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André de Paiva Toledo orgs. Tiago V. Zanella Tribunal Internacional do direito do mar 25 anos de jurisdigao em homenagem ao Professor Vicente Marotta Rangel DPLACIDO Digitalizado com CamScanner caso N° 24 o INCIDENTE "ENRICA LEXIE” (TALIA V. INDIA), MEDIDAS PROVISORIAS Victor Alencar Mayer Feitosa Ventura’ 1. Introdugdo No Diteito Internacional do Mar existem casos judici edelicados, No entanto, poucos enfi tes juridicas © politico-diplomiticas como 0 caso n. 24, que aportou ao “docket” do Tribunal Internacional do Direito do Mar (TIDM ou “Tribunal”) em 21 de julho de 2015.0 caso 24 centra-se em um inci- dente envolvendo o navio petroleiro Enrica Lexie (de bandeia italiana) ¢o barco pesqueiro $1. Anthony (de bandeira indiana), que resultow na morte de dois nacionais indianos, alvejados por dois fuzileiros navais italianos. No mérito da disputa, identifi sias juridic: ais complexos entam tantas ¢ tio delicadas ques- m-se importantes controvér- as, tais como a aplicagio da jurisdigio exclusiva do Estado de bandeira na Zona Econémica Exclusiva (ZEE) de outros paises; 0 exercicio de jurisdicio penal pelo Estado costeiro em sua ZEE;o dever de cooperagio no combate A pirataria;a definigio precisa de conceitos como “incidente de navegaco” e “aguas internacionais”, entre outras. De antemio, é preciso destacar que, em sintonia coma Convengio das NagSes Unidas para o Direito do Mar (CNUDM ou “Conven- "),? 0s Estados partes podem levar uma controvérsia 4 arbitragem * Doutor ent Dirvito Internacional Piiblico ‘pela Universidade de Hamburgo, na Alemanha, Proce tador-Chofe da Procuradoria Juridica la Superintendéncia de Administragio do Meio Ambiente Pvaiba ~ SUDEMA, Conselheiro Titular do Conselho de Protegio Ambiental da Paraiba © CORAM, Ex-Assessor Juidico no Titbunal Martino Internacional (ITLOS), em Hamburg, Memanha, Lecturer de Dircto Internacional do Mar no tnso de Graduagio em Dinito da Univer- silt Hamburg, entre 2017 ¢ 2018. Membre do Instituto Brasileiro de Dirt do Mar— IBD Mar {colaonador do Ceo de Estudos Polito- Esai da Marina do Brasil ~ CEPE/MB, * Convengio das Nagdes Unidas para 0 Direito do Mar, United Nations Treaty System vol. 1833, p. 3, 1982. 825 internacional, segundo o Anexo VII da Convengao, a0 tempo em, que peticionam medidas cautelares perante 0 TIDM. Assim, 0 caso 24 decidido pelo TIDM e abordado neste capitulo, versa sobre 0 peq incidental de medidas cautelares Fi . ido em sintonia com 0 artigo 29016) q, CNUDM, apresentado pela Itélia. Nao se confunde, portanto, cor ¢ caso principal, em curso perante Tribunal Arbitral ad hoc constituido Nos termos do Anexo VII, em Haia, especificamente para analisar © julgay © mérito da disputa.' Embora o foco deste ensaio seja a decisig do TIDM, esbogam-se algumas consideragdes acerca do mérito da disputg na parte final, de modo a destacar a relevancia juridica do caso para o estudo do Direito do Mar. No que toca ao pedido de medidas provis6rias, pode-se dizer, em poucas linhas, que este circunscreve a tentativa italiana de sustar o exer. cicio, postulado pela {ndia, da jurisdigio penal sobre dois fuzileiros da Marinha Italiana, e obter liberdade para ambos, de modo a aguardarem em territério italiano a decisio final de mérito, a ser proferida pelo Tribunal Arbitral constitufdo segundo o AnexoVIT (“TA AnexoVIP’), Para tanto, exige-se da parte autora o preenchimento de dois Tequisitos, quais sejam, a comprovagio de jurisdigio prima facie do Tribunal Arbi- tral para decidir sobre 0 mérito do caso e a constatagdo da ocorréncia de periculum in mora, com riscos iminentes de danos irrepariveis aos direitos das Partes.* A contenda produziu abalo considerivel nas relagées diplomiticas entre os dois paises (Italia e fndia), tendo envolvido a Unitio Europeia na disputa.* A contribuicao deste estudo leva em consideracio as elucu- braces politicas que circundam o caso, mas se dedica primordialmente a anilise critica dos elementos juridicos presentes na disputa, bem como * Em dezembro de 2018 0 mérito do caso se encontrava, ainda, em anilise junto ao Tribunal Arbitral constituido conforme o Anexo VII da CNUDM. * Esse € 0 teor do artigo 290(5), CNUDM. 5 Em 2012, na sequéncia do episddio, a india rebaixou (“downgraded”) relagdes diplométicas com a Itilia. Em coluna no jornal Huffington Post, 0 advogado Ajit Joy considera que a disputa em torno do Enrica Lexie se tornou um “espitlho irritante” nas relagdes diplométicas entre india e Itélia. Dispontivel em: http:// www huffingtonpost.in/ajit-joy/let-the-italian-marines-g_b_8977296.html Ou- tro comentador fala de uma"“fratura diplomatica” digna de uma “telenovela”. Vet MENON, Anirudh, Indo-Ialian relations: Why both countries benefit from resolving the dispute, London School of Economics and Political Science. 23 marco 2013. Disponivel em: http://blogs, Ase.ac.uk/southasia/2013/03/29/indo-italian-rela- tions-why-both-countries-benefit-Fom-resolving,the-dispute/. 826 ja esac ettico da decsio do TunalAsin na primeira parted °F sobre a ssp, 0s eventos que origina deere vali india © fndaniento lel paraa forte de peddle an ascautelaes petante "TDM, na pendéca de deri Pes Wot AnexoV M.Na sequencia, em enfoque descritivo, a segunda J fe assustentagbes de ca Pate, procurando condenser os argumentos os onmllos por abs. Naterceta parte ainda desert, embor Minha cle comentirios,aideia & avaliara decisto do"Tribual, com gstague Paral as consideragdes apresentadas pelos juizes, os artigos nos spa indamientam sta decsio, bem como o teor da ordem emt Por fim, a quarta parte contém ponderagées criticas sobre as questées jviicas em dsptta, inclusive quanto ao mérito, aferindo a rlevincia seaso pat o desenvolvimento do Diteito Internacional. 2. O Caso Trata-se de pedido incidental de concessio de medidas cautelares encaminhado ao TIDM, na pendéncia de constituigio de Tribunal Ar- bitral conforme o AnexoVII da CNUDM, responsivel pelo mérito da disputa. Por lei, no procedimento de concessio de medidas provisorias, de natureza sumiria, nio se discute © mérito da questio, a semelhanga dos processos judiciais domésticos mundo afora.A disputa decorre de incidente sucedido em 15 de fevereiro de 2012, a aproximadamente 30,5 milhas nauticas da costa ocidental indiana, portanto, na ZEE in- diana, envolvendo o M/V Enrica Lexie, petroleiro de bandeira italiana, eo barco St. Anthony, de nacionalidade indiana.* Quanto ao mérito, litigam a Repiblica Italiana e a Repablica da india acerca das competéncias jurisdicionais penais dos Estados cos- EES o Ewe Tribunal € constituido no contexto da estrutura organizacional da Corte Permanente de Arbitragem (CPA), situada em Haia. A composigio dos tribunais arbitral conforme AnexoVII é de cinco arbitros, que podem ser juizes e professores com not6rio conhecimento e sabedoria em assuntos internacionais.No caso Enrica Lexie, o Tribunal Arbitral conta com os juizes Vladimir Golitsyn (presidente, juiz Patrick Robinson (da Cl), 0 Professor do TIDM), Jin-Hyun Paik (do TIDM), F Francesco Francioni ¢ juiz Chandrasekhara Rao (do TIDM). A luz do artigo je armas”, a Itilia indicou 3(b) do Anexo VIL, que estipula a regra da “paridade d 6 Professor Erancesco Francioni como juiz.ad ho, anto perante o Tribunal Arbi- tral quanto 0 TIDM, como forma a alcangar situagio de paridade, por ser 0 juiz Chandrasekhara Rao de nacionalidade indiana. » 57 da CNUDM, sobre a largura da ZEE. Motor Vessel”, ot navio movido por motor. Conforme o atti M/V é abrev acura em inglés para" 827 Digitalizado com CamScanner teitos. A embareagio. Enriat Lexie, em trinsito de porto em g,j Tumo A costa do Djibuti, regio 4 época fustigada por ataqt foi alegadamente abordada por um bareo menor, enr prc |, remeter Lang, MCS piratas cedim, Nite 10 Mods opera Marinha jtay vidaram Mataray io usual, que, segundo informa a tilia, rem de piratas, Surpreendidos com a agio, fuvzileiros d alan, M dois responsiveis pela seguranga do Enrica Levi cidadios indianos, Valetine ¢ Ajesh Pink. , Ao tomar conhecimento do epis6dio, a India ¢ ‘erceu jurisdj ISO De. nal em face dos dois fuzileiros italianos pela morte dos cidadios indianos em regio que clama estar sob sua jurisdigio penal. Segundo as autor desse pais, o “incidente” em questio envolveria na verdade 9 de dois pescadores indianos, a bordo de um navio de bandeira indiana pelos dois fuzileiros italianos lotados no petroleito Enrica Lexie, Em, fungig das caracteristicas do caso, o sistema judicial indiano exerceu Jurisdigig criminal sobre os fuzileiros e os deteve provisoriamente, enquanto se conduziam as investigagées, Do exposto, percebe-se a complexidade dg Caso, que envolve o homicidio de dois cidadios indianos, por Parte de dois cidadaos italianos, que dispararam a partir de um navio d italiana (Enrica Lexie), produzindo o efeito morte em outra (St. Anthony, de bandeira indiana), na ZEE da india. Na sequéncia de tentativas diplomiticas fracassadas Para resolver a disputa, a Itélia ofereceu a india notificagio de disputa nos termos do artigo 287, Parte XV, e artigo 1°, Anexo VII, da CNUDM, em 26 de junho de 2015. Em seguida, amparada pela Convengio, a Itilia apresentou pedido de medidas cautelares perante oTIDM, segundo 0 artigo 290(5). Importante destacar que apenas Estados signatirios da CNUDM podem acionar 0 TIDM," no métito ou em processo de medida cautelar, e que Itilia"' e india? sio signatatios da CNUDM. ‘Tal procedimento encontra-se em sintonia com o sistema compul- sdrio de solugio de controvérsias contido na Parte XV da Convencio, idades A8Sa8sinaty le bandeira embarcacio * Em 2009, a Organizacio Maritima Internacional (OMI) aprovou o Codigo de Conduta de Repressio & Pirataria e Assaltos a Navios no Oceano {ndico Ocidental © Golfo de Aden, 0 chamado “Cédigo de Djibuti”, em decorréncia do clevado niimero de ocorréncias pirats nessa regi, de uxo intenso de bens e mercadors. Conforme o artigo 20(1) do AnexoVI, CNUDM, sobre o funcionamento doTribunal Attila atficoua Convene. em 13 de janeiro de 1995,¢ escolheu, por declaracio ex, oTIDM ea Cl como mei io para solugio de controvérsias envolvendo a Convendio A India ratificou a Convengio em 29 de junho de 1995, e niio depositou declaragao cscrita escolhendo.o meio favorito para solugio de controvérsas envolvendo a Comet 828 Digitalizado com CamScanner yee colors 408 Estados membros 4 hberdade de escolher, por meio ike Heclaragio eserita, WHE OU Thais MeiOs para a resolugio de litigios yelativs | interpretigio © aplicagio da mesma. Entre os meios 4 dis: io dos Estados, encontrant-se a Cl, 0'TIDM, Tribunais Arbitrais jrme Anexo VIL ou VITE da Convengao (a depender da substincia sit n con puta em causa). Apestr da pluralidade de meios para a resolugio de litigios, a jo estipula um mecanismo para prevenir a chamada inagio | seja a elei¢io do Tribunal Arbitral do Anexo VII para nas questdes em que as escolhas das Partes no coin- aad Convens judicial “on ttoversias 1 quando as Partes nio aceitarem o mesmo forum para a cidam ow ¥ Assim, destaca-se o sistema de solucao de controvérsias resoltugio. da CNUDM, diverso de outros sistemas internacionais, por ndo pretender © monopolio para julgamento de casos concernentes 4 rpreta¢io da Convencio."* (5 processos envolvendo pedidos de medidas provisorias possuem como requisitos legais, pela ordem, a aferigdo de jurisdi¢éo prima face fo TA Anexo VIT e a urgéncia do pedido, mediante demonstragio de dano irrepardvel a0s direitos das Partes. Este segundo requisito seria 0 equivalente, no direito brasileiro, ao periculum in mora, assim, por dis- CNUDM, ainda que as Partes litiguem quanto ao mérito bunal, podem buscar medida provisoria perante o TIDM. doméstico ou internacional, os de solicitar medidas los na disputa antes jnte! posicio da em outro tri Como em qualquer sistema judicial, Estados partes da CNUDM tém a possibilidade cautelares para preservarem os direitos reivindicad de o tribunal arbitral chegar a uma decisio definitiva. Um dos foruns para solicitar medidas provis6rias é, pois, 0 TIDM. 0 VIII os casos centrados po ® Serio direcionados ao Tribunal Arbitral conforme Anex 10,investigagio cientifica nos seguintes assuntos: pesca, protecio do ambiente marinh € navegaco, conforme artigo 287(1)(a)a(d). "Antigo 287(5), CNUDM. Dado que, em dez Partes da Convencio fizeram declaragdes espe a resolugio de litigios, ¢ provavel que a maioria arbitragem do Anexo VIL. De acordo com Churchill, € 0 que tem acontecido na priticn Ver CHURCHILL, Robin. "The General Dispute Settlement System of the UN Convention on the Law of the Sea: Overview, Context and Use". Orcart Development and International Law, online, 2017, p. 4 4 estabelecer um monopélio para lidar com aplicagio da CNUDM. Ver Churchill, op. jembro de 2018, apenas 47 das 168 cificando seu forum preferido para dos litigios seja encaminhada 3 Para C . Para Churchill, isso no equivale disputas relativas a interpretagio © “it, p.6. 829 Digitalizado com CamScanner 3. Sustentacdes das Partes 3.1. Argumentos da Italia arement of claims"), ia army ay jurisdigio exclusiva sobre o Enrica Lexie ¢ 08 Fuzileitos navais gy. : Estado que detém a bandeira sch mo atuavam em sta protegio, por sero ES : ; + nacionalidade dos fuzileiros."* De acordo com Lei Italian, de 2011," aprovada no contexto do combate a pirataria ¢ de modo 4 warantir a liberdade de navegacio de navios portadores da bandeir, italiana, militares da Marinha Italiana podem ser destacados a bordo de navios italianos. Si0 0s chamados VPDs, “Vessel Protection Deta. chments"," forga-tarefa militar por meio da qual a Marinha Ttaliang designow a presenga de seis fuzileiros navais a bordo do Enrica Lexie, do navio de modo a proteger o navio contra assédios piratas. De acordo com a Itilia, o Enrica Lexie navegava a 20.5 milhas ndutica da costa indiana quando uma embarcagio nao identificada “dj. rigiu-se rapidamente na diregio do Enrica Lexie”” e os dois fuzileiros em questio conclufram ser esse modus operandi caracteristico de uma aco pirata. Segundo o relato italiano, os fuzileiros alertaram para que a embarcagio se afastasse, no que nao foram atendidos, enquanto avis- taram individuos portando “o que aparentava ser fuzis e instrumentos para embarcar o navio”.” Efetuaram disparos na dire¢o da embarcacio, para que o Enrica Lexie pudesse seguir sua rota. Em seguida, autoridades indianas foram avisadas de que duas pessoas a bordo da embarcacio St. Anthony foram mortas na ZEE indiana. O proximo passo foi in- '© A Itdlia invoca o artigo 95 da CNUDM, sobre a jurisdi¢io penal exclusiva do Estado de bandeira no alto mar, pedra-basilar dos pleitos italianos. ” Lei Italiana n, 130 de 2 de agosto de 2011. °® No Direito Internacional, existe polémica quanto ao uso de integrantes das forgas armadas em detrimento de guardas armadas de empresas privadas de seguranga a bordo de navios mercantes. Para mais detalhes, ver EBOLI,Valeria ¢ PIERINI.Jean Paul “Coastal State Jurisdiction overVessel Protection Detachments and Immunity Issues:The Enrica Lexie Case”. Military Law and the Law of the War ReviewVol. 51, 2012, p. 124, para quem o incidente do Enrica Lexie representa um “teste limite” a0 uso de VPDs em espagos maritimos estrangeiros. Ver, ainda, CALDWELL, R. Graham, “Private Security and Armed Military Guards”. The RUSI Journal, ol. 157, Issue 5, 2012, pp. 16-20. " Notificagio de Procedimentos, do inglés “Notification of Proceedings”, Ili, parigrafo 6. 2 Idem, parigrafo 7. 830 exie ¢ obrigi-lo a lo a atracar no por : 5 a orto de Kochi, para cimentos quanto a morte dos dois indi eA scare! scl a 7 anos. Alguns di é » os fuzileiros italia te as apos 0 iniddemte OS fuzileiros italianos de sobrenome Latorre e Giron ram 4 custodia | ; 7 jirone fora aupmetidos 4 custodia do sistema carceritio indiano, A leila argumenta que a intercept ago do Enrica Lexi rent ' CXIE OCC cu Cl «gas internacionais, 3 revelia do Dire files gt ito do Mar, e ‘lei be vonderiam exclusivamente as autoridades aes cee Tl enim bsseiase no artigo 97 da CNUDM, segundo 0 qual a jurisdicao penal caso de incidentes de navegacio no alto mar sera exercida tinica € sxe lusivamente pelo Estado de bandeira do navio. Ainda assim, a8 autorida es italianas optaram por indenizar os familiares das viti- mas,em aproximadamente 190 mil délares americanos para cada familia. Na sequéncia da prio dos fuzleiros,a Ii impetrou mandado de seguranga (em inglés, “injunction writ”) junto 4 Corte Superior de Justiga de Kerala, alegando que quaisquer ages das autoridades sndianas, no sentido de exercer jurisdi¢ao sobre os fuzileiros italianos, seriam contrarias ao principio internacional da imunidade soberana, bem como a principios referentes ao exercicio de jurisdi¢io criminal presentes na CNUDM.” O Tribunal de Kerala indeferiu os pedidos italianos, alegando ter o Estado indiano, por forga do Cédigo Penal nacional, jurisdi¢ao criminal até 200 milhas néuticas (mn) da linha de base. Da decisio, coube recurso para a Suprema Corte Indiana, que, em janeiro de 2013, determinou ao Estado indiano constituir “Corte especial” para julgar os dois fuzileiros italianos, Significa que a Suprema Corte no acatou os argumentos italianos da imunidade soberana de jurisdigao sobre os fuzileiros. Ao longo dos tiltimos anos, o Sargento Latorre foi autorizado pela Suprema Corte a retornar a Itélia em fangio de condigdes de satide, por ter softido acidente vascular cerebral, enquanto o Sargento Girone continuou detido em Nova Delhi, nas dependéncias da Embaixada Ttaliana, Segundo as alegagées italianas, a India em nenhum momento formalizou queixas-crime contra os dois fuzileiros, mas manteve o Sar- gento Girone preso e indeferiu pedidos de liberdade condicional que possibilitaria aos fuzileiros responder em liberdade no territrio italiano. Em resumo, o niicleo da peticio italiana orbita em toro dos se- guintes argumentos. Em primeiro lugar, os militares encontravam-se ooo ee * A CNUDM disciplina a imunidade soberana dos navios de guerra nos artigos 32, acerca do mar territorial, e 95, acerca do alto mar. 831 Digitalizado com CamScanner a servigo oficial do Estado italiano, restando seus atos Tevestidos qe. imp ecalbrtos po principio inunidae sera ety artigo 95, CNUDM., Segundo, a Itilia possui jurisdigio exclusiva Sobre havios arvorando sua bandeira em guas internacionais, que sort” de acondo com interpretagio italiana, todos 0s espagos Maritimos além dos mares territoriais (12 mn). Terceiro, a conduta indiana Vi © dever internacionalmente estabelecido de cooperagio com 0 do italiano no combate a pirataria, 4 luz do artigo 100 da Com Quarto, a Itilia cumpriu a obrigagio prévia de trocar opiniges on demora”, tendo em vista a solugio de uma controvérsia por Meio de negociacio, segundo o artigo 283(1) da CNUDM. Jé a india te recusado a discutir detalhes das propostas italianas Para solu? conflito. Quinto, o TIDM possui jurisdigdo sobre 0 caso com b; artigos 287 ¢ 288(1) daCNUDM. As alegacées italianas atribuem 4 India a violacio de diversos artigos da Convengio de Direito do Mar, entre os quais: artigo 2763), sobre a jurisdi¢ao penal a bordo de navio estrangeiro;” artigo 33, a jurisdicio estritamente funcional® exercida na zona contigua, pars fins aduaneiros, fiscais, de imigracio ou sanitarios, a qual India teria violado ao pretender jurisdigo criminal na zona contigua; artigo 56, acerca dos direitos, jurisdicio e deveres dos Estados costeiros na ZEE, que nao incluem em momento algum jurisdico sobre crimes comuns, apenas sobre crimes ambientais;e artigo 58(2) que imp3e a aplicagig das normas do alto mar 4 ZEE. Sobre 0 regime juridico aplicado ao alto mar, a {india teria viol do 0 artigo 87, sobre o direito de liberdade de navegacio do navio de bandeira italiana em alto mar — india nao possufa diteito de visita nem direito de perseguico; os artigos 89 e 92, relativamente ao estatuto dos navios, que India violou ao nao acatar a jurisdigdo exclusiva do Estado de bandeira sobre 0 navio Bnrica Lexie; 0 artigo 94(7) que con- Mar ola © Esta. Vengo, Tia se Fo do a8e Nos ‘obre ® Antigo 27(5), CNUDM:"O Estado costeiro nio podera tomar qualquer medida a bordo de um navio estrangeiro que passe pelo seu mat territorial, para a detengio de uma pessoa ou para proceder a investigages relacionadas com qualquer faa de cariter penal que tenha sido cometida antes do navio ter entrado no seu mar territorial, se esse navio, procedente de um porto estrangeiro, se encontrar s6 de Passagem pelo mar territorial sem entrar nas Aguas interiores” (grifos acrescidos). Sobre a“jurisdi¢io funcional” dos Estados costeiros na ZEE, ver GAVOUNELI, Maria. Functional Jurisdiction in the Law of the Sea. Leiden: Nijhoff, 2007. Artigo 87(1)(a) da CNUDM, sobre liberdade de navegagdo ¢ Attigo 111, sobre direito de perseguicio, 2 Py 832 Digitalizado com CamScanner | dever do Estado de gd 0 dever de dle bandeita de abrir inous gequalauer acidente maritime ou ineidey Werito para apuragio | a bandeir, 10 de abal ‘0 no alto mary do dever de cooperar (em toda a med; jrataria em qualquer lugar que nig alge estado. Com base nessas alegagdes e nos art jo TIDM a concessio de duas medidas « abstenha de tomar ou aplicar quaisquer medidas judiciai pjstrativas contra os Sargentos Latorre ¢ Girone cm oe Saat incidente do Enrica Lexie,assim como de exercer qual de jurisdicao sobre o incidente; (i) que a indi Laas sdi ; ia tome todas as medidas necessarias para garantir que as restri¢des a liberdade e a seguranca dos furieios cessem imediatamente, de maneira que os fuzileiros possam ermanecer na Itilia durante todo o processo internacional TA Anexo VII. Atente-se que a Italia solicita a concessio de medidas cautelares com amparo em dois motivos centrais, Primeiramente, alega prejui- 0 grave € irreversivel aos seus direitos ao abrigo da CNUDM, em particular a jurisdicdo exclusiva do Estado de bandeira, caso a india continue exercendo jurisdigio sobre o incidente. Em segundo lugar, prejuizo grave e irreversivel aos direitos dos fuzileiros navais,em virtude das danosas consequéncias das medidas privativas de liberdade para sua satide fisica e mental. Haveria, pois, urgéncia de natureza humanitiria, devido ao desrespeito a “padrées internacionais de devido proceso legal” por parte das autoridades indianas.” Para a Iria, eventual decisio a ee es de Navegacio no alto mar psc NO caso Itilia; 0 artigo 97, : Toamento ou qualquer outro 2M Como 0 artigo 100), acerca ida do possivel) na repressio da Se encontra sob a jurisdigio de i io penal em jncidente de navega ig0s referidos, a Itélia pediu autelares: (i) que a india se ‘onexio com o | perante ® Antigo 97(3) da CNUDM:“Nenhum apresamento ou retengio do navio pode ser ordenado, nem mesmo como medida de investigagio, por outras autoridades que no as do Estado de bandeira” (gritos adicionais). > Parigrafos 33 a 35 das Alegagdes Iniciais italianas. Ao mesmo tempo em que pro- tocolaram pedido junto a0 TIDM, 0s marines italianos solicitaram ao Supremo Tribunal da india que adiasse a anilise de uma peticio, prevista para 14 de julho de 2015, até a resolugao final da disputa submerida 3 arbitragem internacional. O deferimento do pedido nos termos solicitados pelos fuzileiros teria sustado os processos internos durante toda a vigéncia da arbitragem segundo o Anexo VIT ca CNUDM. * Para apoiar 0 pedido de lib italiana em Nova Delhi, a Itilia invocou di ertacio imediata do fuzileiro detido na embaixada fecisio do TIDM no caso Arctic Sunrise, 833 Digitalizado com CamScanner do Supremo ‘Tribunal da india corresponderia a fait accompli, Privands a decisio do TA Anexo VII de qualquer cficéci 3.2. Argumentos da [ndia Em con stagdo (ou observagdes escritas, de “written, observa em inglés), a india objetou a versio italiana dos fatos ocortidos ng sequ. éneia do ineidente envolvendo as embareages Enrica Lexie e St Anthony chasiticando-a de“enganosa”. Segundo as investigages policiais, og pee cadores estariam em barco devidamente registrado perante as autoridades Pesqueiras indianas quando os fuzileiros dispararam em sua direcio, nig tendo havido quaisquer avisos prévios. Os disparos efetuados por armas automniticas de grosso calibre teriam, inclusive, danificado a ZEE indiana, Para a india, nio haveria imunidade soberana de Jutisdicio, vez que os fuzileiros estavam a bordo de navio da marinha metcante em atividade comercial, O artigo 33 da CNUDM determina imunidade de jurisdi¢io exclusivamente a navios de guerra ou navios com fai nao comerciais, 0 que nfo era 0 caso do Enrica Lexie. Além disso, CNUDM nio estende tal tratamento ao pessoal das forgas armadas, nem, existe acordo bilateral entre os dois paises que concedesse imunidade a0 pessoal das forgas armadas da Itélia em territério indiano, Ponto central da argumentagio indiana é que nio houve “inei- dente de navegacio” ou abalroamento entre navios, ante a auséncia de contato entre ambas as embarcagGes.” Assim, inexistiria disputa juridica acerca da interpretagao e aplicagio da CNUDM, que é silente acerca da jurisdi¢ao penal dos Estados partes em casos limitrofes como 0 En- rica Lexie. Essa constatagio afastaria a jurisdigao do TIDM. Entretanto, ainda que o Tribunal entendesse possuir jurisdigo para conceder as medidas cautelares pleiteadas pela Itilia, a inexisténcia de “incidente de navegacio” impeditia a aplicagio do artigo 97 CNUDM. Privada desse artigo, a tese italiana restaria comprometida.” tions analisado anteriormente nesta obra. De acordo com o argumento italiano, a in- dia teria demonstrado inconteste determinagio de exercer jurisdigao e julgar os fuzileiros navais, fato que afeta os direitos da Itdlia, impondo aos seus fuzileiros, a cada dia, danos irrepariveis. Esse argumento foi contestado pelo juiz Jin-Hyun Paik em seu parecer separado, analisado abaixo, * Contestagio Indiana, parigrafo 1.5, ” Idem, parigrafo 1.8. * Para a india, se houve “incidente” € no & do navio Enrica Lexie. » este diria respeito i tripulagdo do St. Anthony 834 Digitalizado com CamScanner Como telOrgo argumentative, a india apresentow declaragio iN preetivt da Convengio quando de sta assinatura, na qual especitics jm como [ez 0 Brasil, que as dispasigs sa Convengio nie autorizamn paratos EStRMIEHIOS conduzir“exercicios ou manobras militares” na zee nem na platatorma continental indianas sem o devido consen= 4 Dar: is ape ae gnento. Para {ANLO, © pais apelou para a hermenéutica ampliativa da spressio"mnanobrs milita i e ai arines italianos, sineluindo nesse rol os dispatos efetuiados velos 1 ‘A india considera repudiivel a est ntimento de pena, nomead atégia italiana de dl spertar nos amente com relagio ao Sargento ‘Girone, cm condigdes desumanas de deten segundo a diplomacia indiana, haveria apenas restri¢gd fberdade (“moderate bail constraints”), tendo a indianas concedido duas permissdes pi de retorno ao pai juizes 8 que se encontrar moderad: s autoridades judiciais viagem a Itélia, mediante ssifica como “conduta di garanti s. A India descl criminatéria”, por parte dos fzileiros italianos, pugnando que o bem= -estar € 0 tratamento humanitério dos acusados deva ser ponderado vitimas do com consideragdes humanitirias igualmente em favor d: crime, que perderam a vida." No que tange ao argumento processo legal pelas autoridades indianas em analisar os pedidos dos fuileiros, nfo existiria m4-fé judicial por parte da india, Isso porque , IMpetraram recursos perante liano de violagio do devido os proprios fuzileiros, reiteradas vez tribunais indianos de modo a suspender as investigagdes do caso. Os argumentos italianos seriam, pois, invdlidos, uma vez que a propria delegacio italiana teria trabalhado para “emperrar” o andamento dos iana ¢ comprovam auséneia de es processos. Confirmam a ma-fé i gotamento dos recursos internos para a solugio do litigio, regra que travaria 0 acionamento do TIDM.” * Hem, parigrafo 1.14. * A regra do prévio esgotamento dos recursos internos ¢ comumente associada 40 Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH). Tal regra, de cariter processual, procura preservar parcela da soberania estatal,evitando que o sistema jurisdicional internacional se antecipe ao sistema interno na anélise de determinadas Violagdes de direitos humanos, Sua invocagio, contudo, tem sido alvo de eriticas até mesmo no contexto do DIDH, haja vista a capacidade de obstaculizar a pro- mo¢io dos direitos humanos em ambito internacional ou de frustrar a realizagio 4d justiga em disputa envolvendo Estados soberanos, Para mais criticas 4 regra, ver CANGADO TRINDADE, Antonio Augusto, O Esgotamento dos Recursos Internos tno Diteto International, 2, Ed, Brasilia; EdUnB, 1997, p. 155 ss. Ainda, para mais 835 Digitalizado com CamScanner A respeito dos requisitos de jurisdicio prin firie do tribyy, bitra (a ser constituido conforme o Anexo VID) ante 05 argu dle “unpéncia da sitagio" e™ prejuizo irreparivel” 20s direitos gy conklicdes para a anise € eoncessio do pedido de medida cqye tl agbes. Em primeiro lugar, sustenta gy \ i hy india teceu suas conside a y ee s . ae eof, Anexo VIL nio possui jurisdigio prima facie para andlise do Caso E questio, fato que impediria a aplicagio da primeira parte do zy” t : ria a 3 c ig 290(8):"se considera, prima fe, que o tribunal a ser constituidg ; ig Jurisdicio”, Para a india,a Convengio de Direito do Mar no conten, 0 incidente envolvendo o Enria Lexi,assim, diante do sléncio da ce vengio quanto &jurisdigio criminal para procesar¢julgar os fuzilery italianos, restaria afastada a hipétese de processo seja perante oT seja perante Tribunal Arbitral conforme 0 Anexo VII da CNUD,.” Quanto ao requisito de urgéncia,a india pugnou pela total inexig. téncia, Segundo a contestagio indiana, a urgéncia deve ser fundada em risco iminente de dano irreparavel aos direitos das Partes em disputa Uma medida provis6ria, por ser remédio excepcional, somente pode. tia ser concedida se absolutamente imprescindivel para manutencig dos direitos das Partes antes de decisio definitiva de mérito por parte do Tribunal Arbitral. Na interpretagio da delegacio indiana, esse fo; © entendimento esposado pelo TIDM no julgamento do pedido de medidas provis6rias na disputa entre Gana e Costa do Marfim,® e no caso envolvendo Reclamagio de Terra, entre Singapura e Malisia,* De igual modo, inexistiria urgéncia pelos seguintes motivos:() Itdlia impetrou miiltiplos recursos perante as cortes indianas, de modo a procrastinar 0 processo de julgamento dos fuzileiros; (ii) a Corte Suprema indiana tem tratado os fuzileiros com justiga, tendo deferido reiteradamente pedidos de viagem 4 Itilia;® (iii) “o fato de que Itilia aguardou trés anos e meio para trazer a disputa 4 arbitragem interna- cional comprovaria a auséncia de urgéncia”;* (iv) 0 dinico fuzileiro presente na india encontrava-se sob prisio domiciliar na residéncia detalhes sobre a regra, ver RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Diretes Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 78 5. * TIDM. Delimitation of the Maritime Boundary in the Atlantic Ocean (Ghana/Cite d'Ivoire), Medidas provisdrias, Decisio de 25 de abril de 2015, paragrafo 41 4 TIDM. Case concerning Land Reclamation by Singapore in and around the Straits of Johor (Malaysia v. Singapore), Medidas provisbrias, 8 de outubro de 2003. % Contestagio indiana, parigrafo 3.52. Idem, parigrafo 3.38. 836 Digitalizado com CamScanner jp embarsador italiano em Nova Delhi, ¢ woe CONC jagdes NENL UTBENELAS: (¥) Nn cous geneis,” (v) no haveria julya MT nla, pows © Pro edimento perante a Corte f Sea " i a Corte m paanperso st pedido do Governo italiano il fosse finalizada, Nigh ‘i Icio que no inspiraria ico © Especial ad hoc havia até que a arbitragem in- sera bun termos priticos,a Ila estaria requerende do‘TH “pré ria na il yo vere A jecisio final doTA AneXOVILA hela when See A ynalos& Ilia, 08 fuzileiros gozariam de bencvoléneia do Estado migor italiano que, POF sua vee, retain a devolugio dos re 0 indi anas.”* Se concretizado, esse cenario violaria os dit sit oe ji india de implementar eventual decisio do TA Anexo VII re the a stavorivel. Nesse caso,a decisio do TIDM levaria em conta ape - jy argumentos italianos, comprometendo a implementagio da decisio sprTribunal Arbitral quanto a0 mérito do caso, infringitia 0“ principio” a pedidos italianos impli jutoridades 4. Decisao No dia 24 de agosto de 2015, apés audiéncia pablica dos ar- gumentos da Itilia e da India, o Tribunal prolatou sua decisio. Nela, apresentou a série de argumentos relativos (i) 4 disputa entre as Partes no que tange aos efeitos de aplicagio e interpretagio da CNUDM; i) 4 plausibilidade dos direitos das Partes, conforme a CNUDM; (iii) ao qe condigdes dos acusados nio seriam degradantes, como dra- incia de autorizar o Sargento Girone a retornar 4 Itilia tamento, nomeadamente pelo fato de nal de 16 de dezembro de 2014, 0 ¥ Segundo a India, matizadas pela Itélia.A urge seria desmentida pelo seu proprio comport que, em processo perante o Supremo Trib peileito cetirou formalmente pedido por relaxamento da privagio de liberdade, para que ele pudesse viajar para a Itlia. Haveria, portanto, argument®t conflitantes por parte da Itlia acerca do estado de saiide dos fuzileiros, epicentro do pedido de medidas provisérias. ma vez libertados os fuzileiros, em territorio « restritivas de liberdade usuais e ne- ‘Assim, “‘com toda probabilidade, os Ttilia a retornar & india para cumprir pena”. Segundo a contestagio indiana, uw! italiano, a “Itilia nio imporia a eles medida cessirias para pessoas acusadas de homicidio” acusidos nao seriam obrigados pela Mem, parigrafo 3.87. 54. ” Idem, parigrafo 3. 837 Digitalizado com CamScanner troca imediata de pontos de vista g C Atte a eae nento dos FeCUTSOS internos; (y) F + rear de esgotame ' ) pop as Partes; (iv) 4 negra de est Se eal por eh fim, dalegagao de violagio do devide proceso legal por parte da jn. as Partes, que atribua ao TIP Sobre a existéneia de disputa entre Sobre a existéncia de disp wee aT os juizes entenderam jurisdigio sobre © caso, m torno da interpretagio ¢ aplicagio da Convengio. Esse cntendimen, Ali anto India reconhecere, clo fato de tanto Itélia quan ; m4 Ho pelo Fito a0 TIDM vetificar ses py € reforg materialidade de uma disput,” bastando base juridicional pec i visdes invocadas pelas Partes oferecer a OTA Anexo VIL. Ao final, o Tribunal considerou que o nexo VIT teria sim jurisdigio prima facie sobre 0 litigio em xeque e os juizes ainda consideraram que 0 requisito de imediata “troca de pontos de vita” fora cumprido, vez que ambas as partes identificaram expressamente um “impasse diplomtico”, na sequéncia de amplo intercimbio de not verbais sem que as negociagdeslograssem a solusio pacifica da dispaa. Em seguida, 0 Tribunal analisou o argumento indiano de violacio 4 regra de esgotamento dos recursos internos. Para a india, Ita de- veria ter esgotado os recursos domésticos disponiveis perante tribunais indianos, antes que um tribunal internacional reclamasse jurisdicgo sobre a disputa, Ainda, a {ndia se insurgia contra a decisio italiana (de suposta litigincia de mé-fé) de iniciar procedimentos internacionais simultaneamente aos pedidos internos encaminhados aos tribunais indianos (Corte de Kerala e Suprema Corte da {ndia), considerando tal iniciativa como “abuso de processo legal”. A Itilia opde-se aos argumentos indianos por considerar que os direitos reivindicados constituiriam garantias no apenas para pesso- as italianas, mas para oficiais italianos que atuavam sob autoridade e Protegidos pela imunidade soberana do Estado italiano. A disputa se telacionaria, pois, com os direitos do Estado, nao havendo que se cogitar a aplicagio do requisito de esgotamento dos remédios locais, Por outro lado, a andlise da regra do remédio local nio seria assunto para medidas Provis6rias, mas tema do julgamento do mérito,* OTribunal pontificou que 0 mérito da disputa toca o exercicio de jurisdig4o penal sobre © TIDM. The“ de 201565)1. “Idem, parigrafo 60, © Idem, parigrafo 69, © Hem, parigrafo 66, Enrica Lexie” Incident (Italy v. India), Provisional Measures, 24 de agosto 838 Digitalizado com CamScanner re dle Faria Levit, tie Cabenda decidir acerea da exameie do ac internon Ha five prelininar de medidas yn anne de abuy (quanto ae aruanento de abuso de process leygl, erm suposta wo 29001), da CNL jut m Epo vo no at yd DIM, 08 juizes de 1 ito pels aplicaglo do antiga atl detain nario a I yet HHO 290 da CNUDM inesmo na de procedinentos domésticos em nt provisdriag. andamenta, O Tribunal en ae ; you que a Hilla tem direito de recorrey ey ‘ic medidas provisérias, dete 48 4 ia que processos judiciais domésticas nio po ju v0 i am coibir outro paulo soberano de recorter a JUSUGA Internacional, particularmente Meomligoes necesstrias foram cumpri .O artigo 290 aplics "i r cio de procedimentos em Ambito Mi nestico,o qual 10 rivariany um Estado de reeurso a procedimen- tos internaconas visto que os procedimentos domésticos podem ter vio iniciados a0 arrepio do Direito Internacional, fato que originaria $C, jnudependdentemente dain pdireito de outros Estados questionarem tais procedimentos perante o tribunal internacional competente." Sobre a questio di imunidade soberana de jurisdi¢io sobre os fuzilciros, 0 Tribunal absteve-se de decidir, por entender nio ser a fase ie medidas provis6rias adequadas para tanto. Nao competiria a0 Tri- punal determinar o estatuto dos fuzileiros no decurso de um processo las provisorias, isto ¢, se seriam funciondrios do Estado em jo de fungGes oficiais ou meramente oficiais exercendo fungdes privadasa bordo de um navio mercante. De igual forma,a decisio sobre qual Estado seria competente para processar ¢ julgar criminalmente os envolvidos no incidente do Enrica Lexie sera tomada exclusivamente pelo Tribunal Arbitral do Anexo VII. Por fim, contemplados os argumentos das Partes e enquadradas as principais controvérsias juridicas do caso, o Tribunal prolatou, por maio- ria simples, sua decisio, ou1o inicio de novos processos por quaisquer das Partes prejudicara os de medi assim,"“a continuidade dos processos judiciais “A fase de medidas provis6rias serve apenas para adotar medidas que protejam os direitos das partes, de modo a evitar danos irrepariveis e o desaparecimento do objeto litigioso antes de decisio definitiva do Tribunal Arbitral. Nesse sentido, 0 TIDM ji consolidou jurisprudéncia. Ver: Delimitation ofthe maritime boundary in the Allantic Ocean (Ghana /Céte d’ Ivoire), Provisional Measures. 25 de abril de 2015(5)7. ° TDM. The “Enrica Lexie” Incident (Italy v, India), Provisional Measures, 24 de agosto __ $2015, parigrafo 73. "Longe de obter a unanimidade, a decisio do TIDM foi marcada por diversos Pareceres separados votos dissidentes, que sio analisados abaixo. 839 Digitalizado com CamScanner direitos da outra Parte", Por conseguinte,o Tribunal se Sentin ob) @ agin, a fim de assegurar que os respectivos circtos day Partes devidamente preservados, enquanto pender decisio do cntenidew que a iia demonsteara boa " qualquer decisio do'TA Anexo VII ¢ “devolver 0 Sargento Lae gento Girone a india apés a decisio de mérito, se tal for exigigg, pelo Tribunal” Desse modo, a despeito do ceticismo indiang quant, 4 disposigio italiana de cumprir essas promessas, 0 Tribunal Teconhe. ceu, igualmente, © compromisso afirmado pela India de Cumprir a, determinagdes do TA Anexo VII. Em sta d jeu que o deferimento dade dos pedidos italianos nao preservaria, de maneira de ambas as Pa boa » se Comprometer 7 A cums ir Te 4a total. Justa, os diteito, rtes, mas somente os da Itélia. O Tribunal nao Poderja ignorar as garantias dadas pela india (de que 0 Processo penal contra og fuzileiros sera Suspenso até decisio de mérito do Tribunal Anexo Vin) em sua deliberacao, assim, decidiu pela admissibilidade de apenas um dos pedidos italianos, amparando-se, para tanto, no seu Poder de pres. crever medidas diferentes, no todo ou em parte, daquelas solicitadas.# Significa que 0 TIDM acatou o primeiro pedido da Itilia, af. mando ser “apropriado que tanto a Italia quanto a india Suspendam, todos os processos judiciais e se abstenham de iniciar Novos processos que possam agravar a disputa”. Porém, denegou 0 segundo Pedido, re- lativo a libertacdo imediata dos fuzileiros, sob o argumet nto de que tal Prescrico comprometeria o mérito do caso. De fato, “para o Tribunal TIDM considera Jo A situacio dos adas a0 métito”.» rescrever medidas provisérias em relag dado que isso aborde questées relacion: lo ” Idem, pardgrafo 118 * Artigo 8965), Regras do Tribunal, adotadas a 28 de out lamente um ano apés o inicio de ” Idem, parigrafo 132, ° TIDM.M/V“saica” TIDM Reports 1999, p, tubro de 1997, aproxima- atividades do Tribunal, (N° 2) (Saint Vincen nt and the Grenadines v. Guinea), Judgment, 10, pardgrafo 155, 840 Digitalizado com CamScanner Jores indianos mortos, Considerou anda o'Tribunal que ¢ x abstengio de ambas as Partes em decorrt ‘ lecorréncia da decis40 dork jo oul wt o deve ser interpre pM me deve ser interpretada como rentincia de direi " e le direito, ico ¢ oncordincia com as reivindicagées da outra parte.” Qi ges da outra parte.” Quis mma vita eS Partes envzergavem obsticulo instransponivel 4 od des jmiscoa, pore trata de ema delicado e por a confianga mia enn niveis historicamente baizos, ae 1 dlspeitivo da deciso, ot" parigrafo opera” (doings oper prs) iba prescreened cau) que tlt € india suspendam todos 05 processos judiciais e abstenbarn-se cir novos que posstin agravar 4 contenda submetida 20 Tribunal i ea do Anex0 VE: (3) que Ita ¢ India cooperem e apesentem 20 dena relatrio de cumprimento (“compliance”) da dei anorzan- bo presidente do Tribunal a solicitar informagies as Partes, conforme algae adequado.” A decisio inclui, portanto, medida provis6ria distinta da pera pela tla, medida posivel, conforme anaisado acim 4.1, Pareceres separados e votos dissidentes Houve,a0 todo, cinco pareceres separados ¢ cinco votos dissidentes scisio do pleno do Tribunal,” alguns desses dedicados & discussio quisito de urgéncia para a soltura do defendesse a auséncia de urgéncia, de id ‘abre 0 preenchimento do re militar italiano." Houve quem saritime boundary in the Atlantic Ocean (Ghana/Céte 25 de abril de 2015, parigrafo 103. © O cumprimento da decisio foi acompanhado pelo TIDM,a quem ambas 2 Partes apresentaram relt6rios de “compliance” dentro do prazo estipulado. De sua parte, “igi comumicou que o Ministerio Pablico italiano continuou investigacdes em vocsnrcato sobre oincidente do Enrica Lexie, mas se absteve de iniciar movas vs tigigdes durante a pendéncia do processo arbitral conforme o anexoVII.A india, por sta vez, informou a0 TIDM que sua Suprema Corte ordenow a suspensio dos tutro processos relativos a0 caso pendentes nos tribunals indianos até segunda aaa eee ente dezembro de 2018,n30 houve decisio abital de mérito sobre 0 incidente Enrica Lexie, As parte procedimentos escritos s finalizaram 0s (unten pleadings) e espera nova data para realizagao das audigneias, que precisaram ser prorrogadas em fun¢io do falecimento do. Juiz ad ‘hoc indiano Chandrasehkara Rao,em outubro de 2018. Vide ‘Comunicado de Imprensa, Incidente Enrica Lexie, Corte Permanente de Arbitragem, 27 de novembro de 2018, disponivel online. © fundamento legal para a apresentagio de pareceré. separados e votos dissidentes teside no artigo 125(2) do Regulamento de Procedimento do Tribunal. ves Kateka, parigrafo 3..No mesmo sentido, TFIDM. Delimitation of the m Alwire), Provisional Measures. " Caso do parecer separado do jul a sparado do juiz Jam i i oie Chasse fam que dcordow d deere do ePa) ee 841 ee, Digitalizado com CamScanner tum lado, ¢ a veemente urgéncia, do outro. Batre os elementos que afastavam a urgncia do caso, estan @ tempe de nas de tS anos gy dlisputa, sem que a Itélia recorresse ao sistema internacional,” além qo i » que os procedimentos penais, ¢ compromisso assumido pela india de que 08 P penais,em ar suspensos enquanto nig face dos militares italianos, poderiam re ae definitiva te mérito pelo TA Anexo VII. Ao TIDM nio caberia duvidar da palavra das Partes, divida que seria contrarig 4 jurisprudéncia da CI), segundo a qual sempre que um Estado tenha se comprometido a agir de determinado modo, deve-se presumir que 0 fara de boa-fé. , Discordaram desse argumento 0s juizes Jose Luis, Jesus ¢ Elsa Kelly, para quem a Itélia satisfez o requisito de urgéncia, nomeadamente em decorréncia dos efeitos deletérios da detengao sobre a satide dos fuzileiros e de suas familias.s’ Primeiramente, 0 fato de que ambos nunca foram formalmente acusados seria suficiente para a invocagio do principio penal da presungio de inocéncia ao caso. A detencio de pessoas que esperam excessivamente por acusa¢ao formal seria, per se, punic¢do sem julgamento, constatagdo que carregaria intrinsecamente © requisito de urgéncia, visto que as consideragées de humanidade deveriam ter desempenhado papel central na decisio do Tribunal, Em segundo lugar, a libertagio do fuzileiro nao imporia danos irrepariveis mente no que tange & satisfago do requisito de urgéncia, que, segundo seu racio- cinio,a Itilia nio efetuou. Rao, voto dissidente, parigrafo 6. Opinio semelhante foi expressada pelo juiz Tafsir Ndiaye, para quem o Tribunal nao constatou riscos provaveis ¢ iminentes aos dois fuzileiros, visto que um se encontra na Itilia e 0 outro vive na embaixada italiana em Nova Delhi, Ndiaye, voto dissidente, parigrafo 23.Na mesma linha, o juiz Anthony Lucky, que entendeu inexistit urgéncia, em fungio das boas condigoes de vida do sargento Girone em Nova Delhi, conside- rando que “o assunto nao é urgente, os recursos internos nao foram esgotados e um abuso de processo legal é evidente”. Lucky, voto dissidente, pargrafo 67. Por fim, expressou voto dissidente com argumento semelhante o juiz Thomas Heidar, para quem “nao ha urgéncia, nos termos do artigo 290(5) se as medidas provi- s6rias solicitadas, sem prejuizo dos direitos a serem protegidos, sejam concedidas pelo tribunal arbitral uma vez constituido”. Heidar, voto dissidente, pardgrafo 13. Discordou deste argumento 0 juiz Boualem Bouguetaia, para quem o Tribunal determinou, “em termos enigmiticos”, haver urgéncia, sem usar essa palavra uma “nica vez em sua argumenta¢io”. Bouguetaia, voto dissidente, parigrafo 24. Decidiu a Cl] que uma vez um Estado tena se comprometido a realizar determi- nada conduta, deve-se presumir seu cumprimento de boa-fé. CIJ. Questions relating to the Seizure and Detention of Certain Documents and Data (Timor-Leste v. Australia), Request for the Indication of Provisional Measures, 3 de marco de 2014, parigrafo 44 % Juiz José Luis Jesus, parecer separado, parigrafo 10. € 842 Digitalizado com CamScanner os direitos da India, vez que nio havin ray ; tr f do Estado i 5 legais para duvidar da aliano em devolver os 4 evolver os militares a jurisdigio indiana. pow eee 4 i yun Paik reforgou a necessiria Preocupagio do juiz al com a maeadecitncs ‘ agio do j into i aa Justica © a legitimidade de sua decisio, que, por everia buscar aplicar a lei e Ae lo, que, jr dos de ar aplicar a lei ¢ os principios internacionais, nao pentendo. por om lado, fazé-lo cegamente, mas considerando a satisfi Fade ambas as Partes, Sem o sentimento de que o Tribunal agi ¢ a i ment Tribunal agira com steZ3s implementagio das decisdes judiciais internacionais restaria I icadae,com ela efetividade do dreito como um todo, Por fin esse julgador descartou qualquer semelhanga com o caso Arctic Sunrise, crt angio da abisal diferenga da gravidade dos deitos alegadamente cometidos pelos acusados em ambos os casos. O incidente do Enrica Lexie nao seria, portanto, comparavel com casos de pronta liberta¢io de navio € tripulagdo, que possuem condigées proprias ¢ especificas, tonforme artigo 73(2) e artigo 226(1) da CNUDM.” No seu voto dissidente, o juiz Boualem Bouguetaia recusa juris digio a0 TIDM para entreter 0 pedido de medidas cautelares. Para 0 magistrado, 0 Tribunal “decretou” (como que autoritariamente) sua jurisdicao sobre 0 caso, sem extrair essa conclusio de um raciocinio jusdico coerente.” No exercicio de fundamentar a decisio, nao bastaria rar os argumentos das Partes, sendo preciso que o Tribunal gumentagio cogente propria, o que faltou a0 TIDM. O juiz remem abrace ar identifica contradi¢do no argumento italiano, quando invoca o artigo ee 3 Exe entendimento fi frontalmente questionado pelo juiz Boualem Bouguetaia, ‘emseu voto dissidente, Para esse magistrado, o Tribunal errou ao buscar um ‘acordo” satisfez a nenhuma das Partes. Tivesse 0 Tribunal sido mais juridico do lo mais consistente. Para 0 juiz, a decisio divergentes, posto que tomada com base que nio que politico, a decisio resultante teria sid doTIDM enseja diividas e interpretagdes em elementos “extralegais", na qual a lei foi aplicada “frouxamente”. Bouguetaia, voto dissidente, parigrafo 39. Questionou, igualmente, esse entendimento o juiz Tomas Heidar, para quem 0 caso deveria ter sido decidido com base no direito rio na equidade ou nas considerages de humanidadeVer Heidar, voto disidente, Parigrafo 16, Revelow entendimento diferente 0 juiz ad hoe nomeado pela Italia, Francesco Francioni, para quem a jurisprudéncia do Tribunal em casos de pronta libertagio confirmariaurgencia ns libertagio do fuzileiro detido na India. Francionh,parecer separado, parégrafo 23. F juiz desfere duas violentas criticas ao pleno do Tribunal. Em primei! lugar, assevera que “em demonstragio de ingenuidade criativa que exeree GP bem, 0 Tribunal considerou a jurisdigao prima facie do tribunal arbitral como dada, Para Usa um termo pouco elegante, eu caracterizaria essa jursdigfo come pré-fabri- cada”. Bouguetaia, voto dissidente, paragrafo 17. 843 Digitalizado com CamScanner 97, aplicavel apenas a ineidentes de navegagio envolvende servigo do navi" embora protestasse que 0s fuzileiros estavam do Estado Maior italiano, Além disso, para os juizes Boualem Bouguetaia © Tafsir Ndi mio houve“ineidente de navegacio”. por inexisténcia de contay entre os dois navios." O cons delet da conduta dos militares eye Pessoay Avery italiang, NO ocop. AtO que afas, © garantiria a jurisdicao j produziu-se no barco indiano, St. Anthony, ainda, 0 incidente reu em aguas internacionais, mas na ZEE indiana, aria g ndiang aplicagio do artigo 97 da Conveni para processar os marines.” Por fim, 0 juiiz ad hoc Francesco Francioni, em parecer se apontou ilogicidade do Tribunal ao deferir o primeiro pedido € recusar 0 segundo, visto que para conceder o primeito preci acatado a tese de dano irreparivel 4 Itilia em decorréncia da continu. dade do processo na {ndia. A estratégia do julgador italiano Consistiy em vincular os dois pedidos para argumentar que seria inittil, do Ponto de vista da efetividade da decisio do TIDM, sustar os Procedimentos na india sem garantir a liberdade pro tempore do fuzileiro detido em Nova Delhi. O magistrado italiano apelou, ainda, e sob ponto de vista estritamente politico, para uma eventual mensagem negativa que o TIDM. passaria para o resto do mundo, ao desprestigiar a relevancia do trabalho feito pela Marinha Italiana, que envida esforgos diuturnos para mitigat as perdas de vidas das pessoas que tentam, desesperadamente, atravessar 0 Mar Me- diterrineo rumo a Europa.® Em duras palavras, 0 juiz considerou que a deciséo do Tribunal desconhecia a importancia de cooperagio interna- cional em assuntos como pirataria e busca e resgate de vidas em Aguas internacionais. Neste ponto, ao pesquisador desinteressado no mérito da disputa, transparece a parcialidade do juiz em seu parecer separado, conduta no expressamente declarada, mas implicita 4 atuagiio dos juizes internacionais, ad hoc ou efetivos, em fung3o do elemento politico nas suas indicagGes aos plenos de cortes internacionais. Parado, italiang saria ter “ Bouguetaia, voto dissidente, pardgrafo 14. Ndiaye, voto dissidente, parigrafo 25. Bouguetaia, voto dissidente, parigrafo 14, “ Em suas palavras, “os dois fuzileiros no centro desta disputa sem fim pertencem 20 mesmo corpo militar, cujos membros arriscam todos os dias suas vidas em operagdes de busca e resgate que a Marinha Italiana e outras marinhas realizam hi meses pat mitigar a tragédia humana de milhares de migrantes que se afogam na tentativa ¢& atravessar 0 Mediterraneo”, Francioni, parecer separado, parigrafo 24. 844 Digitalizado com CamScanner > A decisdao do Tribunal Arbitral 4° segundo o Anexo VII: novo pedido jtaliano de medidas Provisérias Apos? decisio do TIDM, a Itilia encaminhou em 11 de dezembro _spi5 novo pedido de concessio de medidas cautelares, desta feita 20 ‘pitt Arbitral do Anexo VII, composto em Haia ¢ responsivel pelo algament do mérito do Caso. Buscava 0 relaxamento da prisio do juzileito detido em territério indiano, para que respondesse a0 proceso nt [eilia, sob a promessa de devolugio do mesmo caso o laudo arbitral reconhesa jurisdi¢ao indiana sobre o incidente. O recurso consecutivo 1 dois rgi0s jurisdicionais internacionais 6 uma possibilidade proces- sual acobertada pela legislac3o internacional vigente, nomeadamente artigo 290(5) da CNUDM, restando descartada a hipétese de ter a Irélia agido de mi-fé ao intentar a libertagio do fuzileiro Girone apenas meses apos denegacao pelo TIDM. O Tribunal Arbitral decidiu da seguinte forma: 1) Itilia e a india devem cooperar, inclusive em processos perante o Tribunal Supremo da india, para conseguir o relaxamento da detengio do sargento Girone, de modo a dar efeito ao conceito de consideragdes de humanidade, gara que o fazileiro possa retornar Itélia durante a arbitragem inter- nacional; 2) a Italia est obrigada a devolver o Sargento Girone a india no caso de o Tribunal Arbitral constatar ter esse pais jurisdi¢io penal sobre 0 incidente do Enrica Lexie, Ambas as Partes deveriam informar oTribunal Arbitral acerca do cumprimento dessas medidas provisorias. Em esséncia, nota-se que o Tribunal Arbitral nio ordenou direta- mente o relaxamento da prisdo, embora tenha sugerido nesse sentido por meio de uma recomendagio a cooperacio entre as Partes litigantes. Assim, entrou em rota de colisio com a decisio do TIDM, fato que explicita a complexa interagdo entre a ordem de medidas provisérias doTIDM e as medidas provisérias do proprio Tribunal Arbitral, uma vez constituido,“ Nao se acredita, contudo, que a complexidade da relacio comprometa o funcionamento do TIDM e de futuros tribunais apitrais constituidos conforme o Anexo VII, enquanto instancias de implementagio do Direito Internacional do Mar. Na verdade, a exis- téncia de dois érgios capazes de prescrever medidas cautelares, longe en “ Nese sentido, ver eambém BANKES, Nigel. “The Annex VII Tribunal in the Entica Lexie’ Incident Makes New Provisional Measures Order”. The JCLOS Blog, online, 12 de maio de 2016. 845 Digitalizado com CamScanner eréncia do siste de representar fraqueza e eventual incoeréneia do sisteny . * Jdicia) internacional, oferece aos Estados redobadas instinelas para a salyey Pacifica de controvérsias, A eredibilidade do trabalho de ambas ag ing. Cncias dependerd da atuagio cocrente ¢ juridicamente MBOTOSa doy nizes e arbitros internacionais. 5. Relevancia do caso O caso ora analisado consiste em pedido de prescrigio de Medidas Provisorias perante um tribunal internacional, pendente PrOCESSO junto a TA Anexo VII, nos termos do artigo 290(5), da CNUDM. Para que © TIDM atue em pedidos de medida cautelar, devem ser Preenchidas duas condigées: (i) em primeiro lugar, que o TIDM se certifique de que o TA Anexo VII tem competéncia prima facie sobre a disputa, com base nos artigos invocados pela parte postulante; (ii) em segundo lugar, o TIDM precisa atestar a existéncia de periculum in mora para os direi- tos das Partes, enquanto estiver pendente decisio do Tribunal Arbitral Atente-se que esta no é uma questio menor, haja vista a pluralidade de votos dissidentes baseados na auséncia de urgéncia e de risco de danos irreparaveis 4s Partes, conforme analisado anteriormente. Para aferir se o Tribunal Arbitral tem jurisdicdo prima facie sobre a disputa em anilise, o TIDM esti obrigado a fazer incursio, ainda que superficial, no mérito da disputa.* O Tribunal precisa analisar os argu- mentos formulados pelas Partes, de modo a averiguar nio somente a existéncia de disputa relativa 4 aplicacio interpretagio da Convencio, como também a plausbilidade dos diteitos reivindicados. Isso porque ¢ Tribunal Arbitral é constituido conforme 0 AnexoVII da Convengio, devendo decidir apenas em matérias ligadas 4 Convengio do Mar e aos direitos e obrigacdes nela inscritos, Sendo assim, este ensaio analisa ‘® Jurisdicao prima facie consiste em baixo limiar de certeza jurisdicional, que nio Auer aprofundamento quanto a jurisdiglo do érgio provocado, Em sua jurispru- déncia, o TIDM adota limiar extraordinariamente baixo, por vezes confirmando a existéncia de disputa apenas com base nas Sustentagdes opostas das Partes, sem Guo argumentacées.Tal pritica pode ser nociva, ji que os argumentos das Partes so subjetivos. De um lado, a andlise baseada exclusivamente nessas sustentagdes Parciais pode passar ao largo de requisitos de objetividade, conforme critica for- mulada por LANDO, Massimo, “Establishing the existence of a ‘dispute’ under UNCLOS at the provisional measure stage: the Enrica Lexie Case”. QUL, Zoom-in 22, 2015, p.24. Do outro, reconhece-se 4 dificuldade de realizar avaliagio objetiva de jurisdigio prima facie sem se assenhorar do mérito da contenda. A linha entre ambas é deveras ténue, 846 Digitalizado com CamScanner ans comronetsiastelevantes tanto a , pedido preliminar de medidas « ara ome ) mérito da disputa, como pe ‘autelares, oquisito de urgénci ; 5,1. Requisite de urgéncia e risco de dano aos direitos das Partes: as "consideracées de humanidade” no Direito do Mar foe’ A esse respeito, foram opostas duas categorias de argumento, De a lo, 38 “consideragdes de humanidad’, lindas & presangao de unc € a0 Fespeito a0 devido processo legal, princfpios caros 20 direito penal tanto no dimbito doméstico como no internacional." Com base nesses argumentos, os juizes contririos 4 decisio do TIDM de denegar liberdade ao fuzileiro italiano detido em Nova Delhi de- fenderam © retorno do militar 4 Itélia. Do outro, o direito do Estado jndiano de exercer monopdlio da violéncia sobre delitos cometidos em seu territorio, envolvendo seus nacionais,” assim como 0 direito das vitimas de acesso a justiga. Diante da disputa acerca de qual Estado teria jurisdi¢do penal sobre o incidente, ante a nao previsio da CNUDM, seria importante haver maior “porosidade” e aproximagio entre o Direito do Mar e outros ramos especiais do direito internacional, como os direitos humanos, lembrando- “se que este raciocinio se imp@e ante a aceitago de que a Convengio de Direito do Mar se aplica ao caso.Tal comunicagéo apontaria no sentido da prevaléncia das consideragdes de humanidade e do respeito ao devido process legal e i presungio de inocéncia.# Assim, a existéncia de detengio @ Ag “consideragdes de humanidade” consistem em ponderagdes de natureza subjetiva que permeiam a decisio judicial e que podem ser fundadas em valores humanos jé protegidos por principios positivados. Sio, pois, critérios de decisio que apresentam conexio com a equidade e com outros principios gerais do direito. Ver CRAWFORD, James. Brownlie’ Principles of Public International Law. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 46. © f sabido que, no Direito Internacional, as duas principais “pases” para atribuigio de jurisdi¢ao aos Estados soberanos sio 0 territdrio e a nacionalidade. Ver RYN- GAERT, Cedric, Jurisdiction in International Law. 2. Ed. Oxford University Press, 2015, pp. 5-9. “A presungio de inocéncia € 0 direito ao devido processo legal estio presentes ta Declaragto Universal dos Direito Humanos, adotada pelas Nagdes Unidas em 1948 Conforme o artigo 11, inciso 1 “Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o diteito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade eenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento piblico no qual the tenham sido rias 4 sua defesa”. asseguradas todas as garantias nec 847 Digitalizado com CamScanner prolongada de trés anos, sem que tenha havido condenagio por Parte, Justiga indiana, justificaria a libertagio do fuzileiro, para que Tespondegs. em liberdade no curso da arbitragem internacional, No caso Enrica Lexie, é verdade que 0 TIDM realizou CXerCicig dg Ponderacio de valores ¢ levou em conta consideragées de human cm sua decisio, Nio foi a primeira vez que o Tribunal Tecorrey consideragdes, tendo demonstrado em outros momentos Preocupacig com anilise do “quadro geral” em litigio e nao apenas com a aplicagig, da CNUDM.” Na jurisprudéncia, destacam-se 0s casos Juno Trader Saiga n. 2,” em que as ponderagdes de humanidade foram levantadas na fase preliminar, de modo a minimizar danos e tratamentos desumano, Partes envolvidas nas disputas, e de modo a aferir a tazoabilidade day agdes do Estado costeiro, No entanto, o Tribunal nao define 0 que seriam tais consideracdes nem 0s limites de sua aplicacao, resultado de desentendimento entre os Proprios juizes quanto ao teor das ponderagées de humanidade. Para ° juizThomas Mensah, seriam correlatas a direitos humanos,” tendo esse sido 0 argumento abracado pela Itélia, que tomou as consideragdes de humanidade Por sindnimo de direitos humanos e invocou Preceden- tes de cortes de direitos humanos Para “construir” seu caso.” Para o juiz Tafsir Ndiaye, seriam elementos pré-legais que poderiam inspirar normas juridicas, mas que no seriam normas juridicas de lex lata, Em Outtas palavras, equivaleriam a uma pitada de moral e de humanisme na implementacio de leis existentes e no desenho de leis faturas, Nac seriam, portanto, o mesmo que direitos humanos — vez que estes restem dade a tais ® PAPANICOLOPUTI aw ee Fi ; hd PAPANICOLOPULU, Irini. “Consi lerations of humanity in the Enrica Lexie Case”. QUL, Zoom-in 22, 2015, p. 29. ” ‘TIDM, Juno Trader (Sao Vincente e Grenadinas v Guiné Bissau), Pronta Libertagéo, 18 de dezembro de 2004, paragrafo 77. ” TIDM, M/V “SAIGA” (N* 2) (Sio Vincente ¢ Grenadinas » Guiné), 1 de julho de 1999, parigrafos 155 e 183, * Juiz Thomas Mensah, caso M/V Soiga, parecer separado, parigrafo 20. ® Em ocasides especificas,a CI) atribuiu status legal as consideracdes de humanidade com base em dispositivos da Carta da ONU de 1945 destinados 2 protegio de di- reitos humanos ¢ liberdades fundamentais, ‘Ver Cl, South West Africa (Liberia v. South Africa). IC) Reports 1966, pp. 252-3. Além disso, a CI ja tomou as “consideragées clementares de humanidade” por principios gerais ¢ amplamente reconhecidos de dircito, quando da anilse do caso Corfu Channel, entre Albani e Reino Unido.Ver CY. Corfis Channel (United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland v.Albania). ICJ Reports, 1949, p. 4, 848 jcados internacionalmente." Essa foi a interpretagio dada pela que destacou, também, a necessidade de sopesar consideragors manidade de ambos os lados, nie se devendo olvidar as familias jadios indianos mortos no incidente, oTIDM confirmou que UL indi qemu «cid vo Aol gene Ser aplicadas no Diteito do Mar assim como 0 so em outros janes do Diteito Internacional, mas negou aplicag fs Levie,limitando-se a avaliar a existéncia de risco real e iminente aos direitos da Partes. OTribunal nio considerou, portanto, que a situagio do {uzileiro detido na India inspirasse tal urgéncia ou risco — nem para proprio marine (por encontrar-se em condigées dignas na embaixada italiana em Nova Delhi), nem para a Itilia (por ter levados mais de trés nos para recorrer 20 sistema internacional, sem demonstrar fato novo que comprovasse apari¢ao de risco iminente). Entre os problemas encontrados pelos juizes, estava a possibilidade de que as consideragdes de humanidade, se aplicadas integralmente jsituagdo dos fuzileiros italianos, violassem o direito de um Estado soberano de exercer jurisdicdo sobre determinado delito ocorrido em seu territério.”* Contudo, tal receio parece infundado. Nao se conce- be que haja violacio ao direito da india de exercer jurisdi¢io sobre caso, particularmente quando essa mesma jurisdigao, essa capacidade de processar penalmente um homicidio extraterritorial, é questionada em arbitragem internacional. Em que pese a gravidade da ofensa perpetrada pelos marines, € inegivel que seus direitos humanos devam ser preser- vados enquanto durar o procedimento arbitral que determinara a qual parte cabe jurisdi¢ao penal sobre o incidente. Contrariamente,oTIDM fez vénia 4 jurisdi¢ao indiana, impugnada no Ambito internacional, e duvidou da boa-fé italiana em devolver os fuzileiros navais caso o TA Anexo VII confirmasse jurisdi¢o penal indiana sobre o incidente. Nio se pretende aqui negligenciar a inegivel a sensibilidade politica as consideragdes de humanidade ‘40 “concreta” ao [n- ediplomatica do caso, elementos que os juizes membros de tribunais ™ Juia Tair Ndiaye, caso M/V Saiga, voto dissidente, parigrafo 90. * Outro problema levantado por Papanicolopulu diz respeito & aplicacio das con- Siderages de humanidade a casos graves, como o de homicidio, em que hi dois lados hipossuficientes a requerer. E diferente de consideragdes de humanidade em que ha um 36 lado mais fraco, como 0 caso Arctic Sunrise, por exemplo. Ta limitagio ser apenas superada quando (e caso) 0s juizes do TIDM “forem mais além” e adotarem o léxico dos direitos humanos em suas decisbes. Papanicolopulu, op cit, p.37. i 849 Digitalizado com CamScanner Internacionais levam em conta quando de suas consideracdes acer ¢ dete + . ; cS de determinado litigio. Ainda que paite sobre o Diteito Internacig, nal clusivamy a quimera de que © magistrado age com base tinica e = has normas juridicas, de modo absolutamente imparcial, € pos. atitmar que a realidade & mais complexa ¢ 0 €as0 Enrica Lexie snterg essa complexidade, na medida em que revela a manifesta tentatva go juizes de alcangar decisio conciliatéria para ambas as Partes, ° A maison d’étre do TIDM sio as contendas internacionais a ele sub. metidas, pois um Tribunal que nao recebe casos dificilmente encontry Justificativa para sua existéncia, O Direito Internacional, marcado Por pro. fundo ceticismo estatal quanto as restrigGes &s suas respectivas soberaniag se exercita, no ambito dos Tribunais, ndo somente fundamentando sy3¢ decisées no direito vigente, mas levando em conta cilculos de naturez, politico-diplomatica, quando da tomada de decisio. Na verdade, do sug] equilibrio entre esses dois elementos depende a propria efetividade do Direito Internacional, enquanto conjunto normativo essencialmente descentralizado e desprovido de mecanismos regulares de coersio— que nao os chamados custos reputacionais e a censura dos pares na comu- nidade internacional. Nem por isso, pode o Direito Internacional ser considerado qualitativamente inferior ao direito doméstico, mas apenas diferente no que tange 4 sua implementagio e efetividade. O elemento de efetividade (“effectiveness”), no estudo do Direito Internacional, relaciona-se 4 concretizagio de objetivos pré-definidos (seja por lei, tratado ou institui¢io). O “problema” é que o sistema jurisdicional internacional se estrutura de modo horizontal, sem hie- rarquias institucionais, prima por limitada adjudicacio compulséria de controvérsias e, mesmo onde a resolucio compulséria existe, nio possui forca para impor heteronomamente a execucio de decisdes judi Nesse tocante, o direito internacional muitas vezes nio tem a capa- cidade de execucio (ou “strong enforcement”) de que goza o direito interno. Nao decorre automaticamente, portanto, que mais tribunais internacionais conduzam a maior efetividade das normas. Porém, & inegavel a vantagem de as rela¢6es internacionais serem crescentemente pautadas conforme 0 Direito e suscetiveis de julgamento internacional. Indisputivel, também, o papel “quase-legislativo” desempenhado pelo judicidrio internacional, de refinamento e aplicacio concreta de regns % Essa tentativa foi expressamente mencionada pelo juiz Jin-Hyun Paik no seu parecer separado, analisado supra, no que foi contraposto frontalmente pelo juiz Boualem Bouguetaia. 850 Digitalizado com CamScanner yo tisadas pela legislagio internacional, Neq 5 vincia do TIDM para o desenvolvimento te cio da interpretag contexto se insere 4 Direito do Mar, sto ntes na CNUDM. or Ao dos dispositives prese! > Jurisdi¢géo exclusiva do Estado de bandeira: confusdo entr Ps e aguas internacionais e alto ma a fn ‘A segunda questio a merecer tratamento abrange a definicio internacionais”. De partida, nota. na Convengio a tal termo, have ve “alto mar” Hse que inexiste qualquer es ‘ ndo somente definigio res Fal + que exclui as Aguas interiores, o mar territorial ¢ ZEE dos Estados costeiros, 4 luz do artigo 86 da CNUDM. Assim, y ZEE nio se confunde com alto mar, embora nela vigorem algumas jberdades do alto mar, expressamente as positivadas no artigo 58, quais gejam, navegacao, colocagio de cabos e dutos e sobrevoo. Se, por Aguas jinpernacionais, entendermos o alto mar,nio restam déividas que a ZEE nio consiste em Aguas internacionais. Ainda, se considerarmos como guas internacionais a porgo dos oceanos nas quais os Estados costeitos io possuam nenhum tipo de jurisdicio fincional, também aqui a ZEE nio coincidiria com “4guas internacionais”, jé que os Estados costeitos posuem jurisdi¢o econémica sobre a zona, A polémica em torno da expresso Aguas internacionais decorre da hist6ria recente do Direito Internacional do Mar. Na Conven¢io sobre o Alto Mar, de 1958, 0 termo “alto mar” foi definido como “todas as partes do mar que nao esto incluidas no mar territor hem nas dguas interiores de um Estado”, conforme o artigo 1°°.A época, o conceito de ZEE nio havia sido formulado, de modo que as éguas internacionais se igualavam ao alto mar, ou seja, a todas as zonas para além dos limites do mar territorial.” Décadas mais tarde, o proprio titulo do artigo 86 (‘Aplicagio das provisdes desta Parte), ao invés de “definigio de alto mar”), reflete a espinhosa negociago em torno do conceito legal de Para discussio mais detalhada sobre a efetividade e 0 futuro do Direito Internacio~ nal, ver TRACHTMAN Joel P. The Future of luternational Law: Global Government. Cambridge University Press, 2013, p. 284. * Convengio sobre o Alto Mat, aprovada na 1.2 Conferéncia de Direito do Mar realizada em Genebra em 1958, United Nations Treaty Series, vol. 450, p. 11. ” NORDQUIST, Myron;NANDAN, Satya; ROSENNE, Shabtai (Eds.). United Nations Convention on the Law of the Sea 1982,Vol. III, Leiden: Nijhoff, 1995, pp. 61-65. 851 Digitalizado com CamScanner sntos contidos na CNY; “alto mar”, Contudo, diante dos elementos conti NUDM, ert : guias interniacionais” seis equivocido descever a ZEE como “igus errasiona conte Canto Jguas internacionais como aguas jurisd . to, O tema é delicado e com ele se concatena outra questio prince. dial no caso Enrica Lexie, qual seja a alegada jurisdi¢ao exclusiva dos Estados de bandeira sobre os navios que arvoram suas, bandeiras, na ZEE de outros Estados — sintese da tese italiana. Trata-se de classica “Zona cinzenta” do Direito Internacional,” ao considerar, por um lado, que a CNUDM opée duas jurisdigées fortes no mar territorial (onde ° Estado costeiro tem soberania) ¢ no alto mar (onde vige a Jurisdigig exclusiva do Estado de bandeira sobre seus navios),mas nada diz, todavia acerca da larga porgdo de ZEE entre ambos. De fato,a ZEE, enquanto tea sui generis," possui caracteristicas de mar territorial e elementos de alto mar, ocorre que a CNUDM nio disciplinou Teivindicacdes concorrentes de jurisdi¢o penal em tal zona, onde Estados costeiros e de bandeira possuem algum grau de jurisdigao e liberdade. O epicentro dessa discussio reside no exercicio de jurisdicio ex- traterritorial em direito do mar. Extraterritorial do ponto de vista da Teivindicagio italiana, vez que o navio nio consista Propriamente em “territério” do Estado de bandeira;* e extraterritorial sob a Perspectiva dos argumentos indianos, segundo os quais o Enrica Lexie navegava em Aguas para além da soberania da india (de 12 mn), nomeadamente sua ZEE. Como se percebe do caso ora analisado, 0 exercicio de jurisdicio extraterritorial é sempre problemitico, posto que envolva envolver re. vindicagées conflitantes de autoridades Por parte de diferentes Estados,® ® GANDHD ae ; ® GANDHI, Manimuthu, “The Enrica Lexie Incident: Seeing beyond the Gry Areas of International Law”. Indian Journal of International Laur Vo 33 53,2013,p. 1, " VICUNA, Francisco Orrego (Ed). The FEZ: Latin American Perspective. Foreign Relations of the Third World, n. 1, Boulder: Westview Press, 1984, p.2. ** © mavio nio consiste em “territério futuante” do Ex ido, assim. como uma em- baixada néo é territ6rio” do Estado que representa meses Ultimo caso garantida 4 inviolabilidade em decorréncia do interesse dr fungio. Porém, a CNUDM concedeu jurisdigao de jure ¢ poder de fica a0 Estado de pavilhio sobre os navios anorando sua bandeira, bem como as vitimas e agresorce + boro, conforme os ents $7 ¢ 97. Portanto,a jurisdicio do Estado de bandeiry sobre 0 navio nio é territorial, mas extraterritorial, uma “extensto firncional” da jurisdigio territorial do Estado.Ver MOLENAAR, Erik J Vssel-Soune Pollution, Leiden: Nijhoff, 1998, pp.83 95, © Importa realgar que © incidente do Enrica Lexie famoso caso Lotus, Se afasta substancialmente do 1927, perante a Corte Permanente de Justica Internacional 852 Digitalizado com CamScanner para 0 Direito Internaci 7 ! cional geral, & consenso considerar # JU" ag de execugdo quase exe gi de i a quase exclusivamente territorial, ao passo IU° sio legislativa (“prescriptive juri . mee (“prescriptive jurisdiction”) poderia assum , juriscis a sgtraterritoriais.""A complex : Fe enna de dl "A complexidade do incidente do Furie Lexie Fee ma presen de ds tevindicages de juridigio exeraterviton i exccugio (enforcement jurisdiction”) conflitantes, quais sejam 4 ri italiana de jurisdi¢ao sobre o navio, que lhe garantiria exclu- gividade part exer leis e processos sobre FA pessoas mele embarcadas ea afirmagao indiana de jurisdi¢io nacional, por se tratar de a ZEE, elo fato de 0 resultado morte ter ocorrido em embarcagio indiana (st. Anthony) e por serem as vitimas dois nacionais da incl. Note-se contudo, a situagao mais confortavel da india, relativamente a0 mérito, vez que Iedlia precisa demonstrar jurisdigao exclusiva sobre 0 incidente, India basta comprovar possuir jurisdi¢o concorrente para processat € julgar penalmente os acusados. Nesse caso, opdem-se duas correntes de internacionalistas. Para uma da doutrina, 0s direitos do artigo 97 da CNUDM, aplicam-se na ZEE dos Estados costeiros, conforme interpretagao ; 58 ¢ 86 da Convengio. Assim, a jurisdigio na ZEE diria respeito apenas a gestio dos recursos naturais ~ sob perspectiva ambiental (conservagao dos recursos) e econémica (explora¢io exclusiva dos recursos da ZEE).* Esse entendimento parece estar em linha com os Comentarios deVirginia, segundo os quais a ZEE seria tao somente jurisdi¢io econdmica e ambiental, isto é fingées ligadas enquanto @ parcela Zona Contigua € combinada dos artigos uma zona de 7.55 Lams (France v Tirkey), Reports Series Ayn. 10, 1927, Eventual 1 ao spos resa errnea, vez que a doutrina adotada naqule cs (de que Sofeu abalroamento ceria jurisdic penal ffcada antes mesmo da Convencio sobre 0 Alto ‘bre 0 Alto Mar, jurisdi¢ao penal sou a colisio, nio ao Estado de Tinhas bastante gerais, pode-se 1s, 1927. Além disso, avios que produziram efeito morte (CPI). CPI analogia ent que o Estado de bandeira do navi sobre o 280) jurisdigao foi modi Mar, em 1958. De acordo com a Convengio pertence a0 Estado de bandeira do navio que ca bandeira do navio danificado, Neste momento, em dizer que se inverteu o entendimento adotico no cso Lotu 6 Lotus versa sobre colisio fisica entre dois » situagio claramente distinta do Enrica Lesie. % MILLS, Alex." Rethinking Jurisdiction in Intert Ihtemional Lin vol. 84, sue 1, Oxford University Pres 2014, pp. 195-6. ® EBOLI ¢ PIERINI, op. cit. p. 125, Na mesma linha, Guy des Rosiers, para quem 2 jurisdigio a bordo de navios na ZEE pertence * Estado de bande! excegdes ~ como a conservago, exploracio ¢ ROSIERS, Guy. “The Enrica Lexi Quarterly, Vol. 22, Issue 2, 2013, p-22- national Law”. British Yearbook of

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