe. Para ela, dizer tudo deveria ser uma
coisa normal. Claro que o pai tinha de entender.

Chegou ao serviço logo pela manhã cedo. Vinha acompanhada pelo marido e pe-
las duas filhas. Traziam um ar descontraído e confiante. Pouco depois, o marido
despediu-se e prometeu voltar pela hora do almoço.

Entretanto, uma das médicas do serviço entrou na enfermaria com um impresso


para a D.ª Ilda assinar. Era o consentimento informado.

Quando as enfermeiras entraram para a levar ao BO, mãe e filhas não puderam
deixar de se emocionar. As Enf.ªs tentaram desdramatizar, para lhes dar confiança.

– Daqui a pouco já está de volta, vai ver que corre tudo bem.

O marido da D.ª Ilda regressou antes de a mulher ter voltado, perguntando às


filhas se havia alguma ideia sobre a hora de regresso da mãe de ambas.

– Não nos disseram nada, mas ela já foi há algum tempo.

A cirurgia acabou pouco tempo após, e a doente não tardou muito a estar de novo
com os seus. O seu olhar era triste e estava coberto de lágrimas. As filhas suspei-
taram e foram incapazes de perguntar.

– Pronto, já passou. Não chores. – Tentou consolá-la o marido. – Eu vou ver se falo
com alguém para me dizerem qualquer coisa.

– Não! Fica aqui comigo.

– Mãe! Deixa de proteger o pai, ele tem de saber a verdade.

– A verdade! O que é que se passa e eu não sei?

– Não é nada, a Joana está nervosa.


96  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Não mintas, mãe. Eles tiraram-te a mama, não foi?

– É verdade? E porque é que não me disseram nada?

– Olha o que fizeste à mãe.

73. ‘O Sr. Castro, de 63 anos de idade’

O Sr. Castro, de 63 anos de idade, tem vindo a apresentar episódios de tonturas,


pelo que recorre ao médico assistente, que lhe prescreve medicação para o efeito.

Durante alguns meses não volta a ter qualquer problema, até que um dia tem uma
lipotimia no trabalho, com perda de consciência durante cerca de um minuto.
Acorda desorientado, com uma lesão occipital a sangrar, e os colegas chamam
uma ambulância que o leva ao hospital.

O médico que o recebe, enquanto lhe sutura a ferida, pergunta-lhe se tem ideia de
como estava antes de tudo acontecer.

– Não tenho bem a certeza, mas penso que senti uma dor forte, não sei bem onde, e
falta de ar. Depois só me lembro da cara de susto dos meus colegas.

Tendo em conta o sucedido e a informação obtida, o médico pediu hemograma,


bioquímica, estudo da coagulação, sumária de urina, ECG, RX pulmonar, TAC
cerebral e EDA.

O último exame realizado foi o mais conclusivo. O doente tinha um carcinoma


gástrico. Mesmo sem lhe terem dito qual o diagnóstico, ele foi juntando os co-
mentários que ouvia enquanto lhe realizavam a endoscopia, apercebendo-se de
que a situação era grave.

De volta ao serviço, deu de caras com a filha e a esposa, que depressa se apercebe-
ram de que algo não estaria bem. Ele que era uma pessoa comunicativa e alegre, e
estava estranhamente silencioso e sorumbático.

As duas familiares não se conformaram com as suas explicações e logo que ti-
veram oportunidade e, nesse mesmo dia, questionaram o seu médico assistente.

– Já se sabe alguma coisa? Disseram alguma coisa ao meu marido.

– Que eu saiba não. Ele só fez o exame hoje, e até aqui não tínhamos qualquer
certeza. Agora já é diferente. O seu marido vai ter de ser operado quanto antes.
Precisamos de lhe retirar o estômago.
97  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Ai, meu Deus! O que é que ele tem? Ele não vai aguentar a notícia.

– Ele tem um cancro gástrico.

Instalou-se um silêncio perturbador, entre os três. O médico interrompeu-o ten-


tando animar as familiares do doente com dados estatísticos.

– Não lhe diga o que nos disse, Dr. É preferível não saber. Conhecendo-o como co-
nheço, é preferível que ele pense numa coisa mais positiva.

Foi dito ao doente que por apresentar uma lesão extensa, impossível de tratar de
forma conservadora, teria de ser submetido a uma Gastrectomia Total Radical.

– Como é que eu vou poder viver sem o estômago? – Questionou de imediato.

74. ‘A D.ª Rosalina de 89 anos’

A D.ª Rosalina de 89 anos de idade deu entrada naquele serviço em Janeiro pas-
sado, com o diagnóstico médico de hematúria. Tem antecedentes de neoplasia
vesical e já foi submetida a resseção transvesical, por duas vezes.

No domicílio fazia a seguinte medicação: Nitroglicerina 10mg / dia, durante 12


horas e Cloridrato de Tramadol 1cps de 50mg de 8/8h em S.O.S.

Ficou com uma sonda vesical de três vias, nº 24, a fazer sifonagem contínua. A
doente tem muitas dificuldades em se mobilizar sozinha, só o conseguindo fazer
com ajuda. Apresenta ainda queixas álgicas inespecíficas, sendo que desta vez o
objetivo do internamento é precisamente o controlo das dores.

Foi instituída a seguinte terapêutica: Cloridrato de Tramadol 100mg PO de 8/8h;


Morfina 30mg de 12/12h; Paracetamol 1gr EV em S.O.S.; Lorazepam 1mg à noite.

A Enf.ª Manuela aproximou-se para uma primeira avaliação. Encontrou-a em de-


cúbito lateral direito, olhos fechados. Tocou-lhe ligeiramente no ombro, não fosse
ela estar a dormir, mas a Dª Rosalina despertou de imediato.

– Estava a descansar, peço desculpa.

– Não se preocupe, Sr.ª Enf.ª Eu não faço outra coisa, infelizmente.

– Não gosta de ver televisão? Se quiser posso ligar-lha.

– Pouco me importa. A minha filha ainda não veio?


98  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Acho que não. Deve estar a chegar. Vinha saber se a medicação está ou não a
resultar. Preciso que me diga, porque se for preciso temos outras coisas para lhe dar.

– Eu nunca tive nenhum problema de saúde e suportava as coisas que iam surgindo.
Essas coisas só fazem mal. Mas desde que me mexeram nunca mais fui a mesma. Eu
bem sei que ninguém fica cá… Para agora estou bem. Sinto-me mole, com poucas
forças.

– Isso é normal, o importante é não ter dores.

A filha entrou com ar carregado, quase ignorando a Enf.ª.

– Estou a ver que me vou chatear. Fui pedir para te trazer a comida e disseram-me
que era proibido, que tinhas de comer o que o hospital dava. Isso é que era bom, nem
que eu tenha de ir falar com o Papa…

– Quem lhe disse isso?

– Não sei, vocês andam todos vestidos da mesma forma, que a gente nem sabe o
que são.

– Fique tranquila que tudo se vai resolver.

75. ‘A D.ª Glória tem 45 anos’

A D.ª Glória tem 45 anos de idade e acaba de dar entrada na UCI por Insuficiência
Respiratória, motivada por pneumonia. Veio transferida de um outro hospital
que não tinha possibilidade de lhe proporcionar suporte ventilatório.

Uma leitura ao processo pouco revela. Trata-se de uma grande fumadora, cerca
de dois maços por dia, e está a ser seguida numa consulta de neurologia por quei-
xas periódicas de astenia.

Passado algum tempo, a progressão para uma situação mais favorecedora, permi-
tiu a suspensão da medicação que a trazia adormecida. Despertou agitada, olhos
arregalados a percorrer incessantemente todo o espaço. Tentava falar e a Enf.ª
Maria Rui procurou acalmá-la. Disse-lhe que agora não podia falar, mas que isso
era transitório. Para tentar articular as palavras lentamente, porque assim é mais
fácil de as entender.

O processo de desmame que se iniciara, não correu bem. Tentou-se o BIPAP,


depois de uma explicação adequada sobre as vantagens do aparelho, e da colabo-
ração que seria importante dar, mas ela não se adaptou. Voltou tudo à ‘estaca zero’.
99  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

No dia seguinte tentar-se-ia de novo.

Passados alguns dias e, tendo em conta que se antevia um processo prolongado e


difícil, o Dr. Hugo propôs à doente a realização de uma traqueostomia.

– Nesta fase parece-nos a melhor opção, Dª Glória. Já tentámos por várias vezes
retirar-lhe esse tubo e não tem sido possível. A traqueostomia não vai ser para sem-
pre e vai facilitar todo o processo. Por outro lado vai poder alimentar-se pela boca,
o que é sempre melhor.

A doente escutava o que lhe diziam, mas não revelava o que lhe ia na mente. Teria
percebido tudo? Precisaria de mais alguma explicação?

– Há outra coisa que preciso de lhe dizer, existem riscos graves de mantermos a
entubação, por exemplo, de desenvolver uma traqueomalácia.

Pela leitura dos lábios, a Enf.ª Maria Rui percebeu a palavra ‘filhos’.

– Quer ver os seus filhos? – A resposta foi positiva. – Eu vou telefonar à sua irmã.
É ela que vem cá todos os dias, não é?

– Sr.ª Enf.ª! Não se esqueça que é preciso que alguém assine a autorização. A senho-
ra não está capaz disso.

A irmã era a familiar mais próxima da D.ª Glória, já que ela era viúva. Tinha três
filhos, dois dos quais a viver com a tia. As normas da unidade, não permitiam a
entrada de crianças com a idade de dois dos seus filhos.

76. ‘O Dr. Amadeu tem 27 anos’

O Dr. Amadeu tem 27 anos e nunca confessou à família sofrer de qualquer ques-
tão relacionada com a saúde. É médico no hospital onde fez a maior parte dos
seus estágios clínicos, e aquele onde sempre quis trabalhar. Namora com a Dr.ª
Madalena, uma médica nefrologista da mesma instituição e pensam casar.

O problema inicial que o afligiu já tinha quase uma dezena de anos. Lembrava-se
bem dele, ou não tivesse estourado o carro do pai. Pensou que morria, quando viu
que ia embater na árvore que lhe apareceu pela frente. O destino, ou seja lá o que
for, não o quis. Fez uma lesão no tendão de Aquiles, uma fratura da clavícula e um
traumatismo renal, que resultou em hematúria macroscópica.

Nesse internamento foram-lhe detetados múltiplos quistos renais e hemorragia


intraquística. Apresentava então, uma Insuficiência Renal ligeira. Foi orientado
100  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

para a consulta externa, da qual desistiu mal a função renal e as tensões arteriais
estabilizaram.

Durante cerca de 5 anos não recorreu por nenhuma vez a algum médico ou insti-
tuição, apesar de ter tido três episódios de hematúria macroscópica acompanhada
de dor no flanco. No final desse tempo recorre à consulta de Nefrologia, onde
conhece a Dr.ª Paula., por HTA, tendo-se constatado que estava com uma Insu-
ficiência Renal Crónica severa. As desculpas apresentadas não evitaram as fortes
críticas que lhe dirigiram. Ainda se fosse um ignorante, agora ele. ‘O meu avô
faleceu com doença renal’, terá dito.

A partir daí começou o seu calvário. A primeira fístula arteriovenosa que lhe foi
construída, trombosou pouco tempo após, tendo feito outra pouco tempo depois.
A deterioração rápida e acentuada da sua função renal obrigou-o a ter de iniciar
hemodiálise, mas os acessos vasculares não ajudaram. As permanentes tromboses
de todas as fístulas, que impunham a necessidade de colocação de CVC, não lhe
davam sossego.

Foi finalmente proposto para transplante renal de um dador alogénico.

O Dr. Amadeu está neste momento sentado no cadeirão. O seu rosto demonstra
alguma preocupação, mas é uma pessoa reservada, não é fácil estabelecer diálogo
com ele. A única exceção é o Enf.º Passos, pessoa extremamente bem-disposta e
com quem tem afinidades.

– Estou a ver que hoje as coisas não estão boas.

– Tenho estado a pensar… A Madalena merecia melhor vida do que esta que está a
ter. Sinto que estou a ser um estorvo. Ela está a abdicar de muitas coisas.

– Não me parece que ela pense isso.

– Não tenho direito de lhe pedir este sacrifício.

77. ‘Eduardo recorreu’

Eduardo recorreu ao serviço de urgência e foi-lhe diagnosticado um abcesso peri-


-amigdalino. Foi internado em ORL com indicação para fazer terapêutica EV,
antibioterapia, corticoterapia e Omeprazol, vigilância do seu estado geral e do
aparecimento de dispneia.

Chegou ao serviço na companhia da mulher, grávida, com fluidoterapia em


curso numa veia periférica. A sua aparência não era a melhor. Tinha disartria,
101  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

desidratação, disfagia e astenia. Não ingeria alimentos sólidos há alguns dias.

Após alguns dias sem melhoras significativas, surge um pico febril e um agrava-
mento das dores, tendo-se decidido por uma drenagem do abcesso e substitui-
ção do antibiótico. Colhe sangue para hemoculturas. Poucas horas após entra em
choque.

Transferido para a UCI por septicemia, teve de se sujeitar a uma limpeza cirúrgica
da região do tórax. Fica com um penso oclusivo na região da ferida cirúrgica e
inicia alimentação parentérica. Além de estar com a mobilidade bastante limita-
da, apresenta um humor depressivo.

Durante a estada na Unidade de Cuidados Intensivos contraiu MRSA, detetado


na análise da urina e descobriu-se que o doente era HIV+.

Regressado ao serviço, o Sr. Eduardo de 27 anos, pediu para não permitirem a


entrada de ninguém para o visitar. ‘Tenho direito a isso. Acho eu. Não preciso de
dar explicações, é a minha vontade’, referiu na altura.

A esposa do Sr. Eduardo ficou indignada com o que lhe foi comunicado. Insistiu
em ver o marido, que isso só podia ter sido provocado por efeitos da doença ou
da medicação. Responsabilizou-se pelas consequências e ninguém a conseguiu
impedir de entrar.

– Vai-te embora, não te quero ver.

– Não digas isso, que mal é que eu te fiz. Pensa no nosso filho. – E enquanto pro-
nunciava palavras sentidas de desespero, procurava a proximidade de um toque.
Tentativa imediatamente reprimida com um gesto agressivo.

– Vai-te embora, já disse, tu não vais entender.

O Enf.º Matos entra no quarto do Sr. Eduardo para saber a razão dele ter recusado
alimentar-se, ao jantar.

– Não me chateie, deixe-me em paz.

– Sabe que pagam-me para o ‘chatear’. Essa sua postura não vai resolver os seus
problemas, só os está a adiar.

– O que é que você sabe. Como é que eu lhe vou dizer que tenho a doença. Agora que
estava tudo a correr tão bem. Estou a pagar pela asneira que fiz, pelo meu egoísmo.
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78. ‘Margarida tem 46 anos de idade’

Margarida tem 46 anos de idade, é casada e tem dois filhos menores. Foi internada
por suspeita de doença do neurónio motor.

Tudo começou em Abril desse ano, quando começou com queixas de lombocia-
talgia à direita, acompanhadas de défice motor do membro inferior direito de pre-
domínio distal. Nessa altura foi observada por Ortopedia, surgindo o diagnóstico
de hérnia discal. Fez cirurgia pouco depois. No mês seguinte surge-lhe diminui-
ção da força muscular da mão direita, com dificuldade em realizar extensão dos
dedos. Mais tarde surgem os mesmos sintomas no outro membro, acompanhado
por uma dificuldade em articular palavras.

Está medicada com Messalazina 1500mg por dia em virtude de sofrer da doença
de Crohn.

Neurologicamente, tem desvio da língua para a direita com fasciculações, tetra


paresia mais evidente no hemicorpo direito, com ligeira espasticidade dos mem-
bros inferiores, amiotrofias de predomínio distal e fasciculações dispersas pelos
quatro membros.

Um dos exames complementares de diagnóstico foi uma Eletromiografia cujo re-


sultado aponta para Esclerose Lateral Amiotrófica.

A D.ª Margarida é uma pessoa de espírito bastante pessimista. Essa caracterís-


tica tem favorecido o desenvolvimento de depressões, desde que começou a ter
problemas de saúde. Não tem um conhecimento aprofundado da doença, mas
sabe o suficiente para recear o futuro, referindo inúmeras vezes, quer aos familia-
res quer aos profissionais de saúde que o seu maior medo é ficar completamente
dependente dos outros. Pese embora os tratamentos instituídos, o inevitável vai
acontecendo rapidamente.

O marido da D.ª Margarida mantém-se bastante apreensivo com o evoluir da


situação e não compreende como é que tudo pode ter acontecido. Quando os
médicos começam a falar em alta clínica, o Sr. Ribeiro revolta-se e diz não ter
condições para ter a mulher em casa.

– Como é que eu vou fazer. Ela está cada vez pior e querem que ela vá para casa,
como é que isso pode ser. Neste momento ela é incapaz de comer, de fazer a sua
higiene, de se vestir, de mover-se, sem a ajuda de outra pessoa. Quem é que me vai
valer, eu não posso deixar de trabalhar e os meus filhos são pequenos, têm de ir para
a escola.

– O centro de saúde da sua área vai ser informado e ser-lhe-á prestada assistência
considerada necessária.
103  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Pois, eu sei que tipo de apoio é esse. Aparecem lá de vez em quando.

A D.ª Margarida passa os dias a chorar. Apenas durante a noite, por culpa da
medicação, parece serenar.

79. ‘Antunes de 70 anos de idade’

Antunes de 70 anos de idade, engenheiro de profissão, deu entrada na urgência


com queixas abdominais. O exame médico não parecia deixar margem para dú-
vidas, pelo que foi de imediato encaminhado para o BO do mesmo serviço. A
operação decorreu normalmente, assim como o pós-operatório, pese embora o
facto de se ter tratado de uma apendicectomia branca.
Decorridos uns dias volta às urgências com queixas dolorosas. O antecedente an-
terior levou a que se pesquisassem outras possibilidades. Fez Ecografia abdominal
e laparoscopia diagnóstica, não se tendo obtido qualquer resultado, pelo que o
doente foi internado no serviço de cirurgia para estudo.
Entretanto, chegaram os resultados anátomo-patológicos ao tecido extraído na ci-
rurgia efetuada, revelando alterações sugestivas de linfadenite mesentérica. Con-
siderando os novos dados, a equipa médica solicitou uma TAC abdominal que
confirmou a existência de volumosas adenomegalias retroperitoneais, emergindo
o diagnóstico médico de Linfoma Ganglionar.
Como as queixas álgicas não passavam com a medicação habitual, o doente pas-
sou a fazer MST® a horas certas, que surtiu efeito.
Tendo em conta a importância de uma melhor avaliação da situação, o que só seria
conseguido com uma cirurgia exploradora, foi novamente ao Bloco Operatório.
Comprovou-se a existência de uma massa ganglionar retroperitoneal de grande
volume, múltiplos implantes peritoneais e metastização hepática, concluindo-se
estar na presença de um mau prognóstico.
Passados dias a médica assistente aproveitou a presença da mulher do Eng.º An-
tunes, e foi-lhes comunicar a proposta que no seu entender mais servia o interesse
de ambos. O estado de saúde do doente era grave, estando posta de parte a pos-
sibilidade de intervir cirurgicamente. O único tratamento indicado era a quimio-
terapia. E no seu caso, paliativa, com o intuito de lhe proporcionar uma melhor
qualidade de vida, diminuindo-lhe o sofrimento.
Enquanto a D.ª Rosa chorava compulsivamente agarrada à mão do marido, este
ouvia sem um lamento, um queixume, nada.
– E se não fizer o tratamento, o que é que me acontece? – Nesse momento a esposa
104  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

olhou para ele espantada, mas não foi capaz de pronunciar o mais pequeno som.
A médica explicou-lhes tudo o que lhe aconteceria com e sem o tratamento. Caso
o recusasse, o que ela discordava, só lhe podiam fazer analgesia.
Ficaram os dois a sós e o Eng.º Antunes disse à Dª Rosa qual a sua vontade.
– Sr.ª Enf.ª! Tem de me ajudar a convencer o meu marido a aceitar o tratamento.

80. ‘Carlos tem 33 anos’

Carlos tem 33 anos e está internado por celulite e fasceíte da região nadegueira
esquerda, com atingimento da coxa. Vai ser submetido a fasciotomia com drena-
gem de abcesso.

É um doente toxicodependente – heroinómano desde os 18 anos -, tem hábitos


alcoólicos e é portador do vírus da hepatite C.

No dia da cirurgia, antes de seguir para o BO, foi visitado pelo irmão mais ve-
lho, que juntamente com a mãe ainda mantêm com ele alguns elos familiares. A
Enf.ª ‘Ju’ tentou recolher mais informações sobre o Carlos, ficando a saber que
era desde sempre uma pessoa problemática. Os ‘amigos’ tinham-no conduzido ao
vício. Não tinha emprego e já tinha sido preso por assaltos a residência. Apesar
das tentativas para acabarem com eles, mantinha-se como arrumador numa rua
do Porto.

O Carlos é uma pessoa de facis triste, que se apresenta muito ansioso e com quei-
xas álgicas localizadas na ferida operatória.

A Enf.ª Juvenália conversa com uma colega a propósito deste doente, referindo
que gostava de o ajudar.

– Já o ajudas bastante tirando-lhe as dores e fazendo-lhe o tratamento da ferida.

– Esse não é o principal problema dele. Se não inverter o rumo dos acontecimentos,
volta a vir para cá. Devíamo-nos centrar em tentar encaminhá-lo para uma desin-
toxicação.

– És mesmo uma crente…

A ferida operatória drena um líquido purulento, e fez deiscência da sutura ao fim


de uma semana. A Enf.ª que observa pela primeira vez essa alteração, decide alte-
rar a forma como estavam a realizar o tratamento da ferida. Passou a acrescentar
hipoclorito ao S.F..
105  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Questionado sobre se já recorreu a algum CAT, o Carlos responde que não acre-
dita nisso. ‘Isso é uma treta dos governantes e de algumas empresas, para ficarem
bem com a opinião pública e ganharem rios dinheiro’.

Carlos mantém-se com pouco ânimo, apesar dos incentivos que vêm do irmão
e da equipa de cuidados. Tem frequentes alterações do humor, está renitente aos
tratamentos, não tem disposição para a realização dos seus autocuidados e passa
a noite acordado, apesar da medicação que tem prescrito a horas certas.

Foi contactada a Psiquiatria e ajustada a medicação, que neste momento inclui


analgésicos, ansiolíticos e antibióticos.

Ao fim de duas semanas, o doente parece começar a recuperar. Já se levanta para


ir ver televisão e deambula pelo corredor.

81. ‘O Sr. Jorge tem 65 anos de idade’

O Sr. Jorge tem 65 anos de idade e encontra-se em estado terminal por demência
alcoólica. Está em casa desde que teve alta do último internamento por infeção
respiratória e desidratação. Passa o dia na cama e quem lhe presta os cuidados é
a mulher.

Quando se encontrava de saúde, o Sr. Jorge era um mau pai e marido. Apesar de
trabalhar como trolha, e se gabar de ganhar ‘quanto queria’, quase nunca contri-
buía para as despesas da casa, pelo que deixou a família passar necessidades. A
sua prioridade era ele próprio. Por outro lado, ainda batia bastante nas filhas e na
mulher.

A acrescentar a tudo isto, violou a filha mais velha quando ela tinha 13 anos,
causando-lhe danos irreparáveis a nível físico e psíquico. Ambas as descendentes
saíram de casa ainda adolescentes, nunca mais voltando desde então, nem dando
sinais de vida. ‘Eu acho que elas andam na má vida, mas elas é que sabem, que não
me venham incomodar.

A D.ª Augusta diz que cuida do marido por caridade. Nota-se que o assunto não
a deixa indiferente, mas é difícil saber o que pensa em concreto. Os vizinhos,
questionados pelo Enf.º Amílcar do CS, dizem que ela se está a vingar do mal que
ele lhe fez e às filhas. E por interesse. A reforma dele dá-lhe muito jeito, referem.

– D.ª Augusta, talvez fosse melhor ele ir para uma instituição, não lhe parece? Se
calhar era o melhor para si, também. Aliviava-se o seu trabalho.
106  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Era o que faltava, levarem-no agora para um lar, ou coisa parecida, eu é que sou
a sua mulher. Eu e ele dissemos no altar que era para o bom e para o mau. Eu estou
agora a fazer a parte que faltava.

Vive maritalmente com outro homem na mesma casa, que raramente é visto pe-
los Enf.ºs do Centro de Saúde que lá vão fazer tratamento às inúmeras úlceras de
pressão, na região sacrococcígea, nos calcâneos e trocânteres, e para substituir a
sonda vesical de três em três meses e a SNG.

Encontra-se em mau estado geral, e o quarto onde se encontra não recebe luz
solar. Está numa espécie de anexo da casa, sem condições mínimas de habitabi-
lidade.

A aluna de enfermagem que acompanhava o Enf.º não queria acreditar no que


via e ouvia.

– E o cheiro. É horrível. Como é que alguém pode estar assim, em pleno século XXI,
num país europeu. Isto é desumano. Não se pode fazer nada?

– Eu vou comunicar a situação e logo se verá.

– Eu nunca imaginei, nos meus piores pesadelos, um cenário como este.

– Tu nem imaginas as coisas que nós vemos.

82. ‘Antero deu entrada’

Antero deu entrada no serviço no final do turno da manhã. Vinha para fazer uma
cirurgia programada. Tinha um quisto sacrococcígeo infetado com uma fístula
perianal à direita, pelo que ia fazer uma colostomia temporária, para se poder
resolver a situação, já que doutro modo a presença contínua de fezes dificulta a
cicatrização.

O doente tem 25 anos e veio acompanhado da mulher, aparentando alguma pre-


ocupação. E Enf.º Hilário que o recebe trata de o pôr à vontade, mostrando-lhe o
serviço e pondo-o ao corrente de algumas normas que precisa conhecer.

O Enf.º Hilário aborda o doente no sentido de saber se ele está por dentro do que
lhe vai ser feito, e a resposta é positiva. ‘O médico explicou-me tudo. Disse que era
o melhor tratamento e que se tratava de uma situação transitória’, respondeu-lhe o
Sr. Antero, e o enfermeiro ficou satisfeito com as explicações.

No dia seguinte, passadas umas horas da intervenção, durante o turno da tarde,


107  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

O Enf.º Rocha, que estava agora com o Sr. Antero, comentou com o Enf.º Hilário,
com quem fazia turno e enquanto ambos preparavam as medicações dos seus
doentes.

– Ontem passaste que o doente da cama 23 sabia ao que vinha, mas eu tenho as
minhas dúvidas. Desde que veio do BO que não diz nada. Já o ouvi a discutir com a
mulher, pelo que me dá a ideia de que não sabia tanto assim.

– Ele disse-me que sabia e referiu uma ou outra coisa que eram verdadeiras, agora,
não posso dizer que ele soubesse tudo, até porque isso é muito relativo.

– O que é que é relativo?

– Repara, dizer a uma pessoa que tem 20% de probabilidades de sobreviver ou que
tem 80% de hipóteses de morrer, é o mesmo em termos estatísticos, estás a dizer o
mesmo. Mas o significado que uma coisa e a outra têm, para quem escuta e está
numa situação crítica, é diferente.

– Esse não é o caso deste doente, mas percebo o que dizes. Não sei se a omissão com
boa intenção, será condenável eticamente, mas isso é outra história. Não queres
falar com ele? Eu sei que só estamos os dois e que não dá para conversas, mas podias
tentar.

Um pouco mais tarde, o Enf.º Hilário foi tentar perceber a causa para o problema
do doente. O que o incomodava, não era a colostomia estar ou não a funcionar
bem, e estar a contribuir para a resolução do que o havia levado ali, o que o preo-
cupava era o aspeto que aquilo tinha e ter de prestar os cuidados a si próprio. Mas
principalmente, tinha muitas dúvidas relacionadas com a sexualidade.

– Vamos resolver isso tudo, pode ter a certeza.

83. ‘O Sr. Fontes de 57 anos’

O Sr. Fontes de 57 anos deu entrada na urgência daquele hospital, por volta das
3h da manhã, num estado bastante grave. Apresentava umas saturações de 44%,
cianose da face e extremidades. Foi também aspirado, já que o ruído era bastante
audível, tendo saído bastantes secreções traqueais de aspeto purulento e espesso.
O doente foi posicionado e colocado com oxigenoterapia com uma máscara de
alto débito.

Estabilizada a situação, tentou-se obter o maior número de elementos possível,


para se proceder da forma mais adequada possível. O Sr. fontes tem uma neopla-
108  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

sia intestinal e está em fase terminal. Já esteve internado por diversas vezes, tendo
realizado inúmeros tratamentos, que todavia não conseguiram evitar a progres-
são da doença.

A esposa e o filho mais velho, que o acompanharam, pareceram estar bastante por
dentro do estado de saúde do Sr. Fontes.

Analisada a situação, chegou-se à conclusão de que não se iriam realizar medidas


extraordinárias. Apenas se faria o necessário para o doente ter qualidade de vida
e uma morte com dignidade. Os familiares entenderam o que lhes foi transmitido,
pedindo para ficar junto do seu ente significativo. O pedido não era de todo invul-
gar, mas aquele lugar não era o mais adequado à permanência de outras pessoas,
além de que a morte poderia não acorrer em breve. Quem o poderia afirmar?

– Isto é uma exceção, pelo que a devemos tratar como tal. Se ele amanhã ainda cá
estiver, será transferido para um serviço e depois é com eles, logo se verá. Por mim
não vejo problema em autorizarmos.

As opiniões dividiram-se, porque também os há que não gostam de ‘intrusos’ e


se agarram às regras com ‘unhas e dentes’, como os últimos guardiões do ‘templo’
ou detentores da verdade absoluta, cuja verticalidade sem mácula se ‘estatela’ na
primeira oportunidade, quando têm de passar para o outro lado, emergindo a
falsa moralidade. Contudo, prevaleceu o bom senso.

Mãe e filho ficaram sentados ao lado do doente, em silêncio. O doente agonizava,


mas estava consciente e era difícil perceber quem agarrava a mão de quem com
mais força. Foram colocados biombos para dar alguma privacidade àqueles seres
humanos que vivenciavam um momento impar de comunhão.

Ao fim de pouco mais de uma hora, em que o pulso foi oscilando dentro de uma
contínua bradicardia, soou estridentemente o alarme. Os enfermeiros dirigiram-
-se lentamente na direção do doente. Tinham intenção de suspender o alarme e
proceder de acordo.

– Então, que se passa? Ninguém faz nada ao meu pai? Socorram-no…

84. ‘Inácio é agricultor’

Inácio é agricultor, seguindo a tradição da família, apesar de isso ser na atualidade


um ato de coragem. É como ele se refere habitualmente à sua profissão. Tem 45
anos de idade, é casado e tem três filhos, dois dos quais menores.
109  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Por apresentar emagrecimento acentuado, disfagia e disfonia com estridor larín-


geo, passou a ser seguido na consulta de ORL do hospital da sua área. Tem hábitos
alcoólicos pesados e fuma cerca de 40 cigarros por dia.

Fez Microlaringoscopia em suspensão com biopsia, cujo resultado, carcinoma


epidermóide da laringe, apontou para a realização de uma laringectomia total
seguida de Radioterapia.

Na segunda-feira o doente deu entrada no serviço para a realização da cirurgia


prevista. Vinha com um ar cabisbaixo e estava acompanhado da mulher, que
aparentava maior ‘força’. O Enf. que o recebeu fez-lhe as perguntas e deu-lhe as
indicações da praxe. Apesar de referir não ter qualquer dúvida sobre o que lhe iria
ser feito, aceitou um ‘guia do laringectomizado’.

O pós-operatório decorreu com tranquilidade, até ao momento em que foi inicia-


da dieta oral, detetando-se uma fístula traqueoesofágica. Foi novamente entuba-
do nasogastricamente. Decorrido o período de pausa necessário, constatou-se a
inevitabilidade de fazer uma correção cirúrgica.

Realizado o procedimento, bastaram cerca de duas semanas para se verificar que


o enxerto tinha necrosado. Novas tentativas foram efetuadas, sem sucesso. É nesta
fase que o Sr. Inácio tem uma mudança de atitude. Passa a demonstrar indiferença
por tudo e por todos, o que se refletiu muito na sua família. Deixou mesmo de
fazer os autocuidados que já realizava, e bem, sozinho, mas não foi por não ter
condição física.

O doente passou a estar catalogado como ‘não colaborante’, chegando ao ponto


da agressividade para com todos. Não faltou muito para se ter de fazer restrição
física e química com Diazepam®.

No dia do seu aniversário, a mulher chorava copiosamente à porta da enfermaria.


Não era aquela pessoa que se tinha visto meses antes. Estava despedaçada. Depois
de a tentar consolar, a Enf.ª Mena dirigiu-se ao seu marido.

– Boa-tarde, Sr. Inácio. Vai ter de nos ajudar. Só sabendo o que o preocupa e que o
podemos ajudar. Escreva qualquer coisa.

– Enganaram-me! Enganaram-me! – E depois de uma breve pausa. – Não me avi-


saram que ia ser assim. Nunca mais vou sair daqui.
110  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
photo by: Jeinny Solis S.

Saúde Materna

1. ‘Passavam poucos minutos’

Passavam poucos minutos da 1 hora da manhã, e as enfermeiras estavam, final-


mente, a conseguir iniciar os registos da primeira parte do turno, quando toca o
telefone. Do outro lado da linha falava uma colega que pedia que para irem ao
bloco de partos buscar uma senhora.

A Enf.ª Maria José levantou-se e dirigiu-se ao serviço em questão.

– Boa noite, colega! Vamos ter muitos bebés esta noite?

– Não, até agora só tivemos este, que tu não vais levar, porque teve que ir para a
neonatologia.

– Mas, qual foi o problema dele?

– Nasceu com sepsis, e está muito mal!

Como era habitual em casos destes, um perturbador silêncio acaba por se instalar
111  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

até ao momento em que é preciso resumir oralmente os cuidados que se prestaram


à senhora, para que se possa saber o que fazer perante qualquer eventualidade.

A Dulce é uma jovem de 26 anos de idade, que deu entrada no hospital às 22:00
horas, em trabalho de parto. Pelas 23:00 horas nasceu o João com um Apgar 6,
7, 7, tendo ido de imediato para a neonatologia. A mãe quer dá-lo para adoção e
está muito renitente em responder às perguntas que lhe são feitas, mas colabora
nos cuidados.

– Obrigada, colega, e bom resto de turno!

Do bloco de partos até ao serviço de internamento, existe um corredor de cerca de


20 metros, aproximadamente. Durante essa curta viagem a Enf.ª tentou conversar
com a Joana, perguntando-lhe como se sentia, se tinha alguém lá fora à espera…
Ela, por sua vez ia respondendo de forma direta e sem rodeios, que se sentia bem,
e tinha lá fora o irmão que a trouxe. Apesar de não se encontrar ali ninguém, a
enfermeira não insistiu.

No serviço havia poucas vagas, pelo que ela teve de ficar inevitavelmente numa
enfermaria de 6 camas. Se tivesse sido possível, teria ficado numa enfermaria
mais reservada, primeiro porque o filho estava na neonatologia e, por outro lado,
a Enf.ª sentia necessidade de explorar a situação que lhe tinha sido relatada.

A pediatra quase nem deixou a Enf.ª prestar os primeiros cuidados à puérpera,


momento que ela considerava, por excelência, o melhor para colher dados. Pediu-
-lhe que conversasse com ela para saber quem era o pai, que lhe colhesse sangue…

Entretanto, o telefone tocava a dizer que o irmão e o seu namorado queriam subir
para falar com ela, desesperados com a surpresa (!) e ansiosos por ver como ela
estava. Porém, ela dizia-me que não queria estar com ninguém.

A médica disse para eles subirem, mas a enfermeira Mª José não pôde autorizar a
entrada deles na enfermaria. Entendeu que não tinha o direito de desrespeitar a
vontade da cliente, justificando a sua decisão com o cansaço da D.ª Dulce.

Então, a Enf.ª sugeriu à médica e às colegas que falassem com o familiar e namo-
rado lá fora, enquanto ela conversaria com a senhora, aproveitando para retirar o
sangue para as análises pedidas.

Falando-lhe baixinho, para que mais ninguém ouvisse e para que as restantes
clientes descansassem, perguntou-lhe se queria falar de alguma coisa, apelando
ao seu bom senso, uma vez que o recém-nascido corria risco de vida e era neces-
sário tomar medidas que dependiam de informações que só ela podia dar.

Foi então que a D.ª Dulce se abriu com a Enf.ª, contando-lhe o que tinha acon-
112  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

tecido. O João era fruto de uma relação de uma noite com um homem que não
conhecia, de nacionalidade Francesa. Não era do namorado, e ela não sabia se ele
tinha alguma doença ou outro problema.

Confessou-lhe, que durante este tempo todo, tinha dito à família que lhe tinha
surgido um problema no útero, e que precisaria de ser operada. Procurou infor-
mação na Internet, e foi enganando os familiares desta forma. Vive sozinha, é
gestora, mas não quer o filho.

Há cerca de dois dias estava no café com o irmão e com o namorado e sentiu a
bolsa de águas rebentar. Foi para casa, e como tinha lido que o nascimento podia
não ser logo, foi-se aguentando até sentir contrações, que só se tornaram ritmadas
hoje.

– Eu não quero este bebé, mas também não quero que ele morra. Não sabia que lhe
estava a fazer mal. Apenas me tentava proteger, não queria que ninguém soubesse!

A Enf.ª Mª José pediu que ela descansasse e que refletisse com calma no que que-
ria fazer. Logo que ela se restabelecesse, voltariam a conversar.

Entretanto, apelou à compreensão das visitas que se encontravam na sala de espe-


ra, solicitando que a procurassem no dia seguinte. Provavelmente a Dª Dulce já
estaria capaz de as receber.

O puerpério decorreu dentro da normalidade, mas a criança acabou por falecer.


E agora, pensou a enfermeira, que vai ser desta jovem?

2. ‘Um dia como tantos outros’

Um dia como tantos outros, uma tarde como tantas outras, mas clientes sempre
diferentes com histórias de vida distintas.

A Enf.ª Juliana dizia à sua colega como adorava fazer tardes, pela proximidade
que conseguia com a família e pelas possibilidades de trabalhar outros aspetos,
para além da mera execução, com o tempo disponível.

A D. Joaquina é uma senhora de 32 anos que decidiu ter o seu primeiro filho neste
hospital. O facto de ter feito manhã e tarde seguidas, fez com que a enfermeira
tenha acompanhado o seu puerpério.

No primeiro dia acolheu no serviço o casal e filha, dando continuidade aos cuida-
dos iniciados no bloco de partos.
113  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

A amamentação foi o problema identificado que mais atenção requeria da sua


parte. A cliente, queria muito amamentar, mas os mitos ligados a esta prática
eram muitos, aumentando a ansiedade que acabava por bloquear o seu pensa-
mento e atitude.

– O meu leite não presta, ela não fica satisfeita… E ela não se adapta bem à mama.

Junto da mãe que me dizia querer amamentar e do pai que se prontificou a ajudar,
a Enf.ª tentou adaptar a recém-nascida à mama, numa tentativa de ultrapassar a
situação.

Não foi fácil! Desde conseguir acordá-la bem, até encontrarem a melhor posição,
foi complicado, mas finalmente conseguiram colocar a Eduarda à mama. Mamou
cerca de 15 minutos com boa sucção.

– Sra. Enfermeira! Acha que foi suficiente o tempo que mamou? – Parecia receosa
em colocar a questão. Talvez imaginasse estar a ser ridícula com aquele tipo de
dúvida.

– D.ª Joaquina, ninguém nasce ensinado. É normal não saber o que fazer em inúme-
ras situações, nomeadamente naquelas que acarretam uma responsabilidade maior,
como a de ser mãe. Eu vou esclarecer tudo aquilo que for preciso, fique descansada.

3. ‘A D.ª Licínia estava no segundo dia’

A D.ª Licínia estava no segundo dia pós-parto, e a questão que se levantava tinha
a ver com as consequências de uma grande perda de sangue durante o parto. A
hemoglobina baixou para 6,4. Antes da colheita, a Enf.ª Helena tinha verificado
a sua palidez. Cansava-se com mais facilidade que no dia anterior – nem tinha
aguentado estar perto da Carlota no banho -, e o resultado laboratorial confirmou
a suspeita.

Apesar disso, a vontade de amamentar não tinha diminuído, pedindo ajuda para
o fazer, enquanto o marido não chegava.

Ainda na parte da manhã, a médica de serviço aconselhou a transfusão de sangue,


para tratar a anemia. A D.ª Licínia recusou o tratamento, não alegando nenhuma
razão em concreto. Só acrescentou querer falar com o marido.

A sua recusa não caiu muito bem. A Dr.ª Carla insistiu para que assinasse a auto-
rização para a transfusão. A senhora voltar a negar, dizendo que ninguém a podia
obrigar.
114  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Eu quero falar com o meu marido.

A situação tinha uma certa gravidade, mas talvez se pudesse aguardar algum tem-
po. Decidiu-se respeitar a sua decisão, aguardando que ela consultasse o compa-
nheiro, conforme era seu propósito.

A D.ª Licínia, apesar de estar claramente enfraquecida, fazia um esforço por pres-
tar os cuidados necessários à sua filha.

Passado algum tempo e já na presença do marido, que entretanto tinha chegado


e conferenciado com a sua mulher, a Enf.ª Helena abordou, de novo, o assunto.
Responderam que não iriam alterar nada.

– É uma resposta definitiva, então?

– Sim. Não queremos a transfusão. – Respondeu o marido. Quais são as outras


opções de tratamento?

– Nenhuma opção é tão boa como esta. Não quer amamentar, Licínia? – Questio-
nou a Dr.ª Carla.

– Sim. – Respondeu a D.ª Licínia.

– Então tem que fazer a transfusão!

O casal estava dividido. De um lado, aquilo em que acreditavam e, do outro, a sua


filha. A médica e a enfermeira afastaram-se.

– Há alguma alternativa Dr.ª?

– Por vezes utiliza-se o Complexo Hidróxido Férrico no tratamento de anemias,


ainda que menos graves. Mas talvez se possa tentar. É uma hipótese.

O casal de imediato aceitou. Foram de seguida planeados uma série de cuidados


com a alimentação, repouso e amamentação, que não comprometesse a quantida-
de e qualidade do seu leite, e também, para diminuir a ansiedade da mãe.

Ficou no serviço cinco dias até a hemoglobina voltar a valores ‘aceitáveis’, e poder
ir para casa.
115  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

4. ‘Os enfermeiros do serviço’

Os enfermeiros do serviço têm achado estranho, mas ainda não surgira a oportu-
nidade, ou a pessoa certa para questionar a Dª Francisca, sobre o facto de não ter
ainda recebido visitas do marido.

A Enf.ª Patrícia, que ia iniciar o turno da tarde, enquanto ouvia os habituais co-
mentários dos colegas, pegou no processo da doente e foi-o desfolhando, numa
tentativa de encontrar resposta para o que acabara de ouvir. Mas não tinha sido a
primeira, e o resultado foi semelhante.

– Por aí não vais lá, eu já fiz o mesmo. E já perguntei à Dr.ª Rosa, mas ela respon-
deu-me de forma evasiva. Aliás, pareceu-me que sabia mais do que disse. Deve
achar que eu quero as informações por fofoquice…

– Disseste-lhe qual o propósito?

– É evidente que não. Uma coisa é, nós lá fora, como pessoas. Com os defeitos e
virtudes que cada um tem. Outra é enquanto profissionais. Eu não tenho de lhe dar
as minhas razões, se ela não me dá as dela.

– Já percebi, mas com essas atitudes quem sai a perder é a Dª Francisca. Bem, dei-
xa lá. Hoje eu vou-me centrar em perceber o que está a acontecer, para podermos
ajudar.

A Enf.ª não perdeu tempo, dirigindo-se de imediato ao quarto onde estava a


cliente de quem haviam falado. Bateu à porta e entrou, deparando-se com a Dª
Francisca sentada na cama com o José ao colo, dormindo tranquilamente.

– Boa tarde, Dª Francisca! Está tudo bem, com os dois?

– Sim, obrigado. A médica disse-me que eu ia passar cá o fim de semana. – A Enf.ª


achou estranho, já que não conhecia nenhuma razão para esse prolongamento da
estadia, mas não se descaiu.

– Ainda não vimos por cá o seu marido, há algum problema? – A referência pertur-
bou claramente a Dª Francisca, que não soube ou conseguiu responder.

– É tão bonito, o meu filho, não é Sr.ª Enf.ª? Não é por ser meu, mas todos que o vêm
dizem isso. E o pai não quer saber dele…

– Ele queria que abortasse?

– Ele não dizia que sim nem que não. Mas não quer a responsabilidade de ser pai.
Diz que é comigo, eu é que fui a culpada, por isso que me arranje. E eu não sei qual
vai ser a reação dele quando nós chegarmos lá a casa.
116  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

5. ‘Carla e Rui formam um casal jovem’

Carla e Rui formam um casal jovem, bastante jovem. O Serviço de Obstetrícia


daquele hospital do centro do país recebe, cada vez mais, grávidas adolescentes,
daí que não tenha sido propriamente uma surpresa.

O parto decorreu com normalidade, dentro do que era de esperar. Os pais estavam
aparentemente felizes, mas percebia-se algum receio e, muitas, muitas dúvidas.

Quando as enfermeiras entravam para cuidar do recém-nascido, ficavam contraí-


dos e pareciam aterrorizados com as tarefas que os esperavam. Era-lhes dito o que
fazer relativamente à higiene e ao coto umbilical do seu filho, ao mesmo tempo
que eram incentivados a colaborar nestas tarefas. O resultado, porém, não estava
a ser muito animador. Enquanto a mãe fazia um esforço por responder ao que lhe
era pedido, o pai saía da enfermaria.

Sónia acabara de entrar na sala do café, quando a Dr.ª Olga a abordou.

– Enf.ª Sónia! Estávamos aqui a falar de si, ou melhor, das suas mães. A Enf.ª M.ª do
Céu diz que a Carla continua como no primeiro dia, muito temerosa.

– Ela tenta fazer como a gente lhe diz, mas é muito novinha, ainda devia andar mas
era com as bonecas. Precisa de mais tempo para aprender a ser mãe.

– Pois é, mas isso também se aplica a toda a gente. Já não há razões objetivas para
a mantermos cá, vamos ter de lhe dar alta.

– Eu hoje fiz-lhe algumas perguntas sobre a sua condição económica, e parece que
não é lá grande coisa. Vivem num anexo da casa dos pais do rapaz, que foram os
que estiveram cá ontem de tarde. Não sei se os viu…

– Não… Mas se for assim, temos de avaliar melhor a situação, talvez precisem de
algum apoio.

– De manhã, Estava a fazer-lhe os cuidados ao períneo e entre as dúvidas comuns,


da cicatrização dos tecidos, dos pontos, do aspeto com que ia ficar, ela questionou-
-me sobre quando é que iriam voltar a poder ter relações sexuais.

– Como é que ela está?

– Está como tu quando tinhas a idade dela.

Berta olhou para a criança que estava à sua frente no colo da enfermeira. Sentia-se
muito confusa e não podia simplesmente apagar todo o seu passado. E o futuro.
Teria coragem para o modificar?
117  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

6. ‘Adelina tem 35 anos de idade’

Adelina tem 35 anos de idade, é casada e acaba de entrar no serviço de Obstetrí-


cia. Vem acompanhada do seu rebento, que acaba de nascer. Aparentemente uma
situação como tantas outras.

Nas primeiras horas tudo decorreu dentro da normalidade, apenas a partir do


segundo dia começaram a surgir algumas incongruências difíceis de entender. A
Enf.ª Liliana, que nessa manhã ficou com a Dª Adelina e a sua filha, reparou que
lhe tinham levado o biberão, estranhando. Em conversa com a Enf.ª Célia, perce-
beu que já tinha acontecido outras vezes.

– Mas ela pareceu-me querer amamentar, será que não está a conseguir, ou pensa
que é insuficiente? Não me apercebi de nada.

A Enf.ª deslocou-se ao quarto para tentar averiguar. Todos os dias lhe apareciam
casos particulares com problemas comuns. Desconhecimento, muitas vezes, falta
de vontade, outras tantas, enfim, mas haviam sempre as exceções.

Adelina não desconhecia as técnicas de amamentação e rapidamente demonstrou


que as sabia fazer. O posicionamento do recém-nascido, a alternância das mamas
e o estímulo do reflexo perioral do RN. Por outro lado, além de mostrar conheci-
mentos sobre a importância que o leite materno representa para a criança, ainda
revelou ter sido desse modo que procedeu com os restantes filhos. Então, porquê
tanta hesitação. Questionava-se a enfermeira.

Quando se tentava aprofundar um pouco, ‘querer saber mais’, a Dª Adelina esqui-


vava-se, dava a volta às questões e terminava rapidamente a conversa. Ausentava-
-se do quarto frequentes vezes, o que parecia indiciar algum desinteresse pelo
filho.

– A mulher é estranhíssima, parece maluca. Quando estamos a falar com ela evi-
dencia ser uma pessoa conscienciosa e, logo a seguir tem comportamentos contradi-
tórios. Há ali qualquer coisa que ela nos está a esconder.

Os Enf.ºs passaram a estar mais atentos, reparando que até então, ainda não ti-
nha sido visitada por ninguém, o que não era vulgar. Confrontada com o facto,
argumentou que a família não teria tempo, pois era necessário atender aos seus
outros filhos, etc, etc.

– Por muito que se tenha de fazer, não se arranja um bocado para estar com a
pessoa?

– Eu não sei se ouvi bem, mas hoje quando vinha de almoçar reparei que ela estava
118  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

de conversa com uma senhora mais velha, e pareceu-me que a tratou por outro
nome.

Afinal, ‘encostada à parede’, não mais resistiu. Inventara uma identidade. O ma-
rido a quem tinha prometido fazer uma laqueação depois da última gravidez,
porque a família já era grande de mais para a sua condição económica não ia
entender. Simulou outro problema.

7. ‘Em Janeiro deste ano’

Em Janeiro deste ano deu entrada no Serviço de Obstetrícia a D.ª Matilde. Vinha
com perda de líquido amniótico, tendo-lhe sido diagnosticada uma rutura pre-
matura das membranas e oligoâmnios, tendo por esse motivo de ficar internada.

A D.ª Matilde tinha uma gravidez de risco, estando em repouso absoluto desde o
primeiro trimestre de gestação, por correr o risco de parto antes do tempo. Apesar
disso, e considerando que estava a seguir à risca as indicações médicas, o início do
trabalho de parto apanhou-a de surpresa.

Ao fim de 48 horas de internamento a doente começou a apresentar febre, pelo


que iniciou antibiótico, tendo nessa noite desencadeado trabalho de parto. Nasce
então, por parto eutócico, a Mariana com 25 semanas, 860gr e 37cm, registando
um Apgar 4/7. Foi necessário proceder a reanimação, com medidas de suporte
avançado de vida.

O Recém-nascido foi então transferido para a Unidade de Neonatologia, em ven-


tilação mecânica, com uma condição razoável. Foi-lhe colhido sangue para fazer
rastreio séptico e colocados cateteres umbilicais, venoso e arterial, iniciando flui-
doterapia e terapêutica endovenosa. Foi pedido RX pulmonar que revelou Doen-
ça da Membrana Hialina grave, pelo que fez surfactante.

O casal Rodrigues estava bastante angustiado por toda aquela situação, particu-
larmente a Dª Matilde, que se sentia culpada por o que estava a acontecer à sua
filha. Já tinha estado grávida uma vez, mas não se conseguiu evitar o aborto es-
pontâneo ao fim de poucas semanas. Os sacrifícios que lhe tinham sido pedidos,
para viabilizar aquela segunda gravidez foram aceites com alegria, tal era a sua
vontade de ser mãe.

Quando tudo parecia estabilizar ao fim de uma semana, surgiu um enfisema in-
tersticial pulmonar, que conduziu a um agravamento da situação clínica da Ma-
riana. Passados uns dias, a equipa médica leva a Mariana ao BO para fazer o
encerramento do canal arterial. Regressa num estado crítico e os pais pedem para
ser feito o batismo, o qual é realizado.
119  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Durante muitos meses, instalam-se sucessivas sépsis e as tentativas para que con-
siga respirar espontaneamente revelam-se infrutíferas. A Mariana tem um défice
de acuidade visual, paralisia cerebral e alimenta-se por um botão de Gastrosto-
mia.

O casal está cansado e desgastado. A Dª Matilde não sai do serviço e mantém uma
ligação muito forte com a filha. O pai está diferente e parecem diferir quanto ao
que desejam para a sua filha. Ele já confidenciou a alguns profissionais que prefe-
ria que a criança morresse.

– Deixava de sofrer. O que vai ser dela, assim, se sobreviver a isto. E de nós. A minha
mulher pensa de uma forma diferente…

8. ‘Anabela e Rúben’

Anabela e Rúben, ambos com 37 anos dirigem-se para o hospital. Estão prestes
a ser pais pela terceira vez. Queriam muito um rapaz, ou melhor dizendo, queria
a mãe, que o pai não sofria dessas ideias ultrapassadas que alguns homens têm.
Mas agora iam ficar por ali, fosse rapaz ou rapariga. Não tinham querido saber
o sexo da criança antes do nascimento, para ser uma surpresa completa. ‘Seja o
que Deus quiser. O que importa é que seja perfeitinho e tenha saúde’, referiam e
concordavam até à exaustão, com as afirmações costumeiras dos amigos e família.

A Enf.ª Rute é chamada para ir ao Bloco Operatório – já que se tinha tratado de


uma cesariana -, para trazer o Recém-nascido para o serviço, aproveitando para
‘apanhar’ o pai no caminho.

– Quer vir comigo, Sr. Rúben? Vamos buscar o seu bebé? Eu já sei o que é, mas não
lhe vou dizer. Vai ser surpresa até ao fim.

Caminharam em passo normal até ao BO. Rúben estava nervoso, como qualquer
pai que se preze e não dizia nada, ficando a Enf.ª com as despesas da conversa.
A experiência aqui conta pouca coisa, dizem. A Enf.ª Rute foi-lhe dizendo que a
criança viria numa incubadora, por causa das diferenças de temperatura, mas que
isso era uma prática habitual, para não o alarmar.

A Enf.ª do BO entregou o RN à Enf.ª Rute e deu-lhe conta de algumas suspeitas. É


quase uma certeza, mas tem de se confirmar. Olhou para ele com redobrada aten-
ção. Era um rapaz, com inversão das fendas palpebrais, nariz em sela, macroglos-
sia, plantação baixa dos pavilhões auriculares, entre outras alterações indicadoras
de uma Trissomia 21. Faltava o cariótipo.

– Como é que eu vou fazer, se ele me perguntar?


120  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Olha, não queria estar no teu lugar. Isso é um diagnóstico médico, encaminha
para os Sr. doutores. É o que eu faria.

A Enf.ª Rute foi-se dirigindo com a incubadora para fora do BO, sem ter um
plano definido de atuação. Pensou em jogar na defensiva, talvez fosse o melhor.
Mal assomou à porta, foi abordada pelo pai, que se agarrou ao aparelho com as
lágrimas a jorrar pela face abaixo.

– É um menino, como queriam.

– Está tudo bem com ele, Sr.ª Enf.ª?

– Está, está, não teve qualquer problema no parto… E a sua vai chegar não tarda
nada.

– É um bocadinho diferente das minhas outras filhas…

9. ‘Berta tem 32 anos de idade e é solteira’

Berta tem 32 anos de idade e é solteira. Deu entrada no hospital grávida de qua-
renta semanas. Esta é a sua terceira gravidez.

É toxicodependente. Tem um aspeto envelhecido, está emagrecida e apresenta-


-se mal cuidada. Parece estar ausente, mostrando desinteresse por tudo o que a
rodeia.

A médica que a recebe aborda o assunto que parece estar na cabeça de todos. Por-
que é que deixou a gravidez chegar a este ponto? Porque é que não fez um aborto.

– Dos seus outros filhos, compreende-se. Havia as questões legais, agora com este
isto já não se passa.

– Que é que a doutora tem a ver com isso? Querem ver agora esta.

– Façam mas é o que vos compete que eu tenho mais o que fazer. Eu não estou aqui
por minha vontade. Cheguei a falar com um médico, mas ele disse-me que eu já
tinha tempo a mais. Mas, ouça, não há crianças a menos? Se vocês não engravidam,
faço-o eu, ò doutorzinha.

– Nós já contactámos a Assistente Social e a sua família.

– Eu não tenho família. Estou só, no mundo. Tenho de me virar sozinha.

A Assistente Social confirmou que se tratava de um caso complicado. O primeiro


121  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

filho da Berta vive com a avó e o segundo foi entregue para adoção. Provavelmen-
te é isso que vai acontecer com este.

O parto, normal, decorreu com tranquilidade, tendo nascido uma menina. Nos
primeiros dois dias, Berta apresentou períodos de sudorese, astenia, tremores e
alguma agitação, pelo que foi pedida a ajuda de psiquiatria.

– Já está mais calma, Berta? Não quer pegar na sua filha? Já viu que linda que ela é.

– Não sai a mim, então.

– Desarranjada como está, talvez tenha razão, mas não foi sempre assim, tenho a
certeza disso.

Nesse momento, aflora à porta da enfermaria uma senhora que se veio a saber
ser a sua mãe. Aproximou-se sem dizer uma palavra, enquanto a filha escondia
o rosto.

– Vai-te embora, não quero que me vejas assim.

– Eu não consigo fingir que não sei. Que tu não existes. Não há dia nenhum em que
não pense em ti, ou que não tenha esperança, basta olhar para a Daniela.
122  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
photo by: Lonnie Bradley

Saúde Infantil

1. ‘O João tem 2 anos de idade’

O João tem 2 anos de idade e foi à consulta de enfermagem com a sua mãe. O João
não quer sair do colo da mãe e não admite que lhe retirem um pequeno peluche
que traz consigo. A enfermeira Catarina registou os seguintes dados: peso – 11 kg
|P(10)|; altura: 87 cm |P(50)|; IMC: 15 |P(10)|; procura ativamente um objeto em
diversos possíveis esconderijos; tenta copiar gestos e palavras; reconhece-se no
espelho e faz referências verbais a si mesmo; faz uma torre de 3 cubos.

Durante a entrevista a mãe verbalizou: ‘tem sido muito difícil criar o João. Res-
ponde a tudo que não, está sempre a implicar com a irmã mais nova e até voltou
a querer beber o leite por biberão... Não percebo porquê que ele é assim, às vezes
penso que ele faz isto só para me irritar. Não percebo, não sei o que fazer e quase
já nem saio à rua porque está sempre a fazer birras’.
123  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

2. ‘O Filipe nasceu’

O Filipe nasceu por parto eutócico, às 38 semanas gestacionais, Apgar 7-8-10, tem
agora 36 horas de vida.

A sua mãe (Maria) tem 18 anos de idade, teve uma gravidez vigiada no centro de
saúde, mas que foi ocultada à família até às 16 semanas. A Maria é extrovertida,
muito conversadora e bem-disposta. É muito cuidadosa e embora atenta às ne-
cessidades do filho, refere frequentemente: ‘não faço ideia se este rapaz é capaz de
ouvir quando falo com ele’.

A Enf.ª Joana é a enfermeira responsável pelos cuidados à Maria e ao Filipe, e


colabora com uma escola de enfermagem na orientação de uma aluna que neces-
sita de preparar o regresso a casa do Filipe e da mãe. Esta aluna reúne a seguinte
informação sobre a mãe do Filipe: não recebeu visitas durante a hospitalização;
é solteira; está desempregada; tem um irmão invisual; vive com os pais; é com-
petente na alimentação e higiene do Filipe; hoje mostra-se especialmente agitada
e ansiosa e, entre lágrimas, referiu: ‘hoje não me apetece conversar, estou muito
triste, o meu Filipe não abre os olhos. Às tantas é como o meu irmão’.

3. ‘A Ana nasceu com 35 semanas’

A Ana nasceu com 35 semanas por cesariana após várias tentativas sem sucesso
de aplicação de ventosa. Apgar 6-8-9. O líquido amniótico apresentava cheiro
fétido. Pesa 2200 gr; tem 45 cm de comprimento.

A mãe (Catarina) tem 23 anos, é prostituta, teve rotura prematura de membranas


e apresentou febre antes do nascimento da Ana e a gravidez não foi vigiada.

A Ana tem 6 horas de vida e apresenta boa vitalidade, choro forte, pele e mucosas
rosadas, já teve uma dejeção de mecónio, o abdómen está mole e depressível e
mama vigorosamente. A mãe afirma não ter roupa para a menina nem meios
económicos para lhe satisfazer as necessidades básicas após o regresso a casa.

O pai da Ana é toxicodependente e durante o tempo que permaneceu no serviço


mostrou-se muito agressivo com a Catarina.
124  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

4. ‘A Joana nasceu por parto eutócico’

A Joana nasceu por parto eutócico, às 40 semanas gestacionais, Apgar 8-8-10, tem
agora 48 horas de vida. A gravidez não foi desejada, nem foi vigiada. Ao nasci-
mento, o líquido amniótico apresentava mecónio e cheiro fétido. A mãe iniciou
febre 4 horas após o parto.
A Joana é a primeira filha da D. Manuela que tem 40 anos de idade. A D. Manuela
é introvertida e tem muita dificuldade em se expressar verbalmente. É muito cui-
dadosa e, embora atenta às necessidades básicas da filha raramente interage com
ela. Quando a enfermeira Catarina a questionou sobre este facto a D. Manuela
respondeu: ‘Para quê? Se os bebés não conseguem ver e ouvir não é preciso nada
disso (...) nunca vi a minha mãe fazer isso e olhe que ela teve 8 filhos e estamos
todos muito bem. E eu nem sei fazer o que está a dizer’.
A menina está normotérmica e normoglicémica; apresenta frequência respirató-
ria de 68 cr/min, TA 100/ 78 mmHg, pulso 170 bat/min, satO2 89% e adejo nasal.
A Enf.ª Catarina ao supervisionar a alimentação da menina verificou que esta
está agitada e com dificuldade em mamar, soltando frequentemente a aréola. A
mãe verbaliza ‘a Joana faz um barulho esquisito ao respirar e não consigo dar-lhe
de mamar, ela até parece ter fome mas não agarra a mama. E já passaram 4 horas
desde a última mamada’.

5. ‘A D. Marta levou hoje a filha Fabiana’

A D. Marta levou hoje a filha Fabiana que tem 9 meses à consulta de saúde infan-
til. O enfermeiro João registou os seguintes dados no processo clínico da Fabiana:
dentes incisivos centrais em erupção; procura conforto no carinho, na simpatia e
em objetos de segurança; medo, apreensão, choro e lágrimas quando afastada da
mãe; choro, sorriso e vocalização diferenciados para a mãe; olha mais para a mãe
mesmo que ela não esteja perto; explora quando está longe da mãe, apesar de a
utilizar como uma base segura; brincadeiras basicamente solitárias; peso 7 kg |P
(5) |; comprimento 69 cm |P(50)|; pinça fina ausente; controle completo da cabeça;
senta-se sem ajuda.
Durante a entrevista a mãe referiu: ‘a Fabiana tem chorado muito e leva tudo à boca
e até pensei que podiam ser os dentes a aparecer. Mas os dentes não nascem mais
tarde Srs. enfermeiros?... Retirei do berço da Fabiana todos os brinquedos... Colo-
quei barreiras de acesso a áreas perigosas... Ela já fica perto da família durante as
refeições e deixo-a beber por um copo; mas para ela comer é mais complicado, fica
tudo sujo, não sei o que fazer... Quando eu não estou perto dela é muito complicado
porque chora muito, não vai para o colo de mais ninguém e não deixa que ninguém
lhe toque’.
125  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

6. ‘O Filipe é uma criança de 8 anos’

O Filipe é uma criança de 8 anos a quem foi diagnosticada Diabetes Inaugural.


Está internado há 3 dias no serviço de Pediatria. Apresenta cefaleias, mucosas
descoradas, pele seca, polidipsia e poliúria. Os pais estão muito ansiosos porque o
Filipe neste momento apresenta valores de glicemia capilar de 368 mg/dl. A Enf.ª
Joana verifica que os pais não reconhecem os sinais e sintomas de hiperglicemia.

O Filipe tem sido uma criança que na escola tem tido dificuldades de aprendiza-
gem, os pais referem que tem muitos amigos com quem brinca frequentemente.
É uma criança que os pais referem como tendo ‘muito apetite’ e ‘estar sempre a
comer... De tudo’. A Enf.ª Joana verifica que é normalmente o pai que responde
às questões e que a mãe assume uma atitude reservada, dizendo poucas palavras.

7. ‘A Ângela é uma menina de 14 anos’

A Ângela é uma menina de 14 anos que veio à consulta de Saúde Infantil. Traz
vestida uma minissaia e uma camisola fina, com uma camisa por cima (Dezem-
bro/temperatura aproximada de 7º).

Quando a Enf.ª Catarina se refere ao vestuário da Ângela, a menina responde que


todas as amigas se vestem assim. Apresenta-se no percentil (5) quanto ao peso e
no percentil (5) quanto à estatura.

A mãe (D. Sofia) refere que a Ângela se tem alimentado mal, e que ‘passa muitas
horas a ver televisão e anda muito mal humorada’. Face aos comentários da mãe
a Ângela começa a chorar e quando a enfermeira a questiona responde que ‘não
gosta de estar em casa, sobretudo quando o pai lá está’. A D. Sofia apressa-se em
se despedir da Enf.ª Catarina argumentando que tem que ir trabalhar e que a filha
tem muita imaginação. Após alguma insistência a Enf.ª ainda teve tempo para
agendar uma visita domiciliária.

8. ‘O João é filho da D. Rosa’

O João é filho da D. Rosa e tem 12 horas de vida. Nasceu por paro eutócico, é o
quarto filho de um casal com baixo nível socioeconómico e que se tem mostrado
conflituoso. A família vive numa habitação degradada, sem água canalizada e sem
luz elétrica. É uma família registada como ‘de risco’ e tem sido acompanhada pela
assistência social. A mãe recusa amamentar o filho, raramente pega no filho ao
126  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

colo e os cuidados de rotina têm sido prestados pelas enfermeiras do serviço. O


João mostra letargia, teve 2 dejeções em pequena quantidade com vestígios de
sangue, o abdómen está distendido e doloroso à palpação, a pele está corada e
hidratada, recusou uma parte significativa da quantidade de leite oferecida na
última mamada e apresentou um vómito de características biliares.

9. ‘A Vanessa é uma adolescente’

A Vanessa é uma adolescente de 15 anos que desde há um mês (altura em que


iniciou medicação não prescrita para emagrecimento) não se tem sentido nada
bem e decide recorrer à Enf.ª Amélia do centro de saúde para lhe relatar este facto.
Durante a conversa a Vanessa foi contando que ‘tenho andado muito enjoada, não
tolero cheiros... Nem consigo estar ao pé dos meus amigos. É que eles fumam e só
o cheiro já me dá vontade de vomitar. E o sono que tenho... Nunca me senti assim.
Lá em casa ainda ninguém deu por nada. Mas tenho faltado às aulas e daqui a
nada a minha mãe descobre que estou reprovada por faltas’.

10. ‘A Mariana é uma menina’

A Mariana é uma menina de 14 anos, com paralisia cerebral, que tem graves dé-
fices motores, está acamada e afásica. O Enf.º Manuel, do centro de saúde da sua
área de residência, que dá apoio domiciliário à família, ao realizar o exame físico
verifica a presença de globo vesical. Pergunta à mãe (que habitualmente cuida da
Mariana) as características das micções (quantidade, cheiro e coloração).

– Quando lhe mudo a fralda ela não se encontra muito molhada. A urina tem um
cheiro muito intenso, mas nunca me preocupei com isso.

O Enf.º verifica ainda, que hoje, a mãe da Mariana se apresenta com ‘ar cansado’,
está particularmente agitada, relatando com minúcia o seu dia-a-dia e descreven-
do com pormenor todos os cuidados que tem tido com a filha.

11. ‘Alexandra tem neste momento’

Alexandra tem neste momento 5 meses de idade e, no entanto, carrega já uma


pesada história de vida.

Com poucos dias de vida iniciou alimentação com leite artificial, quando a mãe
se deparou com a insuficiência do seu leite. A menina não parava de chorar após
as mamadas, com o que parecia ser fome.
127  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Contudo, passado pouco tempo e, apesar de mamar eficientemente e de ingerir


aparentemente a quantidade indicada, vai ficando cada vez mais magra, chegando
mesmo a um estado de quase desnutrição, o que faz recair sobre a mãe uma chuva
de críticas.

– A senhora não via que ela não estava bem. Já cá a devia ter trazido. – Olinda, de
22 anos, foi incapaz de responder. Chorava cabisbaixa. A criança é internada pela
primeira vez.

É colocado um CVC e a Xana passa a ser alimentada com Alimentação Parenté-


rica Total, enquanto o seu caso ia sendo estudado pela equipa. Durante cerca de
dois meses, reverte-se o quadro de desnutrição e inicia-se lentamente um leite,
que tolera. Suspeita-se de uma doença metabólica. Finalmente a tão esperada alta.

De novo, a mãe apercebe-se de que algo não está bem com a sua filha, ocorrendo
novo internamento. Reinicia APT. Nesta fase a progenitora encontra-se bem mais
ansiosa. Diz que tudo lhe vem à cabeça.

– Esta incerteza, de não saber a razão para o que lhe está a acontecer, traz-me
angustiada.

– Nós percebemos, mas para nós também não é agradável o que está a acontecer.
A mim, pessoalmente, irrita-me não termos ainda descoberto qual é o problema.

Decorridos outros dois meses de permanência no hospital, o sorriso voltou de


novo àquela mãe.

– A sua filha tem uma intolerância às proteínas do leite de vaca. Agora ela vai ter de
passar por um processo de adaptação ao novo leite. – Ela rejeita-o, vigorosamente.

Em abono da verdade, aquilo era apenas uma das coisas que teria de acontecer.
Aos 5 meses, tinha de reaprender a mamar, já que ainda o tinha feito muitas pou-
cas vezes.

A mãe está receosa e cansada com tudo o que têm passado, e confidencia a uma
Enf.ª os seus temores.

– Tenho tanto medo de não conseguir. E se acontecer como da outra vez?

– Isso não vai acontecer. Agora temos a certeza do que é. Quanto ao resto, nós vamos
ajudá-la. Temos de ter paciência e empenho. Logo que ela comece a mamar, vamos
reduzindo a APT até a suspender por completo e retirar o CVC.
128  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

12. ‘O Rui tinha sido um menino saudável’

O Rui tinha sido um menino saudável, até ao momento em que uma crise o levou
às urgências. Tinha então 9 anos de idade e o diagnóstico médico caiu como uma
bomba. Diabetes Mellitus tipo 1. Tanto para ele como para os pais, pessoas com
um estatuto social elevado.

Os pais ficaram inconformados com a notícia. Não queriam acreditar que o seu
filho sofresse de uma doença crónica, e que tivesse de passar a ter comportamen-
tos que, para eles, só fazia sentido num adulto. Disseram-lhes que seria necessário
fazer pesquisa de glicemia capilar e administrar insulina, bem como ter alguns
cuidados com a alimentação e o exercício físico. Tudo lhes pareceu demasiado
estranho.

Não confiaram logo no que lhes havia sido dito. O pai telefonou ao pediatra do fi-
lho, que até era amigo, para ele falar com os colegas, porque o Rui ficou internado.
O Dr. Esteves não hesitou e, nesse mesmo dia foi conferenciar pessoalmente com
a Dr.ª Márcia, do serviço de Pediatria do hospital.

Porém, tudo indicava a certeza do diagnóstico. Os dois clínicos enfrentaram lado


a lado os pais do Rui.

– Olá Rui! Como é que estás? – Perguntou o Dr. Esteves. A resposta foi um enco-
lher dos ombros, continuando entretido com o jogo do telemóvel.

– E então, Dr.? – A mãe era a mais ansiosa.

– É como vos têm dito, a partir de agora ele vai ter de ter alguns cuidados, e os pais
também, mas não é nada que vocês não sejam capazes.

– Eu não percebo, como é que isto pode ter acontecido. Ele não come mais ‘porcarias’
que os outros…

A partir daquele momento, tudo o que precisava de ser feito para habilitar, quer os
pais, quer o Rui a gerir a sua nova situação, foi feito, e a alta foi dada.

Passaram-se poucos dias quando o Rui vem novamente à urgência, com mais
uma situação aguda e é internado no mesmo serviço.

Na sala do café, o médico e os enfermeiros conversam sobre o caso do Rui, criti-


cando os pais.

– Eu não percebo, tão cultos e parecem uns ignorantes. Ainda há pouco tempo lhes
explicamos tudo. Bem, ela sempre se mostrou muito esquisita com as picadas. Dizia
que parecia estar a fazer mal ao filho. Mas eu disse-lhe que era ao contrário.
129  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– E com aquelas agulhas o miúdo quase não sente nada.

– Pois, mas ele ainda não se adaptou à nova situação. Não deve ser fácil.

13. ‘Joana era uma menina’

Joana era uma menina de dois anos de idade… Loirinha, com olhos de um azul
penetrante. De modos absolutamente femininos, até no jeito de pegar nas bone-
cas. Estava de férias no Algarve com os pais e os seus dois irmãos, quando um
quadro febril se evidenciou. As tremuras não a largavam e a febre não cedia ao
antipirético. Ao terceiro dia, como os sintomas não cediam, os seus pais ligaram
ao Pediatra que seguia a menina, que os aconselhou a irem ao hospital.

– Por favor, os pais da menina Joana…

– Então Sr. Dr.! Já vieram as análises da nossa menina?

– Sim vieram, e temos que conversar um pouco.

– Mas então, há algo grave?

– Temo que sim, mas só uma picadinha no osso, que se chama mielograma, poderá
confirmar as minhas suspeitas. Suspeito que a vossa filha tenha Leucemia.

– Mas… Não haverá engano? Isto parecia uma virose!

Uma hora mais tarde já com o resultado do exame, confirmou-se o diagnóstico…


Leucemia Linfoblática Aguda. Foi então que o médico escreveu uma carta para
ser entregue no Instituto de Oncologia, na Consulta de Hemato-Oncologia. Foi
internada de imediato, para ser submetida a indução quimioterápica. Foi explica-
do aos pais, que os irmãos deveriam ser estudados, em virtude e serem potenciais
dadores para o transplante de medula óssea.

– Sabe Sr.ª Enfermeira nunca pensamos passar por isto. É que estava tudo tão
bem… (soluçava a mãe)

– Calma, é certo que para isto ninguém está preparado, mas são as crianças que
mais êxitos têm neste tipo de tratamento. Para além disso, agora só nos resta seguir
em frente… Nós e os médicos vamos tentar ajudar, mas vocês são essenciais para a
vossa filha, sobretudo no apoio que ela precisa.

– Desculpe, acabei de ver o estudo de histocompatibilidade dos vossos filhos e o mais


velho é compatível com a Joana.
130  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– Ai! Deus o ouça Dr., é a nossa esperança…

Logo de seguida a Enf.ª chama a mãe.

– Venha cá. Vamos tomar um chã aqui na saleta. Depois vai chamar o seu marido,
porque temos muito que conversar. O vosso papel é fundamental no decurso do tra-
tamento da vossa filha, aqui no hospital, e depois em casa, também.

14. ‘A Maria João é uma menina’

A Maria João é uma menina de 23 meses que deu entrada no Serviço de Urgência
de um hospital Distrital com febre, pieira e dispneia. Estava acompanhada pela
mãe que tinha um ar ansioso, irrequieto, sempre a fazer perguntas e a dizer que a
‘sua menina não estava bem’.

Como antecedentes, é de salientar que tinha sido diagnosticado à Maria João uma
taquiarritmia pré-natal e há cerca de um ano atrás sofreu uma crise de taquicardia
supraventricular associada a uma pneumonia.

Durante a sua permanência no serviço de urgência, a Maria João teve vários epi-
sódios de taquicardia que reverteram de forma espontânea. A equipa médica de-
cidiu transferi-la para um hospital central.

O funcionário administrativo do hospital Distrital requisitou uma ambulância


para fazer o transporte da criança. Desde que a equipa médica decidiu a transfe-
rência até à chegada da Maria João ao hospital central, passaram-se 5 horas.

Já no Serviço de Urgência daquele, foi observada pela equipa de cardiologia pe-


diátrica. A Maria João encontrava-se acordada, com temperatura axilar de 38ºC,
frequência respiratória de 65 cr/min, tiragem supraclavicular e intercostal, lábios
cianosados, saturação de oxigénio de 80% e uma frequência cardíaca de 250 bat/
min. A sua mãe mantinha-se nervosa, com um ar cansado e muito preocupada
com o estado de saúde da sua filha.

15. ‘O André tem 5 anos de idade’

O André tem 5 anos de idade e foi trazido ao serviço de urgência pela mãe por ter
caído a jogar à bola e estar a ‘sangrar muito do lanho na testa’.

Segundo ela, ele é hiperativo e não obedece às ordens de ninguém. Apresentava


uma ferida corto-contusa na região frontal que foi suturada com 10 pontos.
131  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

O enfermeiro da triagem observou que a criança tinha várias equimoses e he-


matomas dispersos pelo corpo. No dorso e nos dedos das mãos tinha também
queimaduras pequenas, circulares e em diferentes fases de cicatrização.

Ao questionar a criança sobre tais lesões este referiu que era porque não se porta-
va bem. A mãe, por sua vez, confrontada com a mesma questão, referiu: ‘ele anda
sempre metido com os mais velhos lá do bairro e é por isso que está assim…’.

O André ficou internado no serviço de pediatria com o diagnóstico de ‘caso social’.

16. ‘O António tem 2 anos de idade’

O António tem 2 anos de idade e é um menino com paralisia cerebral. Durante


o dia fica numa instituição que dá apoio a crianças com necessidades educativas
especiais. Deu entrada no serviço de urgência a queixar-se de abdominalgias. De
acordo com a mãe, o António estava com dores abdominais há 3 dias e não comia,
‘como de costume’. É sempre ela quem cuida dele, pois o pai da criança separou-se
dela há 1 ano atrás e não quer saber deles.

À palpação abdominal, o António apresenta o abdómen duro e doloroso à palpa-


ção, pois começa a chorar quando se lhe toca.

A mãe, questionada pelo Enf.º, sobre os hábitos alimentares e intestinais do An-


tónio, referiu que ele come a sopa e as papas muito bem. Mas tem ‘um intestino
preguiçoso’, pelo que já não evacuava há 5 dias, o que para ele era normal. O
enfermeiro procedeu ao toque rectal e verificou a presença de fecalomas. A mãe,
bastante incomodada, confessou ao enfermeiro que lhe custava fazer aquilo e que
tinha medo de magoar o menino.

17. ‘A Joana tem 15 meses de idade.’

A Joana tem 15 meses de idade. Hoje, a mãe levou-a à consulta de enfermagem,


para fazer as respetivas vacinas. O que muito preocupa a mãe, pois queria saber
se elas vão ‘dar reação’, porque se a criança tivesse febre alta e, por isso, ela neces-
sitasse de ficar em casa, ia ser um problema, pois tinha começado a trabalhar num
novo emprego e não podia faltar.
132  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

O enfermeiro consultou o Boletim de Saúde Infantil e Juvenil da Joana e encon-


trou os seguintes registos:

Peso Comprimento Perímetro


(g) (cm) cefálico (cm)
Nascença 3200 48 35

2meses 4400 55 38,5


4meses 5600 60 41
6meses 6200 63 42,5
12meses 8200 70 45

Ao realizar o exame físico da menina obteve os seguintes dados:

 Peso – 9000g;

 Comprimento – 73cm;

 Perímetro cefálico – 46cm;

Só anda com ajuda e não se levanta sozinha.

Em conversa com a mãe, recebeu as seguintes informações:

 Atira sistematicamente os brinquedos ao chão, é incapaz de construir uma


torre com 2 cubos, mas segura-os numa mão. Se por qualquer motivo não vê os
brinquedos, abre as portas e as gavetas para os encontrar;

 Rabisca espontaneamente e gosta de olhar para as figuras;

 Diz o nome dos avós;

 Percebe ordens simples; Faz birras;

 Tenta alimentar-se sozinha mas por vezes deixa cair a comida;

 Não imita a mãe a dobrar a roupa e a limpar a casa.

18. ‘A Daniela, de 15 meses de idade’

A Daniela, de 15 meses de idade, está internada no serviço de pediatria por qua-


dro febril e convulsões.

Há 5 dias atrás a mãe da Joana decidiu recorrer ao serviço de urgência porque


a menina tinha febre alta, mas acabou por desistir de ser atendida dada a fila de
133  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

espera e porque não tinha carta de referência de nenhum médico (facto que ela
sabia ser imprescindível para o atendimento da criança).

No dia seguinte por persistência de febre e pelo aparecimento de vómitos decidiu


ir ao Centro de Saúde da área de residência para a consulta de recurso.

Enquanto aguardava na sala de espera a mãe descreve que de repente a criança


ficou com o ‘corpo a arder em febre, rijo. Começou a revirar os olhos, a estrebu-
char e a espumar-se toda’ e que naquela aflição sem saber o que fazer, desatou aos
berros pelo médico e pelas enfermeiras.

De imediato levaram a Joana para dentro de um consultório, administraram-lhe


Diazepam e Paracetamol por via rectal, e decidiram transferi-la para o serviço de
urgência. Já aí, após a observarem, pediram-lhe vários exames complementares
de diagnóstico e internaram-na no serviço de pediatria para vigilância.

19. ‘O Manuel é um menino de 9 anos’

O Manuel é um menino de 9 anos, que tem fibrose quística, seguido regularmente


na consulta externa de um hospital. Tem antecedentes de diversos internamentos
por agudizações respiratórias.

Recorreu ao serviço de urgência por febre com evolução de 3 dias, dificuldade


respiratória, tosse com aumento de expetoração e mau estado geral.

Apresenta-se pálido, prostrado, temperatura axilar de 39ºC, adejo nasal, tiragem


intercostal, lábios e leitos ungueais cianosados.

O médico requisitou vários exames complementares de diagnóstico, prescreveu a


medicação e decidiu interná-lo.

O Manuel vai ficar durante a noite no serviço de pediatria com a avó, pois tem
dois irmãos lactentes que são gémeos e de quem a mãe tem que cuidar em casa,
porque não tem a quem os deixar.

20. ‘O Marco é um lactente’

O Marco é um lactente de 8 meses de idade que deu entrada no serviço de pedia-


tria com o diagnóstico médico de vómitos, irritabilidade, recusa alimentar e otite
média aguda.
134  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

O enfermeiro responsável por ele pôde observar que os seus pais estão bastante
preocupados com a sua situação clínica. Contudo, a mãe tem um comportamento
mais ansioso e apelativo do que o pai.

Na entrevista que o enfermeiro fez à mãe do Marco, esta referiu que ele é um bebé
sociável e bastante interativo com o meio que o rodeia, o que de momento não se
verifica, pois chora muito e quer colo o dia todo. Está muito preocupada com ele
porque comia muito bem, fazia 6 refeições por dia, nomeadamente: 4 refeições
com 180ml de leite adaptado a 13%, uma de sopa e outra de papa, o que agora não
acontece. Apresenta recusa alimentar há 4 dias e quando insiste para ele comer, de
seguida vomita. Preocupa-a também o seu padrão intestinal, pois normalmente
tinha 2 dejeções/dia de fezes moldadas, em moderada quantidade, e no segundo
dia de internamento já teve 8 episódios de fezes líquidas, amarelas e em grande
quantidade.

A mãe, desde que o Marco passou do serviço de urgência para o serviço de pe-
diatria, não para de chorar e de perguntar a toda a gente (médicos, enfermeiros e
assistentes operacionais) se já se sabe mais alguma coisa dos exames que o Marco
fez, por suspeita de doença metabólica.

21. ‘No início do inverno nasce’

No início do inverno nasce, num hospital do Nordeste Transmontano, o mais


novo de oito filhos do casal Rodrigues. Fruto de mais uma gravidez não planeada
e vigiada, vem ao mundo o Henrique, com 2370Kg de peso, 46,5cm de compri-
mento e 32cm de perímetro cefálico. É aparentemente um recém-nascido sau-
dável.

Dias após o seu nascimento, chega a altura de conhecer o seu lar. Não era uma
casa, na verdadeira aceção da palavra, mas um barraco, sem as mínimas condi-
ções de habitabilidade. A família tinha-se instalado num terreno baldio. O con-
forto inexistente, era compensado pelo aconchego dos colos que se disponibili-
zavam para ele, colos cheios de uma cultura, crenças e tradições de etnia cigana,
que um dia também ele terá.

Até ver, os seus irmãos e o pai, de 40 anos, são saudáveis. A mãe, de 39 anos, tem
hipertensão arterial, e está medicada com Nifedipina. Por vezes, apresenta perío-
dos de descompensação que a fazem recorrer ao serviço de urgência.

Ao fim de uma semana de ter nascido, Henrique regressa ao hospital por icterícia
neonatal, sendo tratado durante três dias com fototerapia.
135  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Já junto dos seus, o frio obriga a que o embrulhem em inúmeros cobertores, en-
cardidos pelo tempo e constante exposição ao fumo. Uma semana mais, e a mãe
trá-lo outra vez ao hospital, agora por recusa alimentar, tendo alta passados três
dias. O pai parece estranhar tanta fragilidade, já que nenhum dos irmãos teve
tantos cuidados.

Não foi preciso esperar muito para se ver o Henrique outra vez, pelas piores ra-
zões. Agora, era internado por Bronquiolite Aguda. Enquanto os pais ‘faziam’ as
feiras, os irmãos mais velhos alternavam no seu acompanhamento. Passados dias
e, já depois de ter melhorado, volta a ser internado com o mesmo diagnóstico
médico.

Em Março Henrique dá entrada na urgência por tosse, com 10 dias de evolução,


recusa alimentar parcial e vómitos associados à tosse. É estabelecido o diagnósti-
co já conhecido. Desta vez, entende-se por bem a realização de mais exames para
procurar encontrar uma explicação para as recorrentes infeções respiratórias, re-
alizando análises ao sangue e a Prova do Suor, por suspeita de Fibrose Quística.

A família não percebe bem a razão daquilo tudo, e não é fácil explicar-lhes no que
consiste e qual o propósito do que está a ser feito. Estão ansiosos e fazem pergun-
tas que ninguém entende.

Para satisfação e alívio de todos as suspeitas não se confirmaram, e o Henrique


pode regressar a ‘casa’ ao colo da sua irmã Mara, a que parece ter ficado mais feliz
com a sua volta.

22. ‘Durante a manhã’

Durante a manhã, enquanto a mãe estendia a roupa, a Filipa, de 3 anos, viu a


carteira da mãe e, como sempre, decidiu abri-la para tirar tudo o que lá estava
dentro. Entre várias coisas, encontrou as pílulas da mãe na bolsa interior da car-
teira, meteu-as todas à boca e engoliu-as.

Quando a mãe voltou para dentro de casa, viu a criança a brincar com a sua car-
teira e reparou no blister das pílulas vazio, pelo que pegou nela e desatou a chamar
pela vizinha do lado que a acalmou e as levou para o serviço de urgência. A cami-
nho do hospital a mãe da Filipa confessou à vizinha que a criança normalmente
brincava com a carteira dela, mas que nunca tinha metido nada à boca.
136  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

23. ‘Bruna tem 12 anos’

Bruna tem 12 anos e foi internada no serviço de Cirurgia Pediátrica para fazer
uma correção cirúrgica de Pectus Escavatum. Tem uma estatura física adequada
para a idade. O problema que a aflige trás consequências sobretudo a nível esté-
tico.

Deu entrada acompanhada dos pais, que entretanto foram postos ao corrente de
algumas questões administrativas e outras relacionadas com a estada da sua filha.

A Bruna sentou-se na beira da cama e parecia indiferente a tudo o que a rodeava.


A Enf.ª Lia reparou que não largava um pano, que parecia uma fronha de almo-
fada e meteu-se com ela.

– Não precisavas de trazer o material para fazer a cama. Nós, isso ainda temos, pelo
menos temos tido. – A menina sorriu e respondeu.

– É o meu pano da sorte, quando vou para um lugar estranho não me posso esquecer
dele.

– Estou a perceber. Queres perguntar-me alguma coisa. Uma dúvida, ou outra coisa
qualquer. Está à vontade para o fazer.

– … Eu estou com um bocado de receio…

– Já te explicaram o que vais fazer, não já?

– Mais ou menos… Não sei como é isto de ser operada… Acho que estou com um
bocado de medo.

– Eu entendo. Se fosse comigo eu também tinha. Qualquer pessoa tem medo.

– Disseram-me que me vão introduzir uma barra de metal no tórax. Como é que
isso se faz?

– Vão-te introduzir uma barra de metal para corrigir a deformação por aproxima-
damente dois anos e depois voltas para ta tirarem.

– Deve doer muito, não?

– Não te preocupes que te vamos dar medicação e vais estar a dormir. Não sentirás
nada, garanto.

– Pois, isso é outra coisa que me deixa um pouco nervosa…

– O Anestesista ainda vai falar contigo, talvez mais daqui a pouco e vai-te explicar
137  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

tudo a esse respeito. E nós vamos levar-te e buscar-te ao BO. Quando deres conta
está tudo feito e vais ficar bem satisfeita.

– Se ao menos eu ficar com um aspeto diferente, vai valer a pena. Já quase não saio
de casa, nem consigo que os meus amigos me vejam.

– Na tua idade é complicado. Vocês passam a dar uma grande importância à ima-
gem, não é?

24. ‘A Vanessa é um bebé’

A Vanessa é um bebé de termo com 25 dias de vida, de etnia cigana, filha de um


jovem casal de nacionalidade romena. Maria, a mãe, tem 16 anos e João, o pai,
tem 18, e são feirantes. A gravidez não foi vigiada, apesar da Vanessa ter nascido
num hospital. A Maria levou a Vanessa à consulta de enfermagem do Centro de
Saúde só para saber o seu peso, porque lhe parecia que estava emagrecida e não
sabia se o leite da ‘lata’ e a água que lhe dava seriam suficientes. O enfermeiro
constatou que o peso da criança era o aspeto que mais preocupava a mãe, apesar
de ser ter apercebido que ela não tinha conhecimentos de como tratar da sua
bebé. No Boletim de Saúde Infantil e Juvenil da Vanessa havia o registo dos se-
guintes dados:

À nascença:

 Peso – 3000g;

 Comprimento – 50cm;

 Perímetro cefálico – 33,5cm;

 APGAR : 1’ – 9 ; 5’ – 10.

Ao fazer o exame físico recolheu os dados que se seguem:

 Peso – 2550g;

 Comprimento – 50,5cm;

 Perímetro cefálico – 33,7cm;

 Temperatura axilar – 37,4ºC;

 Frequência cardíaca – 170 bat/min;


138  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

 Frequência respiratória – 65 cr/min;

 Fontanela anterior em forma de diamante com cerca de 4,5 cm, abaulada;

 Fontanela posterior em forma de triângulo;

 Reflexos primitivos presentes, com exceção do reflexo de preensão;

 Mãos predominantemente abertas.

25. ‘Júlia tem 13 anos de idade’

Júlia tem 13 anos de idade e foi transportada pelo INEM ao hospital, vítima de
uma queimadura elétrica. Vem acompanhada pela mãe, que refere a causa de
tudo. Ao retirar uma extensão da tomada, acabou por ser por ela atingida no
lábio inferior.

À chegada apresentava uma queimadura de 3º grau, acabando os tecidos por ne-


crosar ao fim de alguns dias, ocorrendo perda de substância numa dimensão ra-
zoável. Os pais foram contactados no sentido de lhes explicar a necessidade de ser
feita correção cirúrgica, e darem o seu consentimento.

Chamaram do BO e a Enf.ª Marlene entrou na enfermaria para levar a Júlia. Ela


estava tranquila e até brincou com a situação, referindo que estava ‘morta’ por
resolver o problema para poder dar uns beijinhos.

A cirurgia reconstrutiva foi realizada através de um autoenxerto de retalho pedi-


culado, sendo a pele do lábio superior a zona dadora, pelo que ficou com a quase
totalidade da boca fechada, excetuando-se uma pequena abertura de um dos la-
dos. O seu rosto estava agora diferente, mas igualmente desfigurado. Mais tarde,
recuperada a área afetada far-se-á nova cirurgia para repor tudo como era antes.

Quando recuperou a consciência, mas ainda sonolenta e ainda no recobro, Júlia


começou a apresentar alguma agitação, mas nada que não fosse justificado naque-
le período. A medicação efetuada e a própria sensação de acordar naquele estado,
sem poder abrir a boca não eram agradáveis. Uma coisa é dizerem-nos outra bem
diferente é experimentarmos.

O seu comportamento podia, contudo, dever-se a uma série de causas que impor-
tava despistar. Foram-lhe dadas informações relativamente ao local onde estava,
que era normal ai estar e que seria transitório. Por outro lado, por motivo da ma-
nipulação numa zona de grande irrigação, os tecidos encontravam-se edemacia-
dos e repuxados, podendo causar mal-estar e dor, mas a menina abanou a cabeça.
139  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Não era isso que a estava a perturbar.

Quando a Enf.ª Marlene a foi buscar, os Enf.ºs estavam todos à volta da cama da
Júlia, assim como o anestesista. Ela estava agressiva, de olhos arregalados, tentan-
do desesperadamente levantar-se e fazer algo que ninguém conseguia perceber.
Os seus pais, que acompanharam a Enf.ª do serviço, ficaram à porta sem saber o
que fazer.

Entretanto um dos Enf.ºs apercebeu-se de que Júlia estava com secreções, pelo
que de imediato pegou numa sonda e introduzindo-a pelo único espaço possível,
aspirou-as. A menina pareceu acalmar um pouco, mas mantinha-se intranquila.

– Vamos deixar entrar os pais para ver se ela se acalma. – Disse alguém.

Os pais entraram e acarinharam-na, esperando que esse seu gesto fosse suficiente.

26. ‘A família Pereira’

A família Pereira é constituída pelo João de 19 anos, Maria de 17 e o Rodrigo, que


é recém – nascido.

O João trabalha desde os 15 anos. Deixou a escola porque não gostava de estudar
e faltava às aulas sem os pais saberem. A Maria é aluna no 11º ano de escolarida-
de. Os dois casaram há 3 meses porque a Maria engravidou. A gravidez não foi
planeada nem vigiada e tentaram escondê-la dos familiares.

Neste momento, coabitam na casa dos pais do João por não terem dinheiro para
irem para outro lado.

A Maria foi com o Rodrigo ao Centro de Saúde para realizar o diagnóstico preco-
ce, acompanhada pela sogra. Na consulta de enfermagem o enfermeiro reparou
que a sogra praticamente não a deixava tocar no bebé, repreendendo-a insistente-
mente pela falta de conhecimentos, de jeito e pela sua inexperiência com crianças.

27. ‘André é um menino lindo.’

André é um menino lindo. Tem uns olhos grandes e azuis, que sobressaem do seu
rosto. Fez 4 anos de idade o mês passado e foi trazido pela mãe, cerca das 22h, ao
serviço de urgência, que alega ser o seu filho vítima de abuso sexual por parte do
seu pai, seu ex-marido. O André fica então internado para se averiguar o funda-
mento da queixa, encaminhando-se a situação para o Projeto de Apoio à Família
e à Criança (PAFAC).
140  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

A mãe refere que o André tem episódios de retorragias e desde há meses sofre de
encoprese, estando a ser tratado.

No serviço, o menino é observado por uma equipa de profissionais, que auxilia-


dos por um RX abdominal, que diagnosticam a presença no intestino de grande
quantidade de fezes. Nesse sentido, são prescritos enemas de limpeza com Soro
Fisiológico e Lactulose até serem necessários, iniciando laxantes por via oral. Co-
lhe ainda sangue para análise, cujos resultados não apresentam qualquer altera-
ção.

As prescrições e atitudes terapêuticas surtem efeito, e o André começa a evacuar


as fezes acumuladas, cuja aparência está dentro do que seria esperável. Os Enf.
ºs decidem efetuar-lhe um treino de regularização de um padrão de eliminação
intestinal adequado.

No sentido de se obter uma opinião técnica da veracidade das queixas, são os dois
levados ao Instituto de Medicina legal, sendo aí realizado um exame pericial, que
não deu como provados os factos.

Quer o Psicólogo chamado a intervir, quer os Enf.ºs, estão de acordo de que o


comportamento do André está adequado à sua idade, não se notando qualquer
perturbação de índole psicoafectiva.

O processo de investigação continua, sendo efetuadas entrevistas, quer à mãe,


quer ao André. A Dª Marisa pede insistentemente para não deixarem ninguém
ver o filho, sobretudo o pai. Tem medo que ele o ameace. Durante esse período,
ninguém se dirige ao serviço para o visitar, nem telefona para saber dele.

Finalmente, o pai entra em contacto telefónico com o serviço, mostrando-se


admirado e preocupado com o internamento do filho. Refere ter sido avisado
imediatamente antes pela sua ex-mulher, que o acusou da responsabilidade pelo
problema do André. ‘Disse que eu ia pagar por isso, e desligou’. Por outro lado,
refere querer saber o motivo do internamento e a gravidade da situação, para, se
necessário, apressar a sua vinda do estrangeiro.

A Enf.ª que recebe a chamada fica sem saber o que dizer ou fazer, resolvendo
comunicar o sucedido.

– O melhor é comunicarmos ao Tribunal de Menores.


141  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

28. ‘– Que sina a nossa’

– Que sina a nossa, já não bastava a nossa vida, ainda havia do puto ter estes
problemas...

O Alberto tem 30 anos e é casado com a Eufémia que tem 28. Está desempregado,
já fez de quase tudo e em nada permaneceu... A esposa, agora é doméstica...

– A minha mulher em tempos foi mulher-a-dias, mas depois meteu-se-lhe na cabeça


que a patroa estava sempre a implicar... Temos um filho com seis meses de idade,
o Joel. É uma lástima, nem sei o que fazer... O Joel nasceu em Agosto deste ano. O
parto foi normal (eutócico) e alguns dias após o nascimento, cerca de cinco dias, fi-
cou com o corpinho coberto de crostas. Largavam um líquido amarelado e pegajoso
com muito cheiro, parecia sebo. A Eufémia não sabia o que fazer, muito menos eu...
Foi a minha sogra que pegou na criança e na mulher e foi ao médico de crianças.

– Pois é o vosso menino tem um eritema seborreico. Há duas formas de tratar. Ou


iniciamos desde já medicação, corticoides, ou então teremos que usar de alguns cui-
dados com vista a hidratar esta pele. Não sei o que pretendem decidir...

– Não sei Sr. Dr., mas o menino está uma lástima, cheira mal. Até me custa pegar
nele... O que o Sr. achar melhor é o que faremos.

O médico optou por tentar a via menos lesiva para o bebé, pelo que prescreveu
uma emulsão hidratante de uso no banho, um emoliente para aplicar na pele, e
para o couro cabeludo um creme de aveia.

– Mãe! Não confio nada neste médico. Então o menino está neste estado e ele só
manda cremes e mais cremes... Não fazem nada e são bem caros! O rapaz já está a
dar mais trabalho e despesa do que o que vale.

O estado do Joel agravou-se, havendo manifestações de dor e de infeção... A


acrescentar a isso, a mãe abandonou o aleitamento materno sob justificação de
que o seu leite não prestava, ‘parecia apenas aguadilha’, pelo que introduziu o leite
de vaca diluído... Aliás, segundo a mãe dela, foi assim que a criou a ela e aos seus
três irmãos.

O Joel, vítima de uma hemorragia intestinal grave, diarreia e desidratação, teve


que ser levado ao Serviço de Urgência do Hospital da área, ficando internado.

– D. Eufémia! Precisamos de conversar um pouco... O seu menino corre perigo de


vida, não pode continuar a dar-lhe o leite de vaca! Ele é muito imaturo... É muito
sensível, há outros leites que estão mais ajustados às necessidades dele.

– Sr.ª Enfermeira, isso é tudo muito bonito, mas esses leites são muito caros e eu lá
142  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

faço uns trabalhitos, mas o meu homem está desempregado.

O Joel é um menino com os percentis de peso e altura nos 5%. Denota maus
cuidados de higiene, apesar de vestir roupa de marca, que segundo a mãe foi ofe-
recida pela Comissão de Luta Contra a Pobreza.

29. ‘O Luís tem 9 anos de idade’

O Luís tem 9 anos de idade e está acompanhado da sua mãe (D. Fernanda) na
consulta de enfermagem do Centro de Saúde da área de residência. O enfermeiro,
ao consultar o seu Boletim de Saúde Infantil e Juvenil constatou, no que se refere
aos dados antropométricos, os seguintes registos:

Idade (anos) Peso (Kg) Estatura (cm)


4 anos 16 102
5 anos 18 108
6 anos 21 115
9 anos (dia da consulta) 37 132

Ao longo da consulta o enfermeiro apercebeu-se que o Luís não se veste sozinho,


troca os dias da semana e os meses, lê com muita dificuldade apesar de gostar de
ler banda desenhada. Tem um rendimento escolar baixo, o que não o preocupa,
apesar dos pais estarem sempre a chamá-lo à atenção. Detesta fazer exercício fí-
sico. Adora comer, andando sempre a petiscar. Gosta de estar em casa sozinho
a navegar na Internet, pelo que só muito esporadicamente é que brinca com os
amigos. Tenta arranjar motivos para faltar à escola e ficar em casa. Evita arrumar
o quarto ou fazer qualquer tarefa doméstica e, apesar do seu pai ser serralheiro,
ele não se interessa, nem usa qualquer ferramenta. A D. Fernanda ao ver o peso
do Luís referiu ao enfermeiro que o deixava comer tudo o que ele queria, porque
o menino estava a crescer e até era ele que preparava sempre a merenda escolar.
143  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem
photo by: Ilker

Saúde Mental

1. ‘A D.ª Fernanda’

A D.ª Fernanda, doente internada no Serviço de Psiquiatria de um Hospital do


Grande Porto, apresenta como antecedentes osteoporose, fazendo terapêutica
à base de calcitonina Sintética de Salmão e cálcio oral, problema que está con-
trolado. Foi submetida a apendicectomia em 1964, tem hiperpituitarismo, cuja
evolução tem sido acompanhada desde então, e no ano em que foi diagnosticado
a alteração endócrina fez salpingectomia. Três anos mais tarde surgiram outras
questões de saúde, nomeadamente hérnias discais (L4 e L5) e litíase renal.

As suas depressões começaram bem cedo. A mãe já sofria do mesmo e, ao que


parece, também a avó materna. As debilidades físicas e a instabilidade familiar
terão agravado a situação, ou pelo menos não ajudaram à sua resolução.

É casada com um polícia reformado e tem duas filhas maiores, solteiras, que ainda
vivem consigo.

O marido mantém alguma atividade profissional, já que arranjou emprego numa


144  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

empresa de segurança, daí que não tenha mais tempo livre do que já tinha. Vem
visitá-la todos os dias, durante cerca de trinta minutos, e parece atencioso com
ela. Quando ele vai embora, ela fica a olhar pela janela, referindo sistematicamen-
te o mesmo.

– Lá vai ele ter com elas. Agora é que está bem, não tem quem o chateie, pode fazer
o que quiser. – Depois, senta-se a um canto da sala, em silêncio, até que surja
alguma das filhas, ou a sua irmã, que lhe trás sempre algum mimo confecionado
por si própria.

As filhas passam lá raras vezes e nunca em conjunto, sendo no entanto as visi-


tas mais ansiadas. Apesar da alegria que demonstra com as suas presenças, elas
passam o tempo a criticar a mãe e a culpá-la de tudo o que de mau lhe acontece.

– Sinto-me tão triste…

– Deixa-te dessas tretas, mãe. Isso das depressões é coisa de ricos, que não têm nada
que fazer e passam o tempo a pensar na ‘morte da bezerra’. Depois queixas-te que o
pai faz isto e aquilo… Pudera.

A irmã era o principal elo de ligação com a família. Vivia próximo da Dª Fernan-
da, apesar de não serem visitas. Quando questionada sobre a razão, disse:

– O marido da minha irmã não se dá muito comigo, porque eu não me fico. Uma
vez levantou-me a mão e eu disse-lhe que se me tocava, levava.

Passados dias de um assistente operacional ter ouvido acidentalmente parte da


conversa com uma das filhas, quando o Enf.º passava, a meio da noite, para ver se
tudo estava bem, reparou que a doente estava caída no chão. Tinha guardado os
comprimidos de vários dias, tomando-os agora de uma vez só…

2. ‘A D.ª Orquídea’

A D.ª Orquídea foi internada no Serviço de Psiquiatria do hospital da sua área


de residência, vinda de OBS, como resultado de lhe ter sido diagnosticada uma
Psicose Maníaco-depressiva, embora de predominância depressiva.

Evidencia sinais característicos daquela fase, referindo insónia, cefaleias agu-


das, frequentes e intensas do tipo opressivo e com incidência na região orbito-
-temporal e parietal. Demonstra desmotivação para toda e qualquer atividade e
comportamento lentificado, ao mesmo tempo que procura isolamento, o que é
confirmado por uma amiga sua de longa data, única pessoa de quem tem alguma
145  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

proximidade, e a quem, nos últimos tempos, recusava qualquer contacto. Apre-


senta igualmente, um discurso sugestivo de uma certa ideia de morte e de suicí-
dio, assim como labilidade emocional.

Alguns dias depois, foi solicitada a presença da Dª Manuela, amiga da Dª Orquí-


dea, para prestar alguns esclarecimentos adicionais sobre a vida e o comporta-
mento, desta. Ao que parece, as crises da Dª Orquídea já têm uma longa história.

Solteira por opção, as descompensações ocorriam com maior frequência no


Inverno, mas eram mais espaçadas e regrediam espontaneamente e sem ajuda
profissional e/ou medicamentosa, ao fim de pouco tempo. Desta vez, o fator des-
poletador, que surgiu num período de maior euforia, foi um gasto no limite das
suas possibilidades, e a sua posterior tomada de consciência e confrontação, pela
família, das consequências de tal atitude.

Por outro lado, o diagnóstico de uma doença crónica, DPOC, não foi muito bem
aceite pela doente; ‘eu nunca tive nenhum problema pulmonar, como é que me
dizem agora que tenho uma coisa para sempre’. Esta doença agravou a sua de-
bilidade física, já que também não seguia a prescrição à risca, desconfiando do
problema identificado e das certezas dos clínicos.

Apesar das chamadas de atenção da Dª Manuela, a sua personalidade indepen-


dente e teimosia, fazem com que aceite com dificuldade as sugestões que lhe são
feitas.

As pessoas que a visitam, predominantemente da família, recebem sistematica-


mente queixas da sua parte. Da comida, dos profissionais e da responsabilidade
por ela estar ali, já que entende não precisar. Chora com facilidade, e apresenta-se
cabisbaixa.

3. ‘A D.ª Mena’

A D.ª Mena deu entrada no serviço de Psiquiatria daquele hospital, vinda de OBS,
com o diagnóstico médico de Psicose Maníaco-depressiva, com predomínio de-
pressivo.

Refere insónias e cefaleias agudas, intensas e frequentes, de tipo opressivo com


incidência na região temporoparietal. Aparenta desmotivação e os seus movi-
mentos são lentificados. Procura isolar-se e verbaliza ideias suicidas, porque ‘não
aguento mais esta vida de constante sofrimento’. Tem labilidade emocional.

A doente já esteve internada anteriormente e por variadíssimas vezes, pelos


mesmos motivos. Os últimos anos trouxeram um aumento da sua frequência.
146  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Há cerca de 20 anos surgiu a primeira manifestação do problema, mergulhando


numa depressão profunda, que, depois de intensamente tratada, acabou por ul-
trapassar. Nessa mesma altura, foi-lhe diagnosticada Doença de Cushing e Hiper-
plasia das suprarrenais, acabando por fazer a sua extração cirúrgica. Já andava a
ser seguida na consulta de endocrinologia por hiperpituitarismo.

Posteriormente, a sua insistência num conjunto alargado de queixas, levaram o


seu médico assistente a solicitar uma bateria de exames, detetando uma série de
problemas: múltiplas formações nodulares hepáticas, que sugerem Hemangioma
múltiplo, lesões hipersinal da substância branca compatível com esclerose múlti-
pla ou etiologia vascular, entre outros.

Passou a fazer a seguinte medicação: Nadolol, Clobazam, Lorazepam e hidro-


cortisona. Desde essa fase até ao momento o seu estado de saúde tem sofrido
oscilação, quer sob o ponto de vista físico quer psíquico.

 Atualmente está a ser medicada com:

 Risperidona 3mg oral, 2X/dia;

 Diazepam retard 10mg oral, 2X/dia;

 Lorazepam 2,5mg oral, à noite e em S.O.S.;

 Carbonato de Lítio 400mg oral, 1X/dia;

 Ranitidina 150mg oral, 1X/dia;

 Fenitoína 100mgoral, 1X/dia;

 Hidrocortisona 20mg oral, 1X/dia.

4. ‘Joana sonhava encontrar’

Joana sonhava encontrar, um dia, o seu príncipe encantado … Como nos contos
de fadas e como todas as jovens. Por causa da guerra que assolava o país, abando-
nou o lugar onde estava, abandonou a sua casa, os seus animais, que tanta compa-
nhia lhe fazia... E os seus amiguinhos? Não os podia levar.

Conseguiram lugar num avião para Portugal, a abarrotar de gente, gente que
como a sua família, regressavam à terra natal. Na mão, o pai apenas levava uma
mala. Tiveram que recomeçar tudo do zero. O pai e a mãe arranjaram emprego e
local onde viver.
147  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Estudou, até conhecer um jovem por quem se apaixonou.

Acreditava viver um verdadeiro conto de fadas, em que José era o seu príncipe
encantado, como nas histórias que a mãe lhe contava quando era pequena.

Ao fim de dois anos, José pediu-a em casamento, tendo concretizado o seu maior
sonho.

Tiveram uma linda menina, logo no primeiro ano de casados, a quem chamaram
Mariana.

Cedo se apercebeu que José tinha um feitio diferente, especial, o seu príncipe não
gostava de ser contrariado, sendo que, a última palavra era dele. Ela achava que
aquele feitio se devia ao stresse do trabalho excessivo… Ou queria acreditar nisso.
Pelo menos tinha a mãe por perto, para poder desabafar.

José andava muito nervoso, culpava-a de todo o mal e isso entristecia-a. O am-
biente em casa foi ficando cada vez mais hostil. Pensou que ao ser submissa as coi-
sas iriam melhorar, porém tudo se agravou. O seu príncipe encantado transfor-
mou-se num monstro, e quando lhe fazia frente, ele agredia-a, tanto física como
psicologicamente. Cada agressão marcava-a por dentro. Deixou de ter vontade
de sair de casa, de fazer as tarefas domésticas, de ler, ‘só os meus filhos e os meus
animais me alegravam.’

Era impossível viver… Com o José. Pensou em ligar para a APAV, mas não passou
de uma ideia. ‘Que infeliz me sinto!’

Depois de mais uma discussão horrível, onde foram trocadas ameaças e agressões
verbais… Foi chamada a polícia... Enquanto falava com o agente da autoridade,
olhou para o revólver que ele trazia dependurado no cinto. ‘O revólver parecia
chamar por mim. Senti vontade de pegar nele e dar termo à minha vida. Em
desespero, dirigi a mão na sua direção. Num movimento rápido, peguei nele e
dirigi-o à minha cabeça… Mas, para mal dos meus pecados, a arma não dispa-
rou. O gatilho estava travado. Fui de imediato levada, pela polícia, para o hospital
psiquiátrico.’

‘Local estranho. Porque me trouxeram para aqui? Eu não estou maluca! Apenas
desesperada… Sou uma mulher que viu os seus sonhos desfeitos e o chão a fugir-
-lhe dos pés… E que tenho… Como vou voltar a ter vontade de viver, de construir
novos castelos… Será que conseguirei voltar a sonhar.’
148  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

5. ‘Tudo na minha vida deixou’

‘Tudo na minha vida deixou de fazer sentido, não consigo delinear uma nova
saída para tudo isto… ‘

‘Passo horas e horas a tentar perceber o que fiz de errado para estar assim, outras
vezes tento não pensar sequer na minha existência…’

‘Hoje ouvi as enfermeiras a comentarem, entre elas, sobre o meu estado… Por
eu estar sempre a vaguear pelo corredor. E até dizem num tom de gozo, que faço
isso para manter a linha! Sabem lá elas o que é estar na minha situação… Sabem
lá como é uma pessoa sentir-se presa dentro da sua própria existência… Vagueio
pelo corredor na esperança de esquecer a vida, a pessoa que sou!’

‘Todos os dias de manhã é sempre a mesma cena, reclamam por não desfazer a
barba… Por não me pentear… Por… Tudo e por nada. Mas eu quero é paz! Que
me deixem… Quero lá saber do meu aspeto!’

‘Voltaram a fazer-me mais exames, na procura da identificação do meu proble-


ma… Pensam que estou tolo, ou que sou!!! Mas não! Sei muito bem o que tenho.
Hoje, até consegui abstrai-me um pouco das minhas ideias, dos meus pensamen-
tos… Percorri, durante quase duas horas, o corredor do serviço. Já sei precisa-
mente quantos passos é que dou até chegar ao final.’

‘Temos alunos, coitados… Perdidos, assustados, sempre preocupados à minha


volta, a ver se preciso de alguma coisa… Mas será que ainda ninguém se aperce-
beu que o que eu quero é sossego???’

‘Foi terrível… Moro com os meus tios, num quarto fora da casa principal. Moro
com eles porque são as únicas pessoas que se preocupam comigo, os únicos fami-
liares presentes na minha vida. Fizeram de tudo para que me sentisse bem… Mas
só conseguiram aumentar a minha ansiedade e tristeza.’

‘Coitados. Sei que os fiz sofrer… Mas também estou a sofrer e ninguém me pode
ajudar.’

6. ‘Todas as histórias de vida’

Todas as histórias de vida são interessantes, porque são únicas… Mas algumas
tornam-se mais importantes, mais fantásticas que outras…

Uma família inteira, que faz um esforço enorme para vencer as barreiras que a
149  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

doença impõe a um dos seus membros, e que pelo seu trabalho mostra à socieda-
de em que vivemos que é sempre possível melhorar as capacidades, cognitivas e
motoras, de uma pessoa, quando existe sensibilidade, amor e vontade de ajudar.

Um jovem de 29 anos, com um atraso mental resultante de anoxia durante o par-


to. Internamentos frequentes desde os 16 anos, quando começaram a surgir epi-
sódios de agressividade (hétero agressividade – tornou-se agressivo com os pais,
para com as pessoas que mais gosta…).

Alterna períodos de agressividade, com períodos de grande necessidade de afeto.


É um ‘bom garfo’ que tem de ser contrariado, o que por vezes se torna muito difí-
cil. Pesa 95 kg e tem 1,70m de altura.

Tem muita atenção e cuidados da família, amigos e toda a equipa no hospital.

Os pais, sobretudo, têm uma grande proximidade com o Amílcar, fazendo todo
o possível para que seja o mais autónomo possível, mas… A vida não é fácil para
quem tem limitações, quer intelectuais, quer físicas, e o mundo do trabalho é
muito seletivo…

A maior preocupação dos pais é o futuro do seu filho. Dir-se-ia, de todos, mas
quando se está na posse de todas as faculdades, dependemos mais de nós. E se
dinheiro houvesse, seria bem diferente, mas não é o caso. Apesar de tudo aquilo
que já consegue fazer, existem ainda coisas que não é capaz de resolver.

7. ‘Já vos disse que eu não valho nada’

– Já vos disse que eu não valho nada…

‘Continuo a não entender a razão que leva todos estes profissionais a se preocu-
parem comigo!‘

‘Só de pensar e ver aquilo em que me tornei, fico totalmente desolado, porque
antigamente tudo era diferente. Lembro-me com nitidez do homem que eu era…
A minha energia, o meu humor, o meu porte…’

‘A minha vida nunca foi fácil. Mas, ao olhar para trás, tenho muito orgulho nos
filhos que criei. Como eles lutaram para serem o que são hoje, nos netos que me
deram e que estão bem encaminhados.’

‘Tenho grande devoção pela minha fé, gostava de rezar o terço, de ir à missa ao
domingo e agora sinto falta desses momentos… Da presença de Deus, para me
reconfortar.’
150  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

‘Apesar de velho, tenho dificuldade em aceitar estar aqui fechado, sinto que nunca
mais voltei a ser o mesmo…’

‘Sinto necessidade de estar sozinho, a comida deixou de ter sabor, o meu apetite
foi-se perdendo, o meu ânimo pela vida deixou de ser o mesmo, o que alterou
radicalmente os meus hábitos de sono.’

‘Sentia-me mal, desconfiado para com os que me rodeavam, com a minha família.
O tempo foi passando e fui ficando mais velho, mais cadavérico, e a minha cabeça
começou a enfraquecer… Como poderia eu confiar numa família destas? O meu
destino estava traçado e condenado. A minha mulher e os meus filhos não tinham
o mesmo comportamento, olhavam-me de forma diferente. Já não podia suportar
nem mais um minuto.’

‘Tentei pôr um ponto final na figura nociva em que me transformei, através de


uma corda ao pescoço. A corda cedeu e a tentativa ficou por isso mesmo, uma
tentativa frustrada. Desesperado, num último esforço de adormecer e nunca mais
acordar, tentei outras estratégias… Mas em vão.’

‘E passei a andar de hospital em hospital. E em todo este périplo, tive que contar,
relatar, repetir a minha história, explicar as razões dos meus atos, ainda impossí-
veis de verbalizar, a pessoas de bata branca, que não conheço.’

‘Agora, limito-me a contar os dias e a vê-los passar à minha frente. Com atenção
da família e com alguns ‘mimos’, mas o meu estado em nada se alterou. A minha
cabeça? Cada vez pior. O meu corpo? Está magro e o odor a putrefação é insu-
portável para mim e para os que me rodeiam. Resido aqui, literalmente, à espera
do meu dia.’

‘Há dias em que tento aproximar-me um pouco mais de todos os que aqui estão e
permito que venham sentar-se ao meu lado, e a falarem comigo, quando a réstia
de esperança que possuo ressalta. E há outros em que, somente, preferia nem
sequer existir… Porque, em suma, eu não valho a pena!’

8. ‘Mafalda, mulher na casa dos 50 anos’

Mafalda é uma mulher na casa dos 50 anos, marcada pelo tempo, pela vida que
construiu, e por todos os acontecimentos e circunstâncias em que ninguém con-
segue interferir.

Relata a sua infância de um modo triste, com um olhar vazio e fixo, por vezes
emerge uma expressão de dor nas suas feições.
151  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Refere nunca ter tido a coisa que mais queria na vida, o amor do pai. Sempre
sentiu repressão da sua parte, principalmente na expressão de sentimentos. Foi
por isso, uma criança triste e amedrontada, com vontade de exprimir o que lhe ia
na alma, mas faltavam-lhe as forças. Para ela, era ainda mais sufocante ver a mãe
a ser alvo das agressões verbais que o pai constantemente lhe dirigia. Era uma
tortura ver o sofrimento da mãe.

Descreve o pai, como a pessoa mais fria e distante que alguma vez conheceu, au-
toritário, hostil, vazio de sentimentos positivos, guardando e exprimindo apenas
rancor e agressividade.

Começou a namorar, aos 14 anos, com aquele que viria a ser o seu marido. Teve
de guardar segredo desta relação por um largo período. Aos 18 anos de idade,
ainda solteira, engravidou. Com o medo das represálias do pai, decidiu abortar,
mesmo contra a sua vontade, uma vez que não o conseguia enfrentar.

Teve então a sua primeira crise. Emagreceu muito, não conseguia sair da cama,
não tinha forças e tinha medo de estar sozinha.

Mais tarde, envolveu-se noutra relação, desta vez com um homem casado, que
a fez acreditar que se iria separar da esposa e que iriam ser muito felizes juntos.
Mafalda, carente de afetos e com um grande desejo de atingir a felicidade e o
carinho que sempre lhe fugiu, agarrou-se a esta oportunidade de felicidade sem
medir todas as consequências.

Quase todos os anos, numa determinada altura, tinha uma crise, que a tornava
incapaz de fazer o seu dia-a-dia normalmente.

Nunca abandonou o acompanhamento de Psiquiatria e informou-se pormenori-


zadamente acerca da sua patologia, referindo que cada vez mais, sabia lidar com
ela, aceitando-a e tentando sempre viver do melhor modo.

Mais tarde, deparou-se com outro grande problema. Descobriu que tinha um nó-
dulo na mama, tendo sido submetido a uma mastectomia radical.

Por aconselhamento médico, reformou-se, o que se traduziu em mais uma grande


perda, não pela necessidade de ganhar dinheiro, mas porque enquanto trabalhava
sentia-se bem com ela própria. A utilidade aumentava-lhe a auto estima.

A Enf.ª Sónia passava horas a ouvi-la, com tanta tristeza, perguntando a razão de
não ser feliz, a razão de tantos problemas.

Tomou mais ansiolíticos do que era normal tomar, tendo ficado fechada no seu
quarto o dia inteiro. Na manhã seguinte, apresentava um quadro de ansiedade
marcado e teve um episódio de heteroagressividade, partindo alguns objetos em
casa…
152  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

9. ‘É um: dois, nove, cinco’

– É um: dois, nove, cinco.

– O jovem da cama 3 tem 20 anos e chama-se Francisco. Entrou ontem à noite.


Vinha acompanhado pela polícia. Apresenta-se muito debilitado, descuidado, com
olhar distante e um fácies inexpressivo. Tem os dedos queimados pelo fumo e uma
ferida na testa. Hoje deambulou pelo serviço sem falar com ninguém…

– É um: dois, nove, cinco.

‘Ouvi muito bem. Quando passava pela sala de Enfermagem, diziam 295. Falam
por código… Serei eu a ouvir coisas ou terá sido mesma a enfermeira? O número
até não é mau. Sempre gostei do número cinco. Mas… Um número?…’

Jorge brincava com os outros miúdos da sua idade. Era uma criança completa-
mente igual a qualquer uma das que brincavam naquele jardim.

‘O verde… sempre foi a minha cor… verde. As árvores eram verdes, as plantas,
a relva.

Os meus amigos costumavam dizer que quando chovia nada brilhava. Que nunca
deveria chover. Eu sorria e acenava com a cabeça, que sim.’

‘A infância passou. Como eu queria voltar para lá. Onde ninguém me chamava
maluco e não olhavam para mim de lado como se viesse de outro planeta. Mas
isso não foi possível, nunca pude voltar àquela idade.’

‘E, de um momento para o outro, sem saber porquê, começou o problema. Co-
mecei a ouvir… A ouvir o que os outros não ouviam. A sentir o que os outros não
sentiam.’

‘Tinha chovido. Tudo brilhava agora com os raios de sol. Eu tinha crescido e os
meus amigos também, mas, o jardim, esse continuava o mesmo de sempre.’

‘Começaram todos a rir, e eu ri também. Porque não? Nunca tinha experimen-


tado… Embora já me tivessem oferecido várias vezes. Vais ouvir muito mais…’

‘Eu estava doente? Não sei. Nem todos viam este problema da mesma maneira.
Dois, nove, cinco… Voltei a pensar naquela enfermeira. Disse que eu era um tolo.
E tinha razão. Eu era um tolo. Chama-se esquizofrenia.’

‘Ser diferente! Experimentei. Foi bom! Já me sentia mais igual. Não deixei de ou-
vir, mas, pelo menos, estava menos diferente.’
153  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

‘De um momento para o outro, estava no serviço de Psiquiatria pela primeira vez,
preso, sem poder sair, passear… Apetece-me partir esta m... Toda. Os vidros são
fáceis de partir e posso pirar-me…’

‘A minha família tinha percebido que eu era diferente. Eu sabia que não era justo
que me fizessem isto mas não me importava. Pelo menos ali, a minha família não
me chamava tolo, era mais um daqueles que ouvem coisas, daqueles doentes que
não entendem os iguais… Um: 295, e eles agora não têm de me aturar.’

‘A minha família nunca foi o melhor para mim, nunca tivemos o melhor rela-
cionamento, nunca cumpri o que me diziam, nunca tomei a medicação como
me mandavam… Talvez, por isso, tenha feito o que fiz na minha adolescência…
Talvez tenha sido por isso que bati com a cabeça e continuo a bater. Talvez eu
mereça.’

‘Talvez necessite de reencarnar a minha alma e alcançar a perfeição. Talvez …’


photo by: Wojciech Wolak 154  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Saúde Familiar e Comunitária

1. ‘A aldeia recôndita’

A aldeia recôndita onde vivem o Ti Manel e do ‘Sê’ Serafim, tem uma ‘beleza é in-
descritível, como ambos gostam de afirmar. Nasceram, cresceram e estruturaram
todas as suas vidas, lá. Hoje idosos, recordam como em outros tempos a mesma
era habitada por jovens e crianças que em bando se deslocavam para a escola ou
até para as brincadeiras… Deserta, dos oitenta fogos que a constituíam, já só exis-
tem cinco e uma capela quase sempre fechada, o que se traduz numa população
de oito ‘idosos entregues a si próprios’… Como diz a Ti Eulália. E a Vila fica ainda
a 12 km de distância.

– Veja lá que o Sr. João, que tem noventa anos, lá está entrevadinho na cama, vai
para três anos. Se não fosse eu e a irmã Julieta, morria à fome e todo sujinho. –
Refere a D.ª Eulália. – Como somos mais novas (ambas com setenta e dois anos) e
amigas de infância, lá nos vamos valendo uma à outra… É a nossa sina!

Com efeito o Sr. João sofreu um AVC, tendo ficado com hemiparesia esquerda.
Verificou-se ainda um processo demencial (Alzheimer). Os défices motores são
155  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

grandes, não tem controlo esfincteriano (urinário e intestinal), encontra-se alga-


liado e com fralda e é alimentado por sonda nasogástrica.

Mas na aldeia há ainda o Sr. Jaime e a esposa a D. Deolinda, ambos com proble-
mas de diabetes e hipertensão. No entanto, por vezes, este casal vai para casa do
filho, que vive em Coimbra. De tempos a tempos, regressam à terra e ficam umas
semanas, após o que voltam de novo para o filho.

A Ti Eulália também ‘sofre de alguns males’, como ela diz. ‘Bicos de papagaio’…

– Por vezes, ao andar as pernas custam a mexer e dói imenso cá em cima, mas
temos que bulir…

Esta senhora tem um desgaste considerável da cabeça do fémur direito, só que


quando o ortopedista lhe falou em operá-la, esta nunca mais quis saber do trata-
mento… Preferindo suportar a dor a ter que ser operada.

– Tanto quanto sei vão trinta anos que me apareceram os Diabetes. – Diz o ‘Sê’
Serafim numa consulta no Centro de Saúde – Felizmente basta tomar o comprimi-
dinho todas as manhãs e vamos andando. Agora, o que passa a vida a atormentar-
-me é o colesterol, Dr. Mas, repare, crio todos os anos um porquito. Divido com a
minha filha que está em França com o marido e os filhos, quando eles cá vêm, pelo
Natal. Que havia eu de fazer, vou deitar a carnita fora? É que não tem nadinha de
veneno. O animal é criado com coisas bem naturais. Sabe, colho umas batatitas e
em ano bom, mesmo dividindo com os restantes comparsas da terra sobram bas-
tantes. Vendê-las... Não há quem as compre. Levá-las para o Porto ou Coimbra,
teria que pagar… E bem! Assim, faz-se um caldo e o ‘xico’ lá vai crescendo, quase
sem trabalho. Depois o Dr. fala-me das análises e ‘requetrapéu’ pardais ao ninho…
Mas esta comidinha é que faz bem, não é a dos centros comerciais que é plástica…

Falta ainda a tia Rosa que é esposa do Ti Manel. Como o marido diz ‘é uma mu-
lher muito sofrida, desde sempre é fraca da cabeça’. Tem antecedentes de depres-
são, sendo seguida e medicada por um psiquiatra do hospital da área. Segundo o
marido, a solidão que sentem é difícil de suportar, afirmando mesmo que esta só
é um pouco atenuada com a visita da Sr.ª enfermeira, quando se desloca a casa
do Sr. João…

– Se não fosse a Sra. Enfermeira Marília que anda nuns estudos quaisquer, estaría-
mos sempre sozinhos… É que ela é tão bem disposta que até nos faz esquecer o que
não é tão bom…

A Enfermeira Marília coordena um projeto de assistência ao cidadão idoso, do


qual faz parte uma visita semanal de vigilância ao estado de saúde dessa popula-
ção idoso deste concelho, independentemente de ter alguma patologia presente
156  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

ou não. Contudo, e dada a escassez de recursos humanos em enfermagem, ela


aproveita a deslocação à aldeia para também prestar assistência ao Sr. João, que
requer mais cuidados.

2. . ‘– Oh! Caiu-me o lenço...’

– Oh! Caiu-me o lenço... Que desastrado... E a Olívia? Não está aqui! E agora? Vou
gritar... Não, quase não se ouve. Que raiva... Cada vez mais magro e completamente
sem forças... Sou um inválido... Como posso chamar a Olívia? Isto é uma porra...
Ninguém me ouve! Ninguém me percebe! E como se isto não chegasse, tenho um
hálito horrível. Onde quer que eu esteja, o meu cheiro é insuportável. Fica tudo a
olhar para mim... Para não falar dos tratamentos que aí vêm... A Quimioterapia,
a Radioterapia, como será? O médico disse-me qualquer coisa, é um soro que corre
para a veia e umas radiações, mas dizer é fácil, diz-se tanta coisa... Sim, dizer não
custa, só que depois é que são elas. Não sei se é bom se é mau, mas como vou falar?
O Almerindo das Barrocas também tem um tubo, e ele fala. Se ele conseguiu, eu
também vou conseguir. O pior é o trabalho... E se eu não voltar a poder trabalhar. A
Olívia, coitada, não vai aguentar.

(No hospital de dia)

– Amanhã vem iniciar o tratamento, o Sr. António Pereira, com o diagnóstico de


Ca da língua. Vai fazer RX e iniciar QT. Já deve vir com SNG. A semana passada
já mal se conseguia alimentar. Logo cedo, vai ter a visita de um voluntário da Liga.
O Sr. António era pedreiro, fumava 2 maços de tabaco e bebia cerca de um litro de
vinho por dia.

(Em casa do Sr. António, uma vizinha interpela a esposa)

– Então Olívia! Como está o teu homem?

– Lá está! Metido no quarto... Eu sempre lhe disse que o maldito fumo e o vinho
haviam de o matar. Mas ele não queria saber. Dizia que o pai fumou e bebeu desde
sempre e viveu até aos 90 anos. Só que agora nem sei o que fazer. É que ele era o
sustento da casa, e agora? Amanhã vamos ao hospital, para começar um tratamen-
to... Vamos lá ver...

Mais tarde, no quarto do Sr. António, e com o Enfermeiro do Centro de Saúde...

– Então! Custou muito? Bom, vamos lá tentar o início da nova dieta... Primeiro,
lavar bem a boca... O truque é testar a temperatura da comida, como fazemos com
os bebés... Agora adaptamos a seringa à sonda e depois muito lentamente introduzi-
157  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

mos a comida. Está a ver? É simples, mas cuidado, a tendência é dar muito rápido.
No final não podemos esquecer de lavar com 20 a 30 ml de água, caso contrário o
tubo fica obstruído. Quer experimentar Sr. António?

– Sr. Enfermeiro, e eu?... Ai, Sr. Enfermeiro, não sei se consigo... É que não é só a
comida, é o tubo. Tem que ser mudado, não tem. Temos que ir ao hospital e as via-
gens ficam tão caras! E se acontece alguma coisa? Se o tubo entope? Ainda por cima
vivemos tão longe de tudo. Que miséria a nossa!... Hoje já nem consegui ir ao talho.
Estava a ver que abafava a meio do caminho. Estou cada vez pior. E agora com isto
tudo... Ai meu Deus! Nunca mais me chamaram para ser operada. Tiraram-me os
dentes por causa da operação, e agora somos dois a comer papas. Olhe! Agora mais
vale que não chamem, se não, quem toma conta do meu António...

– Então e a sua filha?

– Qual filha? Olhe, morarem cá e não morarem, é igual... Não querem saber de
nada... Saem de manhã para o trabalho, e entram à noite, ela e ele... Como se isto
fosse um hotel. Já nem sequer comem connosco. Lembra-se do que nos fizeram no
Natal? Não foram capazes de consoar na sala... Enfiaram-se no quarto. Não aguen-
tavam o cheiro... E eu! Não aguentei o deles, quando lhes mudava as fraldas? Mas
disso, os filhos nunca se lembram... Moram cá porque ainda não arranjaram dinhei-
ro para sair daqui para fora. Caso contrário, há muito que já tinham abalado... A
minha filha nem sequer me vai à farmácia, aviar uns medicamentos que a doutora
me receitou para o coração, vai para uns quinze dias. Se morrêssemos, para eles era
um alívio, e olhe, se quer que lhe diga... Para nós também.

3. ‘Mariana tem 19 anos’

Mariana tem 19 anos e é estudante universitária. É uma excelente aluna e o curso


que escolheu parece ter sido uma boa escolha, porque refere gostar bastante e os
resultados confirmam-no.

O João Pedro é um amigo. Conheceram-se na faculdade e são bastante cúmplices.


O João acha a sua amiga uma pessoa reservada e um pouco triste. Às vezes refere
que ela parece esconder algo, algum mistério… Mas a amiga não se descai.

A Mariana tem uma estatura média, cuida do seu arranjo pessoal e é uma rapariga
que os colegas rapazes classificam como ‘gordinha’.

A professora Sara deu a aula de matemática como tinha planeado, mas não deixou
de prestar atenção na Mariana. Estava estranhamente ausente e parecia não ter
dado atenção nenhuma à matéria. A maior parte dos seus colegas até não teria
158  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

reparado, ou até se importado, mas a Prof. Sara gostava de ajudar os alunos, ou


pelo menos tentar, assim eles o permitissem ou ela o conseguisse.

No final da aula, aproximou-se da aluna e disse-lhe:

– Posso falar contigo?

– Pode.

– Reparei que hoje não estás nos teus dias, não ouviste nada do que eu disse…

– Desculpe Prof., foi assim tão evidente.

– Para mim, que julgo conhecer-te, foi. Há algum problema? Posso ajudar-te?

– Não, deixe lá, amanhã já estou melhor. Ninguém me pode ajudar.

– Olha que às vezes temos de nos abrir para alguém, doutro modo fica difícil aguen-
tar. – Dito isto, Mariana desata a chorar compulsivamente.

– Desculpe, desculpe! Eu não devia…

Já um pouco mais controlada, Mariana começa a contar a sua história. Na noite


passada os amigos tinham combinado sair. Ir jantar fora e depois ver um filme.

– Eu sei que tenho de evitar isso, porque senão não me controlo, mas também sinto
falta do convívio e de me divertir. Antes de sair de casa fiz um esforço de mentaliza-
ção, para não cair na tentação, mas eles insistiram muito e eu acabei por comer dois
hambúrgueres e batatas fritas com todos aqueles molhos.

– Eu às vezes também como, não há problema.

– Pois, mas eu… Eu sofro de bulimia. Mal cheguei a casa forcei o vómito. Vinha
com uma sensação enorme de culpa. Já viu como eu sou gorda. Eu não era assim, e
agora nada me serve. E ainda não tive coragem de dizer isto a ninguém, a Prof. Foi
a primeira, não sei porquê.

4. ‘A Enf.ª Rita’

A Enf.ª Rita, que trabalha no Centro de Saúde que abrange aquela vila piscatória,
tem a Família Resende como um dos alvos da sua visita nessa manhã. São ambos,
marido e mulher, relativamente independentes e quando entendem ou têm uma
consulta, deslocam-se ao próprio centro.
159  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

O Sr. Zé, de 74 anos de idade, é um pescador reformado, que tem Diabetes tipo 2
e é um doente cardíaco, enquanto a Dª Graça, de 70 anos de idade, ganhava a vida
a vender peixe no mercado, padecendo de Bronquite Crónica e Reumatismo. São
ambos uns ‘castiços’ e gostam de conversar. Passa-se um bom tempo com aqueles
dois. São tão engraçados como teimosos, não sendo fáceis de convencer.

Como de costume, pouco depois de ter batido à porta a Enf.ª Rita entrou, depa-
rando logo com o Sr. Zé sentado na sua cadeira predileta em frente da televisão.

– Bom-dia, alguma novidade nas notícias, para me poder atualizar?

– Como está menina Rita? É sempre a mesma coisa, mas a gente vai-se distraindo.

– Onde está a sua mulher? Deixou-o sozinho?

– Isso bem eu queria, mas ela gosta muito de mim, não é capaz disso. Está lá fora a
assar umas sardinhas que a minha nora cá veio trazer.

– Bem, vamos então ver como é que está o seu açúcar no sangue. Tem-se portado
bem? – Enquanto isso, ia preparando o material para lhe fazer a pesquisa de gli-
cemia.

– Então não tenho. Faço tudo o que a minha mulher manda, sem tirar nem pôr.

Efetuada a medição, a Enf.ª verifica que os valores estão altos, decidindo pesquisar
outros dados para melhor perceber o que se está a passar. Com um ‘até já, que vou
procurar a sua mulher’, dirige-se para as traseiras da casa, onde existe um pátio.

– Olá, Enf.ª Rita, quer uma sardinha?

– Muito obrigada, cheira muito bem. Fica para outro dia. Estive a fazer a picada ao
Sr. Zé e os valores estão outra vez elevados. Ele tem feito a medicação?

– Tem sim, Sr. Enf.º Tudo direitinho. Sou eu que lhos dou, não há que enganar.

– E a comida, está a fazer como lhe dissemos?

– Isso é que já é mais complicado, sabe como é. Se eu não fizer como ele quer, não
me come nada. Ele já é tão magrinho, que ainda fica pior.

– E o tabaco? Pelo cheiro, mantém-se tudo na mesma.

– Ele já disse ao Sr. Doutor que não ia deixar de fumar. Coitado do homem, também
não lhe podemos tirar agora os poucos prazeres que ele tem.

– Vamos ter de começar da estaca zero, outra vez.


160  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

5. ‘A Enf.ª Natércia’

A Enf.ª Natércia entrou no carro do Centro de Saúde. Ia fazer as visitas domi-


ciliárias previstas. Tal, como os seus colegas, tinha sentimentos ambíguos rela-
tivamente àquela função. Por um lado, a liberdade de sair para fora das ‘quatro
paredes’ e decidir por si própria um conjunto de coisa, mas ao mesmo tempo
conheciam-se situações, em que sentia pouco poder contribuir, e que mais valia
desconhecer.
Não era o caso da D.ª Olívia, uma velhinha de 94 anos. Apesar da idade e dos
inúmeros problemas de saúde, a D.ª Olívia mantinha uma vivacidade inesperada.
Sofria de Diabetes, Hipertensão Arterial, Insuficiência Cardíaca e Gota. A mobi-
lidade já não é a mesma de outrora, mas ainda vai caminhando pela casa com a
ajuda de um andarilho, assim como a visão.
A D.ª Olívia adora falar, e o facto de passar a maior parte do dia sozinha, faz com
que aproveite até ao último fôlego o tempo que as visitas lhe dispensam. Seja a
equipa de apoio domiciliário, a vizinha de frente do quarto andar, dez anos mais
nova e também como ela, viúva, ou os Enf.ºs do Centro de Saúde que a visitam
amiúdas vezes.
Ontem e ontem, a D.ª Olívia chamou um táxi e deslocou-se ao seu médico de
família, por se sentir um pouco mal. Não é uma situação nova, mas a última vez
que aconteceu já tem dois meses, levando-a mesmo ao hospital. O problema é,
aparentemente o mesmo. Está com os valores da tensão arterial e da Diabetes bas-
tantes alterados, o que é bastante estranho. Se a alimentação está a ser a adequada
e a medicação parece ser eficaz, o que poderá levar a esse resultado?
O Dr. Inácio reanalisou toda a terapêutica e chega à conclusão que não pode fazer
mais nada. ‘Eu gostava de lhe fazer mais alguma coisa, mas o que ela tem prescrito
é o indicado para a sua situação’, confessou à Enf.ª Natércia.
A Enf.ª Natércia teve de esperar um bom bocado até que a porta lhe fosse aberta.
Não tivesse ouvido a voz da Dª Olívia e já teria desconfiado. Entrou e ficou a ou-
vir os desabafos da senhora, enquanto ia observando o seu comportamento e o
ambiente em que estava.
– D.ª Olívia, eu sei que levou os medicamentos quando foi ao Centro, mas eu gosta-
va que, com calma, mos mostrasse e dissesse como é e quando toma cada um.
Como lhe custava a andar, a D.ª Olívia pediu à Enf.ª para ir ao armário da co-
zinha, segunda porta ao lado do frigorífico, e lhos trazer. Num saco de plástico,
amontoavam-se um grande número de medicamentos de vários tipos, algumas
caixas repetidas e frascos trocados de lugar.
– D.ª Olívia, como é que se orienta nisto tudo?
161  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

6. ‘Quem conhece’

Quem conhece a história da vida do Marco nunca mais a esquece! Sentado na


sua cadeira de rodas (meia desfeita), permanentemente inclinado para um dos
lados, quase escorregando, camisola vestida por cima de outra camisola e um
rosto redondo como os óculos que usa e um sorriso… Um sorriso que tem tanto
de inocente, como de malandro. É, de facto, esse sorriso que nos prende e nos faz
interessar pelo caso.

Nasceu há 13 anos num hospital central do Porto, com Mielomeningocelo pelo


que toda a vida se movimentou de cadeira de rodas. Existe uma atrofia, evidente,
dos membros inferiores e incontinência de esfíncteres. Vive com a avó, senhora
dos seus cinquenta e nove anos muitos usados, aparentando o desgaste de pelo
menos mais uns dez. A casa… Melhor, o sítio onde vivem, é composto por duas
divisões que corresponderão a uma cozinha/sala e um quarto e ainda um peque-
no WC, orgulho da D. Joaquina, que com as suas poupanças e a ajuda dos vizi-
nhos conseguiu construir, pegado à cozinha. O tempo do Marco é passado entre
a escola e os exíguos pátios de cimento da ilha onde moram.

A escola… A escola é um problema!... Os outros meninos afastam-se dele por


causa do cheiro!

– Não é que não lhe dê banho. – Refere a avó. – Mas é que a cadeira não passa na
porta da casa de banho e, já se vê, tenho que o levar ao colo e eu já não posso… Sabe,
o pior é a fralda!!! O intestino não funciona durante duas, às vezes três semanas, e
o senhor doutor mandou-me dar este xarope, mas depois ele vai para escola e cheira
mal! Fica ali com a fralda suja o dia todo. Por isso é que não lhe dou o xarope mais
vezes… Bem, por isso e por causa das fraldas. A senhora já viu o dinheiro que elas
custam? Quem é que lhes pode chegar? Sim, sim, recebo um dinheirito da segurança
social para ajuda, mas vem todo de uma vez e como o dinheiro nunca chega… Já se
vê… Gasta-se em outras coisas.

– O que eu não gosto nada é das ‘argálias’. O médico do hospital disse que tenho que
meter uma ‘argália’ para despejar a bexiga, e os enfermeiros ensinaram-me, mas eu
não gosto nada!

Uma algália pousada em cima da mesinha de cabeceira, coberta de moscas, de-


nunciava, que o procedimento havia sido realizado, não sabemos há quanto tem-
po! Os enfermeiros do Centro de Saúde visitavam-no para lhe levar as sondas
vesicais e, sempre que ele tinha feridas.

– Sim, tem feridas nas pernas muitas vezes e tem sempre os pezinhos inchados e
roxos – referiu a avó. – Por isso é que nem o calço, anda sempre com três pares de
meias.
162  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

– O que eu gostava na vida?! Não, da escola eu não gosto muito, nem de estudar.
Gosto de ficar na ilha com os meus amigos a jogar cartas e a conversar. O que vou
fazer no futuro? Não sei… Mas o que eu mais queria era ver o Tony Carreira ao
vivo!

7. ‘Mãe e filha entraram’

Mãe e filha entraram no gabinete da enfermeira Ana com ar de zangadas. A mãe


foi a primeira a falar:

– Ó enfermeira Ana! Sabe que esta tonta está grávida?!

A informação deixou a enfermeira surpresa: A Joana tinha apenas 13 anos! Fisi-


camente mais próxima de uma menina que de uma mulher. Sabia que pertencia
a uma família de risco… Ela nasceu quando a mãe tinha apenas 14 anos, tinha
vários irmãos de pais diferentes… Mas, mesmo assim, achou que ela ainda era tão
menina para a abordar com questões da sexualidade...

A Joana estava decidida a ter aquela criança e, apesar da reatividade, a mãe apoia-
va essa decisão.

– Já que o mal está feito!...

Quando sozinha com a enfermeira, Joana explicou que a gravidez não acontecera
por acaso, foi uma decisão que tomou para mudar de vida. A mãe não a compre-
ende, o pai não quer saber dela. Sentia que nunca tinha tido ninguém a quem
amar e que nunca tinha sido realmente amada. Por isso, aproximou-se do João do
7.º E, que tem 17 anos, e não foi difícil convencê-lo a lhe ‘dar um bebé’.

O plano da Joana não tinha um futuro além do ter o ‘bebé’, o projeto global de vida
estava completamente ausente; ela e a mãe haviam concordado que não regressa-
ria à escola. Aliás, a própria diretora de turma aconselhara-o, referindo que nem a
Joana se sentiria bem com os colegas, nem os colegas com ela, sobretudo quando
a barriga começasse a crescer. A professora de Matemática, que também teria es-
cutado a conversa, tinha opinião contrária, e achava que a Joana até era uma aluna
razoável e que se deveria manter na escola e continuar, depois da criança nascer.

Nesse dia a Joana fez a sua primeira consulta de grávida. Foram pedidos todos os
exames complementares necessários e agendada nova consulta. Mas a enfermeira
Ana achou que isto não era suficiente e combinou com a Joana acompanhá-la
mais de perto. Era necessário ajudar esta menina, não apenas a preparar-se para
ser mãe, como também a viver a sua adolescência, em parte já condicionada.
163  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

8. ‘Cruzou-se com a D. Alcina’

Cruzou-se com a D. Alcina no supermercado e estranhou o seu olhar triste.


Aquela senhora é uma pessoa sempre bem-disposta, por isso Helena questionou-
-a e ficou a saber que o marido, o Sr. Damião, tinha tido um AVC há cinco dias e
que estava internado no Hospital.

– Dizem que lhe rebentou uma veia na cabeça, mas o Sr. Doutor disse que não era
muito grave. Parece que tem a ver com a Tensão. Oh! Sr.ª enfermeira… O meu ho-
mem não tem força no lado esquerdo, mas o pior é que ele está lá numa tristeza que
mete dó! E não quer saber de nada… Só fala que prefere morrer a dar-me trabalho.

Quando Helena chegou ao Centro de Saúde resolveu ligar para o Hospital e falar
com uma colega que lhe disse, que o doente ‘estaria bem’ e sairia, em breve, com
alta. Sabendo o que isso pode significar, ter alta no dia seguinte, apressou-se a
procurar a morada do casal e aproveitou a saída para domicílios para visitar a D.
Alcina, no final do dia. Como estaria aquela família a viver este momento difícil?
Como se iriam organizar para acolher de novo em casa o Sr. Damião? Será que
esta família possui elementos que possam e estejam dispostos a ajudar o casal?
Como pode ela, enfermeira, ajudar esta família? Que recursos dispõem e que re-
cursos da comunidade irão necessitar?

Nesse dia, apesar da escassez do tempo ‘entre dois pensos’, Helena ficou a saber
mais sobre a família, conheceu a sua casa e demonstrou à D. Alcina que não estava
só. Mais tarde percebeu que sem estes elementos a sua intervenção não teria sido
possível.

No dia seguinte voltou e encontrou, como combinado, o sobrinho (que era como
filho) e a irmã mais nova do Sr. Damião, que se disponibilizaram para ajudar no
que fosse possível. Como Helena não tinha avaliado funcionalmente o Sr., nem ti-
nha tido acesso a qualquer informação, definiram objetivos e intervenções gerais,
baseadas na informação da esposa, ficando de reavaliar a situação logo que este
regressasse a casa. Helena, afastou também a decisão, talvez precipitada, de alugar
uma cama articulada e de comprarem um colchão de pressão alterna.

– Vamos ver se, de facto, o seu marido precisa desses apoios, ou não.

A primeira medida que tomaram, foi a reorganização do espaço físico: muda-


ram a disposição da cama (cuja altura parecia a indicada para levantar e deitar)
e retiraram uma mesinha de cabeceira, de forma a terem espaço para circular,
caso necessário, com cadeira de rodas ou auxiliar de marcha. Retiraram tapetes
e passadeiras que abundavam nos corredores. Deixaram o corredor livre de obs-
táculos do quarto até à sala, casa de banho e terraço que dava para um pequeno
e modesto quintal.
164  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Helena ajudou a construir um esquema, de acordo com os afazeres de cada um,


para que a assistência nos cuidados básicos estivesse assegurada: a prestadora de
cuidados e gestora seria naturalmente a D. Alcina; a irmã viria de manhã, depois
das crianças irem para a escola para, se necessário, ajudar a levantar o Sr. e no
que mais fosse preciso. O sobrinho, depois do emprego, viria ajudar o tio a tomar
banho; e as crianças (sobrinhos mais novos) continuariam a passar parte da tarde
lá em casa, como era hábito, onde o tio costumava ajudar nos trabalhos de casa e
a jogar damas e xadrez. Nessa altura a D. Alcina poderia aproveitar para fazer as
suas compras e dar as suas voltas.

Não houve tempo para mais planeamento porque no dia seguinte o Sr. Damião
regressava a casa com uma carta para o médico de família e para a uma consulta
de Fisiatria.

Quando o Sr. Damião chegou e se viu rodeado da família os seus olhos encheram-
-se de lágrimas, mas o verdadeiro brilho surgiu quando viu a sua cama.

– Não me tiraste a minha cama, as saudades que eu tive dela.

9. ‘Em tempos o jardim’

Em tempos o jardim daquela casa era o mais bonito da rua; hoje acusava o aban-
dono a que estava votado. Todos os dias depois do emprego o Sr. Eduardo passava
horas a arrancar ervinhas, a regar ou a espontar os arbustos. Mas o aspeto do
jardim não era nada comparado com a angústia que o casal vivia dentro daquela
casa. Desde que a doença se manifestara tudo entrou em desarmonia, sobretudo
a relação entre o Sr. Eduardo e a D. Maria.

Mal entrei na sala observei o cadeirão onde invariavelmente o Sr. Eduardo se


sentava em frente a um televisor a que era indiferente estar, ou não, ligado. Há
cinco anos atrás fora-lhe diagnosticada uma doença de Parkinson e, desde então,
o seu estado de saúde degradou-se rapidamente. Com fácies inexpressivo e rígido,
parecia estar permanentemente zangado. Olhou-me atentamente e tentou falar,
mas o som saiu completamente impercetível, o queixo começou a tremer, a saliva
caiu pelo canto da boca e as lágrimas correram abundantemente pela cara abaixo.

– Não percebo esta doença, Sr. Enfermeiro! – Queixou-se a D. Maria. – O meu ma-
rido era tão meu amigo… Agora está mau! Olha-me como se me odiasse, ou então
desata a chorar. Até parece que o trato mal. E olhe que eu estou muito cansada, já
não aguento mais! Faço um esforço enorme para o levantar, para lhe dar banho…
Ele não dá uma ajuda, não se mexe! Tenho que lhe dar a comida à boca e passado
um bocado, levanta-se e anda às voltas pela casa. Depois cai e ainda me dá mais
165  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

trabalho. Agora, mal pede para urinar, molha-se todo. Não dá tempo a levá-lo à
casa de banho. Ele, apesar de magro, custa muito a levantar, parece que eu puxo
para um lado e ele para o outro.

– D. Maria! Importa-se que eu veja a medicação que o Sr. Eduardo está a tomar e
a que horas a toma?

A medicação consistia num Anti-Parkinsónico dopaminérgico, que tomava às


principais refeições (4 vezes dia) e um anticolinérgico (Bromocriptina) ½ + ½
comp. por dia.

A enfermeira explicou à D. Maria as flutuações da doença e propôs-lhe que du-


rante uns dias experimentasse administrar a Levodopa às 8.00h, e só quando a
medicação estivesse a fazer efeito é que levantaria o marido. Assim como atrasaria
o almoço relativamente à toma das 12.00h e assim sucessivamente ao longo do
dia. Quanto a esta proposta a D. Maria concordou, mas ficou desconfiada quan-
to ao marido não estar zangado, porque o Santo Papa não tinha ar de zangado,
segundo ela.

A Enf.ª falou-lhe um pouco na importância de se ajudar o marido a fazer por


si mesmo tudo o que conseguisse e a ajudá-lo no que tivesse mais dificuldade.
Falou-lhe ainda da hipótese de utilização de alguns materiais que facilitariam ati-
vidades, como talheres especiais.

– Comer sozinho? Isso, já não acredito que algum dia venha a acontecer.

10. ‘Na sala de tratamentos’

Na sala de tratamentos a enfermeira Raquel executava o tratamento à ferida que o


Sr. Marco apresentava no 1º dedo do pé esquerdo, resultante de um traumatismo.

– Como é que isto aconteceu?

– Ia para a praia de sandálias e bati com o dedo numa pedra. Nem dei importância
na altura, só na praia é que vi que tinha sangue e estava feio. Só não percebo porque
é que nunca mais cura, já lá vai mais de um mês!

– Por acaso não é diabético?

– Não, não, só tenho 35 anos, Sr.ª enfermeira! Quer dizer… Uma vez um médico
disse que eu tinha pré-diabetes, mas tomei uns comprimidos e aquilo passou.

– Sim?!... OK! Mas pelo sim, pelo não vou-lhe fazer uma picada no dedo para ver como
está o açúcar, está bem?
166  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Os valores da glicemia estavam, de facto, muito elevados (420mg/dl) e apesar do


utente não querer esperar para ser consultado pelo médico, ela insistiu. No entre-
tanto, foi colhendo informação sobre as conceções e crenças que Marco tinha so-
bre a Diabetes e sobre os hábitos e estilos de vida. O seu aspeto ‘bem nutrido’ não
enganava sobre os hábitos alimentares abundantes em carnes vermelhas, queijos,
fritos e sobre o sedentarismo do dia-a-dia.

– Exercício? Faço, sim senhora. Todos os dias para me levantar, para ir trabalhar...

Quando saiu da consulta médica trazia indicações para realizar um batalhão de


exames e vinha visivelmente assustado.

– Não acha que eu possa ser diabético, pois não? Isto deve ter sido do bolo que comi
ontem!

(Dias depois…)

– A senhora tinha razão! O Dr. mandou-me tomar uns comprimidos e disse que a
Sr.ª Enf.ª ia dar-me uma máquina, para eu picar o dedo. Disse que se não controlas-
se bem isto, tinha que tomar insulina! Nem estou em mim! Mandou-me emagrecer
e deixar de beber.

– Vamos lá ver… Primeiro vamos pensar na medicação, o que vai tomar, quando
vai tomar… E como é que não vai esquecer-se de tomar. Depois vai para casa, vai
sossegar um pouco e amanhã, depois do emprego, volta cá. De preferência com a
esposa para conversarmos sobre o que precisa e o que está disposto a mudar na sua
vida, para viver bem com a sua Diabetes. Depois vemos a máquina, OK?
167  Sebenta de Casos Clínicos para Enfermagem

Agradecem-se os contributos da enfermeira Carla Pinho,


da professora Fernanda Bastos, do professor José Carlos Carvalho,
do professor Paulo Machado, da professora Paula Sousa,
da professora Rosa Silva e da professora Sandra Cruz.

Porto  2013

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