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Trabalho e Educacao Numa Perspectiva Emancipatoria
Trabalho e Educacao Numa Perspectiva Emancipatoria
Moacir Gadotti
Diretor do Instituto Paulo Freire
Professor Titular da Universidade de São Paulo
1. Perspectiva emancipatória
2. Trabalho e educação
Trabalho pode ser entendido como práxis, isto é, como atividade teórico-prática por meio
da qual os seres humanos se transformam transformando a realidade. O trabalho é a práxis,
social, cultural e produtiva, por meio da qual o ser humano transforma a natureza, adequando-a às
suas necessidades vitais, materiais e culturais. Esse valor de uso do trabalho foi transformado em
valor de troca pelo capitalismo, isto é, em mercadoria, empobrecendo, coisificando, embrutecendo
e desumanizando o trabalhador.
O trabalho realiza o homem, mas pode também aliená-lo (Antunes, 1999). Marx – o grande
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do debate central que é a concepção de educação: para que, a favor do que, contra o que
educamos, para que projeto de sociedade. Não podemos cair nas armadilhas do neoliberalismo e
nos perder em debates – por mais relevantes que sejam – ora sobre o local da educação, se é na
escola ou fora dela (educação escolar versus educação não-escolar), ora sobre a modalidade da
educação (se deve ser presencial ou a distância), se a educação deve ser formal, não-formal ou
informal, profissional ou acadêmica. Não podemos nos desviar do foco, da causa que nos une.
Antes de mais nada devemos discutir a educação que queremos, a sociedade que queremos.
Numa perspectiva emancipatória nenhuma reforma pode ser considerada de interesse dos
trabalhadores se não for elaborada com a sua participação. Os organismos internacionais,
particularmente o Banco Mundial, guardião dos interesses do grande capital, não incluem os
docentes como partícipes de suas propostas educacionais. Ao contrário, eles não só não são
consultados como desprezam o seu saber como inútil. Neoliberalismo e democracia participativa
não combinam. Neoliberalismo combina mais com mercantilização da educação.
As políticas neoliberais de educação consideram a escola como uma empresa e os
alunos como clientes, como consumidores. A ela eles aplicam ora o fordismo, ora o toyotismo.
Como a escola não é uma empresa a ela não se aplica nem o fordismo e nem o toyotismo. Esses
modelos de organização do trabalho capitalista não se aplicam ao processo educativo
emancipador pois esse não é um processo de produção de mercadorias e nem a escola uma
empresa a serviço do mercado.
Numa perspectiva emancipatória importa que a práxis educativa construa sujeitos
autônomos, pensantes, sujeitos capazes de autogovernar-se e de governar. Numa concepção
emancipatória, a educação para o trabalho visa a formar o “povo soberano” (Tamarit, 1996) desde
a mais tenra idade. É uma educação contra-hegemônica à concepção produtivista da educação
demandada pelo mercado. Não se trata de profissionalizar cedo as crianças e jovens. Trata-se de
formá-los integralmente, omnilateralmente, harmonizando estudo e trabalho, como na visão da
educação politécnica e omnilateral, preconizada por Marx que coincide com a visão de uma
educação crítica e e transformadora de Paulo Freire. Ressignificados, nos dias de hoje, em novos
contextos, esses conceitos são ainda muito atuais.
Em Marx o ensino politécnico ou tecnológico (Machado, 1989) deve se realizar na
síntese do estudo teórico e de um trabalho prático na produção, na construção dos conhecimentos
e das capacidades técnicas e científicas indispensáveis à compreensão do processo de produção,
pondo em evidência o caráter social do trabalho e estimulando a associação livre dos
trabalhadores, conceito mais tarde retomado por Pistrak (1981). Para ele o ensino politécnico
deveria ter por finalidade fazer compreender e viver a estrutura econômico-social e política. Ele se
opôs à especialização precoce. Para ele, o ensino politécnico, na perspectiva omnilateral da
educação, deve baseava-se no tripé: cultura geral (ensino intelectual), desenvolvimento físico e
aprendizado profissional (técnico-científico).
Sem essa cultura geral jamais um trabalhador como José Saramago, formado num colégio
industrial português e Nobel de Literatura, teria chegado onde chegou. Como diz Eliezer Pacheco,
que foi coordenador da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do MEC de 2005 a
2012, “nosso objetivo central não é formar um profissional para o mercado, mas sim um cidadão
para o mundo do trabalho – um cidadão que tanto poderia ser um técnico quanto um filósofo, um
escritor ou tudo isso” (Pacheco, org. 2011:11). A escola precisa ser “unitária”, como dizia Gramsci,
formando para produzir e para governar, unindo estudo e trabalho, formação geral e específica.
Na educação elitista e classista a preparação para o trabalho é reservada só aos
trabalhadores, já que as elites são preparadas para o comando, para o governo. Para governar
dizia Aristóteles, não se precisa de muita ciência, basta saber usar o chicote. É uma educação que
invisibiliza e silencia o tema do trabalho, preparando os mais pobres para as atividades manuais e
a superexploração. Enquanto as elites são preparadas para governar, uma massa quase
analfabeta é preparada para a subserviência, com meia educação. No Brasil, como sustentava
Florestan Fernandes, as elites sequer realizaram a revolução burguesa que garantiria educação
para todos.
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Em sentido pleno, a educação omnilateral de Marx está para ser realizada e ela não virá
a não ser pelo trabalho a partir das contradições atuais da sociedade e da educação. Nesse
processo se aplica a máxima de Antonio Gramsci: “pessimismo da inteligência e otimismo da
vontade”. Ou, como dizia Paulo Freire, realizar o possível de hoje para fazer, amanhã, o
impossível de hoje, interferindo nas condições concretas de hoje, superando posturas fatalistas e
imobilistas. Ninguém espera que o capitalismo abra mão de sua visão autoritária e anti-
emancipatória de mundo. Seria incongruente.
A escola tem um potencial transformador que ainda não utilizou inteiramente em favor
das grandes reformas sociais e políticas que são necessárias para transformar a própria
educação. Ela guarda uma “autonomia relativa” (Georges Snyders, 1977) que pode servir de base
para uma perspectiva emancipatória. Não teria sentido falar de perspectiva emancipatória fora do
horizonte desta possibilidade. A escola não é um mero instrumento passivo nas mãos e a serviço
do Estado, do capital ou de qualquer outro poder externo, como sustenta Mariano Enguita em seu
livro A face oculta da escola (Enguita, 1989).
Creio que não podemos nem subestimar, nem superestimar o papel da educação no
mundo do trabalho. A educação não pode deixar de acompanhar o que acontece no mundo do
trabalho: sua evolução, o surgimento de novas ocupações, sua historicidade, seu tempo. Há uma
relação estrutural entre ambas pois é nestes dois espaços – o da educação e o do trabalho – que
se forma a classe trabalhadora. Por que essa cautela? Porque se a escola não gera
diferenciações e divisões na sociedade, não será ela que poderá unificar a sociedade e torná-la
mais justa, sem efetivos progressos na democratização econômica e política de uma sociedade.
Por outro lado, é preciso também admitir que, mesmo não sendo a educação a criadora da
cidadania, ela é indispensável para o seu exercício.
Na educação emancipadora ensino e aprendizagem fazem parte de um todo indivisível. A
educação não pode ser considerada apenas como aprendizagem. Na visão neoliberal a
centralidade na aprendizagem esconde a centralidade que é dada ao indivíduo, ao cliente que
acaba sendo o verdadeiro responsável pela sua aprendizagem. A educação não é mercadoria, é
um direito, e, por isso não pode ser limitada aos indivíduos que podem comprá-la. Esta é também
a visão de um certo empreendedorismo que joga a responsabilidade no indivíduo, seja no que se
refere à sua formação, seja no que se refere ao seu emprego.
Ao lado da centralidade na aprendizagem (Learning Society, Adult Leaning, Lifelong
Learning, Distance Leaning...) existe hoje a centralidade na avaliação em todos os níveis e
modalidades de ensino: do saber comum e universal dos anos 80 para o currículo único e
universal de hoje, como nos fala Miguel Arroyo em seu livro Currículo, território em disputa. Para
ele, o currículo “é o núcleo duro, sagrado, intocável do sistema escolar. Gradeado como todo
território sagrado, porque estruturante do trabalho docente” (p. 15) não reconhecendo “os saberes
do trabalho docente” e “o direito ao conhecimento produzido no trabalho” (p. 83). Na perspectiva
emancipatória, contrária a perspectiva bancária, encontram-se, hoje, as propostas de reorientação
curricular de muitas redes municipais de ensino e os projetos eco-político-pedagógicios de muitas
escolas.
A cultura escolar está sendo substituída, aos poucos, por uma cultura de auditoria própria
da economia. Na escola, o aluno não pode ser considerado um sujeito econômico, um consumidor
e nem os pais podem ser considerados como clientes. Nem a educação pode ser considerada
apenas pelos seus resultados como se ela tivesse metas quantitativas, em série, para cumprir,
como na indústria. O desenvolvimento humano tem outros parâmetros para ser medido.
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