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GEO

INT
PRÉ-VESTIBULAR
INTERPRETAÇÃO
DE TEXTO
LIVRO
ÚNICO

PV_2021_ITX_FU_PAG_INICIAIS.INDD / 25-09-2020 (12:41) / FABRICIO.REIS3 / PROVA FINAL


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Todos os direitos de edição reservados à Editora Poliedro.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal, Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ISBN 978-65-5613-074-3

Autoria: Cesar Ausgusto Ceneme Ferraz Leite e Renato Gomes de Carvalho

Direção-geral: Nicolau Arbex Sarkis


Gerência editorial: Wagner Nicaretta
Coordenação de projeto editorial: Brunna Mayra Vieira da Conceição
Edição de conteúdo: Julia da Rosa Silva, Mariana Castelo Queiroz Toledo e
Marcos Soel Silveira Santos
Analista editorial: Débora Cristina Guedes
Assistente editorial: Graziele Baltar Ferreira Antonio
Gerência de design e produção editorial: Ricardo de Gan Braga
Coordenação de revisão: Rogério Salles
Revisão: Amanda Andrade Santos, Ana Rosa Barbosa Ancosqui, Mait Paredes Antunes,
Ellen Barros de Souza, Rafaella de A. Vasconcellos e Sonia Galindo Melo
Coordenação de arte: Fabricio dos Santos Reis
Diagramação: Daniela Capezzuti, Gisele Oliveira, Leonel N. Maneskul,
Vivian dos Santos e Walter Tierno
Projeto gráfico e capa: Aurélio Camilo
Cartografia: Alexandre Bueno e Suellem Silvia Machado
Coordenação de licenciamento e iconografia: Leticia Palaria de Castro Rocha
Analista de licenciamento: Vitor Hugo Medeiros
Pesquisa iconográfica: Jessica Clifton Riley
Planejamento editorial: Maria Carolina das Neves Ramos
Coordenação de multimídia: Kleber S. Portela
Gerência de produção gráfica: Guilherme Brito Silva
Coordenação de produção gráfica: Rodolfo da Silva Alves
Produção gráfica: Anderson Flávio Correia, Fernando Antônio Oliveira Arruda,
Matheus Luiz Quinhonhes Godoy Soares e Vandré Luis Soares
Colaboração externa: Madrigais Produção Editorial (Revisão) e Elizete Ferreira (Diagramação)
Impressão e acabamento: PifferPrint

Foto de capa: Monkey Business Images/Shutterstock.com

A Editora Poliedro pesquisou junto às fontes apropriadas a existência de eventuais detentores


dos direitos de todos os textos e de todas as imagens presentes nesta obra didática. Em caso
de omissão, involuntária, de quaisquer créditos, colocamo-nos à disposição para avaliação e
consequente correção e inserção nas futuras edições, estando, ainda, reservados os direitos
referidos no Art. 28 da lei 9.610/98.

PV_2021_ITX_FU_PAG_INICIAIS.INDD / 25-09-2020 (12:41) / FABRICIO.REIS3 / PROVA FINAL


Sumário
1 Aspectos do texto – nível fundamental.............................................................................................05
Introdução, 06
Aspectos do texto, 06 Texto complementar, 23
Nível fundamental do texto, 10 Resumindo, 24
Revisando, 14 Quer saber mais?, 24
Exercícios propostos, 15 Exercícios complementares, 24

2 Tipologia textual e gêneros discursivos............................................................................................39


Texto narrativo, 40
Texto descritivo, 46 Exercícios propostos, 58
Texto dissertativo, 47 Texto complementar, 64
Texto injuntivo, 49 Resumindo, 65
Gêneros discursivos, 50 Quer saber mais?, 66
Revisando, 55 Exercícios complementares, 66

3 Figuras de linguagem ligadas aos aspectos fonético e sintático.......................................................73


Introdução, 74
Denotação, 74 Exercícios propostos, 80
Conotação, 74 Texto complementar, 85
Figuras ligadas ao aspecto sonoro, 74 Resumindo, 86
Figuras ligadas ao aspecto sintático, 76 Quer saber mais?, 86
Revisando, 79 Exercícios complementares, 87

4 Funções da linguagem......................................................................................................................93
Introdução, 94
As funções da linguagem, 94 Texto complementar, 103
As várias funções juntas, 97 Resumindo, 103
Revisando, 97 Quer saber mais?, 103
Exercícios propostos, 98 Exercícios complementares, 104

5 Categorias de mundo e temas e figuras.........................................................................................113


Introdução, 114
Categorias pessoa-tempo-espaço, 114 Texto complementar, 128
Texto temático e texto figurativo, 118 Resumindo, 129
Revisando, 121 Quer saber mais?, 130
Exercícios propostos, 123 Exercícios complementares, 130

6 Texto, ideologia e argumentação...................................................................................................137


Introdução, 138 Exercícios propostos, 150
Interdiscursividade, intertextualidade Texto complementar, 155
e propaganda ideológica, 138 Resumindo, 156
Tipos de argumento, 145 Quer saber mais?, 157
Revisando, 148 Exercícios complementares, 157

7 Nível da expressão – relações entre linguagens.............................................................................165


Conceito de signo, 166 Texto complementar, 195
Relações entre linguagens, 170 Resumindo, 196
Revisando, 189 Quer saber mais?, 196
Exercícios propostos, 190 Exercícios complementares, 197

PV_2021_ITX_FU_PAG_INICIAIS.INDD / 15-09-2020 (17:43) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


8 Implícitos, ambiguidade e semântica..............................................................................................201
Introdução, 202
Implícito: pressuposto, 202 Exercícios propostos, 207
Implícito: subentendido, 203 Texto complementar, 214
Ambiguidade, 203 Resumindo, 215
Semântica, 205 Quer saber mais?, 215
Revisando, 206 Exercícios complementares, 216

9 Variantes linguísticas.....................................................................................................................219
Comunicação oral e escrita, 220 Texto complementar, 229
Coloquial e culto, 220 Resumindo, 230
Revisando, 224 Quer saber mais?, 230
Exercícios propostos, 226 Exercícios complementares, 231

10 Coesão...........................................................................................................................................237
A função da coesão, 238 Texto complementar, 250
Os marcadores de coesão, 238 Resumindo, 251
Revisando, 242 Quer saber mais?, 251
Exercícios propostos, 243 Exercícios complementares, 251

11 Coerência e concisão......................................................................................................................259
Coerência, 260 Exercícios propostos, 267
Formas de coerência, 260 Texto complementar, 273
Concisão, 263 Resumindo, 274
Mecanismos gramaticais e textuais, 264 Quer saber mais?, 274
Revisando, 265 Exercícios complementares, 274

12 Figuras de linguagem ligadas ao aspecto semântico......................................................................281


Figuras de linguagem, 282 Resumindo, 293
Revisando, 286 Quer saber mais?, 293
Exercícios propostos, 288 Exercícios complementares, 294
Texto complementar, 292

Gabarito..............................................................................................................................................299

PV_2021_ITX_FU_PAG_INICIAIS.INDD / 15-09-2020 (17:43) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Fernando Angulo
FRENTE ÚNICA

1
CAPÍTULO Aspectos do texto – nível fundamental
A fotografia é como o romance, a crônica e o quadro de pintura; emprega uma
linguagem (fotográfica), discute um tema, passa uma mensagem, pressupõe um enun-
ciador e um leitor; é um todo composto por partes que se relacionam.
Na foto acima, de Fernando Angulo, há um questionamento, e o primeiro plano é
a pista para o leitor, é o que nos leva a refletir: tanto espaço e o pássaro preso! Por
quê? Por capricho do ser humano? Por que o mundo é assim? O fechado e o aberto, a
natureza e a civilização, o estático e o dinâmico (o voo que poderia ser) são algumas
oposições encontradas no texto visual de Fernando, criando um efeito de sentido que
permite entender a mensagem do autor: a principal oposição talvez seja entre liberda-
de e opressão.

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP1_LA.INDD / 04-09-2020 (09:20) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Introdução apenas os aspectos positivos (ou negativos), cria heróis
(ou vilões), isto é, o ser perfeito (ou o monstro) que todos
O estudo da teoria do texto compreende uma série
gostariam de ser e/ou de conhecer (ou o contrário). Com
de assuntos que serão discutidos ao longo do livro. Neste
isso, fatura-se muito, passa-se um modo de ser, um estilo
capítulo, veremos alguns aspectos do texto (como a relação
de vida, que nem sempre é condizente com a realidade de
parte/todo) e estudaremos o seu nível mais abstrato: o nível
quem consome. Considerando que a verdade está ligada
fundamental (com destaque para as oposições).
à totalidade, devemos ser prudentes nos julgamentos que
fazemos do próximo, dos fatos e da própria mídia, pois nem
Aspectos do texto sempre temos acesso ao todo; o mesmo raciocínio se aplica
à interpretação de um texto.
Texto: todo composto de partes A relação parte/todo está presente também na estilís-
O texto (do latim textu, “tecido”) é um conjunto de par- tica, por meio de uma figura denominada sinédoque (tipo
tes articuladas e organizadas entre si. Para entender um de metonímia). Empregar a parte no lugar do todo consiste
texto em sua totalidade, é preciso relacionar as partes, pois muitas vezes em um efeito de sentido, o receptor do texto
o todo é a síntese das partes. Para que o leitor tenha acesso obriga-se a imaginar o restante, participando da criação
à totalidade, é necessário ainda extrair significados que da obra. Veja o exemplo a seguir, trata-se de uma imagem
podem estar implícitos, como o tema, o assunto do qual sinedótica.
se fala; e a mensagem, uma crítica do autor, por exemplo.

Reprodução
Veja o que diz o poeta barroco Gregório de Matos acerca
da relação parte/todo.
O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo o todo [...]
Gregório de Matos; James Amado (Org.). Obra poética. 3. ed.
Rio de Janeiro: Record, 1992.

O texto abaixo, de Luis Fernando Verissimo, é compos-


to de três partes. Veja as duas primeiras.
Fig. 1 A parte está no lugar do todo.

Texto e contexto
A palavra “contexto” pode ser entendida como a si-
tuação que cerca o ser. Na linguagem verbal, o contexto é
a frase, o período, o parágrafo, ou o próprio texto, o todo.
Se desconhecemos o significado de uma palavra, devemos
interpretá-la, levando em consideração o contexto que a
cerca (a situação em que a palavra é inserida). Observe a
Nesses dois primeiros quadrinhos, a expectativa que se palavra “fogo” em quatro contextos diferentes.
cria é a de que o casamento traz felicidade. Agora, observe
o último quadrinho.

Nota-se que a expectativa foi quebrada; isso significa


que os quadrinhos anteriores precisam ser relidos à luz da
totalidade. Assim será com os demais textos verbais, visuais
ou verbo-visuais; não se interpreta a parte pela parte. No
próprio cotidiano, somos vítimas do que se denomina “viés”
(mostrar uma parte apenas); a mídia televisiva, mostrando Fig. 2 Contexto: no quartel. Significado: atirar.

6 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 1 Aspectos do texto – nível fundamental

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP1_LA.INDD / 04-09-2020 (09:20) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Fogooooooo! Tem fogo, meu
Chamem os irmão? Essa garota
bombeiros! é fogo!
Não fumo.

Fig. 3 Contexto: em um incêndio. Significado: fogo. Fig. 4 Contexto: na rua, um dos interlocutores está Fig. 5 Contexto: uma menina de dez anos subindo em uma
com cigarro. Significado: fósforo. árvore. Significado: levada, peralta.

Como se pôde notar, o significado da palavra “fogo” varia de contexto para contexto (de situação para situação).
Observe agora a tirinha a seguir.

Laerte
A fala da personagem no último quadrinho tem sentido ambíguo: pode significar o progresso do filho em relação ao
violino, mas, se levarmos em conta o contexto (a fisionomia do pai olhando pela janela para os estabelecimentos vizinhos,
que estão fechados), pode também remeter ao fato de que o filho, por ainda tocar mal o violino, estaria espantando a vizi-
nhança indesejada.
Devemos, pois, interpretar segundo o contexto, relacionando as partes e extraindo a sua síntese. Em nosso cotidiano,
descontextualizar é omitir a situação que envolve o ser (ou parte dela), é olhar para um fato sem levar em consideração
os motivos que o geraram; é ver uma criança na rua, malvestida, andando sem rumo e chamá-la de marginal, sem que
saibamos o porquê de ela estar ali, naquelas condições. Olhar para o contexto é enxergar um pouco além, perceber que
há uma explicação para o mundo. A foto a seguir sugere uma reflexão. Pense sobre isso.
Nilton Ricardo/Opção Brasil Imagens

Fig. 6 A imagem e seu contexto.

Texto e conhecimento de mundo


Por vezes, o significado do texto depende de conhecimento de mundo, de situações vivenciadas pelo leitor. Se este
FRENTE ÚNICA

não tiver acesso ao conhecimento de mundo exigido, o entendimento do texto será parcial. Veja o exemplo a seguir.

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP1_LA.INDD / 16-09-2020 (19:32) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL


A interpretação da foto está ligada a um contexto histó-

Reprodução
rico: o massacre na Praça da Paz Celestial. Deng Xiaoping,
líder comunista da República Popular da China, ordenou
Adivinha qual que os tanques passassem por cima dos estudantes. O
a marca mais chinês anônimo que enfrenta uma fileira de tanques foi
lembrada fotografado por Jeff Widener da Associated Press. Essa
por mais de foto virou um ícone do final da década de 1980.
150 milhões O conhecimento de mundo é adquirido na escola e
de brasileiros?
Dica: não é uma fora dela; a ida ao teatro, a leitura de jornais, o conheci-
marca de bebidas. mento sobre artes plásticas, tudo contribui para o nosso
enriquecimento.

Texto e progressão temporal


Um texto não é um amontoado de partes, há uma
articulação entre os parágrafos, uma organização dos pe-
ríodos, um encadeamento das partes, das ideias; enfim, há
uma progressão lógica que organiza o texto, fazendo com
Também não é de
que o leitor entenda claramente o que está sendo exposto.
artigos esportivos. O texto a seguir foi propositalmente alterado, leia-o.
Nem de alimentos.
Presidido pelo Senador Gorot, acabado o congresso em
Berlim, em Turim e Paris, publicar extratos do artigo do “Mensa-
geiro de Bale”, onde os leitores de minhas obras me ofereceram
um banquete fiz.
Fig. 7 Conhecimento de mundo.
As orações foram mudadas de sua ordem original, de
O conhecimento de mundo, nesse caso, é fundamental
modo que o texto se tornou incompreensível; releia-o em
para a interpretação. Se o mesmo anúncio fosse veiculado
sua ordem natural.
em um país onde não fosse comercializado esse produto,
dificilmente o texto seria entendido, uma vez que a marca Acabado o congresso, fiz publicar extratos do artigo do
“OMO” (pressuposta no texto) não existiria naquele país. Leia, “Mensageiro de Bale”, em Berlim, em Turim e Paris, onde
a seguir, parte da letra da música “Sabiá”, de Chico Buarque. os leitores de minhas obras me ofereceram um banquete,
presidido pelo Senador Gorot.
Vou voltar Lima Barreto. O homem que sabia javanês e outros contos.
Sei que ainda vou voltar Curitiba: Polo Editorial do Paraná, 1997.
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá A oração “Acabado o congresso” estabelece o tempo
Que eu hei de ouvir cantar em que se realizou a ação da oração subsequente (“fiz
Uma sabiá publicar...); o conectivo “onde”, por sua vez, recupera os
Cantar uma sabiá. antecedentes “Berlim”, “Turim” e “Paris”, precisando o local
Chico Buarque; Tom Jobim. “Sabiá”. Intérprete: Chico Buarque. em que foi oferecido o “banquete”; a última oração (“pre-
In: Não vai passar. Vol. 4. 1968. sidido...”) compartilha um saber a respeito do “banquete”.
A letra de Chico pressupõe dois conhecimentos de A progressão lógica do texto se dá por meio de marcado-
mundo: a existência de uma poesia chamada “Canção do res de coesão, como conjunções, preposições, pronomes
exílio”, com a qual a canção dialoga no nível do intertexto; relativos, marcadores temporais (advérbios, locuções ad-
e o próprio contexto histórico que cerca a produção da verbiais), e por meio do encadeamento lógico dos períodos
música: ela faz uma crítica à ditadura, mais diretamente ao e orações (portanto, coesão e coerência). Até mesmo em
exílio. Veja a foto abaixo. uma receita de bolo a progressão está presente, veja:
Receita de bolo
REUTERS/Reuters/Latinstock

Ayse Kongur/stock.xchng

Fig. 8 Massacre na Praça da Paz Celestial. Fig. 9 Receita de bolo, um exemplo de progressão.

8 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 1 Aspectos do texto – nível fundamental

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP1_LA.INDD / 04-09-2020 (09:20) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


1. Despeje, agora, a massa em uma forma média e un- E eu dizia depois coisas tão lindas
tada. E tristes
2. Em seguida, acrescente o açúcar e bata por mais uns Que não sabia como tinham ido parar na minha boca
3 minutos. E o mais triste não era que aquilo fosse
3. Coloque as gemas, o trigo, o suco e continue batendo apenas um jogo cambiante de reflexos
até formar uma massa homogênea. Porque afinal um belo pião dançante
4. Colocada na forma, asse a massa em forno preaque- Ou zunindo imóvel
cido em temperatura média por, aproximadamente, 40 Vive uma vida mais intensa do que a mão
ignorada que o arremessou
minutos ou até dourar.
E eu danço tu danças nós dançamos
5. Por último, ponha o fermento, bata por mais 40 segun-
Sempre dentro de um círculo implacável de luz
dos na menor velocidade da batedeira.
Sem saber quem nos olha atenta ou
6. Na batedeira, bata as claras em neve.
distraidamente do escuro...
O texto anterior não está claro porque a ordem, isto é, Mário Quintana. Nova antologia poética. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 1966.

a progressão, foi alterada; veja a progressão correta. A existência, no poema de Mário Quintana, é compa-
1. Na batedeira, bata as claras em neve. rada a uma encenação em um palco ou picadeiro, em que
2. Em seguida, acrescente o açúcar e bata por mais uns o indivíduo é submetido aos caprichos do destino. Implici-
3 minutos. tamente, o poeta faz uma reflexão da existência humana.
3. Coloque as gemas, o trigo, o suco e continue baten- No nível da frase, os implícitos podem ser disparados por
do até formar uma massa homogênea. meio de elementos linguísticos (palavras-gatilho) como
4. Por último, ponha o fermento, bata por mais 40 se- verbos, advérbios, construções nominais e adjetivos. Veja
gundos na menor velocidade da batedeira. os exemplos a seguir.
5. Despeje, agora, a massa em uma forma média e un- I.
tada.
6. Colocada na forma, asse a massa em forno preaque- Mariana, o Josimar
parou de vender
cido em temperatura média por aproximadamente 40 contrabando do Paraguai?
minutos ou até dourar.
Em destaque, temos as palavras que possibilitam a or-
Ele vendia
denação correta, são elas que estabelecem a ligação e a coisas do Paraguai?
progressão do texto.

Texto – significados explícitos e


implícitos
Há significados que são extraídos da superfície do texto
– significados explícitos – e há outros que são depreendi-
dos de suas entrelinhas – significados implícitos. O termo
“implícito” é sinônimo de pressuposto, subentendido. Por
não estar na superfície do texto, o implícito é mais difícil de O verbo “parar” pressupõe que “Josimar” outrora
ser percebido. No discurso literário, o implícito está presen- contrabandeava; na fofoca, é frequente o enunciador
te na relação que se estabelece entre a obra e o leitor. Ao lançar como pressuposto o que o outro interlocutor não
ler uma poesia, um conto ou um romance, o leitor sempre sabe (cabe lembrar que o pressuposto nem sempre é
vai à procura da mensagem que a obra quer passar e do verdadeiro).
tema tratado, os quais costumam estar implícitos. Tome II.
como exemplo a poesia de Mário Quintana.
O povo sabe que estamos
investindo na saúde.
Função
Me deixaram sozinho no meio do circo
Ou era apenas um pátio uma janela uma
rua uma esquina
Pequenino mundo sem rumo
Até que descobri que todos os meus gestos
Pendiam cada uma das estrelas por longos Que saúde? A própria?

fios invisíveis
E havia súbitas e lindas aparições como
aquela das longas tranças
FRENTE ÚNICA

E todas imitavam tão bem a vida


Que por um momento se chegava a esquecer
a sua cruel inocência de bonecas

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP1_LA.INDD / 04-09-2020 (09:20) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


O verbo “saber” pressupõe que a afirmativa que vem Nível fundamental
em seguida seja realidade; em alguns casos não se trata de
Nível narrativo Conteúdo
fatos verdadeiros, o que caracteriza a manipulação.
Em certas situações, o implícito pode assumir a forma Nível discursivo
de subentendido, o enunciador deixa no ar um implícito Nível da manifestação Expressão
que pode ser negado por ele mesmo. O exemplo a seguir
foi extraído do Enem. Tab. 1 Níveis do texto.

O primeiro a ser estudado (os demais, em capítulos


HAGAR © 2010 King Features
Syndicate / Ipress

posteriores) será o nível fundamental, o mais abstrato e o


mais simples do texto. Nesse nível, encontram-se as opo-
sições abstratas e as categorias tímicas (euforia e disforia).
Estudam-se as transformações tímicas (transformações de
estado) e os tipos de oposição. Faz-se ainda, neste capítulo,
uma análise dos conectivos e figuras de linguagem que
estabelecem oposição.

Hagar deixa implícito que o filho tem uma visão equi- Oposições semânticas
vocada, pois o mundo não poderia ser redondo, pois o que A busca pelas oposições abstratas justifica-se, pois o
ele, Hagar, vê é uma superfície reta. A situação criada por sentido nasce das oposições, interpretamos o mundo por
Dick Browne não é muito diferente das situações cotidianas. meio delas. É possível reconhecer o grande, o alto, o gordo,
porque temos a medida do pequeno, do baixo e do magro;
O Rafa é lindo; não
é, mãe? se o texto discute a guerra, de forma implícita ele também
Você precisa usar
discute a paz, pois esta é o cessar daquela. Todo texto apre-
óculos, minha filha. senta uma oposição de ordem abstrata, seja um conto, uma
poesia, uma peça de teatro ou uma pintura. Reconhecer
essas oposições é necessário para a identificação do tema.
A oposição, como categoria semântica, é a mais solicitada
nos exames. A análise do nível mais abstrato do texto, o nível
fundamental, possibilita investigar as oposições semânticas
subjacentes ao texto, que devem ser traduzidas, preferen-
cialmente, por termos abstratos, por exemplo:

© Lucian Coman | Dreamstime.com


A mãe não diz com todas as letras que o “Rafa” é feio,
mas deixa um subentendido.
Quando o implícito não é pressuposto pelo interlocutor,
o diálogo torna-se problemático, o entendimento da mensa-
gem pode não ocorrer, o que é posto passa a ser ambíguo,
pois o pressuposto não foi compreendido; os quadrinhos
acabam explorando esse ruído na comunicação de forma
humorada. Veja o texto a seguir.
HAGAR © 2010 King Features
Syndicate / Ipress

Fig. 10 Oposições.

Na foto acima, as oposições mais evidentes estão na


superfície do texto: o estático (os que seguram a corda) × o
dinâmico (o que pula), o menor (os que seguram corda) × o
maior (o que pula); o claro (luz do sol) × o escuro (sombra) e
o frontal (duas crianças) × o de costas (o menino em primeiro
Hagar entende o implícito de forma equivocada; Helga plano). A foto também contempla uma outra oposição, nem
fez a elipse de “Você quer, Você deseja...?”; Hagar, todavia, tanto evidente, pois exige maior abstração: a euforia (a ação:
pressupôs “Você acha...?” a brincadeira, a alegria, o divertimento) × a disforia (o espaço:
seco, quase sem vegetação ou elementos que pudessem
sugerir prazer ou deleite). Com isso, a enunciação fotográfica
Nível fundamental do texto mostra ao receptor que é possível ser feliz sem nada, sem a
O texto apresenta, consoante a semiótica francesa, os presença da civilização ou de bens materiais (há apenas uma
seguintes níveis: corda); na simplicidade, pode haver muita vida.

10 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 1 Aspectos do texto – nível fundamental

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP1_LA.INDD / 04-09-2020 (09:20) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Categorias tímicas
As categorias tímicas do texto são a euforia (estado de positividade) e a disforia (estado de negatividade). Um texto
pode explorar a positividade, o bem-estar, a alegria, isto é, a euforia, mas também pode enfatizar estados de negati-
vidade, tristeza, pessimismo, melancolia, ou seja, a disforia. É possível, ainda, haver os dois estados presentes. Veja o
exemplo a seguir.

© EduardHarkonen/Istockphoto
Fig. 11 Euforia e disforia.

Essas máscaras representam, respectivamente, a tragédia grega e a comédia. A segunda é eufórica, há o sorriso; a
primeira, disfórica, há tristeza. Vejamos esta anedota encontrada em diversos sites da internet, e de origem desconhecida.
Numa empresa fabricante de sapatos, trabalhavam dois vendedores. Um deles era otimista. O outro, pessimista. Ambos foram
enviados a um longínquo país africano para investigar a possibilidade de vendas naquele local. Após certo tempo, o pessimista
enviou um telegrama à empresa, dizendo:
– Más notícias. Aqui ninguém usa sapatos.
Ao mesmo tempo, o otimista enviou esta mensagem para a empresa:
– Boas notícias! Aqui ninguém usa sapatos!

A piada ilustra com clareza o fato de que um acontecimento pode ser eufórico para uns, mas disfórico para outros.
Pode-se ainda ter a disforia em contexto eufórico (um assassinato no circo) ou o contrário, uma euforia em situação disfórica:
nascimento de um bebê em plena guerra; tais procedimentos constituem-se em efeitos de sentido.

Transformação tímica
A mudança de um estado para outro denomina-se transformação tímica. Existirá transformação tímica quando da
disforia passa-se à euforia ou o contrário, como na tira a seguir.

Laerte

A personagem passa da euforia para a disforia.


Essa transformação tímica auxilia na construção do humor, pois cria-se uma antítese entre o primeiro e o último qua-
drinho.
A publicidade procura na maioria das vezes promover um estado de euforia por conta da compra do produto. Nes-
se sentido, assistiríamos a uma transformação tímica: da disforia (explícita ou pressuposta) para a euforia, como nesta
FRENTE ÚNICA

publicidade.

11

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contribuição à Ciência. Causados pela fome, novos sintomas
Reprodução

e doenças começam a ser catalogados, dando vida às páginas


dos livros de Medicina, já cansados das velhas teorias.
Marina Negri.

No texto de Marina Negri, temos a oposição vida versus


morte, a discussão gira em torno da fome, ou seja, da falta
de alimento, condição para a vida.
Em A cidade e as serras, de Eça de Queirós, temos outro
bom exemplo de oposição no nível fundamental. Jacinto, um
dos protagonistas, muda-se de Paris para Tormes (interior
de Portugal), cidade onde possuía algumas propriedades.
Em Tormes, encontra a felicidade e a paz de espírito: “E esta
Tormes, Jacinto, esta tua reconciliação com a natureza, e o
Fig. 12 Uso da disforia em propagandas.
renunciamento às mentiras da civilização é uma linda histó-
A imagem sorridente do rapaz agrega ao produto “Gua- ria”. Paris representa, em um nível mais abstrato, a civilização;
raná Antarctica” a ideia de que a bebida faz bem, trazendo enquanto Tormes, a natureza. A idealização da natureza é,
euforia para o consumidor, possibilitando uma mudança de nesse caso, uma crítica ao Positivismo, que via na civilização a
estado. Há, entretanto, determinadas publicidades em que solução para os problemas do homem. As oposições podem
a disforia serve de alerta para a população. ser consideradas eufóricas (positivas) ou disfóricas (negativas).
O que é eufórico ou disfórico depende da grade cultural e do
Reprodução

grupo social. Para a Ditadura Militar dos anos 1970, a repres-


são era considerada eufórica, e a liberdade, disfórica; para o
Positivismo, a civilização era eufórica, e a natureza, disfórica.
No nível fundamental, é possível ainda encontrar outras oposi-
ções como estaticidade versus dinamicidade, contínuo versus
descontínuo, parcialidade versus totalidade etc.

Conectivos da oposição
As conjunções e as preposições têm por finalidade ligar
palavras ou orações, são conectivos da língua. Conjunções,
como mas, todavia, embora, conquanto, entre outras, esta-
belecem oposições semânticas (o “mas” pode assumir outros
significados). Observe a funcionalidade de um desses conec-
tivos no texto a seguir.

Fig. 13 Disforia usada como alerta.

O anúncio da “Campanha do agasalho” procura sensi-


bilizar o leitor por meio do verbal e do visual. Em ambos, a
carga é negativa; o coração de pedra é a insensibilidade
das pessoas em relação à tragédia humana, e a estátua
do garoto é a vítima do frio e dessa insensibilidade. Aqui
a disforia é lançada para que haja a euforia, o agasalho, a
vida, ou seja, espera-se que o anúncio tenha como efeito
Fig. 14 Civilização versus natureza.
uma transformação tímica: da disforia, para a euforia, o calor
proveniente do agasalho. [...]
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Tipos de oposição Seu nome não está nos livros.
Ao analisarmos um texto, é importante que saibamos as É feia. Mas é realmente uma flor.
oposições de ordem mais abstrata. Algumas delas possuem [...]
alta frequência em literatura, propaganda e charges; tais É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e
oposições encaminham para o tema. Veja algumas delas. o ódio.
Carlos Drummond de Andrade. “A flor e a náusea.” In: A rosa do povo. São
A morte de mil crianças por dia debaixo do céu brasilei- Paulo: Cia. das Letras, 2012. p. 13. Copyright Carlos Drummond de Andrade
ro protagoniza uma estatística que se revela uma verdadeira © Graña Drummond www.carlosdrummond.com.br

12 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 1 Aspectos do texto – nível fundamental

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Drummond utiliza em seu poema a oposição civilização ver- O fato de ser careca é incompatível com o fato de se
sus natureza. A flor, elemento da natureza, surge no asfalto, um pentear o cabelo; o pente cria um paradoxo em relação à
dos signos da civilização, desafiando o improvável. O conectivo calvície. Na letra de Caetano, também teremos um bom
“mas”, em “É feia. Mas é realmente uma flor”, contraria uma ex- exemplo de paradoxo:
pectativa (flor pressupõe o belo e não o feio), ao mesmo tempo [...]
que ressalta a existência da “flor”. O conectivo “mas” introduz o Eu digo não
argumento mais forte, o fato de ser “feia” é secundário, o fato Eu digo não ao não
de ser “flor” é o principal. A conjunção subordinativa adverbial Eu digo
concessiva “embora” também contraria uma expectativa, con- É proibido proibir
tudo, por oposição ao “mas”, introduz o argumento mais fraco. [...]
Se disséssemos “É feia, embora realmente seja uma flor”, o Caetano Veloso. É proibido proibir, 1968. Compacto, lado A, faixa 1.

conectivo “embora” estaria introduzindo o argumento mais fra- Impede-se o proibir, proibindo. Quando a oposição não
co, o fato de ser feia seria o relevante; haveria, pois, alteração for simultânea, não provocar uma contradição, temos a an-
de sentido. Fique atento às aulas sobre orações coordenadas títese, isto é, uma oposição de ideias, pois há palavras com
adversativas e subordinadas adverbiais concessivas (livro de sentidos opostos, mas sem a contradição. O texto a seguir é
gramática), pois esse estudo será aprofundado. um exemplo de antítese:
Não existiria som / Se não houvesse o silêncio / Não ha-
Figuras de linguagem da oposição veria luz / Se não fosse a escuridão / A vida é mesmo assim, /
O paradoxo e a antítese são figuras de linguagem e Dia e noite, não e sim...
fazem uso da oposição como recurso expressivo; a primeira Lulu Santos; Nelson Motta. “Certas coisas”. Intérprete: Lulu Santos.
In: Tudo azul. Wea, 1984. Faixa 9.
pela contradição das ideias; a segunda pela simples oposi-
ção de sentido. Veja o fragmento a seguir. Quadrado semiótico das oposições
O amor é velho-menina As oposições são suscetíveis a transformações. Da
O amor é velho, velho, velho
vida passa-se à morte, da liberdade passa-se à opressão
e menina e vice-versa. A passagem de um polo para o outro é um
O amor é trilha momento de transição. Não se passa abruptamente do dia
de lençóis e culpa para a noite, há o entardecer; não se passa da infância para
medo e maravilha. a fase adulta, há a juventude. Observe o esquema a seguir.
[...]
O nascimento A morte
Tom Zé. “O amor é velho-menina”. Intérprete: Tom Zé. In: Brazil Classics 5: the
hips of tradition. Estados Unidos: Luaka Pop, 1992. Faixa 9. S1 S1 S2 S2 S1 S1 S2 S2
Ao definir o amor como “medo” e “maravilha”, o autor dia dia noite
noite vidavida morte
morte
o considera ambíguo, paradoxal; trata-se de uma figura de
linguagem chamada paradoxo. O paradoxo ocorre quando
há contradição de ideias. A ideia de simultaneidade de
aspectos opostos em relação a um mesmo ser é uma carac- S2 S2 S1 S1 S2 S2 S1 S1
terística dessa figura de linguagem. Veja a imagem a seguir. nãonão
noite
noite nãonão
dia dia nãonão
morte
morte nãonão
vidavida

No primeiro esquema, nota-se a passagem do dia para


a noite, mas há uma passagem intermediária, o entardecer
(a negação de S1); no segundo, a vida é seguida de uma não
vida, momento anterior à morte (a eutanásia, por exemplo,
é sugerida nesse momento). No diagrama a seguir, tenta-se
descrever as transformações pelas quais passa todo ser
humano, segundo a visão cristã.

O nascimento A morte

S1
S1 S2
S2 S1
S1 S2
S2
Homem
Homem Deus
Deus Homem
Homem Deus
Deus
FRENTE ÚNICA

S1
S1 S2
S2 S1
S1 S2
S2
não
não Deus
Deus não
não Homem
Homem não
não Deus
Deus não
não Homem
Homem

13

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Revisando
1 Unicamp (Adapt.) Leia o texto a seguir. 2 A linguagem oral é mais econômica, é frequente omi-
tirmos palavras, uma vez que há o contexto; assim,
Os que começam...
determinadas expressões não poderão ser interpre-
Não há decerto exploração mais dolorosa que a das tadas de forma literal. Leia o texto a seguir, trata-se de
crianças. Os homens, as mulheres ainda pantomimam a um bom exemplo.
miséria para lucro próprio. As crianças são lançadas no
ofício torpe pelos pais, por criaturas indignas, e crescem Perigo
com o vício adaptando a curvilínea e acovardada alma da Árvore ameaça cair em praça do Jardim Independência
mendicidade malandra. Nada mais pavoroso do que este
meio em que há adolescentes de dezoito anos e pirralhos Um perigo iminente ameaça a segurança dos
de três, garotos amarelos de um lustro de idade e moçoilas moradores da rua Lúcia Tonon Martins, no Jardim In-
púberes sujeitas a todas as passividades. Essa criançada dependência. Uma árvore, com cerca de 35 metros de
parece não pensar e nunca ter tido vergonha, amoldadas altura, que fica na Praça Conselheiro da Luz, ameaça
para o crime de amanhã, para a prostituição em grande cair a qualquer momento. Ela foi atingida, no final de
escala. Há no Rio um número considerável de pobrezinhos novembro do ano passado, por um raio e, desde este dia,
sacrificados, petizes que andam a guiar senhoras falsamente apodreceu e morreu.
cegas, punguistas sem proteção, paralíticos, amputados, A árvore, de grande porte, é do tipo Cambuí e está
escrofulosos, gatunos de sacola, apanhadores de pontas de muito próxima à rede de iluminação pública e das resi-
cigarros, crias de famílias necessitadas, simples vagabundos dências. “O perigo são as crianças que brincam no local”,
à espera de complacências escabrosas, um mundo vário, o diz Sérgio Marcatti, presidente da Associação do Bairro.
olhar de crime, o broto das árvores que irão obumbrar as Juliana Vieira. Jornal Integração, 16-31 ago. 1996.
galerias da Detenção, todo um exército de desbriados e de
bandidos, de prostitutas futuras, galopando pela cidade à a) O que pretendia afirmar o presidente da asso-
cata do pão para os exploradores. Interrogados, mentem a ciação?
princípio, negando; depois exageram as falcatruas e aca- 
bam a chorar, contando que são o sustento de uma súcia 
de criminosos que a polícia não persegue.

A metade desse bando conhece as leis do prefeito,
os delegados de polícia e acompanha o movimento da 
política indígena, oposicionista e vendo em cada homem b) O que ele afirma, literalmente?
importante uma roubalheira. São em geral os mendigos

claramente defeituosos a que falta uma perna, um braço.
A perda que os tornou inválidos é uma espécie de 
felicidade, a indolência e o sustento garantidos. 
À beira das calçadas o dia inteiro têm tempo de se 
tornarem homens e de ler os jornais. Fazem tudo isso com
vagar. Quando um ponto se torna insustentável vão para c) Na placa com o dizer: CUIDADO ESCOLA!, pode-
outros, e há entre eles relações, morfeias que se ligam às mos encontrar o mesmo tipo de ambiguidade que
úlceras, olhos em pus que olham com ternura compa- havia na declaração de Sérgio Marcatti. O que tor-
nheiros sem braços, e todos guardando a data do desastre naria divertida a leitura da placa?
que os mutilou, que os fez entrar para a nova vida com a Nota: Para responder, leve em conta as seguintes
saudade da vida passada. acepções do termo “perigo”, constantes do Novo Di-
[...] cionário da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de
João do Rio. A alma encantadora das ruas: crônicas. São Paulo: Cia. das
Letras, 2008.
Holanda Ferreira.
Perigo:
Chama-se de progressão a forma de organização 1. Circunstância que prenuncia um mal para alguém
textual caracterizada pela ordenação temporal das ou para alguma coisa.
informações. Encontre no texto um trecho que está 2. Aquilo que provoca tal circunstância; risco.
organizado internamente em progressão. 3. Estado ou situação que inspira cuidado; gravidade.
 
 
 
 

14 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 1 Aspectos do texto – nível fundamental

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Texto para as questões 3 e 4. 3 Unifesp (Adapt.) Com base nas informações verbais e
Não se pode interpretar a parte pela parte, é preciso visuais, o que representa o beliscão de Maria?
relacioná-la com as demais partes; o todo, afinal, é a sín- 
tese das partes. Leia com atenção a tira abaixo: 


Roteiro: Indigo/Desenhos: Bira Dantas/Cores: Caio Freitas e Maurilio DNA





4 Unifesp (Adapt.) Com base nas informações da figura,


por que Leonardo veio ao Brasil?






5 Leia o excerto a seguir.


Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.
Caetano Veloso. “Dom de iludir”. Intérprete: Caetano Veloso. In: Totalmente
demais. Rio de Janeiro: Universal Music, 1986. Faixa 11.

O lugar-comum e a transgressão andam juntos em


certos artistas.
Na frase citada, há emprego de um recurso expressi-
vo muito presente na literatura em geral. Que recurso
expressivo é esse?




Releitura de uma passagem do início do romance Memórias de um Sargento de Milícias.
Disponível em: <www.fotolog.terra.com.br.biradantas>. (Adapt.). 

Exercícios propostos
Texto para as questões de 1 a 3.
A casa das ilusões perdidas
Quando ela anunciou que estava grávida, a primeira reação dele foi de desagrado, logo seguida de franca irritação.
Que coisa, disse, você não podia tomar cuidado, engravidar logo agora que estou desempregado, numa pior, você não tem
cabeça mesmo, não sei o que vi em você, já deveria ter trocado de mulher havia muito tempo. Ela, naturalmente, chorou,
chorou muito. Disse que ele tinha razão, que aquilo fora uma irresponsabilidade, mas mesmo assim queria ter o filho. Sempre
sonhara com isso, com a maternidade – e agora que o sonho estava prestes a se realizar, não deixaria que ele se desfizesse.
– Por favor, suplicou. – Eu faço tudo que você quiser, eu dou um jeito de arranjar trabalho, eu sustento o nenê, mas, por
favor, me deixe ser mãe.
Ele disse que ia pensar. Ao fim de três dias daria a resposta. E sumiu.
Voltou, não ao cabo de três dias, mas de três meses. Àquela altura ela já estava com uma barriga avantajada que tornava
impossível o aborto; ao vê-lo, esqueceu a desconsideração, esqueceu tudo – estava certa de que ele vinha com a mensagem
que tanto esperava, você pode ter o nenê, eu ajudo você a criá-lo.
FRENTE ÚNICA

Estava errada. Ele vinha, sim, dizer-lhe que podia dar à luz a criança; mas não para ficar com ela. Já tinha feito o negó-
cio: trocariam o recém-nascido por uma casa. A casa que não tinham e que agora seria o lar deles, o lar onde – agora ele
prometia – ficariam para sempre.

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Ela ficou desesperada. De novo caiu em prantos, de novo implorou. Ele se mostrou irredutível. E ela, como sempre, cedeu.
Entregue a criança, foram visitar a casa. Era uma modesta construção num bairro popular. Mas era o lar prometido e ela
ficou extasiada. Ali mesmo, contudo, fez uma declaração:
– Nós vamos encher esta casa de crianças. Quatro ou cinco, no mínimo.
Ele não disse nada, mas ficou pensando. Quatro ou cinco casas, aquilo era um bom começo.
Moacyr Scliar. Folha de S.Paulo, 14 jun. 1999.

1 Unifesp As duas frases finais do texto deixam evidente que ter mais filhos:
a é uma possibilidade pouco atraente para o casal que, por ora, já conquistou algo à custa de sofrimento.
b será para o casal uma forma de alcançar a felicidade, já que a mulher e seu companheiro poderão ter a casa cheia
de crianças.
c pode tornar-se lucrativo na ótica do companheiro, embora a mulher ainda veja isso com olhos sonhadores.
d se torna uma forma de compensar o episódio pouco feliz da doação do primeiro filho do casal.
e não alteraria em nada a vida do casal, já que não haveria como fazer os dois esquecerem a criança doada.

2 Unifesp O casal age de modo contrário aos sentimentos comuns de justiça e dignidade. No contexto da narrativa, tais
comportamentos explicam-se:
a pela falta de amor que há entre a mulher e o companheiro, fazendo com que tudo que os rodeia se torne um ne-
gócio vantajoso.
b pelo amor exagerado que a mulher sente e pela confusão de sentimentos que o companheiro vive na descoberta
desse amor.
c pelo ódio exagerado que a mulher sente do companheiro e pela forma displicente e pouco amável como ele a vê.
d pela submissão exagerada da mulher ao companheiro e pela forma mesquinha e interesseira como ele resolve
as coisas.
e pela forma irresponsável com que a mulher age em relação ao companheiro, o que o faz tomar atitudes impensadas.

3 Unifesp No texto, a ideia de ilusões perdidas diz respeito à:


a realização da maternidade que, na verdade, não atinge a sua plenitude.
b desolação da jovem mãe ao ver que a casa recebida não era luxuosa como concebera.
c alegria da mãe com a casa e à superação da tristeza pela doação da criança.
d melancolia da mãe por programar todas as crianças que teria para trocar por casas.
e certeza do homem de que a mulher não formará com ele um lar na casa nova.

4 Unicamp Leia a tira a seguir e responda em seguida às perguntas:

Calvin & Hobbes, Bill Watterson © 1994 Watterson / Dist. by Universal Uclick

a) Da leitura dos dois primeiros quadros, depreende-se uma opinião geral do garoto Calvin sobre proibições. Que
opinião é essa?
b) Observe o que faz Calvin no último quadro da tira e explique o que essa ação significa no contexto da história.
c) Suponha a seguinte situação: numa autoestrada de alta velocidade, uma placa de sinalização diz “Não pare na
pista”. Bem à vista da placa, um motorista trafega em marcha à ré, no acostamento. Pela lógica de Calvin esse
motorista está errado?

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5 ITA Leia o texto a seguir.
Você entra no bate-papo, conversa, troca e-mail, faz amizade. Passa horas navegando com um bando de estranhos. E
nunca sabe ao certo com quem está falando. O anonimato pode ser uma das vantagens da rede, mas também uma armadilha.
Para tentar evitar possíveis decepções na hora da verdade, a Internet vai sofisticando recursos, unindo psicologia, tec-
nologia e diversão e tentando melhorar o que podemos chamar de relacionamento em rede.
As novidades são boas para quem aposta no virtual como alternativa na hora de conhecer novas pessoas e para quem
não quer levar para a vida real um gato no lugar de uma lebre, com o devido respeito aos bichinhos. [...]
Viviane Zandonadi. “Você sabe quem está falando?” Folha de S.Paulo, Caderno Informática, 4 ago. 1999.

a) Escreva duas palavras ou expressões do texto que ganharam novos sentidos na área da informática.
b) Em se tratando de relacionamentos amorosos, levar “gato” (ou “gata”) no lugar de “lebre” poderá ser um bom
negócio. Explique por que é possível essa interpretação.

Texto para a questão 6.


Slow Food
A favor da alimentação com prazer e da responsabilidade socioambiental, o slow food é um movimento que vai contra o
ritmo acelerado de vida da maioria das pessoas hoje: o ritmo fast-food, que valoriza a rapidez e não a qualidade. Traduzido
na alimentação, o fast-food está nos produtos artificiais, que, apesar de práticos, são péssimos à saúde: muito processados e
muito distantes da sua natureza — como os lanches cheios de gorduras, os salgadinhos e biscoitos convencionais etc. etc.
Agora, vamos deixar de lado o fast e entender melhor o slow food. Segundo esse movimento, o alimento deve ser:
• bom: tão gostoso que merece ser saboreado com calma, fazendo de cada refeição uma pausa especial do dia;
• limpo: bom à saúde do consumidor e dos produtores, sem prejudicar o meio ambiente nem os animais;
• justo: produzido com transparência e honestidade social e, de preferência, de produtores locais.
Deu pra ver que o slow food traz muita coisa interessante para o nosso dia a dia. Ele resgata valores tão importantes,
mas que muitas vezes passam despercebidos. Não é à toa que ele já está contagiando o mundo todo, inclusive o nosso país.
Disponível em: www.maeterra.com.br. Acesso em: 5 ago. 2017.

6 Enem PPL 2019 Algumas palavras funcionam como marcadores textuais, atuando na organização dos textos e fazen-
do-os progredir. No segundo parágrafo desse texto, o marcador “agora”
a define o momento em que se realiza o fato descrito na frase.
b sinaliza a mudança de foco no tema que se vinha discutindo.
c promove uma comparação que se dá entre dois elementos do texto.
d indica uma oposição que se verifica entre o trecho anterior e o seguinte.
e delimita o resultado de uma ação que foi apresentada no trecho anterior.

7 Unicamp Leia a charge a seguir.

LAERTE

Folha de S.Paulo, 8 out. 2003, p. F8.

Jogos de imagens e palavras são característicos da linguagem de história em quadrinhos. Alguns desses jogos podem
remeter a domínios específicos da linguagem a que temos acesso em nosso cotidiano, tais como a linguagem dos médi-
cos, a linguagem dos economistas, a linguagem dos locutores de futebol, a linguagem dos surfistas, entre outras. É o que
ocorre na tira de Laerte.
a) Transcreva as passagens da tira que remetem a domínios específicos e explicite que domínios são esses.
b) Levando em consideração as relações entre imagens e palavras, identifique um momento de humor na tira e
FRENTE ÚNICA

explique como é produzido.

17

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Texto para a questão 8. Texto para a questão 11.
“(...) as palavras tomam significados distintos daqueles No início do século XVI, Maquiavel escreveu O Prín-
utilizados no cotidiano. Por exemplo, utiliza-se, com fre- cipe – uma célebre análise do poder político, apresentada
quência, nas aulas sobre frações, a frase reduzir ao mesmo sob a forma de lições, dirigidas ao príncipe Lorenzo de
denominador." Médicis. Assim justificou Maquiavel o caráter professoral
(Edi Jussara Candido Lorensatti, Linguagem matemática e Língua Portuguesa: do texto:
diálogo necessário na resolução de problemas matemáticos. Conjectura: “Não quero que se repute presunção o fato de um ho-
Filosofia e Educação. Caxias do Sul, v. 14, n. 2, p. 91, maio/ago. 2009.)
mem de baixo e ínfimo estado discorrer e regular sobre o
governo dos príncipes; pois assim como os [cartógrafos] que
8 Unicamp 2019 Cada ciência usa uma linguagem própria desenham os contornos dos países se colocam na planície
e com um grau de precisão terminológica necessário para considerar a natureza dos montes, e para considerar a
para o seu exercício. Tendo em vista os significados das planícies ascendem aos montes, assim também, para co-
distintos que as palavras assumem nas situações con- nhecer bem a natureza dos povos, é necessário ser príncipe,
cretas em que são empregadas, o verbo “reduzir”, no e para conhecer a dos príncipes é necessário ser do povo”.
uso cotidiano, significa Tradução de Lívio Xavier. (Adapt.).
a limitar alguma coisa, ao passo que na linguagem
matemática é sinônimo de restringir. 11 Fuvest Ao justificar a autoridade com que pretende
b moderar alguma coisa, ao passo que na linguagem ensinar um príncipe a governar, Maquiavel compara
matemática implica aumentar as relações entre os sua missão à de um cartógrafo para demonstrar que:
números. a o poder político deve ser analisado tanto do ponto
c eliminar alguma coisa, ao passo que na linguagem de vista de quem o exerce quanto do de quem a
matemática implica reverter as relações entre os ele está submetido.
números. b é necessário e vantajoso que tanto o príncipe como
d diminuir alguma coisa, ao passo que na linguagem o súdito exerçam alternadamente a autoridade do
matemática é sinônimo de converter. governante.
c um pensador, ao contrário do que ocorre com um
Texto para a questão 9. cartógrafo, não precisa mudar de perspectiva para
Essas moças tinham o vezo de afirmar o contrário do situar posições complementares.
que desejavam. Notei a singularidade quando principiaram d as formas do poder político variam, conforme se-
a elogiar o meu paletó cor de macaco. Examinavam-no jam exercidas por representantes do povo ou por
sérias, achavam o pano e os aviamentos de qualidade membros da aristocracia.
superior, o feitio admirável. Envaideci-me: nunca havia e tanto o governante como o governado, para bem
reparado em tais vantagens. Mas os gabos se prolonga- compreenderem o exercício do poder, devem res-
ram, trouxeram-me desconfiança. Percebi afinal que elas tringir-se a seus respectivos papéis.
zombavam e não me susceptibilizei. Longe disso: achei
curiosa aquele maneira de falar pelo avesso, diferente das Texto para as questões 12 e 13.
grosserias a que me habituara. Em geral me diziam com
franqueza que e roupa não me assentava no corpo, sobrava Um poema de Vinicius de Moraes
nos sovacos. A flutuação do gosto em relação aos poetas é normal,
RAMOS, G. Infância. Rio de Janeiro: Record, 1994. como é normal a sucessão dos modos de fazer poesia.
Pelo visto, Vinicius de Moraes anda em baixa acentuada.
9 Enem 2017 Por meio de recursos linguísticos, os textos Talvez o seu prestígio tenha diminuído porque se tornou
mobilizam estratégias para introduzir e retomar ideias, 5 cantor e compositor, levando a opinião a considerá-lo
promovendo a progressão do tema. No fragmento mais letrista do que poeta. Mas deve ter sido também
transcrito, um novo aspecto do tema é introduzido porque encarnou um tipo de poesia oposto a certas mo-
pela expressão dalidades para as quais cada palavra tende a ser objeto
a “a singularidade”. autônomo, portador de maneira isolada (ou quase) do
10 significado poético.
b “tais vantagens”.
Na história da literatura brasileira ele é um poeta de
c “os gabos”.
continuidades, não de rupturas; e o nosso é um tempo
d “Longe disso”.
que tende à ruptura, ao triunfo do ritmo e mesmo do ruído
e “Em geral”.
sobre a melodia, assim como tende a suprimir as manifes-
15 tações da afetividade. Ora, Vinicius é melodioso e não tem
10 ITA O anúncio a seguir, de uma rede de hipermerca- medo de manifestar sentimentos, com uma naturalidade
dos, apareceu num outdoor por ocasião das festas de que deve desgostar as poéticas de choque. Por vezes, ele
fim de ano. chega mesmo a cometer o pecado maior para o nosso
tempo: o sentimentalismo. Isso lhe permitiu dar estatuto
Seus amigos-secretos estão no Carrefour.
20 de poesia a coisas, sentimentos e palavras extraídos do
Aponte duas interpretações possíveis para esse mais singelo cotidiano, do coloquial mais familiar e até
anúncio. piegas, de maneira a parecer muitas vezes um seresteiro

18 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 1 Aspectos do texto – nível fundamental

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milagrosamente transformado em poeta maior. João Ca- É um não querer mais que bem querer;
bral disse mais de uma vez que sua própria poesia remava É solitário andar por entre a gente;
25 contra a maré da tradição lírica de língua portuguesa. É nunca contentar-se de contente;
Vinicius seria, ao contrário, alguém integrado no fluxo da É cuidar que se ganha em se perder;
sua corrente, porque se dispôs a atualizar a tradição. Isso
foi possível devido à maestria com que dominou o verso, É querer estar preso por vontade;
jogando com todas as suas possibilidades. É servir a quem vence, o vencedor;
30 Ele consegue ser moderno usando metrificação e cul- É ter com quem nos mata lealdade.
tivando a melodia, com uma imaginação renovadora e
uma liberdade que quebram as convenções e conseguem Mas como causar pode seu favor
preservar os valores coloquiais. Rigoroso como Olavo Bi- Nos corações humanos amizade,
lac, fluido como o Manuel Bandeira dos versos regulares, Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
35 terra a terra como os poemas conversados de Mário de Luís de Camões. Sonetos de Camões. São Paulo: Ateliê Editorial, 1998.
Andrade, esse mestre do soneto e da crônica é um raro
malabarista. 14 Faap Considere as seguintes afirmações:
ANTONIO CANDIDO Adaptado de Teoria e debate, nº 49. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo, out-dez, 2001.
I. Ambos os textos (a foto e o poema) tematizam o
“fogo”, porém Camões dá outro tratamento ao as-
A flutuação do gosto em relação aos poetas é normal, sunto, comparando a chama ao amor.
como é normal a sucessão dos modos de fazer poe- II. A oposição no texto visual fica por conta do claro-
sia. (l. 1 e 2) -escuro; em Camões, temos a oposição por meio
da contradição (o amor é contraditório).
12 Uerj 2019 A relação que se estabelece entre essa III. Em É ferida que dói e não se sente, o conectivo
declaração inicial do crítico Antonio Candido e o res- “e” poderia ser substituído por “mas”, sem que
tante de seu texto pode ser definida pela seguinte haja alteração semântica.
sequência:
a problema – solução Estão corretas:
b abstração – realidade a apenas I.
c pressuposição – asserção b apenas II.
d generalização – particularização c apenas III.
d apenas I e II.
13 Uerj 2019 A articulação do primeiro com o segundo e apenas II e III.
parágrafo revela o seguinte eixo principal da argu-
mentação do crítico: 15 Uerg Leia o texto a seguir.
a valorização de versos coloquiais
b descrição de uma poética singular Leitura e escrita como experiência
c contestação de artistas modernos O avesso
d exaltação de uma obra convencional
Quando penso na leitura como experiência (na esco-
la, na sala de aula ou fora delas), refiro-me a momentos
Textos para a questão 14.
nos quais fazemos comentários sobre livros ou revistas
Texto I
que lemos, trocando, negando, elogiando ou criticando,
contando mesmo. Enfim, situações nas quais – tal como
Patrycja Adamczyk/Stock.xchng

uma viagem, uma aventura – fale-se de livros e de his-


tórias, contos, poemas ou personagens, compartilhando
sentimentos e reflexões, plantando no ouvinte a coisa
narrada, criando um solo comum de interlocutores, uma
comunidade, uma coletividade. O que faz da leitura uma
experiência é entrar nessa corrente em que a leitura é par-
tilhada e tanto quem lê quanto quem propiciou a leitura
ao escrever, aprendem, crescem, são desafiados.
Defendo a leitura da literatura, da poesia, de textos
que têm dimensão artística, não por erudição. Não é o
acúmulo de informação sobre clássicos, sobre gêneros
ou sobre estilos, escolas ou correntes literárias que torna
a leitura uma experiência, mas sim o modo de realização
Texto II dessa leitura: Ela deve ser capaz de engendrar uma re-
FRENTE ÚNICA

[...] flexão para além do seu momento em que acontece, ser


Amor é fogo que arde sem se ver; capaz de ajudar a compreender a história vivida antes e
É ferida que dói e não se sente; sistematizada ou contada nos livros.
É um contentamento descontente; Sônia Kramer. “Leitura e escrita como experiência – seu papel na formação de
É dor que desatina sem doer; sujeitos sociais”. In: Presença pedagógica. v. 6, n. 31, jan./fev. 2000, p. 21.

19

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP1_LA.INDD / 25-09-2020 (10:44) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Considere o excerto. parte dos idosos de hoje prefere, de fato, morar sozinha,
mantendo-se dona do próprio nariz.
Defendo a leitura da literatura, da poesia, de textos
Disponível em: <http://veja.abril.com.br/brasilenvelhecer-seculo-xxi/>, 18
que têm dimensão artística, não por erudição. mar. 2016. Adaptado. Acesso em: 10 ago. 17.

a) Embora o trecho destacado não se inicie por


conectivo, seria possível acrescentar-lhe con- 17 ITA 2018 A conjunção em destaque na frase “Não se
junção, preservando a relação de sentido com trata de apologia da solidão, mas de encarar um dado
o conjunto da frase. Aponte duas conjunções da realidade contemporânea: ...” possui a função se-
diferentes que, no mesmo contexto, poderiam in- mântica de
troduzir o trecho em destaque. Indique também o a retificação.
tipo de relação de sentido que estas conjunções b compensação.
estabelecem na frase. c complementação.
b) De acordo com a argumentação desenvolvida d separação.
pela autora, justifique a presença da forma nega- e acréscimo.
tiva no trecho destacado.
Textos para a questão 18.
Texto para a questão 16. I. Diante da dificuldade, municípios de diferentes re-
giões do país realizaram um segundo “dia D” neste
Certa vez minha mãe surrou-me com uma corda no- sábado. O primeiro ocorreu em 18 de agosto. A
dosa que me pintou as costas de manchas sangrentas. adesão, no entanto, ainda ficou abaixo do esperado.
Moído, virando a cabeça com dificuldade, eu distinguia Agora, a recomendação é que estados e municípios
nas costelas grandes lanhos vermelhos. Deitaram-me, façam busca ativa para garantir que todo o público-
enrolaram-me em panos molhados com água de sal ― e -alvo da campanha seja vacinado.
houve uma discussão na família. Minha avó, que nos visi- Folha de S.Paulo. São Paulo. 03/09/2018.
tava, condenou o procedimento da filha e esta afligiu-se.
Irritada, ferira-me à toa, sem querer. Não guardei ódio a II. Pensar sobre a vaga, buscar conhecer a empresa
minha mãe: o culpado era o nó. e o que ela busca já faz de você alguém especial.
RAMOS, G. Infância. Rio de Janeiro: Record, 1998. Muitos que procuram o balcão de emprego não
compreendem que os detalhes são fundamentais
para conseguir a recolocação. Agora, não pense que
16 Enem 2018 Num texto narrativo, a sequência dos fatos
você vai conseguir na primeira investida, a busca por
contribui para a progressão temática. No fragmento,
um novo emprego requer paciência e persistência,
esse processo é indicado pela
tenha você 20 anos ou 50.
a alternância das pessoas do discurso que determi- Balcão de Emprego. Disponível em: <http://empregabrasil.com.br/>
nam o foco narrativo.
b utilização de formas verbais que marcam tempos
18 Fuvest 2019 O termo “Agora” pode ser substituído, res-
narrativos variados.
pectivamente, em I e II e sem prejuízo de sentidos nos
c indeterminação dos sujeitos de ações que caracte-
dois textos, por
rizam os eventos narrados.
a Neste momento; Por conseguinte.
d justaposição de frases que relacionam semantica-
b Neste ínterim; De fato.
mente os acontecimentos narrados.
c Portanto; Ademais.
e recorrência de expressões adverbiais que organi-
d Todavia; Então.
zam temporalmente a narrativa.
e Doravante; Mas.
Texto para a questão 17.
A questão de número 19 toma por base o poema
O Brasil será, em poucas décadas, um dos países com Lisbon revisited, do heterônimo Álvaro de Campos do
maior número de idosos do mundo, e precisa correr para poeta modernista português Fernando Pessoa (1888-
poder atendê-los no que eles têm de melhor e mais sau- 1935), e a letra da canção “Metamorfose ambulante”, do
dável: o desejo de viver com independência e autonomia. cantor e compositor brasileiro Raul Seixas (1945-1989).
[...] O mantra da velhice no século XXI é “envelhecer no
lugar”, o que os americanos chamam de aging in place. O Lisbon revisited
conceito que guia novas políticas e negócios voltados para
(1923)
os longevos tem como principal objetivo fazer com que
as pessoas consigam permanecer em casa o maior tempo Não: não quero nada.
possível, sem que, para isso, precisem de um familiar por Já disse que não quero nada.
perto. Não se trata de apologia da solidão, mas de enca-
rar um dado da realidade contemporânea: as residências Não me venham com conclusões!
não abrigam mais três gerações sob o mesmo teto e boa A única conclusão é morrer.

20 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 1 Aspectos do texto – nível fundamental

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP1_LA.INDD / 16-09-2020 (19:32) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL


Não me tragam estéticas! 10 Lhe tenho amor
Não me falem em moral! Lhe tenho horror
Tirem-me daqui a metafísica! Lhe faço amor
Não me apregoem sistemas completos, não me enfi- eu sou um ator…
leirem conquistas [...]
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) Raul Seixas, Os grandes sucessos de Raul Seixas.
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
19 Vunesp O poema Lisbon revisited (1923) e a canção
Que mal fiz eu aos deuses todos? “Metamorfose ambulante” (1973) identificam-se por al-
guns aspectos formais e por focalizarem como tema
Se têm a verdade, guardem-na! a atitude de rebeldia do indivíduo aos modelos e pa-
drões culturais que lhe são impostos. Releia-os com
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da téc-
atenção e, a seguir:
nica.
a) servindo-se de uma escala em cujos extremos
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
estejam atitude eufórica (sensação de bem-estar
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
e de alegria) e atitude disfórica (sensação de mal-
Não me macem, por amor de Deus! -estar, ansiedade, inquietação), demonstre qual
dos dois textos está mais próximo do polo da ati-
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável? tude disfórica.
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qual- b) explique em que medida o verso de número 17, de
quer coisa? “Metamorfose ambulante”, sintetiza o conteúdo
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a von- da canção.
tade.
Assim, como sou, tenham paciência! 20 Fuvest Os textos a seguir são fragmentos de poesia;
Vão para o diabo sem mim, leia-os e faça a comparação solicitada.
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos? I. Pálida, à luz da lâmpada sombria
Sobre o leito de flores reclinada,
Não me peguem no braço! Como a lua por noite embalsamada,
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser so- Entre as nuvens do amor, ela dormia!
zinho.
Já disse que sou sozinho! II. Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia! Numa rede encostada molemente..
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
Ó céu azul – o mesmo da minha infância – E o pé descalço no tapete rente.
Eterna verdade vazia e perfeita! Os dois textos apresentam diferentes concepções da
Ó macio Tejo ancestral e mudo, figura da mulher. Aponte nos dois textos situações con-
Pequena verdade onde o céu se reflete!
trastantes que revelam essas diferentes concepções.
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me
Texto para a questão 21.
sinta.
Amor e medo
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar Quando eu te fujo e me desvio cauto
sozinho! Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Fernando Pessoa. Ficções do Interlúdio/4: poesias de Álvaro de Campos. Contigo dizes, suspirando amores:
“– Meu Deus, que gelo, que frieza aquela!”
Metamorfose ambulante
[...] Como te enganas! Meu amor é chama,
Que se alimenta no voraz segredo,
Eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes
E se te fujo é que te adoro louco...
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
És bela – eu moço; tens amor, eu – medo!...
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
5 [...] Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
Sobre o que é o amor Das folhas secas, do chorar das fontes,
Sobre que eu nem sei quem sou Das horas longas a correr velozes.
Se hoje eu sou estrela amanhã já se apagou [...]
FRENTE ÚNICA

Se hoje eu te odeio amanhã lhe tenho amor Casimiro de Abreu.

21

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP1_LA.INDD / 04-09-2020 (09:20) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


21 UFRGS Em Amor e medo, Casimiro de Abreu: 23 Mackenzie Assinale a alternativa correta.
a recomenda cautela à amada para que a luz de fogo que a O texto I, com sua regularidade formal, recupera do
a cerca não revele a terceiros os segredos do casal. texto II o rígido padrão da estética clássica.
b evita os encantos da amada justamente por dese- b Os dois textos, ao negarem uma concepção carnal
jar a moça em excesso, respondendo ao amor dela do amor, enaltecem o platonismo amoroso.
com seu medo.
c O texto I e o texto II são convergentes no que se
c nota que a amada engana-se ao julgá-lo ardente e
refere à concepção do sentimento amoroso.
amoroso, pois se trata apenas de uma impressão
causada pela distância que os separa. d O texto II contesta o texto I no que se refere ao
d evita aproximar-se da amada, porque as horas ponto de vista sobre o amor.
longas a correr velozes, em breve, prejudicarão a e Os dois textos convergem quanto à forma e à lin-
intensidade do desejo que os une. guagem, mas divergem quanto ao conteúdo.
e discorda da amada que afirma que ele foge dela
para evitar a intensidade do amor que se alimenta 24 Enem A questão étnica no Brasil tem provocado dife-
no voraz segredo. rentes atitudes:
I. Instituiu-se o “Dia Nacional da Consciência Ne-
22 O fragmento a seguir pertence ao compositor Cazuza. gra” em 20 de novembro, ao invés da tradicional
Leia-o atentamente. celebração do 13 de maio. Essa nova data é o ani-
[...] versário da morte de Zumbi, que hoje simboliza a
Eu vejo o futuro repetir o passado crítica à segregação e à exclusão social.
Eu vejo um museu de grandes novidades II. Um turista estrangeiro que veio ao Brasil, no car-
O tempo não para naval, afirmou que nunca viu tanta convivência
não para, não, não para harmoniosa entre as diversas etnias.

Eu não tenho data pra comemorar


Também sobre essa questão, estudiosos fazem dife-
Às vezes os meus dias são de par em par
rentes reflexões:
Procurando agulha num palheiro
[...] Entre nós [brasileiros], [...] a separação imposta pelo
Cazuza; Arnaldo Brandão. “O tempo não para”. Intérprete: Cazuza. In: O sistema de produção foi a mais fluida possível. Permitiu
tempo não para. Rio de Janeiro: Polygram, 1988. Faixa 6.
constante mobilidade de classe para classe e até de uma
Transcreva, do excerto anterior, uma passagem que raça para outra. Esse amor, acima de preconceitos de raça
apresenta um paradoxo. e de convenções de classe, do branco pela cabocla, pela
cunhã, pela índia [...] agiu poderosamente na formação
Textos para a questão 23. do Brasil, adoçando-o.
Gilberto Freire. O mundo que o português criou.
Texto I
Amor é fogo que arde sem se ver; [Porém] o fato é que ainda hoje a miscigenação não
É ferida que dói e não se sente; faz parte de um processo de integração das “raças” em
É um contentamento descontente; condições de igualdade social. O resultado foi que [...]
É dor que desatina sem doer. ainda são pouco numerosos os segmentos da “população
de cor” que conseguiram se integrar, efetivamente, na so-
É um não querer mais que bem querer;
ciedade competitiva.
É solitário andar por entre a gente;
Florestan Fernandes. O negro no mundo dos brancos.
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder; Considerando as atitudes expostas e os pontos de
Camões. vista dos estudiosos, é correto aproximar:
Texto II a a posição de Gilberto Freire e a de Florestan Fer-
Amor é fogo? Ou é cadente lágrima? nandes igualmente às duas atitudes.
Pois eu naufrago em mar de labaredas b a posição de Gilberto Freire à atitude I e a de Flo-
Que lambem o sangue e a flor da pele acendem restan Fernandes à atitude II.
Quando o rubor me vem à tona d’água. c a posição de Florestan Fernandes à atitude I e a de
Gilberto Freire à atitude II.
E como arde, ai, como arde, Amor,
Quando a ferida dói porque se sente, d somente a posição de Gilberto Freire a ambas as
E o mover dos meus olhos sob a casca atitudes.
Vê muito bem o que devia não ver. e somente a posição de Florestan Fernandes a am-
Ilka Brunhilde Laurito. bas as atitudes.

22 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 1 Aspectos do texto – nível fundamental

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP1_LA.INDD / 04-09-2020 (09:20) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Texto complementar
Curiosidades linguísticas
John Tenniel/Wikimedia Commons

Por que velhos são “co­roas”? – Quando houve a proclamação da República, tudo o
que era imperial passou a ser sinônimo de coisa antiga. Em seu Novo dicionário da gíria
brasileira (3 ed. Rio de Janeiro: Tupã, 1957, s.v. – a 1ª edição é de 1945), Manuel Viotti
define coroa como gíria militar, com o sentido de “Antiguidade, a monarquia decaída”. Por
força do recrutamento obrigatório dos jovens de 18 anos, que, findo o treinamento, voltam
às atividades civis e difundem a linguagem da caserna, muitas palavras da gíria militar
acabam adquirindo foro de universalidade. Foi o que ocorreu com “rancho”, que designa
o restaurante e, por extensão, a comida ou a refeição, como em “hora do rancho”, ou o
que ocorreu com batebute, corruptela do inglês battle boot, “bota de batalha”, que designa
o coturno ou o chapim. Assim, tudo o que era antigo ou velho era da coroa ou, simples-
mente, por metonímia, era “coroa”. Um homem velho, portanto, é antiguidade, é coroa.
Por que se diz “conto do vigário”? – A palavra “vigário” vem do latim vicariu, que sig-
nifica “substituto”. Isso quer dizer que o sacerdote é chamado vigário por ser um substituto
do bispo, numa paróquia. O Papa é chamado de “vigário de Cristo”, isto é, o substituto de
Cristo. É nesse sentido original de substituto que se chama “vicário” (com c, por ter entrado
na língua por via erudita) o verbo que, numa oração, substitui outro, da oração precedente,
como em “Se ele pergunta é porque não sabe”, onde o É está no lugar de PERGUNTA. A
expressão “conto do vigário”, para designar um engodo, relaciona-se com o sentido primitivo do termo latino, e não com o
sacerdote. Em outras palavras, “conto do vigário” é a história em que uma pessoa leva o substituto (sem valor) de algo que
pretendia adquirir com vantagem. Em termos proverbiais: leva gato por lebre. Também se chama “conto do paco”. Paco veio
do latim paccus ou do francês pacque (palavra originária do étimo neerlandês packe), por intermédio do lunfardo, como
gíria de ladrões. Pacote é diminutivo de paco.
Por que “amigo da onça”? – Alguns autores fantasiam a origem da expressão popular “amigo da onça”. Magalhães
Júnior, em seu Dicionário brasileiro de provérbios, locuções e ditos curiosos (4 ed. Rio de Janeiro: Documentário, 1977, s.v.
amigo da onça), conta a seguinte história: um caçador mentiroso dizia que fora acuado por uma onça de encontro a uma
rocha. Sem armas e sem ter como fugir, escapa dando um grito tão violento que a onça, assustada, fugiu em pânico. Ante
o descrédito do ouvinte, o contador de história pergunta: “Você é meu amigo ou amigo da onça?”. Antenor Nascentes, no
Tesouro da fraseologia brasileira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, s.v. amigo), conta outra história: um caçador, à beira
de um abismo, encontrou uma onça. Tentou matá-la, mas a espingarda falhou. O caçador então pergunta ao ouvinte se ele
imagina o que aconteceu em seguida. Este, obviamente, responde que a onça teria devorado o caçador. E o caçador, indig-
nado, pergunta: “Você é meu amigo ou amigo da onça?”. São histórias fantasiosas sem respaldo documental.
Ora, “onça”, na expressão em estudo, não designa o felino, porque está no sentido clássico de “miséria”. “Estar na onça”,
para João Ribeiro (Frazes feitas, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1908, p. 125-6) é estar na penúria. A libra tem doze onças.
Estar na undécima onça é estar quase na miséria. João Ribeiro refere-se à expressão também em italiano: “su l’undic’once”,
isto é, na undécima onça, quase na miséria. Macedo Soares (Dicionário brasileiro da língua portuguesa. Rio de Janeiro: MEC/
INL, 1954, vol. I; 1955, vol. II, s.v. onça) explicita que “estar na onça” é “loc. dos estudantes, não ter vintém”. Quem só
tinha uma onça procurava guardá-la ou evitava gastá-la, para não ficar a zero. Tornou-se, portanto, compulsoriamente, um
“amigo da onça”. Com o tempo, “amigo da onça” passou a sinônimo de “amigo da miséria” alheia, como o personagem
que o humorista Péricles de Andrade Maranhão imortalizou nas páginas da revista O Cruzeiro.
Por que o mau motorista é barbeiro? – Viterbo afirma que barbeiro era o oficial “que se ocupava de alimpar, açacalar,
dar esmeril e guarnecer as espadas, adagas etc.” (VITERBO, Joaquim de Santa Rosa. Elucidário das palavras, termos e frases
que em Portugal se usaram e que hoje regularmente se ignoram. Edição crítica de Mário Fiúza. Porto: Civilização, 1965,
s.v. Barbeiro das espadas.). O dicionário de Moraes Silva diz que barbeiro é o “homem que faz as barbas, e as rapa, corta
ou apara.” E conclui: “há barbeiros de lanceta, ou sangradores, outros dantes consertavam as espadas limpando-as, e afian-
do-as, aliás alfagemes” (s.v. Barbeiro). No seu Glossário crítico de dificuldades do idioma português (Porto: Simões Lopes,
1947), Vasco Botelho do Amaral (s.v. Barbeiro) cita Gonçalves Viana, que informa que, “sobretudo, o barbeiro tinha amplas
funções de médico de aldeia, aplicando mezinhas e sanguessugas, fazendo sangrias, cortando calos e tirando dentes” e
que “os barbeiros da aldeia tinham, além de outras, também funções de sangradores e de cirurgiões”. Vasco B. do Amaral
lembra um anexim popular de sua época: “quem lhe dói o dente busca o barbeiro”. Ora, quando um barbeiro era infeliz
em alguma missão diferente daquela que lhe garantira o nome da profissão – ater-se à barba e ao cabelo – o povo lembrava
que o insucesso da empreitada era “coisa de barbeiro” e não de médico ou de dentista especializado. Por extensão, era
chamado barbeiro quem fazia de modo infeliz alguma coisa para a qual não era profissionalmente preparado. Um motorista,
consequentemente, é barbeiro quando realiza algum tipo de manobra que denota a sua inabilidade ao volante ou a sua falta
FRENTE ÚNICA

de vocação como condutor de veículo.


José Augusto Carvalho.

23

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP1_LA.INDD / 15-09-2020 (08:06) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Resumindo
Relação parte/todo
yy O texto é um todo composto por partes que se relacionam entre si. yy É preciso sair do particular (parte) e atingir o geral (todo).
yy O todo é a síntese das partes. yy A parte pode se constituir em um recurso expressivo.
yy O todo pode ser entendido também como o contexto. yy O significado de uma palavra pode mudar de acordo com o contexto.
yy O contexto é a situação que cerca o fato. yy A progressão lógica de um texto pressupõe o encadeamento dos fatos.
yy Fora de contexto, corre-se o risco de se interpretar erroneamente. yy Há uma organização textual que possibilita a clareza.

Nível fundamental
yy Todo texto traz uma oposição. yy Nas oposições, um polo é eufórico e o outro é disfórico.
yy Essa oposição pode estar explícita ou implícita. yy O que é eufórico ou disfórico depende da visão de mundo.
yy Ao falar da guerra, fala-se da paz. yy O conectivo “mas” introduz o argumento mais forte.
yy As oposições devem ser traduzidas abstratamente. yy O conectivo “embora” introduz o argumento mais fraco.
yy A euforia é a positividade. yy A antítese é mera oposição de sentido.
yy A disforia é a negatividade. yy O paradoxo é uma contradição de ideias.

Quer saber mais?

Livro Filme
yy PLATÃO e FIORIN. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: yy Amarcord, 1972. Direção de Federico Fellini.
Ática, 2006.

Exercícios complementares
Texto para a questão 1. Textos para as questões 2 e 3.
Seria difícil encontrar hoje um crítico literário I. Temos saídas. Temos, por exemplo, um setor agríco-
respeitável que gostasse de ser apanhado defendendo la imenso. Nesse sentido, o MST tem razão. Não o
como uma ideia a velha antítese estilo e conteúdo. A MST, a política de assentamento, de pequena econo-
esse respeito prevalece um religioso consenso. Todos mia familiar.
estão prontos a reconhecer que estilo e conteúdo são Fernando Henrique Cardoso, em entrevista concedida à revista Veja,
indissolúveis, que o estilo fortemente individual de cada 10 set. 1997. p. 25.

escritor importante é um elemento orgânico de sua obra II. Ao falar, não posso usar borracha, apagar, anular;
e jamais algo meramente “decorativo”. Na prática da tudo que posso fazer é dizer “anulo, apago, retifico”,
crítica, entretanto, a velha antítese persiste praticamente ou seja, falar mais. Essa singularíssima anulação por
inexpugnada. acréscimo, eu a chamarei de “balbucio”.
Susan Sontag. “Do estilo”. Contra a interpretação. Roland Barthes.

1 Fuvest 2019 Consideradas no contexto, as expressões 2 Fuvest Baseando-se nessa definição de Roland Bar-
“religioso consenso”, “orgânico” e “inexpugnada”, thes, transcreva o trecho do texto I em que houve
sublinhadas no texto, podem ser substituídas, sem al- balbucio.
teração de sentido, respectivamente, por:
a místico entendimento; biológico; invencível. 3 Fuvest Nota-se que o entrevistado repetiu duas vezes
b piedoso acordo; puro; inesgotável. a palavra “Temos”, cada vez com um complemento di-
c secular conformidade; natural; incompreensível. ferente. Explique a relação semântica que o contexto
d fervorosa unanimidade; visceral; insuperada. linguístico (os dois períodos em sequência) permite
e espiritual ajuste; vital; indomada. estabelecer entre os dois complementos utilizados.

24 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 1 Aspectos do texto – nível fundamental

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP1_LA.INDD / 15-09-2020 (21:26) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


4 ITA Leia o texto. Conheci que Madalena era boa em demasia, mas não
conheci tudo de uma vez. Ela se revelou pouco a pouco,
E vai começar a “Cimeira”. Derivada de “cima” (“a
e nunca se revelou inteiramente. A culpa foi minha, ou
parte mais elevada; cume, cimo, cimeira, topo”), a pala-
antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma
vra é comuníssima em Portugal para denominar reuniões
alma agreste.
de cúpula. O nome foi dado por tradutores portugueses Graciliano Ramos. São Bernardo. Capítulo 19.
presentes à reunião do Grupo do Rio do Panamá, em que
se decidiu convocar a iminente reunião. Esqueceram-se
de um detalhe: a reunião é no Brasil. É isso. 6 PUC-SP As palavras ou expressões oferecem, aos
falantes de uma língua, multiplicidade de uso, definin-
Pasquale Cipro Neto. Folha de S.Paulo, Caderno Cotidiano, 24 jun. 1999.
do-se seus significados na situação em que ocorrem.
Pode-se afirmar que há no texto: Veja, a esse exemplo, a expressão “no eito”, no pri-
a afirmação de que a tradução para “reunião de cú- meiro trecho.
pula” como “cimeira” foi apenas um detalhe. Levando em conta:
b discordância com a tradução dada para “reunião I. o verbete no dicionário, definido como:
de cúpula”, já que ela foi realizada no Brasil. 1. “Sequência ou série de coisas que estão na
c afirmação de que a tradução deveria ter sido feita mesma direção ou linha.”
por tradutores brasileiros. 2. “Bras. Limpeza de uma plantação por turmas
d concordância com a tradução dada à “reunião de que usam enxadas.”
cúpula”, porém, sugestão para o uso de palavras, 3. “Bras. Roça onde trabalhavam escravos. A
como “a parte mais elevada, cume, cimeira, topo” eito = a fio; a seguir.”
no lugar de “cimeira”. cf. Buarque de Holanda, p. 501.
e afirmação de que os participantes da reunião es- II. o emprego no trecho apresentado, você poderia
queceram-se de que estavam no Brasil. afirmar que ela se refere a:
a trabalhar com astúcia.
5 ITA Leia o seguinte trecho com atenção. b trabalhar com afinco.
Iniciamos a jornada, uma jornada sentimental, seguin- c trabalhar com resignação.
do as regras estabelecidas. Os cavalos pisavam tão macio, d trabalhar com prazer.
tão macio que parecia estarem calçados de sapatilhas. A e trabalhar com revolta.
rigor não pisavam. Faziam cafuné com as patas delicadas
ao longo do caminho. Texto para a questão 7.
Raymundo Farias de Oliveira. “Na madrugada do silêncio”.
Linguagem Viva, no 142. São Paulo, jun. 2001. p. 2. A língua é a nacionalidade do pensamento como a
pátria é a nacionalidade do povo. Da mesma forma que
O confronto das frases “Os cavalos pisavam” e “A rigor instituições justas e racionais revelam um povo grande e
não pisavam” concretiza: livre, uma língua pura, nobre e rica, anuncia a raça inte-
a um desmentido. ligente e ilustrada.
b uma indecisão. Não é obrigando-a a estacionar que hão de manter
c uma ironia. e polir as qualidades que porventura ornem uma língua
d uma contradição. qualquer; mas sim fazendo que acompanhe o progresso
e um reforço. das ideias e se molde às novas tendências do espírito, sem
contudo perverter a sua índole e abastardar-se.
Textos para a questão 6. José de Alencar. “Pós-Escrito”. Diva. Rio de Janeiro: Aguilar, 1965.

Os trechos a seguir foram extraídos de diferentes ca-


pítulos da obra São Bernardo, de Graciliano Ramos. 7 Fuvest Escreva nos parênteses (V) se for verdadeiro
ou (F) se for falso.
Resolvi estabelecer-me aqui na minha terra, município
Em ...raça inteligente e ilustrada e ...perverter a sua
de Viçosa, Alagoas, e logo planejei adquirir a propriedade
S. Bernardo, onde trabalhei, no eito, com salário de cinco índole e abastardar-se., os termos em destaque po-
tostões. dem significar, respectivamente:
Graciliano Ramos. São Bernardo. Capítulo 4. JJque tem gravuras ou ilustrações/desvirtuar/abas-
tecer-se.
Amanheci um dia pensando em casar. Foi uma ideia
que me veio sem que nenhum rabo de saia a provocasse.
JJinstruída/corromper/degenerar-se.
Não me ocupo com amores, devem ter notado, e sempre me JJdigna de louvor/transtornar/prover do necessário.
pareceu que mulher é um bicho esquisito, difícil de governar. JJdistinta/complicar/fazer perder a genuinidade.
Graciliano Ramos. São Bernardo. Capítulo 11. JJnobre/estabelecer/corromper-se.
FRENTE ÚNICA

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Texto para a questão 8. cujo desenvolvimento neuronal acaba sendo moldado
preguiçosamente.
A diferença entre conservadores Responda sem pensar: qual era a manchete do jornal
e liberais está aqui de ontem? Você lembra o nome da novela que antecedeu
o Clone? E quem era o técnico da Seleção Brasileira na
Copa do Mundo de 1994? Não ter uma resposta imediata
para essas perguntas não deve ser causa de preocupação
para ninguém, mas exemplifica bem o problema constata-
do pela fonoaudióloga paulista Ana Maria Maaz Alvarez,
que há mais de 20 anos estuda a relação entre audição
e recordação.
A pedido de duas empresas, ela realizou uma pesquisa
para saber o que estava ocorrendo com os funcionários
que reclamavam com frequência de lapsos de memória.
Cientistas acreditam ter descoberto que a diferença Foram entrevistados 71 homens e mulheres, com idade
entre conservadores e liberais não é apenas filosófica, mas de 18 e 42 anos. A maioria dos esquecimentos era de
física. O psicólogo americano David Amondio da Univer- natureza auditiva, como nomes que acabavam de ser ou-
sidade de New York, descobriu que o cérebro de liberais e vidos ou assuntos discutidos. (Por falar nisso, responda
conservadores funciona de maneira diferente até quando sem olhar no parágrafo anterior: você lembra o nome da
eles precisam decidir sobre questões rotineiras, como mudar pesquisadora citada?).
o trajeto do trabalho para casa. Nos testes com voluntários, Ana Maria descobriu que os lapsos de memória
o pesquisador constatou que a área do cérebro responsá- resultavam basicamente do excesso de informação em
vel pelo monitoramento de conflitos (o córtex cingulado consequência do tipo de trabalho que essas pessoas exer-
anterior) é mais ativa nas pessoas que se dizem liberais. ciam nas empresas, e do pouco tempo que dispunham
"Os liberais são mais sensíveis em situações que precisam para processá-las, somados à angústia de querer saber mais
reagir rapidamente, de maneira inesperada" disse Amodio e ao excesso de atribuições. "Elas não se detinham no que
a ÉPOCA. estava sendo dito (lido, ouvido ou visto) e, consequente-
Essa talvez seja a explicação biológica para a suposta mente, não conseguiam gravar os dados na memória",
flexibilidade dos liberais. afirma.
Marcela Buscato. Época. São Paulo: Globo, n. 487, set. 2007. p. 17. Fernanda Colavitti. Superinteressante, 2001.

8 UFG A referência espacial sugerida no título é recupe- 9 Uece Se antes precisávamos correr em busca de informa-
rada com base: ções de nosso interesse, hoje, úteis ou não, elas é que
a na posição enunciativa do leitor. nos assediam...
b nas informações não verbais. Na mensagem dessa frase, está implícito que
c no conteúdo do texto. a não buscamos mais as notícias.
d nas expressões indicadoras de lugar. b precisamos estar mais atentos à leitura de mundo.
e no espaço de circulação do texto. c somos perseguidos pelos meios de comunicação.
d ficamos plenamente satisfeitos com as informações
Texto para as questões 9 e 10. digitais.
A memória e o caos digital
10 Uece Está implícito no texto que:
A era digital trouxe inovações e facilidades para o a o HD (disco rígido) armazena dados como a memó-
homem que superou de longe o que a ficção previa até
ria humana.
pouco tempo atrás. Se antes precisávamos correr em busca
b a era digital permite à mente humana produzir infi-
de informações de nosso interesse, hoje, úteis ou não,
nitas informações.
elas é que nos assediam: resultados de loterias, dicas de
c na era digital a quantidade de informações dificulta
cursos, variações da moeda, ofertas de compras, notícias
de atentados, ganhadores de gincanas, etc. Por outro
a memorização.
lado, enquanto cresce a capacidade dos discos rígidos e d a velocidade das informações da era digital com-
a velocidade das informações, o desempenho da memó- promete a inteligência humana.
ria humana está ficando cada vez mais comprometido.
Cientistas são unânimes ao associar a rapidez das infor- 11 Leia o texto a seguir.
mações geradas pelo mundo digital com a restrição de
Analfabetismo
nosso "disco rígido" natural. Eles ressaltam, porém, que o
problema não está propriamente nas novas tecnologias, Conforme informação da Folha de S.Paulo, de
mas no uso exagerado delas, o que faz com que deixemos 26/05/2007, baseada em dados do IBGE, o analfabetis-
de lado atividades mais estimulantes, como a leitura, que mo no Brasil, no ano 2000 (12,1%), era maior do que o
envolvem diversas funções do cérebro. Os mais prejudi- existente nos Estados Unidos, em 1940 (2,9%). Mas até
cados por esse processo têm sido crianças e adolescentes, que caminhamos bastante. Em 1940, o analfabetismo

26 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 1 Aspectos do texto – nível fundamental

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brasileiro atingia 56,8% da população. Isso quer dizer, O humor é construído a partir:
mais ou menos que, de cada dois amigos de nossos pais, a de uma ambiguidade em torno da palavra “caroço”.
um era analfabeto. Quase com certeza, também, o alfabe- b de um implícito que foi desprezado pelo garoto.
tizado só lia o Almanaque Biotônico Fontoura! c de um duplo sentido a palavra pêssego (a fruta ou
Benedito Machado. Disponível em: <http://beneditomachado.zip.net/ o caroço).
arch2007-05-01_2007-05-31.html>.
d de uma inversão de termos da oração, que produz
Em que passagem do texto a enunciação deixa im- efeito de sentido.
plícita a ideia de que em 1940 o analfabetismo, na e de sanção positiva da professora em relação ao
prática, atingia um patamar bem superior aos 56,8% garoto.
da população? Explique o porquê.
Texto para as questões 14 e 15.
12 Leia o texto a seguir. Nosso pensamento, como toda entidade viva, nasce
Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os para se vestir de fronteiras. Essa invenção é uma espécie
olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais de vício de arquitetura, pois não há infinito sem linha do
fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física horizonte. A verdade é que a vida tem fome de fronteiras.
óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de 5 Porque essas fronteiras da natureza não servem apenas para
fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo fechar. Todas as membranas orgânicas são entidades vivas e
na visão que não pertence à física. permeáveis. São fronteiras feitas para, ao mesmo tempo, deli-
William Blake* sabia disso e afirmou: “A árvore que mitar e negociar: o “dentro” e o “fora” trocam-se por turnos.
Um dos casos mais notáveis na construção de frontei-
o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê”. Sei disso
10 ras acontece no mundo das aves. É o caso do nosso tucano,
por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos,
o tucano africano, que fabrica o ninho a partir do oco de
sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está
uma árvore. Nesse vão, a fêmea se empareda literalmente,
uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto
erguendo, ela e o macho, um tapume de barro. Essa pare-
da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia
de tem apenas um pequeno orifício, ele é a única janela
à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito
15 aberta sobre o mundo. Naquele cárcere escuro, a fêmea
trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a be- arranca as próprias penas para preparar o ninho das futuras
leza. Só viam o lixo. crias. Se quisesse desistir da empreitada, ela morreria, sem
Adélia Prado disse: “Deus de vez em quando me possibilidade de voar. Mesmo neste caso de consentida
tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra”. clausura, a divisória foi inventada para ser negada.
Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra 20 Mas o que aqueles pássaros construíram não foi uma
que ele viu virou poema. parede: foi um buraco. Erguemos paredes inteiras como se
Rubem Alves. “A complicada arte de ver”. Folha de S.Paulo, 26 out. 2004. fôssemos tucanos cegos. De um e do outro lado há sempre
algo que morre, truncado do seu lado gêmeo. Aprendemos
*William Blake (1757-1827) foi poeta romântico, pintor e a demarcarmo-nos do Outro e do Estranho como se fossem
gravador inglês. Autor dos livros de poemas Song of 25 ameaças à nossa integridade. Temos medo da mudança,
Innocence e Gates of Paradise. medo da desordem, medo da complexidade. Precisamos
de modelos para entender o universo (que é, afinal, um
A palavra “epifania”, presente no segundo parágrafo, pluriverso ou um multiverso), que foi construído em per-
tem, no contexto em que é empregada, o sentido de: manente mudança, no meio do caos e do imprevisível.
a unificação. 30 A própria palavra “fronteira” nasceu como um con-
b manifestação. ceito militar, era o modo como se designava a frente de
c espera. batalha. Nesse mesmo berço aconteceu um fato curioso:
d milagre. um oficial do exército francês inventou um código de gra-
e ventura. vação de mensagens em alto-relevo. Esse código servia
35 para que, nas noites de combate, os soldados pudessem
se comunicar em silêncio e no escuro. Foi a partir desse
13 Leia o texto.
código que se inventou o sistema de leitura Braille. No
Uma sala de aula em Portugal: mesmo lugar em que nasceu a palavra “fronteira” sucedeu
– Manuel, quem tem um e tira um, quanto fica? um episódio que negava o sentido limitador da palavra.
– Não sei, professora... 40 A fronteira concebida como vedação estanque tem a
– Quem tem dois e tira um! Quanto fica? ver com o modo como pensamos e vivemos a nossa pró-
– Não sei, professora... pria identidade. Somos um pouco como a tucana que se
– Manuelzinho – disse ela, tentando ser paciente –, eu despluma dentro do escuro: temos a ilusão de que a nossa
vou tentar explicar como se faz subtração pela centésima proteção vem da espessura da parede. Mas seriam as asas
vez...Por exemplo, imagine que eu tenho um pêssego aqui 45 e a capacidade de voar que nos devolveriam a segurança
FRENTE ÚNICA

em cima da mesa. Se eu como o pêssego, o que é que fica? de ter o mundo inteiro como a nossa casa.
– O caroço, professora! MIA COUTO. Adaptado de fronteiras.com, 10/08/2014.

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14 Uerj 2017 Precisamos de modelos para entender o uni- d imersa num drama existencial de identidade e de
verso (que é, afinal, um pluriverso ou um multiverso), origem.
(l. 26-28) e imobilizada pela escassez e pela opressão do am-
Nesse trecho, o conteúdo entre parênteses propõe biente.
uma reformulação da palavra universo, em função da
argumentação feita pelo autor. Essa reformulação ex- Texto para a questão 17.
plora o seguinte recurso:
A ciência do Homem-Aranha
a contraste de morfemas de sentidos distintos
b citação de neologismos de valor polissêmico Muitos dos superpoderes do querido Homem-Ara-
c comparação de conceitos relacionados ao tema nha de fato se assemelham às habilidades biológicas das
d enumeração de sinônimos possíveis no contexto aranhas e são objeto de estudo para produção de novos
materiais. O “sentido-aranha” adquirido por Peter Parker
funciona quase como um sexto sentido, uma espécie de
15 Uerj 2017 No penúltimo parágrafo, a menção ao surgi-
habilidade premonitória e, por isso, soa como um mero
mento do sistema de leitura Braille serve de exemplo
elemento ficcional. No entanto, as aranhas realmente têm
à argumentação do autor. Esse exemplo, no contexto, um sentido mais aguçado. Na verdade, elas têm um dos
assume o seguinte objetivo: sistemas sensoriais mais impressionantes da natureza.
a rever o caráter restritivo das experiências pessoais Os pelos sensoriais das aranhas, que estão espalhados
b contradizer os usos correntes da linguagem técnica por todo o corpo, funcionam como uma forma muito boa
c ressaltar a fragilidade humana nos contextos de de perceber o mundo e captar informações do ambiente.
guerra Em muitas espécies, esse tato por meio dos pelos tem
d demonstrar apropriação nova no emprego de uma papel mais importante que a própria visão, uma vez que
ideia muitas aranhas conseguem prender e atacar suas presas
na completa escuridão. E por que os pelos humanos não
Texto para a questão 16. são tão eficientes como órgãos sensoriais como os das
aranhas? Primeiro, porque um ser humano tem em média
Somente uns tufos secos de capim empedrados cres- 60 fios de pelo em cada cm² do corpo, enquanto algumas
cem na silenciosa baixada que se perde de vista. Somente espécies de aranha podem chegar a ter 40 mil pelos por
uma árvore, grande e esgalhada, mas com pouquíssimas cm²; segundo, porque cada pelo das aranhas possui até
folhas, abre-se em farrapos de sombra. Único ser nas cer- 3 nervos para fazer a comunicação entre a sensação per-
canias, a mulher é magra, ossuda, seu rosto está lanhado cebida e o cérebro, enquanto nós, seres humanos, temos
de vento. Não se vê o cabelo, coberto por um pano de- apenas 1 nervo por pelo.
sidratado. Mas seus olhos, a boca, a pele ― tudo é de Disponível em: http://cienciahoje.org.br. Acesso em: 11 dez. 2018 (adaptado).
uma aridez sufocante. Ela está de pé. A seu lado está uma
pedra. O sol explode.
17 Enem 2019 Como estratégia de progressão do texto,
Ela estava de pé no fim do mundo. Como se andasse
o autor simula uma interlocução com o público leitor
para aquela baixada largando para trás suas noções de si
mesma. Não tem retratos na memória. Desapossada e des-
ao recorrer à
pojada, não se abate em autoacusações e remorsos. Vive. a revelação do “sentido-aranha” adquirido pelo su-
Sua sombra somente é que lhe faz companhia. Sua per-herói como um sexto sentido.
sombra, que se derrama em traços grossos na areia, é que b caracterização do afeto do público pelo super-he-
adoça como um gesto a claridade esquelética. A mulher rói marcado pela palavra “querido”.
esvaziada emudece, se dessangra, se cristaliza, se mine- c comparação entre os poderes do super-herói e as
raliza. Já é quase de pedra como a pedra a seu lado. Mas habilidades biológicas das aranhas.
os traços de sua sombra caminham e, tornando-se mais d pergunta retórica na introdução das causas da efi-
longos e finos, esticam-se para os farrapos de sombra da ciência do sistema sensorial das aranhas.
ossatura da árvore, com os quais se enlaçam. e comprovação das diferenças entre a constituição
FRÓES, L. Vertigens: obra reunida. Rio de janeiro: Rocco, 1998. física do homem e da aranha por meio de dados
numéricos.
16 Enem 2018 Na apresentação da paisagem e da per-
Texto para a questão 18.
sonagem, o narrador estabelece uma correlação de
sentidos em que esses elementos se entrelaçam. O assinalado
Nesse processo, a condição humana configura-se
Tu és o louco da imortal loucura,
a amalgamada pelo processo comum de desertifica- o louco da loucura mais suprema.
ção e de solidão. A terra é sempre a tua negra algema,
b fortalecida pela adversidade extensiva à terra e prende-te nela a extrema Desventura.
aos seres vivos. Mas essa mesma algema de amargura,
c redimensionada pela intensidade da luz e da exu- mas essa mesma Desventura extrema
berância local. faz que tu'alma suplicando gema

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e rebente em estrelas de ternura. 20 PUC-PR Leia o poema “Irene no Céu”, de Manuel Ban-
Tu és Poeta, o grande Assinalado deira, e as afirmativas sobre ele, para depois assinalar a
que povoas o mundo despovoado, alternativa correta.
de belezas eternas, pouco a pouco.
Na Natureza prodigiosa e rica Irene no céu
toda a audácia dos nervos justifica Irene preta
os teus espasmos imortais de louco! Irene boa
Cruz e Sousa. Poesia completa. Florianópolis: Fundação Catarinense de Irene sempre de bom humor.
Cultura, 1981. p. 135.

Imagino Irene entrando no céu:


18 UFRJ Apresente, com suas próprias palavras, o significa- – Licença, meu branco!
do de loucura depreendido a partir da leitura do texto. E São Pedro bonachão:
– Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
Texto para a questão 19. Manuel Bandeira. Meus Poemas Preferidos.
Baixaria sobre o aquecimento global I. O poema aborda a questão do racismo, que este-
Longe de ser opção apenas econômica, é eminente- ve em discussão no início do século XIX.
mente ética a necessidade de drástico direcionamento das II. O poema é religioso, como confirma a referência a
atividades de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) para São Pedro.
o que tem sido chamado de "energias alternativas". É pura III. A linguagem coloquial é uma característica do poeta
irresponsabilidade etiquetar de desperdício o atual gasto e do Modernismo brasileiro.
mundial nessa área. Ao contrário, os baixíssimos investi- IV. A figura de Irene nos remete à imagem das ex-es-
mentos em CT&I para a superação da era dos fósseis só cravas, constantes na literatura do início do século
atestam o atraso e a miopia das elites dirigentes. XX.
Mesmo os mais recalcitrantes "céticos", que insistem V. O poema nos remete à morte de Irene, figura que-
em negar o aquecimento global ou que ele seja provocado rida pelo eu lírico.
por atividades humanas, deveriam apoiar investimentos na a As afirmações I, II e III estão corretas.
busca de novas fontes energéticas.
b As afirmações II, III e IV estão corretas.
Por isso, chega a ser escandalosa a desonestidade
c As afirmações III, IV e V estão corretas.
intelectual dos que repetem como papagaios que já te-
d Somente a I e a V estão corretas.
riam sido gastos US$ 50 bilhões em tentativas de provar
e Nenhuma afirmativa está correta.
a influência climática das emissões antrópicas de CO2.
Quem criou a lenda dos US$ 50 bilhões foi o pa-
leontólogo australiano Robert M. Carter, porque é Texto para a questão 21.
contra os esforços em CT&I focados na procura de A invasão do politicamente correto
usos mais diretos da energia solar. Prefere que se con-
tinue a esbanjar recursos fósseis e não lamenta os Qual a melhor maneira de se dirigir aos negros,
US$ 3 trilhões já queimados na Guerra do Iraque. homossexuais e idosos? Como não ofendê-los? Quais pa-
Na contramão desse tipo de baixaria, está despon- lavras usar e quais repudiar? Há dez anos, perguntas como
tando aquilo que o jornalista Thomas L. Friedman havia essas dificilmente povoariam a mente dos brasileiros. Hoje,
apelidado de "Green new deal" e agora chama de "revo- dúvidas assim são comuns. Essa mudança de comporta-
lução verde". mento, que reflete diretamente em nossa maneira de falar,
José Eli da Veiga e Petterson Vale. Folha de S.Paulo, 25 set. 2008.
deve-se ao Movimento do Politicamente Correto. Nasci-
do na militância política pelos direitos civis, nos Estados
19 PUC-SP Com base no contexto proposto pelo autor, Unidos, na década de 70, ele ganhou força nas universi-
indique qual alternativa se refere ao significado de dades americanas nos anos 80 e desembarcou no Brasil
pouco mais de dez anos depois. Prega que alguns termos
“baixaria”.
sejam banidos do vocabulário para evitar manifestações
a Atribuição de culpa às energias alternativas pelo
preconceituosas de gênero, idade, raça, orientação sexual,
aquecimento global e pelos equívocos com que
condição física e social. A mania vem sendo incorporada
vem sendo trabalhada a ética da revolução verde.
pela sociedade, mas ferve o sangue de intelectuais, escri-
b Acusação à revolução verde como a responsável tores e músicos cuja ferramenta de trabalho é justamente
pelo aquecimento global e pelos equívocos com a palavra. O professor de linguística da Pontifícia Univer-
que vem sendo tratada a revolução verde. sidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Bruno Dallare,
c Crítica e reprovação aos equívocos e à falta de éti- considera o PC (como é chamado o movimento) autori-
ca com que vêm sendo tratadas questões sobre o tário, arbitrário e cerceador. "Ele provoca efeito contrário
aquecimento global. ao que defende", diz. "Ao seguir regras, a pessoa perde a
FRENTE ÚNICA

d Denúncia do escândalo das fontes energéticas e à naturalidade e se distancia do interlocutor." Além disso,
baixaria de Thomas F. Friedman. os termos, em alguns casos, transcendem o bom senso. As
e Crítica à baixaria de Thomas L. Friedman e ao ape- expressões "terceira idade" e "melhor idade", criadas por
lido dado por ele. técnicos da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), para

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nomear programas de viagem destinados aos idosos, têm c sugere que o movimento politicamente correto
como objetivo mascarar a velhice. Trata-se de uma jogada mascara a realidade e torna a linguagem artificial.
de marketing – o termo, mais positivo que velho, ajudaria d contesta a ideia de que o emprego de expressões
a atrair este público. Agora, já há profissionais do setor de eufemísticas, como "melhor idade", tem, na verda-
turismo utilizando a expressão "suave idade", como se esta de, propósito comercial.
realmente fosse a fase mais suave da vida. e corrobora as ideias dos educadores que alteraram
"Não entendo por que 'velho' é politicamente incorre- letras de tradicionais canções infantis que propa-
to", diz o escritor Rubem Alves, do alto de seus 77 anos. "Já
gam a intolerância.
imaginaram se Ernest Hemingway tivesse dado ao seu livro
o nome de O idoso e o mar (o nome é O velho e o mar)?",
Texto para as questões 22 e 23.
questiona. O Ministério do Turismo cunhou "melhor idade"
depois que a expressão "terceira idade" foi registrada e
eles perderam o direito de utilizá-la. "Não acho o termo
bom, mas foi o melhor que encontramos", diz Maria Flor,
do Ministério do Turismo.
As expressões difundidas pelos politicamente corretos
estão presentes, principalmente, na militância gay e no
movimento negro. A Associação Brasileira de Gays, Lésbi-
cas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) editou uma
cartilha para educadores e outra para comunicadores, em
que sugere quais palavras devem ser usadas. Exemplo disso
é a troca de "homossexualismo" por "homossexualidade".
O argumento é forte. Em 1996, a Organização Mundial
da Saúde (OMS) retirou o homossexualismo da lista de
doenças. Por isso, o sufixo "ismo" (que remete a doenças) Glauco/Folhapress. Folha de S.Paulo, 30 maio 2008.
não teria mais sentido. O movimento negro afirma que eles
não querem ser chamados de "neguinho" e "preto". Prefe- 22 Fuvest O pressuposto da frase escrita no cartaz que
rem afrodescendentes – uma tradução, um pouco torta, do compõe a charge é o de que a Amazônia está amea-
termo usado nos Estados Unidos pelos PCs, afro-americans. çada de:
Grande parte da linguagem politicamente correta brasileira é a fragmentação.
inspirada na americana. Mas ela também nasce aqui. "Muitos b estatização.
termos e expressões são criados, mas somente alguns são acei-
c descentralização.
tos pela mídia e passados para a frente", diz Dallare.
d internacionalização.
Até mesmo as escolas de ensino infantil são berço des-
e partidarização.
sas manifestações. Há dez anos educadores alteram a letra
de canções de roda consagradas. Clássicos como "Atirei o
pau no gato", "O cravo e a rosa" e "Boi da cara preta" foram 23 Fuvest A crítica contida na charge visa, principalmente,
considerados inadequados. O primeiro, por exemplo, é ao:
tido como agressivo e "pouco amigo" dos animais. Os a ato de reivindicar a posse de um bem, o qual, no
outros dois são tachados, respectivamente, de "desumano" entanto, já pertence ao Brasil.
e "racista". Segundo Claudia Razuk, coordenadora de uma b desejo obsessivo de conservação da natureza bra-
das unidades do Colégio Itatiaia, em São Paulo, o objetivo sileira.
é, desde cedo, ensinar à criança a maneira correta de agir. c lançamento da campanha de preservação da flo-
"A escola existe para isso", afirma. Recentemente, a própria resta amazônica.
educadora mudou a letra de uma canção, que considerava d uso de slogan semelhante ao da campanha “O pe-
pessimista, para uma versão mais cor-de-rosa. tróleo é nosso”.
Em 2005, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, e descompasso entre a reivindicação de posse e o
do governo federal, editou a Cartilha do Politicamente Cor- tratamento dado à floresta.
reto. E foi bombardeada de críticas ― acusada de cercear
a liberdade de expressão e criticada por seus "exageros". Texto para a questão 24.
Termos como "peão", "comunista" e "funcionário público"
eram desaconselhados. A obra foi engavetada, mas deixou Procon notifica Brahma e Skol por publicidade
uma lição. Com o uso de palavras politicamente corretas abusiva e lança campanha
ou não, o fundamental é ter bom senso.
O Procon-SP anunciou hoje que notificou a cervejaria
Claudia Jordão. IstoÉ, 5 set. 2008.
AmBev por considerar abusivas propagandas da Skol e
da Brahma.
21 Ibmec-SP Segundo o texto, é correto afirmar que o autor: A notificação à Skol deve-se ao filme "Musa", criado
a defende que cabe à escola minimizar os preconcei- pela agência F/Nazca e veiculado em emissoras de todo o
tos, ensinando a linguagem politicamente correta. país. No comercial, a atriz Bárbara Borges é apresentada
b considera que a linguagem politicamente correta como a musa do verão. De biquíni, ela é clonada e depois
enfraquece a luta contra o racismo e o preconceito. entregue para diversos homens.

30 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 1 Aspectos do texto – nível fundamental

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Para o Procon, a publicidade da Skol coloca a mulher como um "objeto de consumo", o que a [sic] caracteriza como
"publicidade abusiva", infringindo o Código de Defesa do Consumidor.
Já a propaganda da Brahma mostra um torcedor que atravessa para o lado da torcida adversária no estádio para comprar
cerveja. Ele consegue chegar ao vendedor da Brahma e depois volta a seu lugar com as latas, que distribui aos amigos.
O Procon considera a propaganda abusiva porque a lei 9.470/96 proíbe a venda de cerveja nos estádios do Estado de
São Paulo.
A diretora de Fiscalização do Procon-SP, Joung Won Kim, afirmou que o comercial induz o consumidor a acreditar que
é permitido comprar cerveja no estádio. Ela afirma que, quando a pessoa descobre que isso é proibido, acha que está sendo
privada de um direito indevidamente.
Nos dois casos, a AmBev foi notificada sobre a abertura do processo administrativo, que pode levar a uma multa. Mesmo
nesse caso, a empresa pode recorrer à Justiça.
Procurada, a assessoria de imprensa da AmBev informou que não vai comentar o assunto.
O Procon também informou que encerrou a análise de processo administrativo contra a Unilever, em que considerou
discriminatória e abusiva a publicidade da maionese Hellman's. Agora será aberto procedimento de multa, que pode variar
de R$ 212,81 a R$ 3,192 milhões.
A publicidade retrata um grupo tribal de origem africana, cujos homens são negros e tratados como canibais, e a caça
é representada por um homem branco.
Para o Procon, que recebeu reclamações de consumidores, a propaganda de um produto que é utilizado por crianças,
cidadãos que têm menor capacidade de discernimento, não pode contribuir para alimentar a segregação racial.
A diretora executiva do Procon-SP, Eunice Prudente, disse que "não se devem tolerar, em hipótese alguma, publicidades
que ferem os direitos dos afrodescendentes".
Procurada, a Unilever afirmou que não foi notificada pelo Procon oficialmente e que “só se pronunciará caso o fato
venha a ocorrer”.
No próximo dia 21 de março, dia Mundial de Luta contra o Racismo, o Procon-SP inicia um processo de mobilização
para fins de ações legais que visam coibir a prática de propaganda discriminatória.
O objetivo é a redação de um documento para ser encaminhado a autoridades de governos e da Justiça e demonstrar
que a sociedade não aceita práticas discriminatórias na mídia.
Folha online. 17 mar. 2008.

24 UFPel Considerado o contexto, a expressão que está corretamente traduzida é:


a “... anunciou hoje que notificou...” (1º parágrafo) – comentou que mandou uma nota.
b “... a publicidade da Skol coloca a mulher” (3º parágrafo) – a propaganda da cerveja advoga a atriz Bárbara Borges...
c “... induz o consumidor a acreditar...” (6º parágrafo) – impede que o consumidor acredite.
d “... publicidades que ferem os direitos dos afrodescendentes” (penúltimo parágrafo) – propaganda discriminatória.
e “... um produto que é utilizado por crianças...” (11º parágrafo) – crianças consomem cerveja.

25 Unicamp Leia a charge a seguir.


Fernando Gonsales

Fernando Gonsales. “Níquel Náusea”. Folha de S.Paulo online. Disponível em: <www.uol.com.br/niquel>.

a) No primeiro quadrinho, a menção a “palavrões” constrói uma expectativa que é quebrada no segundo quadrinho.
Mostre como ela é produzida, apontando uma expressão relacionada a “palavrões”, presente no primeiro quadri-
nho, que ajuda na construção dessa expectativa.
b) No segundo quadrinho, o cômico se constrói justamente pela quebra da expectativa produzida no quadrinho
FRENTE ÚNICA

anterior. Entretanto, embora a relação pressuposta no primeiro quadrinho se mantenha, ela passa a ser entendida
num outro sentido, o que produz o riso. Explique o que se mantém e o que é alterado no segundo quadrinho em
termos de pressupostos e relações entre as palavras.

31

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Textos para a questão 26. Noto, porém, que no arraial dessa gente que lida
com o destino, reina a discórdia, tal e qual no campo de
Hoje fizeram o enterro de Bela. Todos na Chácara se
10 Agramante.
convenceram de que ela estava morta, menos eu. Se eu A política, que sempre foi a inspiradora de azedas
pudesse não deixaria enterrá-la ainda. Disse isso mesmo polêmicas, deixou um instante de sê-lo e passou a vara
a vovó, mas ela disse que não se pode fazer assim. Bela à cartomancia.
estava igualzinha à que ela era no dia em que chegou da Duas senhoras, ambas ultravidentes, extralúcidas e
Formação, só um pouquinho mais magra. 15 não sei que mais, aborreceram-se e anda uma delas a dizer
Todos dizem que o sofrimento da morte é a luta da da outra cobras e lagartos.
alma para se largar do corpo. Eu perguntei a vovó: “Como Como se pode compreender que duas sacerdotisas
é que a alma dela saiu sem o menor sofrimento, sem ela do invisível não se entendam e deem ao público esse
fazer uma caretinha que fosse?”. Vovó disse que tudo isso espetáculo de brigas tão pouco próprio a quem recebeu
é mistério, que nunca a gente pode saber essas coisas com 20 dos altos poderes celestiais virtudes excepcionais?
certeza. Uns sofrem muito quando a alma se despega do A posse de tais virtudes devia dar-lhes uma mansuetude,
corpo, outros morrem de repente sem sofrer. uma tolerância, um abandono dos interesses terrestres, de
Helena Morley, Minha Vida de Menina. forma a impedir que o azedume fosse logo abafado nas suas
almas extraordinárias e não rebentasse em disputas quase
Perguntas 25 sangrentas.
Uma cisão, uma cisma nessa velha religião de
Numa incerta hora fria
adivinhar o futuro, é fato por demais grave e pode ter
perguntei ao fantasma
consequências desastrosas.
que força nos prendia,
Suponham que F. tenta saber da cartomante X se coisa
ele a mim, que presumo
30 essencial à sua vida vai dar-se e a cartomante, que é dissi-
estar livre de tudo
dente da ortodoxia, por pirraça diz que não.
eu a ele, gasoso,
O pobre homem aborrece-se, vai para casa de mau
(...)
humor e é capaz de suicidar-se.
No voo que desfere
O melhor, para o interesse dessa nossa pobre humani-
silente e melancólico, 35 dade, sempre necessitada de ilusões, venham de onde vier,
rumo da eternidade, é que as nossas cartomantes vivam em paz e se entendam
ele apenas responde para nos ditar bons horóscopos.
(se acaso é responder (BARRETO, Lima. Vida urbana: artigos e crônicas. 2ª ed. São Paulo:
a mistérios, somar-lhes Brasiliense, 1961.)
um mistério mais alto):
Amar, depois de perder. 27 Uece 2018 A referenciação textual pode ser definida
Carlos Drummond de Andrade, Claro Enigma. como a retomada de termos e ideias que garantem a
coesão e a progressão de sentido do texto por meio
26 Fuvest 2020 As perguntas da menina e do poeta ver- de elementos linguísticos. Um exemplo desse proce-
sam sobre a morte. É correto afirmar que dimento, ao longo da crônica de Lima Barreto, se dá
a ambos guardam uma dimensão transcendente e com o uso do termo “cartomantes”, que é retomado
católica, de origem mineira. por alguns referentes textuais, estabelecendo dife-
b ambos ouvem respostas que lhes esclarecem em rentes sentidos com estes referentes. Atente ao que
definitivo as dúvidas existenciais. se diz a seguir a respeito disso:
c a menina mostra curiosidade acerca da morte I. Ao substituir “cartomantes” pelo termo “pitonisas”
como episódio e o poeta especula o sentido filo- (linha 3), o autor pretende mostrar que o trabalho
sófico da morte. da cartomancia tem uma longa tradição histórica.
d a menina está inquieta por conhecer o destino das II. Ao afirmar, no terceiro parágrafo, que não tem
almas, enquanto o poeta critica o ceticismo. “nenhuma ojeriza pelas adivinhas” (linhas 4-5), o
e as duas respostas reforçam os mistérios da vida ao autor recupera cartomantes pelo termo adivinhas,
acolherem crenças populares. justificando que a prática de adivinhar o futuro
cumpre sua função útil e necessária no cotidiano
Texto para a questão 27. das pessoas, que é a função de iludir.
III. Ao se referir às “cartomantes” pela expressão
Não se zanguem “dessa gente que lida com o destino” (linhas 8-9),
A cartomancia entrou decididamente na vida nacional. o autor se apresenta numa relação afetuosa de
Os anúncios dos jornais todos os dias proclamam aos muita proximidade com as cartomantes.
quatro ventos as virtudes miríficas das pitonisas. IV. Ao empregar o referente “duas sacerdotisas do
Não tenho absolutamente nenhuma ojeriza pelas adi- invisível” (linhas 17-18) para fazer alusão às “duas
5 vinhas; acho até que são bastante úteis, pois mantêm e senhoras” (cartomantes) (linha 14), o autor procura
sustentam no nosso espírito essa coisa que é mais neces- salientar, ironicamente, a dimensão religiosa do
sária à nossa vida que o próprio pão: a ilusão. ofício profético da cartomancia.

32 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 1 Aspectos do texto – nível fundamental

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Está correto o que se afirma em Pelo muito que te tenho perdido enquanto durmo
a I, II, III e IV. Vem agora,
b I, III e IV somente. no bico dos pés
c I, II e IV somente. para que eles não te sintam lá dentro,
d II, e III somente. brincar comigo aos presos no segredo
quando se abre a porta de ferro e a luz diz:
Bons dias, amigo.
28 Fuvest 2020 Examine a capa da revista Superinteres-
sante, publicada em julho de 2019. Nota: brincar aos presos no segredo quer dizer “brin-
car de presos no segredo”; e presos no segredo, por
sua vez, é uma expressão que significa também “pre-
sos incomunicáveis”.
a) O remetente e o destinatário dessa “Carta da
infância” encontram-se em espaços diferentes
e opostos. Como você interpreta essa oposição
espacial e quais dos cinco sentidos humanos a
traduzem?
b) A partir da oposição entre aqui e lá fora, que ou-
tras oposições se estabelecem no poema?
c) Como os versos finais do poema sugerem uma
resolução para tais oposições?

Texto para as questões de 30 a 32.


O ato de transportar para o papel o trabalho feito no
computador é para todo usuário uma atividade que produz
certo grau de ansiedade, seja esse trabalho um comple-
xo e dispendioso projeto mecânico ou de arquitetura, ou
simplesmente uma carta comercial. Por mais que no com-
putador tudo possa parecer em ordem, até que a cópia
impressa o comprove, o usuário não se sentirá seguro da
informação que foi gerada. Além disso, os sistemas de
impressão costumam apresentar sempre algum imprevisto.
Essa necessidade de o usuário ver e sentir materialmente
o resultado de seu trabalho criou um paradoxo no mundo
da informática.
a) Indique o duplo sentido presente na manchete
Com a popularização dos computadores e da tecnologia
de capa da revista, explicitando os elementos lin- de transmissão de informações, muitas empresas já entregam
guísticos utilizados. seus trabalhos sobre algum tipo de suporte digital, desde
b) Explique como a imagem e o texto se combinam disquetes até CDs-ROM. Para aqueles que trabalham a dis-
na construção do sentido. tância, o uso da lnternet se transformou em uma ferramenta
de comunicação fundamental. Na América Latina, já existem
29 Unicamp O poema a seguir é de Carlos de Oliveira, reco- escritórios de arquitetura que se comunicam pela Net com
nhecidamente um dos maiores escritores portugueses seus clientes de locais tão distantes como o Japão. Essas novas
contemporâneos. Como fica patente pelo título e por tecnologias não só reduzem custos de papel, impressão e
certos recursos de linguagem do texto, trata-se de um correio, como também eliminam a necessidade de manipu-
poema em forma de carta, que imita o estilo infantil. lação física dos documentos.
O mesmo ocorre com as maquetes tradicionais, subs-
Carta da infância tituídas, aos poucos, por modelos de computadores em
Amigo Luar: três dimensões.
Estou fechado no quarto escuro Entretanto, apesar do desenvolvimento de tantas novas
e tenho chorado muito. tecnologias, nada indica que a impressão em papel tão
Quando choro lá fora cedo deixará de existir, particularmente no que se refere
ainda posso ver as lágrimas caírem na palma das aos usuários de sistemas CAD. Prova disso é que a tecno-
minhas mãos e brincar com elas ao orvalho logia de equipamentos de impressão (impressoras, plotters,
nas flores pela manhã. papéis especiais, tintas) se desenvolve com a mesma velo-
Mas aqui é tudo por demais escuro cidade que os meios eletrônicos. Hoje em dia, é possível
FRENTE ÚNICA

e eu nem sequer tenho duas estrelas nos meus olhos. encontrar no mercado equipamentos para as mais diver-
Lembro-me das noites em que me fazem deitar sas finalidades, desde o mais simples jato de tinta de U$
tão cedo e te oiço bater, chamar e bater, 300 até uma sofisticada plotter de tinta sólida com preço
na fresta da minha janela. em torno de U$ 100 mil. Mais ainda, as tecnologias de

33

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comunicação de dados estão se integrando às tecnologias tudo. Mas naquela penumbra se distraiu e pisou na arraia
de impressão, para permitir que documentos sejam produ- desenhada. Foi aquela ferroada! Compreendeu, então,
zidos e impressos em qualquer lugar do mundo. que podia fazer qualquer coisa:
– Sou Maíra – lembrou – sou o arroto de Deus-Pai.
30 UEL O paradoxo a que se refere o texto constitui-se: Ele, o ambir, agora tem nome: é Mairahú, meu pai. Meu
a no fato de trabalhos complexos provocarem a an- filho será Mairaíra. – Pegou então a conversar com o ir-
siedade do usuário do computador tanto quanto mão, Micura, sobre o que podiam fazer.
Maíra: – O mundo de Mairahú, meu pai, é feio e
um trabalho relativamente simples.
triste. Não é um mundo bom para a gente viver. Podemos
b no fato de os sistemas de impressão ainda não se-
melhorá-lo.
rem muito eficazes, apesar de as tecnologias de
Micura: – Não vá o Velho se ofender!
transmissão de informações estarem bastante de-
Maíra: – Pode ser. É melhor não fazer nada.
senvolvidas.
Micura: – Bobagem. Alguma coisinha podemos fazer.
c no fato de o usuário não se sentir seguro acerca do Maíra: – Vamos, então, tomar dos que têm, o que eles
que foi produzido no computador mesmo quando têm, para dar aos que não têm.
vê a informação impressa no papel. Micura saltou alegre: – Sim, vamos, primeiro o fogo.
d na existência de mecanismos altamente sofistica- Ando com frio e com muita vontade de comer um chur-
dos para a transmissão da informação ao lado da rasco.
manutenção do sistema de impressão em papel. O fogo era do Urubu-rei que mandava na aldeia gran-
e na existência de maquetes tradicionais ao lado de de das gentes urubus. Eles só comiam corós de carniça
modelos computadorizados em três dimensões. tostados no borralho. Não precisavam tanto do fogo. Usa-
vam mais era luz para ver bem a carniça e o calor para
31 UEL Ao usar a expressão “Mais ainda”, no último pará- esquentar o corpo nu quando se desvestiam das penas
grafo do texto, o autor: para brincar de gente.
a introduz uma ideia que vai além do já afirmado: a O jeito que os gêmeos encontraram para roubar o
tecnologia de equipamentos de impressão de- fogo foi matar um veado grande, muito grande, deixá-lo
pende do desenvolvimento das tecnologias de apodrecer para criar bastante bicho-coró e, então, mandar
levar uma moqueca de corós para o Urubu-rei e convidá-
transmissão de informações.
-lo para vir à comilança. Assim fizeram. Maíra desenhou
b apresenta um novo argumento para defender a
um cervo enorme, soprou para que vivesse e o matou ali
ideia de que a impressão em papel não é algo em
mesmo. Quando estava bem podre e bichado, manda-
extinção.
ram o passarinho que fala mais línguas, um papagaio,
c cita mais uma prova da variedade e dos reduzidos
maracanã, atrás do Urubu-rei. Eles ficaram escondidos
custos das modernas impressoras. debaixo da carniça para agarrar o reizão bicéfalo quando
d defende, entusiasticamente, apoiado num novo ele pousasse. Assim fizeram. Quando o Urubu-rei estava
dado, o uso de documentos impressos. bem preso, Maíra gritou:
e contesta, aduzindo mais um item, a necessidade – Calma, meu rei. Não tenha medo. Só quero o
de as novas tecnologias garantirem a produção e fogo pro meu povinho. Todos andam com frio. Só co-
impressão de documentos a longa distância. mem o cru.
Mas se armou a maior das confusões porque o Urubu-
32 UEL Por mais que no computador tudo possa parecer -rei começou a responder com as duas cabeças, falando
em ordem, o usuário costuma sentir certa insegurança. ao mesmo tempo, cada qual dizendo uma coisa. Maíra
Assinale a alternativa que, substituindo a locução con- não entendia nada. Aí uma cabeça do Urubu-rei virou-se
juntiva inicial do período, lhe altera o sentido. para a outra e as duas caíram numa discussão cerrada. O
a Embora. tempo ia passando sem que Maíra soubesse o que fazer.
b Apesar de que. Afinal, teve a ideia de mandar Micura agarrar o rei-fala-
c Mesmo que. dor. Levantou, então, suas duas mãos e fez de cada uma
delas uma cabeça de urubu com bico e tudo e passou,
d Se bem que.
assim, a conversar duro com as duas cabeças do reizão.
e A não ser que.
Só deste modo conseguiu que ele mandasse trazer o fogo,
mas o rei ainda quis enganar Maíra entregando fogos que
Textos para as questões de 33 a 43.
queimavam pouco e não davam luz. Felizmente ali estava
Micura experimentando tudo. Provava um e dizia:
Maíra
– Não, este não serve não; não é o fogo que preci-
Maíra só descobriu todo o seu poder, um dia, quan- samos. Não, este também não é o fogo que precisamos.
do brincava com Micura na praia. Cada um deles tinha, Não, este também não é o fogo de verdade. – Afinal,
levantada, uma mão cheia de vaga-lumes para alumiar, conseguiram o fogo verdadeiro e fizeram o trato.
mas a luzinha era muito pouca. Maíra desenhou, assim Maíra: – Vocês urubus vão comer carniça com fartura;
mesmo, ali na areia da praia, uma arraia com seu ferrão e o chefão de duas cabeças vai ficar com uma só, para não

34 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 1 Aspectos do texto – nível fundamental

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enganar mais ninguém, mas nesta vai usar esse diadema o porvir e nenhum sofrimento imprevisto me acontecerá.
vermelho e branco que eu lhe dou agora. Cumpre-me suportar com a maior resignação os decretos
Urubu-rei: – Fiquem com o fogo vocês, mairuns. Mas dos fados, sabendo inelutável a força do Destino. Contudo,
façam muita carniça pra nós. não posso calar nem deixar de calar minha desdita. Por ter
Darcy Ribeiro. Maíra. feito uma dádiva aos mortais, estou jungido a esta fatali-
dade, pobre de mim! Sou quem roubou, caçada no oco
Prometeu acorrentado duma cana, a fonte do fogo, que se revelou para a Huma-
nidade mestra de todas as artes e tesouro inestimável. Esse
Ésquilo
o pecado que resgato pregado nestas cadeias ao relento.
(A cena é o pico duma montanha deserta. Chegam Teatro grego. Seleção, introdução, notas e trad. direta do grego por
Poder e Vigor, que trazem preso Prometeu; segue-os, co- Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 1964.
xeando, Hefesto, carregando correntes, cravos e malho.)
Poder. Eis-nos chegados a um solo longínquo da terra, 33 Vunesp Estabeleça, com base nas informações do tex-
caminho da Cítia, deserto ínvio. Hefesto, é mister, te de- to, qual o castigo que, por ordem de Zeus, está sendo
sincumbas das ordens enviadas por teu pai acorrentando aplicado a Prometeu por ter roubado o fogo para os
este celerado, com liames inquebráveis de cadeias de aço, homens.
aos rochedos de escarpas abruptas. Ele roubou uma flor
que era tua, o brilho do fogo, vital em todas as artes, e
34 Vunesp Determine, na hierarquia das entidades do frag-
deu-a de presente aos mortais; é preciso que pague aos
mento de Maíra, qual a divindade mais elevada.
deuses a pena desse crime, para aprender a acatar o po-
der real de Zeus e renunciar o mau vezo de querer bem
à Humanidade. 35 Vunesp Comprove, transcrevendo uma passagem do
Hefesto. Poder e Vigor, a incumbência de Zeus para fragmento, a origem divina de Maíra.
vós está terminada; nada mais vos embarga. Eu, porém,
não me animo a agrilhoar à força um deus meu parente 36 Vunesp Mencione uma das ações de Maíra que carac-
a um píncaro aberto às intempéries. Todavia, é imperioso terizam seu poder de divindade.
criar essa coragem; é grave negligenciar as ordens de meu
pai. [...]
37 Vunesp Explique o sentido que apresentam no texto as
Poder. Basta! Para que te atardares em lástimas per-
expressões “seres efêmeros” e “bem-aventurados”.
didas?
Por que não abominas o deus mais odioso aos deuses,
que entregou aos mortais um privilégio teu? 38 Vunesp Utilizando outras palavras e expressões, es-
Hefesto. O parentesco e a amizade são forças for- creva uma frase que traduza o significado da seguinte
midáveis. fala de Prometeu: Por ter feito uma dádiva aos mor-
Poder. Concordo, mas como se podem transgredir as tais, estou jungido a esta fatalidade.
ordens de teu pai? Isso não te infunde medo?
Hefesto. Tu és sempre cruel e audacioso. 39 Vunesp Aponte a diferença entre os objetivos de Maíra
Poder. Lamentos não curam os teus males; não te can- e Prometeu ao entregar o fogo aos homens.
ses à toa em lástimas ineficazes.
Hefesto. Oh! que ofício detestável!
40 Vunesp Identifique o sentimento comum de Maíra e de
[...] Hefesto. Podemos ir. Seus membros já estão amar-
Prometeu com relação aos homens.
rados.
Poder. (a Prometeu) Abusa, agora! Furta aos deuses
seus privilégios para entregá-los aos seres efêmeros! Que 41 Vunesp Indique duas palavras ou locuções com as quais
alívio te podem dar deste suplício os mortais? Errados an- o escritor, no fragmento de Maíra, evita repetir o nome
daram os deuses em te chamarem Prometeu; tu mesmo “Urubu-rei”.
precisas de alguém que te prometa um meio de safar-te
destes hábeis liames! (Retiram-se Poder, Vigor e Hefesto.) 42 Vunesp Aponte a quem se refere Prometeu, no frag-
Prometeu. Éter divino! Ventos de asas ligeiras! Fontes mento de Ésquilo, com a expressão “novo capitão dos
dos rios! Riso imensurável das vagas marinhas! Terra, mãe bem-aventurados”.
universal! Globo do sol, que tudo vês! Eu vos invoco. Vede
o que eu, um deus, sofro da parte dos deuses! Contemplai
quão ignominiosamente estracinhado hei de sofrer pelas
43 Vunesp Dê duas oposições de ordem abstrata obser-
miríades de anos do tempo em fora! Tal é a prisão aviltante vadas em “Prometeu acorrentado”.
criada para mim pelo novo capitão dos bem-aventurados!
Ai! Ai! Lamento os sofrimentos atuais e os vindouros, a 44 Unesp 2020 Para responder à questão 44, leia o poe-
conjeturar quando deverá despontar enfim o termo deste ma “O sobrevivente”, extraído do livro Alguma poesia,
FRENTE ÚNICA

suplício. Mas que digo? Tenho presciência exata de todo de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1930.

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O sobrevivente pintura da confecção da bandeira, de Pedro Bruno”, dis-
se, apressado. O quadro A Pátria, de 1919, retrata uma
Impossível compor um poema a essa altura da evo-
criança agarrada a uma imensa bandeira do Brasil que
lução da humanidade.
está sendo confeccionada por um grupo de mulheres. É
Impossível escrever um poema ― uma linha que seja
uma das imagens emblemáticas da virada republicana do
― de verdadeira poesia.
país. O professor subiu as escadas, atravessou uma sala,
O último trovador morreu em 1914.
depois outra, e por fim se postou diante de uma imagem
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.
menor que reproduzia a tela de Pedro Bruno, mas cober-
ta de letras brancas que diziam: “Ordem e Progresso: é
Há máquinas terrivelmente complicadas para as ne-
verdade esse bilete.”
cessidades mais simples.
Trata-se de uma das montagens que Chagas pinçou da
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
internet para integrar a exposição “A política dos memes e
Paletós abotoam-se por eletricidade.
os memes da política”, organizada por ele. “O meme, em
Amor se faz pelo sem-fio.
essência, é tudo que é replicado. E sempre pressupõe mui-
Não precisa estômago para digestão.
tas camadas de significados”, afirmou o professor, diante
da imagem. “Este meme, por exemplo, só ganha sentido
Um sábio declarou a O Jornal que ainda
ao conhecermos o quadro original, o contexto político
falta muito para atingirmos um nível razoável de cul-
do momento e outro meme que mostrava o recado de um
tura.
menino para a sua mãe” (“Senhores paes, amanhã não vai
Mas até lá, felizmente,
ter aula poorque pode ser feriado. Assinado: Tia Paulinha.
estarei morto.
É verdade esse bilete”). A frase final do recado virou mote
para diversos memes.
Os homens não melhoraram
A exposição espalha-se por quatro salas que tratam
e matam-se como percevejos.
da relação dos memes com os símbolos nacionais, a pro-
Os percevejos heroicos renascem.
paganda política, a persuasão e a desinformação, entre
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
outros temas. Tudo é acompanhado de textos que mostram
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um se-
a complexidade das forças políticas e sociais em jogo nas
gundo dilúvio.
imagens. “Ver um meme na parede de um museu: essa
provocação sempre foi nossa intenção”, disse Chagas, do
(Desconfio que escrevi um poema.)
Instituto de Arte e Comunicação Social da Universidade
(Poesia 1930-1962, 2012.)
Federal Fluminense (UFF). “Queremos que as pessoas en-
a) Explicite a antítese contida em “Há máquinas terri- carem o objeto do meme como algo relevante, fugindo do
velmente complicadas para as necessidades mais oba-oba, do besteirol, da balbúrdia.” [...]
simples.” (2a estrofe). Formado em jornalismo pela Universidade do Estado
b) Identifique o pressuposto contido no trecho “E se do Rio de Janeiro (UERJ), com mestrado e doutorado em
os olhos reaprendessem a chorar” (4a estrofe), re- história pela Fundação Getulio Vargas, Chagas sempre
lacionando-o com o tema geral do poema. trabalhou com temas relacionados à mídia e ao poder.
Quando foi contratado pela UFF, em 2011, começou a
ser indagado pelos alunos sobre fenômenos da internet.
Texto para a questão 45.
Leigo no assunto, ele passou a pesquisar sobre memes
Memes no museu e percebeu que tinham muito a ver com seus temas de
Um fenômeno em exposição estudo. Organizou, então, um grupo de alunos para ca-
talogar os memes e analisá-los. A ideia era colocar as
pesquisas como verbetes na Wikipédia, mas seus colegas
na universidade não endossaram a proposta. Disseram que
uma enciclopédia deveria prezar pela relevância e, para
a academia, memes não eram importantes.
Chagas decidiu, então, montar uma “enciclopédia”
por conta própria. Criou com sua equipe o #MUSEUde-
MEMES, um site que reúne as intervenções mais difundidas
e influentes, que explica em que contexto surgiram e que
impacto político e/ou social tiveram. Na última contagem
feita, estavam catalogadas e analisadas no museu cerca de
200 famílias de memes, séries com o mesmo tema.
O site também abriga cerca de 1.200 trabalhos escri-
tos cadastrados (teses, artigos etc.) e tornou-se referência
O professor Viktor Chagas chegou ao Museu da Re- no assunto. Em quatro anos de existência, teve mais de
pública, no Rio de Janeiro, cumprimentou os seguranças e 2 milhões de visitantes, marca considerável para um pro-
apontou para a maior tela do salão térreo. “Esta é a famosa jeto acadêmico. Chagas, porém, sentia falta desta parte

36 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 1 Aspectos do texto – nível fundamental

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importante do trabalho: transformar o museu virtual numa a natureza e civilização
exposição real. E assim ele chegou ao Museu da Repú- b vida e morte
blica, que hospeda a mostra até o dia 24 de agosto. [...] c violência e paz
PAVARIN, Guilherme. Memes no museu. Revista Piauí, ed. 155, ago. 2019. d certeza e incerteza
Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/memes-no-museu.
[Adaptado]. Acesso em: 2 set. 2019. e contínuo e descontínuo
Texto para a questão 47.
45 UFSC 2020 Com base no Texto 1, é correto afirmar que:
A forma mais difundida de paquera entre os sauditas
01 percebe-se a ampliação do conceito de arte a par- são os cafés que oferecem acesso à internet. São poucos,
tir da alusão à pintura A Pátria, de Pedro Bruno, à mas estão se tornando uma ferramenta de aproximação
versão dessa mesma obra em meme. entre os jovens. E estão se mostrando eficientes.
02 o autor critica a estrutura dos memes, a qual pres- Com base em sua interpretação do Corão, o governo
supõe muitas camadas de significado que só fazem da Arábia Saudita restringiu alguns hábitos considerados
sentido quando relacionadas ao quadro original. "ocidentalizados" da população, principalmente dos mais
04 a criação de um museu de memes é importante jovens. Teatros, cinemas e boates foram proibidos de fun-
para que se conheça a origem de uma informa- cionar tanto na capital Riad quanto nas cidades pequenas
ção e assim se evite a propagação de fake news do país. Na esteira do fechamento dessas casas, perde-se
(notícias falsas). uma forma centenária de encontrar um namorado ou mes-
08 uma das peças que integram a exposição é um mo de conhecer outras pessoas.
meme criado por um garoto para sua mãe e que A alternativa para quem não costuma usar os sites de
foi amplamente difundido na internet. namoro é escrever nome e telefone em pedaços de papel e
16 um meme é essencialmente tudo que pode ser re- deixá-los nos vidros dos carros para achar, com a ajuda do
plicado, que possui várias camadas de significado destino, um candidato a cara-metade e marcar um encontro.
“Sauditas aprendem a namorar pela net”. Galileu, n° 131.
e cujo sentido depende da relação com elementos
como a obra original, o contexto em que foi criado
e outros memes. 47 Fatec Considerando o trecho São poucos, mas estão
32 o objetivo principal do texto é divulgar a criação se tornando uma ferramenta de aproximação entre
de um museu de memes na internet. os jovens., assinale a alternativa que explica adequa-
64 por se tratar de um trabalho desenvolvido na univer- damente o emprego da palavra “mas”.
sidade, o museu de memes publica apenas trabalhos a Estabelece a relação de contraste entre as duas
acadêmicos, como artigos, dissertações e teses. afirmações apresentadas.
b Introduz uma negação para o fato afirmado na pri-
Soma:  meira oração.
c Tem a função de levar o leitor a concluir algo a res-
46 Considerado como um dos pioneiros do rock and roll peito da oração anterior.
nacional, Raul dos Santos Seixas nasce em 28 de ju- d Sinaliza a adição de mais uma informação de mes-
nho de 1945, Salvador, Bahia; falece em 21 de agosto mo sentido que a anterior.
de 1989, em São Paulo. Em 1977, intensifica-se a par- e Expressa circunstância de modo na segunda infor-
ceria Raul Seixas e Cláudio Roberto, com quem Raul mação apresentada.
comporia várias de suas canções mais conhecidas,
Texto para a questão 48.
como “Maluco Beleza”, “O Dia em que a Terra Parou”,
“Rock das Aranha”, “Aluga-se” etc. Esquecimento
Enquanto você
Esse de quem eu era e era meu,
Se esforça pra ser
Que foi um sonho e foi realidade,
Um sujeito normal
Que me vestiu a alma de saudade,
E fazer tudo igual.
Para sempre de mim desapareceu.

Eu do meu lado
Tudo em redor então escureceu,
Aprendendo a ser louco
E foi longínqua toda a claridade!
Maluco total
Ceguei... tateio sombras... que ansiedade!
Na loucura real.
Apalpo cinzas porque tudo ardeu!
[...]
Raul Seixas e Cláudio Roberto. “Maluco Beleza”. Intérprete: Diversos. In: Há
dez mil anos atrás. Rio de Janeiro: Philips/Universal Music, 1976. Faixa 13. Descem em mim poentes de Novembro...
A sombra dos meus olhos, a escurecer...
No nível fundamental de todo texto, encontra-se uma Veste de roxo e negro os crisântemos...
FRENTE ÚNICA

oposição semântica (a semântica tem como escopo E desse que era meu já me não lembro...
o significado); essa oposição pode ser explícita ou Ah! a doce agonia de esquecer
implícita. No texto lido, percebe-se uma oposição do A lembrar doidamente o que esquecemos...!
tipo: Florbela Espanca.

37

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP1_LA.INDD / 04-09-2020 (09:20) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


48 Unifesp Na última estrofe, o eu lírico expressa, por interessa ao poder global: comércio. Negocia-se há anos
meio de: um modo de acabar com a proteção que governos ricos
a Hipérboles, a dificuldade de se tentar esquecer um dão a 2% de sua população, a que vive de vacas gordas,
grande amor. de agricultura, barrando produtos de bilhões de crioulos
b Metáforas, a forma de se esquecer plenamente a agrícolas do mundo pobre. Nem isso se resolve, questão
pessoa amada. mais simples que o caos climático.
c Eufemismos, as contradições do amor e os sofri- O que virá? Uma ONU do clima, a ser avacalhada
mentos dele decorrentes. pelos EUA?
d Metonímias, o bem-estar ligado a amar e querer [...]
esquecer. Vinicius Torres Feire. Folha de S.Paulo. 4 fev. 2007, p. B6. Dinheiro. (Adapt.).
e Paradoxos, a impossibilidade de o esquecimento
ser levado a cabo.
49 UEG Em todos são iguais perante a lei, mas alguns
são mais iguais que os outros, o sentido da segunda
Texto para as questões 49 e 50.
oração:
Ai, que calo-ô-ô-ô-ô-ô-or... a confirma o valor da primeira.
A importância da comunhão global parece um caso b anula o valor da primeira.
de ideologia de cabeça para baixo. A ideologia faz o que c reitera o valor da primeira.
é de fato particular parecer universal ("todos são iguais d ignora o valor da primeira.
perante a lei", mas alguns são mais iguais que os outros).
A crise do clima é, sim, uma tragédia (punição desme-
50 UEG No último parágrafo do texto, está subentendido
surada de um erro do qual ignorava a dimensão, castigo
que os EUA:
ruinoso da inadvertida arrogância humana de sua falta de
limites, como dizia o filósofo grego). Sim, há gente honra- a vetariam a criação de uma ONU do clima.
da e séria preocupada com o clima. Por que a farsa, então? b só lucrariam com a criação de uma ONU do clima.
Qual grupo, classe ou país, com poder e influên- c já desrespeitaram a ONU quanto ao tema “comércio”.
cia, preocupa-se de fato? Considere-se um tema que até d só respeitam a ONU quanto ao tema “comércio”.

38 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 1 Aspectos do texto – nível fundamental

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP1_LA.INDD / 16-09-2020 (19:32) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL


Instituto Akatu
FRENTE ÚNICA

2
CAPÍTULO Tipologia textual e gêneros discursivos
A campanha chama a atenção para um problema que diversas regiões brasileiras
têm enfrentado atualmente: a crise de abastecimento de água nas cidades. A fim de
cumprir essa função, a mensagem é criada a partir da relação entre texto verbal e
visual: o slogan traz uma estrutura objetiva, que sintetiza a consequência de a popula-
ção não se conscientizar sobre o consumo exagerado de água, evidenciando que, sem
esse recurso, o futuro de todos é a miséria; além disso, o texto faz uso do imperativo
em “Leve” e “Passe”, a fim de engajar o interlocutor nessa campanha. Nesse sentido, a
imagem colocada de fundo é a de um papelão rasgado, fazendo alusão a situações de
vulnerabilidade. Trata-se, portanto, de um texto com função informativa e persuasiva.
Nas próximas páginas, estudaremos as estruturas responsáveis pela criação dos
textos e as funções sociocomunicativas que eles podem cumprir na sociedade.

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP2_LA.INDD / 15-09-2020 (10:47) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL


Texto narrativo Leia, a seguir, uma anedota que sintetiza todas as eta-
pas de uma narração:
Conceito base Irritado com seus indisciplinados alunos, um professor
arrogante lançou um desafio dizendo:
Analise a tirinha a seguir:
― Aquele que se julgar burro, faça o favor de ficar de pé!
Todos os alunos, assustados, continuaram sentados. Alguns
André Dahmer

minutos depois, um deles, porém, levantou-se.


― Quer dizer que você se julga burro? ― perguntou o
professor, incrédulo com a postura do menino.
― O garoto, então, respondeu com uma expressão calma:
― Bem, para dizer a verdade, não! Mas fiquei com pena
de ver o senhor aí, em pé, sozinho.

É possível perceber que os textos dos quadrinhos Analisando o texto, é possível identificar todas as eta-
compõem uma narrativa, construída a partir de um desen- pas das estruturas narrativas estudadas: a introdução é
volvimento temporal, sem o qual seria impossível contar a marcada pela apresentação e descrição das personagens,
história. Essa é a principal característica do texto narrativo, que são os alunos indisciplinados e o professor irritado e
a que o diferencia dos demais tipos de textos: a narração arrogante. No desenvolvimento, o conflito do texto é cria-
sempre irá apresentar passagem de tempo. Assim, temos do quando o mestre desafia os alunos a ficarem de pé. O
como elementos constitutivos de um texto narrativo: clímax surge quando, minutos depois do desafio, um deles
yy Tempo: momento em que se dá a ação ou que dura se levanta e o professor questiona sua ação. O desfecho,
a narrativa. por sua vez, é criado quando o garoto responde, de modo
yy Espaço: local em que a ação se desenrola, podendo sarcástico, ao professor, colocando um final no desafio
ser físico, social ou psicológico. lançado pelo docente. Nessa etapa conclusiva, podemos,
yy Personagens: pessoas, animais ou objetos que par- inclusive, depreender um conselho implícito na narrativa:
ticipam da história, que fazem com que a narração não devemos usar de uma posição de autoridade para de-
aconteça. safiar as pessoas desnecessariamente.
yy Enredo: é a trama da narrativa, é o desenrolar de
ações que envolvem as personagens. Atenção
yy Narrador: é o responsável por contar a história, po-
É interessante destacar que nem toda narração obedecerá à ordem
dendo estar inserido ou não no enredo. convencional das etapas; existem muitos textos narrativos que ini-
Portanto, o texto narrativo apresenta personagens ciam a história a partir de algum ponto do desenvolvimento (recurso
que realizam ações (enredo) em um determinado espaço denominado in media res), ou mesmo pelo desfecho, e depois voltam
e tempo, contadas por um narrador. Esses elementos se ao ponto inicial dos acontecimentos. Tais recursos estão presentes
organizam em etapas que estruturam o texto narrativo (a em narrativas de diversos gêneros, como filmes, séries, novelas, ro-
estrutura narrativa) da seguinte forma: mances, e geralmente são utilizados a fim de aumentar a expectativa
1. Introdução: nessa etapa, o autor apresenta as perso- do público em relação ao enredo da obra.
nagens e os problemas que serão enfrentados pelos
protagonistas. Outros elementos fundamentais da
Anedota: narrativa curta e bem-humorada que apresenta uma cena
narrativa também são introduzidos aqui, como o ce-
do cotidiano com um desfecho inusitado. Grande parte das vezes,
nário em que o texto será desenvolvido, o momento permite que o leitor conclua uma moral no final da história.
histórico em que ocorrerá, as personalidades das per-
sonagens, dentre outros.
2. Desenvolvimento: nessa parte, a narrativa envolve o Finalidade comunicativa do texto
leitor a partir dos esforços feitos pelas personagens narrativo
para solucionarem os problemas vividos. Essa etapa é Consideramos finalidade comunicativa como a principal
de grande importância porque concentra os conflitos função de uma mensagem na sociedade. Os textos narra-
que justificam as ações das personagens. tivos, por exemplo, são sempre idealizados para contar ao
3. Clímax: é o momento ápice da narrativa, em que os leitor uma história, seja ela real ou fictícia. Nesse sentido,
problemas e os conflitos das personagens chegam a também é possível apontar outras finalidades para a narra-
um ponto máximo de concentração, exigindo ações ção, dependendo do contexto em que ela é enunciada: o
diretas para enfrentá-los. O momento em que o clímax depoimento de um jovem aprovado no vestibular pode ser
é alcançado pode ser percebido pelo leitor quando feito para encorajar estudantes para as provas de seleção;
todas as tensões envolvidas no enredo se encontram um conto infantil lido pelos pais de uma criança antes da hora
na história, o que determina uma passagem para a de dormir pode ajudá-la a cair no sono. Essas são considera-
etapa final. das finalidades secundárias e surgem apenas em contexto.
4. Desfecho: momento resultante do clímax da história; Para compreender uma narrativa, devemos sempre,
no desfecho o autor apresenta as consequências das portanto, analisar a intenção do enunciador ao nos apre-
ações das personagens, encerrando o texto. sentar a história.

40 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 2 Tipologia textual e gêneros discursivos

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP2_LA.INDD / 15-09-2020 (21:37) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Ferramentas do texto narrativo: o foco Essa percepção pode ser ampla, sem que haja limites para
o narrador, ou limitada, restringindo a capacidade do narra-
Veremos, a seguir, as ferramentas textuais usadas na
dor ao campo da observação. Sendo assim, temos:
elaboração do texto narrativo. Elas são responsáveis por
estruturar a história e permitir seu desenvolvimento.
a. narrador onisciente: geralmente produzido em terceira
Uma das mais importantes ferramentas é denominada
pessoa, trata-se de um narrador capaz de interpretar o
foco e é responsável por todo o desencadeamento da his-
interior das personagens, bem como seus pensamen-
tória, guiando a percepção que o leitor terá dos eventos. O
tos e sentimentos.
foco narrativo é constituído a partir da visão que o narrador
possui da história, podendo ser classificado em: Quantas vezes não pensou que bastava-lhe um momento
de resolução para arrebatar a mulher a quem amava, e levá-la
a. Narrador em primeira pessoa: ao deserto onde ele não se envergonharia de seu amor, e talvez
Um tio meu, cônego de prebenda inteira, costumava dizer sentisse orgulho de o inspirar tão possante e extremoso. Mas
que o amor da glória temporal era a perdição das almas, que ele que não temia o mundo e zombava dos perigos, assusta-
só devem cobiçar a glória eterna. Ao que retorquia outro tio, va-se só com a ideia de um ressentimento de Besita; e não era
oficial de um dos antigos terços de infantaria, que o amor da preciso mais para espancar de seu espírito a tentação que em
glória era a coisa mais verdadeiramente humana que há no si produziam os encantos da menina.
homem, e, conseguintemente, a sua mais genuína feição. ALENCAR, José de. Til. 2 ed. São Paulo: Melhoramentos. Disponível em:
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Nova <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000142.pdf>. Acesso
Aguilar, 1994. Disponível em: <http://machado.mec.gov.br/obra-completa- em: 17 jul. 2020.
lista/item/download/16_ff646a924421ea897f27cf6d21e6bb23>. Acesso em:
17 jul. 2020. Observe que, no exemplo dado, o narrador é capaz
de apresentar-nos o que a personagem está pensando
Nesse texto, o narrador vive a história conforme o no momento da cena. Essa capacidade foge da simples
relato se desenvolve. Por conta disso, devemos classifi- observação visual e atesta a sua onisciência.
cá-lo como narrador participante e é possível identificá-lo
pela presença de pronomes e desinências verbais de b. narrador observador: diferentemente do narrador
primeira pessoa. que possui onisciência, o observador não é capaz de
interpretar o interior das personagens, limitando-se
b. Narrador em terceira pessoa: apenas àquilo que pode ser visto por qualquer pes-
O Dr. Camargo, médico e velho amigo da casa, logo soa. Os pensamentos e sentimentos da personagem
que regressou do enterro, foi ter com Estácio, a quem en- podem ser deduzidos por ele a partir do contexto da
controu no gabinete particular do finado, em companhia de narrativa, mas ele jamais será capaz de visualizar com
D. Úrsula. Também a dor tem suas volúpias; tia e sobrinho clareza aquilo que há em suas mentes.
queriam nutri-la com a presença dos objetos pessoais do
Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estra-
morto, no lugar de suas predileções quotidianas. Duas tristes
nho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem
luzes alumiavam aquela pequena sala. Alguns momentos
nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o
correram de profundo silêncio entre os três. O primeiro que
azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos
o rompeu, foi o médico.
cobrem-lhe o corpo.
ASSIS, Machado de. Helena. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
Disponível em: <http://machado.mec.gov.br/obra-completa-lista/item/ Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha
download/18_6eeff49614c4b3fcfa0adbd92c8cdb28>. Acesso em: 17 jul. 2020. embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face
No exemplo citado, percebemos que o narrador ape- do desconhecido.
nas observa a história, como alguém distante dos eventos De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da es-
que apenas nos relata os acontecimentos. Por esse motivo, pada, mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião
devemos classificá-lo como narrador observador. de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu
mais d’alma que da ferida.
Atenção ALENCAR, José de. Iracema. 24 ed. São Paulo: Ática, 1991. Disponível em:
<www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000136.pdf>.
Acesso em: 17 jul. 2020.
O narrador participante pode ser a personagem principal da história,
motivo pelo qual o denominamos protagonista. Quando, porém, ele for
uma personagem secundária e o protagonismo for exercido por outra per- Atenção
sonagem, devemos chamá-lo de narrador testemunha ou coadjuvante.
Independentemente da percepção do narrador acerca da história, há
três posturas possíveis que podem ser adotadas por ele conforme
a narrativa se desenvolve: sempre que o narrador opinar sobre os
Ferramentas do texto narrativo: a fatos contados, deve ser denominado parcial; quando evitar emitir
percepção narrativa
FRENTE ÚNICA

um juízo de valor, deve ser denominado neutro e, finalmente, quan-


A percepção narrativa auxilia nos detalhes que são do estabelecer um diálogo com o leitor sobre a história, pode ser
chamado de intruso.
fornecidos pelo narrador conforme o texto é desenvolvido.

41

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP2_LA.INDD / 15-09-2020 (10:47) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL


Ferramentas do texto narrativo: a interromper o fluxo de tempo da história. Muito comum com
narradores em primeira pessoa, essas quebras permitem ao
progressão temporal autor inserir reflexões da personagem para justificar com-
Como vimos anteriormente, toda narrativa é organizada portamentos ou escolhas ou, ainda, revelar momentos da
com base em uma sequência temporal. Essa sequência vida da personagem que não fazem parte da história que
permite o desencadeamento da história e pode ser orga- está sendo narrada. Podem ser classificadas como:
nizada de modo linear (em ordem direta) ou não linear (em
ordem indireta). Veremos, a seguir, esses dois tipos de de- a. digressões: ao interromper a sequência do texto, o
senvolvimento do texto. narrador inicia uma reflexão pessoal sobre um assunto
diverso, que impede a progressão da história principal.
a. tempo linear: também é conhecido como tempo cro-
nológico; a narrativa é sequenciada em cenas cuja Saí, afastando-me dos grupos, e fingindo ler os epitáfios. E,
progressão segue uma ordem direta, com início, aliás, gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma
expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a
desenvolvimento do enredo, clímax e desfecho. Ob-
arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou.
serve a tirinha a seguir:
Daí vem, talvez, a tristeza inconsolável dos que sabem os seus
mortos na vala comum; parece-lhes que a podridão anônima
André Dahmer

os alcança a eles mesmos.


ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1994. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/
texto/bv000215.pdf>. Acesso em: 17 jul. 2020.

Nessa cena, o narrador para de contar a história e inicia


uma reflexão sobre as frases escritas nos túmulos de um
cemitério, denominadas epitáfios.
Nessa tirinha, podemos dizer que o tempo é cronoló-
gico porque segue a ordem de um atendimento comum b. flashback: semelhante à digressão, também marca
em um restaurante. O humor é gerado na passagem do uma interrupção na sequência temporal. Porém, no
desenvolvimento/clímax para o desfecho, visto que o refri- flashback, o narrador retoma uma cena ou episódio
gerante é apresentado pelo autor como uma bebida com vivido por alguma personagem no passado, o que
imensa concentração de componentes químicos. contribui para o entendimento completo da história.

b. tempo não linear: também pode ser denominado Parecia ter vinte anos, e contava mais de trinta. Graciosa,
como tempo psicológico; nesse tipo de desenvolvi- afável, nenhum acanhamento, nenhum ressentimento. Olhá-
mento, a sequência do texto é apresentada em ordem vamos um para o outro, com as mãos seguras, falando de tudo
e de nada, como dois namorados. Era minha infância que
indireta, podendo ser iniciada, por exemplo, com uma
ressurgia, fresca, travessa e loura; os anos iam caindo como as
lembrança do narrador ou até mesmo pelo desfecho
fileiras de cartas de jogar encurvadas, com que eu brincava em
da história. Um dos exemplos clássicos da literatura
pequeno, e deixavam-me ver a nossa casa, a nossa família, as
brasileira em que o tempo da narrativa é apresenta- nossas festas. Suportei a recordação com algum esforço; mas
do dessa forma é o livro Memórias póstumas de Brás um barbeiro da vizinhança lembrou-se de zangarrear na clás-
Cubas, de Machado de Assis, cujo prólogo da história sica rabeca, e essa voz — porque até então a recordação era
apresenta um narrador já falecido (defunto autor), que muda — essa voz do passado, fanhosa e saudosa, a tal ponto
nos contará momentos de sua vida a partir da morte, me comoveu, que... Os olhos dela estavam secos. Sabina
em um caixão. Veja a introdução do livro: não herdara a flor amarela e mórbida. Que importa? Era minha
Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo irmã, meu sangue, um pedaço de minha mãe, e eu disse-lho
princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu com ternura, com sinceridade...
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Nova
nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja come- Aguilar, 1994. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/
çar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar texto/bv000215.pdf>. Acesso em: 17 jul. 2020.
diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente
c. monólogo interior (ou fluxo de consciência): tam-
um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa
bém considerado um tipo de digressão, o narrador
foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais
galante e mais novo. interrompe a história para que o leitor visualize os
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Nova
pensamentos da personagem. Esses pensamentos,
Aguilar, 1994. Disponível em: <http://machado.mec.gov.br/obra-completa- por sua vez, são marcados por um diálogo da perso-
lista/item/download/16_ff646a924421ea897f27cf6d21e6bb23>. Acesso em:
nagem consigo mesma.
17 jul. 2020.
A cama desaparece aos poucos, as paredes do aposento
Ferramentas do texto narrativo: a quebra se afastam, tombam vencidas. E eu estou no mundo solta e
fina como uma corça na planície. Levanto-me suave como
temporal um sopro, ergo minha cabeça de flor e sonolenta, os pés le-
Outro recurso disponível para o desenvolvimento da ves, atravesso campos além da terra, do mundo, do tempo, de
narrativa é a quebra da sequência narrativa, usada para Deus. Mergulho e depois emerjo, como de nuvens, das terras

42 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 2 Tipologia textual e gêneros discursivos

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP2_LA.INDD / 15-09-2020 (21:37) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


ainda não possíveis, ah ainda não possíveis. Daquelas que eu o autor apresente a mente, a imaginação e os questiona-
ainda não soube imaginar, mas que brotarão. Ando, deslizo, mentos individuais das personagens.
continuo, continuo... Sempre, sem parar, distraindo minha sede Sendo assim, podemos concluir que os discursos per-
cansada de pousar num fim. — Onde foi que eu já vi uma lua mitem ao autor enriquecer uma narrativa na medida em
alta no céu, branca e silenciosa? As roupas lívidas flutuando que são usados para expressar a voz das personagens,
ao vento. O mastro sem bandeira, ereto e mudo fincando no seja por meio de uma fala ou pensamento.
espaço... Tudo à espera da meia-noite... — Estou me enga- Há três tipos diferentes de discurso usados em um tex-
nando, preciso voltar. Não sinto loucura no desejo de morder to. Cada um deles apresenta uma estrutura própria e podem
estrelas, mas ainda existe a terra. ser usados simultaneamente em uma narrativa. Veremos, a
LISPECTOR, Clarice. Perto do coração selvagem. seguir, a definição de cada um, além das estruturas usadas
para criá-los.
Discurso textual Discurso direto
Conceito base Todas as vezes em que o discurso da personagem
for reproduzido livremente em sua própria voz, devemos
É necessário abordar também um recurso textual mui- classificá-lo como discurso direto.
to comum em um texto narrativo: o discurso. Devemos Geralmente, o discurso direto é estruturado no texto
considerar discurso qualquer enunciado produzido para a partir de verbos de elocução como “falar”, “responder”,
expressar uma fala ou pensamento de uma personagem. “gritar”, “sussurrar”, entre outros, além do uso de pontua-
Veja, a seguir, um trecho do livro Vidas Secas, de Graciliano ções enunciativas, como travessões, dois-pontos e aspas.
Ramos, no qual temos contato com uma conversa entre Veja os exemplos a seguir:
duas personagens:
a. Os alunos falaram em voz alta:
Nesse ponto um soldado amarelo aproximou-se e bateu ― Sim, professora!
familiarmente no ombro de Fabiano: – Como é, camarada?
b. A professora, então, perguntou:
Vamos jogar um trinta-e-um lá dentro?
― Vocês têm certeza?
Fabiano atentou na farda com respeito e gaguejou, procu-
rando as palavras de seu Tomás da bolandeira: – Isto é. Vamos Nos dois casos apresentados, o discurso das persona-
e não vamos. Quer dizer Enfim, contanto, etc. É conforme. gens é reproduzido no texto a partir de suas vozes.
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Disponível em: <https://docs.google.com Veja, a seguir, uma tabela com alguns dos principais
viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxlc2Nvb
GFvbmVpZGV0YXZhcmVzfGd4Ojc4YjNmOThkNDVhYmFhZTA>.
verbos de enunciação usados em narrativas:
Acesso em: 17 jul. 2020.
Falar Pensar Gritar
Observe que, após os travessões, o narrador explicita
Exclamar Reclamar Responder
no texto a fala das personagens soldado amarelo e Fabiano,
o protagonista da história. Sem que houvesse a transcrição Questionar Indagar Sussurrar
dessas falas, seria impossível mostrar ao leitor a conversa Bradar Perguntar Clamar
estabelecida entre eles. Sendo assim, podemos dizer que
Argumentar Concordar Explanar
os discursos das personagens são fundamentais para que
o texto seja desenvolvido, sobretudo quando há um diálogo Afirmar Resmungar Expor
entre duas ou mais delas. Criticar Reafirmar Dialogar
Veja, a seguir, um exemplo complementar extraído do
Ponderar Rebater Frisar
livro Quincas Borba, de Machado de Assis:
Tab. 1 Exemplos de verbos de enunciação.
NISTO PASSOU um rapaz alto, que a cortejou sorrindo e
vagarosamente. Sofia cortejou-o também um pouco espantada
da pessoa e da ação. Atenção
― Quem é esse sujeito? ― pensou ela.
Qualquer verbo cuja ação exija o uso da voz deve ser classificado como
E entrou a cogitar donde é que o conhecia, porque, em elocutivo (ou de enunciação). Alguns gramáticos também os classificam
verdade a cara não lhe era estranha, nem as maneiras, nem os como verbos dicendi, vocábulo latino que designa “ação de fala”.
olhos plácidos e grandes.
ASSIS, Machado de. Quincas Borba. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/
bv000243.pdf>. Acesso em: 17 jul. 2020. Discurso indireto
Repare que o travessão é usado novamente para in- Todas as vezes em que o discurso da personagem for
troduzir um discurso da personagem. Nesse caso, porém, reproduzido na voz do narrador, devemos classificá-lo como
o narrador não reproduziu um diálogo na história; temos indireto. Nesse tipo de discurso, ocorre uma apropriação
FRENTE ÚNICA

contato, aqui, com um pensamento de Sofia. Com isso, é da fala ou do pensamento da personagem por parte do
possível concluirmos que, além de representar diálogos em narrador e, por conta disso, os verbos são criados com
uma narração, um discurso também pode ser feito para que pronomes de terceira pessoa. Analise o exemplo a seguir:

43

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP2_LA.INDD / 15-09-2020 (10:47) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL


A professora, então, perguntou se os alunos tinham certeza as ações do professor estão em um momento anterior ao
daquilo. da escrita do texto, o que exige do narrador o emprego do
passado para representá-las. Essa mesma lógica se aplica
Observe que, diferentemente do discurso direto, nes-
aos verbos “desejar” e “estar”, usados no discurso indireto:
se exemplo a voz da personagem não é usada no texto.
ambos marcam um tempo já ocorrido, pois, quando estão
No lugar dela, há uma reprodução da fala da personagem
sendo escritos, a cena narrada já havia ocorrido.
professora feita na voz do narrador. Esse processo torna
Além da questão do tempo dos verbos, é possível ob-
a leitura do texto mais fluida, com menos interrupções,
servar uma nova mudança no discurso: no original, há o
uma vez que a pontuação iniciativa deixa de ser usada
emprego da primeira pessoa (eu estou), enquanto no conver-
para criar o discurso. Repare, porém, que tanto o dis- tido se empregou a terceira pessoa (ele estava). Isso ocorre
curso direto quanto o indireto fazem uso dos verbos de porque, no primeiro caso, é a própria personagem quem
enunciação para introduzir uma voz. Veja outro exemplo fala de si, ao passo que, no segundo, é o narrador quem fala
de discurso indireto: sobre a personagem.
Os alunos reafirmaram que estavam seguros. b. Discurso indireto em direto
Texto original:
Atenção A aluna respondeu que ela também estava animada para
aquela aula.
Em discursos indiretos, é comum o emprego das conjunções subor-
dinativas “se” e “que” após o verbo de elocução. Texto convertido:
A aluna responde:
― Eu também estou animada para essa aula!
Conversão de discurso
Atualmente, muitas provas e exames têm solicitado Observe que, novamente, a conversão exigiu mudan-
a mudança de um tipo de discurso para o outro. Grande ças na pessoa e no tempo dos verbos. Nesse exemplo,
parte das vezes, são questões que identificam uma fala em porém, o pronome deixa de ser reproduzido em terceira
discurso direto e demandam que essa mesma fala seja re- pessoa (ela) e passa a ser redigido em primeira (eu), uma
produzida em discurso indireto. Embora existam exercícios vez que a fala volta a ser enunciada pela própria persona-
que solicitem o processo inverso (discurso indireto reescrito gem. Isso também se aplica ao verbo: emprega-se o tempo
em direto), trata-se de um tipo menos frequente de questão. presente (estou) porque a fala é concomitante ao momento
Veja, a seguir, essas conversões analisadas: da escrita. Há, ainda, mais uma mudança lógica que pre-
a. Discurso direto para indireto cisamos avaliar: na primeira sentença, o narrador fala de
uma cena não vivida por ele, o que o obriga a empregar
Texto original:
um pronome demonstrativo de distanciamento (aquela),
O professor entra na sala e diz aos alunos: enquanto, na segunda sentença, a personagem se refere
― Bom dia a todos. Eu estou animado para essa aula! àquilo que ela mesma está vivendo na narrativa, o que jus-
Texto convertido: tifica o emprego do demonstrativo de proximidade (essa).
Repare que, nas duas análises feitas, foi preciso avaliar
O professor entrou na sala e disse aos alunos que desejava com cautela três aspectos que influenciam a conversão
um bom dia a todos e que ele estava animado para a aula. dos discursos: a pessoa pronominal, o tempo verbal e
É importante avaliar cuidadosamente essa conversão: no os pronomes demonstrativos. Toda a conversão de dis-
texto original, os verbos (“entrar” e “dizer”) foram conjugados cursos exigirá atenção nesses três pontos e, para auxiliar
no tempo presente do modo indicativo (“entra” e “diz”). Po- nesse processo, estude sempre a tabela de conversão re-
rém, no texto convertido, esses verbos foram alterados para produzida a seguir, com orientações de como proceder às
o pretérito perfeito (“entrou” e “disse”). Isso ocorre porque mudanças necessárias.

QUADRO DE CONVERSÃO ENTRE DISCURSOS


Discurso direto Discurso indireto
CASOS PRONOMINAIS

Emprego de primeira pessoa (eu)


Emprego de terceira pessoa (ele/ela)
A personagem disse ao amigo:
A personagem disse ao amigo que ela estava com bastante pressa.
– Eu estou com bastante pressa.

CASOS VERBAIS

Verbo no tempo presente do modo indicativo Verbo no pretérito imperfeito do indicativo


– Eu estou alegre com a notícia. Ele disse que estava alegre com a notícia.

44 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 2 Tipologia textual e gêneros discursivos

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QUADRO DE CONVERSÃO ENTRE DISCURSOS
Discurso direto Discurso indireto
Verbo no pretérito mais-que-perfeito
Opção 1.
Verbo no pretérito perfeito do indicativo
Ele disse que buscara os amigos.
– Eu busquei os amigos.
Opção 2.
Ele disse que havia buscado os amigos.
Verbo no futuro do indicativo Verbo no futuro do pretérito
– Eu buscarei os amigos amanhã. Ele disse que buscaria os amigos no dia seguinte.
Verbo no modo imperativo
Verbo no pretérito imperfeito do subjuntivo
A personagem ordenou:
A personagem ordenou que buscasse os amigos.
– Busque os amigos.
CASOS ESPACIAIS E TEMPORAIS
Emprego de pronome demonstrativo “este”
Pronome demonstrativo “aquele”
O professor pediu:
O professor pediu que pegasse aquele caderno.
– Pegue este caderno.
Emprego de pronome demonstrativo “esta”
Pronome demonstrativo “aquela”
O professor pediu:
O professor pediu que pegasse aquela caneta.
– Pegue esta caneta.
Emprego de pronome demonstrativo “isto”
Pronome demonstrativo “aquilo”
O professor pediu:
O professor pediu que pegasse aquilo.
– Pegue isto.
Emprego de marcador temporal “hoje”
Emprego de marcador temporal “naquele dia”
O aluno respondeu:
O aluno respondeu que havia feito o trabalho naquele dia.
– Fiz o trabalho hoje.
Emprego de marcador temporal “amanhã”
Emprego de marcador temporal “no próximo dia”
O aluno respondeu:
O aluno respondeu que faria o trabalho no próximo dia.
– Farei o trabalho amanhã.
Emprego de marcador temporal “ontem”
Emprego de marcador temporal “no dia anterior”
O aluno respondeu:
O aluno respondeu que havia feito o trabalho no dia anterior.
– Fiz o trabalho ontem.
Tab. 2 Conversão do discurso direto para o discurso indireto.

Discurso indireto livre


Diferentemente dos discursos direto e indireto, o discurso indireto livre é um recurso textual usado para explicitar exclusi-
vamente o pensamento de uma personagem. Sendo assim, só pode ser criado com um narrador onisciente. Essa modalidade
de discurso ocorre sempre que há uma fusão, uma mistura da voz do narrador com o pensamento da personagem. Trata-se
de um recurso textual que exige bastante atenção para ser percebido, principalmente porque é o único tipo de discurso que
dispensa o emprego de verbos de enunciação. Observe o exemplo a seguir, extraído do livro Vidas secas, de Graciliano Ramos:
Estirou as pernas, encostou as carnes doídas ao muro. Se lhe tivessem dado tempo, ele teria explicado tudo direitinho. Mas
pegado de surpresa, embatucara. Quem não ficaria azuretado com semelhante despropósito? Não queria capacitar-se de que
a malvadez tivesse sido para ele. Havia engano, provavelmente o amarelo o confundira com outro. Não era senão isso. Então
porque um sem-vergonha desordeiro se arrelia, bota-se um cabra na cadeia, dá-se pancada nele? Sabia perfeitamente que era
assim, acostumara-se a todas as violências, a todas as injustiças.
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Disponível em: <https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=
ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxlc2NvbGFvbmVpZGV0YXZhcmVzfGd4Ojc4YjNmOThkNDVhYmFhZTA>. Acesso em: 17 jul. 2020.

Nessa cena, o protagonista Fabiano é levado para a cadeia de maneira injusta por um desentendimento com o “soldado
amarelo”. Lá, sem entender o que aconteceu, ele começa a divagar sobre as razões de ter sido preso. Repare que os trechos
destacados podem representar, simultaneamente, um pensamento da personagem Fabiano, indignado com a violência
que sofrera, bem como uma intromissão opinativa do próprio narrador. Isso ocorre porque essas orações são um registro
do discurso indireto livre: as duas vozes (narrador e personagem) encontram-se reproduzidas em uma mesma sentença.
Embora esse tipo de discurso dispense o emprego dos verbos elocutivos, há algumas ferramentas estruturais muito
usadas para introduzi-lo no texto. Veremos cada uma delas a seguir:
FRENTE ÚNICA

a. Emprego de pontuação exclamativa:


Não podia dizer em voz alta que aquilo era um furto, mas era. Tomavam-lhe o gado quase de graça e ainda inventavam juro.
Que juro! O que havia era safadeza.
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Disponível em: <https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxlc
2NvbGFvbmVpZGV0YXZhcmVzfGd4Ojc4YjNmOThkNDVhYmFhZTA>. Acesso em: 17 jul. 2020.

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b. Emprego de pontuação interrogativa: Observamos que os quadrinhos não apresentam ne-
Olhou as cédulas arrumadas na palma, os níqueis e as
nhuma sequência temporal, tampouco desenvolvimento
pratas, suspirou, mordeu os beiços. Nem lhe restava o direito de uma história, o que impossibilita, portanto, classificar o
de protestar. Baixava a crista. Se não baixasse, desocuparia a texto como narração. Nessa tirinha, o autor usa os quadros
terra, largar-se-ia com a mulher, os filhos pequenos e os caca- para caracterizar a velocidade do som, da luz, da fofoca etc.
recos. Para onde? Hem? Tinha para onde levar a mulher e os Podemos dizer, desse modo, que o objetivo do texto não é
meninos? Tinha nada! apresentar uma história sobre o som, mas sim compor uma
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Disponível em: <https://docs.google.com/ caracterização sobre ele. Essa é a definição da descrição,
viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxlc2NvbGFvbm
VpZGV0YXZhcmVzfGd4Ojc4YjNmOThkNDVhYmFhZTA>. Acesso em: 17
em oposição à narração: todo texto descritivo é marcado
jul. 2020. pela caracterização de algo ou alguém, estabelecida por
uma sequência de qualificadores.
c. Emprego de pronomes em primeira pessoa:
“Vejam como Deus escreve direito por linhas tortas”, Finalidade comunicativa do texto
pensa ele. Se mana Piedade tem casado com Quincas Borba,
apenas me daria uma esperança colateral. Não casou; ambos
descritivo
morreram, e aqui está tudo comigo; de modo que o que parecia Como visto, todo texto descritivo é marcado por uma
uma desgraça... caracterização, que é usada para transmitir ao leitor as
ASSIS, Machado de. Quincas Borba. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. qualidades daquilo que está sendo descrito. A tabela nutri-
Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/
bv000243.pdf>. Acesso em: 17 jul. 2020. cional de um alimento, por exemplo, apresenta os principais
componentes nutricionais que qualificam o produto. As
Atenção informações contidas em um currículo, nesse mesmo sen-
tido, ajudam um entrevistador a conhecer as qualidades de
Para que uma sentença seja considerada como discurso indireto livre, quem se candidata a uma vaga de emprego. Muitas vezes,
é fundamental que, além desses marcadores indicados, ela esteja
o próprio texto narrativo faz uso da descrição ao caracteri-
inserida em um contexto no qual possa representar simultaneamente
a voz do narrador e o pensamento da personagem. Não se esqueça: zar as roupas, personalidades e emoções das personagens,
todo recurso indireto livre exige onisciência do narrador. por exemplo.

Ferramentas do texto descritivo: a


Texto descritivo percepção descritiva
A percepção descritiva está relacionada ao modo como
Conceito base o autor faz a caracterização: ele pode envolver-se com
Para compreendermos a descrição, é preciso diferen- aquilo que está sendo descrito, veiculando sua opinião a
ciá-la do texto narrativo. Para isso, devemos relembrar o respeito do que está caracterizando, ou, ainda, pode criar
conceito base de narração que vimos anteriormente: todo um distanciamento, evitando transmitir parcialidade. Sendo
texto narrativo sempre é marcado por um desenvolvimento assim, podemos dividir a descrição em dois tipos:
temporal. Considerando isso, analise a tirinha a seguir:
a. descrição subjetiva: apresenta um teor pessoal, pois o
Adao Iturrusgarai

autor transmite suas opiniões a respeito do que está


sendo apresentado. É bastante comum que haja uma
grande recorrência de vocábulos que enalteçam ou
desmereçam as qualidades apresentadas.
O moço era alto, esbelto e seus olhos pareciam tão pro-
fundos quanto a extensão dos mares mais profundos. Sua voz
era firme e rígida, mas transmitia serenidade e gentileza a todos
que a ouviam.

b. descrição objetiva: apresenta um teor impessoal, uma


vez que o autor não apresenta suas opiniões a res-
peito daquilo que está sendo descrito. É um tipo de
descrição marcado por um estilo fluído, direto, com
poucos adjetivos.
Sua camiseta era preta e com detalhes em branco. A gola
era em formato de um “v”. Por cima dessa peça, havia uma
jaqueta da mesma cor, embora o tipo de tecido fosse outro.

46 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 2 Tipologia textual e gêneros discursivos

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP2_LA.INDD / 15-09-2020 (21:37) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Ferramentas do texto descritivo: o tipo Narração Descrição
de descrição Predomínio de verbos de ação: Predomínio de verbos de liga-
Ao descrever uma pessoa, por exemplo, o autor do fazer, pensar, correr etc. ção: ser, estar, permanecer etc.
texto pode concentrar a caracterização a partir dos ele-
mentos físicos ou psicológicos que a definem. Observe, a Emprego de expressões Emprego de adjetivos e expres-
seguir, um trecho do livro Iracema, de José de Alencar, no temporais: ontem, na manhã sões qualificadoras: grande,
seguinte, horas depois etc. empolgante, esbelto etc.
qual o narrador introduz a personagem principal na história:
Relato de eventos incomuns.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos Exemplo: Caracterização de eventos
mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe Naquele dia, o professor entrou rotineiros. Exemplo:
de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem da sala e questionou os alunos: Todas as manhãs, o professor
a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. – Eu pareço triste? estava feliz e parecia animado
Em seguida, alguns respon- em ensinar. A sala era bastante
ALENCAR, José de. Iracema. 24 ed. São Paulo: Ática, 1991. Disponível em:
<www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000136.pdf>.
deram: receptiva e permanecia partici-
Acesso em: 17 jul. 2020. – Você sempre parece estar pativa quando era necessário.
bem, professor.
Vemos que a descrição feita se limita apenas aos ele- Tab. 3 Diferenças entre textos narrativos e texto descritivos.
mentos visuais da personagem, destacando sua beleza
de modo bastante explícito. Esse tipo de caracterização é
denominado descrição física. Texto dissertativo
Compare, agora, esse fragmento de Iracema com um
trecho do livro O cortiço, de Aluísio Azevedo: Conceito base
Das suas hortas recolhia para si e para a companheira os Como visto anteriormente, o texto narrativo é marca-
piores legumes, aqueles que, por maus, ninguém compraria; do por desenvolvimento temporal e por uma sequência de
as suas galinhas produziam muito e ele não comia um ovo, eventos usada para contar uma história. Já o texto descritivo,
do que no entanto gostava imenso; vendia-os todos e conten- por sua vez, é estruturado pela caracterização de pessoas,
tava-se com os restos da comida dos trabalhadores. Aquilo já objetos, lugares, entre outros. A dissertação, em contraste
não era ambição, era uma moléstia nervosa, uma loucura, um com esses dois tipos de textos, é organizada a partir de um
desespero de acumular; de reduzir tudo a moeda. desenvolvimento lógico e por uma sequência de ideias feita
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. 30. ed. São Paulo: Ática, 1997. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000015.pdf>. Acesso para abordar um assunto de modo explícito. Por conta disso,
em: 17 jul. 2020. devemos considerar a dissertação como um texto respon-
sável por trazer informações e propor debates ou reflexões
Nessa passagem, o narrador nos apresenta a perso-
sobre um determinado tema. Analise o texto a seguir:
nagem João Romão, conhecida por sua avareza e apego
excessivo ao dinheiro. Diferentemente do visto em Iracema, O consumo de água no mundo é um dos grandes temas
essa passagem foca em um traço psicológico e compor- em debate na atualidade. Em uma média total, a maior parte da
tamental da personagem: seu vício em poupar bens e utilização da água é realizada pela agricultura, que detém 70%
moedas era tão grande que preferia viver em péssimas do consumo; seguida pela indústria, que detém 22%; e pelo uso
condições para que seu lucro fosse maior. doméstico e comercial com 8%. No entanto, nos países subde-
Todas as vezes que o processo de descrição não se senvolvidos, essa média é diferente: a agricultura representa 82%;
limitar à aparência das personagens, revelando traços de a indústria, 10%; e as residências, 8%. Nos países desenvolvidos,
sua psique, personalidade ou comportamento, devemos a relação dessas atividades com o consumo é de 59% para a
denominá-la como descrição psicológica. indústria, 30% para a agricultura e 11% para o uso doméstico.
“Consumo de água no mundo”. Mundo Educação. Disponível em: <https://
mundoeducacao.uol.com.br/geografia/consumo-agua-no-mundo.htm>.
Diferenciando narração de descrição Acesso em: 17 jul. 2020.

Embora sejam tipos de textos distintos, algumas vezes é Nesse exemplo, percebemos que o autor aborda de
preciso bastante atenção para diferenciar um trecho narrativo maneira explícita um assunto bastante pertinente para nossa
de um descritivo. Para isso, devemos nos apoiar sempre na sociedade: o consumo de água. Podemos dizer que a disserta-
finalidade comunicativa de cada um: a narração sempre será ção, nesse sentido, é o tipo de texto predominante em jornais
desenvolvida em uma sequência temporal e apresentará e revistas, por exemplo, uma vez que as discussões propostas
uma história ao leitor; já a descrição sempre será desenvol- pelo jornalismo tendem a refletir um debate de interesse pú-
vida a partir de uma caracterização feita com qualidades de blico. Esse é um dos motivos pelos quais grande parte dos
um objeto, pessoa, cena etc. exames seletivos do país, como os vestibulares e concursos
Além dessas diferenças entre as funções sociocomu- públicos, tende a solicitar aos candidatos a elaboração de uma
nicativas de cada tipo de texto, também é possível apontar dissertação – é por meio desse tipo de texto que os examina-
dores podem tomar conhecimento das posições assumidas
FRENTE ÚNICA

outras particularidades a partir da estrutura textual, confor-


me aponta a tabela a seguir: pelos autores em respeito a temas relevantes.

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Finalidade comunicativa do texto falar. Ninguém quer aprender a ouvir.” Pelo visto, estava certo.
Porque, para ouvir, é preciso antes se fazer silêncio dentro. E o
dissertativo mundo anda tão barulhento, há tanta informação e parece que
A dissertação está presente em diversas situações co- todos temos sempre tanto a falar que, num curso de Escutatória,
tidianas e permite a articulação de debates, conferências seríamos todos reprovados.
e diversas ocasiões em que um determinado assunto seja [...]
trabalhado de forma explícita pelas pessoas. Em entrevistas Quando a gente se dá conta de que o escutar é algo essen-
de emprego, por exemplo, é comum que os candidatos ao cial para um ser humano se desenvolver de maneia saudável,
cargo disputado tenham que defender por que devem ser especialmente no que tange a sua saúde psicoemocional,
selecionados para a vaga. percebe a gravidade do problema. Um problema bem sério.
E que, ao se manifestar de maneira sistêmica, torna-se uma
Tipos de texto dissertativo: dissertação questão de saúde pública, uma pandemia para a qual ainda
não inventaram remédio ou vacina.
expositiva BETTI, Fabio. “Escutar é uma questão de consciência, não de método”, Revista
Nesse tipo de dissertação, o objetivo do enunciador é Exame, 10 jun. 2020. Disponível em: <https://exame.com/blog/gestao-fora-da-
caixa/escutar-e-uma-questao-de-consciencia-nao-de-metodo/>.
transmitir ao interlocutor informações sobre um determina- Acesso em: 17 jul. 2020.
do tema, evitando posicionar-se sobre ele. Para criar esse
efeito de imparcialidade, é bastante comum que a disser-
tação expositiva seja escrita em terceira pessoa. Ferramentas do texto dissertativo:
Já é possível afirmar que a fase de euforia nas bolsas dos EUA
a objetividade
em 2018 terminou. Os preços das ações dispararam. E agora? Quando o autor de uma dissertação aborda o tema de
Comprar, vender ou manter as aplicações? As opções são modo impessoal, sem relacionar suas experiências de vida
simples, mas a decisão nunca é fácil. com o assunto tratado, dizemos que o texto é composto de
Há justificativas para otimismo e pessimismo em relação modo objetivo. A linguagem usada é predominantemente
a diferentes temas do mercado. denotativa e costuma-se empregar a terceira pessoa como
Argumento pessimista: As ações estão caras. Neste fim de forma de reforçar a impessoalidade pretendida pelo autor.
semana, a ex-presidente do banco central Janet Yellen afirmou Veja o exemplo a seguir:
que as bolsas americanas estão “altas”, com razão entre preço
e lucro próxima do teto do intervalo histórico. Componentes No Brasil, é crescente a participação da mulher no mercado
do S&P 500 são negociadas por quase 23 vezes os lucros, de trabalho e é notório o aumento de sua importância na eco-
múltiplo que só se viu uma vez desde a bolha das ações de nomia. É progressiva também a responsabilidade feminina no
internet. Foi logo após a crise financeira, quando os lucros sustento da família e destaque profissional em diversos setores.
praticamente sumiram. Entretanto, as funções exercidas, os cargos e as remunerações
Argumento otimista: A perspectiva para os lucros das em- dessas mesmas mulheres ainda se encontram em defasagem
presas é excelente. O movimento de revisões para cima nas considerável quando comparados com os dos homens.
estimativas para os lucros das empresas componentes do S&P As mulheres brasileiras ainda recebem em média 70% do
500 é um dos mais robustos que já se viu. As previsões para os salário que os homens ganham para executar as mesmas tare-
lucros por ação em 2018 subiram em mais de US$ 10 desde fas, nos mesmos postos de trabalho. Além disso, as condições
meados de dezembro, ritmo quatro vezes mais rápido do que de trabalho e a hierarquia nas instituições ainda desfavorecem
em qualquer período desde pelo menos 2012, de acordo com as mulheres em relação aos seus colegas do sexo masculi-
dados compilados pela Bloomberg. no. Os cargos de chefia ainda são exercidos, na maioria dos
LEINZ, Kailey. “Fim de festa nas bolsas dos EUA? Há argumentos dos dois
setores, por homens, mesmo em profissões tidas como histo-
lados”, Revista Exame, 7 fev. 2018. Disponível em: <https://exame.com/ ricamente femininas.
mercados/fim-de-festa-nas-bolsas-dos-eua-ha-argumentos-dos-dois-lados/>. RIBEIRO, Amarolina. “Participação feminina no mercado de trabalho”. Mundo
Acesso em: 17 jul. 2020. Educação. Disponível em: <https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/
participacao-feminina-no-mercado-trabalho.htm>. Acesso em: 17 jul. 2020.

Tipos de texto dissertativo: dissertação


argumentativa Ferramentas do texto dissertativo:
Diferentemente da dissertação expositiva, a intenção a subjetividade
do enunciador é convencer o interlocutor a respeito de Em oposição ao texto objetivo, a dissertação subjeti-
algum ponto do tema abordado. Para tanto, estrutura-se va relaciona claramente a pessoalidade do autor ao tema
o texto a partir de uma tese posicional e de argumentos abordado. Suas experiências de vida, memórias e demais
que procuram defendê-la. Trata-se de um tipo bastante particularidades individuais são usadas para propor a
comum de texto solicitado em situações que demandem discussão do tema. Usualmente, emprega-se linguagem
uma opinião. conotativa no texto e é comum estruturá-lo em primeira
pessoa. A seguir, temos um exemplo desse recurso:
Numa alusão à profusão dos cursos de Oratória, Rubem Al-
ves cunhou o termo Escutatória em um daqueles textos cheios Mulheres. Somos plurais. Diversas. Força. Potência. Somos
de inspiração que esse filósofo, educador e poeta compunha mães, leoas. Somos líderes natas. Somos 51% da população,
como ninguém. Ele dizia que “todo mundo quer aprender a mas ganhamos em torno de 22% menos que os homens (IBGE

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2019), ocupamos apenas 37% dos cargos de liderança e 12% É possível observar que a discussão do tema é originada
dos cargos políticos. De acordo com a Unesco somos apenas a partir de um grupo particular (profissionais da educação), o
28% das pesquisadoras em ciência, engenharia, tecnologia e que permite ao enunciador desenvolver sua análise também
matemática. E apenas 17 mulheres receberam o prêmio Nobel em um nível geral (diversos profissionais do Estado).
nessas áreas. Segundo um levantamento de 2018 do Instituto
Unibanco quase 2 milhões de meninas e mulheres entre 15 e
29 anos não terminaram o ensino médio. Texto injuntivo
Só em 1879 as mulheres brasileiras conseguiram o direito
de estudar em instituições de ensino superior, e quem seguia Conceito base
esse caminho era criticada. Votar só foi possível na década de O texto injuntivo é organizado para expressar uma instru-
1930. Na Arábia Saudita as mulheres conseguiram o direito de
ção ao interlocutor. Por conta disso, é bastante frequente que
dirigir em 2017, único país que ainda mantinha essa restrição.
apresente uma organização em tópicos, como forma de tornar
Mas temos também ótimos exemplos de mulheres na ciência
como a Hedy Lamarr, que além de atriz, criou a tecnologia essa instrução mais didática e de fácil compreensão. Visto que
que serviu de base para o Wi-Fi. A NASA anunciou que vai se trata de um tipo de texto criado para transmitir uma informa-
renomear a sua sede em Washington para Edifício Mary W. ção, a injunção é geralmente estruturada com verbos no modo
Jackson, em homenagem à primeira engenheira negra da agên- imperativo, conjugados em segunda pessoa do caso pessoal
cia espacial. Temos mulheres na ciência. Precisamos de mais. (tu) ou com pronomes de tratamento como “você”, “senhor”,
STEREA, Yasmine McDougall. “Mulheres mudam o mundo”, Revista Exame, “senhora”, entre outros. Avalie o texto a seguir:
1º jul. 2020. Disponível em: <https://exame.com/blog/nosso-olhar/mulheres-
mudam-o-mundo/>. Acesso em: 17 jul. 2020. Para participar desse concurso você deve preencher os
requisitos:
a. Ter entre 18 e 30 anos.
Ferramentas do texto dissertativo: b. Ser brasileiro(a).
a dedução c. Possuir ensino superior completo.
Considerada como uma estratégia de desenvolvimento, Envie sua inscrição por e-mail para o endereço que consta
a dedução textual é feita quando a dissertação parte de na ficha anexada. Informe seus dados no corpo do texto.
uma ideia em nível geral para, então, restringi-la a algo Atenção: O título da mensagem deverá ser “inscrição do
particular. Analise o texto a seguir: concurso”.

Há diversas áreas de serviço público no Brasil que carecem


de real investimento do Estado. Naturalmente, tais áreas são funda-
Finalidade comunicativa do texto
mentais para o correto funcionamento da sociedade e, como não injuntivo
há políticas de valorização desses serviços, o brasileiro vive refém Por apresentar teor informativo e instrucional, o texto
de péssimas condições. É o caso da educação, por exemplo, visto
injuntivo é frequentemente usado para criar campanhas de
que escolas públicas não dispõem sequer de professores, quanto
conscientização pública. A dengue, por exemplo, é uma
mais de instalações adequadas para o aprendizado.
doença que demanda anualmente propagandas educativas
Observamos nesse exemplo que a discussão proposta do poder público para alertar as pessoas sobre o perigo
surge a partir de um grupo generalizado (diversas áreas) de manter água parada e como é possível lutar contra os
para que o autor possa discutir a situação de um grupo mosquitos vetores dessa doença. Outro exemplo bastante
específico (educação). comum no cotidiano são as receitas médicas recebidas por
um paciente após a consulta com um profissional: trata-se
Ferramentas do texto dissertativo: de um texto organizado didaticamente para orientar o leitor
a indução sobre como proceder com um tratamento, qual remédio
Trata-se de uma estrutura de desenvolvimento em que deve ser consumido, por quanto tempo usá-lo etc.
a dissertação aborda, primeiramente, uma ideia particular
para, em seguida, discuti-la de modo geral. Leia o texto de Ferramentas gramaticais do texto
exemplo a seguir: injuntivo
Os profissionais de educação do Brasil são mal remune-
Sendo um texto de qualidade instrucional, a injunção
rados e, por conta disso, há uma tendência natural de baixos deve apresentar verbos conjugados no modo imperativo –
índices de aproveitamento dos alunos. Porém, esse quadro esses verbos expressam uma ordem e servem para transmitir
grave de desvalorização salarial também afeta diversas áreas a informação. Além desse recurso, o texto injuntivo é fre-
públicas no país, como a saúde e a segurança, motivo pelo qual quentemente organizado em tópicos, muitas vezes divididos
a nação se encontra em um profundo estado de calamidade em etapas para facilitar a compreensão do leitor. Consideran-
nos serviços básicos à população. do esses elementos, analise a propaganda a seguir:
FRENTE ÚNICA

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sucinto. Em contraste ao bilhete, por exemplo, temos um

Acervo Secretaria Municipal de Saúde/Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro


trabalho de conclusão de curso (conhecido pela abrevia-
ção TCC), exigido de graduandos para colação de grau
no Ensino Superior: trata-se de um gênero cuja extensão
do texto é bastante elevada, justamente por discutir um
assunto de modo aprofundado, comprovando que o autor
domina a área do conhecimento abordada. Essas carac-
terísticas predefinidas dos gêneros textuais auxiliam na
produção, no reconhecimento coletivo e na veiculação
em sociedade.

Aspectos de formação de gêneros


Veremos, a seguir, os aspectos de formação dos gê-
neros textuais. Cada um deles é responsável por adequar
os textos à situação de comunicação em que são produ-
zidos. Podemos dividi-los em dois grupos: a composição
estilística, que determina o tipo de linguagem empregada
Nessa campanha publicitária da prefeitura do Rio de no texto e o nível de formalidade usada pelo autor, e a
Janeiro, os tópicos são usados para melhorar a compreen- composição estrutural, cujo emprego determina o modo
são da mensagem. Além deles, também observamos dois como os parágrafos são compostos.
verbos usados para transmitir uma ordem: o primeiro, “li-
gar”, é usado informalmente e possui sentido contextual do Composição estilística
modo imperativo; o segundo, “procurar”, no lado esquerdo
inferior do texto, conclui a mensagem instrucional. Tipo de linguagem
a) Denotativa (ou literal): corresponde ao emprego vo-
Atenção cabular cujo sentido das palavras é dicionarizado, ou
seja, previsto pelo dicionário.
Alguns textos injuntivos são organizados para que as instruções for-
necidas expressem exigências ao leitor. É o caso das leis, cláusulas Esqueci a janela da casa aberta.
contratuais e editais, por exemplo. Nesses casos, a injunção pode
Nessa construção, o vocábulo “janela” está limitado ao
ser chamada de prescrição. O texto prescritivo, portanto, é composto
de instruções obrigatórias ao leitor. sentido do dicionário: trata-se de uma abertura na parede
externa de uma construção.
b) Conotativa (ou figurada): corresponde ao emprego
vocabular cujo sentido das palavras extrapola aquele
Gêneros discursivos previsto em dicionário e assume um valor representa-
tivo, criado em contexto.
Conceito base
Os olhos são a janela da alma.
Consideramos que qualquer mensagem produzida com
um sentido comunicacional deve ser considerada como Nessa construção, o mesmo vocábulo é usado, mas
gênero discursivo (ou textual). Nesse sentido, os gêneros o sentido atribuído a ele não se limita à definição dicio-
textuais compõem todas as manifestações verbais ou não narizada: aqui, é preciso compreendê-lo com um valor
verbais cujo propósito de criação seja estabelecer uma representativo, ou seja, os olhos permitem interpretar a
comunicação com alguém. No cotidiano, fazemos uso de essência de uma pessoa.
diversos gêneros discursivos para tornar possível a vida
em comunidade: escrevemos mensagens em aplicativos Nível de formalidade
de comunicação para conversar com amigos e familiares, a) Formal: corresponde ao emprego vocabular adequa-
trocamos e-mails profissionais para desenvolver um projeto, do à norma-padrão. Nessa modalidade do idioma, há
ouvimos e produzimos podcasts para debater um assunto preocupação com a concordância verbal e nominal,
de relevância pública ou apenas para nosso entretenimen- bem como com a busca por clareza e concisão discur-
to, entre outros. sivas. Trata-se de um nível de linguagem comum em
Os gêneros discursivos apresentam uma estrutura re- textos técnicos e jurídicos, assim como em situações
lativamente estável, ou seja, costumam ser organizados comunicativas em que haja distanciamento entre os
de uma forma padronizada consensualmente conhecida interlocutores.
por grande parte das pessoas. Um bilhete, por exemplo, é b) Informal: corresponde ao emprego vocabular com
produzido com um tamanho reduzido e transmite apenas desvios em relação à norma-padrão. Nessa modalida-
informações cruciais sobre algo. Dificilmente alguém irá de do idioma, existe pouca ou nenhuma preocupação
escrevê-lo com muitas linhas e diversos assuntos, uma vez com aspectos da gramática normativa. Caracteriza-se
que o padrão desse gênero demanda que o autor seja por ser uma variedade que privilegia a espontaneidade

50 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 2 Tipologia textual e gêneros discursivos

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linguística, composta de gírias, expressões idiomáticas e reduções sonoras. Geralmente, a informalidade é exercida
em situações nas quais haja proximidade entre os interlocutores.

Composição estrutural
a) Prosa: padrão de parágrafo produzido em linha reta, com pouca ou nenhuma preocupação com ritmos sonoros e a
metrificação dos períodos. Comum em textos não literários, como notícias, reportagens e editoriais. A divisão dos
textos é feita em parágrafos.
b) Verso: padrão de paragrafação oposto à prosa, no verso há preocupação com o ritmo sonoro e a metrificação das pa-
lavras. É comum nos textos literários, como poesias. A divisão dos textos é feita em estrofes.

Atenção
Para que os gêneros textuais sejam elaborados, é necessário que haja um suporte em que deverão ser escritos. Devemos considerar suporte como
o meio físico (papel, cartolina, caderno, entre outros) ou digital (blog, redes sociais, editor de texto, entre outros) no qual produzimos os textos.

Relação entre os aspectos de formação de gêneros


É a relação entre os aspectos de formação vistos anteriormente que irá garantir aos gêneros textuais um padrão
consensualmente conhecido e praticado pela sociedade para a produção de cada um deles. Como há infinitas formas de
combinar esses aspectos, podemos dizer que há infinitos gêneros textuais que podemos criar. Considerando isso, observe
a tabela a seguir em que analisaremos alguns dos gêneros usados no cotidiano e em situações específicas

Tipo de Nível de Composição


Gênero textual Função social
linguagem formalidade estrutural
Produzido em plataformas de streaming, são vídeos geralmente
Gameplay Conotativa Informal Prosa curtos em que os autores avaliam algum game, recomendando ou
não ao espectador a compra do jogo.
Muito semelhante ao gameplay, pode ser produzido em plata-
formas de streaming ou impresso em revistas especializadas em
Detonado Conotativa Informal Prosa
jogos eletrônicos. É estruturado como um guia, em passo a passo,
para finalizar um game.
Pode ser produzida em suporte digital ou impresso. Cumpre a
Notícia jornalística Denotativa Formal Prosa função de informar o leitor sobre acontecimentos recentes, de
modo imparcial.
Música popular veiculada em festas juninas; geralmente é pro-
Quadrilha Conotativa Informal Verso duzida para acompanhar a dança de um grupo e, muitas vezes,
apresenta versos bem-humorados.
Música infantil de ritmo dançante, é veiculada em contextos educa-
Cantiga de roda Conotativa Informal Verso
cionais para transmitir ensinamentos às crianças de forma lúdica.
Tab. 4 Exemplos de gêneros textuais e de que maneira são aplicados no cotidiano.

Gêneros textuais da esfera jornalística


Dentre os infinitos gêneros textuais que usamos no nosso cotidiano, destacam-se em importância social aqueles que
pertencem à esfera jornalística. Isso porque esses textos auxiliam na divulgação de informações, mantendo a população
bem informada, além de contribuírem para a investigação de temas relevantes e de interesse público. Por conta disso,
veremos a seguir os principais gêneros jornalísticos na ordem em que geralmente são produzidos.

a) Notícia: trata-se do primeiro texto jornalístico que se produz a respeito de algum acontecimento. Sua função é comu-
nicar, de modo imparcial e objetivo, o acontecimento a que se refere. É produzida em terceira pessoa, de modo que
não há diálogo entre o enunciador e o interlocutor do texto. Na notícia, predomina a estrutura narrativa, com trechos
descritivos. Costuma seguir o modelo a seguir:

yy Título (ou manchete): resumo brevíssimo do fato noticiado.


yy Subtítulo (opcional): explicação brevíssima das informações do título.
yy 1º parágrafo: nessa parte inicial do texto, o jornalista procura trazer uma compilação das informações mais importantes
FRENTE ÚNICA

da notícia. São elas: o que aconteceu, com quem aconteceu, quando aconteceu, onde aconteceu e como aconteceu.
yy 2º parágrafo em diante: as partes restantes do texto apresentam um aprofundamento da notícia. Trazem informações mais
detalhadas e, muitas vezes, contêm depoimentos em discurso direto, como forma de garantir imparcialidade no texto.
Considerando essa estrutura padrão, veja na página seguinte um exemplo de uma notícia.

51

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Fiscais flagraram 47 crianças em situação de trabalho c) Reportagem: outro gênero muito comum no cotidiano
infantil em MT entre 2016 e 2019 de jornalistas é a reportagem. Trata-se de um texto
Seminário será realizado para marcar a semana do dia 12
com função semelhante à da notícia, visto que traz
de junho, quando é comemorado o Dia Mundial Contra o informações sobre um acontecimento, mas é compos-
Trabalho Infantil. to de modo extenso e aprofunda a apresentação do
fato noticiado. Costuma apresentar entrevistas com
Quase 50 crianças foram flagradas em situação de trabalho diversas personalidades envolvidas diretamente com
infantil entre 2016 a abril de 2019 em Mato Grosso. Os dados o tema abordado. Além disso, é um texto em que, ge-
são do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT). ralmente, vários jornalistas diferentes trabalham juntos
Segundo o TRT, apesar de subnotificados, os números de crianças para elaborá-lo. Assim, podemos considerar a notícia
em trabalho infantil preocupam. De 2016 a abril de 2019 foram como a apresentação breve de um fato, enquanto a
realizados 47 afastamentos de crianças trabalhando de forma reportagem é o aprofundamento analítico desse fato.
irregular no estado. Assim como na notícia, a estrutura predominante na re-
No mesmo período também foram realizadas aproximada- portagem é narrativa, com alguns trechos descritivos.
mente 400 ações de fiscalização com foco no trabalho infantil O texto a seguir é a introdução de uma reportagem:
pela Superintendência Regional do Trabalho em Mato Grosso
(SRTb/MT), hoje ligada ao Ministério da Economia. Há dois anos, Brasil não sabe quantas crianças
“Fiscais flagraram 47 crianças em situação de trabalho infantil em MT entre trabalham no país
2016 e 2019”. G1, 7 jun. 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/mt/
mato-grosso/noticia/2019/06/07/fiscais-flagraram-47-criancas-em-situacao-de- Há dois anos, o Brasil não sabe quantas crianças e ado-
trabalho-infantil-em-mt-entre-2016-e-2019.ghtml>. Acesso em: 17 jun. 2020. lescentes estão trabalhando no Brasil. A última informação
divulgada pelo IBGE, responsável pelo levantamento de uma
Saiba mais das piores mazelas brasileiras, foi de 2016, divulgada no ano
seguinte. Eram 2,3 milhões naquele ano. A divulgação dos
Na linguagem jornalística, as principais informações de uma notícia (o
dados de 2017 e 2018 estava programada para junho do ano
que aconteceu, com quem aconteceu, quando aconteceu, onde acon-
passado, passou para novembro, depois março deste ano e
teceu e como aconteceu) são chamadas de lide (do inglês LEAD). Essa
agora, segundo o instituto, deve acontecer em junho, já tra-
denominação é o que chamamos de jargão, ou seja, uma linguagem
técnica de um grupo profissional. Outro jargão curioso dos jornalistas zendo os dados de 2019.
é a palavra “foca”, usada para denominar os jovens profissionais que Houve polêmica quando os números do trabalho infantil
começam a carreira jornalística. de 2016 foram divulgados. O IBGE mostrou que havia 1,8 mi-
lhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalhando,
número 66% menor que os 2,7 milhões de 2015. A Pesquisa
b) Artigo de opinião: na ordem com que os textos jorna- Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) foi modificada,
lísticos são produzidos em um dia, o artigo de opinião estabelecendo outros parâmetros para o que é considerado tra-
tende a ser o próximo gênero criado após a notícia. balho e provocou reação das entidades que atuam no combate
Sua função é comentar o fato noticioso, apresentando ao trabalho infantil. O IBGE excluíra da conta as crianças e
uma opinião parcial, subjetiva e pessoal de um jorna- adolescentes que trabalhavam para o próprio consumo. Com
lista (ou convidado especial) do grupo que representa. a inclusão, o número subiu para 2,3 milhões.
É produzido em primeira pessoa, além de apresentar Agência O Globo. “Há dois anos, Brasil não sabe quantas crianças
trabalham no país”. Época Negócios, 14 jan. 2020. Disponível em: <https://
uma linguagem de teor persuasivo. Dada sua função epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2020/01/ha-dois-anos-brasil-nao-
argumentativa, a estrutura predominante é dissertati- sabe-quantas-criancas-trabalham-no-pais.html>. Acesso em: 17 jul. 2020.
va. Avalie o exemplo a seguir:
d) Editorial: após o acontecimento noticiado, o grupo jor-
O grupo especial de fiscalização do governo federal que nalístico costuma publicar, na ordem em que vimos,
verifica denúncias de trabalho escravo retirou 27 crianças e artigos de opinião sobre o tema, bem como reporta-
adolescentes do trabalho escravo ou de atividades relaciona- gens para aprofundar a notícia. Após a confecção de
das na Lista de Piores Formas de Trabalho Infantil do início todos esses gêneros, resta a elaboração do editorial.
do ano até agora. A quantidade já é próxima do total que foi Trata-se de um texto escrito, na maior parte das vezes,
encontrado em todo o ano passado (28) não apenas pelo grupo em terceira pessoa, para expressar o posicionamento
especial, mas por toda fiscalização no Brasil. O número de do grupo de jornalistas sobre a matéria mais importan-
crianças e adolescentes em trabalho infantil, claro, é muito te da edição diária. Figuradamente, o editorial simula a
maior que este, como pode ser visto abaixo. E o grupo móvel “voz” do jornal – entre ele e o artigo de opinião há uma
não é o único a flagrar esse tipo de ocorrência, fiscalizada diferença crucial: o artigo revela a opinião de um indi-
também por outras equipes e pelas superintendências regionais víduo específico, e o editorial traduz o posicionamento
do trabalho nos estados. de um grupo completo de jornalistas. Eventualmente,
Mas o dado é um termômetro. Como o grupo especial ele pode ser produzido em primeira pessoa, mas, nes-
atua contra a escravidão contemporânea funciona como um ses casos raros, quem assina é o editor chefe do grupo
indicador da gravidade dos casos de exploração de crianças e, no corpo do texto, os parágrafos revelam que a opi-
e adolescentes no país. nião expressa é um consenso de todos os jornalistas,
SAKAMOTO, Leonardo. “Fiscalização vê aumento de piores formas de trabalho e não apenas de quem produziu o texto. Por se tratar
infantil em 2019”. Blog do Sakamoto, 12 jun. 2019. Disponível em: <https://
blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2019/06/12/fiscalizacao-ve-aumento-
de um gênero posicional, a estrutura predominante é
de-piores-formas-de-trabalho-infantil-em-2019/>. Acesso em: 17 jul. 2020. dissertativa. Leia com atenção o exemplo a seguir:

52 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 2 Tipologia textual e gêneros discursivos

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O QUE A FOLHA PENSA Leia os exemplos a seguir:
Saneamento urgente Tirinha
Novo marco traz incentivos à superação do vergonhoso

André Dahmer
atraso na oferta do serviço
Há muito tempo não surge uma grande novidade tecno-
lógica no saneamento básico. Ao longo dos séculos 19 e 20,
diversas nações vieram desenvolvendo seus serviços de entrega
de água potável e de coleta e tratamento de esgoto mais ou
menos da mesma maneira.
A necessidade de investimentos elevados poderia ser em-
pecilho para países pobres, mas não para os que, como o Brasil, A análise dessa tirinha revela que sua estrutura é narra-
há muito superaram os limiares da baixa renda. tiva, pois os quadrinhos se desenvolvem em uma sequência
[...] temporal. A quebra de expectativa nas duas últimas cenas
O vergonhoso estágio do saneamento no Brasil decorre introduz o humor do texto, ao mesmo tempo que permite
de várias décadas de desprezo pela boa governança, em nome depreender uma crítica às redes sociais. No geral, a pas-
do atendimento a apetites imediatos do patrimonialismo. Será sagem da penúltima para a última cena de uma tirinha é o
preciso muito esforço para romper com esse legado. momento em que o autor revela o aspecto crítico e humo-
“Saneamento urgente”. Folha de S.Paulo. Disponível em: <https://www1.folha.uol. rístico do texto.
com.br/opiniao/2020/07/saneamento-urgente.shtml>. Acesso em: 17 jul. 2020.

e) Crônica: embora seja um texto de teor opinativo, a Charge (ou cartum):


crônica é distinta dos demais gêneros vistos ante-

Angeli /Fotoarena
riormente. Isso porque ela não está associada a uma
notícia: o tema abordado é escolhido livremente pelo
autor e, geralmente, trata-se de um assunto relacio-
nado a um evento cotidiano banal, sem relevância
pública. Esta é a principal diferença entre a crônica e
o artigo de opinião, visto que ambos são produzidos
em primeira pessoa e tendem a usar uma linguagem
subjetiva e figurada. O trecho do texto a seguir exem-
plifica a seleção temática de uma crônica, bem como
o tipo de linguagem usada para desenvolvê-la:
Amar não é sofrer
A frase que dá título a esta crônica é óbvia, mas mi-
lhares de pessoas não a levam a sério e vivem relações
absolutamente torturantes sem conseguir rompê-las. Homens
e mulheres preferem abrir mão da própria liberdade para
continuar sendo amadas: deixam de ser quem são, deixam Essa charge, por sua vez, deve ser considerada apenas
de externar suas opiniões, deixam de agir como sua natureza descritiva, visto que não apresenta o desenvolvimento de
manda, deixam de ser elas mesmas para não perderem seu uma história. Sua crítica se dá no campo da marginalização,
amor, perpetuando assim uma relação esgotante e dolorosa.
sobretudo na apatia da justiça, representada pela estátua,
Acreditam que amar é ser vítima, que o flagelo emocional
em relação à existência de pessoas em constante contato
faz parte do romance.
com a criminalização – é possível depreender que o autor
Para quem se reconheceu nesse primeiro parágrafo, aca-
ba de ser lançado um livro que vem a calhar: Amores de Alto faz referência à incapacidade da justiça em promover ações
Risco, do psicólogo, filósofo e professor italiano Walter Riso. para que as pessoas possam viver de modo digno, sem
MEDEIROS, Martha. “Amar não é sofrer”. Disponível em: <www.refletirpararefletir. recorrer à violência como forma de existência.
com.br/cronicas-martha-medeiros-amo>r. Acesso em: 17 jul. 2020. Embora os gêneros vistos sejam considerados os mais
f) Tirinhas e charges: ainda na esfera jornalística, te- importantes em uma edição de jornal, há outros que pode-
mos a tirinha e a charge como os primeiros gêneros mos destacar com semelhante relevância. Veja-os a seguir.
verbovisuais que veremos. Apresentam sempre uma
relação entre um texto verbal com uma imagem e, a) Carta do leitor: trata-se de um texto produzido por
muitas vezes, o texto visual é fundamental para a um leitor do jornal ou revista para comentar alguma
compreensão do sentido. A estrutura é predominan- matéria da edição anterior em que é publicado. Essa
temente narrativa, embora possam ser criados apenas carta pode ser produzida manualmente ou enviada
por uma descrição. Apresentam linguagem figurada, por e-mail, o que é mais comum na era digital. Sempre
FRENTE ÚNICA

com posicionamento crítico e, por vezes, humorístico. revela a opinião do leitor.

53

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Achei a escolha da matéria de capa da última edição muito para se infiltrarem também na família burguesa, um a um. No
pertinente! entanto, os segredos e mentiras necessários à ascensão social
Precisamos discutir o correto uso da água para que as custarão caro a todos.
próximas gerações tenham acesso igualitário a esse direito “Parasita”. Adoro Cinema. Disponível em: <www.adorocinema.com/filmes/
universal. filme-255238/>. Acesso em: 17 jul. 2020.

Tenho apenas uma crítica: seria importante trazer mais


depoimentos de especialistas para melhorar a reportagem. Ti- Gêneros textuais da esfera propagandística
rando isso, ficou perfeita!
Tão importantes quanto os gêneros jornalísticos, as
Parabéns pelo trabalho.
propagandas e campanhas publicitárias fazem parte do
Carla Figueiredo
nosso cotidiano e permitem a veiculação de produtos,
b) Resenha: muito semelhante a um resumo, a resenha serviços e até mesmo ideias. São geralmente produzidas
apresenta as principais informações sobre uma obra, para estabelecer interlocução com o leitor, através de um
tal como um álbum musical, um livro literário, uma pacto de confiança que auxilia na comercialização de algo:
peça de teatro, entre outros. Sua função é despertar compreendemos pacto de confiança como a tentativa do
o interesse e a curiosidade do leitor sobre aquilo que enunciador de assemelhar-se a alguém próximo do cliente,
está sendo resenhado. Na maior parte dos casos con- para que a intenção de venda seja considerada um acon-
tém a opinião do resenhista, devendo ser nomeada selhamento. Há predomínio de verbos no imperativo e em
como resenha crítica. segunda pessoa. Além disso, costumam fazer uso de lin-
Mulheres que Correm com os Lobos é um best-seller in-
guagem verbal e visual para chamar a atenção dos leitores.
comum, que desafia rótulos e explicações. Lançado em 1992 Considerando isso, veremos, a seguir, alguns exemplos
pela psicanalista, poeta e contadora de histórias americana de gêneros dessa esfera.
Clarissa Pinkola Estés, o livro mistura histórias folclóricas com a) Campanha: texto geralmente motivado por um inte-
uma profunda análise psicológica para resgatar a natureza fe- resse público, como doação de alimentos, roupas,
minina indomável – tudo isso temperado com doses generosas calçados, entre outros. Por esse motivo, o anunciante
de espiritualidade e sabedoria. é, na maior parte das vezes, um agente público ou
A experiência de ler Mulheres que Correm... é multifa- uma associação de grupos específicos, como mora-
cetada e poderosa: às vezes sedutora, outras, aterrorizante. dores de um bairro ou comerciantes. Uma vez que
Mesmo que as histórias sejam povoadas por mocinhas, bruxas, as campanhas tendem a ser direcionadas a muitas
vilões, animais e criaturas mágicas, a protagonista do livro é a pessoas, é comum o uso de imagens de fácil com-
própria leitora. Parte desta mística ao redor do livro tem a ver preensão, bem como linguagem informal e verbos
com o fato de que sua leitura não é lá muito fácil. Ao longo instrucionais. Analise a seguir uma campanha criada
de décadas, incontáveis grupos, círculos, clubes e seminários pela prefeitura de uma cidade paulista:
vêm reunindo leitoras em busca de um entendimento mais
profundo sobre os mitos, lendas e contos de fadas com que a

Acervo Secretaria Municipal de Saúde/Município de Atílio Vivacqua, ES


autora ilustra o universo feminino profundo.
“25 anos de um best-seller: saiba por que "Mulheres que Correm com os
Lobos” mudou a vida de milhares de leitoras”. Gaúcha ZH, 27 jul. 2017.
Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/donna/noticia/2017/07/25-
anos-de-um-best-seller-saiba-por-que-mulheres-que-correm-com-os-lobos-
mudou-a-vida-de-milhares-de-leitoras-cjpk6uhex000vc2cnc03cl5aw.html>.
Acesso em: 17 jul. 2020.

c) Sinopse: muito semelhante à resenha, diferencia-se


na função do texto e em seu tamanho. Isso porque a
sinopse introduz apenas o tema abordado pela obra
apresentada, sem desenvolver mais aspectos envolvi-
dos na análise. Por conta disso, é um texto mais curto
do que a resenha, limitando-se muitas vezes a um úni- No aspecto visual, percebemos que o enunciador faz
co parágrafo. uso de figuras que representam diversos grupos diferentes
de pessoas: há alguns mais velhos, outros bastante jovens;
PARASITA há homens e mulheres, além de outros contrastes entre as
7 de novembro de 2019 / 2h 12min / Suspense pessoas. Esse efeito reforça o teor global da propaganda,
Direção: Bong Joon Ho ilustrando que o público-alvo é bastante distinto. Nesse sen-
Elenco: Song Kang-Ho, Woo-sik Choi, Park So-Dam tido, o texto verbal confirma a intenção do texto de escalar
Nacionalidade Coréia Do Sul as mais diversas pessoas em prol da vacinação. Finalmente,
Não recomendado para menores de 16 anos o uso do termo "Vacine-se" instrui o leitor para aderir à cam-
panha, sintetizando as mensagens verbais e visuais.
Em Parasita, toda a família de Ki-taek está desempregada,
vivendo num porão sujo e apertado. Uma obra do acaso faz b) Propaganda: diferentemente das campanhas publicitá-
com que o filho adolescente da família comece a dar aulas rias, as propagandas tendem a focar um grupo menor
de inglês à garota de uma família rica. Fascinados com a vida como público-alvo e, geralmente, são elaboradas por
luxuosa destas pessoas, pai, mãe, filho e filha bolam um plano empresas privadas com a finalidade de promover uma

54 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 2 Tipologia textual e gêneros discursivos

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venda, produto ou serviço – nada impede que também veiculem ideologias ou ideias, embora seja menos frequente.
Costumam fazer uso de imagens e texto verbal, ao mesmo tempo que constroem um apelo direto ao leitor. Esse ape-
lo pode ser criado com um verbo no modo imperativo ou apenas em contexto. Analise a propaganda a seguir, usada
em uma avaliação do Enem:

SOS Mata Atlântica/Y&R


A propaganda explora uma relação de analogia entre a imagem das árvores e o pulmão humano, criando a ideia figu-
rada de que as florestas são indispensáveis para que o planeta ofereça oxigênio para os seres humanos. Essa analogia
fundamenta contextualmente a mensagem para que haja o apelo ao leitor, induzindo-o a preservar as matas.

Revisando
1 Fuvest entrava o rumor das vozes alteradas, as ruas deviam estar
Ser consciente é talvez um esquecimento. cheias de gente, a multidão a gritar uma só palavra, Vejo,
Talvez pensar um sonho seja, ou um sono. diziam-na os que já tinham recuperado a vista, diziam-na
Talvez dormir seja, um momento, os que de repente a recuperavam, Vejo, vejo, em verdade
Voltar o ‛spirito nosso a ser dono. começa a parecer uma história doutro mundo aquela em
[Fernando Pessoa] que se disse, Estou cego. (...) Por que foi que cegámos, Não
sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres
a) O trecho anterior, do ponto de vista da compo- que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos,
sição, classifica-se como descritivo, narrativo ou penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que,
dissertativo? vendo, não veem.
A mulher do médico levantou-se e foi à janela.
Olhou para baixo, para a rua coberta de lixo, para as pes-
soas que gritavam e cantavam. Depois levantou a cabeça
b) Justifique sua resposta, transcrevendo pelo me- para o céu e viu-o todo branco, Chegou a minha vez,
nos dois elementos do texto. pensou. O medo súbito fê-la baixar os olhos. A cidade
ainda ali estava.
JOSÉ SARAMAGO
Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Em Ensaio sobre a cegueira, o autor testa os limites


da expressão ao convencionar um novo sistema de
pontuação. Uma dessas inovações diz respeito à repre-
sentação do discurso direto, como se pode observar
no diálogo representado no texto. Com base nisso,
Texto para as questões 2 e 3.
[...] Minutos depois, já sozinhos, o médico foi sentar- 2 Uerj 2017 (Adapt.) Identifique dois recursos emprega-
-se ao lado da mulher, o rapazinho estrábico dormitava
FRENTE ÚNICA

dos para representar o discurso direto.


num canto do sofá, o cão das lágrimas, deitado, com o
focinho sobre as patas dianteiras, abria e fechava os olhos
de vez em quando para mostrar que continuava vigilante,
pela janela aberta, apesar da altura a que estava o andar,

55

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3 Uerj 2017 (Adapt.) Explique o efeito que essa represen- As manchetes jornalísticas caracterizam-se pela ob-
tação traz para o fluxo da narrativa. jetividade, evitando comentários avaliativos e/ou
explicações causais e descrições. Reescreva o texto
em um período, explicitando informações avaliativas e
descritivas subentendidas na manchete.

4 Uema 2015 No texto narrativo, o autor preocupa-se


basicamente em relatar a sucessão de fatos que ocor-
rem em um determinado espaço e tempo. Um dos
recursos utilizados por ele é a escolha do discurso 6 Unicamp 2015 O circo não é mais o mesmo, respeitá-
que determina a posição do narrador. O texto a seguir vel público. A tradição do picadeiro itinerante, da arte
é um fragmento do conto “A confissão de Leontina”, hereditária, vem se transformando. Uma das grandes
que integra a obra Melhores Contos, de Lygia Fa- mudanças foi a partir da segunda metade do século XX,
gundes Telles. Nele o narrador faz uso do discurso quando os próprios artistas, preocupados com as exigên-
indireto. Leia-o com atenção. cias da educação formal de seus filhos, decidiram fixar
“[...] Seu Armando que é pianista lá do salão de danças residência. Muitos reduziram as viagens, mandaram as
já me aconselhou a não perder a calma e esperar com con- crianças para a casa de parentes e para uma escola fixa e
fiança que a justiça pode tardar mas um dia vem. Respondi assumiram um novo modo de vida. O circo não é mais o
então que confiança podia ter nessa justiça que vem dos mesmo: encontrou outros modos de organizar-se, muito
homens se nunca nenhum homem foi justo para mim. [...]” além da lona. Ocupa espaços nunca antes imaginados,
Fonte: PORTELLA, Eduardo. A confissão de Leontina. In: Melhores Contos de como academias, projetos sociais, oficinas culturais e até
Lygia Fagundes Telles.12 ed. São Paulo: Global, 2003. hospitais.
No Brasil, grande parte dessa transformação se deve aos
Reescreva o fragmento narrativo, utilizando o discurso
próprios artistas que, preocupados ainda com a continuida-
direto. Faça as adaptações necessárias.
de da arte circense, participaram da criação de escolas para
a formação das novas gerações. Escolas e cursos abertos a
quem se interessasse. De fato “os próprios artistas foram
abrindo o ambiente para outras pessoas e facilitando esta via
de mão dupla. O ‘circo novo’ de hoje estabelece-se a partir
desta relação com o novo sujeito histórico”, afirma Rodrigo
Mallet Duprat, autor da tese Realidades e particularidades
da formação do profissional circense no Brasil: rumo a uma
formação técnica e superior.
Rodrigo investigou a formação do profissional de circo
no Brasil, na Bélgica, na França e na Espanha. O objeti-
vo do trabalho foi entender a pluralidade da formação
do profissional de circo de hoje bem como sua atuação
em outros âmbitos, para além do artístico/profissional. A
pesquisa foi desenvolvida no programa de pós-graduação
em Educação Física, na área de concentração Educação
5 UEG
Física e Sociedade.
Rodrigo entende que atualmente a atividade é exerci-
da por diferentes profissionais como professores de teatro,
artes ou educação física. A tese propõe formação continua-
da a fim de habilitar o profissional de circo para atuar em
todos os âmbitos, inclusive naqueles que ganharam maior
espaço no Brasil nas últimas décadas, como os projetos
de circo social. “Há, no mercado, profissionais híbridos,
oriundos de várias áreas de formação, inclusive no circo
familiar. Mas, como falta um curso superior, muitos artistas
que começaram nas artes circenses vão para outras áreas
do conhecimento como ciências sociais, dança, teatro,
educação física, história... É até bom existir essa amplitu-
de só que aquele profissional poderia ter a possibilidade
de se formar, fazer um curso superior de artes do circo”,
defende o autor da tese.
Adaptado de Patrícia Lauretti, “Tem diploma no circo”, Jornal da Unicamp,
O POPULAR, Goiânia, 28 ago. 2007, p. 3. no. 607, 22/09/2014, p. 12.

56 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 2 Tipologia textual e gêneros discursivos

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a) Em um texto jornalístico, usam-se fontes fidedignas para dar credibilidade às informações. Aponte os tipos de
fontes usados no texto acima e dê dois exemplos de discurso reportado que as identificam.










b) Com base nas informações do texto, descreva o profissional do circo e sua formação nos dias atuais.






7 Unesp 2015 (Adapt.)


Doze anos de escravidão
Houvera momentos em minha infeliz vida, muitos, em que o vislumbre da morte como o fim de sofrimentos terrenos
— do túmulo como um local de descanso para um corpo cansado e alquebrado — tinha sido agradável de imaginar. Mas
tal contemplação desaparece na hora do perigo. Nenhum homem, em posse de suas forças, consegue ficar imperturbável
na presença do “rei dos horrores”. A vida é cara a qualquer coisa viva; o verme rastejante lutará por ela. Naquele mo-
mento, era cara para mim, escravizado e tratado tal como eu era. Sem conseguir livrar a mão dele, novamente o peguei
pelo pescoço e dessa vez com uma empunhadura medonha que logo o fez afrouxar a mão. Tibeats ficou enfraquecido e
desmobilizado. Seu rosto, que estivera branco de paixão, estava agora preto de asfixia. Aqueles olhos miúdos de serpente
que exalavam tanto veneno estavam agora cheios de horror — duas órbitas brancas precipitando-se para fora. Havia um
“demônio à espreita” em meu coração que me instava a matar o maldito cão naquele instante — a manter a pressão em
seu odioso pescoço até que o sopro de vida se fosse! Não ousava assassiná-lo, mas não ousava deixá-lo viver. Se eu o
matasse, minha vida teria de pagar pelo crime — se ele vivesse, apenas minha vida satisfaria sua sede de vingança. Uma
voz lá dentro me dizia para fugir. Ser um andarilho nos pântanos, um fugitivo e um vagabundo sobre a Terra, era preferível
à vida que eu estava levando.
(Doze anos de escravidão, 2014.)

O filme 12 anos de escravidão, considerado uma excelente obra de arte cinematográfica pela crítica, tem seu roteiro
baseado na narrativa Doze anos de escravidão. Assistindo-se ao filme e lendo a narrativa, percebe-se, por exemplo,
a ausência no filme de algumas cenas presentes na narrativa. Esse fato deve ser considerado uma falha do filme?
Justifique sua resposta.








FRENTE ÚNICA

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8 Fuvest Artistas, costureiras, soldadores e desenhistas manejam ferro, madeira, isopor e tecido. No galpão do boi Garantido, o
do coração vermelho, todos se esmeram (nunca usam o verbo caprichar) para preparar um espetáculo que supere o do rival.
No ano passado, foi o Caprichoso, o da estrela azul, o ganhador da disputa de bois-bumbá do famoso Festival de Parintins,
que todo final de junho atrai cerca de cem mil pessoas para a doce ilha situada na margem direita do rio Amazonas. No cur-
ral da torcida caprichosa, “alegoristas”, passistas e percussionistas preferem não dizer que uma nova vitória está garantida.
Dizem, sim, com todas as letras, que está assegurada. Fernanda Pompeu, Caprichada e garantida.
As marcas linguísticas e o modo de organização do discurso que caracterizam o texto são, respectivamente,
a verbos no presente e no passado; descritivo-narrativo.
b substantivos e adjetivos; descritivo-dissertativo.
c substantivos; narrativo-dissertativo.
d frases nominais; apenas narrativo.
e adjetivos substantivados; apenas descritivo.

Exercícios propostos
1 Fuvest essas pessoas não tentam evitar ganho de peso com os
métodos compensatórios. Os episódios vêm acompanha-
Das vãs sutilezas dos de uma sensação de falta de controle sobre o ato de
Os homens recorrem por vezes a sutilezas fúteis e vãs comer, sentimentos de culpa e de vergonha.
para atrair nossa atenção. [...] Aprovo a atitude daquele Muitas pessoas com essa síndrome são obesas, apre-
personagem a quem apresentaram um homem que com sentando uma história de variação de peso, pois a comida
tamanha habilidade atirava um grão de alpiste que o fazia é usada para lidar com problemas psicológicos. O trans-
passar pelo buraco de uma agulha sem jamais errar o gol- torno do comer compulsivo é encontrado em cerca de 2%
pe. Tendo pedido ao outro que lhe desse uma recompensa da população em geral, mais frequentemente acometendo
por essa habilidade excepcional, atendeu o solicitado, de mulheres entre 20 e 30 anos de idade. Pesquisas demons-
maneira prazenteira e justa a meu ver, mandando entregar- tram que 30% das pessoas que procuram tratamento para
-lhe três medidas de alpiste a fim de que pudesse continuar obesidade ou para perda de peso são portadoras de trans-
a exercer tão nobre arte. É prova irrefutável da fraqueza torno do comer compulsivo.
de nosso julgamento apaixonarmo-nos pelas coisas só Disponível em: http://www.abcdasaude.com.br.
Acesso em: 1 maio 2009 (adaptado).
porque são raras e inéditas, ou ainda porque apresentam
alguma dificuldade, muito embora não sejam nem boas Considerando as ideias desenvolvidas pelo autor,
nem úteis em si. conclui-se que o texto tem a finalidade de
Montaigne, Ensaios a descrever e fornecer orientações sobre a síndrome
O texto revela, em seu desenvolvimento, a seguinte da compulsão alimentícia.
estrutura: b narrar a vida das pessoas que têm o transtorno do
a formulação de uma tese; ilustração dessa tese por comer compulsivo.
meio de uma narrativa; reiteração e expansão da c aconselhar as pessoas obesas a perder peso com
tese inicial. métodos simples.
b formulação de uma tese; refutação dessa tese por d expor de forma geral o transtorno compulsivo por
meio de uma narrativa; formulação de uma nova alimentação.
tese, inspirada pela narrativa. e encaminhar as pessoas para a mudança de hábitos
c desenvolvimento de uma narrativa; formulação de alimentícios.
tese inspirada nos fatos dessa narrativa; demons- Leia o excerto do livro Violência urbana, de Paulo
tração dessa tese. Sérgio Pinheiro e Guilherme Assis de Almeida, para
d segmento narrativo introdutório; desenvolvimento responder à questão abaixo.
da narrativa; formulação de uma hipótese inspirada
nos fatos narrados. De dia, ande na rua com cuidado, olhos bem abertos.
Evite falar com estranhos. À noite, não saia para caminhar,
e segmento dissertativo introdutório; desenvolvimen-
principalmente se estiver sozinho e seu bairro for deserto.
to de uma descrição; rejeição da tese introdutória.
Quando estacionar, tranque bem as portas do carro [...].
De madrugada, não pare em sinal vermelho. Se for assal-
2 Enem tado, não reaja – entregue tudo. É provável que você já
Transtorno do comer compulsivo esteja exausto de ler e ouvir várias dessas recomendações.
Faz tempo que a ideia de integrar uma comunidade e
O transtorno do comer compulsivo vem sendo sentir-se confiante e seguro por ser parte de um coleti-
reconhecido, nos últimos anos, como uma síndrome carac- vo deixou de ser um sentimento comum aos habitantes
terizada por episódios de ingestão exagerada e compulsiva das grandes cidades brasileiras. As noções de segurança
de alimentos, porém, diferentemente da bulimia nervosa, e de vida comunitária foram substituídas pelo sentimento

58 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 2 Tipologia textual e gêneros discursivos

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de insegurança e pelo isolamento que o medo impõe. O imperador Constantino impôs o cristianismo como religião
outro deixa de ser visto como parceiro ou parceira em de Estado, no século IV, a tentação de apoderar-se de todos
potencial; o desconhecido é encarado como ameaça. O os poderes de uma vez revelou-se. É fácil entender a razão
sentimento de insegurança transforma e desfigura a vida desse movimento. Dir-se-á que a ordem temporal reina
em nossas cidades. De lugares de encontro, troca, comu- sobre os corpos, a ordem espiritual sobre as almas. Mas
nidade, participação coletiva, as moradias e os espaços alma e corpo não são entidades simplesmente justapostas,
públicos transformam-se em palco do horror, do pânico e no interior de cada ser eles formam inevitavelmente uma
do medo. A violência urbana subverte e desvirtua a função hierarquia. Para a religião cristã, a alma deve comandar
das cidades, drena recursos públicos já escassos, ceifa o corpo; por isso cabe às instituições religiosas, isto é, à
vidas – especialmente as dos jovens e dos mais pobres –, Igreja, não somente dominar diretamente as almas, mas
Dilacera famílias, modificando nossas existências dramati- também, indiretamente, controlar os corpos e, portanto, a
camente para pior. De potenciais cidadãos, passamos a ser ordem temporal. Por sua vez, o poder temporal procurará
consumidores do medo. O que fazer diante desse quadro defender suas prerrogativas e exigirá a manutenção do
de insegurança e pânico, denunciado diariamente pelos controle sobre todos os negócios terrestres, inclusive sobre
jornais e alardeado pela mídia eletrônica? Qual tarefa im- uma instituição como a Igreja. Para proteger sua autono-
põe-se aos cidadãos, na democracia e no Estado de direito? mia, cada um dos dois adversários fica então tentado a
(Violência urbana, 2003.) invadir o território do outro.
(O espírito das Luzes, 2006.)

3 Unesp 2017 O modo de organização do discurso pre- Considerando o modo como as ideias estão organiza-
dominante no excerto é das, é correto afirmar que o texto
a a dissertação argumentativa. a defende a ideia de que a verdade sobre os fatos
b a narração. é uma só e independe das opiniões e dos pontos
c a descrição objetiva. de vista.
d a descrição subjetiva. b descreve uma polêmica com duas soluções pos-
e a dissertação expositiva. síveis, justapondo argumentos em favor de uma e
contra a outra solução.
4 Fuvest (Adapt.) c argumenta sobre como dois pontos de vista opos-
Salão repleto de luzes, orquestra ao fundo, brilho de tos podem ser conciliados se os defensores das
cristais por todo lado. O crupiê distribui fichas sobre o opiniões divergentes entrarem em diálogo.
pano verde, cercado de mulheres em longos vestidos e d expõe uma questão polêmica e elenca elementos
homens de black-tie. A roleta em movimento paralisa o para mapear as divergências entre diferentes pon-
tempo, todos retêm a respiração. Em breve estarão defi- tos de vista.
nidos a sorte de alguns e o azar de muitos. Foi mais ou e narra a saga das religiões cristãs, do tempo de Cris-
menos assim, como um lance de roleta, que a era de ouro to até os tempos de hoje.
dos cassinos ― maravilhosa para uns, totalmente repro-
vável para outros ― se encerrou no Brasil. Para surpresa
da nação, logo depois de assumir o governo, em 1946, o 6 UFU 2015 O McSorley’s ocupa o térreo de um prédio de
presidente Eurico Gaspar Dutra pôs fim, com uma simples tijolinhos vermelhos, é o número 15 da rua 7, vizinho à
penada, a um dos negócios mais lucrativos da época: a Cooper Square, onde termina a Bowery. Foi inaugurado
exploração de jogos de azar, tornando-os proibidos em em 1854 e é o bar mais antigo de Nova York. Em seus
todo o país. [...] 86 anos, teve quatro proprietários – um imigrante irlandês,
Jane Santucci, “O dia em que as roletas pararam”, Nossa História. seu filho, um policial aposentado, sua filha –, todos eles
avessos a mudanças. Embora disponha de energia elétrica,
Crupiê: empregado de uma casa de jogos. o bar teima em ser iluminado por duas lâmpadas a gás –
Black-tie: smoking, traje de gala. toda vez que alguém abre a porta, a luz oscila e projeta
sombras no teto baixo coberto de teias de aranha. Não
No texto, a autora utiliza vários recursos descritivos.
há caixa registradora. As moedas são atiradas em tigelas –
Aponte um desses recursos. Justifique sua escolha.
uma para as de 5 centavos, uma para as de 10, uma para
5 Famerp 2016 Leia o texto de Tzvetan Todorov. as de 50 –, e as notas são guardadas num cofre de madeira.
Desde o início da história europeia, criamos o hábi- MITCHEL, Josef. O bar do McSorley. Piauí. São Paulo, ano 9, n. 100, p. 42,
jan. 2015. (Fragmento).
to de distinguir entre poder temporal e poder espiritual. (Este texto foi publicado na década de 40 pela revista The New Yorker. As
Quando cada um deles dispõe da autonomia em seu datas do original foram mantidas)
domínio e se vê protegido contra as intrusões do outro,
fala-se de uma sociedade laica ou, como se diz também, No fragmento, retirado de um texto em que se conta a
secular. Poderíamos crer que, na parte do mundo marca- história de um bar nova-iorquino, são predominantes
da pela tradição cristã, essa relação em torno da questão as sequências textuais de tipo
FRENTE ÚNICA

da autonomia já estaria prontamente organizada, pois o a expositivo.


Cristo anunciou que seu reino não era deste mundo, que b narrativo.
a submissão a Deus não interferia em nada na submis- c descritivo.
são a César. No entanto, a partir do momento em que o d argumentativo.

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7 Insper 2014 Sua fala era uma vibração de amor, que Reescreva os trechos do texto que se encontram em
alvoroçava os corações, o olhar como luz de lâmpada en- discurso direto, empregando o discurso indireto e fa-
cantada, que fascina e desvaira; o sorriso era um lampejo zendo as modificações necessárias.
de volúpia, que fazia sonhar com as delícias do Éden. Era Para responder à(s) questão(ões) a seguir, leia a crô-
enfim o tipo o mais esmerado da beleza sensual, mas ha- nica “Seu ‘Afredo’”, de Vinicius de Moraes (1913-1980),
bitado por uma alma virgem, cândida e sensível. Era uma publicada originalmente em setembro de 1953.
estátua de Vênus animada por um espírito angélico. Ainda
que Eugênio não conhecesse e amasse Margarida desde a Seu Afredo (ele sempre subtraía o “l” do nome, ao se
apresentar com uma ligeira curvatura: “Afredo Paiva, um
infância, ainda que a visse então pela primeira vez, era im-
seu criado...”) tornou-se inesquecível à minha infância
possível que toda a virtude e austeridade daquele cenobita
porque tratava-se muito mais de um linguista que de um
em botão não se prostrasse vencido diante daquela des-
encerador. Como encerador, não ia muito lá das pernas.
lumbrante visão. Margarida estava vestida de cor-de-rosa
Lembro-me que, sempre depois de seu trabalho, minha
com muita graça e simplicidade; tinha por único enfeite na
mãe ficava passeando pela sala com uma flanelinha debai-
cabeça um simples botão de rosa. Eugênio esteve por mui-
xo de cada pé, para melhorar o lustro. Mas, como linguista,
to tempo mudo e entregue a um indizível acanhamento
cultor do 1vernáculo e aplicador de sutilezas gramaticais,
diante da companheira de sua infância, como se se achas-
seu Afredo estava sozinho.
se em presença de uma alta e poderosa princesa.
Tratava-se de um mulato quarentão, ultrarrespeita-
(GUIMARÃES, Bernardo. O seminarista. São Paulo: FTD, 1994.)
dor, mas em quem a preocupação linguística perturbava
Considerando-se a organização do texto, é correto às vezes a colocação pronominal. Um dia, numa fila de
afirmar que ele é fundamentalmente ônibus, minha mãe ficou ligeiramente 2ressabiada quando
a narrativo, pois relata o relacionamento amoroso en- seu Afredo, casualmente de passagem, parou junto a ela
tre os personagens Margarida e Eugênio. e perguntou-lhe à queima-roupa, na segunda do singular:
b dissertativo, pois apresenta a defesa do ponto de – Onde vais assim tão elegante?
vista de Eugênio sobre a personagem Margarida. Nós lhe dávamos uma bruta corda. Ele falava horas
c injuntivo, pois tem a intenção de instruir o leitor a fio, no ritmo do trabalho, fazendo os mais deliciosos
acerca das características da personagem. pedantismos que já me foi dado ouvir. Uma vez, minha
d informativo, pois fornece dados sobre a persona- mãe, em meio à 3lide caseira, queixou-se do fatigante
4
gem Margarida de forma clara e objetiva. ramerrão do trabalho doméstico. Seu Afredo virou-se para
ela e disse:
e descritivo, pois produz um retrato verbal subjetivo
– Dona Lídia, o que a senhora precisa fazer é ir a um
ao enumerar as características de Margarida.
médico e tomar a sua quilometragem. Diz que é muito bão.
De outra feita, minha tia Graziela, recém-chegada de
8 Fuvest 2018 (Adapt.) Examine a transcrição do depoi- fora, cantarolava ao piano enquanto seu Afredo, acocorado
mento de Eduardo Koge, líder indígena de Tadarimana, perto dela, esfregava cera no soalho. Seu Afredo nunca
MT. tinha visto minha tia mais gorda. Pois bem: chegou-se a
Nós vivemos aqui que nem gado. Tem a cerca e nós ela e perguntou-lhe:
não podemos sair dessa cerca. Tem que viver só do que – Cantas?
tem dentro da cerca. É, nós vivemos que nem boi no curral. Minha tia, meio surpresa, respondeu com um riso
Paulo A. M. Isaac, Drama da educação escolar indígena Bóe-Bororo.
amarelo:
Reescreva, em um único período, os trechos “Nós vi- – É, canto às vezes, de brincadeira...
vemos aqui que nem gado” e “nós não podemos sair Mas, um tanto formalizada, foi queixar-se a minha mãe,
dessa cerca”, empregando discurso indireto. que lhe explicou o temperamento do nosso encerador:
– Não, ele é assim mesmo. Isso não é falta de respeito,
não. É excesso de... gramática.
9 Fuvest 2014 Leia o seguinte trecho de uma reporta-
Conta ela que seu Afredo, mal viu minha tia sair, che-
gem, para em seguida atender ao que se pede:
gou-se a ela com ar disfarçado e falou:
Cantoria de sabiá-laranjeira na madrugada divide
– Olhe aqui, dona Lídia, não leve a mal, mas essa
ouvidos paulistanos
menina, sua irmã, se ela pensa que pode cantar no rádio
Diz uma antiga lenda indígena que, durante as ma-
com essa voz, ‘tá redondamente enganada. Nem em pro-
drugadas, no início da primavera, quando uma criança
grama de calouro!
ouve o canto de um sabiá-laranjeira, ela é abençoada com
E, a seguir, ponderou:
amor, felicidade e paz. Isso lá na floresta. Na selva urbana,
– Agora, piano é diferente. Pianista ela é!
a história é outra: tem gente se revirando na cama com
E acrescentou:
a sinfonia que chega a durar duas horas seguidas antes
– Eximinista pianista!
mesmo de clarear o dia.
Para uma menina com uma flor, 2009.
“Morei 35 anos no interior paulista e nunca fui acor-
1
dada por passarinho algum”, conta uma moradora do vernáculo: a língua própria de um país; língua nacional.
2
Brooklin (zona sul). “Agora, em plena São Paulo barulhenta ressabiado: desconfiado.
3
e caótica, minhas madrugadas têm sido bem diferentes”. lide: trabalho penoso, labuta.
4
Folha de S. Paulo, 16/09/2013. Adaptado. ramerrão: rotina.

60 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 2 Tipologia textual e gêneros discursivos

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP2_LA.INDD / 15-09-2020 (21:37) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


10 Unesp 2017 “[Seu Afredo] perguntou-lhe à queima- do branco. Não se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os
-roupa, na segunda do singular: estribos. Passar a vida inteira assim no toco, entregando o
– Onde vais assim tão elegante?” (2º parágrafo/3º pa- que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Traba-
rágrafo) lhar como negro e nunca arranjar carta de alforria!
Ao se adaptar este trecho para o discurso indireto, o O patrão zangou-se, repeliu a insolência, achou bom
verbo “vais” assume a seguinte forma: que o vaqueiro fosse procurar serviço noutra fazenda.
a foi. d ia. Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou. Bem, bem.
Não era preciso barulho não. Se havia dito palavra à
b fora. e iria.
toa, pedia desculpa. Era bruto, não fora ensinado. Atre-
c vai.
vimento não tinha, conhecia o seu lugar. Um cabra. Ia
lá puxar questão com gente rica? Bruto, sim senhor, mas
11 Unesp 2017 Na crônica, o personagem seu Afredo é sabia respeitar os homens. Devia ser ignorância da mu-
descrito como uma pessoa lher, provavelmente devia ser ignorância da mulher. Até
a pedante e cansativa. estranhara as contas dela. Enfim, como não sabia ler (um
b intrometida e desconfiada. bruto, sim senhor), acreditara na sua velha. Mas pedia
c expansiva e divertida. desculpa e jurava não cair noutra.
d discreta e preguiçosa. (Graciliano Ramos. Vidas secas. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1974.)
e temperamental e bajuladora.
12 Unesp Identifique, entre os quatro exemplos extraídos
As questões a seguir tomam por base uma passagem do texto, aqueles que se apresentam em discurso in-
do romance regionalista Vidas secas, de Graciliano direto livre:
Ramos (1892-1953). I. Fabiano recebia na partilha a quarta parte dos be-
Contas zerros e a terça dos cabritos.
II. – Conversa. Dinheiro anda num cavalo e ninguém
Fabiano recebia na partilha a quarta parte dos be- pode viver sem comer.
zerros e a terça dos cabritos. Mas como não tinha roça e III. Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e
apenas se limitava a semear na vazante uns punhados de
nunca arranjar carta de alforria!
feijão e milho, comia da feira, desfazia-se dos animais,
IV. Não era preciso barulho não.
não chegava a ferrar um bezerro ou assinar a orelha de
um cabrito.
a I e II.
Se pudesse economizar durante alguns meses, levan-
b II e III.
taria a cabeça. Forjara planos. Tolice, quem é do chão não
se trepa. Consumidos os legumes, roídas as espigas de c III e IV.
milho, recorria à gaveta do amo, cedia por preço baixo o d I, II e III.
produto das sortes. e II, III e IV.
Resmungava, rezingava, numa aflição, tentando
espichar os recursos minguados, engasgava-se, engolia 13 Unesp Pouco a pouco o ferro do proprietário queima-
em seco. Transigindo com outro, não seria roubado tão va os bichos de Fabiano.
descaradamente. Mas receava ser expulso da fazenda. E A forma verbal queimava, no período acima, apresen-
rendia-se. Aceitava o cobre e ouvia conselhos. Era bom ta o sentido de:
pensar no futuro, criar juízo. Ficava de boca aberta, ver- a ignorava.
melho, o pescoço inchando. De repente estourava: b assava.
– Conversa. Dinheiro anda num cavalo e ninguém c destruía.
pode viver sem comer. Quem é do chão não se trepa. d marcava.
Pouco a pouco o ferro do proprietário queimava os e prejudicava.
bichos de Fabiano. E quando não tinha mais nada para ven-
der, o sertanejo endividava-se. Ao chegar a partilha, estava
encalacrado, e na hora das contas davam-lhe uma ninharia.
14 Unesp Lendo atentamente o fragmento de Vidas
Ora, daquela vez, como das outras, Fabiano ajustou secas, percebe-se que o foco principal é o das tran-
o gado, arrependeu-se, enfim deixou a transação meio sações entre Fabiano e o proprietário da fazenda.
apalavrada e foi consultar a mulher. Sinha Vitória mandou Aponte a alternativa que não corresponde ao que é
os meninos para o barreiro, sentou-se na cozinha, concen- efetivamente exposto pelo texto.
trou-se, distribuiu no chão sementes de várias espécies, a O proprietário era, na verdade, um benfeitor para
realizou somas e diminuições. No dia seguinte Fabiano Fabiano.
voltou à cidade, mas ao fechar o negócio notou que as b Fabiano declarava-se “um bruto” ao proprietário.
operações de Sinha Vitória, como de costume, diferiam c O proprietário levava sempre vantagem na partilha
das do patrão. Reclamou e obteve a explicação habitual: do gado.
FRENTE ÚNICA

a diferença era proveniente de juros. d Fabiano sabia que era enganado nas contas, mas
Não se conformou: devia haver engano. Ele era bru- não conseguia provar.
to, sim senhor, via-se perfeitamente que era bruto, mas a e Fabiano aceitava a situação e se resignava, por
mulher tinha miolo. Com certeza havia um erro no papel medo de ficar sem trabalho.

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15 Enem 2017 O autor discute problemas relacionados ao envelheci-
mento, apresentando argumentos que levam a inferir
Aí pelas três da tarde
que seu objetivo é
Nesta sala atulhada de mesas, máquinas e papéis, onde a esclarecer que a velhice é inevitável.
invejáveis escreventes dividiram entre si o bom senso do b contar fatos sobre a arte de envelhecer.
mundo, aplicando-se em ideias claras apesar do ruído e do c defender a ideia de que a velhice é desagradável.
mormaço, seguros ao se pronunciarem sobre problemas que d influenciar o leitor para que ele lute contra o enve-
afligem o homem moderno (espécie da qual você, milenar- lhecimento.
mente cansado, talvez se sinta um tanto excluído), largue e mostrar às pessoas que é possível aceitar, sem an-
tudo de repente sob os olhares a sua volta, componha uma gústia, o envelhecimento.
cara de louco quieto e perigoso, faça os gestos mais calmos
quanto os tais escribas mais severos, dê um largo “ciao” ao
trabalho do dia, assim como quem se despede da vida, e
17 Enem 2018 (Adapt.)
surpreenda pouco mais tarde, com sua presença em hora A imagem da negra e do negro em produtos de
tão insólita, os que estiveram em casa ocupados na limpeza beleza e a estética do racismo
dos armários, que você não sabia antes como era condu-
zida. Convém não responder aos olhares interrogativos, Resumo: Este artigo tem por finalidade discutir a
deixando crescer, por instantes, a intensa expectativa que representação da população negra, especialmente da
se instala. Mas não exagere na medida e suba sem demora mulher negra, em imagens de produtos de beleza pre-
ao quarto, libertando aí os pés das meias e dos sapatos, sentes em comércios do nordeste goiano. Evidencia-se
tirando a roupa do corpo como e retirasse a importância que a presença de estereótipos negativos nessas ima-
das coisas, pondo-se enfim em vestes mínimas, quem sabe gens dissemina um imaginário racista apresentado sob
até em pelo, mas sem ferir o decoro (o seu decoro, está a forma de uma estética racista que camufla a exclusão
claro), e aceitando ao mesmo tempo, como boa verdade e normaliza a inferiorização sofrida pelos(as) negros(as)
provisória, toda mudança de comportamento. na sociedade brasileira. A análise do material imagético
NASSAR, R. Menina a caminho. São Paulo: Cia. das Letras. 1997. aponta a desvalorização estética do negro, especial-
Em textos de diferentes gêneros, algumas estratégias mente da mulher negra, e a idealização da beleza e do
argumentativas referem-se a recursos linguístico-dis- branqueamento a serem alcançados por meio do uso
cursivos mobilizados para envolver o leitor. No texto, dos produtos apresentados. O discurso midiático-pu-
caracteriza-se como estratégia de envolvimento a blicitário dos produtos de beleza rememora e legitima
a prescrição de comportamentos, como em: “[...] lar- a prática de uma ética racista construída e atuante no
gue tudo de repente sob os olhares a sua volta [...]”. cotidiano. Frente a essa discussão, sugere-se que o tra-
b apresentação de contraposição, como em: “Mas balho antirracismo, feito nos diversos espaços sociais,
não exagere na medida e suba sem demora ao considere o uso de estratégias para uma “descoloni-
quarto [...]”. zação estética” que empodere os sujeitos negros por
c explicitação do interlocutor, como em: “[...] (espécie meio de sua valorização estética e protagonismo na
da qual você, milenarmente cansado, talvez se sin- construção de uma ética da diversidade.
ta um tanto excluído) [...]”. Palavras-chave: Estética, racismo, mídia, educação,
d descrição do espaço, como em: “Nesta sala atulha- diversidade.
SANT'ANA, J. A imagem da negra e do negro em produtos de beleza
da de mesas, máquinas e papéis, onde invejáveis e a estética do racismo. Dossiê: trabalho e educação básica. Margens
escreventes dividiram entre si o bom-senso do Interdisciplinar. Versão digital. Abaetetuba, n. 16. jun. 2017 (adaptado).
mundo [...]”.
O cumprimento de função informativa é uma marca
e construção de comparações, como em: “[...] liber-
característica do gênero resumo de artigo acadêmico.
tando aí os pés das meias e dos sapatos, tirando
Na estrutura desse texto, essa função é estabelecida,
a roupa do corpo como se retirasse a importância
principalmente, pela
das coisas [...]”.
a impessoalidade, na organização da objetividade
das informações, como em “Este artigo tem por fi-
16 Enem nalidade” e “Evidencia-se”.
O tema da velhice foi objeto de estudo de brilhantes b seleção lexical, no desenvolvimento sequencial do tex-
filósofos ao longo dos tempos. Um dos melhores livros sobre
to, como em “imaginário racista” e “estética do negro”.
o assunto foi escrito pelo pensador e orador romano Cícero:
c metaforização, relativa à construção dos sentidos
A Arte do Envelhecimento. Cícero nota, primeiramente, que
figurados, como nas expressões “descolonização
todas as idades têm seus encantos e suas dificuldades. E
depois aponta para um paradoxo da humanidade. Todos estética” e “discurso midiático-publicitário”.
sonhamos ter uma vida longa, o que significa viver muitos d nominalização, produzida por meio de processos
anos. Quando realizamos a meta, em vez de celebrar o derivacionais na formação de palavras, como “infe-
feito, nos atiramos a um estado de melancolia e amargura. riorização” e “desvalorização”.
Ler as palavras de Cícero sobre envelhecimento pode ajudar e adjetivação, organizada para criar uma terminolo-
a aceitar melhor a passagem do tempo. gia antirracista, como em “ética da diversidade” e
NOGUEIRA, P. Saúde & Bem-Estar Antienvelhecimento. Época. 28 abr. 2008. “descolonização estética”.

62 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 2 Tipologia textual e gêneros discursivos

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18 Mackenzie 2018 maior facilidade dos bilíngues verdadeiros em transitar
Escrever é um ato não natural. A palavra falada é mais entre os dois idiomas, já que as mesmas redes neurais de
velha do que nossa espécie, e o instinto para a linguagem associação devem ser acionadas por um idioma e outro.
permite que as crianças engatem em conversas articuladas Adaptado de Suzana Herculano-Houzel
anos antes de entrar numa escola. Mas a palavra escrita é
É CORRETO afirmar que no texto há:
uma invenção recente que não deixou marcas em nosso
a diferentes níveis de linguagem, evidenciando a
genoma e precisa ser adquirida mediante esforço ao longo
presença de variações no uso da língua.
da infância e depois.
b o predomínio da finalidade persuasiva, com o uso
A fala e a escrita diferem em seus mecanismos, é
de elementos linguísticos que reforçam o apelo ao
claro, e essa é uma das razões pelas quais as crianças
precisam lutar com a escrita: reproduzir os sons da língua leitor, revelado pela linguagem acadêmica.
com um lápis ou com o teclado requer prática. Mas a fala c linguagem formal na transmissão da mensagem,
e a escrita diferem também de outra maneira, o que faz intenção preponderante que indicia finalidade in-
da aquisição da escrita um desafio para toda uma vida, formativa.
mesmo depois que seu funcionamento foi dominado. Falar d uma estrutura típica da argumentação que apre-
e escrever envolvem tipos diferentes de relacionamentos senta duas teses conflitantes, sendo que ao final
humanos, e somente o que diz respeito à fala nos chega uma delas é privilegiada.
naturalmente. A conversação falada é instintiva porque e predomínio da subjetividade, depreendida
a interação social é instintiva: falamos às pessoas “com principalmente pelo uso de expressões como “ge-
quem temos diálogo”. Quando começamos um diálogo ralmente” e “talvez”.
com nossos interlocutores, temos uma suposição do que já
sabem e do que poderiam estar interessados em aprender, As questões 20 e 21 tomam por base uma passagem
e durante a conversa monitoramos seus olhares, expressões de uma palestra de Amadeu Amaral (1875-1929) pro-
faciais e atitudes. Se eles precisam de esclarecimentos, ferida em São Paulo, em 1914, e uma charge de Dum.
ou não conseguem aceitar uma afirmação, ou têm algo a
acrescentar, podem interromper ou replicar. Árvores e poetas
Não gozamos dessa troca de feedbacks quando lan- Para o botânico, a árvore é um vegetal de grande altu-
çamos ao vento um texto. Os destinatários são invisíveis ra, composto de raiz, tronco e fronde, subdividindo-se cada
e imperscrutáveis, e temos que chegar até eles sem co- uma dessas partes numa certa quantidade de elementos:
nhecê-los bem ou sem ver suas reações. No momento – reduz-se tudo a um esquema. O botânico estuda-lhe
em que escrevemos, o leitor existe somente em nossa o nascimento, o crescimento, a reprodução, a nutrição,
imaginação. Escrever é, antes de tudo, um ato de faz de a morte; descreve-a; classifica-a. Não lhe liga, porém,
conta. Temos de nos imaginar em algum tipo de conversa, maior importância do que aquela que empresta ao mais
ou correspondência, ou discurso, ou solilóquio, e colocar microscópico dos fungos ou ao mais desinteressante dos
palavras na boca do pequeno avatar que nos representa cogumelos. O carvalho, com toda a sua corpulência e toda
nesse mundo simulado. a sua beleza, vale tanto como a relva que lhe cresce à som-
Adaptado de Steven Pinker, Guia de Escrita
bra ou a trepadeira desprezível e teimosa que lhe enrosca
O texto, pela sua estrutura e linguagem, pode ser ca- os sarmentos1 colubrinos2 pelas rugosidades do caule. Por
racterizado corretamente como: via de regra vale até menos, porque as grandes espécies já
a uma descrição sobre um objeto definido, caracteri- dificilmente deparam qualquer novidade. Para o jurista, a
zado detalhadamente. árvore é um bem de raiz, um objeto de compra e venda e
b um texto informativo com teor de divulgação cien- de outras relações de direito, assim como a paisagem que a
tífica. enquadra – são propriedades particulares, ou terras devolu-
c uma narração com o desenvolvimento de um en- tas. E há muita gente a quem a vista de uma grande árvore
redo. sugere apenas este grito de alma: – “Quanta lenha!...”
d um tratado argumentativo que defende um ponto O poeta é mais completo. Ele vê a árvore sob os as-
de vista político. pectos da beleza e sob o ângulo antropomórfico3: encara-a
e um texto de teor pessoal com forte presença de de pontos de vista comuns à humanidade de todos os
índices de subjetividade. tempos. Vê-a na sua graça, na sua força, na sua formosura,
no seu colorido; sente tudo quanto ela lembra, tudo quanto
ela sugere, tudo quanto ela evoca, desde as impressões
19 Mackenzie (Adapt.) mais espontâneas até as mais remotas, mais vagas e mais
As pessoas que falam uma língua estrangeira sem
indefiníveis. Dá-nos, assim, uma noção “humana”, dire-
sotaque são geralmente as que aprenderam o idioma
ta e viva da árvore, – pelo menos tão verdadeira quanto
estrangeiro na infância, juntamente com a língua mater-
qualquer outra.
na. Nesses verdadeiros bilíngues, de alto desempenho, a (Letras floridas, 1976.)
mesma região do cérebro que produz a fala é comparti-
FRENTE ÚNICA

1
lhada pela representação dos dois idiomas, enquanto nas sarmento: ramo delgado, flexível.
2
pessoas que aprendem a segunda língua, na vida adulta, colubrino: com forma de cobra, sinuoso.
3
duas regiões vizinhas, separadas, cuidam cada uma de antropomórfico: descrito ou concebido sob forma hu-
um idioma. A representação conjunta talvez explique a mana ou com atributos humanos.

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20 Qual a intenção da personagem da charge ao se valer
do argumento de que a floresta invadiu suas terras?
Analise tal argumento sob os pontos de vista lógico
e ético.

21 De acordo com a concepção de Amadeu Amaral, qual


seria a diferença fundamental entre o ponto de vista
do botânico e o do poeta? Justifique sua resposta.

Texto complementar
Jornalista defende importância de saber contar boas histórias até no mundo dos negócios
Treinamento
Em 2012, uma mulher usando um quimono e segurando cartões escritos a mão gravou um vídeo em uma rua de Mel-
bourne, na Austrália. Um por um, os cartões eram virados e contavam uma história.
Depois de deixar a gravadora onde haviam feito seu último álbum, ela e sua banda passaram quatro anos escrevendo
músicas para um novo disco. O problema é que não tinham condições de produzir o álbum sozinhos. Ela precisaria da ajuda
das pessoas para fazer o projeto dar certo.
O vídeo foi postado no Kickstarter. Em 30 dias, ele angariou US$ 1,2 milhões. 24.883 pessoas encomendaram o disco
com antecedência, compraram a arte da banda ou simplesmente doaram dinheiro. O álbum e a turnê fizeram sucesso, e a
artista transformou sua música em um negócio rentável.
Para quem ainda não conhecia a história, essa mulher era Amanda Palmer. Ela fez uma palestra “Ted talk” extremamente
popular, em que contou sua experiência.
Com essa campanha, Palmer mudou as regras do jogo para os músicos independentes. E ela não fez isso simplesmente
pedindo dinheiro às pessoas, mas contando uma história.
O poder das histórias
“Storytelling” tem sido uma palavra-chave utilizada desde o nascimento da publicidade, e sempre vem à tona porque é
uma habilidade atemporal. Boas narrativas nos surpreendem, nos fazem pensar e sentir. A principal razão porque o Kickstarter
funciona é que ele permite que as pessoas apresentem suas histórias ao público.
Pesquisas mostram que 78% dos diretores de marketing acreditam que o conteúdo é o futuro do marketing. Dois terços dos
profissionais da área afirmam que conteúdo patrocinado é superior a relações públicas, correio direto e propaganda impressa.
O “storytelling” deixou de ser um luxo exclusivo da classe dominante ou de empresas que possuem os meios de im-
pressão e distribuição. É uma habilidade que todas as empresas e indivíduos precisarão dominar.
Estamos ficando acostumados a conversar com empresas, e elas estão mais do que prontas para colocar seu conteúdo
em nossa timeline do Facebook, ao lado de imagens de entes queridos e de links jornalísticos.
Enquanto a quantidade de conteúdo e os meios para acessá-lo aumentam, o que se destaca precisa ser extremamente envol-
vente. Somente aqueles capazes de criar, encontrar e compartilhar boas narrativas conseguirão construir bases sólidas de seguidores.
Isso é verdade tanto para empresas quanto para indivíduos. Pessoas com marcas pessoais poderosas largam na frente
para conseguir vagas de emprego e ser promovidas para cargos de liderança. Essas marcas pessoais se baseiam, entre outras
coisas, na habilidade de contar e compartilhar ótimas histórias.
Histórias tornam apresentações melhores, fazem com que ideias “peguem” e nos ajudam a persuadir. Líderes experientes
contam histórias para nos inspirar e nos motivar. Eles sabem que a maneira como você conta alguma coisa costuma ter mais
impacto do que a coisa em si.
Assim como os cartões de Amanda Palmer a tornaram simpática a dezenas de milhares de estranhos, histórias nos ajudam
a criar negócios e carreiras independentes. Embora ainda precisemos da ciência e de dados para tomar decisões corretas,
os melhores livros de negócios e oradores usam histórias para nos ajudar a reter os pontos principais, mesmo quando as
estatísticas já sumiram da memória.
Há um provérbio indígena na parede do meu escritório que diz: “Aqueles que contam histórias comandam o mundo”.
Enquanto a tecnologia desenvolve nossas relações cada vez mais, acredito que isso se torna mais e mais real. Nossa missão
como empresas, trabalhadores e líderes é garantir que as pessoas boas sejam aquelas que estão contando as melhores histórias.
Infelizmente, na era do PowerPoint e das rápidas atualizações de status, muitos de nós nos esquecemos de como contar
uma boa história. Assim como acontece com qualquer habilidade, vamos precisar de prática nisso.
SNOW, Shane. “Jornalista defende importância de saber contar boas histórias até no mundo dos negócios”. Folha de S.Paulo, 19 abr. 2016. Disponível em:
https://novoemfolha.blogfolha.uol.com.br/2016/04/19/jornalista-defende-importancia-de-contar-historias-ate-no-mundo-dos-negocios/. Acesso em: 10 set. 2020.

64 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 2 Tipologia textual e gêneros discursivos

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Resumindo
Vimos neste capítulo os quatro tipos de textos que formam os incontáveis gêneros discursivos usados para nos comunicarmos em sociedade. Dentre as
características principais de cada um desses tipos de textos temos:
Narração
Texto elaborado para contar uma história
Apresenta mudança de estado físico ou psicológico
O desenvolvimento do texto é organizado em uma sequência temporal
A história relata eventos específicos
Descrição
Texto elaborado para caracterizar algo ou alguém
Não apresenta mudança de estado físico ou psicológico
Não há desenvolvimento temporal no texto: o enfoque é dado na caracterização
A caracterização apresenta eventos rotineiros, comportamentos e qualidades
É bastante usada para enriquecer textos narrativos
Dissertação
Texto elaborado para abordar um tema de modo reflexivo e explícito
O desenvolvimento do texto é organizado em uma sequência lógica
Pode apresentar uma exposição imparcial do tema ou uma defesa de ponto de vista
Injunção
Texto elaborado para instruir sobre algo
Emprega verbos no imperativo e em segunda pessoa
Costuma apresentar uma sequência enumerativa para facilitar a interpretação
Além disso, estudamos, também, a importância dos discursos em textos narrativos e descritivos, bem como as formas de citar o discurso das personagens, sendo:
Discurso direto
Não há apropriação do discurso pelo narrador
A voz da personagem reproduz seu próprio discurso
É introduzido por verbos elocutivos e costuma apresentar pontuação enunciativa (como dois pontos, travessão e aspas)
Discurso indireto
Há apropriação do discurso pelo narrador
O narrador se apropria do discurso da personagem
A voz que reproduz o discurso sempre é a do narrador
Também é introduzido por verbos elocutivos e apresenta conjunção integrante (partícula “que”)
Garante ao texto mais fluidez discursiva
Discurso indireto livre
Há uma fusão entre a voz da personagem e a voz do narrador, motivo pelo qual é dificultoso compreender a quem o discurso pertence
Geralmente é marcado estruturalmente por pontuação exclamativa, interrogativa ou por emprego de primeira pessoa
Sempre depende de um narrador onisciente
Exige contextualização para ser percebido
Após compreender os tipos de textos e a importância dos discursos, estudamos, finalmente, os aspectos de composição dos gêneros discursos, assim como
vimos alguns dos principais gêneros jornalísticos e publicitários, como nos tópicos a seguir:
Aspectos de formação
Tipo de linguagem: denotativa (literal) ou conotativa (figurada)
Nível de formalidade: formal ou informal
Composição estrutural: prosa ou verso
Principais gêneros jornalísticos
Notícia: texto de finalidade informativa, é produzido apenas para expor um acontecimento de modo imparcial.
Artigo de opinião: texto de finalidade persuasiva, é elaborado para transmitir um posicionamento de um articulista acerca de uma notícia relevante.
Reportagem: considerada como um aprofundamento da notícia, é um texto que investiga o fato noticiado com maior profundidade.
Editorial: texto de finalidade posicional, é produzido pelo editor chefe de um grupo jornalístico para expressar a opinião do grupo sobre a notícia mais im-
portante da edição.
Crônica: conserva semelhanças com o artigo de opinião, pois revela um posicionamento próprio do autor, porém aborda temas banais e de pouca importância
pública.
Tirinha (ou charge): texto verbovisual que apresenta uma avaliação crítica e, muitas vezes, bem-humorada sobre um fato relevante.
FRENTE ÚNICA

Principais gêneros publicitários


Campanha: geralmente tematizada em um interesse público, constrói um apelo a uma parte da população para uma ação que procura a melhoria da vida
particular ou coletiva dos cidadãos. É criada, na maior parte das vezes, pelo poder público.
Publicidade: criada por um grupo específico de anunciantes, promove uma persuasão ao leitor para a venda de um produto, serviço ou ideia.

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Quer saber mais?

Livros Sites
yy Oficina de escritores: dissertação yy Portal da Imprensa Nacional
Obra que auxilia no processo de desenvolvimento de textos disser- Portal oficial do governo federal com notícias e reportagens sobre
tativos, muito cobrados em vestibulares atuais. assuntos relacionados ao poder público.
<https://ftd.com.br/detalhes/?id=6420> <http://www.in.gov.br/web/guest/inicio>
yy Da leitura literária à produção de textos yy Portal EduCapes
Obra que estabelece uma relação entre a leitura de textos literários, Portal oficial da agência CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento
sobretudo dos gêneros crônica, conto, romance e poesia, e a prática de Pessoal de Nível Superior) com acesso a milhares de textos de
de produção de redações. diversos gêneros científicos.
<https://www.editoracontexto.com.br/produto/da-leitura-literaria-a- <https://educapes.capes.gov.br/>
-producao-de-textos/1496837

Exercícios complementares
Texto para as questões 1 e 2. viveram um instante que focou toda a sua vida. Atingido
o sofrimento máximo, nada já nos faz sofrer. Vibradas as
Cumpridos dez anos de prisão por um crime que não
sensações máximas, 4nada já nos fará oscilar. Simplesmen-
pratiquei e do qual, no entanto, nunca me defendi, morto
te, este momento culminante raras são as criaturas que o
para a vida e para os sonhos: nada podendo já esperar e
vivem. As que o viveram ou são, como eu, os mortos-vi-
coisa alguma desejando – 1eu venho fazer enfim a minha
vos, ou – apenas – os desencantados que, muitas vezes,
confissão: isto é, demonstrar a minha inocência.
acabam no suicídio.
Talvez não me acreditem. 2Decerto que não me acre-
* Cherchez la femme: Procurem a mulher.
ditam. Mas pouco importa. O meu interesse hoje em gritar
(Mário de Sá-Carneiro. A confissão de Lúcio, 2011.)
que não assassinei Ricardo de Loureiro é nulo. Não tenho
família; não preciso que me reabilitem. Mesmo quem esteve
dez anos preso, nunca se reabilita. A verdade simples é esta. 1 Unifesp 2015 Na referência 1, afirma-se: “eu venho
E àqueles que, lendo o que fica exposto, me per- fazer enfim a minha confissão”. Tal confissão se mate-
guntarem: “Mas por que não fez a sua confissão quando rializa textualmente em
era tempo? Por que não demonstrou a sua inocência ao a uma argumentação confusa, com oscilação dos
tribunal?”, a esses responderei: – A minha defesa era im- tempos verbais entre presente, passado e futuro,
possível. Ninguém me acreditaria. E fora inútil fazer-me relacionados a situações da vida do narrador.
passar por um embusteiro ou por um doido… Demais, b uma narrativa objetiva, com predomínio de verbos
devo confessar, após os acontecimentos em que me vira nos tempos passado e presente, relacionados a si-
envolvido nessa época, ficara tão despedaçado que a tuações conhecidas do narrador.
prisão se me afigurava uma coisa sorridente. Era o es- c uma narrativa subjetiva, com predomínio de verbos
quecimento, a tranquilidade, o sono. Era um fim como no tempo passado, relacionados a situações das
qualquer outro – um termo para a minha vida devastada. quais participara o narrador.
Toda a minha ânsia foi, pois, de ver o processo terminado d uma argumentação racional, com predomínio de
e começar cumprindo a minha sentença. verbos no tempo presente, relacionados a situa-
De resto, o meu processo foi rápido. Oh! o caso parecia ções analisadas pelo narrador.
bem claro… Eu nem negava nem confessava. Mas quem e uma descrição pessoal, com predomínio de verbos
cala consente… E todas as simpatias estavam do meu lado.
no tempo presente, relacionados a situações que
O crime era, como devem ter dito os jornais do tem-
marcaram a existência do narrador.
po, um “crime passional”. Cherchez la femme*. Depois,
a vítima, um poeta – um artista. A mulher romantizara-se
desaparecendo. Eu era um herói, no fim de contas. 3E um 2 Unifesp 2015 Segundo o narrador afirma, a prisão lhe
herói com seus laivos de mistério, o que mais me aureo- serviria para
lava. Por tudo isso, independentemente do belo discurso a amenizar os transtornos pessoais que arruinaram a
de defesa, o júri concedeu-me circunstâncias atenuantes. sua existência.
E a minha pena foi curta. b mostrar a todos que estava sendo injustiçado e
Ah! foi bem curta – sobretudo para mim… Esses dez que deveriam rever o caso.
anos esvoaram-se-me como dez meses. É que, em realida- c coroar a sua existência de erros e desacertos, im-
de, as horas não podem mais ter ação sobre aqueles que possível de ser recomposta.

66 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 2 Tipologia textual e gêneros discursivos

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d reverter a seu favor a simpatia do júri e ter um novo a o diplomata é oportunista; o velho, conservador; os
julgamento em breve. rapazes usufruem exageradamente os prazeres da
e colocá-lo em equilíbrio com a justiça dos homens e vida; e as moças são frívolas.
a justiça divina. b o diplomata é astuto; o velho, intimista; os rapazes
usufruem a vida dentro de suas possibilidades; e as
Texto para as questões 3 e 4. moças vivem de sonhos.
c o diplomata é perspicaz; o velho, saudosista; os
Um sarau é o bocado mais delicioso que temos, de
telhado abaixo. Em um sarau todo o mundo tem que fazer. rapazes usufruem prazerosamente a vida; e as mo-
O diplomata ajusta, com um copo de champagne na mão, ças encantam a todos.
os mais intrincados negócios; todos murmuram, e não há d o diplomata é trapaceiro; o velho, desencantado;
quem deixe de ser murmurado. O velho lembra-se dos os rapazes usufruem a vida de modo fútil; e as mo-
minuetes e das cantigas do seu tempo, e o moço goza ças investem tão-somente na beleza exterior.
todos os regalos da sua época; as moças são no sarau e o diplomata é esperto; o velho, avançado; os rapa-
como as estrelas no céu; estão no seu elemento: aqui uma, zes usufruem a vida com parcimônia; e as moças
cantando suave cavatina, eleva-se vaidosa nas asas dos vivem de devaneios.
aplausos, por entre os quais surde, às vezes, um bravíssimo
inopinado, que solta de lá da sala do jogo o parceiro que Texto para as questões 5 e 6.
acaba de ganhar sua partida no écarté, mesmo na ocasião
em que a moça se espicha completamente, desafinando A mídia realmente tem o poder
um sustenido; daí a pouco vão outras, pelos braços de seus de manipular as pessoas?
pares, se deslizando pela sala e marchando em seu pas- Por Francisco Fernandes Ladeira
seio, mais a compasso que qualquer de nossos batalhões
da Guarda Nacional, ao mesmo tempo que conversam À primeira vista, a resposta para a pergunta que inti-
sempre sobre objetos inocentes que movem olhaduras e tula este artigo parece simples e óbvia: sim, a mídia é um
risadinhas apreciáveis. Outras criticam de uma gorducha poderoso instrumento de manipulação. A ideia de que o
vovó, que ensaca nos bolsos meia bandeja de doces que frágil cidadão comum é impotente frente aos gigantescos
veio para o chá, e que ela leva aos pequenos que, diz, lhe e poderosos conglomerados da comunicação é bastante
ficaram em casa. Ali vê-se um ataviado dandy que dirige atrativa intelectualmente. Influentes nomes, como Adorno
mil finezas a uma senhora idosa, tendo os olhos pregados e Horkheimer, os primeiros pensadores a realizar análises
na sinhá, que senta-se ao lado. Finalmente, no sarau não mais sistemáticas sobre o tema, concluíram que os meios
é essencial ter cabeça nem boca, porque, para alguns é de comunicação em larga escala moldavam e direciona-
regra, durante ele, pensar pelos pés e falar pelos olhos. vam as opiniões de seus receptores. Segundo eles, o rádio
E o mais é que nós estamos num sarau. Inúmeros torna todos os ouvintes iguais ao sujeitá-los, autoritaria-
batéis conduziram da corte para a ilha de... senhoras e mente, aos idênticos programas das várias estações. No
senhores, recomendáveis por caráter e qualidades; alegre, livro Televisão e Consciência de Classe, Sarah Chucid Da
numerosa e escolhida sociedade enche a grande casa, Viá afirma que o vídeo apresenta um conjunto de imagens
que brilha e mostra em toda a parte borbulhar o prazer trabalhadas, cuja apreensão é momentânea, de forma a
e o bom gosto. persuadir rápida e transitoriamente o grande público. Por
Entre todas essas elegantes e agradáveis moças, que sua vez, o psicólogo social Gustav Le Bon considerava
com aturado empenho se esforçam para ver qual delas que, nas massas, o indivíduo deixava de ser ele próprio
vence em graças, encantos e donaires, certo sobrepuja a para ser um autômato sem vontade e os juízos aceitos pe-
travessa Moreninha, princesa daquela festa. las multidões seriam sempre impostos e nunca discutidos.
(Joaquim Manuel de Macedo. A Moreninha, 1997.) Assim, fomentou-se a concepção de que a mídia seria
capaz de manipular incondicionalmente uma audiência
3 Unifesp 2013 A forma como se dá a construção do tex- submissa, passiva e acrítica.
to revela que ele é predominantemente Todavia, como bons cidadãos céticos, devemos du-
a dissertativo, com o objetivo de analisar criticamen- vidar (ou ao menos manter certa ressalva) de proposições
te o que é um sarau. imediatistas e aparentemente fáceis. As relações entre mí-
b descritivo, com o objetivo de mostrar o sarau como dia e público são demasiadamente complexas, vão muito
além de uma simples análise behaviorista de estímulo/
uma festa fútil e sem atrativos.
resposta. As mensagens transmitidas pelos grandes veículos
c narrativo, com o objetivo de contar fatos inusitados
de comunicação não são recebidas automaticamente e da
ocorridos em um sarau.
mesma maneira por todos os indivíduos. Na maioria das
d descritivo, com o objetivo de apresentar as carac- vezes, o discurso midiático perde seu significado original
terísticas de um sarau. na controversa relação emissor/receptor. Cada indivíduo
e dissertativo, com o objetivo de relatar as experiên- está envolto em uma “bolha ideológica”, apanágio de seu
cias humanas em um sarau. próprio processo de individuação, que condiciona sua
FRENTE ÚNICA

maneira de interpretar e agir sobre o mundo. Todos nós, ao


4 Unifesp 2013 Considerando os papéis desempenha- entramos em contato com o mundo exterior, construímos
dos pelas personagens no texto, é correto afirmar que representações sobre a realidade. Cada um de nós forma

67

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juízos de valor a respeito dos vários âmbitos do real, seus e sustenta a ideia de que a mídia é apenas um dos
personagens, acontecimentos e fenômenos e, consequen- fatores que interferem na construção da opinião
temente, acreditamos que esses juízos correspondem à dos indivíduos.
“verdade”. [...]
[...] A mídia é apenas um, entre vários quadros ou
7 Fuvest O anúncio luminoso de um edifício em frente,
grupos de referência, aos quais um indivíduo recorre
acendendo e apagando, dava banhos intermitentes de
como argumento para formular suas opiniões. Nesse sen-
sangue na pele de seu braço repousado, e de sua face.
tido, competem com os veículos de comunicação como
Ela estava sentada junto à janela e havia luar; e nos inter-
quadros ou grupos de referência fatores subjetivos/psico-
valos desse banho vermelho ela era toda pálida e suave.
lógicos (história familiar, trajetória pessoal, predisposição
Na roda havia um homem muito inteligente que falava
intelectual), o contexto social (renda, sexo, idade, grau
muito; havia seu marido, todo bovino; um pintor louro e
de instrução, etnia, religião) e o ambiente informacional
nervoso; uma senhora recentemente desquitada, e eu. Para
(associação comunitária, trabalho, igreja). “Os vários tipos
que recensear a roda que falava de política e de pintura?
de receptor situam-se numa complexa rede de referên-
Ela não dava atenção a ninguém. Quieta, às vezes sorrindo
cias em que a comunicação interpessoal e a midiática
se completam e modificam”, afirmou a cientista social quando alguém lhe dirigia a palavra, ela apenas mirava o
Alessandra Aldé em seu livro A construção da política: próprio braço, atenta à mudança da cor. Senti que ela fruía
democracia, cidadania e meios de comunicação de massa. nisso um prazer silencioso e longo. "Muito!", disse quando
Evidentemente, o peso de cada quadro de referência tende alguém lhe perguntou se gostara de um certo quadro – e
a variar de acordo com a realidade individual. Seguindo disse mais algumas palavras; mas mudou um pouco a
essa linha de raciocínio, no original estudo Muito Além posição do braço e continuou a se mirar, interessada em
do Jardim Botânico, Carlos Eduardo Lins da Silva cons- si mesma, com um ar sonhador.
Rubem Braga, A mulher que ia navegar.
tatou como telespectadores do Jornal Nacional acionam
seus mecanismos de defesa, individuais ou coletivos, para "'Muito!', disse quando alguém lhe perguntou se GOS-
filtrar as informações veiculadas, traduzindo-as segundo TARA de um certo quadro."
seus próprios valores. “A síntese e as conclusões que um Se a pergunta a que se refere o trecho fosse
telespectador vai realizar depois de assistir a um telejornal apresentada em discurso direto, a forma verbal cor-
não podem ser antecipadas por ninguém; nem por quem
respondente a "gostara" seria
produziu o telejornal, nem por quem assistiu ao mesmo
a gostasse.
tempo que aquele telespectador”, inferiu Carlos Eduardo.
b gostava.
Adaptado de: http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/a-
midia-realmente-tem-o-poder-de-manipular-as-pessoas/. (Publicado em c gostou.
14/04/2015, na edição 846. Acesso em 13/07/2016.) d gostará.
e gostaria.
5 ITA 2017 Com relação às estratégias argumentativas
utilizadas no texto, é correto afirmar que o autor 8 Fuvest
a vale-se da pergunta retórica do título, respondida
afirmativamente por ele mesmo. História estranha
b apresenta apenas posicionamentos de estudiosos Um homem vem caminhando por um parque quando
que são idênticos aos seus. de repente se vê com sete anos de idade. Está com qua-
c vale-se do uso das aspas nos quatro momentos renta, quarenta e poucos. De repente dá com ele mesmo
para se distanciar daquilo que é dito. chutando uma bola perto de um banco onde está a sua
d utiliza a primeira pessoa do plural para se aproximar babá fazendo tricô. Não tem a menor dúvida de que é ele
do leitor e o persuadir sobre seu ponto de vista. mesmo. Reconhece a sua própria cara, reconhece o banco
e apresenta com total imparcialidade pontos de vista e a babá. Tem uma vaga lembrança daquela cena. Um
diversos sobre a manipulação da mídia. dia ele estava jogando bola no parque quando de repen-
te aproximou-se um homem e... O homem aproxima-se
6 ITA 2017 O autor do texto dele mesmo. Ajoelha-se, põe as mãos nos seus ombros e
a acredita que a mídia controla e manipula todos os olha nos seus olhos. Seus olhos se enchem de lágrimas.
cidadãos, independentemente de sua condição Sente uma coisa no peito. Que coisa é a vida. Que coisa
socioeconômica e cultural. pior ainda é o tempo. Como eu era inocente. Como os
b mostra o poder absoluto da mídia de deturpar a meus olhos eram limpos. O homem tenta dizer alguma
realidade dos fatos, tornando os cidadãos aliena- coisa, mas não encontra o que dizer. Apenas abraça a si
dos e passivos. mesmo, longamente. Depois sai caminhando, chorando,
c mostra ao leitor que a mídia tem total poder de in- sem olhar para trás.
fluenciar o seu público, principalmente pelas redes O garoto fica olhando para a sua figura que se afas-
sociais. ta. Também se reconheceu. E fica pensando, aborrecido:
d prova a tese de que a mídia manipula os leitores, quando eu tiver quarenta, quarenta e poucos anos, como
respaldando-se em importantes estudiosos da cul- eu vou ser sentimental!
tura de massa. (Luis Fernando Veríssimo, Comédias para se ler na escola)

68 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 2 Tipologia textual e gêneros discursivos

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O discurso indireto livre é empregado na seguinte Uma veia sangrando de pavor.
passagem: Quando a massa já ferve e se retorce
a Que coisa é a vida. Que coisa pior ainda é o tempo. Deita-se a luz dum corpo de mulher,
b Reconhece a sua própria cara, reconhece o banco Duma pitada de morte se reforce,
e a babá. Tem uma vaga lembrança daquela cena. Que um amor de poeta assim requer.
SARAMAGO, J. Os poemas possíveis. Alfragide: Caminho, 1997.
c Um homem vem caminhando por um parque quan-
do de repente se vê com sete anos de idade. Os gêneros textuais caracterizam-se por serem relati-
d O homem tenta dizer alguma coisa, mas não en- vamente estáveis e podem reconfigurar-se em função
contra o que dizer. Apenas abraça a si mesmo, do propósito comunicativo. Esse texto constitui uma
longamente. mescla de gêneros, pois
e O garoto fica olhando para a sua figura que se afasta. a introduz procedimentos prescritivos na composi-
ção do poema.
9 IFSP 2014 Considere o cartum do artista argentino Joa- b explicita as etapas essenciais à preparação de uma
quín Salvador Lavado, mais conhecido como Quino. receita.
c explora elementos temáticos presentes em uma
receita.
d apresenta organização estrutural típica de um poema.
e utiliza linguagem figurada na construção do poema.

11 Enem PPL 2018


Reclame
se o mundo não vai bem
a seus olhos, use lentes
... ou transforme o mundo.
ótica olho vivo
agradece a preferência.
CHACAL. Disponível em: www.escritas.org.

Os gêneros podem ser híbridos, mesclando carac-


terísticas de diferentes composições textuais que
circulam socialmente. Nesse poema, o autor preser-
vou, do gênero publicitário, a seguinte característica:
a Extensão do texto.
b Emprego da injunção.
Observando-se a cena, pode-se afirmar corretamente c Apresentação do título.
que a comunicação entre as personagens ocorre pelo d Disposição das palavras.
a discurso indireto e que o policial comporta-se de e Pontuação dos períodos.
maneira autoritária e truculenta ao abordar o mo-
tociclista. Texto para as questões 12 e 13.
b discurso indireto e que o motociclista sente-se
MAIS QUE ORWELL, HUXLEY
constrangido, pois sabe que dirigir um automóvel
PREVIU NOSSO TEMPO
é mais prudente que dirigir uma moto.
c discurso indireto livre e que o motociclista refuta a Hélio Gurovitz
advertência do policial, pois dirige cuidadosamen-
Publicado em 1948, o livro 1984, de George Orwell,
te apesar da deficiência visual. saltou para o topo da lista dos mais vendidos (...) A distopia
d discurso direto e que o policial parece perplexo de Orwell, mesmo situada no futuro, tinha um endereço
diante da solução incomum encontrada pelo moto- certo em seu tempo: o stalinismo. (...) O mundo da “pós-
ciclista para conduzir a moto. -verdade”, dos “fatos alternativos” e da anestesia intelectual
e discurso direto e que o motociclista reconhece sua nas redes sociais mais parece outra distopia, publicada em
situação irregular, pois não possui documentos que 1932: Admirável mundo novo, de Aldous Huxley.
lhe permitem dirigir veículos. Não se trata de uma tese nova. Ela foi levantada pela
primeira vez em 1985, num livreto do teórico da comu-
10 Enem 2016 nicação americano Neil Postman: Amusing ourselves to
death (Nos divertindo até morrer), relembrado por seu
Receita
FRENTE ÚNICA

filho Andrew em artigo recente no The Guardian. “Na vi-


Tome-se um poeta não cansado, são de Huxley, não é necessário nenhum Grande Irmão
Uma nuvem de sonho e uma flor, para despojar a população de autonomia, maturidade ou
Três gotas de tristeza, um tom dourado, história”, escreveu Postman. “Ela acabaria amando sua

69

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opressão, adorando as tecnologias que destroem sua capacidade de pensar. Orwell temia aqueles que proibiriam os livros.
Huxley temia que não haveria motivo para proibir um livro, pois não haveria ninguém que quisesse lê-los. Orwell temia
aqueles que nos privariam de informação. Huxley, aqueles que nos dariam tanta que seríamos reduzidos à passividade e ao
egoísmo. Orwell temia que a verdade fosse escondida de nós. Huxley, que fosse afogada num mar de irrelevância.”
No futuro pintado por Huxley, (...) não há mães, pais ou casamentos. O sexo é livre. A diversão está disponível na forma
de jogos esportivos, cinema multissensorial e de uma droga que garante o bem-estar sem efeito colateral: o soma. Restaram
na Terra dez áreas civilizadas e uns poucos territórios selvagens, onde grupos nativos ainda preservam costumes e tradições
primitivos, como família ou religião. “O mundo agora é estável”, diz um líder civilizado. “As pessoas são felizes, têm o que
desejam e nunca desejam o que não podem ter. Sentem-se bem, estão em segurança; nunca adoecem; não têm medo da
morte; vivem na ditosa ignorância da paixão e da velhice; não se acham sobrecarregadas de pais e mães; não têm esposas,
nem filhos, nem amantes por quem possam sofrer emoções violentas; são condicionadas de tal modo que praticamente não
podem deixar de se portar como devem. E se, por acaso, alguma coisa andar mal, há o soma.”
Para chegar à estabilidade absoluta, foi necessário abrir mão da arte e da ciência. “A felicidade universal mantém as
engrenagens em funcionamento regular; a verdade e a beleza são incapazes de fazê-lo”, diz o líder. “Cada vez que as massas
tomavam o poder público, era a felicidade, mais que a verdade e a beleza, o que importava.” A verdade é considerada uma
ameaça; a ciência e a arte, perigos públicos. Mas não é necessário esforço totalitário para controlá-las. Todos aceitam de
bom grado, fazem “qualquer sacrifício em troca de uma vida sossegada” e de sua dose diária de soma. “Não foi muito bom
para a verdade, sem dúvida. Mas foi excelente para a felicidade.”
No universo de Orwell, a população é controlada pela dor. No de Huxley, pelo prazer. “Orwell temia que nossa ruína
seria causada pelo que odiamos. Huxley, pelo que amamos”, escreve Postman. Só precisa haver censura, diz ele, se os tiranos
acreditam que o público sabe a diferença entre discurso sério e entretenimento. (...) O alvo de Postman, em seu tempo, era
a televisão, que ele julgava ter imposto uma cultura fragmentada e superficial, incapaz de manter com a verdade a relação
reflexiva e racional da palavra impressa. O computador só engatinhava, e Postman mal poderia prever como celulares, tablets
e redes sociais se tornariam – bem mais que a TV – o soma contemporâneo. Mas suas palavras foram prescientes: “O que
afligia a população em Admirável mundo novo não é que estivessem rindo em vez de pensar, mas que não sabiam do que
estavam rindo, nem tinham parado de pensar”.
Adaptado, Revista Época nº 973 – 13 de fevereiro de 2017, p. 67.

Distopia: Pensamento, filosofia ou processo discursivo caracterizado pelo totalitarismo, autoritarismo e opressivo controle da
sociedade, representando a antítese de utopia. (BECHARA, E. Dicionário da língua portuguesa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora
Nova Fronteira, 2011, p. 533).

12 AFA 2018 Do ponto de vista da composição, só NÃO é correto afirmar que o texto se vale de
a apresentação de ideias contrárias que vão conduzindo a argumentação.
b descrição de uma realidade imaginária que dá ensejo à discussão.
c exemplos que esclarecem conceitos menos acessíveis ao leitor.
d citações que conferem autenticidade aos argumentos.

13 AFA 2018 Sobre o texto é correto afirmar que


a apresenta as ideologias presentes nas obras de ficção científica dos autores George Orwell, Aldous Huxley e Neil
Postman.
b na visão Orwell, a própria população se encarregaria de se autodestruir por sua capacidade de pensar e de ler.
c nas obras de Orwell e Huxley, havia o temor à proibição dos livros, mesmo não havendo quem os desejasse ler.
d tanto Orwell quanto Huxley temiam pela manipulação da informação: o primeiro, pela falta e o segundo, pelo ex-
cesso.

Texto para as questões 14 e 15.


Leia o seguinte excerto de um artigo sobre o teólogo João Calvino.
Foi preciso o destemor conceitual de um teólogo exigente feito ele para dar o passo racional necessário.
Ousou: para salvar a onipotência de Deus, não dá para não sacrificar pelo menos um quê da bondade divina.
Antônio Flávio Pierucci, Folha de S. Paulo, 12/07/2009.

14 Fuvest (Adapt.) O excerto está redigido em linguagem que apresenta traços de informalidade. Identifique dois exem-
plos dessa informalidade.

15 Fuvest (Adapt.) Redija o excerto alterando as expressões informais por outras adequadas a um contexto jornalístico
formal.

70 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 2 Tipologia textual e gêneros discursivos

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16 Uece 2018
Transferência de Neymar ao PSG é golpe de ‘soft power’ do Catar a países do Golfo, dizem especialistas
A transferência do 1fenômeno brasileiro Neymar ao Paris Saint-Germain (PSG) representa uma estratégia de marketing
e um golpe de ‘soft power’ do Catar contra os países do Golfo que cortaram relações diplomáticas com o emirado. Esta é
a análise de especialistas ouvidos pela agência de notícias France Presse e do 2comentarista da GloboNews, Marcelo Lins.
Neymar se tornou o jogador mais caro da história do futebol, com o pagamento da cláusula de rescisão no valor de
€ 222 milhões (R$ 812 milhões).
Segundo Mathieu Guidere, 3especialista em geopolítica do mundo árabe consultado pela AFP, o anúncio da transferên-
cia do jogador ao PSG, 4que é de um fundo de investimentos do Catar, “foi testado entre catarianos como uma espécie de
estratégia de comunicação que ofuscaria o debate em torno de outras considerações, como o terrorismo”.
Marcelo Lins, comentarista da GloboNews, 5afirmou que a transferência beneficia a imagem do Catar. “Um pequeno
país riquíssimo em petróleo, do Golfo, que bota tanto dinheiro para dar alegria a uma torcida, ou a milhões de torcedores
espalhados pelo mundo... você tem uma volta disso na imagem do Catar, que é muito grande”, 6disse à GloboNews. “É uma
grande jogada de marketing do Catar como um todo”, acrescentou.
O Catar enfrenta a sua pior crise política em décadas, com a Arábia Saudita e outros países do Golfo tendo cortado
relações diplomáticas com o emirado por acusações de apoio a grupos terroristas. O Catar nega as acusações e diz que o
objetivo é prejudicar o emirado rico em gás.
Com a transferência de Neymar, Doha pode estar de olho em investir em ‘soft power’. O conceito de ‘7soft power’
8
( ‘poder suave’, em tradução livre) foi elaborado para definir a influência de países nas relações internacionais por meio de
investimentos em ações positivas.
“Esse é um golpe de ‘soft power’. 9O Catar precisa demonstrar ao mundo que, apesar de todas as acusações, é o país mais
resiliente no Oriente Médio”, 10disse à AFP Andreas Krieg, 11analista de risco político no King’s College de Londres. “Ter o melhor
jogador do mundo mostra ao resto do mundo que se o Catar é determinado, eles ainda têm os maiores recursos para tirar e, se
necessário, usar o dinheiro que têm para promover a sua agenda”, acrescentou.
O custo da transferência de Neymar “envia um sinal muito forte para o mundo esportivo e um sinal muito forte de
desafio contra os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita”, disse Krieg. “Eles queriam esse jogador e usaram o dinheiro
para comprá-lo a qualquer preço”. [...]
https://g1.globo.com/mundo/noticia/transferenciade-neymar-ao-psg-e-golpe-de-soft-power-docatar-a-paises-do-golfo-dizem-especialistas.ghtml

A notícia é tomada como um gênero textual da esfera jornalística que tem como objetivo divulgar temas da atualidade
de maneira imparcial. Na notícia acima, este objetivo é alcançado pelo enunciador por meio de alguns recursos linguís-
ticos textuais, EXCETO pelo(a)
a uso predominante do discurso direto como forma de o enunciador atribuir a outrem as informações divulgadas.
b presença de elementos linguísticos avaliativos, como o termo “fenômeno” (referência 1), que amplia a dimensão
informativa do gênero notícia.
c emprego de verbos dicendi, como “afirmou” (referência 5) e “disse” (referências 6 e 10), para isentar o enunciador
de revelar o seu ponto de vista.
d presença do relato em terceira pessoa, o qual busca um distanciamento em relação ao fato, o que constrói a ideia
da objetividade, de forma a sustentar a credibilidade da informação.

17 Enem PPL 2019 É através da linguagem que uma sociedade se comunica e retrata o conhecimento e entendimento de si
própria e do mundo que a cerca. É na linguagem que se refletem a identificação e a diferenciação de cada comunidade e
também a inserção do indivíduo em diferentes agrupamentos, estratos sociais, faixas etárias, gêneros, graus de escolaridade.
A fala tem, assim, um caráter emblemático, que indica se o falante é brasileiro ou português, francês ou italiano, alemão ou
holandês, americano ou inglês, e, mais ainda, sendo brasileiro, se é nordestino, sulista ou carioca. A linguagem também ofe-
rece pistas que permitem dizer se o locutor é homem ou mulher, se é jovem ou idoso, se tem curso primário, universitário ou
se é iletrado. E, por ser um parâmetro que permite classificar o indivíduo de acordo com sua nacionalidade e naturalidade,
sua condição econômica ou social e seu grau de instrução, é frequentemente usado para discriminar e estigmatizar o falante.
LEITE, Y.; CALLOU, D. Como falam os brasileiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

Nesse texto acadêmico, as autoras fazem uso da linguagem formal para


a estabelecer proximidade com o leitor.
b atingir pessoas de vários níveis sociais.
c atender às características do público leitor.
d caracterizar os diferentes falares brasileiros.
e atrair leitores de outras áreas do conhecimento.
FRENTE ÚNICA

71

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As questões de 18 a 20 tomam por base uma crônica de Clarice Lispector (1925-1977) e uma passagem do Manual
do Roteiro, do professor de Técnica do roteiro, consultor e conferencista Syd Field.
Escrever
Eu disse uma vez que escrever é uma maldição. Não me lembro por que exatamente eu o disse, e com sinceridade. Hoje
repito: é uma maldição, mas uma maldição que salva.
Não estou me referindo muito a escrever para jornal. Mas escrever aquilo que eventualmente pode se transformar num
conto ou num romance. É uma maldição porque obriga e arrasta como um vício penoso do qual é quase impossível se livrar,
pois nada o substitui. E é uma salvação.
Salva a alma presa, salva a pessoa que se sente inútil, salva o dia que se vive e que nunca se entende a menos que se
escreva. Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que
permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada.
Que pena que só sei escrever quando espontaneamente a “coisa” vem. Fico assim à mercê do tempo. E, entre um ver-
dadeiro escrever e outro, podem-se passar anos.
Lembro-me agora com saudade da dor de escrever livros.
(Clarice Lispector. A descoberta do mundo, 1999.)

Escrevendo o roteiro
Escrever um roteiro é um fenômeno espantoso, quase misterioso. Num dia você está com as coisas sob controle, no dia
seguinte sob o controle delas, perdido em confusão e incerteza. Num dia tudo funciona, no outro não; ninguém sabe como
ou por quê. É o processo criativo; que desafia análises; é mágica e maravilha.
Tudo o que foi dito ou registrado sobre a experiência de escrever desde o início dos tempos resume-se a uma coisa —
escrever é sua experiência particular, pessoal. De ninguém mais.
Muita gente contribui para a feitura de um filme, mas o roteirista é a única pessoa que se senta e encara a folha de papel
em branco.
Escrever é trabalho duro, uma tarefa cotidiana, de sentar-se diariamente diante de seu bloco de notas, máquina de es-
crever ou computador, colocando palavras no papel. Você tem que investir tempo.
Antes de começar a escrever, você tem que achar tempo para escrever.
Quantas horas por dia você precisa dedicar-se a escrever?
Depende de você. Eu trabalho cerca de quatro horas por dia, cinco dias por semana. John Millius escreve uma hora por
dia, sete dias por semana, entre 5 e 6 da tarde. Stirling Silliphant, que escreveu The Towering Inferno (Inferno na Torre), às
vezes escreve 12 horas por dia. Paul Schrader trabalha com a história na cabeça por meses, contando-a para as pessoas até
que ele a conheça completamente; então ele “pula na máquina” e a escreve em cerca de duas semanas. Depois ele gastará
semanas polindo e consertando a história.
Você precisa de duas a três horas por dia para escrever um roteiro.
Olhe para a sua agenda diária. Examine o seu tempo. Se você trabalha em horário integral, ou cuidando da casa e da
família, seu tempo é limitado. Você terá que achar o melhor horário para escrever. Você é o tipo de pessoa que trabalha
melhor pela manhã? Ou só vai acordar e ficar alerta no final da tarde? Tarde da noite pode ser um bom horário. Descubra.
(Syd Field. Manual do roteiro, 1995.)

18 Unesp 2013 Mas escrever aquilo que eventualmente pode se transformar num conto ou num romance.
Ao empregar na frase apresentada o advérbio eventualmente, o que revela Clarice Lispector sobre a criação de um
conto ou romance?

19 Unesp 2013 No sétimo parágrafo do texto de Syd Field, que informação o autor passa ao aprendiz de roteirista com
os diversos exemplos que apresenta?

20 Unesp 2013 Clarice Lispector coloca inicialmente o processo da criação literária como uma maldição. Em seguida,
ressalva que é também uma salvação. Com base no texto da crônica, explique como a autora resolve essa diferença
de conceitos sobre a criação literária.

72 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 2 Tipologia textual e gêneros discursivos

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP2_LA.INDD / 16-09-2020 (19:55) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL


Davide Guglielmo/Stock.xchnq.
usto de Campos
Acaso (1963) - © Aug

FRENTE ÚNICA

3
CAPÍTULO Figuras de linguagem ligadas aos aspectos fonético
e sintático
O poema de Augusto de Campos emprega sessenta combinações com as letras
da palavra acaso; com isso cria um trocadilho em torno de um mesmo vocábulo, resul-
tando em palavras que não existem, com exceção de duas: “acaso” e “caos” (“caaos”),
se desprezarmos a ortografia e considerarmos a sonoridade. O caos está no fato de
as palavras serem construídas ao acaso. O trocadilho decorrente das combinações
dá ao poema visualidade e sonoridade, características da poesia concreta. Esse movi-
mento explorou sobretudo os aspectos formais de modo que estes se aproximassem
do conteúdo.

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP3_LA.INDD / 15-09-2020 (08:57) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Introdução Na primeira ocorrência, a palavra “mala” está em sen-
tido figurado, conotativo; equivale a uma ofensa do tipo:
O estudo das figuras de linguagem está distribuído ao
“Você não faz nada direito”. Na segunda ocorrência, a pa-
longo do livro; nestas aulas, serão discutidas as figuras li-
lavra “mala” está empregada em sentido literal, denotativo.
gadas à sintaxe e à fonética.
Na primeira ocorrência, temos uma metáfora, figura de
A Estilística ocupa-se dos recursos que promovem a
linguagem associada ao aspecto semântico.
criatividade linguística. O uso da linguagem figurada está
presente na poesia, nos romances, nas propagandas, nos As figuras de linguagem serão estudadas segundo o
ensaios, nas manchetes, enfim, onde houver a intenção seguinte critério:
de dar à linguagem um colorido, uma graça, um efeito de a. associadas ao aspecto fonético (fonema, som);
sentido. b. associadas ao aspecto sintático (sintaxe);
c. associadas ao aspecto semântico (significado).
Figuras: aspecto sonoro Figuras: aspecto sintático As figuras ligadas ao aspecto semântico serão estuda-
onomatopeia elipse polissíndeto
das em capítulo posterior.
aliteração zeugma pleonasmo
assonância
paronomásia
anáfora
hipérbato
anacoluto
quiasmo
Figuras ligadas ao aspecto sonoro
silepse apóstrofe Essas figuras recebem investimento no nível do som
assíndeto (fonético).

Paronomásia
Denotação
A denotação (do latim denotatione, “indicação”) está

Quinho
presente no texto no instante em que o enunciador utiliza
as palavras em sentido literal (ao pé da letra), ela “remete”,
como afirma Massaud Moisés, no Dicionário de termos literá-
rios, ao que no sentido é comum a todos os falantes de uma
mesma língua. Assim, a palavra “mala”, em sentido denotativo,
terá sempre o mesmo significado: “saco de couro ou pano;
caixa de madeira revestida de couro ou lona, destinada, ge-
ralmente, ao transporte de roupas” (Dicionário escolar da
língua portuguesa, Francisco da Silveira Bueno). A denotação
move-se, mais frequentemente, no discurso científico, caracte-
rizado pela “univocidade” das palavras (um só sentido). Nesse
tipo de texto, a enunciação utiliza as palavras em sentido
literal, em conformidade com o dicionário. A denotação tem
sua equivalência na função referencial, também chamada
função denotativa. Dessa forma, todos os textos de caráter
informativo, que apresentem linguagem objetiva, fazem uso Também chamada parequese em português (calembour,
da denotação (livros didáticos, manuais, memorandos etc.). em francês), a paronomásia consiste no emprego de pa-
Quando se tem a denotação, a carga semântica (o significado) lavras semelhantes na grafia e/ou no som, mas diferentes
deriva, não do contexto, mas da convenção. ou opostas no sentido. Todo trocadilho se vale da paro-
nomásia; os poetas, jornalistas, redatores utilizam esse
Conotação recursopara dar elegância ao texto.
A conotação (do latim cum + notatione, “notação”,
Sagres sagrou então a Descoberta...
“marca”) é empregada no texto no momento em que uma
Miguel Torga. “Sagres”. Poemas ibéricos.
palavra ou expressão tem seu sentido literal alterado. Por Coimbra: Coimbra Editores, 1965. p. 21.
associação mental e por meio do encadeamento de ima-
D’esta arte a gente força e esforça Nuno
gens ou alusões, chega-se a um outro sentido, que não o
Luís Vaz de Camões. Os Lusíadas.
literal. A poesia é por excelência conotativa, ao passo que
a prosa narrativa típica (um romance, um conto etc.) pro-
Mas não tremas, nem temas
move uma harmonia entre esses dois níveis de linguagem.
Padre Antônio Vieira.
Segundo Massaud Moisés, num texto poético cada palavra
pode assumir mais de um sentido, num texto em prosa Todas nove nos braços o tomaram, criando-o com seu
(parágrafo) o vocábulo isolado tende para a denotação, e leite no seu leito.
só adquire sentido conotativo no conjunto da obra em que Luís Vaz de Camões. Lírica de Camões.
se insere. Compare: Esse eficiente físico é um deficiente físico.
Você é um mala, Roberto!
Esqueceu minha mala em casa! Se você não pede, o Paraná perde.

74 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 3 Figuras de linguagem ligadas aos aspectos fonético e sintático

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP3_LA.INDD / 15-09-2020 (08:57) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


No humor, a paronomásia aparece quase sempre im- Assonância
plícita:
É a repetição de um fonema vocálico (reiteração de
O que um cromossomo disse para o outro? Cromossomos vogal).
bonitos!
Sem lenço sem documento
O seno bate na porta do banheiro para entrar. O cosseno, Caetano Veloso. Alegria, alegria.
que estava lá dentro, responde: ‘tangente’!
Pense Forte, Pense Ford
No Brasil, as promessas dos políticos não foram feitas para J. Walter Thompson. Cliente: Ford do Brasil.
serem cumpridas... mas compridas!
Cerveja como são as coisas. Você não me conhaque, não sabe Onomatopeia
de onde eu vinho, por isso não me campari com qualquer rum. Consiste no emprego de palavras que reproduzem
sons da natureza, de animais ou de objetos. No plano li-
Aliteração terário, a onomatopeia também consiste na recorrência
É a repetição de um fonema consonantal. de determinados sons com o objetivo de, via sonoridade
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos.
(repetição de fonemas), exprimir certo conteúdo. O empre-
Eugênio de Castro. Um sonho.
go da onomatopeia cria uma aproximação entre forma e
conteúdo, ou entre o significante, parte sensível do signo
Velho vento vagabundo! (som, imagem gráfica), e o significado, parte ausente do
No teu rosnar sonolento signo (partindo do princípio de que a palavra é signo, pois
Leva ao longe este lamento representa por meio da linguagem um referente, isto é, um
Cruz e Souza. Velho Vento!
elemento da realidade: as vozes, as ondas etc.).
Casas, carros, casas, casos.
Capital
Encarcerada.

BUM
Colos, calos, cuspo, caspa.
David Mourão-Ferreira. Capital.

Em horas inda louras, lindas


Clorindas e Belindas, brandas
Brincam nos tempos das Berlindas
No exemplo dado, o enunciador reproduz uma explo-
As vindas vendo das varandas.
são. Nos exemplos abaixo, aliterações e assonâncias criam
Fernando Pessoa. Saudade dada.
efeitos onomatopaicos:
Em certos textos, a aliteração cria efeito onoma­to­pai­ yy o batuque:
co, ou seja, as consoantes são utilizadas para reprodu­zir

Laura Glover/stock.xchng
determinados sons.
© Dsukhov | Dreamstime.com

Há rataplãs, tarampantãs de tamboris, roucos tutuques de


zambubas e ritumbas ― e a batourar, tamborilando, em ininter-
rupto, no tabaréu das muçambas, o barundum dos tabaques.
Martins Pontes. A dança, conferência recitada no Coliseu Santista em favor do
Asilo de Órfãos, 28 jan. de 1919, p. 93.

yy o roçar do rio nas pedras e nas margens


[...]
cdcguard/morgueFile

Reza, reza o rio


Córrego pro rio e o rio pro mar
FRENTE ÚNICA

Pátria, eu semente que nasci do vento Reza correnteza, roça a beira,


Eu que não vou e não venho, eu que permaneço. doura a areia
Vinícius de Moraes. Pátria minha.
[...]
A reiteração do fonema /v/ associa-se à ideia de “vento”. Caetano Veloso. Luz do sol.

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Figuras ligadas ao aspecto sintático João Fanhoso abriu os olhos pesados de preguiça: primeiro
um, depois o outro.
As figuras ligadas ao aspecto sintático exploram uma Mário Palmério. Vila dos Confins.
das áreas da língua, a sintaxe, e podem ser classificadas
assim (as mais importantes): [Subentende-se: ‘primeiro abriu um, depois abriu o
yy omissão: assíndeto, elipse e zeugma; outro’]
yy repetição: anáfora, pleonasmo e polissíndeto; A igreja era grande e pobre. Os altares, humildes.
yy inversão: hipérbato; C. Drummond de Andrade.
yy ruptura: anacoluto;
yy concordância ideológica: silepse. [Subentende-se: ‘Os altares eram humildes’]

A exemplo da elipse, trata-se de um procedimento de


Elipse
concisão, evita-se a repetição da palavra.
Trata-se do ocultamento de uma ou mais palavras su-
bentendidas no contexto ou na desinência verbal.
Pleonasmo
Sou ave de rapina Como figura de linguagem, trata-se de uma repetição
Sou mulher e sou menina... (elipse de “eu”) com objetivo enfático.
Reca Polleti.
Com a vida isolada que vivo, gosto de afastar os olhos de
Se conversar, diretoria! (elipse de “você irá à”) sobre a nossa arena política para ler em minha alma.
Gonçalves Dias. Prólogo aos primeiros cantos.
O uso da elipse visa à concisão, portanto, é um proce-
dimento estilístico que deve ser utilizado em: Relógio que atrasa não adianta.
yy Descrições de ambientes, de estados psicológicos,
de personalidade: E rir meu riso e derramar meu pranto.
Vinicius de Moraes. “Soneto de fidelidade”.
Subiu a escada. A cama arrumada. O quarto. O cheiro do
jasmineiro. E a voz de uma das filhas, embaixo: Vi com estes olhos que a terra há de comer
— Papai! O telefone... Machado de Assis.
Aníbal M. Machado. Cadernos de João.
Vi, claramente visto, o lume vivo
Gente estranha, para os negros, aqueles caçadores quase sel- Que a marítima gente tem por santo
vagens, as barbas crescidas, os pés descalços, os rifles nas mãos. Luís Vaz de Camões. Os Lusíadas.
Adonias Filho. Léguas da promissão.
Todos nus, e da cor da escura treva.
yy textos rápidos, como um diário íntimo ou um caderno Luiz Vaz de Camões. Os Lusíadas.
de notas: Vistos com os olhos, palpados com as mãos, pisados com
Outubro, 10 – Depressão. Hipocondria. Reacções súbitas os pés.
de ódio. Depois, desalento. Pelo menos, antes havia um misté- Padre Antônio Vieira. Sermões.
rio algo excitante. Agora, mais melancolia, apenas.
Como vício de linguagem, trata-se de uma repetição
Cyro dos Anjos. Montanha.
de ideias, desnecessária ao texto.
yy provérbios, ditos:
– Há um elo de
A paciência da Esfinge. Que paciência! ligação entre o
senhor e o mensalão? – O senhor foi
Aníbal M. Machado. pleonástico
duas vezes!
yy enumerações, em que a elipse do artigo definido su-
gere a ideia de acumulação, de rapidez:
Cristais retinem de medo,
Precipitam-se estilhaços,
Chovem garras, manchas, laços...
Planos, quebras e espaços
Vertiginam em segredo.
M. de Sá-Carneiro; Fernando Paixão (Org.). Rodopio. Poesia.
São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 54.
Veja os pleonasmos viciosos mais presentes no coti-
diano.
Zeugma – acabamento final
É a omissão de uma ou mais palavras anteriormente – certeza absoluta
expressas (costuma ser o verbo). – quantia exata
– nos dias 8, 9 e 10, inclusive
Vieira vivia para fora [...] Bernardes, para a cela...
– juntamente com
Antônio Feliciano de Castilho.
– expressamente proibido
(zeugma de vivia) – em duas metades iguais

76 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 3 Figuras de linguagem ligadas aos aspectos fonético e sintático

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– sintomas indicativos Polissíndeto
– há anos atrás
É a repetição intencional de uma conjunção coordena-
– vereador da cidade
tiva visando criar determinadas sugestões, como enfatizar
– outra alternativa
determinado aspecto.
– detalhes minuciosos
– a razão é porque
E zumbia, e voava, e voava, e zumbia...
– anexo junto à carta
– de sua livre escolha Machado de Assis. A mosca azul.
– superavit positivo Tua irmã é carinhosa, e doce, e meiga, e casta, e conso-
– todos foram unânimes ladora.
– conviver junto
Eça de Queirós. Prosas bárbaras.
– fato real
– encarar de frente Que as estrelas e o céu e o ar vizinho
– multidão de pessoas E tudo quanto se via namorava
– amanhecer o dia Luís Vaz de Camões. Os Lusíadas.
– criação nova
– retornar de novo
– empréstimo temporário Assíndeto
– surpresa inesperada Por oposição ao polissíndeto, trata-se da ausência de
– escolha opcional conjunção coordenativa entre as orações ou termos coor-
– planejar antecipadamente denados. O uso do assíndeto confere maior vigor à frase
– abertura inaugural ou ao verso e produz, entre outras, uma sensação de movi-
– continua a permanecer mento, dinamicidade (enumeração de ações, por exemplo).
– a última versão definitiva
Cheguei, vi, venci.
– possivelmente pode ocorrer
– comparecer em pessoa
... uma vasta cidade..., onde o homem tenha durante o dia
– gritar bem alto os clubes, o cavaco, os museus, as ideias, o sorriso de outras
– propriedade característica mulheres – a mulher tenha as ruas, as compras, os teatros, a
– demasiadamente excessivo atenção de outros homens [...]
Eça de Queirós. Os Maias.
Anáfora
É a repetição de um termo no início de cada verso ou
de cada frase.
Silepse
É quando o enunciador faz a concordância com a ideia.
Amor é fogo que arde sem se ver. Há três tipos de silepse:
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente,
yy De pessoa
É dor que desatina sem doer.
[...] Quanto à pátria de origem, todos os homens somos do céu.
Luís Vaz de Camões. Sonetos. Manuel Bernardes. Bernardes.

Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo (todos os homens: terceira pessoa do plural; somos:
digere, tudo acaba. primeira pessoa do plural)
Padre Antônio Vieira. Sermões.

Castro na boca, Castro n’alma, Castro em toda a parte yy De número


Antonio Ferreira. Poemas lusitanos. Muita gente anda no mundo sem saber pra quê: vivem
A epístrofe seria a repetição de palavras ou expressões porque veem os outros viverem.
J. Simões Lopes Neto. Contos gauchescos e lendas do sul.
no fim de cada verso (ou de cada um dos membros da
frase), por exemplo: (muita gente: terceira pessoa do singular; vivem...
Gastos largos, esperanças do mundo largas, vaidades lar- veem... viverem: terceira pessoa do plural)
gas, consciências largas, com apertos, e estreitezas se hão de Um grupo mais numeroso descia da ladeira e parava a
castigar. alguns passos. Falavam alto, comentando ainda as peripécias
Frei Heitor Pinto. Imagem da vida cristã. do leilão.
Os animais não são criaturas? As árvores não são criatu- Afrânio Peixoto. Maria Bonita e Fruta do mato.

ras? As pedras não são criaturas? (grupo: terceira do singular; Falavam: terceira do plural)
FRENTE ÚNICA

Padre Antônio Vieira. Sermão da Sexagésima.

Não sou nada yy De gênero


Nunca serei nada
Se você acha Maria Carmem feio, chame-me Maria!
Não posso querer ser nada
Álvaro de Campos. Tabacaria. (“feio” concorda com “nome”)

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Hipérbato É a figura de estilo que apresenta repetição, invertendo
a ordem das palavras (ab – ba).
Temos um hipérbato quando há uma inversão da ordem
direta dos termos da oração, podendo manifestar-se pela Melhor que viver sonhando é sonhar vivendo.
separação do substantivo e do adjetivo, pela colocação do
O silêncio da voz é a voz do silêncio.
sujeito ou do verbo no fim da oração, pela alteração do lugar
Helena Blavatsky. A voz do silêncio.
habitual de complementos regidos preposicionalmente etc.
Não é que o meu o teu sangue Tinhas a alma de sonhos povoada
Sangue de maior primor... E a alma de sonhos povoada eu tinha.
Alexandre Herculano. Poesias. Olavo Bilac. Poesias.

(na ordem direta: O teu sangue não é de maior primor que Ó minha menina loura, / Ó minha loura menina
o meu sangue.) Fernando Pessoa.
De tudo, ao meu amor serei atento Crédit Lyonnais: A banca do futuro / a vossa futura banca
Antes, e com tal zelo, e sempre...
Vinicius de Moraes. Soneto de fidelidade.
Apóstrofe
(na ordem direta: Serei atento ao meu amor antes de tudo...) Essa figura é utilizada para evocar um ser, animado
ou não.
Anacoluto
Trata-se da ruptura sintática da frase; o anacoluto é mui-
to frequente na linguagem oral. Este procedimento resulta
do fato de o locutor dedicar mais atenção ao pensamento do
que à organização sintática. O anacoluto ocorre, por exem-
plo, quando o enunciador interrompe a oração principal para
introduzir a subordinada e não dá sequência à primeira ora-
ção; a oração principal ficará incompleta sintaticamente, pois
não teve seu término.
A noite
– Como ela vinha!
Morna, suave,
Muito branca, aos tropeções, Ó mar salgado, quanto do teu sal
Já sobre as coisas descia São lágrimas de Portugal!
E eu nos teu braços deitado Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Até sonhei que morria Quantos filhos em vão rezaram!
António Botto. As canções de António Botto. Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Eu, parece-me que sim; pelo menos nada conheço, que Fernando Pessoa. Mar português. In: O guardador de rebanhos e outros
se lhe aparente. poemas. 7. ed. Cultrix: 2004. p. 207.
M. de Sá-Carneiro. Cartas escolhidas.
Homens: porque não nasci apenas no espelho,
O homem daqui, seu conceito de felicidade é muito mais Sem alma deste lado?
subjetivo. José Gomes Ferreira. O escritor.
Rachel de Queiroz. Felicidade.
Mortos, Mortos, Desenganai estes vivos! Dizei-nos que
O professor... eu não fiz a lição, meu Deus! pensamentos e sentimentos foram os vossos quando entrastes
e saístes pelas portas da morte?
No primeiro exemplo, a oração principal não teve
Padre Antônio Vieira. Sermões. São Paulo: Edições Layola, 2008. p. 44.
sequência (“A noite...”). Nos três últimos, faltou o primeiro
predicado.
Paralelismo
Quiasmo Trata-se de repetição de estruturas sintáticas ao longo
do texto.
Viva vaia (1972) AUGUSTO DE CAMPOS

Com estrelas na alma, com visões na mente; Bátegas de bra-


sas, turbilhões de sóis.
Guerra Junqueiro. Os simples.

Ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos,


afia-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-
-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos,
divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos.
Padre Antônio Vieira. Sermões. São Paulo: Edições Layola, 2008.

78 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 3 Figuras de linguagem ligadas aos aspectos fonético e sintático

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP3_LA.INDD / 16-09-2020 (20:06) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL


E agora, José? Você que é sem nome, Está sem mulher, o bonde não veio,
A festa acabou, que zomba dos outros, está sem discurso, o riso não veio,
a luz se apagou, Você que faz versos, está sem carinho, não veio a utopia
o povo sumiu, que ama, protesta? já não pode beber, e tudo acabou
a noite esfriou, e agora, José? já não pode fumar, e tudo fugiu
e agora, José? cuspir já não pode, e tudo mofou,
e agora, você? a noite esfriou, e agora, José?
o dia não veio,
Carlos Drummond de Andrade. “José” In: José & Outros. Rio de Janeiro: Record. © Gaña Drummond <www.carlosdrummond.com.br>.

Revisando
De 1 a 3, identifique a(s) figura(s) de linguagem. 7 Explique a silepse de autoria do grupo de rock Ultraje
a Rigor:
1 Na messe, que enlourece, estremece a quermesse... A gente somos inútil!
Eugênio de Castro. Roger Moreira.





2 Há um pinheiro estático e extático... 8 Explique a figura de sintaxe utilizada a seguir.


Rubem Braga.
O bebê... é linda!





3 Tinhas a alma de sonhos povoada / E a alma de sonhos


povoada eu tinha 9 No texto a seguir, há um hipérbato. Passe-o para a or-
Olavo Bilac. Poesias. dem direta.
O som longínquo vem-se aproximando do galopar de

estranha cavalgada.
 Raimundo Correia.


4 Leia o texto a seguir e diga quais as figuras empregadas.

Sem lenço sem documento.
Caetano Veloso. Alegria, Alegria.
10 Em prosa, a zeugma costuma receber vírgula. Pon-
 tue adequadamente o texto a seguir, empregando a
 zeugma.
As meninas cortavam a laranja e os meninos a me-
5 No texto a seguir, a aliteração possui efeito onomato- lancia.
paico. Explique. 
Estamos roxos de raiva com o arrocho salarial. 
Jornal Unidade Bancária.

 11 Sublinhe as frases nas quais os pleonasmos são con-


siderados viciosos.

É a principal protagonista.
6 Que figuras sonoras temos no verso a seguir de Olavo
Na minha opinião pessoal.
Bilac?
Teve uma hemorragia de sangue.
O ângelus plange ao longe em doloroso dobre.
FRENTE ÚNICA

 Criou uma nova concepção de arte.


 Tinha o monopólio exclusivo de tudo.

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12 Na fila única, não é você que respeita a fila. A fila é que 14 Classifique a figura de linguagem utilizada no texto a
respeita você. seguir.
a) Que figura de linguagem foi utilizada?
Passa, lento vapor, passa e não fiques...

Passa de mim, passa da minha vista,
 Vai-te de dentro do meu coração,
b) Qual é a função da locução explicativa “é que”? Perde-te no Longe, no Longe, bruma de Deus,
 Perde-te, segue o teu destino e deixa-me...
Eu quem sou para que chore e interrogue?

Eu quem sou para que te fale e te ame?
Eu quem sou para que me perturbe ver-te?
13 Classifique a figura sintática utilizada no texto a seguir. Álvaro de Campos. Antologia poética de Fernando Pessoa.
2. ed. São Paulo: Ediouro, 2004.
O lápis, o esquadro, o papel;
o desenho, o projeto, o número: 
o engenheiro pensa o mundo justo, 
mundo que nenhum véu encobre.
João Cabral de Melo Neto. Education by Stone: Selected Poems.

Tradução de Richard Zenith. Nova York: Archipelago Books,1999. 
 
 

Exercícios propostos
Texto para a questão 1. Decidiu mover uma guerra implacável, sem quartel, às
telas de Van Gogh, onde quer que estivessem. Começaria
Saltos altos estalam seco nas ressonantes escadas de pelas mais próximas, as do Museu de Arte Moderna de São
pedra. Ar de inverno no castelo, cotas de malha enforcadas, Paulo. Seu plano era de uma simplicidade diabólica. Não
castiçais de ferro tosco por sobre as espirais das espiraladas faria como outros destruidores de telas que entram num
escadas. Tiques e taques de saltos altos, ecos altos e ocos. museu armados de facas e atiram-se às obras, tentando
Alguém lá embaixo quer falar com a senhorita. destruí-las; tais insanos não apenas não conseguem seu
James Joyce (Adapt.). intento, como acabam na cadeia. Não, usaria um método
científico, recorrendo a aliados absolutamente insuspei-
1 Em de saltos altos, ecos altos e ocos, o significante (letra/ tados: os cupins.
Deu-lhe muito trabalho, aquilo. Em primeiro lugar, era
som) aproxima-se do significado; tal recurso também
necessário treinar os cupins para que atacassem as telas de
é observado em: Van Gogh. Para isso, recorreu a uma técnica pavloviana.
a A luz das tuas feridas é o fato de o sofrimento levar à Reproduções das telas do artista, em tamanho natural, eram
espiritualidade. recobertas com uma solução açucarada. Dessa forma, os
b “Ouvia zum de besouro na cabeça, estava enlou- insetos aprenderam a diferenciar tais obras de outras.
quecendo.” Mediante cruzamentos sucessivos, obteve um tipo
c A árvore no alto da montanha parecia um velho de cupim que só queria comer Van Gogh. Para ele era
repulsivo, mas para os insetos era agradável, e isso era o
sábio.
que importava.
d Às tuas feridas, ofereço-lhes o meu mel. Conseguiu introduzir os cupins no museu e ficou à
e – Não me seduza, o seu tropeço é a minha sorte. espera do que aconteceria. Sua decepção, contudo, foi
enorme. Em vez de atacar as obras de arte, os cupins
Leia a crônica “Inconfiáveis cupins”, de Moacyr Scliar, preferiram as vigas de sustentação do prédio, feitas de
para responder à questão 2. madeira absolutamente vulgar. E por isso foram detectados.
O homem ficou furioso. Nem nos cupins se pode
Havia um homem que odiava Van Gogh. Pintor des- confiar, foi a sua desconsolada conclusão. É verdade que
conhecido, pobre, atribuía todas suas frustrações ao artista alguns insetos foram encontrados próximos a telas de Van
holandês. Enquanto existirem no mundo aqueles horríveis Gogh. Mas isso não lhe serviu de consolo. Suspeitava que
girassóis, aquelas estrelas tumultuadas, aqueles ciprestes os sádicos cupins estivessem querendo apenas debochar
deformados, dizia, não poderei jamais dar vazão ao meu dele. Cupins e Van Gogh, era tudo a mesma coisa.
instinto criador. (O imaginário cotidiano, 2002.)

80 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 3 Figuras de linguagem ligadas aos aspectos fonético e sintático

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2 Unifesp 2020 Observa-se a elipse de um substantivo 4 EBMSP 2017 Objetivando imitar o movimento da onda,
no trecho: por meio de uma fluidez sonora, Manoel Bandeira uti-
a “Para ele era repulsivo, mas para os insetos era liza-se de um recurso estilístico denominado
agradável, e isso era o que importava” (5° parágrafo) a pleonasmo poético, enfatizando, a partir da redun-
b “Começaria pelas mais próximas, as do Museu de dância, a potência do fluxo fluvial ou marinho que
Arte Moderna de São Paulo” (2° parágrafo) se move no ambiente aquático.
c “Decidiu mover uma guerra implacável, sem quar- b assonância, valendo-se da repetição da mesma vo-
tel, às telas de Van Gogh” (2° parágrafo) gal tônica com a intenção de provocar um efeito de
d “Seu plano era de uma simplicidade diabólica” estilo associado à força das ondas.
(3° parágrafo) c eco, por meio da seleção de termos com termina-
e “Reproduções das telas do artista, em tamanho ção idêntica, para sugerir um percurso impreciso
natural, eram recobertas com uma solução açuca- do volume de água que segue seu destino.
rada” (4° parágrafo) d onomatopeia, mediante o uso de vocábulos, procu-
rando imitar o rumor produzido pelo deslocamento
Texto para a questão 3. da massa líquida de inestimável valor para a conti-
nuidade da vida na Terra.
Vestindo água, só saído o cimo do pescoço, o bur- e paronomásia, na medida em que, buscando suge-
rinho tinha de se enqueixar para o alto, a salvar também rir o movimento recorrente da vaga, traz um jogo
de fora o focinho. Uma peitada. Outro tacar de patas. de palavras que se assemelham na pronúncia, mas
Chu-áa! Chu-áa... ― ruge o rio, como chuva deitada no são diferentes do ponto de vista semântico, em
chão. Nenhuma pressa! Outra remada, vagarosa. No fim função de um efeito poético.
de tudo, tem o pátio, com os cochos, muito milho, na
Fazenda; e depois o pasto: sombra, capim e sossego...
5 PUC Leia o fragmento a seguir.
Nenhuma pressa. Aqui, por ora, este poço doido, que ba-
rulha como um fogo, e faz medo, não é novo: tudo é ruim Pois para temperar a tirania,
e uma só coisa, no caminho: como os homens e os seus Como quis que aqui fosse a neve ardente
modos, costumeira confusão. É só fechar os olhos. Como Permitiu parecesse a chama fria.
sempre. Outra passada, na massa fria. E ir sem afã, à voga Gregório de Matos. Antologia Poética.

surda, amigo da água, bem com o escuro, filho do fundo, No último verso, encontramos algumas figuras de lin-
poupando forças para o fim. Nada mais, nada de graça; guagem. Uma delas é:
nem um arranco, fora de hora. Assim. a eufemismo.
João Guimarães Rosa. “O burrinho pedrês”. Sagarana. b anacoluto.
c pleonasmo.
3 Fuvest Como exemplos da expressividade sonora pre- d elipse.
sente nesse excerto, podemos citar a onomatopeia, em e anáfora.
Chu-áa! Chu-áa..., e a fusão de onomatopeia com ali-
teração, em: 6 FMU Leia.
a “vestindo água”.
b “ruge o rio”. De tudo, ao meu amor serei atento
c “poço doido”. Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
d “filho do fundo”. Vinicius de Moraes.
e “fora de hora”. A repetição da conjunção e constitui uma figura de
linguagem que chamamos:
Texto para a questão 4. a eufemismo.
A onda b anacoluto.
c hipérbato.
a onda anda
d hipérbole.
aonde anda
e polissíndeto.
a onda?
a onda ainda
ainda onda 7 EsPCEx 2019 Assinale a alternativa em que a palavra
ainda anda “boca” apresenta sentido denotativo.
aonde? a Em boca fechada não entra mosquito.
aonde? b Não contem nada a ninguém! Boca de siri!
a onda a onda c Vestirei minha calça boca de sino.
FRENTE ÚNICA

BANDEIRA, Manoel. A onda. A Estrela da Tarde, 1960. Disponível em:


d Na boca da noite tudo acontece.
<https://pensador.uol.com.br> . Acesso em: 16 ago. 2016. e É proibido fazer boca de urna.

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8 Cite a figura utilizada no texto a seguir. Assim, antes de perguntar até que ponto poderá alcan-
çar bom êxito a tentativa, caberia averiguar até onde temos
Esta gente já terá vindo? Parece que não. Saíram há
podido representar aquelas formas de convívio, instituições
um bom pedaço.
e ideias de que somos herdeiros.
Machado de Assis.
É significativa, em primeiro lugar, a circunstância de
Examine a tira do cartunista Quino para responder à termos recebido a herança através de uma nação ibérica.
questão 9. A Espanha e Portugal são, com a Rússia e os países bal-
cânicos (e em certo sentido também a Inglaterra), um dos
territórios-ponte pelos quais a Europa se comunica com
os outros mundos. Assim, eles constituem uma zona fron-
teiriça, de transição, menos carregada, em alguns casos,
desse europeísmo que, não obstante, mantêm como um
patrimônio necessário.
Foi a partir da época dos grandes descobrimentos ma-
rítimos que os dois países entraram mais decididamente no
coro europeu. Esse ingresso tardio deveria repercutir inten-
samente em seus destinos, determinando muitos aspectos
peculiares de sua história e de sua formação espiritual.
Surgiu, assim, um tipo de sociedade que se desenvolve-
ria, em alguns sentidos, quase à margem das congêneres
europeias, e sem delas receber qualquer incitamento que
já não trouxesse em germe.
Quais os fundamentos em que assentam de preferên-
cia as formas de vida social nessa região indecisa entre a
Europa e a África, que se estende dos Pireneus a Gibraltar?
Como explicar muitas daquelas formas, sem recorrer a
indicações mais ou menos vagas e que jamais nos con-
duziriam a uma estrita objetividade?
Precisamente a comparação entre elas e as da Europa
de além-Pireneus faz ressaltar uma característica bem pecu-
liar à gente da península Ibérica, uma característica que ela
Silepse é a concordância que se faz não com a forma
está longe de partilhar, pelo menos na mesma intensidade,
gramatical das palavras, mas com o sentido, com a ideia que
com qualquer de seus vizinhos do continente. É que ne-
elas expressam. A silepse é, pois, uma concordância mental.
nhum desses vizinhos soube desenvolver a tal extremo essa
(Celso Cunha. Gramática essencial, 2013.)
cultura da personalidade, que parece constituir o traço mais
decisivo na evolução da gente hispânica, desde tempos
9 FICSAE 2019 Verifica-se a ocorrência de silepse imemoriais. Pode dizer-se, realmente, que pela importância
a no primeiro quadrinho, apenas. particular que atribuem ao valor próprio da pessoa huma-
b no segundo quadrinho, apenas. na, à autonomia de cada um dos homens em relação aos
c no primeiro e no segundo quadrinhos. semelhantes no tempo e no espaço, devem os espanhóis
d no terceiro quadrinho, apenas. e portugueses muito de sua originalidade nacional. [...]
e no segundo e no terceiro quadrinhos. É dela que resulta largamente a singular tibieza das
formas de organização, de todas as associações que im-
Leia o trecho inicial de Raízes do Brasil, do historia- pliquem solidariedade e ordenação entre esses povos. Em
dor brasileiro Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), terra onde todos são barões não é possível acordo coletivo
para responder à questão 10. durável, a não ser por uma força exterior respeitável e
temida.
A tentativa de implantação da cultura europeia em
(Raízes do Brasil, 2000.)
extenso território, dotado de condições naturais, se não
adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é,
nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e 10 Unifesp 2017 O Dicionário Houaiss de língua portugue-
mais rico em consequências. Trazendo de países distan- sa define “elipse” como “supressão, num enunciado,
tes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas de um termo que pode ser facilmente subentendido
ideias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente pelo contexto linguístico”. Verifica-se a ocorrência des-
muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns se recurso em:
desterrados em nossa terra. Podemos construir obras ex- a “A Espanha e Portugal são, com a Rússia e os países
celentes, enriquecer nossa humanidade de aspectos novos balcânicos (e em certo sentido também a Inglater-
e imprevistos, elevar à perfeição o tipo de civilização que ra), um dos territórios-ponte pelos quais a Europa
representamos: o certo é que todo o fruto de nosso traba- se comunica com os outros mundos” (3° parágrafo)
lho ou de nossa preguiça parece participar de um sistema b “Em terra onde todos são barões não é possível
de evolução próprio de outro clima e de outra paisagem. acordo coletivo durável” (7° parágrafo)

82 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 3 Figuras de linguagem ligadas aos aspectos fonético e sintático

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c “Precisamente a comparação entre elas e as da Toma conta de mim
Europa de além-Pireneus faz ressaltar uma carac- Maria Antonieta d’Alkmin
terística bem peculiar à gente da península Ibérica” [...]
(6° parágrafo) Oswald de Andrade. Canção e calendário.
d “Foi a partir da época dos grandes descobrimentos
marítimos que os dois países entraram mais decidi- 13 Unirio A figura de sintaxe que predomina nesse trecho
damente no coro europeu” (4° parágrafo) do poema, para marcar o ritmo veloz e a atitude lúdica
e “o certo é que todo o fruto de nosso trabalho ou de peculiar aos modernistas da primeira fase, é:
nossa preguiça parece participar de um sistema de a o anacoluto.
evolução próprio de outro clima e de outra paisa- b a hipérbole.
gem” (1° parágrafo) c a personificação.
d o pleonasmo.
11 Leia. e a anáfora.
I. E treme, e cresce, e brilha, e afia o ouvido, e escuta…
Olavo Bilac. Texto para a questão 14.
II. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não. Canção do exílio
João Guimarães Rosa.
[...]
III. Aproximou-se do chiqueiro das cabras, viu o bode Minha terra tem palmeiras,
velho fazendo um barulho feio com as ventas arre- Onde canta o Sabiá;
gaçadas, lembrou-se do acontecimento da véspera. As aves, que aqui gorjeiam,
Graciliano Ramos. Não gorjeiam como lá.
IV. Minha vida é uma pobre rosa ao vento. Nosso céu tem mais estrelas,
Cecília Meireles. Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
V. Não vi mais o acampo deles, as esporas tilintim. Nossa vida mais amores.
João Guimarães Rosa.
Em cismar, sozinho, à noite,
Assinale a alternativa incorreta quanto aos recursos
Mais prazer encontro eu lá;
estilísticos das respectivas frases.
Minha terra tem palmeiras,
a I. Polissíndeto
Onde canta o Sabiá.
b II. Elipse do artigo
c III. Silepse Minha terra tem primores,
d IV. Metáfora Que tais não encontro eu cá;
e V. Onomatopeia Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Texto para a questão 12. Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Luz do sol
Que a folha traga e traduz
Não permita Deus que eu morra,
Em verde novo, em folha, em graça,
Sem que eu volte para lá;
Em vida, em força e em luz
Sem que desfrute os primores
Caetano Veloso. Luz do sol.
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
12 Fatec O recurso estilístico de natureza sintática encon- Onde canta o Sabiá.
trado no verso Em verde novo, em folha, em graça, é: Antônio Gonçalves Dias. Primeiros cantos.
a hipérbole.
b epístrofe. 14 Unifesp Entre as figuras de sintaxe, como recursos que
c anástrofe. um autor emprega para obter maior expressividade, exis-
d antítese. te a “zeugma”. Uma das formas de “elipse”, a “zeugma”
e anáfora. consiste na supressão de um vocábulo, já enunciado
em frase anterior, por estar subentendido. No poema de
Texto para a questão 13. Gonçalves Dias, a “zeugma” ocorre apenas em:
[...] a Sem qu’inda aviste as palmeiras.
Quero você b Em cismar, sozinho, à noite.
Toma conta do céu c As aves, que aqui gorjeiam.
FRENTE ÚNICA

Toma conta da terra d Nossa vida mais amores.


Toma conta do mar e Nosso céu tem mais estrelas.

83

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Texto para a questão 15. sem esperança, ela devia ter dois anos mais do que eu. E
1 amaria o rapaz de suéter e sapato de basquete, que cos-
Ao valimento que tem o mentir tuma ir ao Rio, ou (murmurava-se) o homem casado, que
Mau ofício é mentir, mas proveitoso... já tinha ido até à Europa e tinha um automóvel e uma co-
Tanta mentira, tanta utilidade leção de espingardas magníficas. Não a mim, com minha
Traz consigo o mentir nesta cidade pobre flaubert3, não a mim, de calça e camisa, descalço,
Como o diz o mais triste mentiroso. não a mim, que não sabia lidar nem com um motor de
popa, apenas tocar um batelão com meu remo.
Eu, como um ignorante e um baboso, Duas semanas depois que ela chegou é que a
Me pus a verdadeiro, por vaidade; encontrei na praia solitária; eu vinha a pé, ela veio
Todo o meu cabedal2 meti em verdade galopando a cavalo; vi-a de longe, meu coração bateu
E saí do negócio perdidoso3. adivinhando quem poderia estar galopando sozinha a
cavalo, ao longo da praia, na manhã fria. Pensei que ela
Perdi o principal, que eram verdades, fosse passar me dando apenas um adeus, esse “bom-dia”
Perdi os interesses de estimar-me, que no interior a gente dá a quem encontra; mas parou, o
Perdi-me a mim em tanta soledade4; animal resfolegando e ela respirando forte, com os seios
agitados dentro da blusa fina, branca. São as duas imagens
Deram os meus amigos em deixar-me,
que se gravaram na minha memória, desse encontro: a pele
Cobrei5 ódios e inimizades...
escura e suada do cavalo e a seda branca da blusa; aquela
Eu me meto a mentir e a aproveitar-me.
dupla respiração animal no ar fino da manhã.
GREGÓRIO DE MATOS PIRES, M. L. G. (org.).
Poetas do período barroco. Lisboa: Comunicação, 1985. E saltou, me chamando pelo nome, conversou co-
1
migo. Séria, como se eu fosse um rapaz mais velho do
valimento: validade que ela, um homem como os de sua roda, com calças de
2
cabedal: conhecimento “palm-beach”, relógio de pulso. Perguntou coisas sobre
3
perdidoso: prejudicado
4 peixes; fiquei com vergonha de não saber quase nada,
soledade: solidão
5 não sabia os nomes dos peixes que ela dizia, deviam ser
cobrar: receber
peixes de outros lugares mais importantes, com certeza
mais bonitos. Perguntou se a gente comia aqueles cocos
15 Uerj 2017 A primeira estrofe do poema apresenta in- dos coqueirinhos junto da praia – e falou de minha irmã,
versões da ordem direta das orações. Esse recurso que conhecera, quis saber se era verdade que eu nadara
expressivo, chamado hipérbato, é frequente na esté- desde a ponta do Boi até perto da lagoa.
tica barroca. Reescreva os versos 2 e 3 da primeira
De repente me fulminou: “Por que você não gosta
estrofe na ordem direta, desfazendo o hipérbato. Em
de mim? Você me trata sempre de um modo esquisito...”
seguida, explique o efeito do hipérbato para a cama-
Respondi, estúpido, com a voz rouca: “Eu não”.
da sonora dessa estrofe.
Ela então riu, disse que eu confessara que não gostava
Leia o conto “A moça rica”, de Rubem Braga (1913-1990), mesmo dela, e eu disse: “Não é isso.” Montou o cavalo,
para responder à questão 16. perguntou se eu não queria ir na garupa. Inventei que
A madrugada era escura nas moitas de mangue, e eu precisava passar na casa dos Lisboa. Não insistiu, me deu
um adeus muito alegre; no dia seguinte foi-se embora.
avançava no batelão1 velho; remava cansado, com um
Agora eu estava ali remando no batelão, para ir no
resto de sono. De longe veio um rincho2 de cavalo; depois,
Severone apanhar uns camarões vivos para isca; e o relin-
numa choça de pescador, junto do morro, tremulou a luz
cho distante de um cavalo me fez lembrar a moça bonita
de uma lamparina.
e rica. Eu disse comigo – rema, bobalhão! – e fui remando
Aquele rincho de cavalo me fez lembrar a moça que
com força, sem ligar para os respingos de água fria, cada
eu encontrara galopando na praia. Ela era corada, forte.
vez com mais força, como se isto adiantasse alguma coisa.
Viera do Rio, sabíamos que era muito rica, filha de um
(Os melhores contos, 1997.)
irmão de um homem de nossa terra. A princípio a olhei
1
com espanto, quase desgosto: ela usava calças compridas, batelão: embarcação movida a remo.
2
fazia caçadas, dava tiros, saía de barco com os pescadores. rincho: relincho.
3
Mas na segunda noite, quando nos juntamos todos na casa flaubert: um tipo de espingarda.
de Joaquim Pescador, ela cantou; tinha bebido cachaça,
como todos nós, e cantou primeiro uma coisa em inglês, 16 Unesp 2018 O pleonasmo (do grego pleonasmós, que
depois o Luar do sertão e uma canção antiga que dizia quer dizer abundância, excesso, amplificação) é uma
assim: “Esse alguém que logo encanta deve ser alguma repetição de unidades linguísticas idênticas do ponto
santa”. Era uma canção triste. de vista semântico, o que implica que a repetição é
Cantando, ela parou de me assustar; cantando, ela tautológica (redundante). No entanto, ela é uma exten-
deixou que eu a adorasse com essa adoração súbita, mas são do enunciado com vistas a intensificar o sentido.
tímida, esse fervor confuso da adolescência – adoração (José Luiz Fiorin. Figuras de retórica, 2014. Adaptado.)

84 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 3 Figuras de linguagem ligadas aos aspectos fonético e sintático

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP3_LA.INDD / 16-09-2020 (20:06) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL


Verifica-se a ocorrência de pleonasmo em: Suponho, finalmente, que os ladrões de que falo não
a “fiquei com vergonha de não saber quase nada, são aqueles miseráveis, a quem a pobreza e vileza de sua
não sabia os nomes dos peixes que ela dizia” fortuna condenou a este gênero de vida, porque a mesma
(5° parágrafo). sua miséria ou escusa ou alivia o seu pecado [...]. O ladrão
b “eu avançava no batelão velho; remava cansado, que furta para comer não vai nem leva ao Inferno: os que
com um resto de sono” (1° parágrafo). não só vão, mas levam, de que eu trato, são os ladrões de
c “ela deixou que eu a adorasse com essa adoração maior calibre e de mais alta esfera [...]. Não são só ladrões,
súbita, mas tímida” (3° parágrafo). diz o santo [São Basílio Magno], os que cortam bolsas, ou
d “A princípio a olhei com espanto, quase desgosto” espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa;
(2° parágrafo). os ladrões que mais própria e dignamente merecem este
e “Pensei que ela fosse passar me dando apenas um título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos
adeus” (4° parágrafo). e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração
das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e
Leia o excerto do “Sermão do bom ladrão”, de Antônio despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem,
Vieira (1608-1697), para responder à questão 17. estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do
seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam,
Navegava Alexandre [Magno] em uma poderosa ar- são enforcados: estes furtam e enforcam.
mada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse
(Essencial, 2011.)
trazido à sua presença um pirata, que por ali andava rou-
bando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de
andar em tão mau ofício; porém ele, que não era medroso 17 Unesp 2018 Verifica-se o emprego de vírgula para indi-
nem lerdo, respondeu assim: “Basta, Senhor, que eu, porque car a elipse (supressão) do verbo em:
roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em a “Basta, Senhor, que eu, porque roubo em uma
uma armada, sois imperador?”. Assim é. O roubar pouco é barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma
culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco po- armada, sois imperador?” (1° parágrafo)
der faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Mas b “O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao
Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades, e interpretar Inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu
as significações, a uns e outros, definiu com o mesmo nome: trato, são os ladrões de maior calibre e de mais alta
[...] Se o rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que esfera [...].” (3° parágrafo)
faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm
c “O roubar pouco é culpa, o roubar muito é gran-
o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.
deza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o
Quando li isto em Sêneca, não me admirei tanto de que
roubar com muito, os Alexandres.” (1° parágrafo)
um filósofo estoico se atrevesse a escrever uma tal sentença
d “Se o rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o
em Roma, reinando nela Nero; o que mais me admirou, e
quase envergonhou, foi que os nossos oradores evangélicos que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei,
em tempo de príncipes católicos, ou para a emenda, ou todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo
para a cautela, não preguem a mesma doutrina. Saibam nome.” (1° parágrafo)
estes eloquentes mudos que mais ofendem os reis com o e “Os outros ladrões roubam um homem, estes rou-
que calam que com o que disserem; porque a confiança bam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do
com que isto se diz é sinal que lhes não toca, e que se não seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros,
podem ofender; e a cautela com que se cala é argumento se furtam, são enforcados: estes furtam e enfor-
de que se ofenderão, porque lhes pode tocar. [...] cam.” (3° parágrafo)

Texto complementar
A paronomásia rompe o discurso (hipotaxe), tornando-o espacial (parataxe), criando uma sintaxe não linear, uma sintaxe
analógico-topológica. Num poema, a paronomásia horizontal (aliteração, coliteração) cria a melodia, enquanto a paronomásia
vertical é responsável pela harmonia. A rima constitui a paronomásia vertical mais comum. Un coup de dês, de Mallarmé, e
os poemas concretos, trabalham com paronomásias audiovisuais horizontais e verticais. A repetição dos sons sempre é uma
repetição que se dá no tempo. Essa repetição dos sons no tempo cria uma rede especial rítmica – um diagrama, uma sintaxe
topológica. Ritmo é ícone. O som com marcação de tempo é ritmo, assim como é ritmo a marcação espaciotemporal (na
dança, no cinema ou numa cadeia de montagem) e a espacialização do espaço (na arquitetura ou na pintura). O ritmo é
um ícone relacional. Resumindo, a similaridade sonora gera semelhanças e correspondências espaciais – e aqui nós temos
o fundamento principal da sintaxe icônica subjacente na poesia e em certos tipos de prosa, como as obras ,
Ulysses e Finnegans Wake. A paronomásia seria a ponte do verbal para o icônico.
FRENTE ÚNICA

Décio Pignatari. Semiótica & Literatura. 6. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. p. 181.

85

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Resumindo
Figuras ligadas ao aspecto sonoro: aliteração, assonância, onomatopeia, paronomásia
Figuras de linguagem são recursos expressivos empregados como forma de ornar o texto, torná-lo mais subjetivo; em alguns casos, têm função retórica,
persuasiva. Preste atenção em quatro delas, ligadas ao aspecto fonético, sonoro:
Aliteração
Trata-se da repetição de uma mesma consoante (ou similares) ao longo da frase: Vozes veladas, veludosas vozes.
Assonância (do latim assonantia, “semelhança de sons”.)
Consiste na repetição de um mesmo fonema vocálico, ou na reiteração da vogal tônica: “Pense forte, pense Ford” (/e/ e /o/)
Paronomásia (do grego paronomasía; para, “próximo de”, onomasía, “denominação”.)
Também chamada parequese em português (calembour, em francês), a paronomásia consiste no emprego de palavras parecidas na grafia e no som, mas
diferentes ou opostas no sentido: “luxo vira lixo”.
Onomatopeia (do grego onomatopoila, “ação de inventar nomes”.)
No plano da morfologia, consiste na formação de palavras que reproduzem determinados sons da natureza, de animais ou ruídos de objetos, como
“tique-taque”, “pingue-pongue”; em certos textos literários, consiste na reiteração de fonemas ao longo da frase, que reproduzem a sonoridade de um
ser: vem vento varrer (reiteração do “v” = vento).

Figuras ligadas à sintaxe


Elipse Assíndeto
Trata-se do ocultamento de uma ou mais palavras subentendidas no con- Por oposição ao polissíndeto, trata-se da ausência de conjunção coordena-
texto. tiva entre as orações (coordenadas assindéticas) ou termos coordenados.
Zeugma Silepse
Zeugma é a omissão de uma ou mais palavras anteriormente expressadas A silepse ocorre no momento em que o enunciador faz a concordância
(geralmente verbo). com a ideia, e não com a forma gramatical. Há três tipos de silepse: de
Pleonasmo pessoa, de número e de gênero.
Como figura de linguagem, trata-se de uma repetição no nível das ideias Hipérbato
com objetivo enfático. Como vício, trata-se de repetição desnecessária Inversão da ordem direta dos termos da oração.
de uma ideia. Anacoluto
Anáfora Trata-se da ruptura sintática da frase (mudança abrupta de construção) ou
É a repetição de uma palavra ou expressão no início de cada verso ou de do emprego de pronome relativo sem antecedente. O anacoluto é muito
cada frase (se o texto for em prosa). comum na linguagem oral.
Polissíndeto Quiasmo
Trata-se da repetição da conjunção coordenativa entre elementos coor- Quiasmo significa “dispor em cruz”. Repetem-se as palavras, mas há in-
denados. versão na ordem (também chamada conversão).
Apóstrofe
Figura que consiste em o orador ou escritor dirigir-se a um ser, evocando-o.

Quer saber mais?

Livro Site
yy ANTUNES, Arnaldo. Palavra Desordem. São Paulo: Iluminuras, 2002. yy <www.poesiaconcreta.com.br/imagem.php>.

Filme CHARGE/CRONISTA
yy O grande ditador. Direção: Charlie Chaplin, 1940. yy Bessinha.
yy Jânio de Freitas (colunista e membro do conselho editorial do jornal
Folha de S.Paulo).

86 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 3 Figuras de linguagem ligadas aos aspectos fonético e sintático

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Exercícios complementares
Texto para a questão 1. 55 — Você viu a roupa? Notou o sapato? Atinou para a
sujeira das unhas?
Ser como todo mundo?
— Eu até que tolero a pobreza, mas não me confor-
(Roberto DaMatta*) mo com falta de limpeza. Um pobre precisa ser limpo.
Uma palavra resume a crise brasileira: a igualdade. Sobretudo se for preto...
Conforme tenho salientado no meu trabalho e nesta co- 60 Nosso inferno não são os “palácios” onde poucos
luna, o Brasil não tem problemas com a desigualdade. Ele entram, todos se conhecem e sabem dos seus lugares, mas
ama de paixão as hierarquias e as gradações que estão em os espaços abertos. Sobretudo quando temos que esperar
5 toda parte. Em nossas leis sobram privilégios, penachos, o sinal para caminhar e sentir como todo mundo!
recursos, isenções... — Eu sei que não sou e jamais vou ser todo mundo!
Nossa formação nacional teve no escravismo, no 65 — diz o magistrado do Tribunal Supremo.
patrimonialismo aristocrático e no compadrio das casas- É justo nesse “todo mundo” que jaz, como um cadá-
-grandes e nos grandes apartamentos dos “bairros nobres” ver oculto, o nosso problema. Pois como ser como todo
10 de nossas cidades o seu centro e razão. Não é fácil ser
mundo se mamãe nos criou para ser ministro? Como ser
igualitário com essa folha corrida.
como todo mundo se a nossa família tem origem nobre?
Sempre fomos dinamizados por elos pessoais ofi-
70 Empobrecemos, mas “temos berço”.
cializados e legais. Nosso projeto de vida funda-se no
Como, então, seguir as normas de urbanidade deste
arrumar-se e no “subir na vida”. Alcançar o baronato — ser
nosso mundo urbano?
15 alguém —, “virar famoso” e, do alto da sua celebrização,
ter direito a fazer tudo sem ser molestado pelo bando de — Não entro em fila! Não tenho paciência para es-
caretas que, infelizmente, não são como nós. peras imbecis. Pago a um criado para tanto. Tenho que
Saber com certeza quem é quem, mapear com pre- 75 cuidar do meu projeto político socialista, que é urgente
cisão genealogias familísticas, poder dizer com um riso e está atrasado. Como é que eu vou ter tempo para ser
20 superior — “conheci Frank Sinatra quando ele morava em como os outros?
Hoboken e era um merdinha”; ou, “esse eu conheço!” — A República proclamada sem um viés igualitário só
confirma a nossa ontologia segundo a qual “conhecer” tem a perna da liberdade. A da igualdade que, ao lado da
ou relacionar-se pessoalmente é um modo de estar num 80 fraternidade, regularia o seu caminho, nasceu atrofiada e
mundo ordenado por ricos e pobres, superiores e infe- até hoje permanece torta. A liberdade de gritar, de con-
25 riores, homens e mulheres, brancos e negros, limpos e frontar, é reveladora. Só grita quem pode, e calar é sinal
sujos. O modo de navegação social confirma um universo de juízo e respeito.
ordenado em camadas e é melhor você estar “por cima”. Hoje assistimos às tramas para impedir a realização
Nossa questão mais angustiante, o que eventualmente 85 da igualdade que, para muitos poderosos, foi longe demais
nos tira do sério, não é saber que tudo tem um dono, e dele igualando quem deveria estar acima da lei. — Como ser
30 receber ordens. Não! É entrar numa sala onde outras pes- como todo mundo numa sociedade marcada por privilé-
soas também aguardam na fila, e todos se olham com uma gios? Qual a fórmula do viver democrático e igualitário?
ofensiva indiferença porque ninguém sabe quem é quem. No Aprenda a dizer não a si mesmo. É nesse abrir-se para
Brasil, a igualdade é vivida como uma ofensa ou um castigo. 90 ser como todo mundo que está o espírito igualitário. A
O anonimato associado à cidadania nos perturba. Para
alma da democracia.
35 nós, o maior castigo não é a prisão, é saber que somos
iguais a todo mundo porque burlamos a lei que foi feita *Roberto DaMatta é antropólogo e colunista dos jor-
para todos, menos para nós. Quando indiciados, viramos nais O Estado de São Paulo e O Globo.
vítimas de uma maldosa igualdade republicana! No Bra- (Texto adaptado do original e disponível em <https://oglobo.globo.com/
opiniao/ser-como-todo-mundo-21656782>. Acesso em 30 ago. 2017)
sil lido como Estado nacional, somos todos “cidadãos”.
40 Mas no Brasil relacional da casa e das amizades que nos
impedem de dizer não, somos todos parentes e amigos. Vocabulário
Não somos como todo mundo. Ontologia: Parte da filosofia que trata do ser enquanto
Saiu ao pai ou ao avô... Merece a nomeação. Ade- ser, isto é, do ser concebido como tendo uma natureza
mais, é afilhado do presidente e tem “pinta” e “jeito” de comum que é inerente a todos e a cada um dos se-
45 alto funcionário: não vai fazer feio. res (Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Curitiba:
A “aparência”. Eis um traço merecedor de um tra- Positivo, 2010)
tado de sociologia. Meu mentor harvardiano, Richard
Moneygrand, dizia que a “luta das aparências” (e das re-
comendações e empenhos) é tão ou mais importante do 1 UEM 2018 Assinale o que for correto quanto ao empre-
50 que a luta de classes no Brasil... go de elementos linguísticos no texto.
FRENTE ÚNICA

— Logo vi que era “gentinha”... 01 A expressão “Eis um traço merecedor” (linha 46)
— Você viu o “jeito” dele (ou dela)? Descobri imedia- exerce uma função anafórica ao retomar o subs-
tamente quem era pelo modo como ele (ou ela) se sentou, tantivo “‘aparência’” (linha 46), denotando ironia
comeu e falou. discursiva por parte do autor.

87

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02 A locução “mais ... do que” (linhas 49 e 50) esta- malandragem,
belece uma relação semântica de comparação de ladroagem,
superioridade entre “‘luta das aparências’” (linha tratantagem
48) e “luta de classes” (linha 50), indicando maior (Discursa)
importância à primeira. “Enquanto o povo brasileiro dorme,
04 Em “‘gentinha’” (linha 51), o uso de aspas reacentua os gatunos agem.”
o valor depreciativo que o sufixo “-inha” confere ao Dias Gomes; Ferreira Gullar. Dr. Getúlio: sua vida e sua glória. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1968, p. 55-56.
radical “gent-”.
08 As aspas em “‘palácios’” (linha 60) reforçam a opi-
2 A ação da peça teatral Dr. Getúlio, sua vida e sua glória,
nião do autor de que o Brasil não tem problemas
de Dias Gomes e Ferreira Gullar, desenvolve-se em uma
com a desigualdade.
quadra de escola de samba como ensaio de um enredo
16 Na linha 46, o ponto final pode ser substituído por
sobre a vida de Getúlio Vargas. No trecho transcrito, a
ponto e vírgula, sem prejuízo semântico ao texto,
personagem Autor introduz a personagem Lacerda, que
exigindo a elipse do advérbio “eis”.
passa a discorrer sobre o melhor modo de depor o pre-
Soma:  sidente. Releia o trecho e, a seguir, responda.
a) Ao sugerir a seus correligionários que levantem a
As questões 2 e 3 tomam por base um fragmento da “bandeira moralista” para abalar o governo, a per-
peça teatral Dr. Getúlio, sua vida e sua glória, de Dias sonagem acaba incorrendo em uma contradição
Gomes e Ferreira Gullar. também de ordem moral. Analisando a própria fala
de Lacerda, demonstre essa contradição.
Segunda Parte
b) Explique, com base no contexto, o significado dos
[...] versos ... a famosa classe média, / que sonha ter em
Cessa a Bateria. virtudes / o que lhe falta em dinheiro.
Autor
3 As repetições de elementos podem tornar-se expres-
E enquanto essas coincidências
iam assim coincidindo,
sivas, particularmente quando apresentam implicações
num clube então existente, de ordem semântica e estilística nas frases em que
um homem muito ladino ocorrem. Releia com atenção a fala da personagem La-
fazia uma conferência cerda e, a seguir:
sobre um tema pertinente, a) demonstre que a rima em “-agem” na última se-
com este título: “Como quência da fala de Lacerda (de “Gatunagem” até
se depõe um Presidente”. “os gatunos agem”) não é somente um processo
(Volta a Bateria. Entram homens e mulheres, todos de repetição de sons, mas tem implicações no
com lanternas. Entre eles, vêm também as Aves de Rapina. plano do conteúdo.
Lacerda entra no meio do grupo que percorre o palco b) explique a razão pela qual a personagem se ser-
dançando e logo forma um círculo, no centro do qual, ve intensamente de repetições e redundâncias
sobre um praticável, fica o conferencista.) em seu discurso.

Lacerda 4 Unicamp O poema a seguir pertence ao Cancioneiro


É simples: de Fernando Pessoa.
em primeiro lugar 1. Ah, quanta vez, na hora suave
é preciso levantar 2. Em que me esqueço,
a bandeira moralista: 3. Vejo passar um voo de ave
mostrar que o Governo é corrupto, 4. E me entristeço!
composto de chantagistas, 5. Por que é ligeiro, leve, certo
de ladrões, 6. No ar de amavio?
de rufiões, 7. Por que vai sob o céu aberto
cafetões e vigaristas, 8. Sem um desvio?
de tubarões, 9. Por que ter asas simboliza
charlatães, 10.A liberdade
maganões 11.Que a vida nega e a alma precisa?
e descuidistas. 12.Sei que me invade
Isto é muito importante. 13.Um horror de me ter que cobre
Com a bandeira moralista 14.Como uma cheia
ganha-se então por inteiro 15.Meu coração, e entorna sobre
a famosa classe-média, que sonha ter em virtudes 16.Minh’alma alheia
o que lhe falta em dinheiro. 17.Um desejo, não de ser ave,
E como a virtude é rara 18.Mas de poder
e difícil de provar, 19.Ter não sei quê do voo suave
torna-se fácil apontar 20.Dentro em meu ser.
corrupção no governo. amavio: feitiço, encanto;
Gatunagem, Fernando Pessoa. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995, p. 138.

88 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 3 Figuras de linguagem ligadas aos aspectos fonético e sintático

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a) Identifique o recurso linguístico que representa a b) Identifique, nos três últimos versos, um recurso
ave tanto no plano sonoro quanto no imagético. expressivo sonoro e indique o efeito de sentido
b) Que relação o eu lírico estabelece entre a tristeza que ele produz. (Não considere a rima “distraí-
e a liberdade? da”/”subtraída”.)
c) Interprete o fato de que as três interrogações (do
verso 5 ao 11) são respondidas, a partir do verso 12, Texto para a questão 7.
em uma única e longa frase.

Caco Galhardo
5 UFSCar Leia o texto.
Eu tinha o medo imediato. E tanta claridade do dia. O
arrojo do rio e só aquele estrape, e o risco extenso d'água,
de parte a parte. Alto rio, fechei os olhos. Mas eu tinha até
ali agarrado uma esperança. Tinha ouvido dizer que, quan-
do canoa vira, fica boiando, e é bastante a gente se apoiar 7 Unicamp No quadrinho de Caco Galhardo, outras as-
nela, encostar um dedo que seja, para se ter tenência, a sociações com a crise política podem ser observadas.
constância de não afundar, e aí ir seguindo, até sobre se sair a) “Vossa Excelência me permite um aparte” é uma
expressão típica de um espaço institucional. Qual
no seco. Eu disse isso. E o canoeiro me contradisse: ― “Esta
é esse espaço e quais as palavras que permitem
é das que afundam inteiras. É canoa de peroba. Canoa de
essa identificação?
peroba e de pau-d'óleo não sobrenadam...” Me deu uma
b) A expressão ‘um aparte’ pode ser segmentada de
tontura. O ódio que eu quis: ah, tantas canoas no porto,
outra maneira. Qual a expressão resultante dessa
boas canoas boiantes, de faveira ou tamboril, de imburana,
segmentação? Explique o sentido de cada uma
vinhático ou cedro, e a gente tinha escolhido aquela... Até
das expressões.
fosse crime, fabricar dessas, de madeira burra! c) Levando em consideração as relações entre as
Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, p. 88-89.
imagens e as palavras, explique como se constrói
Estrape: instrumento de tortura. a interpretação do quadrinho.

Diz Alfredo Bosi a respeito de Guimarães Rosa: ‘Grande Textos para a questão 8.
Sertão: Veredas’ e as novelas de 'Corpo de Baile’ incluem
e revitalizam recursos da expressão poética: células Mar (fragmento)
rítmicas, aliterações, onomatopeias, rimas internas, ousa- A primeira vez que vi o mar eu não estava sozinho.
dias mórficas, elipses, cortes e deslocamentos de sintaxe, Estava no meio de um bando enorme de meninos. Nós
vocabulário insólito, arcaico ou de todo neológico, asso- tínhamos viajado para ver o mar. No meio de nós havia
ciações raras, metáforas, anáforas, metonímias, fusão de apenas um menino que já o tinha visto. Ele nos contava
estilos, coralidade. que havia três espécies de mar: o mar mesmo, a maré,
Alfredo Bosi. História Concisa da Literatura Brasileira. p. 430. que é menor que o mar, e a marola, que é menor que a
maré. Logo a gente fazia ideia de um lago enorme e duas
a) De qual dos recursos enumerados Guimarães lagoas. Mas o menino explicava que não. O mar entrava
Rosa faz uso no trecho Eu disse isso. E o canoeiro pela maré e a maré entrava pela marola. A marola vinha
me contradisse? Explique. e voltava. A maré enchia e vazava. O mar às vezes tinha
b) Com qual desses recursos pode ser associada a fra- espuma e às vezes não tinha. Isso perturbava ainda mais
se Até fosse crime, fabricar dessas, de madeira burra! ? a imagem. Três lagoas mexendo, esvaziando e enchendo,
com uns rios no meio, às vezes uma porção de espumas,
tudo isso muito salgado, azul, com ventos.
6 Fuvest Leia o texto. Rubem Braga

[...] Mar Português


Num tempo
Página infeliz da nossa história Ó mar salgado, quanto do teu sal
Passagem desbotada na memória São lágrimas de Portugal!
Das nossas novas gerações Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Dormia
Quantas noivas ficaram por casar
A nossa pátria mãe tão distraída
Para que fosses nosso, ó mar!
Sem perceber que era subtraída
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Em tenebrosas transações
Se a alma não é pequena.
[...].
Quem quer passar além do Bojador
Chico Buarque; Francis Hime. Vai passar.
Tem que passar além da dor.
FRENTE ÚNICA

a) É correto afirmar que o verbo “dormia” tem uma Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
conotação positiva, tendo em vista o contexto em Mas nele é que espelhou o céu.
que ele ocorre? Justifique sua resposta. Fernando Pessoa

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Ondas do mar de Vigo 11 Unimep Todas as frases a seguir são corretas. Assinale
Ondas do mar de Vigo, a única que encerra anacoluto.
se vistes meu amigo? a Aos homens parece não existir a verdade.
e ai Deus, se verrá cedo? b Os homens parece-lhes não existir a verdade.
Ondas do mar levado, c Os homens parece que ignoram a verdade.
se vistes meu amado? d Os homens parecem ignorar a verdade.
e ai Deus, se verrá cedo? e Os homens parece ignorarem a verdade.
Se vistes meu amigo,
Leia o poema “Mar Português”, de Fernando Pessoa.
o por que eu sospiro?
e ai Deus, se verrá cedo? Mar português
Se vistes meu amado,
o por que hei gram coidado? Ó mar salgado, quanto do teu sal
e ai Deus, se verrá cedo? São lágrimas de Portugal!
Obs.: verrá: virá Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Martim Codax
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
8 Mackenzie 2017 A partir dos três fragmentos seleciona-
dos, considere as seguintes afirmações: Valeu a pena? Tudo vale a pena
I. Para Rubem Braga, o mar é elemento subjetivo Se a alma não é pequena.
que remete a um futuro pessoal, saudosista, refor- Quem quer passar além do Bojador
çando a presença de um narrador-personagem. Tem que passar além da dor.
II. Para Fernando Pessoa, o mar representa um anaco- Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
luto das glórias alcançadas pelos lusitanos, apesar Mas nele é que espelhou o céu.
(Disponível em http://www.jornaldepoesia.jor.br/fpesso03.html.)
das perdas humanas e das consequências históricas.
III. Na cantiga trovadoresca, o mar é a personificação
do ser amado que afirma por meio do diálogo com o 12 Unicamp 2016 No poema, a apóstrofe, uma figura de
eu lírico a certeza do seu retorno após o abandono. linguagem, indica que o enunciador
a convoca o mar a refletir sobre a história das nave-
Assinale a alternativa correta. gações portuguesas.
a Estão corretas as afirmações I e II. b apresenta o mar como responsável pelo sofrimen-
b Estão corretas as afirmações I e III. to do povo português.
c Estão corretas as afirmações II e III. c revela ao mar sua crítica às ações portuguesas no
d Todas as afirmações estão corretas. período das navegações.
e Nenhuma das afirmações está correta. d projeta no mar sua tristeza com as consequências
das conquistas de Portugal.
9 ITA Relacione as colunas e assinale a opção corres-
pondente. Leia o texto de Jacques Fux para responder à questão 13.
1. Aliteração Literatura e Matemática
2. Anacoluto
3. Sinestesia Letras e números costumam ser vistos como símbo-
los opostos, correspondentes a sistemas de pensamento
e linguagens completamente diferentes e, muitas vezes,
I. Esses políticos de hoje, a gente não deve confiar
incomunicáveis. Essa perspectiva, no entanto, foi muitas
na maioria deles.
vezes recusada pela própria literatura, que em diversas
II. Ao longe, avistava-se o grito ruidoso dos retirantes.
ocasiões valeu-se de elementos e pensamentos matemá-
III. E fria, fluente, frouxa claridade / flutua como as bru- ticos como forma de melhor explorar sua potencialidade
mas de um letargo... e de amplificar suas possibilidades criativas.
Cruz e Souza.
A utilização da matemática no campo literário se dá
por meio das diversas estruturas e rigores, mas também
10 Cefet-MG Ele tinha os olhos salientes, [...] É como se através da apresentação, reflexão e transformação em ma-
ele tivesse duas visões independentes. Pode acom- téria narrativa de problemas de ordem lógica. Nenhuma
panhar coisas diferentes, em lugares diferentes. leitura é única: o texto, por si só, não diz nada; ele só vai
Pe. Genésio Zeferino Silva Filho. produzir sentido no momento em que há a recepção por
parte do leitor. A matemática pode, também, potenciali-
Nessa passagem, a repetição da palavra “diferente”, zar o texto, tornando ainda mais amplo o seu campo de
pelo autor, expressa: leituras possíveis a partir de regras ou restrições.
a realce. Muitas passagens de Alice no País das Maravilhas e
b correção. Alice através do espelho, de Lewis Carroll, estão repletas
c explicação. de enigmas e problemas que até os dias de hoje permitem
d confirmação. aos leitores múltiplas interpretações. Edgar Allan Poe é

90 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 3 Figuras de linguagem ligadas aos aspectos fonético e sintático

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outro escritor a construir personagens que utilizam exaus- Texto para a questão 15.
tivamente a lógica matemática como instrumento para a
resolução dos enigmas propostos. Violência: presente e passado da história
Explorar as relações entre literatura e matemática é Vilma Homero
resgatar o romantismo grego da possibilidade do encontro Ao olhar para o passado, costumamos imaginar que
de todas as ciências. É fazer uma viagem pelo mundo das estamos nos afastando dos tempos da “barbárie pura e sim-
letras e dos números, da literatura comparada e das ficções ples” para alcançar uma almejada “civilização”, calcada
e romances de diversos autores que beberam (e continua- sobre relações livres, iguais e fraternas, típicas do homem
rão bebendo) de diversas e potenciais fontes científicas, 5 culto. Um olhar sobre a história, no entanto, põe em xeque
poéticas e matemáticas. esta visão utópica. Organizado pelos historiadores Regina
Acesso em: 17.08.2016. Adaptado. Bustamante e José Francisco de Moura, o livro Violência
na História, publicado pela Mauad Editora com apoio da
FAPERJ, reúne diversos ensaios que mostram, ao longo do
13 Fatec 2017 No texto, entende-se que
10 tempo, diferentes aspectos da violência, propondo uma re-
a o substantivo literatura, no primeiro parágrafo, está
flexão mais demorada sobre o tema. Nos ensaios reunidos
utilizado no sentido denotativo, pois se refere à no livro, podemos vislumbrar como, desde a antiguidade
produção escrita informal. e ao longo da história humana, a violência se insere, sob
b o verbo dizer, no segundo parágrafo, está utilizado diversos vieses, nas relações de poder, seja entre Estado e
no sentido denotativo, pois há um substantivo que 15 cidadãos, entre livres e escravos, entre homens e mulheres,
possui voz ativa. ou entre diferentes religiões. “Durante a Idade Média, por
c o substantivo matemática, no segundo parágrafo, exemplo, vemos como a violência se manifesta na religiosi-
está utilizado no sentido denotativo, pois as incóg- dade, durante o movimento das Cruzadas. Ou, hoje, no caso
nitas são representadas por letras gregas. dos movimentos sociais, como ela acontece em relação aos
d o advérbio exaustivamente, no terceiro parágrafo, 20 excluídos das favelas. O sentido é amplo. A desigualdade
está utilizado no sentido conotativo, pois está rela- social, por exemplo, é um tipo de violência; a expropriação
cionado ao cansaço dos escritores. do patrimônio cultural, que significa não permitir que a me-
e o verbo beber, no quarto parágrafo, está utilizado mória cultural de determinado grupo se manifeste, também”,
prossegue a organizadora. (...) A própria palavra “violência”,
no sentido conotativo, pois remete ao sentido de
25 que etimologicamente deriva do latim vis, com significado
absorver intelectualmente.
de força, virilidade, pode ser positiva em termos de transfor-
mação social, no sentido de uma violência revolucionária,
Texto para a questão 14. usada como forma de se tentar transformar uma sociedade
Está tudo assim tão diferente em determinado momento. (...) Essas variadas abordagens
Se lembra quando a gente 30 vão aparecendo ao longo do livro.
Chegou um dia a acreditar (...) Na Roma antiga, as penas, aplicadas após julga-
Que tudo era pra sempre mento, ganhavam um sentido religioso. Despido de sua
humanidade, o réu era declarado homo sacer. Ou seja,
Sem saber
sua vida passava a ser consagrada aos deuses. Segundo a
Que o pra sempre
35 pesquisadora Norma Mendes, “havia o firme propósito de
Sempre acaba?
fazer da morte dos condenados um espetáculo de caráter
Renato Russo. “Por enquanto”. Intérprete: Legião Urbana.
In: Legião Urbana. Rio de Janeiro: EMI, 1985. Faixa 11. exemplar, revestido de sentido religioso e de dominação,
cuja função era o reforço, manutenção e ratificação das
relações de poder.” (...) O historiador Francisco Carlos
14 Considere as seguintes afirmações. 40 Teixeira da Silva é um dos que traz a discussão para o
I. Em “o pra sempre”, o enunciador emprega recurso presente, analisando as transformações políticas do último
expressivo de natureza morfológica (substantiva- século. “Desde Voltaire até Kant e Hegel, acreditava-se no
ção da expressão “pra sempre”). contínuo aperfeiçoamento da condição humana como
II. O enunciador emprega o hipérbato nos versos 5, uma marcha inexorável em direção à razão. (...) O Ho-
6 e 7. 45 locausto, perpetrado em um dos países mais avançados
III. O eu lírico alerta o interlocutor a respeito da efe- e cultos à época, deixou claro que a luta pela dignidade
meridade do “pra sempre”. humana é um esforço contínuo e, pior de tudo, lento. (...)
E, sobretudo, mais de 50 anos depois da II Guerra Mundial,
Está(ão) correta(as): a ocorrência de outros genocídios – Ruanda, Iugoslávia,
50 Camboja etc. – leva a refletir sobre a convivência entre
a apenas I.
os homens nesse começo do século XXI.” O historiador
b apenas II.
prossegue: “De forma paradoxal, a globalização, conforme
c apenas III. se aprofunda e pluga os homens a escalas planetárias, é
d apenas I e III. fortemente acompanhada pelo localismo e o particula-
FRENTE ÚNICA

e todas. 55 rismo religioso, étnico ou cultural, promovendo ódios e

91

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incompreensões crescentes. Na Bósnia ou em Kosovo, na daquele lance consternou a todos. Muitos homens cho-
Faixa de Gaza ou na Irlanda do Norte, a capacidade de en- ravam também, as mulheres todas. Só Capitu, amparando
tendimento chegou a seu mais baixo nível de tolerância, e 5 a viúva, parecia vencer-se a si mesma. Consolava a outra,
transpor uma linha, imaginária ou não, entre bairros pode queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No meio
60 representar a morte.” Como nem tudo se limita às questões dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão
políticas e às guerras, o livro ainda analisa as formas que fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe sal-
a violência assume nas relações de gênero, na religião, na tassem algumas lágrimas poucas e caladas.
cultura e aborda também a questão dos direitos humanos,
10 As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu
vista sob a perspectiva de diferentes sistemas culturais.
enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente que
(http://www.faperj.br/?id=1518.2.4. Acesso em 05 de março de 2018.)
estava na sala. Redobrou de carícias para a amiga, e quis
levá-la; mas o cadáver parece que a retinha também. Mo-
15 AFA 2019 Assinale a alternativa cuja palavra em desta- mento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto,
que possui sentido denotativo. 15 quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta, mas
a "De forma paradoxal, a globalização, conforme se grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se
aprofunda e pluga os homens a escalas planetá- quisesse tragar também o nadador da manhã.
rias...” (l. 53 e 54) Machado de Assis. Dom Casmurro. Capítulo 123.
b “Um olhar sobre a história, no entanto, põe em xe- São Paulo: Martin Claret, 2004.
que esta visão utópica.” (l. 5 e 6)
c “(...) Na Roma antiga, as penas, aplicadas após julga-
17 Uerj
mento, ganhavam um sentido religioso.” (l. 31 e 32)
“[...] não admira lhe saltassem algumas LÁGRIMAS
d “...acreditava-se no contínuo aperfeiçoamento da
poucas e caladas.” (l. 8-9)
condição humana como uma marcha inexorável em
direção à razão.” (l. 42 a 44) “As minhas cessaram logo. [...]” (l. 10)
Nessa passagem, encontra-se um recurso de coesão
16 Leia o texto a seguir. textual em que o termo destacado é retomado por
O trigo que semeou o pregador evangélico, diz Cristo meio de elipse. Esse mesmo recurso é empregado em:
que é a palavra de Deus. Os espinhos, as pedras, o caminho a “QUIS DESPEDIR-SE DO MARIDO, e o desespero da-
e a terra boa, em que o trigo caiu, são os diversos corações quele lance consternou a todos.” (l. 2-3)
dos homens. Os espinhos são os corações embaraçados b “Muitos homens CHORAVAM também, as mulheres
com cuidados, com riquezas, com delícias, e nestes afoga- todas.” (l. 3-4)
-se a palavra de Deus. As pedras são os corações duros e c “Redobrou de carícias para A AMIGA, e quis levá-
obstinados, e nestes seca-se a palavra de Deus, e se nasce, -la;”(l. 12-13)
não cria raízes. Os caminhos são os corações inquietos e
d “quais os DA VIÚVA, sem o pranto nem palavras desta,”
perturbados com a passagem e tropel das coisas do mundo,
(l. 15)
umas que vão, outras que vêm, outras que atravessam, e to-
das passam, e nestes é pisada a palavra de Deus, porque ou
a desatendem, ou a desprezam. Finalmente, a terra boa são Texto para a questão 18.
os corações bons, ou os homens de bom coração, e nestes Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo
prende e frutifica a palavra divina, com tanta fecundidade Mar Eritreu a conquistar a Índia, e como fosse trazido à sua
e abundância, que se colhe cento por um [...] presença um pirata que por ali andava roubando os pesca-
Padre Antônio Vieira. Sermões. São Paulo: Edições Layola, 2008. p. 16. dores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau
ofício; porém, ele, que não era medroso nem lerdo, respon-
Pode-se dizer que os sermões de Vieira revestem-se deu assim: - Basta, senhor, que eu porque roubo em uma
de um jogo intelectual no qual se vê o prazer estético barca sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada,
sois imperador? - Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar
do autor para pregar a palavra de Deus, por meio de
muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas,
uma linguagem altamente elaborada.
o roubar com muito, os Alexandres. Mas Sêneca, que sabia
a) Um dos recursos bastante utilizado por Vieira é o de bem distinguir as qualidades e interpretar as significações,
disseminação e recolha, por meio do qual o autor a uns e outros definiu com o mesmo nome: “Eodem loco
“lança” os elementos e depois os retoma, um a um, pone latronem, est piratam, quo Regem animum latronis est
explicando-os. Transcreva o período em que Vieira piratae habentem”. Se o Rei de Macedônia, ou qualquer
faz esse lançamento dos elementos e indique os outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata, o ladrão, o pirata e
termos aos quais eles vão sendo comparados. o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.
b) Explique que comparação conduz o fio argumen- Padre Antônio Vieira. “Sermão do Bom Ladrão”, Sermões.

tativo do padre Vieira neste trecho.


18 C. Cunha e L. Cintra, em sua Nova Gramática do Por-
Texto para a questão 17. tuguês Contemporâneo, afirmam que “a vírgula pode
ser empregada, no interior da oração, para indicar a
Olhos de ressaca
supressão de uma palavra (geralmente o verbo)”. Reti-
Enfim, chegou a hora da encomendação e da par- re do texto o trecho em que a vírgula foi utilizada com
tida. Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero esse propósito e indique o verbo que foi omitido.

92 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 3 Figuras de linguagem ligadas aos aspectos fonético e sintático

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Folhapress
FRENTE ÚNICA

4
CAPÍTULO Funções da linguagem
Para passar informações, o jornal emprega dois códigos: o verbal e o visual. Na
manchete da Folha de S.Paulo, a linguagem visual aparece na foto de Obama olhando
para a câmera para criar efeito de diálogo com o leitor, exercendo função apelativa
(centrada no receptor). E o texto verbal usa a impessoalidade e a linguagem objetiva
(trata-se da função referencial, associada ao contexto e ao referente).
O texto como um todo (verbo-visual) é parcial: Obama é manchete e ocupa o lu-
gar de maior destaque. Não há veículo de comunicação imparcial, pois o editor-chefe
seleciona e veicula o fato segundo uma visão de mundo, uma ideologia. Os leitores
devem comparar as notícias e, se possível, comprová-las, e o estudo das funções da
linguagem auxilia bastante nesse sentido.

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP4_LA.INDD / 15-09-2020 (09:16) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Introdução não me sou. E até a morte real, só me resta contemplar as
horas a esgueirar-se em minha face... A morte real – ape-
Em seu Manual de semântica, Mônica Rector esclarece: nas um sonho mais denso.
“Função vem do latim functione, que significa execução de Mário de Sá-Carneiro. A confissão de Lúcio. Rio de Janeiro: Ediouro, 1991.
um encargo”. Dessa maneira, diz a linguista, seria adequado
considerar que as funções da linguagem seriam instrumen- Marcas: sentimentos do eu lírico e primeira pessoa.
tos executores subordinados às múltiplas exigências a que a II. Vinte anos! derramei-os gota a gota
linguagem tem de adaptar-se para ser o suporte efetivo da Num abismo de dor e esquecimento...
comunicação. Ou seja, as funções seriam os diversos trajes De fogosas visões nutri meu peito...
de que a linguagem se reveste de acordo com a intenção da Vinte anos!... sem viver um só momento!
mensagem que se quer transmitir. O estudo das funções é de Álvares de Azevedo. Lira dos vinte anos. São Paulo: Nobel, 2008. p. 84.

grande importância para a Literatura e para a Língua Portu- Marcas: sentimentos do “eu”, primeira pessoa, excla-
guesa, a sua cobrança nos exames vestibulares é uma prova mação.
disso. O seu entendimento passa pela correlação com a cha-
mada teoria da comunicação. Observe o esquema a seguir. III.

Reprodução.
Referente
(função referencial)

Emissor Canal de comunicação Receptor


(função emotiva) (função fática) (função apelativa)

Mensagem (função poética)

Código
(função metalinguística)

yy Emissor: quem emite a mensagem (indivíduo ou grupo).


yy Receptor: quem recebe a mensagem (indivíduo ou Fig. 1 Marcas: primeira pessoa.
grupo).
yy Mensagem: conteúdo das informações transmitidas. Na peça publicitária, lê-se:
yy Canal de comunicação: é a via de circulação das Eu nasci pobre.
mensagens (meios técnicos: voz, ondas sonoras, ou- Fui criado sem pai.
vido, excitação luminosa etc.). Fui pedreiro. Fui sorveteiro.
yy Código: é um conjunto de signos e regras de com- Eu andava na rua e as pessoas mudavam de calçada.
binação desses signos (língua portuguesa, código Eu me converti ao Islamismo num país católico.
Morse etc.). Escolhi o salto triplo na terra do futebol.
Eu podia ter desistido.
Pare de arrumar desculpas.
As funções da linguagem
Just do it
Função emotiva (ou expressiva)
Centralizada no emissor, a função emotiva expressa a Função apelativa (ou conativa)
sua atitude em relação ao conteúdo da mensagem e da Centralizada no receptor, essa função procura estabelecer
situação. É o caso de interjeições com valor emotivo, jul- um diálogo direto com o destinatário da comunicação (o re-
gamentos subjetivos (uso da primeira pessoa), entonações ceptor, emprego da segunda pessoa do discurso). É frequente
características, reticências e apostos. o uso de demonstrativos, possessivos de segunda pessoa,
Nota-se a presença dessa função principalmente nos imperativos e vocativos.
textos poéticos, nos quais o eu lírico dá vazão aos seus Você encontrará com muita facilidade essa função
sentimentos e emoções; em cartas de caráter pessoal, nas em textos publicitários, em cartas de caráter profissional
quais o destinador coloca os seus juízos de valor e seus e em discursos políticos. Exemplos:
sentimentos; em textos impressionistas, nos quais a visão
de mundo do emissor é colocada no modo de retratar uma I.
dada realidade; em textos analíticos, nos quais o crítico dá Versos íntimos
sua opinião sobre o objeto discutido. Exemplos:
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
I. Acho-me tranquilo – sem desejos, sem esperanças. Não Enterro de tua última quimera.
me preocupa o futuro. O meu passado, ao revê-lo, sur- Somente a Ingratidão – esta pantera –
ge-me como o passado de um outro. Permaneci, mas já Foi tua companheira inseparável!

94 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 4 Funções da linguagem

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP4_LA.INDD / 15-09-2020 (09:16) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Acostuma-te à lama que te espera! Função poética
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável A função poética suplementa o sentido da mensagem
Necessidade de também ser fera. por meio do jogo de sua estrutura, de seu ritmo e de sua so-
Augusto dos Anjos. Eu e outras poesias. 42. ed. noridade; dá-se maior ênfase à forma e estrutura. É comum
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
o uso de figuras de linguagem (pode ser empregada na
Marcas: pronomes e verbos em segunda pessoa. prosa ou na poesia) e jogos de palavras. Essa função está
II. presente na poesia, mas também é comum seu emprego
em romances (a prosa poética, por exemplo, de Guimarães

Reprodução
Rosa, Graciliano Ramos etc.), anúncios publicitários, entre
outros tipos de texto.
I. Eu gosto de palavras tortas
Como as colheres de sopa.
[...]
Flávio Aguiar.

Marcas: rima, ritmo, versos e figuras.


II.

Arnaldo Antunes
Fig. 2 Marcas: presença de pergunta e pronome de tratamento “você”.

III.
ATX-BA/PROPEG

Fig. 5 Marcas: rima, trabalho da palavra no espaço.

III. Levou os meus planos


Meu pobres enganos
Os meus vinte anos
[...]
Chico Buarque. “A Rita”. Intérprete: ______. In: Chico Buarque de Hollanda.
Rio de Janeiro: RGE, 1966. Faixa 3.

Marcas: rima, ritmo, versos e figuras.


Fig. 3 Marcas: verbo na terceira pessoa do imperativo afirmativo: “Faça” (você). IV. I like Ike.
IV. Roman Jakobson.

Marcas: rima, jogo de palavras (paronomásia).


Reprodução

Função metalinguística
Centralizada no código, a função metalinguística serve
para dar explicações ou precisar o código utilizado. Os dicio-
nários e as nomenclaturas utilizadas na ciência (objeto direto,
por exemplo) possuem essa finalidade (a linguagem fala da
própria linguagem).
Temos metalinguagem pictórica (pintura), televisiva, teatral,
FRENTE ÚNICA

cinematográfica etc. O filme Cinema Paradiso, por exemplo, é


exemplo de metalinguagem cinematográfica, pois é um filme
Fig. 4 Marcas: vocativo, modo imperativo. que comenta a estrutura cinematográfica. Exemplos:

95

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I.

laerte
Marcas: trabalho com os códigos linguísticos.
II. Tudo o que contei no fim do outro capítulo foi obra de um instante.
Machado de Assis. Dom Casmurro.

Marcas: o romance comenta sua própria arquitetura.


III. escorbuto: sm Moléstia que se manifesta por enfraquecimento geral, hemorragia e infecção purulenta das gengivas, geral-
mente causada por falta de vitamina C.
Ruth Rocha. Minidicionário da Língua Portuguesa.

Marcas: a palavra explica a palavra.


IV.

© Mauricio de Sousa Produções Ltda


Marcas: o quadrinho comenta o quadrinho.

Função referencial I. A manchete de jornal


(denotativa ou informativa) SÃO PAULO - SABBADO, 27 DE OUTUBRO DE 1923 NUM. 2518

Centralizada no referente, essa função remete aos Paixão fatal


referentes situacionais ou textuais, trata-se de uma ên-
fase ao assunto. O contexto – ou referente – é o objeto
sobre o qual se fala. Observa-se seu emprego nos livros
didáticos, nas bulas de remédio, nos manuais de instrução,
placas informativas etc. Sua função é informar, por isso o
uso preferencialmente da terceira pessoa (a objetividade NENÊ ROMANO, ASSASSINADA PELO DR. MOACYR
PIZA, QUE, EM SEGUIDA, SE MATOU
predomina).
Não se percebe nem a presença do destinador, nem do ANTECCEDENTES E DETALHES

DA IMPRESSIONANTE TRAGÉDIA
destinatário; a neutralização de ambos é intencional, a objetivi- Como se tornaram amantes - A primeira
nuvem - O abysmo - Um anniversário funesto - A tragédia
dade não é obra do acaso. Se a função emotiva está centrada
A IMPRESSÃO CAUSADA EM S. PAULO
no “eu”, a conativa no “tu”, a referencial – também chamada
“denotativa” ou “informativa” – está centrada no “ele” neutro, Fig. 6 Função referencial.

equivalente a um “isso”. Exemplos: Jornal de São Paulo, 1923.

96 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 4 Funções da linguagem

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II. Placa de rua ao microfone “Som, som, testando”, o emissor quer saber se
o canal funciona; são exemplos de emprego dessa função
Cortesia do site http://placasridiculas.blogspot.com/

da linguagem. Em síntese, essa função tem o objetivo de


instaurar ou manter o contato. Exemplos:
I. Dona Maria, como vai sua tia?
Chacrinha.

II. Agora você vai desistir, né?


III. Olá! Como vai?
Eu vou indo. E você, tudo bem?
Tudo bem! Eu vou indo, correndo,
Pegar meu lugar no futuro... E você?
Paulinho da Viola. “Sinal fechado”. Intérprete: ______. In: Foi um rio que
passou em minha vida. Rio de Janeiro: EMI, 1970.

IV. – Hein, mãe?


Fig. 7 Função referencial (placa informativa). – Vou desligar.
Placa curiosa, extraída de um site da internet.
Marcas: uso de termos como “né”, “como vai”, “tudo
III. Placa de trânsito bem”, “pois é” e “hein”.
elnavegante/123rf.com

As várias funções juntas


Não nos esqueçamos de que em um texto pode haver
várias funções ao mesmo tempo, veja o exemplo a seguir.
Minha Querida Mariana;
Só hoje consegui autorização da tua Madre Superiora para
te escrever, às escondidas de teus pais e meu marido, que
embora não te conheça de ti não pode ouvir falar sem raiva.
certamente pela amizade que sabe eu te dedicar e isso o en-
Fig. 8 Função referencial (placa de trânsito). furece. Por princípio odeia tudo o que amo, ridicularizando
sempre os meus sentimentos, destruindo-os pela sua delicadeza
Marcas em todos os textos: conteúdo informativo, pre- e sensibilidade com grande prazer [...] mas de ti que é feito,
domínio da linguagem objetiva. Mariana? Que resta de ti, aí de clausura posta à força [...] Que
desgraça o se nascer mulher! [...]
Função fática Maria Isabel Barreno; Maria Teresa Horta; Maria Velho da Costa. Novas cartas
portuguesas. 9. ed. Portugal: Leya, 2010. p. 134.
Serve para prolongar, interromper a comunicação e
verificar se o canal funciona. O canal é a conexão entre os No texto citado, notam-se as seguintes funções:
indivíduos envolvidos na comunicação, o que possibilita Função emotiva: os sentimentos do eu.
que eles se comuniquem. Quando se diz “olá, como vai?”, a Função referencial: o relato da situação.
finalidade é estabelecer o primeiro contato; quando se fala Função conativa: as perguntas feitas ao receptor.

Revisando
1 Cite os elementos da teoria da comunicação e relacione-os com cada uma das funções da linguagem.






FRENTE ÚNICA

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Texto para as questões 2 e 3. Soam palavras, formam-se frases
Mágoas, tudo passa com o tempo
Saiba como evitar os ladrões de fim de ano.
Lágrimas – são as pedras preciosas da ilusão
Jornal da Tarde, 21 nov. 2005.
Quando surge a luz da criação no pensamento
Ele trata com ternura o sofrimento
2 Destaque duas funções da linguagem empregadas E afasta a solidão
na manchete “Saiba como evitar os ladrões de fim de Paulinho da Viola. “Eu canto Samba”. Intérprete: Paulinho da Viola e outros.
ano”. In: Quando bate uma saudade. Estados Unidos: RCA, 1989. Lado B. Faixa 7.


 4 Por que a composição de Paulinho da Viola pode ser
considerada metalinguística?

3 Qual é o papel de cada uma das funções menciona-

das no exercício anterior?





Texto para as questões de 4 a 6.
5 Que função da linguagem observa-se em “Quando
Vem, quando bate uma saudade
surge a luz da criação no pensamento”, levando em
Triste, carregado de emoção
conta o investimento na linguagem conotativa?
Ou aflito quando um beijo já não arde
No reverso inevitável da paixão 
Quase sempre um coração amargurado
Pelo desprezo de alguém 6 Exemplifique um trecho em que se nota a função emo-
É tocado pelas cordas de uma viola tiva de forma mais evidente.
É assim que um samba vem

Quando o poeta se encontra
Sozinho num canto qualquer do seu mundo 
Vibram acordes, surgem imagens 

Exercícios propostos
1 Qual é o objetivo da utilização da função conativa no Dizem que eu sou louco.
nome da revista a seguir? Explique. Dizem: oração principal; que eu sou louco: oração su-
bordinada substantiva
REPRODUÇÃO/VEJA

Texto para a questão 3.


O Instituto de Arte de Chicago disponibilizou para
visualização on-line, compartilhamento ou download (sob
licença Creative Commons), 44 mil imagens de obras de
arte em altíssima resolução, além de livros, estudos e pes-
quisas sobre a história da arte.
Para o historiador da arte, Bendor Grosvenor, o su-
cesso das coleções on-line de acesso aberto, além de
democratizar a arte, vem ajudando a formar um novo pú-
blico museológico. Grosvenor acredita que quanto mais
pessoas forem expostas à arte on-line, mais visitas pessoais
acontecerão aos museus.
A coleção está disponível em seis categorias: paisa-
gens urbanas, impressionismo, essenciais, arte africana,
moda e animais. Também é possível pesquisar pelo nome
da obra, estilo, autor ou período. Para navegar pela ima-
gem em alta definição, basta clicar sobre ela e utilizar a
ferramenta de zoom. Para fazer o download, disponível
para obras de domínio público, é preciso utilizar a seta
2 Leia o texto a seguir e diga qual é a função da lingua- localizada do lado inferior direito da imagem.
gem utilizada no texto em destaque. Disponível em: www.revistabula.com. Acesso em: 5 dez. 2018 (adaptado).

98 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 4 Funções da linguagem

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3 Enem 2019 A função da linguagem que predomina Contei esse acontecido para uma amiga, mais ou me-
nesse texto se caracteriza por nos da minha idade. E ela me disse: "Estou só esperando
a evidenciar a subjetividade da reportagem com 45 que alguém venha até mim e, com a mão em concha, bata
base na fala do historiador de arte. na minha bochecha, dizendo: "Mas que bonitinha..." Acho
b convencer o leitor a fazer o acesso on-line, levan- que vou lhe dar um murro no nariz..."
do-o a conhecer as obras de arte. Vem depois as grosserias a que nós, os velhos, so-
c informar sobre o acesso às imagens por meio da mos submetidos nas salas de espera dos aeroportos. Pra
50 começar, não entendo por que "velho" é politicamente
descrição do modo como acessá-las.
incorreto. "Idoso" é palavra de fila de banco e de fila de
d estabelecer interlocução com o leitor, orientando-o
supermercado; "velho", ao contrário, pertence ao universo
a fazer o download das obras de arte.
da poesia. Já imaginaram se o Hemingway tivesse dado ao
e enaltecer a arte, buscando popularizá-la por meio
seu livro clássico o nome de "O idoso e o mar"? Já imagi-
da possibilidade de visualização on-line. naram um casal de cabelos brancos, o marido chamando
55
a mulher de "minha idosa querida"?
Texto para a questão 4. Os alto-falantes nos aeroportos convocam as crianças,
Gestos amorosos as gestantes, as pessoas com dificuldades de locomoção
e a "melhor idade"... Alguém acredita nisso? Os velhos
Rubem Alves não acreditam. Então essa expressão "melhor idade" só
60
Dei-me conta de que estava velho cerca de 25 anos pode ser gozação.
atrás. Já contei o ocorrido várias vezes, mas vou contá-lo Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2705200804.htm.
novamente. Era uma tarde em São Paulo. Tomei um metrô. Acesso em: 22/9/17
Estava cheio. Segurei-me num balaústre sem problemas.
5 Eu não tinha dificuldades de locomoção. Comecei a fazer 4 Uece 2018 Os textos costumam manifestar simulta-
algo que me dá prazer: ler o rosto das pessoas. neamente diversas funções da linguagem, com o
Os rostos são objetos oníricos: fazem sonhar. Muitas predomínio, entretanto, de uma sobre as outras. En-
crônicas já foram escritas provocadas por um rosto ― até contramos, na crônica de Rubem Alves, a presença
mesmo o nosso ― refletido no espelho. Estava eu entregue marcante da função metalinguística. Atente aos excer-
10 a esse exercício literário quando, ao passar de um livro tos apresentados a seguir e assinale a opção em que
para outro, isto é, de um rosto para outro, defrontei-me essa função NÃO se revela.
com uma jovem assentada que estava fazendo comigo
a “Foi justamente essa palavra que me obrigou a
aquilo que eu estava fazendo com os outros. Ela me olhava
levantar para provar que eu era ainda capaz de le-
com um rosto calmo e não desviou o olhar quando os seus
vantar-me e assentar-me.” (linhas 38 a 40)
15 olhos se encontraram com os meus. Prova de que ela me
b “Pra começar, não entendo por que ‛velho’ é po-
achava bonito. Sorri para ela, ela sorriu para mim... Logo
liticamente incorreto. ‛Idoso’ é palavra de fila de
o sonho sugeriu uma crônica: "Professor da Unicamp se
banco e de fila de supermercado; ‛velho’, ao contrá-
encontra, num vagão de metrô, com uma jovem que seria
rio, pertence ao universo da poesia.” (linhas 49-53)
o amor de sua vida..."
20 c “Então essa expressão ‛melhor idade’ só pode ser
Foi então que ela me fez um gesto amoroso: ela se
levantou e me ofereceu o seu lugar... Maldita delicadeza!
gozação.” (linhas 60-61)
O seu gesto amoroso me humilhou e perfurou o meu co- d “Ela me olhava com um rosto calmo e não desviou
ração... E eu não tive alternativas. Como rejeitar gesto tão o olhar quando os seus olhos se encontraram com
delicado! Remoendo-me de raiva e sorrindo, assentei-me os meus.” (linhas 13 a 15)
25 no lugar que ela deixara para mim. Sim, sim, ela me achara
bonito. Tão bonito quanto o seu avô... Aconteceu faz mais 5 Observe e responda ao que se pede.
ou menos um mês. Era a festa de aniversário de minha
nora. Muitos amigos, casais jovens, segundo minha ma-
neira de avaliar a idade. Eu estava assentado numa cadeira
30 num jardim observando de longe. Nesse momento chegou
um jovem casal amigo. Quando a mulher jovem e bonita
me viu, veio em minha direção para me cumprimentar.
Fiz um gesto de levantar-me. Mas ela, delicadíssima, me
disse: "Não, fique assentadinho aí..." Se ela me tivesse dito
35 simplesmente "Não é preciso levantar", eu não teria me
perturbado. Mas o fio da navalha estava precisamente na
palavra "assentadinho". Se eu fosse moço, ela não teria
dito "assentadinho". Foi justamente essa palavra que me
obrigou a levantar para provar que eu era ainda capaz
FRENTE ÚNICA

40 de levantar-me e assentar-me. Fiquei com dó dela porque


eu, no meio de uma risada, disse-lhe que ela acabava de Que palavras possibilitam o emprego da função ape-
dar-me uma punhalada... lativa?

99

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP4_LA.INDD / 16-09-2020 (20:10) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL


Texto para a questão 6. 8 ITA Assinale a opção que apresenta a função da
linguagem predominante nos fragmentos a seguir.
A pergunta era imprudente, na ocasião em que eu
cuidava de transferir o embarque. Equivalia a confessar Sentavam-se no que é de graça: banco de praça pú-
que o motivo principal ou único da minha repulsa ao blica. E ali acomodados, nada os distinguia do resto do
seminário era Capitu, e fazer crer improvável a viagem. nada. Para a grande glória de Deus.
Compreendi isto depois que falei; quis emendar-me, mas Ele: – Pois é.
nem soube como, nem ele me deu tempo. Ela: – Pois é o quê?
— Tem andado alegre, como sempre; é uma tontinha. Ele: – Eu só disse “pois é”!
Aquilo enquanto não pegar algum peralta da vizinhança, Ela: – Mas “pois é” é o quê?
que case com ela... Ele: – Melhor mudar de conversa porque você não me
Estou que empalideci; pelo menos, senti correr um frio entende.
pelo corpo todo. A notícia de que ela vivia alegre, quan- Ela: – Entender o quê?
do eu chorava todas as noites, produziu-me aquele efeito, Ele: – Santa Virgem, Macabéa, vamos mudar de assunto e já.
acompanhado de um bater de coração, tão violento, que Clarice Lispector. A hora da estrela.
ainda agora cuido ouvi-lo. Há alguma exageração nisto;
a Poética d Emotiva
mas o discurso humano é assim mesmo, um composto de
partes excessivas e partes diminutas, que se compensam,
b Fática e Conativa
ajustando-se. Por outro lado, se entendermos que a audiên- c Referencial
cia aqui não é das orelhas senão da memória, chegaremos
à exata verdade. A minha memória ouve ainda agora as 9 Aponte a função da linguagem predominante nos tex-
pancadas do coração naquele instante. Não esqueças que tos a seguir.
era a emoção do primeiro amor. Estive quase a perguntar a) O termo hesitar dá margem a uma ambiguidade: ele
a José Dias que me explicasse a alegria de Capitu, o que pode simplesmente descrever que, naquele momento
é que ela fazia, se vivia rindo, cantando ou pulando, mas preciso, houve uma pausa, e, ainda, que essa pausa
retive-me a tempo, e depois outra ideia... tem um valor semântico específico: eu faço uma pausa,
Outra ideia, não, ― um sentimento cruel e desconhe- eu hesito, para criar um determinado efeito de sentido
cido, o puro ciúme, leitor das minhas entranhas. Tal foi sobre o meu interlocutor, que pode ser, por exemplo, o
o que me mordeu, ao repetir comigo as palavras de José de envolver a frase em um certo suspense. Na verdade,
Dias: «Algum peralta da vizinhança». Em verdade, nunca sempre é assim: toda pausa, ou, de modo mais geral,
pensara em tal desastre. Vivia tão nela, dela e para ela, todo acontecimento linguístico participa do sentido
que a intervenção de um peralta era como uma noção que possa vir a ter; se eu ouço uma frase, que, portan-
sem realidade; nunca me acudiu que havia peraltas na to, é enunciada de uma determinada maneira, eu não a
vizinhança, vária idade e feitio, grandes passeadores das interpreto como se eu a ouvisse de uma outra maneira,
tardes. Agora lembrava-me que alguns olhavam para Capi- dita em outra situação, por um outro interlocutor [...]
tu, ― e tão senhor me sentia dela que era como se olhassem Alcir Pécora. Problemas de redação, Martins Fontes, p. 33.

para mim, um simples dever de admiração e de inveja. b) Amarás a Deus sobre todas as coisas
Separados um do outro pelo espaço e pelo destino, o mal Não tomarás seu santo nome em vão
aparecia-me agora, não só possível mas certo. Guardarás os domingos e feriados
“Uma ponta de Iago”, Dom Casmurro, Machado de Assis Honrarás pai e mãe
Não matarás
6 Mackenzie 2018 Assinale em qual trecho podemos en- Não pecarás contra a castidade
contrar o recurso da metalinguagem. Não furtarás...
a “Tal foi o que me mordeu, ao repetir comigo as pa- Os Dez Mandamentos.
lavras de José Dias: «Algum peralta da vizinhança». c) Ligue-se!
b “A minha memória ouve ainda agora as pancadas Com o Palm III, dá para mandar e-mail, checar a agen-
do coração naquele instante.” da, consultar bancos de dados, navegar pela Web... tudo
c “Há alguma exageração nisto; mas o discurso hu- por menos de 1.000 reais.
mano é assim mesmo, um composto de partes Revista Info, capa, n. 150, set. 1998.
excessivas e partes diminutas, que se compensam,
ajustando-se.”
d “Em verdade, nunca pensara em tal desastre.” Texto para as questões de 10 a 12.
e “Separados um do outro pelo espaço e pelo destino, Sexa
o mal aparecia-me agora, não só possível mas certo.”
– Pai...
– Hmmm?
7 Comente os recursos que caracterizam a função poética – Como é o feminino de sexo?
no texto a seguir. – O quê?
O não me irrita – O feminino de sexo.
O sim me excita – Não tem.

100 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 4 Funções da linguagem

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP4_LA.INDD / 15-09-2020 (09:16) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


– Sexo não tem feminino? racista que camufla a exclusão e normaliza a inferiorização
– Não. sofrida pelos(as) negros(as) na sociedade brasileira. A análise
– Só tem masculino? do material imagético aponta a desvalorização estética do
– É. Quer dizer, não. Existem dois sexos. Masculino negro, especialmente da mulher negra, e a idealização da
e feminino. beleza e do branqueamento a serem alcançados por meio
– E como é feminino de sexo? do uso dos produtos apresentados. O discurso midiático-
– Não tem feminino. Sexo é sempre masculino. -publicitário dos produtos de beleza rememora e legitima
– Mas tu mesmo disse que tem sexo masculino e a prática de uma ética racista construída e atuante no co-
feminino. tidiano. Frente a essa discussão, sugere-se que o trabalho
– O sexo pode ser masculino ou feminino. A palavra antirracismo, feito nos diversos espaços sociais, considere
“sexo” é masculina. O sexo masculino, o sexo feminino. o uso de estratégias para uma “descolonização estética”
– Não devia ser “a sexa”? que empodere os sujeitos negros por meio de sua valo-
– Não. rização estética e protagonismo na construção de uma
– Por que não? ética da diversidade.
– Porque não! Porque não. “Sexo” é sempre mas-
culino. Palavras-chave: Estética, racismo, mídia, educação,
– O sexo da mulher é masculino? diversidade.
– É. Não! O sexo da mulher é feminino. SANT'ANA, J. A imagem da negra e do negro em produtos de beleza
– E como é o feminino? e a estética do racismo. Dossiê: trabalho e educação básica. Margens
Interdisciplinar. Versão digital. Abaetetuba, n. 16. jun. 2017 (adaptado).
– Sexo mesmo. Igual ao do homem.
– O sexo da mulher é igual ao do homem?
– É. Quer dizer... Olha aqui. Tem o sexo masculino 13 Enem 2018 O cumprimento da função referencial da
e o sexo feminino, certo? linguagem é uma marca característica do gênero re-
– Certo. sumo de artigo acadêmico. Na estrutura desse texto,
– São duas coisas diferentes. essa função é estabelecida pela
– Então como é o feminino de sexo? a impessoalidade, na organização da objetividade
– É igual ao masculino. das informações, como em “Este artigo tem por fi-
– Mas não são diferentes? nalidade” e “Evidencia-se”.
– Não. Ou, são! Mas a palavra é a mesma. Muda o b seleção lexical, no desenvolvimento sequencial do tex-
sexo, mas não muda a palavra. to, como em “imaginário racista” e “estética do negro”.
– Mas então não muda o sexo. É sempre masculino. c metaforização, relativa à construção dos sentidos
– A palavra é masculina. figurados, como nas expressões “descolonização
– Não. A “palavra” é feminina. Se fosse masculino seria estética” e “discurso midiático-publicitário”.
“o pal...” d nominalização, produzida por meio de processos
– Chega! Vai brincar, vai. derivacionais na formação de palavras, como “infe-
O garoto sai e a mãe entra. O pai comenta: riorização” e “desvalorização”.
– Temos que ficar de olho nesse guri... e adjetivação, organizada para criar uma terminolo-
– Por quê?
gia antirracista, como em “ética da diversidade” e
– Ele só pensa em gramática.
“descolonização estética”.
Luis Fernando Veríssimo. “Sexa”. In: Comédias para se ler na escola.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 53-4. © by Luis Fernando Veríssimo.
Texto para a questão 14.
10 Aponte os trechos em que se empregou a função fática. Ciência é uma das formas de busca de conhecimen-
to desenvolvida pelo homem moderno. Sob seu escopo
11 Qual é o significado da expressão “ficar de olho”, pre- inserem-se as mais diferentes realidades físicas, sociais e
sente na antepenúltima fala? A que nível de linguagem psíquicas, entre outras. A linguagem, manifestação presente
pertence tal expressão? em todos os momentos de nossas vidas e em todas as nossas
atividades, podendo até ser tomada como definidora da pró-
pria natureza humana, passou a ser tratada sob a perspectiva
12 Sobre o que se sustenta o humor do texto?
dessa forma de conhecimento, ou seja, passou a ser objeto
de investigação científica, a partir do início do século XX.
Texto para a questão 13.
Por ter um papel central na vida dos seres humanos,
A imagem da negra e do negro em produtos de a linguagem tem como sua característica primordial ser
beleza e a estética do racismo multifacetada. Tal característica exige que, ao submeter-se
ao tratamento científico, essa realidade multifacetada sofra
Resumo: Este artigo tem por finalidade discutir a re- cortes e abstrações, tendo como consequência o fato de
presentação da população negra, especialmente da mulher que ela só pode ser entendida a partir de diferentes pers-
FRENTE ÚNICA

negra, em imagens de produtos de beleza presentes em pectivas, gerando uma pluralidade de teorias que buscam
comércios do nordeste goiano. Evidencia-se que a presen- compreendê-la e explicá-la.
ça de estereótipos negativos nessas imagens dissemina um Esmeralda Vailati Negrão, “A cartografia sintática”,
imaginário racista apresentado sob a forma de uma estética em Novos caminhos da Linguística

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14 Mackenzie 2017 Assinale a alternativa correta.
a O texto encontra na exploração das possibilidades estéticas de uso da linguagem sua principal característica.
b Marcas de interação com o leitor evidenciam que a função fática é a predominante no texto.
c A presença de índices de subjetividade, como o uso destacado da 1ª pessoa, indica que a função expressiva está
em destaque no texto.
d A linguagem objetiva e direta é uma das características que possibilitam definir a função referencial como a pre-
dominante no texto.
e Como o texto trata de características da própria linguagem humana, pode-se afirmar que a função conativa é a
predominante, dando prioridade a dados concretos e fatos.

Texto para a questão 15.

Em 1934, um redator de Nova York chamado Robert Pirosh


largou o emprego bem remunerado numa agência de pu-
blicidade e rumou para Hollywood, decidido a trabalhar
como roteirista. Lá chegando, anotou o nome e o ende-
reço de todos os diretores, produtores e executivos que
conseguiu encontrar e enviou-lhes o que certamente é o
pedido de emprego mais eficaz que alguém já escreveu,
pois resultou em três entrevistas, uma das quais lhe rendeu
o cargo de roteirista assistente na MGM.

Prezado senhor:

Gosto de palavras. Gosto de palavras gordas, untuosas, como lodo, torpitude, glutinoso, bajulador. Gosto de palavras
solenes, como pudico, ranzinza, pecunioso, valetudinário. Gosto de palavras espúrias, enganosas, como mortiço, liquidar,
tonsura, mundana. Gosto de suaves palavras com “V”, como Svengali, avesso, bravura, verve. Gosto de palavras crocantes,
quebradiças, crepitantes, como estilha, croque, esbarrão, crosta. Gosto de palavras emburradas, carrancudas, amuadas,
como furtivo, macambúzio, escabioso, sovina. Gosto de palavras chocantes, exclamativas, enfáticas, como astuto, estafante,
requintado, horrendo. Gosto de palavras elegantes, rebuscadas, como estival, peregrinação, Elísio, Alcíone. Gosto de pala-
vras vermiformes, contorcidas, farinhentas, como rastejar, choramingar, guinchar, gotejar. Gosto de palavras escorregadias,
risonhas, como topete, borbulhão, arroto.
Gosto mais da palavra roteirista que da palavra redator, e por isso resolvi largar meu emprego numa agência de publici-
dade de Nova York e tentar a sorte em Hollywood, mas, antes de dar o grande salto, fui para a Europa, onde passei um ano
estudando, contemplando e perambulando.

Acabei de voltar e ainda gosto de palavras.

Posso trocar algumas com o senhor?

Robert Pirosh
Madison Avenue, 385
Quarto 610 Nova York
Eldorado 5-6024.
(USHER, Shaun .(Org) Cartas extraordinárias: a correspondência inesquecível de pessoas notáveis.
Trad. de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 48.)

15 AFA 2020 Analisando a forma e o objetivo do texto, é correto afirmar que


a a linguagem utilizada é acentuadamente formal, já que o remetente está em um contexto que necessita desse tipo
de tratamento.
b para convencer o destinatário, Robert utilizou, ao longo da carta, discurso direto, caracterizando assim um tom de
proximidade e amizade com o receptor.
c o texto é marcadamente denotativo, possibilitando ao destinatário perceber a versatilidade linguística do reme-
tente.
d a carta se utiliza de elementos da função emotiva – centrada no emissor – ainda que a intenção predominante do
autor seja a função apelativa – conquistar o receptor.

102 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 4 Funções da linguagem

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Texto complementar
Funções
A língua está a serviço de duas funções principais:
1ª um sistema de respostas por meio do qual os indivíduos se comunicam – comunicação interindividual.
2ª um sistema de respostas que auxilia o pensamento e a ação do indivíduo – a comunicação intraindividual.
Aquela transmite informação, pensamento e sentimento de um indivíduo para outro, esta facilita o “ato de pensar” e, consequentemente, o próprio
comportamento individual.
Aristóteles (384-322 a.C.) já se havia preocupado com a problemática da comunicação, do seguinte ângulo: a busca de todos os meios possíveis de
comunicação implica a pessoa que fala (quem), o discurso que se pronuncia (o quê), e a pessoa que escuta (quem).
Nesse sentido, a comunicação pode ser encarada sob três perspectivas diversas, que resumem as funções fundamentais da linguagem. Do ponto de
vista de quem fala (trata-se aqui de expressar um pensamento, sentimento ou desejo) é um sintoma; de quem ouve (uma chamada que é respondida
com uma ação verbal ou não) é um sinal; da comunicação (da coisa da qual se fala) é um símbolo.
Expressão Representação Apelo
Eu Ele Tu
linguagem de primeira pessoa é o linguagem de terceira pessoa que fala linguagem de segunda pessoa, aquele a quem
próprio falante das coisas sobre as quais se diz algo se dirige o enunciado, atuando sobre ele.
pronomes demonstrativos ou linguagem
preponderante na lírica fala de objetos e relações
imperativa ou de comando
Sou bem nascido, Menino/Fui como
O Brasil vai entrar na era atômica. Vem cá, João!
os demais, feliz,/Depois veio o mau
Governo legaliza venda da Cruzeiro. Fica quieto, piá!
destino/E fez de mim o que quis.
Sintoma Símbolo Sinal
Francis Vanoye. Usos da linguagem.

Resumindo
yy Função emotiva (ou expressiva): centrada no emissor, expressa a sua atitude em relação ao conteúdo da mensagem e da situação. É o caso da
interjeição com valor emotivo, julgamentos subjetivos, entonações características, reticências, apostos (linguagem de primeira pessoa, é o próprio
falante), adjetivos, advérbios, torneios sintáticos, metáforas, comparações e uso de primeira pessoa.
yy Função apelativa (ou conativa): centrada no receptor, essa função procura estabelecer um diálogo direto com o destinatário da comunicação (o
receptor, linguagem em segunda pessoa). É frequente o uso de demonstrativos e possessivos de segunda pessoa, imperativos e vocativos.
yy Função poética: centrada na mensagem, suplementa o sentido da mensagem por meio do jogo de sua estrutura, de seu ritmo e de sua sonoridade.
yy Função metalinguística: centrada no código, a função metalinguística serve para dar explicações ou precisar o código utilizado.
yy Os dicionários e as nomenclaturas utilizadas na ciência (objeto direto, por exemplo) possuem essa finalidade (a linguagem fala da própria linguagem).
yy Função referencial (denotativa ou informativa): centrada no referente, essa função remete aos referentes situacionais ou textuais. Visa a informar;
a ênfase é dada à terceira pessoa (impessoalidade).
yy Função fática: serve para iniciar, prolongar ou interromper a comunicação e verificar se o canal funciona. Ou seja, tem a função de instaurar ou
manter o contato.

Quer saber mais?

Livro Filme
yy BUARQUE, Chico. Budapeste. São Paulo: Cia. das Letras, 2003. yy Batismo de sangue. Direção: Helvecio Ratton.

Site Teatro
yy <www.semiotica.com.br/?page_id=5>. yy Qorpo Santo. Relações naturais. São Paulo: Mercado Aberto.
Charge
FRENTE ÚNICA

yy Charges de Ique. Jornal do Brasil.

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Exercícios complementares
A questão de número 1 toma por base o poema “Lisbon 1 Vunesp Atentando para o fato de que a função cona-
revisited”, do heterônimo Álvaro de Campos do poeta tiva da linguagem é orientada para o destinatário da
modernista português Fernando Pessoa (1888-1935). mensagem, identifique o modo verbal que, insisten-
temente empregado pelo eu poemático, torna muito
Lisbon Revisited
intensa a orientação para o destinatário no poema de
(1923) Fernando Pessoa.
Não: não quero nada,
Já disse que não quero nada. Texto para a questão 2.
Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações,
Não me venham com conclusões! o sentido de um texto. É, a partir do texto, ser capaz de
A única conclusão é morrer. atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a todos os
outros textos significativos para cada um, reconhecer nele
Não me tragam estéticas! o tipo de leitura que o seu autor pretendia e, dono da
Não me falem em moral! própria vontade, entregar-se a essa leitura, ou rebelar-se
Tirem-me daqui a metafísica! contra ela, propondo uma outra não prevista.
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem LAJOLO, M. Do mundo da leitura para a leitura do mundo.
conquistas São Paulo: Ática, 1993.

Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) –


Das ciências, das artes, da civilização moderna! 2 Enem 2016 Nesse texto, a autora apresenta reflexões
sobre o processo de produção de sentidos, valen-
Que mal fiz eu aos deuses todos? do-se da metalinguagem. Essa função da linguagem
torna-se evidente pelo fato de o texto
Se têm a verdade, guardem-na! a ressaltar a importância da intertextualidade.
b propor leituras diferentes das previsíveis.
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica. c apresentar o ponto de vista da autora.
d discorrer sobre o ato de leitura.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo. e focar a participação do leitor.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Texto para as questões 3 e 4.
Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?


Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!


Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho! – Alô, do Bangu I?
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia! – Oh, meu irmão, não tô escutando nada ... e dizê que
comprei este celular ontem com o carcereiro!
Ó céu azul – o mesmo da minha infância – – Alô, alguém tá na parada?
Eterna verdade vazia e perfeita! – Fala, sangue ruim, é o Caveira?
Ó macio Tejo ancestral e mudo, – Tá ruim, Ditinho, será que os home tá na escuta?
Pequena verdade onde o céu se reflete! – O quê?
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje! – Será que os home tão ligado no papo?
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta. – Num sei, só sei que eu paguei eles ontem.
– Cê apagô os polícia?
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo... – Não, paguei... paguei, oh Caveira surda!
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho! – Tô caindo fora Ditinho, não esquece de pagá o de-
Fernando Pessoa. O Eu profundo e os outros Eus. putado também.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira. p. 372-3. – Não precisa, ele foi preso no mês passado.

104 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 4 Funções da linguagem

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3 Em relação ao texto: Texto para a questão 6.
a) cite dois termos que comprovem a presença da
A alegria ainda morou na cabana, todo o tempo que
função fática.
as espigas de milho levaram para amarelecer.
b) qual foi a referência lúdica à realidade feita por
Uma alvorada, caminhava o cristão pela borda do
ele? Explique.
mar. Sua alma estava cansada.
O colibri sacia-se de mel e perfume; depois adormece
4 Que elemento da teoria da comunicação cria o ruído em seu branco ninho de cotão, até que volta no outro ano
na transmissão da mensagem? Cite ainda uma passa- a lua das flores. Como o colibri, a alma do guerreiro tam-
gem em que também ocorre a função apelativa. bém satura-se de felicidade, e carece de sono e repouso.
A caça e as excursões pelas montanhas em companhia
Texto para a questão 5. do amigo, as carícias da terna esposa que o esperavam na
As atrizes volta, e o doce carbeto no copiar da cabana, já não acor-
davam nele as emoções de outrora. Seu coração ressonava.
Naturalmente
Quando Iracema brincava pela praia, os olhos do
Ela sorria
guerreiro retiravam-se dela para se estenderem pela imen-
Mas não me dava trela
sidade dos mares. Viram umas asas brancas, que adejavam
Trocava a roupa
pelos campos azuis. Conheceu o cristão que era uma gran-
Na minha frente
E ia bailar sem mais aquela de igara de muitas velas, como construíam seus irmãos; e
Escolhia qualquer um a saudade da pátria apertou-lhe no seio.
Lançava olhares
Debaixo do meu nariz 6 FICSAE 2018 O trecho acima integra o romance Irace-
Dançava colada ma, de José de Alencar. Dele não se pode afirmar que
Em novos pares a revela o arrefecimento das emoções do persona-
Com um pé atrás gem, acometido por um sentimento que o distancia
Com um pé a fim das ações cotidianas de seu grupo.
Surgiram outras b indicia a duração e a passagem do tempo, marca-
Naturalmente das por fenômeno da natureza.
Sem nem olhar a minha cara c revela mudança dos humores causada pelo senti-
Tomavam banho mento de saudade por um bem antigo e distante.
Na minha frente d caracteriza um texto cuja linguagem se marca pela
Para sair com outro cara função emotiva, já que trata dos sentimentos do
Porém nunca me importei personagem.
Com tais amantes
[...] Texto para a questão 7.
Com tantos filmes
Na minha mente Parece quase impossível existir algo tão complexo
É natural que toda atriz como o cérebro humano. Um neurocientista dedica anos de
Presentemente represente estudo apenas para se familiarizar com as principais regiões
Muito para mim deste órgão, e não é para menos – são bilhões de células e
CHlCO BUARQUE. Carioca. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, 2006 (fragmento). trilhões de conexões. Por trás da fascinante estrutura neural,
encontram-se funções bastante simples em seu objetivo. O
5 Enem 2017 Na canção, Chico Buarque trabalha uma cérebro existe para que possamos perceber o mundo e saber
determinada função da linguagem para marcar a sub- como reagir. É comum tratarmos a consciência como uma
jetividade do eu lírico ante as atrizes que ele admira. A atividade passiva, mas não é bem assim – consciência re-
intensidade dessa admiração está marcada em: quer metas, expectativas, capacidade de filtrar informações.
a “Naturalmente/ Ela sorria/ Mas não me dava trela”. Se a mente lhe parece um espaço ativo, preenchi-
b “Tomavam banho/ Na minha frente/ Para sair com do com mais coisas do que costuma aparecer em uma
outro cara”. massa de circuitos, então você está certo ou certa. Você
c “Surgiram outras/ Naturalmente/ Sem nem olhar a é a expressão física de uma história de desenvolvimento
minha cara”. social muito maior do que imaginou. Seu cérebro é uma
d "Escolhia qualquer um/ Lançava olhares/ Debaixo delicada entidade num constante frenesi de produção de
do meu nariz”. conhecimento. A riqueza de suas vias reflete a riqueza
e “É natural que toda atriz/ Presentemente represen- de nossa vida.
te/ Muito para mim”. Adaptado de Como o cérebro funciona, de John McCrone.
FRENTE ÚNICA

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7 Mackenzie 2017 Assinale a alternativa correta.
a A função expressiva evidencia-se como predominante no texto, marcada inclusive pelo uso reiterado da primeira
pessoa.
b O texto está elaborado em torno da função referencial, uma vez que a transmissão objetiva de um conteúdo é o
interesse principal do autor.
c Como todo texto científico, a exposição que se faz sobre o cérebro humano é estruturada em torno do uso pre-
dominante da função fática.
d O destaque que se dá, no texto, para o uso expressivo da língua e seus recursos conotativos permite evidenciar a
função poética como predominante.
e A utilização de outros tipos de linguagem, além da verbal, permite que se reconheça no texto como predominante
uma função argumentativa.

Texto para a questão 8.


Sub Tegmini Fagi
[...]
Vem comigo cismar risonho e grave...
A poesia – é uma luz... e a alma – uma ave...
Querem – trevas e ar.
A andorinha, que é a alma – pede o campo.
A poesia quer sombra – é o pirilampo...
P’ra voar... p’ra brilhar.
[...]
Castro Alves. Espumas flutuantes. São Paulo: Ateliê Editorial, 1998. p. 105.

Poiesis II
luz lapidada
de ourives segredo

incorruptível brilho
faz da sua chama
meu ideograma.
Carlos F. F. de Magalhães. Perau. Goiânia: Vieira, 2004. p. 203.

8 Cite uma passagem em que se observa a presença da função metalinguística em ambos os textos.

Texto para a questão 9.


FAVELÁRIO NACIONAL
Carlos Drummond de Andrade
Quem sou eu para te cantar, favela, Medo: não de tua lâmina nem de teu revólver
Que cantas em mim e para ninguém a noite inteira nem de tua manha nem de teu olhar.
de sexta-feira Medo de que sintas como sou culpado
e a noite inteira de sábado e culpados somos de pouca ou nenhuma irmandade.
E nos desconheces, como igualmente não te Custa ser irmão,
conhecemos? custa abandonar nossos privilégios
Sei apenas do teu mau cheiro: e traçar a planta
Baixou em mim na viração, da justa igualdade.
direto, rápido, telegrama nasal Somos desiguais e queremos ser
anunciando morte... melhor, tua vida. sempre desiguais.
... E queremos ser
Aqui só vive gente, bicho nenhum bonzinhos benévolos
tem essa coragem. comedidamente
... sociologicamente
Tenho medo. mui bem comportados.
Medo de ti, sem te conhecer, Mas, favela, ciao,
Medo só de te sentir, encravada Favela, erisipela, mal- que este nosso papo
-do-monte está ficando tão desagradável.
Na coxa flava do Rio de Janeiro. vês que perdi o tom e a empáfia do começo?
...
(ANDRADE, Carlos Drummond de, Corpo. Rio de Janeiro: Record, 1984)

106 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 4 Funções da linguagem

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9 AFA 2016 Nos versos: “Mas, favela, ciao, / que este nosso papo / está ficando tão desagradável / vês que perdi o tom
e a empáfia do começo?”, verifica-se a presença das funções de linguagem
a apelativa e referencial.
b poética e referencial.
c metalinguística e apelativa.
d fática e emotiva.

Texto para a questão 10.

Coplas
I II
O GERENTE – Este hotel está na berra! O GERENTE – Nesta casa não é raro
Coisa é muito natural Protestar algum freguês:
Jamais houve nesta terra Coisa é muito natural!
Um hotel assim mais tal! 15 Acha bom, mas acha caro
5 Toda a gente, meus senhores, Quando chega o fim do mês.
Toda a gente ao vê-lo diz: Por ser bom precisamente,
Que os não há superiores Se o freguês é do bom-tom
Na cidade de Paris! Vai dizendo a toda a gente
Que belo hotel excepcional 20 Que isto é caro mas é bom.
10 O Grande Hotel da Capital Que belo hotel excepcional!
Federal! O Grande Hotel da Capital
CORO – Que belo hotel excepcional etc. Federal!
CORO – Que belo hotel excepcional etc.
coplas: espécie de estrofe; berra: estar na moda.
O GERENTE (Aos criados) – Vamos! Vamos! Aviem-se! Tomem as malas e encaminhem estes senhores! Mexam-se! Mexam-se!...
(Vozerio. Os hóspedes pedem quarto, banhos etc. Os criados respondem. Tomam as malas, saem todos, uns pela escadaria,
outros pela direita.)

CENA II
O GERENTE, depois, FIGUEIREDO

O GERENTE (Só) – Não há mãos a medir! Pudera! Se nunca houve no Rio de Janeiro um Hotel assim! Serviço elétrico
de primeira ordem! Cozinha esplêndida, música de câmara durante as refeições da mesa redonda! Um relógio pneumático
em cada aposento! Banhos frios e quentes, duchas, sala de natação, ginástica e massagem! Grande salão com um plafond
pintado pelos nossos primeiros artistas! Enfim, uma verdadeira novidade! – Antes de nos estabelecermos aqui, era uma ver-
gonha! Havia hotéis em São Paulo superiores aos melhores do Rio de Janeiro! Mas em boa hora foi organizada a Companhia
do Grande Hotel da Capital Federal, que dotou esta cidade com um melhoramento tão reclamado! E o caso é que a empresa
está dando ótimos dividendos e as ações andam por empenhos! (Figueiredo aparece no topo da escada e começa a descer.)
Ali vem o Figueiredo. Aquele é o verdadeiro tipo do carioca: nunca está satisfeito. Aposto que vem fazer alguma reclamação.
Arthur Azevedo. A Capital Federal. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro, 1972.

Plafond: teto.

10 Uerj O texto faz parte de uma peça de teatro, forma de expressão que se destacou na captação das imagens de um Rio
de Janeiro que se modernizava no início do século XX.
a) Aponte o gênero de composição em que se enquadra esse texto e um aspecto característico desse gênero.
b) A fala do gerente revela atitudes distintas, quando se dirige aos criados e quando está só. Identifique o modo
verbal e a função da linguagem predominantes na fala dirigida aos criados.

Atenção: A questão de número 11 refere-se aos textos I e II, que seguem.


I. Versos da canção Irônico, da compositora e cantora Clarice Falcão.
Queria te dizer que esse amor todo por você
Ele é irônico, é só irônico
A cada “eu te amo” que eu te mando, eu tô pensando:
FRENTE ÚNICA

Isso é irônico, e é irônico.

Só de pensar que cê pensou que era sério


Falando sério, eu quero rir
Que você acha que quando eu me descabelo

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Ao som de um cello, eu tô aí. 13 A publicidade a seguir foi publicada na revista Veja,
leia-a.
Eu gosto de você como quem gosta
De um vídeo do Youtube de alguém cantando mal DINHEIRO NÃO TRAZ FELICIDADE.
Eu gosto de você como quem gosta MUITO MENOS DEPOIS DA FALÊNCIA
De uma celebridade “B”.
(www.vagalume.com.br)
Na hora da novela, mude de canal. Venha para
PERDIDOS DE AMOR
II. Poema de Manuel Bandeira De segunda a sexta, às 19h15, na BAND
Pousa a mão na minha testa
Não te doas do meu silêncio: Assinale a alternativa incorreta.
Estou cansado de todas as palavras. a A enunciação, para criar um efeito de aproximação,
Não sabes que te amo? utiliza a função apelativa em “mude” e “venha”. O
Pousa a mão na minha testa: sujeito desinencial dos dois verbos é o próprio te-
Captarás numa palpitação inefável lespectador.
O sentido da única palavra essencial b Apesar da oposição semântica em “muito menos”,
− Amor. a expressão é aceitável no contexto em que é em-
(Lira dos cinquent'anos, 1940) 7. pregada.
c Se houvesse uma vírgula no lugar do ponto em
11 PUC-Campinas 2017 Sobre I e II, afirma-se com correção: “...mude de canal. Venha para...”, teríamos um perío-
a A canção constrói a harmonia sonora por meio do composto por coordenação. Haveria uma ideia
da sua substância, a linguagem musical, valendo- de sobreposição.
-se da linguagem verbal, própria do poema, para, d A locução “de amor” expressa semanticamente uma
como espécie de redundância enfática, descrever relação de modo, equivale a “perdidos por amor”.
a harmonia obtida. e Se invertêssemos a frase que inicia o texto (“felici-
b Por explorar idênticos recursos de métrica fixa e ri- dade” no lugar de “dinheiro” e vice-versa), haveria
mas regulares, meios sem os quais não se produz alteração de sentido. Já a expressão dinheiro não
a unidade rítmica e melódica necessária a uma boa traz felicidade é extraída da linguagem popular
estrutura, o modo de composição dos versos da como forma de persuadir o leitor a assistir à novela,
canção coincide com o do poema. já que esta traz no seu título um conteúdo que se
c Ainda que se assemelhem aos versos do poema, opõe ao “dinheiro”.
ao constituir estrofes e explorar recursos da lingua-
gem verbal para intensificar o poder expressivo,
14 Os textos a seguir pertencem a Luís Vaz de Camões,
os versos da canção implicam a associação da
poeta do século XVI e a Sophia de Mello Breyner
musicalidade das palavras com a dos sons dos ins-
Andresen, poetisa do século XX. Compare-os e a se-
trumentos.
guir analise as afirmações a seu respeito.
d O fato de o meio de difusão de uma composição
musical como a canção ser totalmente diverso da- Amor é fogo que arde sem se ver;
quele que se tem no caso de poemas comprova É ferida que dói e não se sente;
que não há familiaridade alguma entre esses dois É um contentamento descontente;
gêneros, ainda que possam coexistir. É dor que desatina sem doer;
e A exploração de recursos que a linguagem verbal Luís de Camões. Sonetos de Camões. 2 ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 1998.

oferece para uma eficaz expressão poética faz do Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo.
autor, seja poeta ou compositor, um artista, o que
evidencia que não cabem distinções de ordem al- Mal de te amar neste lugar de imperfeição
guma entre o fazer de um e do outro. Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.
Sophia de Mello Breyner Andresen, “Terror de te amar”. In: Antologia, 1944-1967.
12 Leia o verbete a seguir e faça o que se pede.
ciência [do lat. scientia]. s. f. [...] conjunto de conhecimen- I. Aproximam-se pelo tema do amor e pelo fato de
tos socialmente adquiridos ou produzidos, historicamente empregarem um mesmo tipo de repetição.
acumulados, dotados de universalidade e objetividade que II. Distanciam-se pela forma de tratar o amor (em
permitem sua transmissão, e estruturados com métodos, Camões o amor é impessoal, e em Andresen é
teorias e linguagens próprias, que visam compreender e, pessoal, há a função conativa).
possivelmente, orientar a natureza e atividades humanas. III. O texto de Sophia, assim como o de Camões,
a) Descreva a linguagem utilizada no texto citado. utiliza oposições semânticas para definir o amor,
b) Quais funções da linguagem ocorrem? como em Onde tudo nos mente e nos separa.

108 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 4 Funções da linguagem

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Está(ão) correta(s):
a apenas II.
b apenas III.
c apenas I e II.
d apenas I e III.
e todas.

15 Observe a manchete a seguir.


CAOS NO AEROPORTO, CHUVA E ESTRADA CHEIA NO FERIADO
Jornal valeparaibano, 2 nov. 2006.

Na manchete do valeparaibano, nota-se o emprego:


a da função apelativa.
b da função fática.
c da função metalinguística.
d da função referencial.
e da função poética.

Texto para as questões 16 e 17.


E sabe a diferença entre o Alckmin e o Romário? O Alckmin é da Opus Dei, o Romário é da Opus Night. [...] E essa vai
ser a campanha mais indigesta do século: chuchu com lula. AARGH! Sapo barbudo × Careca Tucano.
[...]
José Simão. ”Efeito Alckmin! O dólar cai, e o chuchu sobe!”. Folha de S.Paulo, 16 mar. 2006.

16 Em AARGH, nota-se o emprego da função:


a referencial.
b conativa.
c emotiva.
d referencial e poética.
e conativa e poética.

17 Em E sabe a diferença entre o Alckmin e o Romário?, José Simão empregou a função:


a metalinguística.
b poética.
c conativa.
d poética e conativa.
e referencial e emotiva.

18 Você sabe o que é arte “naïf’”ou arte primitiva? Segundo alguns catálogos de artes plásticas, trata-se da criação intuitiva
de artistas populares, sem qualquer formação técnica ou erudita. Um dos maiores representantes brasileiros dessa vertente
artística foi Heitor dos Prazeres, que também se consagrara como sambista na primeira metade do século passado.

No texto anterior, nota-se a presença de algumas funções da linguagem; entre elas, destacam-se a que promove uma
aproximação com o leitor e a que informa a respeito do assunto. Diga quais são.

Texto para a questão 19.


As pessoas que falam uma língua estrangeira sem sotaque são geralmente as que aprenderam o idioma estrangeiro na
infância, juntamente com a língua materna. Nesses verdadeiros bilíngues, de alto desempenho, a mesma região do cérebro
que produz a fala é compartilhada pela representação dos dois idiomas, enquanto nas pessoas que aprendem a segunda
língua, na vida adulta, duas regiões vizinhas, separadas, cuidam cada uma de um idioma. A representação conjunta talvez
explique a maior facilidade dos bilíngues verdadeiros em transitar entre os dois idiomas, já que as mesmas redes neurais de
associação devem ser acionadas por um idioma e outro.
FRENTE ÚNICA

Suzana Herculano-Houzel. (Adapt.).

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19 Mackenzie É correto afirmar que no texto há: alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importân-
a diferentes níveis de linguagem, evidenciando a cia. De cada vivimento que eu real tive, de alegria forte
presença de variações no uso da língua. ou pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu era como
b o predomínio da função apelativa, com o uso de se fosse diferente pessoa. Sucedido desgovernado. Assim
elementos linguísticos que reforçam o apelo ao lei- eu acho, assim é que eu conto. O senhor é bondoso
tor, revelado pela linguagem acadêmica. de me ouvir. Tem horas antigas que ficaram muito mais
c linguagem formal na transmissão de informações, perto da gente do que outras, de recente data. O senhor
intenção preponderante que indicia a função refe- mesmo sabe.
rencial do texto. João Guimarães Rosa. Grande sertão: Veredas. 19 ed. Rio de Janeiro:
d uma estrutura típica da argumentação que apre- Nova Aguilar, 1994. p. 132.
senta duas teses conflitantes, sendo que ao final
Trecho 2
uma delas é privilegiada.
Contar é muito, muito dificultoso. Não pelos anos
e predomínio da subjetividade, depreendida principal-
que já se passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas
mente pelo uso de expressões como “geralmente”
passadas – de fazer balancê, de se remexerem dos lugares.
e “talvez”.
O que eu falei foi exato? Foi. Mas teria sido? Agora, acho
que nem não. São tantas horas de pessoas, tantas coisas
Textos para a questão 20.
em tantos tempos, tudo miúdo, recruzado.
Texto I João Guimarães Rosa. Grande sertão: Veredas. 19 ed. Rio de Janeiro:
Art. 3º - Serão asseguradas às mulheres as condições Nova Aguilar, 1994. p. 253-4.
para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança,
Com base na leitura desses trechos, redija um texto,
à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia,
explique o uso da metalinguagem pelo narrador de
ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à
cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à con- Grande sertão: Veredas.
vivência familiar e comunitária.
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: Textos para a questão 22.
<https://goo.gl/bZiD4Q>.Acesso em: 12 mar. 2018.
O canto do guerreiro
Texto II
Aqui na floresta
Gráfico 03 – Relatos de violência Dos ventos batida,
Façanhas de bravos
Não geram escravos,
Que estimem a vida
Sem guerra e lidar.
– Ouvi-me, Guerreiros,
– Ouvi meu cantar.

Valente na guerra,
Quem há, como eu sou?
Quem vibra o tacape
Com mais valentia?
Quem golpes daria
Fatais, como eu dou?
BRASIL. Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Balanço anual 2016.
Disponível em: <https://goo.gl/W59kFm>. Acesso em: 12 abr. 2018.
– Guerreiros, ouvi-me;
– Quem há, como eu sou?
Antônio Gonçalves Dias. Cantos e Recantos. Rio de Janeiro: Ediouro.
20 UFU 2018
a) Indique a função da linguagem predominante no Macunaíma
texto I e justifique sua resposta.
b) Considerando-se o total de 140.350 relatos de (Epílogo)
violência à Central de Atendimento à Mulher, es- Acabou-se a história e morreu a vitória.
creva um parágrafo com, no máximo 10 linhas, a Não havia mais ninguém lá. Dera tangolomângolo na
partir do texto II, cuja função da linguagem predo- tribo Tapanhumas e os filhos dela se acabaram de um em
minante seja a referencial. um. Não havia mais ninguém lá. Aqueles lugares, aqueles
campos, furos puxadouros arrastadouros meios-barrancos,
21 UEG Leia estes trechos: aqueles matos misteriosos, tudo era solidão do deserto... Um
silêncio imenso dormia à beira do rio Uraricoera. Nenhum
Trecho 1 conhecido sobre a terra não sabia nem falar da tribo nem
A lembrança da vida da gente se guarda em trechos contar aqueles casos tão pançudos. Quem podia saber do
diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com Herói?
os outros acho que nem não misturam. Contar seguido, Mário de Andrade. Macunaíma.

110 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 4 Funções da linguagem

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP4_LA.INDD / 16-09-2020 (20:10) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL


22 Considerando-se a linguagem desses dois textos, ve- 25 UFG Uma propaganda a respeito das facilidades
rifica-se que: oferecidas por um estabelecimento bancário traz a
a a função da linguagem centrada no receptor está seguinte recomendação:
ausente tanto no primeiro quanto no segundo texto.
Trabalhe, trabalhe, trabalhe. Mas não se esqueça: vír-
b a linguagem utilizada no primeiro texto é coloquial,
gulas significam pausas.
enquanto, no segundo, predomina a linguagem Veja. 1918 ed. São Paulo: Editora Abril, 17 ago. 2005. p. 17.
formal.
c há, em cada um dos textos, a utilização de pelo me- Nesse texto, observa-se um exercício de natureza
nos uma palavra de origem indígena. metalinguística. Explique como esse recurso auxilia a
d a função da linguagem, no primeiro texto, centra-se construção do sentido pretendido para persuadir o leitor.
na forma de organização da linguagem e, no se-
gundo, no relato de informações reais. Textos para a questão 26.
e a função da linguagem centrada na primeira pes- Texto 1
soa, predominante no segundo texto, está ausente
no primeiro. Nossa cultura valoriza a consciência crítica dos in-
divíduos. As decisões coletivas nos parecem fadadas ao
Texto para a questão 23. erro por serem paixões da massa manipulada ou médias
estatísticas, consensos numéricos sem argumentação e
Prevenção contra assaltos sem complexidade.
Como os assaltos crescem dia a dia, não podendo con- Contardo Calligaris, Elogio das eleições. Folha de S.Paulo, 30 set. 2004. p. E8.

tê-los, a PM, sabiamente, dá conselhos aos cidadãos para Texto 2


serem menos assaltados:
I. Não demonstre que carrega dinheiro. Qualquer estagiário de publicidade sabe que não se
II. Jamais deixe objetos à vista, dentro do carro. deve conjugar os verbos no plural. O certo é dizer: ”com-
III. Levante todos os vidros, mesmo em movimento. pre”, ”veja”, ”experimente”; nunca ”comprem”, ”vejam”,
IV. Não deixe documentos no veículo. ”experimentem”. Cada consumidor quer ser tratado como
[...] indivíduo, e não como rebanho. Teoricamente, os anúncios
Millôr Fernandes. Que país é este. Rio de Janeiro: Nórdica, 1948. p. 113. apelam para a liberdade de quem os lê: apresentam-se
como um esforço de persuasão pessoal, e não de mobi-
lização coletiva.
23 Cefet-MG Nesse fragmento, a função da linguagem
Marcelo Coelho. “Por que era tão moderno usar chapéu”. Folha de S.Paulo,
predominante é: São Paulo, 8 jun. 2005. p. E10.
a fática.
b emotiva. 26 UEG Considerando a ideia de que a linguagem tem
c conativa. funções que dependem das intenções do autor em
d referencial. relação ao leitor e, ainda, a leitura atenta dos textos 1
e 2, analise as seguintes proposições:
Texto para a questão 24.
I. O propósito predominante do texto 1 é discutir
Este inferno de amar conceitos culturais de forma direta e objetiva, o
que caracteriza a função referencial da linguagem.
Este inferno de amar – como eu amo!
Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi? II. Predomina, no texto 2, a função apelativa da
Esta chama que alenta e consome, linguagem, fato percebido no uso das palavras
Que é a vida – e que a vida destrói – "consumidor", "anúncios" e "persuasão", termos
Como é que se veio a atear, típicos do gênero publicitário.
Quando – ai quando se há de ela apagar? III. O texto 2 utiliza a metalinguagem ao explicar que
o uso de verbos na segunda pessoa do imperativo
24 Unifesp Nos versos de Garrett, predomina a função singular produz um forte efeito persuasivo no con-
a metalinguística da linguagem, com extrema valori- sumidor, pois o individualiza e o faz sentir-se único.
zação da subjetividade no jogo entre o espiritual e IV. Nos dois textos predomina a função emotiva por-
o profano. que ambos pretendem expressar sentimentos de
b apelativa da linguagem, num jogo de sentido pelo insatisfação com a valorização da consciência crí-
qual o poeta transmite uma forma idealizada de tica do indivíduo pela massa manipulada.
amor.
c referencial da linguagem, privilegiando-se a ex- Marque a alternativa correta:
pressão de forma racional. a Apenas a proposição I é verdadeira.
FRENTE ÚNICA

d emotiva da linguagem, marcada pela não contenção b Apenas a proposição II é verdadeira.


dos sentimentos, dando vazão ao subjetivismo. c Apenas a proposição III é verdadeira.
e fática da linguagem, utilizada para expressar as d Apenas as proposições II e III são verdadeiras.
ideias de forma evasiva, como sugestões. e Apenas as proposições III e IV são verdadeiras.

111

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27 FGV Leia o seguinte texto de Ubirajara Inácio de Araújo: 28 UEL Como se sabe, uma das principais características
da notícia de jornal é tentar criar a impressão de ob-
Todo texto é uma sequência de informações: do início
até o fim, há um percurso acumulativo delas. Às informa-
jetividade e neutralidade. Isso ocorre nos textos por
ções já conhecidas, outras novas vão sendo acrescidas e meio de:
estas, depois de conhecidas, terão a si outras novas acres- a apresentação de posicionamentos contraditórios.
cidas e, assim, sucessivamente. A construção do texto flui b discordância com as informações extraídas de
como um ir-e-vir de informações, uma troca constante outras fontes.
entre o dado e o novo. c emprego abusivo de adjetivos.
d apelos constantes à ironia.
É correto afirmar que, nesse texto, predominam: e referência a dados estatísticos.
a Função referencial e gênero do tipo dissertativo.
b Função fática e gênero de conteúdo didático. Texto para a questão 29.
c Função poética e gênero do tipo narrativo. Se, pela pronúncia, você está desconfiado de que a
d Função expressiva e gênero de conteúdo dramá- nossa palavra “xará“ surgiu de alguma expressão indíge-
tico. na, acertou. “Ela tem origem em ‘sa rara’, um derivado de
e Função conotativa e gênero de conteúdo lírico. ‘se rera’, que significa aquele que tem o mesmo nome,
em tupi“, diz o etimologista Cláudio Moreno. No sul do
Textos para a questão 28. Brasil, usa-se também a palavra “tocaio“ com o mes-
I. Mais de 800 milhões de pessoas, muitas delas crian- mo significado. Vem do espanhol “tocayo“ que, por sua
ças, estão 'desnutridas e privadas da oportunidade vez, tem origem na frase ritual latina que a noiva dizia
de viver uma vida plena' em todo o mundo, de- ao noivo quando a comitiva nupcial vinha buscá-la em
nunciou a FAO (Fundo das Nações Unidas para a casa: “Ubi’tu Caius, ibi ego Caia“ (Onde fores chamado
Alimentação) em um informe apresentado na sema- Caio, ali eu serei Caia). Por transmitir a ideia de que a
na passada ao Comitê sobre a Segurança Alimentar noiva, ao se casar, passava a ter o mesmo nome do noivo,
Mundial, em Roma. a palavra passou a ser usada como sinônimo de xará.
Folha de Londrina, 4 jun. 2001. Rodrigo Cavalcante. (Adapt.).

II. O mundo vai terminar o ano mais pobre. Na semana


que passou, o Fundo Monetário Internacional (FMI), 29 Mackenzie Sobre o trecho Se, pela pronúncia, você está
que é uma organização financeira com participação desconfiado de que a nossa palavra xará surgiu de algu-
de praticamente todos os países industrializados, ma expressão indígena, acertou, é correto afirmar que:
anunciou que a economia mundial deverá crescer a corresponde a um trecho de diálogo real trava-
apenas 2,6% em 2001, e não mais os 3,2% proje- do entre o redator do texto e os especialistas em
tados em abril. No início do ano, o Fundo previa língua portuguesa.
expansão de 4,5% para a economia global este ano. b explora a função referencial da linguagem, que im-
Mas, a cada trimestre que passa, os números enco- põe certa distância entre o texto e o leitor.
lhem e mostram que o planeta está empobrecendo. c exemplifica o que chamamos de discurso direto
O Brasil não deverá ser exceção. livre, já que reproduz uma pergunta do leitor, tal
Folha de Londrina, 24 set. 2001.
como foi elaborada.
III. As políticas públicas para combater a fome foram d corresponde a um trecho de diálogo entre o reda-
tema de um encontro entre representantes de 17 tor do texto e o leitor Cláudio Moreno.
municípios do Paraná, Santa Catarina e São Paulo, e explora o recurso de simular um diálogo entre o
na semana passada. O objetivo principal da reunião redator e o leitor do texto, a fim de motivar a leitura.
foi estimular a troca de experiências. Segundo Maya
Takagi, coordenadora técnica do programa Fome
Zero, desde 1994 o Brasil não tem políticas nacio-
nais de combate à fome e à miséria.
Folha de Londrina, 10 dez. 2001.

112 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 4 Funções da linguagem

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Museum Boijmans Van Beuningen, Rotterdam
FRENTE ÚNICA

5
CAPÍTULO Categorias de mundo e temas e figuras
No quadro do pintor surrealista René Magritte, vê-se um homem diante do espelho,
em uma cena simples, com os elementos presentes bem figurativizados, claros. Contu-
do, há uma quebra de expectativa, pois a imagem do homem no espelho está de costas,
criando uma incoerência que instiga a fantasia. Seu tema, portanto, é o estranhamento
ante uma realidade com a qual o observador do quadro não lida no dia a dia.
No entanto, toda a subversão é construída com categorias bem conhecidas nos
textos em geral, como espaço e pessoa, e figuras comumente representadas, um ho-
mem e objetos do cotidiano. Toda a diferença obtida da subversão figurativa se obtém,
assim, da escolha do sujeito da enunciação, ou seja, o autor da obra. E esses elemen-
tos são o objeto de estudo deste capítulo.

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Introdução Compare os textos a seguir:
Neste capítulo, daremos continuidade ao estudo dos Assim é demais? Saiba quando o exercício físico em ex-
níveis do texto; o nível discursivo é o mais próximo da cesso vira compulsão e prejudica a saúde.
manifestação textual. Nesta etapa, estudaremos as cate- Veja, 6 fev. 2008.
gorias pessoa-tempo-espaço e o uso de temas e figuras.
A abordagem das categorias acima citadas possibilitará um Recessão no Brasil acabou em maio, avaliam Bancos.
aprofundamento das estratégias utilizadas pela enunciação. Folha de S.Paulo, 28 jul. 2009.

Já o estudo dos temas e das figuras permitirá ao aluno iden- Na manchete da revista Veja, o enunciador estabelece
tificar com mais clareza o assunto discutido no texto, o tema. diálogo com o leitor por meio do ponto de interrogação e do
verbo “saber” no imperativo (saiba você); esse procedimento
Categorias pessoa-tempo-espaço cria efeito de aproximação e subjetividade. Além disso, a
O sujeito da enunciação, segundo Diana Luz Pessoa frase “assim é demais” constitui-se em um juízo de valor,
de Barros, professora livre-docente da Universidade de São outra marca de subjetividade. Os dois procedimentos tornam
Paulo, faz uma série de opções para projetar o discurso, a manchete subjetiva, o que é coerente com esse tipo de
tendo em vista os efeitos de sentido que deseja produzir. revista. No texto da Folha de S.Paulo, não há a conversa
Essas opções criam efeitos de proximidade ou distanciamento com o leitor nem o juízo de valor, o fato é colocado de modo
da enunciação e efeitos de realidade. objetivo e impessoal.

Objetividade e subjetividade – efeitos Efeitos de realidade


de aproximação e distanciamento Ao projetar as categorias pessoa-tempo-espaço, a
enunciação procura convencer o destinatário de que aquilo
que é posto no enunciado é real. Isso ocorre porque as
Linguagem objetiva três categorias citadas são na realidade as categorias do
Há recursos na língua que permitem criar efeitos de mundo. Veja como Noel Rosa obtém esse efeito de sentido:
objetividade e distanciamento da enunciação, uma espécie
de neutralidade em relação ao que é dito. Um dos recursos Eu vou pra Vila
utilizados para obter esse efeito é a instalação da tercei- Quando eu me formei no samba
ra pessoa. Jornais como O Estado de S. Paulo e Folha de Recebi uma medalha
S.Paulo, por exemplo, dificilmente utilizam a primeira pes- Eu vou pra Vila
soa, ou a segunda, em suas manchetes. O distanciamento Pro samba do chapéu de palha.
produzido pelo uso da terceira pessoa cria a ilusão de impar- A polícia em toda a zona
cialidade, como se a enunciação não tivesse opinião formada Proibiu a batucada
sobre o assunto (o leitor desses jornais identifica-se com Eu vou pra Vila
esse procedimento linguístico). A ausência de juízo de valor Onde a polícia é camarada.
explícito e de certas figuras de linguagem ― como a metáfora, ROSA, Noel. “Eu Vou Pra Vila”. Intérpretes: Diversos.
In: Noel pela primeira vez. Velas/Funarte, 2000. v. 1, Faixa 8.
a ironia, a hipérbole (que costumam estabelecer juízo de
valor) ― também são marcas de objetividade. A categoria tempo aparece em: “Quando eu me formei
Eu (enunciação) no samba...”, e a categoria espaço ocorre nos versos “Eu
vou pra Vila/ Pro samba do chapéu de Palha”, “A polícia em
toda a zona”, “Eu vou pra Vila/ Onde a polícia é camarada”.
Ele (enunciado) objetividade
A categoria pessoa aparece no pronome pessoal “eu” e
em formas verbais como “recebi” (eu), “vou” (eu) e “proibiu”
Linguagem subjetiva (ela). Com isso, a enunciação cria uma ilusão de realidade,
O efeito de subjetividade ocorre no momento em que um simulacro da vida, de modo que o enunciatário passa
a enunciação projeta a primeira ou a segunda pessoa (além a se envolver com aquilo que lê. Outra estratégia da enun-
de pronomes de terceira, como “você”). Essa estratégia é fre- ciação, para criar o efeito de realidade, consiste no uso
quente em revistas especializadas, jornais sensacionalistas e do discurso direto; neste o narrador dá voz à personagem
textos publicitários. O tom confessional e a conversa direta criando um efeito de aproximação:
com o leitor são elementos persuasivos. Há subjetividade ain- Banana de louco
da quando a enunciação, por meio de adjetivos, expressões
adjetivas, verbos, substantivos e advérbios, expressa juízo de No hospício, dois loucos comem banana no pátio.
valor, em linguagem denotativa ou conotativa. O primeiro tira a casca da banana com o maior cuidado.
O segundo come com casca e tudo.
Eu (enunciação) – Ô, cara! – diz o primeiro – Você é louco?
– Vou tirar a casca pra quê? – diz ele, dando mais uma mordida.
Eu (enunciado) subjetividade – Eu já sei o que tem dentro!

114 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 5 Categorias de mundo e temas e figuras

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No texto, a enunciação delega a voz ao narrador (No hospício...), que, por sua vez, cede internamente a palavra aos
interlocutores (– Ô, cara...). Esquematizando, teríamos o seguinte:
Autor (real)

Enunciador

Narrador

Interlocutores

Troca da pessoa (embreagem)


A enunciação pode, em alguns casos, trocar uma pessoa por outra para criar efeitos de sentido. Veja os casos mais
importantes:
1. Terceira do singular no lugar da primeira do singular (efeito: distanciamento).

– O papai sabe muito bem


que você escondeu a chupeta.

Fig. 1 (Eu sei...)

Essa troca é bastante frequente na fala de gente famosa:


– Dizem que o Pelé é isso e aquilo; veja bem, eu...
(Pelé = eu)

2. Terceira do singular no lugar da segunda do singular (efeito: distanciamento).


– O patrão pode confiar em mim.
(Tu podes.../ você pode...)

3. Terceira do plural no lugar da primeira do plural (efeito: distanciamento).

– Seu pai e sua mãe se matam


de trabalhar para você fazer isso?
FRENTE ÚNICA

Fig. 2 (Nós nos matamos...)

115

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4. Primeira do singular no lugar da segunda do singular Marina estava à porta do cemitério com outro homem.
ou do plural (efeito: aproximação). Ele então estava certo, ela o traíra.
– Então eu faço arte e ainda dou risada?
eu me
(Tu fazes... dás...)
(a mãe dirigindo-se ao filho pequeno) Troca do espaço (embreagem)
– Eu preciso fazer exercícios, certo? A exemplo dos pronomes pessoais, os demonstrativos
(às vezes, os advérbios) também são suscetíveis a uma
(Vós precisais...) troca. Veja o caso a seguir:
(o professor aos alunos) – Esta mulher não me sai da cabeça, cara! Ela é tudo!

5. Primeira do singular no lugar da terceira do singular (Aquela...)


(efeito: aproximação).
No caso citado, a mulher não está próxima do enuncia-
– Eu sou pobre, não tenho assistência médica decente, dor, está ausente do local; todavia, ela está presente em
como muito mal. Que futuro tenho?
sua mente, em virtude de muito amá-la. A troca das pessoas
(O brasileiro é... tem... come... tem)
cria um efeito de aproximação. Por oposição, se colocarmos
o pronome “essa” no lugar de “esta”, criaremos um efeito
6. Segunda do singular no lugar da primeira do singular
de distanciamento (supondo que o enunciador despreze
ou do plural (efeito: aproximação).
quem está do seu lado):
– Tu queres uma empada, não tem; tu precisas de uma
caneta, não tem. Assim não dá!
(eu quero... eu preciso...)

7. Primeira do plural no lugar da segunda do singular – Geraldo!!


(efeito: aproximação). Tire essa mulher da minha sala!!

– Então, como vamos de namoro?

Fig. 4 (...esta...)

Troca do tempo (embreagem)


Fig. 3 (...Tu vais...) A troca de tempos verbais será estudada nas aulas
sobre o verbo, dado que é preciso conhecer os tempos
verbais. De qualquer maneira, veja o exemplo a seguir, em
8. Segunda do plural no lugar da segunda do singular
que o presente substitui o futuro, dando o efeito de certeza:
(efeito: respeitabilidade).
Termina amanhã o prazo de entrega do imposto de renda.
– Vós tendes minha admiração, príncipe.
(Terminará...)
(Tu tens...)

Atenção Marcadores temporais


A discussão sobre o tempo está presente na história, na
Nos casos anteriores discutidos, o pronome você pode ser colocado Filosofia (o maior expoente é Santo Agostinho), na Linguística
no lugar do tu; apesar de o pronome de tratamento exigir o verbo na e na mitologia. Santo Agostinho discute, por exemplo, “o não
terceira, ele se refere ao interlocutor (ao tu).
ser do tempo”; argumenta que o passado não existe, porque
não é mais; o futuro, porque ainda não é; para o filósofo, só
9. Terceira do singular no lugar da primeira (no discurso o presente pode ser medido. Agostinho critica o fato de afir-
indireto livre, o efeito é passar ideias, reflexões e sen- marmos que possuímos três tempos: o presente, o passado
timentos da personagem). e o futuro. Para ele haveria, sim, três tipos de presente: o do

116 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 5 Categorias de mundo e temas e figuras

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passado, a memória; o do presente, o olhar; o do futuro, a Habitualmente molhava as plantas como se alimen-
espera. Pelo tempo mede-se a duração do movimento de um tasse seus filhos.
corpo, do ponto inicial ao ponto final, assim como se mede
o seu repouso. d. um aspecto incoativo (início de processo): primeira-
O tempo da enunciação, momento em que um texto é mente, no início, no começo, para começar etc.
produzido, é sempre presente; os acontecimentos narrados Primeiramente, tomava banho, depois escrevia.
podem ser anteriores ao momento da enunciação, o passado
(chorei); concomitantes ao momento da enunciação (choro), o e. um aspecto terminativo: enfim, finalmente, no término
presente, ou posteriores ao momento da enunciação, o futuro etc.
(chorarei). Os advérbios de tempo e as locuções adverbiais de Enfim, a CPI terminou, em pizza, claro!
tempo são marcadores temporais; no texto, podem manifestar
Os advérbios “já” e “ainda” mantêm uma relação de
anterioridade, concomitância ou posterioridade:
oposição e manifestam traços temporais e aspectuais.
a. anterioridade: ontem, anteontem, na semana passa-
Veja os exemplos e as análises.
da, na véspera, na semana anterior etc.
Anteontem, achei a luz que me faltava.
Ele ainda tem dificuldade com a ortografia.

b. concomitância: agora, hoje, neste momento, então


Pressuposto: anterioridade = cometia erros de ortografia.
nesse mesmo momento etc.
Posto: concomitância/inacabado = comete erros.
Hoje, há muita violência em nome do poder.
Eles ainda estão estudando a planta.
c. posterioridade: amanhã, depois de, na próxima sema-
na, no sábado seguinte, três anos depois etc.
Pressuposto: anterioridade = estudavam a planta.
Na próxima semana, as tropas americanas entrarão
Posto: concomitância/inacabado = estudam a planta.
em território sírio.
A pequena Maria já era pesquisadora do Instituto.
Esses advérbios podem ser empregados em relação ao
momento da enunciação (sistema enunciativo) ou em relação
Pressuposto: posterioridade = esperava-se que ela fosse
a um marco temporal do enunciado (sistema enuncivo). Por
pesquisadora do Instituto em um momento posterior.
exemplo:
Posto: concomitância/acabado = é pesquisadora do Insti-
a. Sistema enuncivo.
tuto, já se formou pesquisadora.
O prefeito foi assassinado numa sexta; na tarde ante-
rior, foi visto conversando com um empresário famoso
da cidade.
Marcadores espaciais
“numa sexta”: marco temporal do enunciado. Bachelard foi um dos que mais estudaram o espaço.
“na tarde anterior”: anterioridade em relação ao marco Em sua obra A poética do espaço, o filósofo relaciona os
temporal “numa sexta”. lugares com os estados de alma: o porão, por exemplo,
estaria ligado à morte, à irracionalidade, à obscuridade;
o telhado à liberdade, à racionalidade. Em As astúcias da
b. Sistema enunciativo.
enunciação, José Luiz Fiorin, professor livre-docente da
Na semana passada, fui alvo de gozação, motivo: não
Universidade de São Paulo, ao citar Osman Lins, afirma
sei.
que o espaço cria uma ambientação, processo pelo qual
a enunciação cria determinado ambiente. Sabe-se que o
A locução adverbial “Na semana passada” mantém espaço influi na psicologia humana, um ambiente escuro
uma relação de anterioridade em relação ao momento da e fechado pode suscitar o medo do leitor em relação ao
enunciação (sempre um presente). que vai acontecer com a personagem. Dessa forma, tería-
Quanto à aspectualidade, o advérbio pode manifestar: mos uma semântica do espaço. O espaço articula-se, diz
a. um aspecto pontual: de repente, de supetão, subita- Fiorin, em oposições do tipo: fechado × aberto; fixidez ×
mente, repentinamente etc. mobilidade; interior × exterior; verticalidade × horizontali-
Subitamente, uma voz surgiu dos escombros, era voz dade, superatividade × inferatividade. Além das oposições,
de criança. o espaço nos dá as noções de lateralidade e perspectiva.
Nos itens a seguir, há a explicação em torno do emprego
b. um aspecto durativo contínuo: gradualmente, paulati- de determinados advérbios, preposições e locuções. Tais
namente, aos poucos etc. informações foram extraídas do livro As astúcias da enun-
Gradualmente ele foi se tornando o principal assessor ciação, de José Luiz Fiorin.
do ministro.
FRENTE ÚNICA

1. Determinados advérbios de lugar são utilizados de


c. um aspecto durativo iterativo (que se repete): habitual- acordo com a sua posição em relação ao eu, espaço
mente, normalmente, eventualmente, muitas vezes etc. da enunciação, ao tu e ao ele:

117

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aqui: espaço do eu f. Abaixo de: posição inferativa de um objeto em relação
aí: espaço do tu a um ponto de referência (pode haver contato ou não).
ali: espaço do ele
cá: espaço do eu
lá: espaço do ele
acolá: espaço do ele

2. Alguns advérbios de terceira pessoa possuem baixa


frequência na oralidade; é o caso de:
algures: em algum lugar
alhures: em outro lugar
nenhures: em nenhum lugar

3. Os advérbios e locuções adverbiais de lugar, por


meio das preposições e locuções prepositivas que os
introduzem, podem ser analisados de acordo com a
visão de orientação vertical, com a visão de orientação
Fig. 5 Abaixo da prateleira, dormia um velho dicionário da língua portuguesa.
horizontal e consoante a uma visão de aproximação
ou distanciamento.
Por cima do túmulo, Pedro, frente a frente com o g. De baixo: uma direção para o alto, a partir de um pon-
assassino; junto ao túmulo vizinho, o investigador con- to de referência colocado em posição inferativa.
tratado por Pedro. Longe de todos, três homens da Lá de baixo subia o clamor da multidão
máfia vigiavam o movimento do policial.
Texto temático e texto figurativo
Temos no exemplo, respectivamente, verticalidade,
Os textos podem ser temáticos (ou predominantemente
horizontalidade, proximidade e distância.
temáticos) ou figurativos (ou predominantemente figurati-
vos). Os primeiros são mais abstratos, “procuram explicar
4. Segue o significado de algumas preposições e locuções
a realidade, classificam-na e ordenam-na, estabelecendo
prepositivas que expressam uma orientação vertical
relações e dependências”, como diz José Luiz Fiorin. É
(sobre, por cima de, acima de, em cima de, de cima de,
o caso da dissertação, texto de natureza conceitual, que
sob, por baixo de, debaixo de, embaixo de etc.).
possui uma função interpretativa. Os segundos são mais
a. Sobre, por cima de: posição superativa de um objeto
concretos, “criam um efeito de realidade, representando
em relação ao ponto de referência (pode ter ou não
o mundo”, como diz o mesmo linguista. É o caso do texto
contato).
narrativo, do quadro de pintura, textos de natureza repre-
Sobre a mesa, cigarros e copos vazios.
sentativa. Observe os textos a seguir:
b. Acima de: posição superativa de um objeto em rela- Texto 1
ção ao ponto de referência (não tem contato).
Um cordeiro estava desfrutando da água pura de um córrego.
Acima das cabeças, pairavam no céu dois grandes
Surgiu um lobo faminto, em busca de aventura.
pássaros metálicos. – És tão ousado a ponto de perturbar a minha bebida?
Diz o animal cheio de raiva. – Serás punido por sua
c. Em cima de: posição superativa de um objeto em rela- temeridade.
ção ao ponto de referência (tem contato). – Senhor, respondeu o cordeiro, vossa majestade não pre-
Em cima da viatura, uma sirene endoidecida metralha- cisa se zangar. Veja que estou apenas me refrescando neste
va os ouvidos que por lá passavam. córrego e a mais de vinte passos distante, portanto, não posso
atrapalhar vossa bebida.
d. De cima de: visão para baixo a partir de um ponto de – Tu a atrapalhas, disse a fera cruel. Sei que falaste mal de
referência elevado. mim no ano passado.
De cima dos andaimes, José contemplava a selva de – Como o faria se não era nascido? Respondeu o cordeiro.
prédios como uma criança. Ainda estou sendo amamentado.
– Se não foste tu, então foi teu irmão.
e. Sob, por baixo de: posição inferativa de um objeto em – Não tenho nenhum.
relação a um ponto de referência (pode haver contato – Então foi qualquer um de vós, porque nunca me poupam.
ou não). Vós, vossos pastores e cães e foi-me dito que devo me vingar.
Sob o viaduto colorido, caminhões angustiados des-
filavam suas mercadorias; os mais altos procuravam
temeridade: coragem imprudente e presunçosa; ousadia
outras passarelas.

118 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 5 Categorias de mundo e temas e figuras

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP5_LA.INDD / 16-09-2020 (20:21) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL


Com isso, o lobo vence.
E nas profundezas da floresta come o cordeiro, sem mais demora.
Jean de La Fontaine. “Le Loup et l’agneau”. Fables, livre I (1668). Tradução de Carlos Eduardo de Freitas.

Moral: a razão do mais forte é sempre a melhor.


Texto 2
Em certas discussões, a força argumentativa de um dos interlocutores esbarra na ignorância do outro. Parece que o discurso
persuasivo torna-se ineficaz diante da brutalidade. A força prevalece diante da razão!
Monteiro Lobato.

Texto 3

Gustave Courbet/Wikipedia
Fig. 6 Gustave Coubert. Mulheres peneirando trigo. Museu de Belas Artes de Nantes, Nantes, França.

Texto 4
Os realistas, sob o comando de Gustave Coubert, reagem ao convencionalismo neoclássico e à emoção dos românticos.
Negam a imaginação. A pintura é uma arte objetiva, destinada a fixar as coisas existentes, não as imaginadas. O pintor representa
somente aquilo que vê.
Disponível em: <http://taislc.blogspot.com/2010_01_27_archive.html>.

Os textos 1 e 3 são figurativos, predominam as categorias concretas, elementos do mundo natural, possuem função
representativa, como esquematiza a tabela:
Texto 1 Texto 3
mulher de costas em primeiro
plano
lobo
mulher deitada
cordeiro
menino
córrego
utensílios do quarto
água
o próprio quarto
o trigo
percurso figurativo
percurso figurativo

Os textos 2 e 4 são temáticos, predominam as categorias abstratas, possuem função interpretativa. Observe a tabela:

Texto 2 Texto 4

discussões
convencionalismo
ignorância
emocionalismo
brutalidade
imaginação
razão

percurso temático
percurso temático
FRENTE ÚNICA

Os textos 1 e 3 falam por meio de figuras; os textos 2 e 4, por meio de temas. Os textos 1 e 3 são mais subjetivos; os
textos 2 e 4 são mais objetivos, diretos.

119

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A tematização A oposição
O tema de um texto está diretamente ligado à reitera- Diversão Violência
ção de determinadas figuras, no caso dos textos figurativos,
Imagem da bola Imagem da faca
ou à reiteração de determinadas categorias abstratas, no
caso dos textos temáticos (ou as duas coisas nos textos Futebol Mata
mistos). No texto 2, por exemplo, os abstratos “brutalidade”
e “ignorância” constituem o percurso temático da violên- Expressões idiomáticas e provérbios
cia, da irracionalidade. Essa reiteração possibilitará ainda As expressões idiomáticas e provérbios possuem a
a descoberta da oposição que subjaz ao texto. Nos textos função de traduzir uma sabedoria popular; a maioria deles
a seguir, faz-se um levantamento de temas e figuras, agru- vale-se de substantivos concretos e são predominante-
pando-os por oposição. mente figurativos. Além de figurativos, expressam-se em
linguagem conotativa, o que implica a necessidade de inter-
Exemplo 1
pretá-los de uma forma não literal, abstrata e geral (vale para
O arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, acre- muitos seres). A seguir, há uma lista deles, leia-os e procure
dita que os livros de Paulo Coelho sejam uma espécie de ponto interpretá-los. Discuta com os colegas e professores.
de apoio dos desacreditados na religião. “Eles oferecem um
De boas intenções o inferno está cheio.
mundo espiritualizado para o vazio deixado pelo materialismo
A cavalo dado não se olham os dentes.
da máquina e ensinam a felicidade que cada um busca”, diz
Antes calar que mal falar.
dom Paulo.
Antes causar inveja que dó.
“A conversão do mago”. IstoÉ, 3 ago. 1994. Antes fanhoso que sem nariz.
Boi sonso, chifrada certa.
O texto anterior discute o tema da autoajuda; em mo-
Beleza não se põe à mesa.
mentos de crise, o homem procura desesperadamente
Cada macaco no seu galho.
encontrar saídas. O texto, predominantemente temático, Cão que ladra não morde.
estabelece uma oposição entre o mundo material e o mun- De algodão velho não se faz bom pano.
do espiritual: De graça só relógio trabalha, e assim mesmo quer corda.
De grão em grão a galinha enche o papo.
A oposição Devagar com o andor, que o santo é de barro.
Diz-me com quem andas dir-te-ei quem és.
Espírito Matéria
Dois bicudos não se beijam.
arcebispo
Em boca fechada não entra mosca.
desacreditados Falar sem pensar é atirar sem apontar.
Paulo Coelho
vazio
ponto de apoio Faz mais quem quer do que quem pode.
materialismo
mundo espiritualizado Faça o bem sem olhar a quem.
máquina
felicidade Feio é roubar e não poder carregar.
Galinha que canta é que é a dona dos ovos.
Gato escaldado de água fria tem medo.
Exemplo 2 Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.
Mais vale um cachorro amigo do que um amigo cachorro.
WILLIAN R. CRESPO

Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar.


Mãos frias, coração quente.
Nem tudo que reluz é ouro.
Ninguém toca flauta e chupa cana ao mesmo tempo.
Não se amarra cachorro com linguiça.
O castigo anda a cavalo.
Olho por olho, dente por dente.
Fig. 7 Tematização. Onde há fumaça, há fogo.
Onde o ouro fala, tudo cala.
O texto publicitário discute o tema da violência nos Palavras não enchem barriga.
estádios de futebol. Para isso, a enunciação constrói a opo- Para bom entendedor, meia palavra basta.
sição diversão (que pressupõe a paz) e violência. Quem não tem cão caça com gato.

120 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 5 Categorias de mundo e temas e figuras

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Revisando
Textos para as questões de 1 a 3. Mas o Brasil, no IDH da ONU, ficou em 70º entre os
Texto 1 70 países da elite e, mesmo assim, o presidente Lula se
acha abençoado por Deus.
PRIMEIRO/ULISSES Clóvis Rossi. Folha de S.Paulo, 29 nov. 2007. Disponível em:
O mito é o nada que é tudo. <www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2911200703.htm>.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo – 1 Por que o autor, no texto 2, emprega as aspas em
O corpo morto de Deus, “qualificar” do ponto de vista argumentativo?
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou, 
Foi por não ser existindo, 
Sem existir nos bastou,
Por não ter vindo foi vindo 2 Aponte, no texto 2, duas marcas de subjetividade; cite
E nos criou.
as passagens do texto que comprovem tais marcas.
Assim a lenda se escorre 
A entrar na realidade, 
E a fecundá-la decorre. 
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
Fernando Pessoa. Mensagem. Brasília: Thesaurus, 2006. p. 83.
3 Uma das características do texto subjetivo é o em-
prego de linguagem conotativa; retire do texto 1 uma
Texto 2 passagem em que se nota um paradoxo.
Exaltação da mediocridade 
Nunca antes neste país se fez tamanha 
exaltação da mediocridade. 
SÃO PAULO – Fernando Haddad, o ministro da Edu-
cação, telefona para dizer que jamais afirmou que “nunca” Texto para a questão 4.
a escola pública será tão boa quanto a particular. O que CPI dos cartões rejeita convocar Dilma.
ele disse é que, “enquanto a escola pública não se qua- Folha de S.Paulo, 27 mar. 2008.
lificar”, quem pode pagar põe o filho na escola privada,
que acaba tendo melhores resultados.
4 Levando em conta que o fato anunciado na manche-
Feita a correção, tenho que repetir o que já disse a
te principal ocorreu no dia anterior ao momento da
ele e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em breve
leitura, explique a embreagem temporal usada pela
diálogo trilateral em Londres: está levando tempo demais
para “qualificar” a escola pública. Na verdade, requalifi- enunciação do jornal na forma verbal “rejeita”.
car, porque sou filho da escola pública e, no meu tempo, 
a excelência era dela, não do ensino privado. 
Por falar nisso, o caminho para a “qualificação” está 
longe de ser o insinuado pelo prefeito Gilberto Kassab,

qual seja, dar um prêmio aos professores que não fal-
tem ou faltem menos. Não é sério premiar quem apenas 
cumpre a sua obrigação primária que é a de comparecer 
ao local de trabalho. Se os professores faltam porque o
salário e as condições de trabalho são inadequadas, que
5 Em “Saiba quais são os 23 cursos de direito do país
se corrijam as inadequações. E se puna quem não cumpre
em que o MEC pretende cortar vagas”, temos um efei-
sua obrigação.
to de aproximação. Explique.
O educador Tião Rocha, empreendedor social 2007,
diz que a escola dos sonhos dele, que deveria ser o sonho 
de todos, é a que faz o aluno desejar frequentá-la também 
aos sábados e domingos. Premiar professores que não que- 
rem frequentá-la com assiduidade nem de segunda a sexta 
FRENTE ÚNICA

é premiar a mediocridade. Por falar em mediocridade, os



torcedores do América de Natal deveriam considerar-se
“abençoados por Deus”. É verdade que ficaram em 20º 
lugar entre os 20 clubes da elite do futebol brasileiro. 

121

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Texto para a questão 6. O que faz com que o quadro de Munch seja consi-
derado figurativo do ponto de vista da classificação
O “ele” que é “eu” e o “eu” que é “ele”
“temático ou figurativo”?
Algumas suposições sobre o curioso hábito de falar 
de si próprio na terceira pessoa

O governador eleito do Rio de Janeiro se chama de 
Garotinho. Não, não se está dizendo que ele se chama
Garotinho. Isso já seria suficientemente bizarro, mas é

fato tão bem conhecido que não mais se estranha. Ele se
chama de Garotinho, vale dizer, quando se está referindo 8 Veja a informação dada a seguir.
a si próprio, usa a terceira pessoa. Diz: “O Garotinho vai
cumprir suas promessas”, “O Garotinho tem o melhor pro- Munch pintou em suas telas mulheres sofridas em
grama de segurança para o Rio”, “O Garotinho não aprova função de paixões malevolentes como o ciúme, o de-
o modelo econômico em vigor”. É como se ele estivesse sespero, a obsessão pela morte, a melancolia.
falando não de si mesmo, mas de outro. É um curioso
hábito, esse. Revelaria quem sabe uma expansão do ego, Levando em conta o que se diz nesse período, procure
de forma a localizá-lo não apenas dentro da pessoa, mas
identificar o tema do quadro Weeping Nude, de Munch.
projetá-lo para fora. Ou, ao contrário, revelaria uma tal
retração do ego que a pessoa o projetaria para fora pelo 
motivo de não suportá-lo, dentro? 
[...] 
Roberto Pompeu de Toledo. Veja, 4 nov. 1998. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/041198/p_154.html>.


6 Quais as duas interpretações de “Ele se chama de Ga- Texto para a questão 9.


rotinho”? Em qual delas há a embreagem? O visiotário

Lâmpada, não esquente.
 Da parede saiu um braço magro de mulher.
 Era pálido e tinha veias azuis.
 Os dedos estavam carregados de preciosos anéis.
Quando beijei a mão, assustei-me:

Estava viva e quente.
 Arranhou-me o rosto.
 Peguei uma faca de cozinha e cortei algumas veias.
Um grande gato lambeu graciosamente o sangue do
chão.
7 O quadro a seguir é de Munch, pintor expressionista:
Entretanto um homem de cabelos arrepiados subiu
Por um cabo da vassoura encostado à parede.
Jacob van Hoddis. “O visiotário”. In: Poesia expressionista alemã:
uma antologia. Tradução de Claudia Cavalcanti (Org.). São Paulo:
Estação Liberdade, 2000.

9 Jakob Van Hoddis é poeta expressionista alemão e


pertence à mesma corrente estética de Munch. Ex-
traia do poema de Hoddis uma seleção lexical (um
percurso figurativo e/ou temático) que esteja em con-
cordância com a visão pessimista da escola alemã
(cite sete vocábulos).




Edvard Munch. Weeping Nude. 1913. Óleo sobre tela. Museu Munch, Oslo, Noruega. 

122 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 5 Categorias de mundo e temas e figuras

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Texto para as questões 10 e 11. 10 Como deve ser interpretada a existência de animais
que falam? Que figura de linguagem temos?
A Lebre e a Tartaruga

A lebre estava se vangloriando de sua rapidez, perante

os outros animais:

– Nunca perco de ninguém. Desafio a todos aqui a
tomarem parte numa corrida comigo.
– Aceito o desafio! Disse a tartaruga calmamente. 11 Que lição de moral a fábula nos traz?
– Isto parece brincadeira. Poderia dançar à sua volta, 
por todo o caminho, respondeu a lebre. 
– Guarde sua presunção até ver quem ganha, reco-

mendou a tartaruga.
A um sinal dado pelos outros animais, as duas par-
tiram. A lebre saiu a toda velocidade. Mais adiante, para 12 Interprete os provérbios a seguir.
demonstrar seu desprezo pela rival, deitou-se e tirou uma a) Águas passadas não movem moinhos.
soneca. 
A tartaruga continuou avançando, com muita per- 
severança. Quando a lebre acordou, viu-a já pertinho
b) Cutucar a onça com vara curta.
do ponto final e não teve tempo de correr, para chegar
primeiro. 
Esopo. 

Exercícios propostos
1 ITA Assinale a opção em que a manchete de jornal Alguns, chumbados, morreram.
está mais em acordo com os cânones da “objetivida- O morro ficou mais encantado.
de jornalística”:
a O mestre do samba volta em grande forma. Mas as vozes do morro
O Estado de S. Paulo, 17 jul. 1999. não são propriamente lúgubres.
Há mesmo um cavaquinho bem afinado
b O pior do sertão na festa dos 500 anos.
que domina os ruídos da pedra e da folhagem
O Estado de S. Paulo, 17 jul. 1999.
e desce até nós, modesto e recreativo,
c Proteína direciona células no cérebro. como uma gentileza do morro.
Folha de S.Paulo, 24 jul. 1999. (Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012, p.19.)
d A farra dos juros saiu mais cara que a da casa própria.
Folha de S.Paulo, 13 jun. 1999.
2 Unicamp 2016 No poema “Morro da Babilônia”, de Car-
e Dono de telas “falsas” diz existir “armação”. los Drummond de Andrade,
O Estado de S. Paulo, 21 jul. 1999. a a menção à cidade do Rio de Janeiro é feita de
modo indireto, metonimicamente, pela referência
Texto para a questão 2. ao Morro da Babilônia.
Morro da Babilônia b o sentimento do mundo é representado pela per-
cepção particular sobre a cidade do Rio de Janeiro,
À noite, do morro aludida pela metáfora do Morro da Babilônia.
descem vozes que criam o terror
c o tratamento dado ao Morro da Babilônia asse-
(terror urbano, cinquenta por cento de cinema,
melha-se ao que é dado a uma pessoa, o que
e o resto que veio de Luanda ou se perdeu na língua
Geral). caracteriza a figura de estilo denominada parono-
másia.
Quando houve revolução, os soldados d a referência ao Morro da Babilônia produz, no per-
espalharam no morro, curso figurativo do poema, um oxímoro: a relação
o quartel pegou fogo, eles não voltaram. entre terror e gentileza no espaço urbano.
FRENTE ÚNICA

123

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3 Indique no texto a seguir a palavra que cria um efeito em “A inconstância da alma selvagem”: os tupinambás
de subjetividade: jamais do que lhes era essencial, a guerra.
Advém daí o genocídio negro: desde 1982 até 2014
Em busca do exótico, os fotógrafos alemães produzi- foram 1,2 milhões de negros mortos pela polícia nas peri-
ram um significativo retrato da paisagem nacional. ferias, dados da Anistia Internacional. O negro de hoje é o
escravizado de ontem e o corpo reificado de anteontem.
4 Indique as marcas de objetividade no texto a seguir. Na imprensa de hoje, a morte de um jovem branco
Um dos mecanismos usados pelos países para obter de classe média suscita debates em torno da violência,
dinheiro emprestado é a emissão de certificados no mer- ao passo que a morte de um negro é mais uma estatística.
cado externo que representam a dívida. Do mesmo modo que a violência contra a mulher é
Folha de S.Paulo.
naturalizada e contra a mulher negra duas vezes mais,
pois aprendemos com a “globeleza” que o corpo negro
feminino é o veículo do pecado e que o corpo feminino
5 Explique os efeitos de subjetividade no texto a seguir. deve ser submetido à vontade do corpo masculino,
Eu ia escrever um artigo sobre o atual canibalismo estando apto desde sempre a servi-lo.
político no Brasil, sobre o campeonato de denúncias para Advém daí o genocídio indígena, ainda em curso.
saber quem é mais ladrão... Ruralistas e posseiros o fazem à luz do dia no Norte e
Arnaldo Jabor, Folha de S.Paulo, 6 mar. 2001. Centro-Oeste do país. A imprensa fala pouco, o silêncio
cemiterial em torno do tema é um crime confesso, típico
Texto para as questões 6 e 7. de quem consente porque se cala. Advém daí a corrupção,
COMPREENDER O BRASIL É DIFÍCIL, pois, no processo colonizatório, legitimou-se a prática
MAS NÃO IMPOSSÍVEL de que tudo tem seu preço, quando até mesmo o corpo
do outro poderia ser negociado, outrora o escravizado,
Ouvimos muitos comentários de analistas sociais e tempos depois o trabalhador fabril, hoje qualquer alma
também do senso comum (sobretudo) de que o grande vulnerável ao consumismo em busca de status.
mal do Brasil é o “jeitinho brasileiro”, que é atrelado Resumo da ópera: a corrupção é um subciclo de dois
à corrupção. Pois bem, a observação não é de todo erra- ciclos maiores: genocídio e escravidão. Por isso esses dois
da, mas esconde outro truísmo aparente. Os males do Brasil temas interessam a todos os brasileiros. Enquanto não en-
enquanto nação e enquanto Estado assentam-se em dois cararmos isso, não avançaremos como povo ou como nação.
pilares: o genocídio indígena e a escravidão africana. Victor Martins. Disponível em: http://www.circulopalmarino.org.br/2016/05/
Advém daí o machismo e a cultura do estupro: as compreender-o-brasil-e-dificil-mas-nao-impossivel.
índias foram as primeiras a serem violentadas pelo co- Acesso em: 14/07/16. Adaptado.

lonizador europeu, o que acabou naturalizando essa


abominável prática de invasão do corpo do outro, tem- 6 UPE 2017 Do ponto de vista temático, o Texto se cons-
pos depois aplicando-se o mesmo “método” no corpo da trói tendo como foco a abordagem
mulher negra e da mulher branca. Os escravocratas, em a das maléficas consequências da corrupção para a
uma sociedade patriarcal, tornaram legítima também a imagem do Brasil.
decisão sobre o corpo da mulher, inclusive da sua esposa: b do senso comum de que o grande mal do nosso
bela, recatada e do lar, e da sua ama de leite (a mãe preta), país é o jeitinho brasileiro.
cujo leite afro acalentava seu filho branco. c do preconceito generalizado que marcou o pro-
Advém daí o racismo: o colonizador branco, com a cesso colonizatório brasileiro.
chancela da religião cristã e da ciência, arrogou para si d do forte potencial que tem o Brasil para avançar
a superioridade racial branca, em detrimento do negro,
como povo ou como nação.
do indígena e do asiático. Nem o questionável 13 de
e das causas históricas que explicam as principais
maio nem o estado democrático de direito superou isso.
mazelas do nosso país.
Isso é reproduzido hoje em nível societário. Quem mais
morre nas periferias das cidades brasileiras são negros.
Alguém cantou num passado recente “todo camburão tem 7 UPE 2017 Quanto aos aspectos semânticos do voca-
um pouco de navio negreiro”. bulário empregado no Texto, assinale a alternativa
Advém daí o paternalismo: transplantamos para nossas que identifica CORRETAMENTE o efeito de sentido
relações humanas as antigas relações típicas de senhor escra- obtido com o uso do termo destacado.
vo, não na acepção nietzschiana (moral do senhor/moral a “(...) a observação esconde outro truísmo”, isto é,
do escravo), mas na acepção eugênica herdada do dar- ‘esconde outra obviedade’.
winismo social de Spencer, que hierarquizou as raças, b “(...) não na acepção nietzschiana”, ou seja, ‘não na
estando essas associadas ao processo civilizatório de
filosofia nietzschiana’.
aculturação do indígena, método descrito de forma pri-
c “(...) mas na acepção eugênica”, quer dizer, ‘mas na
morosa por Alfredo Bosi em “As flechas do Sagrado”. Os
jesuítas arrogaram para si a responsabilidade por “cuidar acepção helênica’.
do indígena”, inculcando no colonizado a dependência d “Os jesuítas arrogaram”, ou seja, ‘Os jesuítas negli-
contínua na esteira da “benevolência” mal intencionada. genciaram’.
Mal sabiam os colonizadores que as etnias também ne- e “o corpo reificado de anteontem”, isto é, ‘o corpo
gociavam, como enunciou Eduardo Viveiros de Castro reverenciado de anteontem.’.

124 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 5 Categorias de mundo e temas e figuras

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8 Explique os efeitos de subjetividade no texto a seguir, c convidar os interlocutores a discutir, de forma aber-
citando a passagem mais significativa. ta, os atos de racismo que ainda acontecem em
relação a muitos profissionais da área de saúde.
Uns dizem que tenho mais tendência para a comédia,
como se me acusassem de não ser densa. Agora você me
d revelar à população como as segregações sociais
diz que eu não sou comediante. Nunca vão chegar a uma ou as discriminações raciais comprometem a saú-
conclusão. Acho que sou tragicômica. de de muitas pessoas.
Fernanda Montenegro. e incentivar a população a denunciar qualquer situa-
ção que envolva discriminação racial nas unidades
9 Modifique o texto a seguir, tornando-o mais objetivo; da rede de saúde.
utilize a partícula apassivadora ou o índice de indeter-
minação do sujeito. 12 Quanto à aspectualidade, os marcadores temporais
em itálico manifestam, respectivamente:
Acho que é um baita de um cachorro. Deve ter, acre-
I. Repentinamente, o bandido sacou a arma.
dito, uns dois anos, se não estiver enganado.
II. Falava habitualmente do avô falecido.
III. Primeiramente, entre e sente.
10 Unicamp Uma revista semanal brasileira traz a seguin-
te nota em sua seção “A Semana”.
a uma ação pontual, um processo durativo iterativo,
O homem das bexigas um processo incoativo.
O britânico Ian Ashpole bateu no domingo 28 o re-
b uma ação terminativa, uma ação pontual, um pro-
corde de altitude em voo com bexigas: subiu 3.350 metros cesso incoativo.
amarrado a 600 balões, superando sua marca de 3 mil me- c um processo durativo contínuo, uma ação termina-
tros. Ian subiu de bexiga e voltou de para quedas. “Quando tiva, um processo durativo iterativo.
eu era criança, assisti a um filme chamado Balão Vermelho. d uma ação pontual, um processo durativo con­tínuo,
Desde então me apaixonei por esse esporte”, disse ele. uma ação pontual.
IstoÉ, 7 nov. 2001. e um processo incoativo, uma ação pontual, um pro-
cesso durativo iterativo.
a) O título poderia ser considerado ambíguo, dado
que a palavra “bexiga” tem vários sentidos em
português. Cite pelo menos dois desses sentidos. 13 Leia a frase a seguir.
b) Em que passagem do texto se desfaz a ambigui- Gradualmente ele convencia os alunos de que o co-
dade do título? nhecimento exige paciência.
c) Dada a modalidade esportiva que Ian pratica, qual
poderia ser o tema do filme mencionado? O marcador temporal em destaque indica um processo:
a incoativo. d terminativo.
Texto para a questão 11. b durativo iterativo. e pontual.
c durativo contínuo.

14 Por ocasião do governo Collor, a Folha de S.Paulo di-


vulgou várias reportagens a respeito dos bastidores
políticos da época. Eis um trecho de uma das notícias:
Existe aí uma pergunta capaz de tirar o sono de muita
gente. Quando PC resolver abrir a boca, as instituições
resistiriam?
Folha de S.Paulo, 26 out. 1993.

Quanto à colocação das formas verbais “resolver” e


NÃO FIQUE em silêncio. Disponível em: <http://imagem.vermelho.org.br/
biblioteca/2911_ ms71615.jpg>. Acesso em: 20 ago. 2015.
“resistiriam”, só é correto afirmar que:
a trata-se de um erro grave do jornal, pois o correto
seria “resistirão”.
11 EBMSP 2016 A campanha institucional em destaque,
em sua frase de impacto “Não fique em silêncio”, traz b houve um cochilo do redator, que deveria em-
a desconstrução de um discurso formal e tradicional, pregar a forma “resolvesse” para que houvesse
próprio do ambiente hospitalar, gerando um novo paralelismo com “resistiriam”.
contexto temático, que se propõe a c o uso do futuro do pretérito em “resistiriam” é inad-
a refletir sobre a importância do silêncio para a res- missível, pois há certeza em torno dos fatos.
d trata-se de emprego metafórico dos tempos verbais,
FRENTE ÚNICA

tituição da saúde dos indivíduos que estão em


recuperação nos hospitais das redes públicas. “resistiriam” substitui “resistirão” para que o enuncia-
b revisitar a antiga ideologia de que os ambientes dor marque a dúvida em relação aos fatos.
médicos precisam de silêncio absoluto, distancian- e houve quebra do paralelismo verbal, o que acarre-
do os pacientes de uma dinâmica mais social. ta falta de clareza.

125

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Texto para a questão 15. mais raramente, lembrava de novo a galinha que se re-
cortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar.
O artigo a seguir foi extraído da revista Galileu de fe- Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da
vereiro de 2007. Leia-o atentamente. cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não canta-
ria, mas ficaria muito mais contente. Embora nem nesses
Estimativas recentes falam que até 6% dos ho- instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na
mens e 10% das mulheres sofrem de algum tipo de fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho –
distúrbio mental, em sua maioria, depressão; en- era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada
tre 10% e 20% das crianças sofrem de alguma no começo dos séculos.
doença mental ou distúrbio de comportamento e a Até que um dia mataram-na, comeram-na e passa-
expectativa é de que esses números cresçam exponen- ram-se anos.
cialmente. Estima-se que em 2020 esses distúrbios sejam LISPECTOR, Clarice. Uma galinha. Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco,
a segunda causa de afastamento por invalidez. Em resu- 1998, p. 30. Disponível em: <http://www.releituras.com/clispector_galinha.
mo, estamos todos ficando loucos. A hipótese é de que asp>. Acesso em: 20 set. 2016. Adaptado.

essa “loucura generalizada” impossibilitaria a tomada de


decisões e levaria a população à morte, até à extinção. 16 EBMSP 2017 No fragmento adaptado do conto “A gali-
“Bizarro”. Galileu, edição 187, fevereiro 2007. nha”, de Clarice Lispector, o elemento figurativo “ovo”
torna-se marco importante na narrativa, pois
15 Em relação ao texto lido: a traz para aquele grupo familiar o valor dessa ave
I. A linguagem é altamente objetiva, a enunciação doméstica, uma vez que ela viva poderia continuar
não se mostra, cria-se um distanciamento, o que dando alimento para todos.
dá ao texto um caráter científico. b é um momento de epifania para a menina, que perce-
II. A enunciação emprega, em alguns momentos, a be o quanto o animal poderia transformar a realidade
linguagem subjetiva para dar mais precisão aos de sua vida, atribuindo-lhe outro significado.
fatos, é o caso de “Em resumo, estamos todos fi- c se caracteriza como a simbologia de uma nova
cando loucos”. existência, contribuindo para tornar o viver de sua
III. O emprego da palavra “se” em “Estima-se”, o espécie ainda mais insignificante.
uso da terceira pessoa (efeito de aproximação) d se constitui como um elemento fundamental para
e a utilização de dados estatísticos (o argumen- a mudança da percepção da galinha pela família,
to prova-concreta) são marcas de objetividade na passando aquela a ter, por algum tempo, uma nova
linguagem. condição existencial.
e se transforma no acontecimento revelador para a
Está(ão) correta(s): própria ovípara, que nota a sua incapacidade de
a apenas I e III. reagir, mediante a crença de que nasceu para ali-
b apenas I e II. mentar o ser humano.
c apenas II.
d apenas III. 17 Dê o significado dos provérbios populares, transfor-
e nenhuma. mando o figurativo em temático.
a) “Rapadura é doce, mas não é mole não.”
Texto para a questão 16. b) “Calça de veludo ou bunda de fora.”
c) “Da casa grande para a senzala.”
Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não
d) “Nada como sobretudo em matéria de entretanto.”
passava de nove horas da manhã. Foi, pois, uma surpresa
e) “Em festa de nhambu, jacu não pia.”
quando a viram abrir as asas de curto voo, inchar o peito f) “Quem nasceu para vintém não chega a dez réis.”
e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. g) “Sabão em cabeça de burro velho não espuma.”
Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua h) “Puxa de leve, senão arranca.”
fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa. i) “Se dois aleijados tentam se ajudar, os dois caem
Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das no buraco.”
telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. j) “Não vá ao sapateiro além dos cordões.”
Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e k) “Um asno coça o outro.”
indecisos. Foi então que aconteceu. De pura afobação a
galinha pôs um ovo. Só a menina estava perto e assistiu a O texto a seguir refere-se às questões de 18 a 20.
tudo estarrecida. Mal, porém, conseguiu desvencilhar-se
do acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos: Profissão de fé
— Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs Não quero o Zeus capitolino
um ovo! Ela quer o nosso bem! Hercúleo e belo,
Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha Talhar no mármore divino
passou a morar com a família. Uma vez ou outra, sempre Com o carmatelo.

126 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 5 Categorias de mundo e temas e figuras

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Que outro – não eu! – a pedra corte O texto a seguir refere-se às questões de 22 a 24.
Para, brutal,
Erguer de Atena o altivo porte Certa vez uma família inglesa foi passar as férias na
Descomunal. Alemanha. No decorrer de um passeio, as pessoas da fa-
mília viram uma casa de campo que lhes pareceu boa para
Mais que esse vulto extraordinário, passar as férias de verão. Foram falar com o proprietário
Que assombra a vista, da casa, um pastor alemão, e combinaram alugá-la no
Seduz-me um leve relicário verão seguinte.
De fino artista. De volta à Inglaterra discutiram muito acerca da plan-
Invejo o ourives quando escrevo:
ta da casa. De repente a senhora lembrou-se de não ter
Imito o amor
visto o W.C. Conforme o sentido prático dos ingleses, es-
Com que ele, em ouro, o alto relevo
creveu imediatamente para confirmar tal detalhe. A carta
Faz de uma flor.
foi escrita assim:
Imito-o E, pois, nem de Carrara Gentil Pastor.
A pedra firo: Sou membro da família inglesa que o visitou há pouco
O alvo cristal, a pedra rara, com a finalidade de alugar sua propriedade no próximo
O ônix prefiro. verão. Como esquecemos um detalhe muito importante,
agradeceria se nos informasse onde se encontra o W.C.
Por isso, corre, por servir-me, O pastor alemão não compreendendo o significado da
Sobre o papel abreviatura W.C. e julgando tratar-se da capela da religião
A pena, como em prata firme inglesa White Chapel, respondeu nos seguintes termos:
Corre o cinzel. Gentil senhora.
[...] Tenho prazer de comunicar-lhe que o local de seu inte-
Olavo Bilac. Poesias. 27 ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1961. p. 5. resse fica a 12 km da casa. É muito cômoda, sobretudo se se
tem o hábito de ir lá frequentemente; nesse caso, é preferível
18 Cite as palavras que compõem o percurso figurativo levar comida para passar lá o dia inteiro. Alguns vão a pé,
da escultura. outros de bicicleta. Há lugar para quatrocentas pessoas sen-
tadas e cem em pé; recomenda-se chegar cedo para arrumar
19 Cite as palavras que compõem o percurso figurativo lugar sentado, pois os assentos são de veludo. As crianças
da ourivesaria. sentam-se ao lado dos adultos e todos cantam em coro.
Na entrada é distribuída uma folha de papel para cada um;
20 Cite o percurso figurativo do fazer poético. no entanto, se chegar depois da distribuição, pode-se usar a
folha do vizinho ao lado. Tal folha deve ser restituída à saída
No livro A cabra vadia: novas confissões, Nelson Ro- para poder ser usada durante um mês. Existem ampliadores
drigues inicia a crônica “Os dois namorados” com a de som. Tudo o que se recolhe é para as crianças pobres da
seguinte afirmação: região. Fotógrafos especiais tiram fotografias para os jornais
“há coisas que um grã-fino só confessa num terreno da cidade a fim de que todos possam ver seus semelhantes
baldio, à luz de archotes, e na presença apenas de uma no desempenho de um dever tão humano.
cabra vadia.” Autor desconhecido. In: José Luiz Fiorin. Elementos de análise do discurso.
13 ed. São Paulo: Contexto, 2005. p. 114.
Na crônica “Terreno baldio” ele recorre ao mesmo ani-
mal para explicar a ideia que teve de criar “entrevistas
imaginárias”: 22 Quais são os percursos figurativos envolvidos no texto?
“Não podia ser um gabinete, nem uma sala. Lem-
brei-me, então, do terreno baldio. Eu e o entrevistado e, 23 Que palavra faz a conexão entre os dois percursos?
no máximo, uma cabra vadia. Além do valor plástico da
figura, a cabra não trai. Realmente, nunca se viu uma cabra 24 O que motivou a ambiguidade do ponto de vista da
sair por aí fazendo inconfidências.” teoria da comunicação?
(Nelson Rodrigues, A cabra vadia: novas confissões. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2016, p. 52 e160.)
O texto a seguir, pertencente ao filme O grande ditador,
de Charles Chaplin, refere-se às questões de 25 a 28.
21 Unicamp 2020 O caráter confessional associado à figu-
ra da cabra nas crônicas tem relação com Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos
a a veracidade dos depoimentos que o cronista tes- enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abun-
temunha nas entrevistas. dância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos
b a impostura dos contemporâneos que são objeto fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos
dos comentários do cronista. e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.
FRENTE ÚNICA

c a antipatia do jornalista no que diz respeito à busca Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais
de identidade dos artistas entrevistados. do que inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem
d a sinceridade dos intelectuais que são objeto das essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
crônicas dos jornalistas. Charles Chaplin. “O último discurso”. O grande ditador.

127

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25 Qual é o tema de que trata o texto? 29 Procure explicar o motivo pelo qual o escorpião ma-
tou o sapo.
26 Que tipo de oposição o texto trabalha?
30 Que temática o texto aborda?
27 Relacione os substantivos do texto em dois grupos de
acordo com a oposição que você estabeleceu na ques-
31 O texto é predominantemente figurativo ou temático?
tão anterior.
Texto para a questão 32.
28 O texto é predominantemente temático ou figurativo?
Justifique. Prometo construir hospitais
Lego: o candidato da maioria das crianças.
O texto a seguir refere-se às questões de 29 a 31.
(Observação: o final da fábula foi excluído propositalmente)
32 Considere as seguintes afirmações:
O escorpião estava à beira do rio, quando a mata
I. O texto utiliza dois universos de conhecimento: o
começou a pegar fogo. Acuado pela chama, pediu ajuda
da política e o da criança.
ao sapo, que estava preparando-se para saltar; o escorpião
argumentou que se o sapo não o levasse nas costas para II. Embora seja uma publicidade, a linguagem em-
o outro lado do rio, morreria, pois não sabia nadar. O pregada no texto é literal.
sapo, então, disse: III. O “eu” implícito no enunciado refere-se à criança,
– Isso eu não faço de jeito nenhum, você vai me dar mas também pode remeter à figura do político e
uma ferroada... ao próprio Lego.
– Se eu lhe der uma ferroada, eu também morrerei!
O sapo pensou bem e resolveu ajudar o escorpião;
Está(ão) correta(s):
no meio do rio, o escorpião aplica uma ferroada no sapo;
a apenas I.
este, já sentindo a ação do veneno, diz:
– Só gostaria de saber os motivos que o levaram a b apenas II.
me matar? c apenas I e III.
O escorpião responde... d apenas II e III.
La Fontaine. “O sapo e o escorpião”. (Adapt.). e todas.

Texto complementar
Cadáver boiava na piscina
Fuzilado primo de cartola tricolor
Estas são as manchetes, colhidas aleatoriamente, do jornal NP do dia 1° de março de 1999. A malícia, aliada do riso,
pressupõe, como já ressaltamos, um distanciamento emocional da enunciação em relação ao enunciado. Então, onde se julga
ver morbidez, desponta o tom malicioso de voz, ao construir a tragédia cotidiana do outro, que também é a de si próprio.
O estado da malícia, nesse caso, passa a constituir-se em meio auxiliar para que o sujeito se mantenha intensamente con-
junto com o objeto desejado, a satisfação das necessidades primárias, objeto discursivizado na afirmação da sobrevivência
emocional e física. O ator malicioso pauta-se, aqui, pela imagem dada por um poder-ser, um saber-ser, um querer-ser, um
dever-ser, à revelia, ou por insubordinação, frente às próprias desgraças. Nesse caso, opõe-se a malícia ao temor, em que há
“uma espera, modalizada ao mesmo tempo e de modo conflitual pelo poder-ser (a eventualidade) e pelo querer-não-ser (a
recusa)”, como dizem Greirnas e Fontanille* (1993: 193). Firmam-se os papéis do ator da enunciação, que não pode e não
deve querer-ser temeroso. Isso, paradoxalmente, por meio de um narrador que submete, aos gritos, o narratário, para que
este possa “engolir sem mastigar” as notícias.
Confirmamos que o estilo de um jornal definitivamente não pode ser buscado apenas em fenômenos pontuais da ex-
pressão ou em desvios, com suposto significado “subjetivo” e “subjetivizador”, em relação a suposta norma. Imaginando que
se acrescentariam tais desvios à suposta norma zero, “despida de estilo”, porque também supostamente despida de figuras
de linguagem, de efeitos especiais e literários, de apelos estéticos, enfim, não encontraríamos estilo em NP, ou em jornal
nenhum. Não. O estilo é uma determinada artimanha discursiva reiterada, definível num único enunciado totalizador, sendo
este enunciado a abstração da sequência de muitos enunciados, como temos visto.
Ficando com a artimanha, voltemos à primeira página de NP, que aprisiona o leitor na fluência anárquica de emoções.
Cristalizam-se, aí, competências Iinguísticas e enciclopédicas de um leitor que, quanto mais evocado, menos se constitui num
coenunciador, se considerarmos que lhe é dado interagir com um sentido mais “acabado”, ou com um texto menos pontilhado
de lacunas a preencher. O inverso é verdadeiro, para os outros jornais. Em NP, uma homogeneidade aparente, verdadeira e
assumida faz emergir um enunciado que, também aparentemente, elimina contradições. Num parecer que se confunde com um
ser, um ator da enunciação, um sujeito semiótico, vai fazendo ser um sentido. Um enunciado, objeto semiótico, por sua vez e

128 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 5 Categorias de mundo e temas e figuras

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concornitantemente, vai fazendo ser um sujeito. Assim vai-se construindo o efeito de estilo, visto como um “gesto semiótico”.**
É bom lembrar que um determinado público-leitor, coletivo e único, é simulacro construído, no caso dos jornais, em um único
exemplar, ou na sequência deles, assim como o é o sujeito enunciador, também sempre coletivo e único, como compete a
esse gênero de discurso, que se alimenta do cotidiano, nascendo e morrendo todo dia com ele. Acontece que o enunciatário
inscrito, tanto no enunciado da Folha, como no do Estado, ou no de NP, constitui-se num sujeito fortemente modalizado
para querer sempre, e sempre mais, aquele e tão somente aquele discurso, o que se desdobra num dever e num poder para
o jornal e para o leitor. O leitor tem, portanto, o direito de encontrar um jornal no qual se reconheça. O jornal sabe disso
e, assumindo as expectativas desse leitor, tem uma performasice adequada. O jornal é vendido, bem sabemos, não pela
frustração do público-alvo. Cumprem-se os objetivos da indústria cultural, nessa dinâmica entre actantes que, transformados
em atores com papéis temáticos e figurativos recorrentes, determinam o efeito de individuação de dois tipos de imprensa, ou
o estilo de cada uma delas. A propósito, esses papéis temáticos e figurativos recorrentes constituem os papéis configurativos
resultantes do estoque de configurações discursivas, sendo próprios de isotopias formadas pela totalidade de discursos.
Norma Discini. O estilo nos textos: história em quadrinhos, mídia, literatura. 2 ed. São Paulo: Contexto: 2004. p. 139-41.

Observação: * Do ponto de vista da produção do discurso, pode-se distinguir o sujeito da enunciação, que é um actante implícito logicamente
pressuposto pelo enunciado, do autor da enunciação: neste último, o ator será, diagamos, “Baudelaire”, enquanto se define pela totalidade de
seus discursos.
A. J. Greimas & J. op. cit., p. 35.

** O sentido, longe de ser recebido ou percebido, é pensado como o fruto de um ato semiótico gerador.
E. Landowski, “Simulacres em construction”, In: Parret H. (Org.), Language, 70, Paris, Larousse, 1983, p. 75.

Resumindo
Categoria pessoa-tempo-espaço
Enunciação Pessoa
yy Instância pressuposta no texto, criada pelo autor, responsável pelas yy Primeira: efeito de aproximação.
operações linguísticas. yy Terceira: efeito de distanciamento.
yy A interlocução (a comunicação entre enunciador e enunciatário).

Subjetividade Objetividade
yy Uso de figuras e/ou. yy Linguagem denotativa.
yy Primeira pessoa e/ou. yy Terceira pessoa.
yy Julgamentos de valor e/ou. yy Não há diálogo com o enunciatário.
yy Comunicação com o enunciatário. yy Não há julgamento de valor.

Embreagem
yy Embreagem: emprego conotativo das pessoas do discurso. Eis algumas possibilidades:
1. terceira pessoa pela primeira do singular. 5. segunda pessoa do singular pela primeira do singular.
2. terceira pessoa pela primeira do plural. 6. primeira pessoa do plural pela segunda do plural.
3. segunda pessoa do plural pela terceira. 7. segunda pessoa do singular pela primeira do plural.
4. primeira pessoa do singular pela segunda do singular. 8. primeira pessoa do singular pela segunda do plural.

Temas e figuras
Os textos podem ser figurativos ou temáticos. mesa, cerveja, homens bebendo constituem o percurso figurativo do bar, o
Na maioria das vezes, os textos são “predominantemente” figurativos ou qual pode tematizar, dependendo do contexto, a boemia e a embriaguez.
temáticos. Percurso temático é o conjunto de termos abstratos que convergem para
Textos figurativos são aqueles que utilizam figuras, elementos verbais ou um mesmo universo semântico (ou tema). Por exemplo: serenidade, con-
visuais que remetem ao mundo natural, como homem, jogar futebol, bar, centração, silêncio, reflexão podem constituir um percurso temático de
frio, azul. Textos temáticos são aqueles que utilizam categorias abstratas, uma seita religiosa.
FRENTE ÚNICA

como amor, rivalidade, violência, paz. Para interpretar um texto figurativo, é preciso passar do concreto para o
Percurso figurativo é o conjunto de figuras que remete a um mesmo uni- abstrato. Quando há vários percursos (figurativos ou temáticos), a interpre-
verso semântico, ou a um mesmo tema. Por exemplo: cadeira, geladeira, tação decorre da relação entre os percursos e de sua abstração.

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Quer saber mais?

Livro Filme
yy ORWELL, George. Revolução dos Bichos. São Paulo: Cia. das Letras, 2007. yy Nosferatu. Direção: Werner Herzog. Classificação indicativa: 10 anos.
Fábula sobre o poder, o livro narra uma revolução promovida pelos Refilmagem do clássico expressionista de 1922 de F. W. Murnau, o
outros animais contra os humanos. No entanto, a revolta progride filme traz uma versão da história do vampiro Drácula, criado pelo
para uma tirania ainda mais ferrenha que a anterior. escritor Bram Stoker no final do século XIX.

Site Teatro
yy <www.louvre.fr> yy IONESCO, Eugène. A Cantora Careca. Campinas: Papirus.
Acesse o grandioso acervo do famoso museu e faça uma visita Escrita em 1949, a peça é considerada a primeira obra da corrente
on-line para empreender um verdadeiro passeio pela história da arte batizada Teatro do Absurdo. Com texto irônico e diálogos absurdos,
nas suas mais variadas manifestações, atentando para os elementos o que se mostra é a total impossibilidade de comunicação entre os
narrativos abordados no capítulo. seis personagens.

Exercícios complementares
Para responder à questão 1, leia o trecho do livro O vida. Armado dessa máscara, o indivíduo consegue manter
homem cordial, de Sérgio Buarque de Holanda. sua supremacia ante o social. E, efetivamente, a polidez
implica uma presença contínua e soberana do indivíduo.
Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição No “homem cordial”, a vida em sociedade é, de certo
brasileira para a civilização será de cordialidade — dare- modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele sente
mos ao mundo o “homem cordial”. A lhaneza1 no trato, em viver consigo mesmo, em apoiar-se sobre si próprio em
a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por todas as circunstâncias da existência. Sua maneira de
estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um expansão para com os outros reduz o indivíduo, cada
traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, vez mais, à parcela social, periférica, que no brasileiro —
em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral como bom americano — tende a ser a que mais importa.
dos padrões de convívio humano, informados no meio Ela é antes um viver nos outros.
rural e patriarcal. Seria engano supor que essas virtudes 1
lhaneza: afabilidade.
possam significar “boas maneiras”, civilidade. São antes (O homem cordial, 2012.)
de tudo expressões legítimas de um fundo emotivo extre-
mamente rico e transbordante. Na civilidade há qualquer
1 Unifesp 2020 Está empregado em sentido figurado o
coisa de coercitivo — ela pode exprimir-se em manda-
termo sublinhado em:
mentos e em sentenças. Entre os japoneses, onde, como
a “Detém-se na parte exterior, epidérmica do indiví-
se sabe, a polidez envolve os aspectos mais ordinários do
convívio social, chega a ponto de confundir-se, por vezes,
duo, podendo mesmo servir, quando necessário,
com a reverência religiosa. Já houve quem notasse este de peça de resistência.” (2.° parágrafo)
fato significativo, de que as formas exteriores de veneração b “Entre os japoneses, onde, como se sabe, a polidez
à divindade, no cerimonial xintoísta, não diferem essen- envolve os aspectos mais ordinários do convívio
cialmente das maneiras sociais de demonstrar respeito. social” (1.° parágrafo)
Nenhum povo está mais distante dessa noção ritua- c “São antes de tudo expressões legítimas de um
lista da vida do que o brasileiro. Nossa forma ordinária fundo emotivo extremamente rico e transbordan-
de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da te.” (1.°parágrafo)
polidez. Ela pode iludir na aparência — e isso se explica d “Nenhum povo está mais distante dessa noção ri-
pelo fato de a atitude polida consistir precisamente em tualista da vida do que o brasileiro.” (2.° parágrafo)
uma espécie de mímica deliberada de manifestações que e “Na civilidade há qualquer coisa de coercitivo — ela
são espontâneas no “homem cordial”: é a forma natural e pode exprimir-se em mandamentos e em senten-
viva que se converteu em fórmula. Além disso a polidez ças.”(1.° parágrafo)
é, de algum modo, organização de defesa ante a socieda-
de. Detém-se na parte exterior, epidérmica do indivíduo, Para responder à questão 2, leia o trecho de uma
podendo mesmo servir, quando necessário, de peça de
carta enviada por Antônio Vieira ao rei D. João IV em
resistência. Equivale a um disfarce que permitirá a cada
4 de abril de 1654.
qual preservar intatas sua sensibilidade e suas emoções. Por
meio de semelhante padronização das formas exteriores da No fim da carta de que V. M.1 me fez mercê me manda
cordialidade, que não precisam ser legítimas para se mani- V. M. diga meu parecer sobre a conveniência de haver
festarem, revela-se um decisivo triunfo do espírito sobre a neste estado ou dois capitães-mores ou um só governador.

130 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 5 Categorias de mundo e temas e figuras

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Eu, Senhor, razões políticas nunca as soube, e hoje A fértil primavera, a mãe das flores
as sei muito menos; mas por obedecer direi toscamente O prado ameno de boninas veste:
o que me parece.
Digo que menos mal será um ladrão que dois; e que Varrendo os ares o sutil nordeste
mais dificultoso serão de achar dois homens de bem que um. Os torna azuis; as aves de mil cores
Sendo propostos a Catão dois cidadãos romanos para o Adejam entre Zéfiros e Amores,
provimento de duas praças, respondeu que ambos lhe E toma o fresco Tejo a cor celeste:
descontentavam: um porque nada tinha, outro porque
nada lhe bastava. Tais são os dois capitães-mores em que Vem, ó Marília, vem lograr comigo
se repartiu este governo: Baltasar de Sousa não tem nada, Destes alegres campos a beleza,
Inácio do Rego não lhe basta nada; e eu não sei qual é Destas copadas árvores o abrigo:
maior tentação, se a 1, se a 2. Tudo quanto há na capitania
do Pará, tirando as terras, não vale 10 mil cruzados, como Deixa louvar da corte a vã grandeza:
é notório, e desta terra há de tirar Inácio do Rego mais de Quanto me agrada mais estar contigo
100 mil cruzados em três anos, segundo se lhe vão logran- Notando as perfeições da Natureza!
do bem as indústrias. Tudo isto sai do sangue e do suor Bocage. Obras de Bocage. Porto: Lello & Irmão, 1968, p. 142.
dos tristes índios, aos quais trata como tão escravos seus,
que nenhum tem liberdade nem para deixar de servir a ele Bye Bye Brasil
nem para poder servir a outrem; o que, além da injustiça
Mulher Nordestina:
que se faz aos índios, é ocasião de padecerem muitas ne-
cessidades os portugueses e de perecerem os pobres. Em Meu santo, minha família foi embora, meu santo. Fi-
uma capitania destas confessei uma pobre mulher, das que lho, nora, neto..., fiquei só com o meu velho que morreu
vieram das Ilhas, a qual me disse com muitas lágrimas que, na semana passada. Agora, quero ver o meu povo. Meu
dos nove filhos que tivera, lhe morreram em três meses santo, me diga, onde é que eles foram, meu santo?
cinco filhos, de pura fome e desamparo; e, consolando-a
eu pela morte de tantos filhos, respondeu-me: “Padre, não Lord Cigano:
são esses os por que eu choro, senão pelos quatro que E eu sei lá? Como é que eu vô saber? Quer dizer... eu
tenho vivos sem ter com que os sustentar, e peço a Deus sei... eu... Eu tô vendo. Eu estou vendo a sua família, eles
todos os dias que me os leve também.” estão a muitas léguas daqui.
São lastimosas as misérias que passa esta pobre gente
das Ilhas, porque, como não têm com que agradecer, se Mulher Nordestina:
algum índio se reparte não lhe chega a eles, senão aos Vivos?
poderosos; e é este um desamparo a que V. M. por piedade
deverá mandar acudir. Lord Cigano:
Tornando aos índios do Pará, dos quais, como dizia, É, vivos, se acostumando ao lugar novo.
se serve quem ali governa como se foram seus escravos,
e os traz quase todos ocupados em seus interesses, prin- Mulher Nordestina:
cipalmente no dos tabacos, obriga-me a consciência a A gente se acostuma com tudo... Onde é que eles
manifestar a V. M. os grandes pecados que por ocasião estão agora, meu santo?
deste serviço se cometem.
(Sérgio Rodrigues (org.). Cartas brasileiras, 2017. Adaptado.) Lord Cigano:
1
V. M.: Vossa Majestade Ah, pera aí, deixa eu ver! Eu tô vendo: eles estão num
vale muito verde onde chove muito, as árvores são muito
2 Unesp 2020 Em um estudo publicado em 2005, o his- compridas e os rios são grandes feito o mar. Tem tanta
toriador Gustavo Acioli Lopes vale-se, no quadro da riqueza lá, que ninguém precisa trabalhar. Os velhos não
economia colonial, da expressão “primo pobre” para morrem nunca e os jovens não perdem sua força. É uma
se referir ao produto derivado das lavouras mencio- terra tão verde... Altamira!
nadas por Antônio Vieira em sua carta. No contexto Filme Bye Bye Brasil (1979). Produzido por Lucy Barreto.
Escrito e dirigido por Carlos Diegues.
histórico em que foi escrita a carta, o “primo rico” seria
a o açúcar.
b o pau-brasil. 3 Vunesp Os escritores clássicos gregos e latinos pro-
c o café. duziram certas fórmulas de expressão que, retomadas
d o ouro. ao longo dos tempos, chegaram até nossa moderni-
e o algodão. dade. Uma dessas fórmulas é a chamada tópica do
lugar ameno, ou seja, a evocação literária de um re-
Os textos a seguir referem-se às questões 3 e 4. canto ideal, delicado, geralmente bucólico, cuja paz e
FRENTE ÚNICA

tranquilidade servem de palco ao idílio dos amantes e


Convite a Marília ao sossego da vida. Simboliza o porto almejado ou o
Já se afastou de nós o Inverno agreste retorno à felicidade perdida. Tomando por base este
Envolto nos seus úmidos vapores; comentário, releia os textos em pauta e, a seguir:

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a) aponte, na sequência de Bye Bye Brasil, dois ele- a) Do primeiro parágrafo, que simula um artigo científi-
mentos da paisagem descrita por Lord Cigano co, extraia os aspectos da forma e do conteúdo que
que caracterizam Altamira como um lugar ameno. vão contra a ideia de que “o cientista não deve falar”.
b) localize, no segundo terceto de Bocage, o verso b) O autor exemplifica com uma sequência de ver-
em que se estabelece relação opositiva com a tó- bos a ideia de que o estilo deve ser impessoal.
pica do lugar ameno. Que estratégia de construção é usada para trans-
mitir o ideal de impessoalização?
4 Vunesp A primeira fala da Mulher Nordestina, em Bye
Bye Brasil, caracteriza-se pelas interpelações em pri- 7 O assassinato só foi descoberto um mês depois; Pedro,
meira pessoa, repetições de palavras e a retomada um dos chefes do tráfico, atirou em dois policiais militares
insistente dos mesmos conteúdos. Releia com atenção que estavam fazendo a revista na favela mais famosa do
o referido discurso direto e, em seguida: Rio de Janeiro. A barbárie ocorreu no dia 14/02, às 22h.
a) indique uma frase em que ocorre repetição do Pedro usou uma pistola americana utilizada pelo exército
elemento vocativo. ianque. Segundo a namorada do traficante, presa ontem
b) explique o valor semântico que o vocábulo povo à noite num bar de Ipanema, o bandido comprou a arma
em São Paulo, na Galeria Pajé, na semana passada. O
representa na elocução emotiva da personagem.
criminoso atirou seis vezes, sem piedade; os policiais não
tiveram chance. Ontem, Rocinha viveu mais um dia de
5 Fuvest Leia: luto, que está virando quase todo dia.
A carruagem parou ao pé de uma casa amarelada,
com uma portinha pequena. Logo à entrada um cheiro Dia do crime: 14/02
mole e salobro enojou-a. A escada, de degraus gastos, Compra da arma: 7/02
subia ingrememente, apertada entre paredes onde o cal
caía, e a umidade fizera nódoas. No patamar da sobreloja,
No texto citado, há um problema decorrente do empre-
uma janela com um gradeadozinho de arame, parda do pó
go de marcadores temporais. Identifique o problema e
acumulado, coberta de teias de aranha, coava a luz suja
do saguão. E por trás de uma portinha, ao lado, sentia-se
faça a substituição adequada de modo que haja clareza.
o ranger de um berço, o chorar doloroso de uma criança.
Eça de Queirós. O Primo Basílio. Textos para a questão 8.

Observando-se os recursos de estilo presentes na De criança para criança


composição desse trecho, é correto afirmar que: Depois de ler os Direitos das Crianças, você pode trocar
a o acúmulo de pormenores induz a uma percepção ideias com seus irmãos, com o papai e a mamãe. Se quiser,
impessoal e neutra do real. escreva ou faça um desenho. Coloque seu nome, endereço,
b a descrição assume caráter impressionista, dando idade e o nome da escola.
também dimensão subjetiva à percepção do espaço.
Direito à família
c as descrições veiculam as impressões do narrador,
e o monólogo interior, as da perso­nagem. Todas as crianças têm direito à atenção e ao carinho
d a carência de adjetivos confere caráter objetivo e dos adultos, de preferência do papai e da mamãe. E as
real à representação do espaço. crianças que não têm família? Elas merecem uma proteção
e o predomínio da descrição confere caráter ex- especial dos adultos, você não acha?
pressionista ao relato, eliminando seus resíduos Disponível em: <www.tvcultura.com.br>. (Adapt.).

subjetivos.
8 Unifesp Considere o texto e analise as três afirmações
6 ITA Leia o texto seguinte. seguintes.
I. A frase “Toda criança deve ser assistida quanto
“No dia 13 de agosto de 1979, dia cinzento e triste, ao seu direito à atenção e ao carinho dos adultos”
que me causou arrepios, fui para o meu laboratório, onde,
está correta quanto aos sentidos propostos no
por sinal, pendurei uma tela de Bruegel, um dos meus
texto e também quanto à regência.
favoritos. Lá, trabalhando com tripanossomas, e vencendo
uma terrível dor de dentes...”. Não. De saída tal artigo
II. Deve-se interpretar a referência do pronome você
seria rejeitado, ainda que os resultados fossem soberbos. como criança, conforme sugerido pelo título do texto.
O estilo... O cientista não deve falar. É o objeto que deve III. As duas orações que compõem as perguntas es-
falar por meio dele. Daí o estilo impessoal, vazio de emo- tabelecem entre si relação de adversidade.
ções e valores:
observa-se, Está correto apenas o que se afirma em:
constata-se, a I.
obtém-se, b II.
conclui-se. c III.
quem? Não faz diferença... d I e II.
Rubem Alves. Filosofia da ciência. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 149. e II e III.

132 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 5 Categorias de mundo e temas e figuras

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9 Fuvest De acordo com o ditado popular “invejoso nun- esteja acostumado ao viver do homem. E não comem
ca medrou, nem quem perto dele morou”: senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas se-
a O invejoso nunca teve medo, nem amedronta seus mentes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com
vizinhos. isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos
b Enquanto o invejoso prospera, seus vizinhos em- nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.
Nesse dia enquanto ali andavam, dançavam e baila-
pobrecem.
ram sempre com os nossos, ao som de um tamboril nosso,
c O invejoso não cresce e não permite o crescimento
como se fossem mais amigos nossos do que nós seus. Se
dos vizinhos.
lhes a gente acenava, se queriam vir às naus, aprontavam-
d O temor atinge o invejoso e também seus vizinhos.
-se logo para isso, de modo tal que, se os convidáramos
e O invejoso não provoca medo em seus vizinhos. a todos, todos vieram. Porém não levamos esta noite às
naus senão quatro ou cinco; a saber, o Capitão-Mor, dois;
10 Vunesp Esta questão tem como base fragmentos da e Simão de Miranda, um que já trazia por pajem, e Aires
Carta de Pero Vaz de Caminha a d. Manuel, escrita Gomes a outro, pajem também.
em 1º de maio de 1500, e um trecho do livro O povo Parece-me gente de tal inocência que, se nós enten-
brasileiro – A formação e o sentido do Brasil (1995), do dêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos,
antropólogo, educador e escritor Darcy Ribeiro. visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo
as aparências. E portanto, se os degredados que aqui hão
Carta de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não
Senhor, duvido que eles, segundo a santa atenção de Vossa Alteza,
A feição deles [os indígenas] é serem pardos, um tanto se farão cristãos e hão de crer na santa fé, à qual praza a
avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Nosso Senhor que os traga, porque certamente, esta gente
Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso é boa e de bela simplicidade.
de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que de Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei d. Manuel, escrita do porto seguro de
Vera Cruz com a data de 1º de maio do ano de 1500.
mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. [...]
E então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir, sem
procurarem maneiras de encobrir suas vergonhas, as quais
O enfrentamento dos Mundos
não eram fanadas; e as cabeleiras delas estavam bem ras- Os índios perceberam a chegada do europeu como
padas e feitas. O Capitão mandou pôr por baixo da cabeça um acontecimento espantoso, só assimilável em sua visão
de cada um seu cochim; e o da cabeleira esforçava-se por mítica do mundo. Seriam gente de seu deus sol, o criador –
não a estragar. E deitaram um manto por cima deles; e Maíra –, que vinha milagrosamente sobre as ondas do mar
consentindo, aconchegaram-se e adormeceram. [...] grosso. Não havia como interpretar seus desígnios, tanto po-
Ali por então não houve mais fala ou entendimento diam ser ferozes como pacíficos, espoliadores ou dadores.
com eles, por a barbaria deles ser tamanha que se não en- Provavelmente seriam pessoas generosas, achavam os
tendia nem ouvia ninguém. Acenamo-lhes que se fossem. índios. Mesmo porque, no seu mundo, mais belo era dar
E assim o fizeram e passaram-se para além do rio. [...]
que receber. Ali, ninguém jamais espoliara ninguém e a
Esse que o agasalhou era já de idade, e andava por ga-
pessoa alguma se negava louvor por sua bravura e criati-
lantaria, cheio de penas, pegadas pelo corpo, que parecia
vidade. Visivelmente, os recém-chegados, saídos do mar,
seteado como São Sebastião. Outros traziam carapuças de
eram feios, fétidos e infectos. Não havia como negá-lo. [...]
penas amarelas; e outros de vermelhas; e outros de verdes.
Aquele desencontro de gente índia que enchia as
E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima,
praias, encantada de ver as velas enfunadas, e que era vista
daquela tintura, e certo era tão bem feita e tão redonda,
com fascínio pelos barbudos navegantes recém-chegados,
e sua vergonha (que ela não tinha!) tão graciosa que as
muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhe tais feições, era, também o enfrentamento biótico mortal da higidez e
envergonhava, por não terem as suas como ela. [...] da morbidade. A indiada não conhecia doenças, além de
E [Diogo Dias] levou consigo um gaiteiro nosso com coceiras e desvanecimentos por perda momentânea da
sua gaita. E meteu-se a dançar com eles, tomando-os pelas alma. A branquitude trazia da cárie dental à bexiga, à co-
mãos; e eles folgavam e riam, e andavam com ele muito queluche, à tuberculose e o sarampo. Desencadeia-se, ali,
bem ao som da gaita. Depois de dançarem fez-lhes ali desde a primeira hora, uma guerra biológica implacável.
muitas voltas ligeiras, andando no chão, e salto real, de De um lado, povos peneirados, nos séculos e milênios, por
que se eles se espantavam e riam e folgavam muito. E pestes a que sobreviveram e para as quais desenvolveram
conquanto com aquilo os segurou e afagou muito, to- resistência. De outro lado, povos indenes, indefesos, que
mavam logo uma esquiveza como monteses, e foram-se começavam a morrer aos magotes. Assim é que a civili-
para cima... Bastará [isso para Vossa Alteza ver] que até zação se impõe, primeiro como uma epidemia de pestes
aqui, como quer que se eles em alguma parte amansas- mortais. Depois, pela dizimação através de guerras, de
sem, logo de uma mão para outra se esquivavam, como extermínio e da escravização. Entretanto, esses eram tão-só
pardais, [com medo] do cevadoiro. E tudo se passa
FRENTE ÚNICA

os passos iniciais de uma escalada do calvário das dores


como eles querem – para os bem amansarmos! [...] inenarráveis do extermínio genocida e etnocida.
Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, Darcy Ribeiro. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil.
cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p. 46-7.

133

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Pero Vaz de Caminha e Darcy Ribeiro (1922-1997) en- praticado hoje no Brasil do ponto de vista das exigências
focam os primeiros contatos entre os portugueses físicas a que jogadores de cada posição do time são sub-
e os indígenas brasileiros. No entanto, um dos prin- metidos numa partida.
cipais aspectos que ressalta a comparação entre os Marcos Pivetta. Pesquisa Fapesp Online. 75 ed., maio 2002, p. 42.

fragmentos da Carta e do livro O povo brasileiro é a a) O texto contém termos do universo do futebol,
diferença entre as visões de mundo dos dois escrito- como, por exemplo, “tabelinha”, uma jogada
res, distanciados no tempo por 495 anos. Tomando rápida e entrosada normalmente entre dois jo-
por base este comentário: gadores. Retire do texto outras duas expressões
a) localize uma passagem do texto de Caminha que, embora caracterizem esse universo, também
na qual, em meio a expressões de admiração e assumem outro sentido. Explique esse sentido.
louvor, se subentende a ideia de conquista do in- b) O título pode ser considerado ambíguo devido
dígena pelo branco civilizado. à expressão “sob medida”. Aponte dois sentidos
b) explique o significado que adquire no texto de possíveis para a expressão, relacionando-os ao
Darcy Ribeiro a expressão “guerra biológica”. conteúdo do texto.

11 Fuvest Leia: 13 Unicamp A coluna Marketing da revista Classe, ano


“Navegar é preciso, viver não é preciso”. Esta frase de XVII, no 94, 30/ago. a 30/out./2002, inclui as seguintes
antigos navegadores portugueses, retomada por Fernando passagens (parcialmente adaptadas):
Pessoa, por Caetano Veloso e sabe-se lá por quantos mais Os jovens de classe média e alta, nascidos a partir de
citadores ou reinventores, ganha sua última versão no
1980, foram criados sob a pressão de encaixarem infini-
âmbito da informática, em que o termo navegar adquire
tas atividades dentro das 24 horas. E assim aprenderam
outro e preciso sentido.
a ensanduichar atividades. [...] Pressionados pelo tempo
Na nova acepção, em tempos de internet, o lema
parece mais afirmativo do que nunca. Os olhos que hoje desde que nasceram, desenvolveram um filtro e separam
vagueiam pela tela iluminada do monitor já não precisam aquilo que para eles é o trigo, do joio; ficam com o trigo,
nem de velas, nem de versos, nem de fados: da vida só e naturalmente, deletam o joio. (p. 26)
querem o cantinho de um quarto, de onde fazem o mundo a) Explique qual é o sentido da palavra “ensandui-
flutuar em mares de virtualidades nunca dantes navegados. char” no texto e diga por que ela é especialmente
Considere as seguintes afirmações. expressiva ou sugestiva aqui.
I. A significação das palavras constitui um processo b) O texto menciona um ditado corrente, embora não
dinâmico e supõe o reconhecimento histórico de na ordem usual. Qual é o ditado e o que significa?
seu emprego. c) A palavra “deletar” confere um ar de atualidade
II. As expressões “velas”, “fados” e “nunca dantes nave- ao texto. Explique por quê.
gados” ligam-se ao contexto primitivo do velho lema.
III. Desligando-se de suas raízes históricas, as palavras Texto para as questões 14 e 15.
apresentam-se esvaziadas de qualquer sentido.
Uma planta é perturbada na sua sesta pelo exército
que a pisa.
Conforme se pode deduzir do texto, está correto o que Mas mais frágil fica a bota.
se afirma: Gonçalo M. Tavares, 1: poemas.
a apenas em I e II.
b apenas em I e III. sesta: repouso após o almoço.
c apenas em II e III.
d apenas em I.
e em todas. 14 Fuvest 2020 Considerando que se trata de um texto
literário, uma interpretação que seja capaz de captar a
12 ITA Leia o texto a seguir. sua complexidade abordará o poema como
a uma defesa da natureza.
Boleiros sob medida b um ataque às forças armadas.
Ciência e futebol é uma tabelinha raramente esboçada c uma defesa dos direitos humanos.
no Brasil. A academia não costuma eleger os gramados d uma defesa da resistência civil.
como objeto de estudo e o mundo dos boleiros tampouco e um ataque à passividade.
tem o hábito de, digamos, dar bola para o que os pesqui-
sadores dizem sobre o esporte mais popular do planeta. 15 Fuvest 2020 O ditado popular que se relaciona melhor
Numa situação privilegiada nos dois campos, tanto na com o poema é:
ciência quanto no futebol, Turíbio Leite de Barros, diretor a Para bom entendedor, meia palavra basta.
do centro de Medicina da Atividade Física e do Esporte b Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
da Universidade Federal de São Paulo (Cemafe/Unifesp) c Quem com ferro fere, com ferro será ferido.
e fisiologista da equipe do São Paulo Futebol Clube há d Um dia é da caça, o outro é do caçador.
15 anos, produziu um estudo que traça o perfil do futebol e Uma andorinha só não faz verão.

134 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 5 Categorias de mundo e temas e figuras

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Texto para a questão 16.
Ora, suposto que já somos pó, e não pode deixar de ser, pois Deus o disse: perguntar-me-eis, e com muita razão, em
que nos distinguimos logo os vivos dos mortos?
Os mortos são pó, nós também somos pó; em que nos distinguimos uns dos outros? Distinguimo-nos os vivos dos mortos, assim
como se distingue o pó do pó. Os vivos são pó levantado, os mortos são pó caído, os vivos são pó que anda, os mortos são pó que jaz:
Hic jacet. Estão essas praças no verão cobertas de pó: dá um pé de vento, levanta-se o pó no ar, e que faz? O que fazem os vivos,
e muitos vivos. Não aquieta o pó, nem pode estar quedo: anda, corre, voa; entra por esta rua, sai por aquela; já vai adiante,
já torna atrás; tudo enche, tudo cobre, tudo envolve, tudo perturba, tudo toma, tudo cega, tudo penetra; em tudo e por tudo
se mete, sem aquietar nem sossegar um momento, enquanto o vento dura. Acalmou o vento: cai o pó, e onde o vento parou,
ali fica; ou dentro de casa, ou na rua, ou em cima de um telhado, ou no mar, ou no rio, ou no monte, ou na campanha. Não
é assim? Assim é.
Antônio Vieira. Trecho do Cap. V do Sermão da Quarta-Feira de Cinza.
Apud: Sermões de Padre Antônio Vieira. São Paulo: Núcleo, 1994. p. 123-4.

hic jacet: aqui jaz.

16 UFSCar Segundo o Novo dicionário Aurélio básico da língua portuguesa, “sermão” é um “discurso religioso geralmen-
te pregado no púlpito”.
a) De que forma o autor reproduz, no texto escrito, características próprias do discurso falado?
b) O texto apresenta uma relação de oposição entre estaticidade e movimento. Indique, no trecho destacado em negrito, qual
dessas ideias é abordada e a forma de construção de período utilizada para exprimi-la.

Texto para as questões 17 e 18.


Ah, um soneto
Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear...
No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.
Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.
Mas – esta é boa! – era do coração
que eu falava... e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?...
Álvaro de Campos. (Fernando Pessoa). Poemas de Álvaro de Campos.

17 A frase “eu mesmo me desloco nesta cadeira, só de o imaginar” representa:


a comentários extemporâneos e inadequados sobre o soneto.
b uma recordação do tempo em que o autor foi louco.
c uma impropriedade estilística.
d a interferência do eu poético no próprio texto.
e uma prova da loucura do poeta que se imagina navegando.

18 O desenvolvimento figurativo do texto tem seu ponto de partida em uma:


a relação de comparação.
b relação de implicação.
c relação de oposição.
d relação de redundância.
e relação de parte/todo.
FRENTE ÚNICA

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Texto para a questão 19. 21 Observe a publicidade da Bienal de 2004.
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a A gente quer chocar você logo na entrada.
imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás Este ano a Bienal é gratuita.
de casa.
a) Qual fenômeno linguístico serviu de base para o pu-
Passou um homem e disse: Essa volta que o
blicitário?
rio faz por trás de sua casa se chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que b) Explique o efeito conseguido, no contexto da
fazia uma volta atrás de casa. peça publicitária.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem. 22 Unicamp Reportagem da Folha de S.Paulo informa que
BARROS. M. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro; Best Seller. 2008. o presidente do Brasil assinou decreto estabelecendo
prazos para o país colocar em prática o Novo Acordo
19 Enem 2018 O sujeito poético questiona o uso do vocá- Ortográfico da Língua Portuguesa, que unifica a orto-
bulo “enseada” porque a grafia nos países de língua portuguesa. Na matéria,
a terminologia mencionada é incorreta. o seguinte quadro comparativo mostra alterações na
b nomeação minimiza a percepção subjetiva. ortografia estabelecidas em diferentes datas.
c palavra é aplicada a outro espaço geográfico.
d designação atribuída ao termo é desconhecida. Êles estão tranqüilos, porque
Após as reformas
e definição modifica o significado do termo no dicionário provàvelmente não crêem em
de 1931 e 1943
fantasmas.

Texto para a questão 20. Eles estão tranqüilos, porque


Após as alterações de 1971 provavelmente não crêem em
fantasmas.
Eles estão tranquilos, porque
Após o novo acordo, a vigorar
provavelmente não creem em
a partir de janeiro de 2009
fantasmas.

Sobre o acordo, a reportagem ainda informa:


As regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Por-
tuguesa, que entram em vigor no Brasil a partir de janeiro
de 2009, vão afetar principalmente o uso dos acentos agu-
do e circunflexo, do trema e do hífen. Cuidado: segundo
elas, você não poderá mais dizer que foi mordido por uma
jibóia, e sim por uma jiboia. [...]
Eduardo Simões, “Que língua é essa?”. Folha de S.Paulo. Ilustrada,
28 set. 2008. p.1.

a) O excerto anterior supõe que alterações orto-


gráficas modifiquem o modo de falar uma língua.
Mostre a palavra utilizada que permite essa inter-
20 UFSC 2019 Com base na leitura do Texto e de acordo pretação. Levando-se em consideração o quadro
com a variedade padrão da língua escrita, é correto comparativo das mudanças ortográficas e a supo-
afirmar que: sição expressa no excerto, explique o equívoco
01 trata-se de um anúncio para uma campanha pelo dessa suposição.
desarmamento. b) Ainda sobre a reforma ortográfica, Diogo Mainardi
02 um tiro pode ocasionar até 4700 vítimas. escreveu o seguinte:
04 em “Quem brinca com fogo, se dá mal”, o termo Eu sou um ardorso defensor da reforma ortográfi-
“se” desempenha a função de índice de indeter- ca. A perspectiva de ser lido em Bafatá, no interior da
minação do sujeito. Guiné-Bissau, da mesma maneira que sou lido em Cari-
08 “Quem brinca com fogo, se dá mal” mantém rela- nhanha, no interior da Bahia, me enche de entusiasmo.
ção intertextual com o ditado popular “Quem brinca Eu sempre soube que a maior barreira para o meu sucesso
com fogo, acaba queimado”. em Bafatá era o C mudo [como em facto na ortografia
16 em “Quem brinca com fogo, se dá mal”, podemos de Portugal]. [...]
substituir a palavra “fogo” por “arma” sem prejuízo Diogo Mainardi, “Uma reforma mais radical”. Veja, 8 out. 2008. p.129.
ao sentido do anúncio.
O excerto acima apresenta uma ironia. Em que consis-
Soma:  te essa ironia? Justifique.

136 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 5 Categorias de mundo e temas e figuras

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FRENTE ÚNICA

6
CAPÍTULO Texto, ideologia e argumentação
Na imagem, ainda que seja feita uma colagem de textos de mesmo gênero (foto-
grafia), constrói-se uma ideia a partir de um constraste bem marcado entre a visão de
um sistema prisional, simbolizando a limitação da liberdade, a opressão e a vigilân-
cia, em um ambiente áspero e antinatural, e uma flor, como se estivesse depositada
aos seus pés, em primeiro plano, representando a vida e a pulsação da natureza.
Temos, portanto, um texto imagético em que um sistema de governo ou um tipo
de sociedade é poeticamente criticado, funcionando como uma maneira de propor
uma reflexão e fazer propaganda ideológica contrária a esse sistema. Esse compo-
nente ideológico do texto – a visão de mundo, a ideologia – também compõe outros
textos; trata-se de um nível de análise textual.

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Introdução O poema “Os sapos” é um bom exemplo de discurso que
se opõe; nele, as figuras do sapo-boi e do sapo-tanoeiro
Neste capítulo, estudaremos as relações que um texto
representam os parnasianos, enquanto o sapo-cururu re-
mantém com outros textos. Trata-se de um aprofundamento
presenta os modernistas. Bandeira, modernista, satiriza no
da teoria e um mergulho no universo ideológico. Veja o
poema a preocupação formal dos parnasianos. Por meio
que a linguista Diana Luz Pessoa de Barros diz a respeito.
da manifestação dos sapos, o poeta indica que, enquanto
O exame interno de um texto não é suficiente, no entanto, os parnasianos fazem estardalhaço, eles, os modernistas,
para determinar os valores que o discurso veicula. Para tanto, é trabalham em silêncio.
preciso inserir o texto no contexto de uma ou mais formações Na pintura, observa-se o mesmo fenômeno da inter-
ideológicas que lhe atribuem, no fim das contas, o sentido. discursividade. O Impressionismo, por exemplo, tinha a
Pode-se caminhar nessa direção e executar a análise con- preocupação de observar e fixar as variações das cores
textual, desde que o contexto seja entendido e examinado sob a ação direta do Sol, tirando o modelo do ateliê –
como uma organização de texto que dialogam com o texto em
onde o pintor ficava nos períodos neoclássico, romântico
questão. Assim concebido, o contexto não se confunde com o
e realista – para colocá-lo ao ar livre, em uma varanda, em
‘mundo das coisas’, mas se explica como um texto maior, no
um terraço, em um jardim etc. O discurso dos impressio-
interior de cada texto se integra e cobra o sentido.
nistas opunha-se ao de seus antecessores. Compare os
Diana Luz Pessoa de Barros. Teoria semiótica do texto. 4 ed.
São Paulo: Ática, 2005. p. 78. dois quadros a seguir.

Edouard Manet/Wikimedia Commons


Na segunda parte do capítulo, serão examinados a pro-
paganda ideológica e os tipos de argumento. O assunto não
só ajudará na interpretação de textos dissertativos, como
também auxiliará na composição destes.

Interdiscursividade, intertextualidade
e propaganda ideológica
Interdiscursividade
O conceito de discurso está ligado à ideologia, con-
junto de ideias e ações de uma pessoa ou de um grupo
de indivíduos.
A ideologia é inerente ao homem, todos nós a pos-
suímos, trata-se de valores adquiridos ao longo de nossa
existência, passados de geração para geração, valores
transmitidos pela família, pela escola, pelos amigos, pela Fig. 1 Claude Monet. Claude Monet e sua mulher no seu atelier flutuante, 1874.
mídia e pelo sistema econômico vigente no país em que Óleo sobre tela. Nova Pinacoteca, München, Alemanha.
se vive; somos produto de muitos discursos. Não há um
discurso original; há, sim, um estilo original; todo discurso
reproduz um discurso que já existe, ao mesmo tempo em Jean-Auguste-Dominique Ingres/Wikipedia

que se opõe a outro. O discurso dos republicanos, partido


conservador de maior projeção nos Estados Unidos, por
exemplo, reproduz o discurso da direita, ao mesmo tempo
que se opõe ao discurso de Fidel Castro, que reproduz o
discurso da esquerda.

Disc. dos republicanos Disc. de Fidel

Discurso da direita Discurso da esquerda

Pode-se afirmar, portanto, que o discurso dos republi-


canos mantém uma relação de “interdiscursividade” com o
discurso da direita; e o de Fidel, com o da esquerda.
O discurso pode variar no tempo e no espaço; o discur-
so feito antes da Revolução Russa, por exemplo, era muito
diferente do discurso Pós-Revolução; da mesma manei-
ra que o discurso dos parnasianos (século XIX) em nosso
país era oposto ao discurso dos modernistas (século XX). Fig. 2 Ingres. A banhista de Valpinçon, 1808. Óleo sobre tela. Louvre, Paris, França.

138 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 6 Texto, ideologia e argumentação

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Em Monet, não há preocupação em pintar a realidade existe, possibilitando a criação de vários discursos em uma
de forma precisa; em Ingres, o detalhe é valorizado; em mesma época. É preciso que tenhamos consciência de que,
Monet, os modelos estão em espaço aberto; em Ingres, ao estudar História, estamos diante de um discurso sobre
em local fechado. Eis algumas diferenças. a história e não diante do fato histórico; a linguagem é o
O discurso muda também de acordo com o grupo so- elemento intermediário e quem a manipula é a enunciação,
cial; em um mesmo momento histórico poderemos ter vários instância criada pelo autor, o historiador.
discursos, várias ideologias.
Na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, o discurso Intertextualidade
de Hitler opunha-se ao discurso dos aliados. Nos quadros Todos nós já ouvimos uma paródia; elas povoam os
a seguir, temos uma clara oposição envolvendo dois dis- comerciais de TV, estão presentes na boca do povo. A
cursos antagônicos; o quadro nazista enaltece a força e a paródia é um texto construído a partir de outro, trata-se, por-
violência da guarda de ferro da Revolução Alemã, enquanto tanto, de uma citação implícita. Percebemos que é paródia
o quadro de Pablo Picasso é um manifesto contra qualquer porque conhecemos o texto de origem. Há textos que não
ato de brutalidade. são exatamente paródicos (a paródia possui humor), mas
também citam, parcialmente ou totalmente, outros textos.
Reprodução

São filmes, poesias, romances, crônicas, peças de teatro etc.


A esse fenômeno, um texto citando o outro, chamaremos de
intertextualidade. Veja os exemplos a seguir.
Canção do exílio
Minha terra tem palmeiras,
onde canta o Sabiá;
as aves que aqui gorjeiam,
não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,


nossas várzeas têm mais flores,
nossos bosques têm mais vida,
nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,


mais prazer encontro eu lá;
minha terra tem palmeiras,
onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
que tais não encontro eu cá;
em cismar – sozinho, à noite,
mais prazer encontro eu lá;
Fig. 3 Cartaz alemão, 1934. “Uma batalha, um vencedor”. minha terra tem palmeiras,
onde canta o Sabiá.
Pablo Picasso

Não permita Deus que eu morra,


sem que eu volte para lá;
sem que desfrute os primores
que não encontro por cá;
sem qu’inda aviste as palmeiras,
onde canta o Sabiá.
Gonçalves Dias.

Fig. 4 Pablo Picasso. Guernica, 1937. Óleo sobre tela. Museu Nacional da Rainha
Outra canção do exílio
Sofia, Madrid, Espanha. Minha terra tem Palmeiras,
Corinthians e outros times
Discursos e teorias de copas exuberantes
que ocultam muitos crimes.
Os textos científicos também possuem um discurso, uma
As aves que aqui revoam
visão de mundo; a ciência evolui, novas descobertas são
FRENTE ÚNICA

são corvos do nunca mais,


feitas, algumas delas desmentindo uma visão de mundo an- [...].
terior. As oposições ocorrem não só em relação ao passado, Eduardo Alves da Costa. No caminho com Maiakóvski.
mas também em relação ao presente; a divergência teórica São Paulo: Geração Editorial, 2003. p. 88.

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Os dois textos citados apresentam discursos que Propaganda ideológica
entram em oposição; Gonçalves Dias escreveu seu
Existem vários mecanismos de propagação ideológica;
poema vivendo um exílio físico e geográfico. O poeta
tais mecanismos são usados por aqueles que estão no poder
exalta a pátria, enaltecendo o que esta tem de mais belo:
e por aqueles que se colocam contra ele. Como cidadãos,
os recursos naturais. Já Eduardo Alves da Costa sente-
somos alvo dessa propaganda; devemos, portanto, estar cons-
-se como um exilado dentro de sua própria pátria devido
cientes, pois nem sempre o que se diz nesse tipo de texto tem
à falta de liberdade; ao contrário do poeta romântico, o
compromisso com a verdade. O estudo sobre a propaganda
poeta contemporâneo faz uma crítica ácida à situação
ideológica baseou-se no livro O que é propaganda ideológica,
social de seu país. O país vive um estado de opressão; suas
de Nelson Jahr Garcia.
riquezas naturais estão sendo destruídas; o povo, oprimido.
Além da relação interdiscursiva (relação de oposição), os Slogans
textos apresentam uma relação intertextual; o poema de
O slogan político tem por finalidade convencer o cida-
Eduardo Alves da Costa foi construído a partir de estruturas
dão de forma rápida e repetitiva. Eis um dos slogans mais
sintáticas e léxicos presentes no poema de Gonçalves
utilizados pelo governo de Médici.
Dias. A esse fenômeno, chamamos de intertextualidade
(intertextualidade também pode ser realizada por meio do “Brasil, ame-o ou deixe-o”
estilo, isto é, quando um autor reproduz o estilo de outro). A Nelson Jahr Garcia. O que é propaganda ideológica.
São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 16.
intertextualidade não aparece apenas em textos literários;
a propaganda, o jornal, a música também utilizam esse
recurso. Observe o cartum a seguir, que dialoga com o Campanha nas ruas
quadro de Vincent van Gogh, O quarto de Vincent. O contato com o povo nas ruas é um fator de persuasão
e ajuda a propagar as ideias de determinado grupo social.
Vicent Van Gogh

Leffler, Warren K./ Libray of Congress


Fig. 5 Vincent van Gogh, O quarto de Vincent, 1888. Óleo sobre tela. Museu
d’Orsay, Paris, França.
© Dawn Hudson | Dreamstime.com

Fig. 7 O senador de Nova York, Robert Kennedy, em campanha presidencial em


1968.

Retrato, fotos e cartazes


A propagação da imagem do político torna-o mais
conhecido, famoso; além disso, há quem afirme que a me-
Fig. 6 Dawn Hudson, O Natal de Van Gogh. mória fotográfica é mais eficiente. Veja a foto a seguir.

140 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 6 Texto, ideologia e argumentação

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Reprodução
Barack Obama/Flickr

Fig. 8 Barack Obama em campanha presidencial, que ficou famosa pela frase:
“Yes, we can”.

Outros tipos de fotos também ganham destaque,


principalmente aquelas de cunho social, de protesto, de
reivindicações. A foto a seguir retrata uma passeata pelo
direito de voto.
Jaroslav Feyfar/Wikimedia Commons

Fig. 10 Cartaz da Ação Integralista Brasileira.

Nome em avenidas, ruas ou praças

Fig. 11 Placa da Rodovia Presidente Dutra.

Reprodução

Fig. 9 Passeata pelo direito de voto.

Os cartazes também foram muito utilizados, princi-


palmente na época das grandes guerras, em que era
necessário convocar jovens para o alistamento militar,
bem como convencê-los de que estariam colaborando
com a nação.
Um exemplo foi a Ação Integralista Brasileira (AIB),
partido político brasileiro fundado em 7 de outubro de
1932, por Plínio Salgado, escritor modernista, jornalista e
político. A ideologia da AIB baseou-se principalmente no
fascismo italiano. Havia uma série de rituais e símbolos,
como a utilização da expressão indígena Anauê como
saudação, a letra grega sigma (Σ) e os uniformes verdes.
Fig. 12 Presidente Dutra.
FRENTE ÚNICA

Observe o cartaz a seguir.

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Uma das rodovias mais importantes do país chama-se Programa de rádio e novelas
Rodovia Presidente Dutra. O governo Dutra, cujo início se “A voz do Brasil” é um programa radiofônico que
deu em 31 de janeiro de 1946, implementou uma política transmite o que acontece na Câmara dos Deputados e no
econômica liberal, de arrocho salarial. Distanciou o Brasil Senado; nesse programa, os políticos passam por meio
do bloco socialista do Leste Europeu. Em 1947, pôs o Par- de seus textos a visão de mundo de seus partidos. Já as
tido Comunista Brasileiro na ilegalidade, sob o pretexto novelas transmitem – por meio de personagens e histó-
de que o PCB atendia aos interesses da União Soviética. rias – modelos, comportamentos e valores sociais; agem,
Atribui-se a Dutra a influência dos Estados Unidos sobre o portanto, no cotidiano das pessoas, na maneira de falar,
Brasil nas décadas posteriores. Muitas pessoas que viveram de vestir-se etc.
o governo Dutra talvez discordariam dessa homenagem;

Divulgação
outros, pelo contrário, queriam propagar as ideias deste
homem e daquele período.

A palavra falada
Reprodução

Fig. 14 Capa de CD da trilha sonora de uma famosa telenovela brasileira.

Teatro

Oficina de atores
Fig. 13 Lenin discursando para o povo.

Lenin – um dos partícipes da Revolução Russa de 1917,


líder do Partido Comunista e primeiro presidente do Conse-
lho dos Comissários do Povo da União Soviética – afirmava
que o político deveria agir de viva voz, pois a observação
direta possibilita maior controle e maior credibilidade (o
denominado argumento de presença).

A palavra escrita
A letra a seguir é de Chico Buarque de Holanda.
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice Fig. 15 “Aquele que diz sim aquele que diz não”, de Bertold Brecht, peça apresentada
De vinho tinto de sangue no Teatro Dercy Gonçalves, em agosto de 2007, com direção de Rafael Cruz e alunos
da Oficina de Atores no elenco.
Como beber dessa bebida amarga Na Revolução Francesa, tivemos o teatro dos revolu-
Tragar a dor, engolir a labuta cionários; na União Soviética, o teatro dos bolchevistas; na
Mesmo calada a boca, resta o peito Alemanha, o teatro operário de Bertold Brecht. No Brasil,
Silêncio na cidade não se escuta destacam-se os nomes de Plínio Marcos (dramaturgo que
[...] denunciou a pobreza do país e o submundo das grandes
Gilberto Gil; Chico Buarque. “Cálice”. Intérpretes: Diversos. cidades) e José Celso Martinez Corrêa (diretor de teatro
In: Álibi. Rio de Janeiro: Polygram/Philips, 1978. Faixa 2. que se confunde com a história do Teatro Oficina, em São
Paulo, lugar em que muitas peças denunciavam a opressão
Afastar o “cálice” é afastar o “cale-se”, ou seja, a cen- dos governos militares). Cada teatro comunicava valores
sura e a opressão; o texto de Chico Buarque propaga um que julgava ser importantes para a compreensão e trans-
ideal de liberdade. formação de seus respectivos contextos.

142 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 6 Texto, ideologia e argumentação

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Construção do super-herói Necessidade de combater o inimigo

Divulgação

Erasmo
A charge mostra a preocupação de segmentos políticos
em relação a Lula, o advérbio “só” cria um implícito de que
ele deveria sair do governo.
As charges podem também tachar políticos ou partidos
Fig. 16 Pôster do filme Superman − O Retorno, lançado em 2006.
colocando-os responsáveis por um contexto considerado
O Super-Homem é um herói que é movido essen­ ruim.
cialmente por valores humanitários. Sempre está tentando

Uol, 13 jan. 2002


salvar vidas e defender a Terra. A propaganda ideológica
perpetrada pela imagem do Super-Homem tem muito mais
a ver com a arrogância paternalista dos EUA em relação aos
outros povos. Algo como: “nós somos a nação mais poderosa
do planeta e, por isso, temos o ‘direito e o dever’ de interferir
nos destinos das outras nações, bem como de ditar o que é
certo ou errado no mundo inteiro”. Outro personagem que
traduz a ideologia econômica da maior potência mundial
é o Tio Patinhas, representante de um dos pilares do
sistema capitalista: a concentração de renda.

Denúncias infundadas
© Pierre Merimee/Corbis/Corbis (DC)/Latinstock

A publicidade, muitas vezes, aponta para um inimigo a


ser combatido. Na peça publicitária a seguir, por exemplo,
temos o combate a AIDS. Agência: Free Comunicação/Criação: Rodrigo Oliveira e Cássia Schmude/
Direção de Criação: Cyntia Wehmuth Hugo e Allyson Correia.

Fig. 17 Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru, desativado em 2002.

“Não houve massacre!”


A frase foi dita por policiais que participaram do massacre
do Carandiru.
Entretanto, o massacre do Carandiru ocorreu por volta
das 11 horas do dia 2 de outubro de 1992; um conflito entre
detentos deu início a um tumulto no Pavilhão 9 da Casa de
FRENTE ÚNICA

Detenção de São Paulo, na Zona Norte da Capital; a polícia


invadiu o prédio e o confronto com os prisioneiros resultou
em várias mortes. Fig. 18 Combate ao inimigo: AIDS.

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Construção de obras e programas sociais Ufanismo às avessas
faraônicos Em oposição às ideias ufanistas, surgem críticas ao
governo do país.
Agência T1

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Fig. 20 Capa de Caetano Veloso, lançado em 1968.

Sobre a cabeça os aviões


Sob os meus pés os caminhões
Fig. 19 Transamazônica. Aponta contra os chapadões
Meu nariz
A transamazônica foi um projeto faraônico inserido
Eu organizo o movimento
no contexto do “milagre econômico”, no início dos anos Eu oriento o carnaval
1970, quando o Brasil vivia o governo de Médici. A rodo- Eu inauguro o monumento no planalto central
via deveria ter 8 mil quilômetros de comprimento e ligaria Do país
as regiões Norte e Nordeste do Brasil, além do Peru e
do Equador. Contudo, o projeto fracassou e muitos traba- Viva a bossa-sa-sa
Viva a palhoça-ça-ça-ça-ça
lhadores morreram em função de doenças transmitidas
[...]
por animais silvestres.
O monumento é de papel crepom e prata
Uso do ufanismo Os olhos verdes da mulata
Determinadas frases, letras de músicas, poemas etc. A cabeleira esconde atrás da verde mata
foram disseminadas com o intuito de exaltar a pátria. O luar do sertão
O monumento não tem porta
O céu do meu Brasil tem mais estrelas A entrada de uma rua antiga, estreita e torta
O Sol do meu país, mais esplendor E no joelho uma criança sorridente, feia e morta
A mão de Deus abençoou Estende a mão
Em terras brasileiras
Viva a mata-ta-ta
Vou plantar amor.
viva a mulata-ta-ta-ta-ta
[...] [...]
Dom e Ravel. Eu te amo, meu Brasil. 1970.
Caetano Veloso. “Tropicália”. In: Caetano Veloso.
Rio de Janeiro: Polygram/Philips, 1968. Faixa 1.
Brasil, meu Brasil Brasileiro
Meu mulato inzoneiro O último verso de Caetano é ambíguo: viva a natureza
Vou cantar-te nos meus versos e viva a morte; a onomatopeia “ta-ta-ta-ta” também remete
Ô Brasil, samba que dá a uma possível metralhadora. Haveria, pois, uma crítica aos
Bamboleio, que faz gingar que promovem a violência.
Ô Brasil do meu amor
Terra de Nosso Senhor Apresentar a riqueza como disfórica e a
[...] pobreza como eufórica
Ary Barroso. Aquarela do Brasil. 1939.
As frases abaixo traduzem uma relação de conformida-
Ninguém segura este país. de com a pobreza, pensamento que beneficia as classes
Slogan no governo Médici (1969-1974). dominantes.
Nosso céu tem mais estrelas, “Dinheiro não traz felicidade”.
nossas várzeas têm mais flores, “Rico morre de enfarte”.
nossos bosques têm mais vida, “Natal de pobre é mais humano”.
nossa vida mais amores. “Rico não pode comer à vontade por ter de obedecer
Gonçalves Dias. Canção do exílio. 1843. a regras de etiqueta”.

144 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 6 Texto, ideologia e argumentação

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Ideia de igualdade

Divulgação
O primeiro livro a gente
“Todos são iguais perante a lei”. nunca esquece
A frase acima não condiz com a realidade; a lei, na
prática, muitas vezes acaba beneficiando os que têm maior
poder aquisitivo e os que melhor se relacionam com as altas
esferas do poder público.

Conceitos ambíguos
Atente para como o conceito de trabalho é usado por
partidos políticos de posturas ideológicas diferentes, o que
torna esse conceito ambíguo. ... mas acaba perdendo.
Compre no sebo O Passado.
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PDT – Partido Democrático Trabalhista Fig. 21 O anterior sobre o posterior.
PT – Partido dos Trabalhadores
yy O posterior sobre o anterior: x é posterior a y; logo,
PTC – Partido Trabalhista Cristão
x é melhor, ou é mais moderno, eficiente que y.
PT do B – Partido Trabalhista do Brasil
PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro
PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado Trata-se de um carro de última geração, a mais moderna
PTN – Partido Trabalhista Nacional tecnologia, o que há de melhor. Os outros? Carroças! Coisa
do passado!
Universalização O ensino tradicional está superado, o aluno não aprendia
A universalização consiste na divulgação de ideias que a refletir, apenas decorava. O ensino moderno de língua por-
se referem aos interesses de um grupo social, mas que são tuguesa faz com que o aluno pense.
apresentadas como de interesse geral.
Por exemplo, na Revolução Francesa, a ideia de Liber- Nas bancas, a última palavra em tecnologia:
dade, Igualdade e Fraternidade foi difundida como válida
para todos os homens. Contudo, quando a burguesia teve
Divulgação

Divulgação
seus interesses de classe garantidos, os conceitos de li-
berdade, igualdade e fraternidade sofreram uma séria
relativização.

Tipos de argumento
Argumentar significa provar. O enunciador de um texto,
ao estabelecer uma tese, procura defendê-la, utilizando os
mais variados argumentos. Se digo que o time x é melhor
que o time y, preciso provar, isto é, apresentar argumentos,
não basta afirmar. O conhecimento dos tipos de argumen-
tos permitirá a você identificar as estratégias persuasivas uti-
lizadas nos mais variados textos. A seguir, há uma relação de Compre e acelere seu conhecimento.
argumentos empregados nos mais diversos textos. Leia-os.
Fig. 22 O posterior sobre o anterior.
yy O anterior sobre o posterior: x é anterior a y; logo, x é
yy O durável sobre o efêmero: x dura mais que y; logo, x é
melhor que y, ou x tem mais direito que y.
melhor do que y, merece a nossa confiança.
O índio chegou primeiro nestas terras, logo ele é o dono
Vulcabrás, o sapato para a vida toda.
delas.
Slogan marca de sapato.
Sandálias Havaianas: as legítimas.
Slogan de sandálias. Vai ser jogador de futebol? Não faça isso! A carreira de joga-
dor é curta demais. Seja médico, é profissão para a vida inteira.
As escolas antigas é que ensinavam, havia disciplina e
muita leitura. Hoje... bom... ninguém lê! yy O efêmero sobre o durável: x é mais rápido do que y;
Os judeus não são extraterrestres que vieram de outro logo, x é melhor.
planeta. Eles vivem aqui há mais de 2.000 anos. Por isso, luto
Dicas para não poluir: cuidado com as embalagens de
FRENTE ÚNICA

para que os palestinos tenham o seu Estado, vizinho a Israel,


plástico, esse tipo de material é mais resistente ao tempo.
mas não no lugar de Israel.
Amós Oz. “A síndrome da paz”. Veja, 7 fev. 2001.
Prefira outro tipo de embalagem, o papel, por exemplo, dura
Entrevista concedida a José Eduardo Barella. (Adapt.). muito pouco.

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Não faça crediário, você paga a vida inteira. Compre à yy Argumento baseado na competência linguística: re-
vista, vamos! fere-se à habilidade com que o enunciador utiliza a
linguagem, ou o fato de usar uma linguagem adequa-
yy O existente sobre aquilo que é possível: x é certo, y da ao receptor e ao contexto.
é um risco.
SÃOPAULOMADRIDAGORASEMESCALAS
Você vai trocar o emprego na firma, algo estável, por um Anúncio de uma companhia de aviação.
negócio arriscado? Você está louco?

Associação Parceria Contra Drogas


Cathy King/stock.xchng

Abrir um negócio?
E ficar rico?

Não sonhe, 60% das empresas


criadas fecham em menos de 5 anos.
Fig. 23 O existente sobre aquilo que é possível.

yy Argumento de qualidade: x é superior a y porque x


possui mais qualidade que y (ou é mais raro).

Um carro feito por encomenda, o único do mundo. Fig. 25 Argumento baseado na competência linguística.

yy Argumento baseado em prova concreta: trata-se


Estadão é muito mais jornal.
da apresentação de estatísticas, cifras, documen-
Slogan do jornal O Estado de S. Paulo.
tos, fatos históricos e fatos do cotidiano.
yy Argumento de quantidade: x é superior a y porque x
Está tudo errado:
possui mais do que y.
Brasil EUA
Bombril, mil e uma utilidades.
Slogan da palha de aço Bombril. A perícia de uma arma leva: 6 meses alguns dias
Um preso é levado pela polícia
10 meses 48 horas
ao juiz em:
Divulgação

em 90% dos
É possível fazer acordos? nunca
casos
Existe cela especial? sim não
Tempo para julgar um caso de
6 anos 3 anos
homicídio:
Há vagas para todos os
não sim
­condenados?
Veja, 7 fev. 2001.

Os Estados Unidos são o único país cujos soldados


podem matar, mas não podem morrer. O historiador Eric
Fig. 24 Argumento de quantidade.
Hobsbawn disse isso a propósito da síndrome do Vietnã,
yy Argumento de direção: para atingir y é preciso passar da relutância do Pentágono em empregar tropas terrestres
por x. em operações militares depois das muitas milhares de vidas
perdidas no lamaçal do sudeste asiático. Há o caso recente
Para entrardes na universidade precisais, primeiramente,
de Kosovo, a guerra feita “por cima”, com mísseis e bombar-
estudar.
deios aéreos mortíferos, e a recusa em enfrentar os sérvios
Para obter o título de mestre é necessário escrever uma no corpo a corpo.
dissertação. Newton Carlos.

146 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 6 Texto, ideologia e argumentação

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Número de evangélicos cresce em todo o país yy Argumento de consenso: quando não há discordân-
1940
41,2 milhões de habitantes
2000
169,8 milhões de habitantes
cia em torno do que se fala e a comunidade científica
trata do assunto como verdade inquestionável.
19,8%
18,9%
17,5%
O câncer pode matar.
15,3%

Um governo justo é um governo democrático.


10,3%
8,9%

yy Argumento baseado no raciocínio lógico: trata-se do


uso de comparações, relações de causa e efeito, silo-
1,1%
0,7%
2,3%
1,5% gismos, oposições etc.
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Premissa maior: todo homem é mortal.
Fonte: IBGE, censo demográfico 1940/2000. Premissa menor: eu sou homem.
Conclusão: logo, sou mortal.
O Código de Defesa do Consumidor completa 17 anos
de criação. Para celebrar este aniversário, o Procon coloca à Quando uma instituição se enrijece demais, não tem
disposição da população o novo site e reativa o telefone de mais apelo junto à população. Ela perdura porque
atendimento ao público através do número 151. tem história e, mais ainda, porque entrou no inconsciente
profundo das pessoas. Os que fazem parte dessa instituição
Divulgação

não são mais sujeitos às variações da história, sobrevivem.


Frei Leonardo Boff.

yy Argumento de reciprocidade: se x fez algo a y, y tem


o direito de dar o troco na mesma medida.

Divulgação
Fig. 26 Argumento baseado em prova concreta.

Total de endividados no país cresce 47% em dois anos,


diz BC
Folha de S.Paulo, 22 jun. 2008.

yy Argumento de autoridade: citar uma autoridade so-


bre o assunto do qual se fala. Fig. 27 Argumento de reciprocidade.

Segundo um ex-presidente francês, o Brasil não é um país O provérbio “olho por olho, dente por dente” é um
sério. Leve em conta o número de escândalos políticos que exemplo desse argumento.
ocorrem anualmente em nosso país.
yy Argumento de ressalva: faz-se uma ressalva, dá-se
De mulher para mulher: Marisa. um argumento contrário, porém de menor peso (evita-
Slogan das lojas Marisa. -se, na maioria das vezes, a generalização).
Ninguém pode ser considerado um leigo em língua; o [...] Embora Chico afirme em diversas entrevistas que a
analfabeto utiliza orações absolutamente complexas ao falar atração pela literatura é anterior ao gosto pela música, um
com seus filhos. Como dizia Chomsky, o maior linguista do fato chama a atenção: antes de partir para Roma, deixou
século, já nascemos com uma competência linguística. para a avó um bilhete, de uma crueldade ingênua, só per-
mitida às crianças: “Vovó Heloísa. Olhe vozinha não se
FRENTE ÚNICA

A Rede Globo tem uma enorme influência no cotidiano esqueça de mim. Se quando eu chegar aqui você já esti-
do brasileiro, isso devido ao seu poderio econômico. Segundo ver no céu, lá mesmo veja eu ser um cantor do rádio. [...]
a revista Forbes, Roberto Marinho era um dos homens mais Wagner Homem. Histórias de canções: Chico Buarque.
ricos do mundo. São Paulo: Leya, 2009. p. 7.

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yy Argumento de presença: trata-se da presença do debatedor, sua proximidade física com o interlocutor (plateia,
eleitores etc.); ou a presença da prova, um objeto, algo que é importante para a argumentação (a arma do crime,
por exemplo).

© Monkey Business Images | Dreamstime.com


Fig. 28 Homem discursando.

yy Argumento por sacrifício: alguém sacrifica-se por você; dessa forma, é preciso retribuir.

A gente se mata de trabalhar para você fazer isso?


Mas mãe...
Fique quieto, jogar comida fora não tem desculpa!

Revisando
Texto para as questões de 1 a 4.
De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos
não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental
que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a
Humanidade. Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas
de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso
futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não
o seu preço. Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado.
Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou
de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores
globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.
Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não
deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano.
Não se pode deixar que esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo
gosto de um proprietário ou de um país.
Não faz muito, um milionário japonês decidiu enterrar com ele um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele
quadro deveria ter sido internacionalizado. Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio,
mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso,
eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhattan deveria per-
tencer a toda a Humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com
sua beleza específica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro. Se os EUA querem internacionalizar a
Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até
porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do
que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.
Nos seus debates, os atuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a ideia de internacionalizar as reservas
florestais do mundo em troca da dívida.
Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de ir à escola. Interna-
cionalizemos as crianças, tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece
cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do
mundo como um patrimônio da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar; que morram
quando deveriam viver. Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me
tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa.
* O autor foi governador do Distrito Federal (PT) e reitor da Universidade de Brasília (UnB), nos anos 1990. É palestrante e humanista respeitado mundialmente.
Cristovam Buarque. “Discurso sobre a Internacionalização da Amazônia”. Estados Unidos, nov. 2000.

148 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 6 Texto, ideologia e argumentação

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP6_LA.INDD / 16-09-2020 (20:35) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL


1 O texto de Cristovam Buarque é dissertativo-argumentativo, o autor emprega seus argumentos baseados no raciocí-
nio lógico. Identifique passagens em que esse raciocínio utiliza:
a) a ressalva, a concessão (primeiro parágrafo).

b) o raciocínio hipotético, a condição (segundo parágrafo).


2 Na passagem “Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos espe-
culadores globais.”, Cristovam utiliza o argumento baseado no raciocínio lógico. Para isso, emprega conectivos como
“tanto... quanto”, que dão uma direção argumentativa ao texto. Que valor semântico esse tipo de correlação conjuntiva
imprime ao período? Cite um período do terceiro parágrafo em que esse argumento também esteja presente.

3 Como pode ser entendido o termo “brasileiro” no contexto em que foi empregado?


4 Quais são as duas visões de mundo acerca da Amazônia apresentadas pelo texto? Sintetize como o autor do texto
defende a sua visão.


Texto para as questões de 5 a 8.


[...]
Está provado, quem espera nunca alcança...
[...]
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar...
[...]
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio vento na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade
Chico Buarque.

5 O autor emprega a intertextualidade em “Eu semeio vento na minha cidade/Vou pra rua e bebo a tempestade.” A que
FRENTE ÚNICA

provérbio o autor faz referência?




149

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6 Cite outras passagens em que Chico Buarque faz a intertextualidade com provérbios populares.


7 Que recurso expressivo de natureza semântica (a intertextualidade é de natureza coesiva) foi empregado na relação provér-
bio-música?



8 Qual é a mensagem transmitida pelo autor?







Exercícios propostos
Qual a diferença entre publicidade e propaganda? Textos para a questão 2 e 3.
Esses dois termos não são sinônimos, embora sejam Texto 1
usados indistintamente no Brasil. Propaganda é a atividade
associada à divulgação de ideias (políticas, religiosas, par-
Quer virar um gênio da web? Saiba como
tidárias etc.) para influenciar um comportamento. Alguns criar seu meme para WhatsApp
exemplos podem ilustrar, como o famoso Tio Sam, criado Por Márcio Padrão
para incentivar jovens a se alistar no exército dos EUA; ou 27/10/2018
imagens criadas para “demonizar” os judeus, espalhadas No princípio, era o verbo. Depois, o e-mail, o link e
na Alemanha pelo regime nazista; ou um pôster promo- o website. Logo em sequência, o GIF do bebê dançando,
vendo o poderio militar da China comunista. No Brasil,
um dos primeiros memes da internet. Desde então, essa
um exemplo regular de propaganda são as campanhas
forma de comunicação dos novos tempos se alastrou como
políticas em período pré-eleitoral.
um tsunami em todas as nossas conversas e redes sociais.
Já a publicidade, em sua essência, quer dizer tornar
Mas e você? Já fez algum meme?
algo público. Com a Revolução Industrial, a publicidade
Memes são conteúdos multimídia que se espalham (vi-
ganhou um sentido mais comercial e passou a ser uma
ralizam) rapidamente, recriando fatos ou algum conteúdo
ferramenta de comunicação para convencer o público a
original com um propósito humorístico ou de sátira. Tudo
consumir um produto, serviço ou marca. Anúncios para
vira meme na mão do povão: uma cena importante de
venda de carros, bebidas ou roupas são exemplos de
"Game of Thrones", um discurso político, uma derrota
publicidade.
VASCONCELOS, Y. Disponível em: https://mundoestranho.abril.com.br.
de um time de futebol ou uma foto bizarra de um anônimo.
Acesso em: 22 ago. 2017 (adaptado). A graça dele é que justamente qualquer um com uma
boa sacada pode criar um meme ou participar de um que
já está rolando na web. Se você quer fazer um, lembre-se
1 Enem PPL 2019 A função sociocomunicativa desse de que um bom meme geralmente possui essas caracte-
texto é rísticas, segundo o site "Thrillist":
a ilustrar como uma famosa figura dos EUA foi criada
para incentivar jovens a se alistar no exército. Mensagem simples e eficiente
b explicar como é feita a publicidade na forma de É preciso que a frase/imagem/áudio/legenda/GIF/vídeo
anúncios para venda de carros, bebidas ou roupas. traga uma mensagem curta e clara, e com referências e
c convencer o público sobre a importância do consumo. contexto fáceis de identificar. De preferência, sobre algo
d esclarecer dois conceitos usados no senso comum. que ainda esteja fresco na memória das pessoas. Por isso,
e divulgar atividades associadas à disseminação de o autor do meme também deve ser rápido se quiser "surfar"
ideias. no assunto do momento.

150 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 6 Texto, ideologia e argumentação

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Evolução c Listagem das características principais do objeto
O meme não pode permanecer estático; seu sinal do texto, que tem a função de didaticamente apre-
de sucesso é que ele deve ser adotado e constantemen- sentar as propriedades relevantes.
te recriado pelo grande público, ou pelo menos por seu d Organização das instruções em passos sequen-
público-alvo. ciais, que têm a função de mostrar ao leitor as fases
importantes na criação de um meme.
Maleabilidade e Formalidade na linguagem, com o objetivo de con-
Ele deve ter em si elementos que ajudem em sua pró- vencer o leitor de que as instruções fornecidas
pria evolução, com detalhes que podem ser alterados, mas
pelo texto são confiáveis.
mantendo o núcleo da ideia original. Por exemplo: se o
meme for o de uma placa de aviso com uma frase, que seja
possível trocar a frase por outra diferente sem que polua 3 UFJF 2020 A partir da relação entre o Texto 1 e o
demais a imagem original. Texto 2, podemos dizer que ambos conferem ao
meme a seguinte característica:
Efeito a Difusão cultural, sendo capaz de se propagar entre
E o mais importante: tem que atingir um certo nível as pessoas.
de popularidade e compreensão. Em poucas palavras, tem b Efeito humorístico, sendo capaz de causar riso nas
que causar reação e interesse imediato nas pessoas, além pessoas.
de atiçar nelas o interesse de repassar o meme ou de fazer c Natureza crítica, sendo capaz de apontar proble-
outros parecidos. mas sociais.
(Texto adaptado. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/tecnologia/ d Aspecto informativo, servindo como divulgador de
noticias/redacao/2018/10/27/como-criar-seu-meme-parawhatsapp.htm.
Acesso em: 18 jul. 2019.) notícias.
e Natureza biológica, fazendo parte da constituição
Texto 2 genética das pessoas.
O que é um meme?
Texto para a questão 4.
Por Nova Escola 02/06/2015
O mundo como pode ser: uma outra globalização.
Você sabia que o criador do termo é um biólogo que Podemos pensar na construção de um outro mundo a partir
não estava nem aí para a cultura digital? O renomado de uma globalização mais humana. As bases materiais
(e polêmico) biólogo britânico Richard Dawkins, um dos
do período atual são, entre outras, a unicidade da técni-
principais cientistas que estuda a evolução das espécies,
ca, a convergência dos momentos e o conhecimento do
esteve na Editora Abril na semana passada para uma pa-
planeta. É nessas bases técnicas que o grande capital se
lestra e explicou a origem do conceito, cunhado em seu
apoia para construir uma globalização perversa. Mas essas
best-seller O gene egoísta, de 1976.
mesmas bases técnicas poderão servir a outros objetivos,
O livro O gene egoísta popularizou a ideia de que a
se forem postas a serviço de outros fundamentos sociais
seleção natural acontece a partir dos genes. Eles “buscam”
e políticos. Parece que as condições históricas do fim do
a sobrevivência por meio de corpos capazes de sobreviver
século XX apontavam para esta última possibilidade. Tais
e de se reproduzir (para replicar os genes). O biólogo con-
novas condições tanto se dão no plano empírico quanto
tou que queria terminar o livro com a proposta de que a
no plano teórico.
cultura também se espalha como os genes. O meme é o
Considerando o que atualmente se verifica no plano
equivalente cultural do gene, a unidade básica de trans-
empírico, podemos, em primeiro lugar, reconhecer um
missão cultural, que se dá por meio da imitação. Sobre
o uso do termo para descrever os virais da internet, ele certo número de fatos novos indicativos da emergência
disse que não se importa com a apropriação: “A internet de uma nova história. O primeiro desses fenômenos é a
é um fenômeno novo, que não existia quando eu criei o enorme mistura de povos, raças, culturas, gostos, em todos
meme. É um belo ambiente para o meme espalhar!”, disse. os continentes. A isso se acrescente, graças ao progresso
(Texto adaptado. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/
da informação, a “mistura” de filosofia, em detrimento do
4629/o-que-e-um-meme#. Acesso em: 18 jul. 2019.) racionalismo europeu. Um outro dado de nossa era, in-
dicativo da possibilidade de mudanças, é a produção de
uma população aglomerada em áreas cada vez menores,
2 UFJF 2020 Um dos objetivos do Texto 1 é instruir o o que permite um ainda maior dinamismo àquela mistura
leitor a respeito de como fazer um bom meme. Para entre pessoas e filosofias. As massas, de que falava Ortega
isso, pode-se dizer que a seguinte estratégia textual y Gasset na primeira metade do século (A rebelião das
é utilizada: massas, 1937), ganham uma nova qualidade em virtude
a Abundância de verbos no imperativo, que têm a de sua aglomeração exponencial e de sua diversificação.
função de orientar o leitor quanto às etapas que Trata-se da existência de uma verdadeira sociodiversida-
devem ser seguidas na criação de um meme. de, historicamente muito mais significativa que a própria
FRENTE ÚNICA

b Narração de acontecimentos relacionados ao te­ma, biodiversidade. Junte-se a esses fatos a emergência de uma
que tem a função de prender a atenção do leitor cultura popular que se serve dos meios técnicos antes
para o conteúdo do texto. exclusivos da cultura de massas, permitindo-lhe exercer

151

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sobre esta última uma verdadeira revanche ou vingança. Na pesquisa, publicada pelo periódico New Scientist,
É sobre tais alicerces que se edifica o discurso da escassez, 20 os cientistas perceberam que macacos de 25 anos tiveram
afinal descoberta pelas massas. A população, aglomerada uma redução de até 30% do tempo de grooming quando
em poucos pontos da superfície da Terra, constitui uma comparados com adultos de 5 anos. Se esse fenômeno
das bases de reconstrução e de sobrevivência das relações acontece em outros primatas, ele também pode ter che-
locais, abrindo a possiblidade de utilização, ao serviço dos gado a nós ao longo do caminho de formação da nossa
homens, do sistema técnico atual. 25 espécie. Se chegou, qual teria sido a vantagem evolutiva?
No plano teórico, o que verificamos é a possiblidade Durante muito tempo se especulou que esse “enco-
de produção de um novo discurso, de uma nova meta- lhimento” social em humanos seria, na verdade, resultado
narrativa, um grande relato. Esse novo discurso ganha de um processo de envelhecimento, em que depressão,
relevância pelo fato de que, pela primeira vez na histó- morte de amigos, limitações físicas, vergonha da aparência
ria do homem, se pode constatar a existência de uma 30 e menos dinheiro poderiam limitar as novas conexões.
universalidade empírica. A universalidade deixa de ser Mas, pesquisando os idosos, se percebeu que ter menos
apenas uma elaboração abstrata na mente dos filósofos amigos era muito mais uma escolha pessoal do que uma
para resultar da experiência ordinária de cada pessoa. De consequência do envelhecer.
tal modo, em mundo datado como o nosso, a explicação Uma linha de investigação explica que essa redução
do acontecer pode ser feita a partir de categorias de uma 35 dos amigos seria, na verdade, uma seleção dos mais velhos
história concreta. É isso, também, que permite conhecer de como usar melhor o tempo. Mas outros especialistas
as possiblidades existentes e escrever uma nova história. defendem a ideia de que os mais velhos teriam menos
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. 13. ed. São Paulo: Record, recursos e defesas para lidar com estresse e ameaças e, as-
2006. p. 20-21. (Adaptado).
sim, escolheriam com mais cautela as pessoas com quem
40 se sentem mais seguros (os amigos) para passar seu tempo.
4 UEG 2018 O processo argumentativo do texto é cons- BOUER, J. Jornal O Estado de São Paulo, caderno Metrópole, domingo, 26
truído a partir do seguinte procedimento: jun. 2016, p. A23. Adaptado.

a são expostas, de forma detalhada, duas conse-


quências econômicas de um determinado modelo
5 FMP 2017 Para garantir a unidade e a coerência, todo
de organização de produção.
texto deve seguir uma determinada ordem de apre-
b relata-se o conjunto de ações desenvolvidas por
sentação das ideias. Ao desenvolver o processo
uma instituição pública como fundamento e justifi-
argumentativo, o texto apresentado, depois de infor-
cativa de um projeto de lei.
mar que a redução do número de amigos pode ser
c elabora-se um quadro comparativo, no qual se
fruto de uma escolha pessoal do idoso, afirma que
apresentam a aproximação e os contrastes de dois
a o grooming entre os macacos equivale à relação de
tipos de pesquisa social.
carinho e de contato entre os humanos.
d faz-se a explanação dos dados de um relatório téc-
b os especialistas defendem posições distintas so-
nico-científico de uma pesquisa desenvolvida por
bre a relação entre envelhecimento e redução de
dois cientistas sociais.
­amigos.
e são apresentadas, de forma paralela, duas dimensões
c a depressão, as limitações físicas, a vergonha da
teórico-conceituais como argumentos em defesa de
aparência são alguns fatores que podem afetar as
uma tese.
pessoas idosas.
Texto para as questões 4 e 5. d os macacos mais velhos tiveram redução do tempo
de grooming, segundo uma pesquisa alemã.
Mais velho, poucos amigos? e o homem não é o único ser vivo que sofre uma
Um curioso estudo divulgado na última semana mos- redução de amigos ao longo do seu processo de
trou que a redução do número de amigos com a idade, tão envelhecimento.
comum entre os humanos, pode não ser exclusivo da nossa
espécie. Aparentemente, macacos também passariam por 6 FMP 2017 O argumento de autoridade utilizado no tex-
5 processo semelhante em suas redes de contatos sociais, o to para discutir o processo de “encolhimento” social é:
que poderia sugerir um caráter evolutivo desse fenômeno. a Estudos comprovam que as limitações físicas
No trabalho desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa pro­vo­cam depressão nos animais durante o envelhe­
com Primatas em Göttingen, Alemanha, se identificou uma cimento.
redução de grooming (tempo dedicado ao cuidado com b Médicos constataram que a liberação de endorfi-
10 outros indivíduos, como limpar o pelo e catar piolhos)
nas é causada pelo grooming entre seres humanos.
entre os macacos mais velhos da espécie Macaca sylvanus.
c Cientistas afirmam que a depressão é consequên-
Além disso, eles praticavam grooming em um número me-
cia da morte de amigos e das limitações físicas.
nor de “amigos” ou parentes.
d Pesquisas concluíram que os macacos sentem mais
Fazer grooming está para os macacos mais ou me-
15 nos como o “papo” para nós. Da mesma forma que o falta do contato físico do que os humanos.
“carinho” humano, ele parece provocar a liberação de e Pesquisadores identificaram redução do tempo de
endorfinas. Geram-se, dessa forma, sensações de bem-es- grooming e do número de amigos nos macacos
tar tanto em homens como em outros animais. mais velhos.

152 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 6 Texto, ideologia e argumentação

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP6_LA.INDD / 16-09-2020 (21:42) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL


Texto para a questão 7. d)
Canção do exílio

Ministério da Saúde/Ministério do
Transporte
Minha terra tem campos de futebol, onde cadáveres
amanhecem emborcados pra atrapalhar os jogos. Tem uma
pedrinha cor-de-bile que faz “tuim” na cabeça da gente.
Tem também muros de bloco (sem pintura, é claro, que
tinta é a maior frescura quando falta mistura) onde pousam
cacos de vidro pra espantar malandro.
Minha terra tem HK, AR15, M21, 45 e 38 (na minha Textos para a questão 9.
terra, 32 é uma piada). As sirenes que aqui apitam, apitam Texto 1
de repente e sem hora marcada. Elas não são mais das fábri-
cas, que fecharam. São mesmo é camburões, que vêm fazer GRITO
aleijados, trazer tranquilidade e aflição. Quadro que fundou o expressionismo nasceu de um
Fernando Bonassi. 100 coisas. São Paulo: Angra, 2000. p. 19.
ataque de pânico.
Edvard Munch nasceu em 1863, mesmo ano em que
7 Considere as seguintes afirmações acerca do texto. O piquenique no bosque, de Édouard Manet, era exposto
I. O texto de Fernando Bonassi entra em oposição no Salão dos Rejeitados, chamando a atenção para um
à visão ufanista contida no poema de Gonçalves movimento que nem nome tinha ainda. Era o impres-
Dias, “Canção do Exílio”. sionismo, superando séculos de pintura acadêmica. Os
II. Em “tranquilidade e aflição”, o autor cria um pa- impressionistas deixaram o realismo para a fotografia e
radoxo em que o primeiro termo torna irônico o se focaram no que ela não podia mostrar: as sensações, a
segundo. Implicitamente há uma crítica à ação da parte subjetiva do que se vê.
polícia. Crescendo durante essa revolução, Munch – que,
III. Em “as sirenes que aqui apitam”, observa-se o aliás, também seria fotógrafo – achava a linguagem dos
uso da assonância, da onomatopeia e do ana- impressionistas superficial e científica, discreta demais
coluto. para expressar o que sentia. E ele sentia: Munch tinha
IV. O texto põe a nu uma realidade brasileira em que uma história familiar trágica: perdeu a mãe e uma irmã
na infância, teve outra irmã que passou a vida em asilos
o crime domina e a ação do Estado é ineficaz.
psiquiátricos. Tornou-se artista sob forte oposição do pai,
que morreria quando Munch tinha 25 anos e o deixaria na
Estão corretas:
pobreza. O artista sempre viveu na boemia, entre bebedei-
a apenas I e II.
ras, brigas e romances passageiros, tornando-se amigo do
b apenas I, II e IV. filósofo niilista Hans Jæger, que acreditava que o suicídio
c apenas II, III e IV. era a forma máxima da libertação.
d apenas I, III. Fruto de suas obsessões, O Grito não foi seu primeiro
e apenas I e IV. quadro, mas o que o tornaria célebre. A inspiração veio do
que parece ter sido um ataque de pânico, que ele escreveu
8 Identifique o tipo de argumento utilizado. em seu diário, pouco mais de um ano antes do quadro:
a) O homem é um ser racional. “Estava andando por um caminho com dois amigos – o
b) Para uma empresa atingir um lucro significativo, é sol estava se pondo – quando, de repente, o sol tornou-se
preciso fazer um plano de marketing. vermelho como o sangue. Eu parei, sentindo-me exausto,
c) e me encostei na cerca – havia sangue e línguas de fogo
sobre o fiorde negro e a cidade. Meus amigos continuaram
José
Fogaça
andando, e eu fiquei lá, tremendo de ansiedade – e senti
(PMDB)
Maria do Manuela
um grito infinito atravessando a natureza”.
Rosário D’Avila Ali nasceria um novo movimento artístico. O Grito
(PT) (PCdoB) Brancos e nulos: 8%
seria a pedra fundadora do expressionismo, a principal
Luciana
Genro
Onyx Não sabe/não opinou: 9% vanguarda alemã dos anos 1910 aos 1930.
Lorenzoni (Aventuras na História)
(PSOL) Entrevistados: 830 eleitores
(DEM) da capital, a partir dos 16
anos de idade, nos últimos
dias 23 e 24 de julho.
Subsídio para a leitura do texto 2.
5 Pedro Américo, pintor brasileiro nascido na Paraíba,
8 Margem de erro: três pontos
20 18 percentuais (para mais ou
29 para menos).
foi um grande cultivador da arte acadêmica. Viveu sob
a proteção de D. Pedro II, que lhe financiou cursos na
Número de registro da
pesquisa na Justiça Europa. O Imperador Brasileiro foi um verdadeiro Mece-
FRENTE ÚNICA

Eleitoral: 9/2008.
nas (indivíduo rico que protege artistas, homens de letras
Demais candidatos
Nelson Marchezan Junior (PSDB), Paulo ou de ciências, proporcionando-lhes recursos financeiros
Rogowski (PHS) e Vera Guasso (PSTU):
1% cada um.
para que possam dedicar-se, sem preocupações outras,
Fonte: Datafolha/ 25 jul. 2008. às artes e às ciências). Foi por encomenda de D. Pedro II

153

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP6_LA.INDD / 15-09-2020 (12:20) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


que ele pintou, em 1888, o quadro que homenageia a) Onde está o erro no silogismo anterior?
D. Pedro I, pelo ato de proclamar a independência política b) Reestruture nas linhas a seguir o silogismo de
do Brasil. A pintura recebeu o nome de Independência ou modo que ele possa ser coerente.
Morte, sendo mais conhecida, no entanto, como O Grito Premissa maior: 
do Ipiranga. É um quadro que todo estudante brasileiro
Premissa menor: 
reconhece.
Conclusão: 
Texto 2
O GRITO Texto para a questão 11.
Um tranquilo riacho suburbano,
Linguagem de computador
Uma choupana embaixo de um coqueiro,
Uma junta de bois e um carreteiro: Como funciona o código de barras?
Eis o pano de fundo e, contra o pano, Alexandre Nogueira, Maceió, AL

Também chamado de código UPC, Universal Product


Figurantes – cavalos e cavaleiros,
Code, Código Universal de Produtos, as barras nada mais
Ressaltando o motivo soberano,
são do que representações gráficas do código binário
A quem foi reservado o meio plano utilizado pelos computadores (0 e 1). Cada barra escura
Onde avulta solene e sobranceiro. equivale a 1 e cada barra clara equivale a 0. Uma barra
escura mais grossa que as outras é, na verdade, a somatória
Complete-se a figura mentalmente de várias barras escuras, umas ao lado das outras; o mesmo
Com o grito famoso, postergando vale para as barras claras.
Qualquer simbologia irreverente. Sim, parece difícil de entender, afinal, é uma operação
que envolve muitas contas, mas a intenção é simples: ras-
Nem se indague do artista, casto obreiro, trear os passos de uma mercadoria e permitir ao proprietário
Fiel ao mecenato e ao seu comando, ter mais controle do que tem e do que vende em uma loja.
Quem o povo, se os bois, se o carreteiro. Apesar da tecnologia ter sido desenvolvida na década
PAES, José Paulo. Poesia Completa. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. P.105. de 50, somente após sua padronização, nos anos 70, em-
presas americanas e europeias começaram a utilizá-la em
larga escala. Funciona assim: cada produto recebe uma
9 Uece 2017 Leia com atenção o que se diz sobre os numeração exclusiva internacionalmente reconhecida como
dois textos. GTIN, Número Global de Item Comercial (Global Trade
I. Há um trabalho explícito de interdiscursividade Item Number), que será a chave de acesso para identifi-
entre “O Grito”, em prosa, e “O Grito”, em verso. cação do produto e suas características que devem estar
II. O tipo de verso em que foi composto “O Grito” se armazenadas nos bancos de dados das empresas. É como
adéqua ao tema explorado. se fosse um RG internacional da mercadoria e que pode ser
III. O tipo de verso em que foi composto o poema representada por um ou mais tipos de código de barras. [...]
“O Grito” constitui uma ironia: o tom que o autor Galileu. São Paulo: Globo, set. 2004, p. 84.
imprime ao poema não condiz com a nobreza do
verso escolhido. 11 UFG Em “É como se fosse um RG internacional de merca-
doria”, o autor compara o código de barras ao RG para:
Está correto o que se diz somente em a esclarecer que ambos os sistemas são controlados
a I e II. por redes de monitoramento.
b II. b explicar a finalidade do código de barras como ins-
c III. trumento de registro.
d I e III c mostrar que esses códigos necessitam de procedi-
mentos especiais de leitura.
10 Leia o trecho a seguir. d descrever o funcionamento dos sistemas de identi-
• Premissa maior: todo gato é ágil. ficação de produtos e de pessoas.
• Premissa menor: eu sou ágil. e justificar a existência generalizada de códigos de iden-
• Conclusão: logo, eu sou gato. tificação.

154 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 6 Texto, ideologia e argumentação

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP6_LA.INDD / 16-09-2020 (20:35) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL


Texto complementar
Lugares da qualidade
Os lugares da qualidade, os menos apreensíveis, apa- coisas pode parecer sem importância, apenas por se dar um
recem na argumentação quando se contesta a virtude do preço a elas”.
número. Será esse o caso dos reformadores, daqueles que O valor do único pode exprimir-se por sua oposição
se revoltam contra a opinião comum, tal como Calvino, que ao comum, ao corriqueiro, ao vulgar. Estes seriam a forma
alerta Francisco I contra aqueles que arguem, opondo-se à depreciativa do múltiplo oposto ao único. O único é origi-
sua doutrina, que “ela já é condenada por um consenso geral nal, distingue-se, por isso é digno de nota e agrada mesmo
de todos os estados”. Rejeita ele o costume, pois “a vida dos à multidão. É a valorização do único, ou pelo menos do que
homens jamais foi regrada tão bem, que as melhores coisas parece tal, a base das máximas de Gracián e dos conselhos
agradassem à maior parte”. Ele opõe ao número a qualidade que ele dá ao homem da corte. Cumpre evitar repetir-se,
da verdade garantida por Deus: cumpre parecer inesgotável, misterioso, não classificável com
“Em oposição a toda essa multidão é enviado Jeremias, facilidade: a qualidade única torna-se um meio com vistas a
para denunciar, da parte de Deus, que a Lei perecerá entre os obter o sufrágio do maior número. Mesmo o grande número
Sacerdotes, o conselho será retirado dos sábios e a doutrina, aprecia o que se distingue, o que é raro e difícil de realizar.
dos Profetas.” “O mais difícil, dirá Aristóteles, é preferível ao que o é
Mesmo os chefes podem, pois, enganar-se. Não se trata, menos, pois apreciamos mais a posse das coisas que não
no ponto extremo onde se coloca Calvino, de uma ciência são fáceis de adquirir.”
superior concedida à elite. Já não se trata, tampouco, de um Nota-se que Aristóteles não se contenta em enunciar o
conhecimento da verdade correspondente ao que admitiria, lugar. Esboça uma explicação. Relaciona-o com a pessoa,
como em Platão, um auditório universal de deuses e de ho- com o esforço. O raro concerne sobretudo ao objeto, o difícil
mens. Trata-se da luta de quem detém a verdade, garantida ao sujeito, enquanto agente. Apresentar uma coisa como
por Deus, contra a multidão que erra. O verdadeiro não difícil ou rara é um meio de valorizá-la.
pode sucumbir, seja qual for o número de seus adversários: A precariedade pode ser considerada o valor qualitativo
estamos em presença de um valor de ordem superior, in- oposto ao valor quantitativo da duração; é correlativa ao
comparável. É esse aspecto que os protagonistas do lugar da único, ao original. Sabe-se que tudo quanto está ameaçado
qualidade não podem deixar de enfatizar: no limite, o lugar ganha um valor eminente: Carpe diem. A poesia de Ronsard
da qualidade redunda na valorização do único que, assim joga habilmente com esse tema que nos toca imediatamen-
como o normal, é um dos pivôs da argumentação. te. A precariedade nem sempre é ameaça de morte, pode
O único é ligado a um valor concreto: o que considera- referir-se a uma situação: a dos amantes aos olhos um do
mos um valor concreto nos parece único, mas é o que nos outro, comparada com a dos esposos, é oposição do valor
parece único que se nos torna precioso: do precário ao do estável.
“Sua semelhança comigo, diz-nos Jouhandeau, o que Esse lugar é vinculado a um lugar muito importante ci-
se nos assemelha, nos confunde, não me interessa; é o sinal tado por Aristóteles, que seria o da oportunidade:
particular que isola X, a sua “singularidade” que me importa, “Cada coisa é preferível no momento em que tem
se me impõe.” mais importância: por exemplo, a ausência de mágoa é mais
Considerar entes como permutáveis, não ver o que desejável na velhice do que na juventude, pois tem
produz a especificidade de suas personalidades é desva- mais importância na velhice.”
lorizá-los. Basta às vezes uma inversão dos termos para Se invertermos o exemplo de Aristóteles, se insistirmos
que se manifeste o caráter apagado de quem eles desig- nas coisas importantes para a criança ou o adolescente,
nam: “Thanks, Rosencrantz and gentle Guildenstem”, veremos que, fazendo o valor depender das circunstâncias
diz o Rei. “Thanks, Guildenstem and gentle Rosencrantz”, transitórias, insistimos na precariedade desse valor e, ao mes-
repete a Rainha. mo tempo, enquanto ele é válido, aumentamos-lhe o preço.
Esses exemplos tendem a mostrar que a unicidade de O lugar do irreparável se apresenta como um limite, que
um ente ou de um objeto qualquer decorre da maneira pela vem acentuar o lugar do precário: a força argumentativa,
qual concebemos nossas relações com ele: para um, tal ani- vinculada à sua evocação, pode ter um efeito fulminante.
mal não passa de uma amostra de uma espécie; para outro, Exemplo, a célebre peroração de São Vicente de Paulo,
trata-se de um ser único com o qual mantém relações sin- dirigindo-se às damas piedosas e mostrando-lhes os órfãos
gulares. Filósofos como Martin Buber, como Gabriel Marcel, por ele protegidos:
insurgem-se contra o fungível, o mecânico, o universalizável: “Fostes suas mães segundo a graça, desde que suas mães
“É preferível, dirá Buber, violentar um ser que se pos- segundo a natureza os abandonaram. Vedes agora se quereis
suiu realmente do que praticar uma benevolência anódina também abandoná-los para sempre...; sua vida e sua morte
a números sem rosto!” estão em vossas mãos... Eles viverão, se continuardes a ter
Para G. Marcel, o valor de um encontro com um ser para com eles um cuidado caridoso; mas, declaro-vos perante
nasce de esse encontro ser “único em seu gênero”. O que Deus, estarão mortos amanhã, se vós os desamparardes.”
FRENTE ÚNICA

é único não tem preço, e seu valor aumenta pelo próprio Se essa peroração teve tanto sucesso (o apelo resultou
fato de não ser avaliável. Por isso, Quintiliano aconselha ao na fundação do Hospital das Crianças Abandonadas), é ao
orador não cobrar a sua colaboração, porque “a maioria das lugar do irreparável que o deve.

155

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O valor do irreparável pode, se quisermos pesquisar-lhe nos pressiona para tomar uma decisão afirma-nos que
os fundamentos, relacionar-se com a quantidade: duração estamos embarcados e que cumpre escolher, que a hesitação
infinita do tempo que se escoará depois que o irreparável não pode durar, que há urgência e temor de naufrágio.
tiver sido feito ou constatado, certeza de que os efeitos, Além dos usos do lugar do único como original e raro,
intencionais ou não, se prolongarão indefinidamente. Mas cuja existência é precária e a perda irremediável, pelo que
ele também pode vincular-se à qualidade: a unicidade é é contraposto ao que é fungível e comum, que não corre-
conferida ao acontecimento que se qualifica de irreparável. mos o risco de perder e é facilmente substituível, há, numa
Seja ele bom ou mau em suas consequências, é fonte de ordem de ideias totalmente diferente, um uso do lugar do
pavor para o homem; para que uma ação seja irreparável, é único como oposto ao diverso. O único é, nesse caso, o
preciso que não possa ser repetida: ela adquire um valor pelo que pode servir de norma: esta adquire um valor qualitativo
próprio fato de ser considerada sob esse aspecto. em relação à multiplicidade quantitativa do diverso. Opor-
O irreparável se aplica ora ao sujeito, ora ao objeto; -se-á a unicidade da verdade à diversidade das opiniões.
alguma coisa pode ser irreparável em si ou com relação a tal A superioridade das humanidades clássicas em relação às
sujeito: poderão replantar à frente de minha porta um novo humanidades modernas, dirá um autor, deve-se ao fato de os
carvalho, mas já não serei eu que sentarei à sua sombra. antigos apresentarem modelos fixos, reconhecidos, eternos e
Vê-se que o irreparável na argumentação é realmente universais. Os autores modernos, mesmo que sejam tão bons
um lugar do preferível, no sentido de que, quando ele se quanto os antigos, oferecem o inconveniente de não poder
refere a um objeto, só pode ser na medida em que este é servir de norma, de modelo indiscutível: é a multiplicidade
portador de um valor; não se mencionará o irreparável, o dos valores representados pelos modernos que lhes causa a
irremediável, quando se tratar de uma irreparabilidade que inferioridade pedagógica. Esse mesmo lugar serve a Pascal
não acarreta nenhuma consequência na conduta. Talvez se para justificar o valor do costume:
fale num discurso científico da segunda lei da termodinâmi- “Por que se seguem as antigas leis e as antigas opiniões?
ca, mas esta só será considerada argumento do irreparável se Será que são mais sadias? Não, mas são únicas, e nos ex-
atribuirmos um valor a um certo estado do universo. tirpam a raiz da diversidade. O que é único se beneficia de
Uma decisão cujas consequências seriam irremediáveis um prestígio inegável: a exemplo de Pascal, pode-se explicar
é valorizada por isso mesmo. Na ação, prendemo-nos com isso um fenômeno de adesão, fundamentando-o nesse
em geral ao que é urgente: os valores de intensidade, valor positivo que se toma como base de uma argumentação,
vinculados ao único, ao precário, ao irremediável, nela sem dever fundamentá-lo por sua vez. A inferioridade do
estão no primeiro plano. Assim é que Pascal vale-se múltiplo, seja ele o fungível ou o diverso, parece admitida
dos lugares da quantidade para mostrar-nos que é com muita frequência, sejam quais forem as justificações,
preciso preferir a vida eterna à vida terrena, mas quando muito variadas aliás, que seríamos capazes de lhe encontrar.”
Chaim Perelman; Lucie Olbrechts - Tyteca. Tratado da argumentação: a nova retórica. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão.
2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 100-5.

Resumindo
Discurso/ideologia yy O durável sobre o efêmero: x dura mais que y; logo, x é melhor do
que y, merece a nossa confiança.
yy Ideologia: visão de mundo; conjunto de ideias; maneira de conceber
a realidade. yy O efêmero sobre o durável: x é mais rápido do que y; logo, x é melhor.
yy Discurso: visão de mundo presente no texto. yy O existente sobre aquilo que é possível: x é certo, y é um risco.
yy Interdiscursividade: todo texto utiliza um discurso que já existe; a yy Argumento de qualidade: x é superior a y porque x possui mais qua-
relação entre os discursos recebe esse nome. lidade que y (ou é mais raro).
yy Oposição de discursos: todo discurso opõe-se a outro existente. yy Argumento de quantidade: x é superior a y porque x possui mais
do que y.
yy Linguagem: sistema de regras e repertório, varia no tempo e no es-
paço, a exemplo dos discursos. yy Argumento de direção: para atingir y é preciso passar por x.
yy Intertextualidade: quando um texto cita o outro (a paródia, por exem- yy Argumento baseado na competência linguística: refere-se à habili-
plo). dade com que o enunciador utiliza a linguagem.
yy Intertextualidade estilística: quando um texto cita o outro no estilo. yy Argumento baseado em provas concretas: trata-se da apresentação
de estatísticas, cifras, documentos, fatos históricos e fatos do cotidiano.
yy Argumento de autoridade: citar uma autoridade sobre o assunto do
Tipos de argumento qual se fala.
yy O anterior sobre o posterior: x é anterior a y; logo, x é melhor do que yy Argumento de consenso: quando não há discordância em torno do
y, ou x tem mais direito que y. que se fala, a comunidade científica trata do tema como verdade in-
yy O posterior sobre o anterior: x é posterior a y; logo, x é melhor, ou é questionável.
mais moderno, eficiente. yy Argumento baseado no raciocínio lógico: trata-se do uso de compa-
rações, relações de causa e efeito, silogismos etc.

156 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 6 Texto, ideologia e argumentação

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Quer saber mais?

Teatro Livro
yy GOMES, Dias. O pagador de promessas. Rio de Janeiro: Bertrand yy MÁRQUEZ, Gabriel García. Relato de um náufrago. Trad. de Remy
Brasil, 2006. Gorga Filho. Rio de Janeiro: Record, 1997.
Esse texto discute a religiosidade brasileira sob dois aspectos: a Mistura de relato real e ficção, pois García Márquez, jornalista além
visão do povo, abrangente a ponto de julgar todos os animais me- de escritor de romances, foi procurado pelo citado náufrago para
recedores do sacramento do batismo, em contraste com a posição narrar a trágica aventura em que perdeu alguns companheiros ma-
intransigente de alguns membros da Igreja. Foi a base para o roteiro rinheiros.
de filme de mesmo nome, única obra brasileira até hoje a ganhar
a palma de Ouro do Festival de Cannes (1962, direção de Anselmo Filme
Duarte).
yy Carandiru. Direção: Hector Babenco.
Jornal/Revista Esse é um bom exemplo para usufruir o texto narrativo a partir do
entrelaçamento de dois gêneros: o próprio filme, aqui indicado, e o
yy Carta Capital. Ed. Confiança.
livro do escritor Drauzio Varela no qual o diretor baseou sua obra.
yy Clóvis Rossi, colunista da Folha de S.Paulo.
Entre muitos outros exemplos de periódicos e de colunistas, você poderá
observar em suas leituras como se constroem textos argumentativos
defendendo uma visão do mundo dos veículos (mais à esquerda, no
caso da revista Carta Capital) e progressista, ainda que buscando certa
neutralidade, no trabalho do falecido cronista Clóvis Rossi.

Exercícios complementares
1 Unicamp Em setembro de 2003, uma universidade Ninguém:
brasileira veiculou um convite-propaganda para a pa- – Como hás nome, cavaleiro?
lestra “Desenvolvimento da saúde e seus principais
problemas”, que seria proferida por José Serra, ex- Todo o Mundo:
-Ministro da Saúde. Do convite-propaganda fazia par- – Eu hei nome Todo o Mundo,
te uma foto de José Serra sobre a qual foi colocada e meu tempo todo inteiro
uma tarja branca com o seguinte enunciado: sempre é buscar dinheiro,
e sempre nisto me fundo.
A “Universidade X”
ADVERTE: Ninguém:
ESSA PALESTRA – E eu hei nome Ninguém,
FAZ BEM À SAÚDE e busco a consciência.

a) Esse enunciado faz alusão a um outro. Qual?


(Berzebu para Dinato)
b) Compare os dois enunciados. – Esta é boa experiência!
c) O convite-propaganda situa a “Universidade X” Dinato, escreve isto bem.
em um lugar de autoridade. Explique como isso
acontece. Dinato:
– Que escreverei, companheiro?
O texto a seguir refere-se às questões 2 e 3.
Auto da Lusitânia Berzebu:
– Que Ninguém busca consciência
Entra Todo o Mundo, homem como rico mercador, e e Todo o Mundo dinheiro.
faz que anda buscando alguma cousa que se lhe perdeu;
e logo após ele um homem, vestido como pobre. Este se (Ninguém para Todo o Mundo)
chama Ninguém, e diz: – E agora que buscas lá?
– Que andas tu aí buscando?
Todo o Mundo:
FRENTE ÚNICA

Todo o Mundo: – Busco honra muito grande.


– Mil cousas ando a buscar:
delas não posso achar, Ninguém:
porém ando perfiando, – E eu virtude, com que Deus mande
por quão bom é perfiar. que tope com ela já.

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(Berzebu para Dinato) 3 Vunesp Gil Vicente (1465?-1540?), na rubrica de seu
– Outra adição nos acude: texto, ao introduzir em cena os personagens Todo o
escreve aí, a fundo, Mundo e Ninguém, indica-os dissimulados por suas
que busca honra Todo o Mundo, aparências. Isto implica considerar que podem não
e Ninguém busca virtude. ser o que parecem. Tendo em vista que a farsa é uma
peça cômica irreverente, com elementos da comédia
Ninguém: de costumes, e fazendo uso dos equívocos e dos en-
– Buscas outro mor bem qu’esse? ganos, releia o texto e, a seguir:
a) aponte e classifique gramaticalmente o vocábulo
Todo o Mundo: que, empregado duas vezes na indicação inicial
– Busco mais quem me louvasse de como deve ser executada a cena (rubrica), per-
tudo quanto eu fizesse. mite inferir que as aparências de Todo o Mundo e
Ninguém são dissimuladas.
Ninguém: b) demonstre, com base no texto, uma característica
– E eu quem me repreendesse farsesca do Auto da Lusitânia.
em cada cousa que errasse.
Leia este trecho do texto Censura-violência (1979), de
(Berzebu para Dinato) Antonio Candido (1918-2017).
– Escreve mais.
Violência física e violência mental são na verdade
violência social, como fica mais evidente neste fim de
Dinato:
século especialmente bruto. Ela é fruto da desigualdade
– Que tens sabido?
econômica, que requer força para se manter, porque sem
força a igualdade se imporia como solução melhor, que
Berzebu:
na verdade é. Hoje, é espantoso ouvir e ler os pronuncia-
– Que quer em extremo grado mentos das autoridades de todos os níveis, que falam com
Todo o Mundo ser louvado, veemência crescente que a miséria do povo é intolerável,
e Ninguém ser repreendido. [...] que a concentração da riqueza deve ser mitigada, que a
pobreza é um mal a ser urgentemente superado – não raro
(Todo o Mundo para Ninguém) com estatísticas demonstrativas. É espantoso, porque até
– E mais queria o paraíso, pouco tempo tais afirmações eram consideradas coisa de
sem mo ninguém estorvar. subversivos; e é espantoso porque isso é dito, mas quem
diz faz tudo para que as coisas fiquem como estão, e para
Ninguém: que os que querem mudar sejam devidamente enquadra-
– E eu ponho-me a pagar dos pela força. Não há dúvida de que a censura funciona
quanto devo para isso. como retificação, como dolorosa ortopedia feita para lem-
brar aos incautos a obrigação de não passar da demagogia
(Berzebu para Dinato) à luta real pela democracia. A ideia, a palavra, a imagem
– Escreve com muito aviso. podem ser instrumentos perigosos aos olhos dos que de-
sejam apenas escamotear, operando conscientemente no
Dinato: plano da ideologia para abafar a verdade. Censura, portan-
– Que escreverei? to, e censura como arma para formar com outras o arsenal
de manutenção da desigualdade – econômica, política,
Berzebu: social. Por isso, mais em nosso tempo do que em outros,
– Escreve nos quais eram menos variados e atuantes os meios de
que Todo o Mundo quer paraíso, expressão, devemos estar cada vez mais preparados para
e Ninguém paga o que deve.[...] lutar contra a violência dentro da qual vivemos em todos
Gil Vicente. Teatro de Gil Vicente. Lisboa: Portugália, 1959.
os níveis. Inclusive a da censura.

4 UFRGS 2019 Considere as seguintes afirmações sobre


2 Vunesp Na cena da farsa Auto da Lusitânia atuam os o trecho acima.
personagens Todo o Mundo e Ninguém, e, intercalada- I. O autor defende que a censura é uma forma de
mente, Berzebu e Dinato. Os diálogos entre estes dois violência a serviço da manutenção da desigualda-
últimos estabelecem uma ambiguidade semântica com de econômica, política e social.
respeito aos dois primeiros. Releia o texto e responda: II. O autor elogia as iniciativas de governo que têm
a) qual personagem se responsabiliza diretamente verdadeiramente contribuído para a extinção da
por promover a ambiguidade? pobreza.
b) explique a ambiguidade que adquirem os nomes III. O autor convoca o leitor a combater todas as for-
Todo o Mundo e Ninguém. mas de violência. Quais estão corretas?

158 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 6 Texto, ideologia e argumentação

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP6_LA.INDD / 15-09-2020 (12:20) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


a Apenas I. brasileiro, deixando evidente como os grandes centros euro-
b Apenas II. peus espoliaram o continente e que, hoje, a realidade africana
c Apenas III. é fruto dessas ações.
d Apenas I e III. (Adaptado de Nei Lopes, O dicionário heterodoxo. Entrevista concedida
a Cristina Queiroz. Revista Fapesp. Edição 275, jan. 2019. Disponível em
e I, II e III. http://revistapesquisa.fapesp.br/ 2019/01/10/nei-braz-lopes-o-dicionarista-
heterodoxo/. Acessado em 23/08/2019.)
Texto 1
a) Explique, com base em dois argumentos presentes
no texto, por que, para o autor, escrever dicionários
é uma tarefa política.
b) Que crítica o autor faz aos currículos escolares e
que abordagem propõe para o assunto?

Texto para a questão 7.


Disponível em: http://www.colunistas.com.br/anos/pc2013/nn/exterior/
MOTA-violencia_contra_a_mulher-1.jpg. Acesso em: 30 mar. 2019.
Raposa na pele de cordeiro
Os golfinhos sempre tiveram uma das mais agradáveis
5 UFSC 2019 De acordo com o Texto 1 e com a variedade imagens do mundo animal. Dóceis e úteis, permeiam a litera-
padrão da língua escrita, é correto afirmar que: tura infantil com gestos dignos do melhor samaritano. Flipper
01 o anúncio estabelece intertextualidade com a lei que o diga. Bom, descobriu-se que a coisa não é bem assim.
que cria mecanismos para coibir a violência do- Seguindo um rastro de evidências perturbadoras, cientistas
méstica e familiar contra a mulher. de vários países, que vêm estudando com mais cautela o
02 a frase “Homem que bate em mulher, Penha nele” comportamento desses mamíferos, chegaram a uma triste
tem como predicativo “Penha nele”. conclusão: os golfinhos estão longe de ser aquelas criaturas
felizes e pacíficas. Foram observadas práticas de infanticídio –
04 o anúncio foi criado pela Bandeirantes Mídia Exterior
golfinhos adultos matando filhotes – e morte em série de
para divulgar a Lei Maria da Penha fora do Brasil.
outros mamíferos aquáticos. Em locais tão distantes entre si
08 o vocábulo “que” funciona como pronome relativo,
quanto a costa americana e a da Irlanda, os golfinhos usam
antecipando o substantivo “mulher”.
seu bico pontudo e dentado como clavas para bater e retalhar
16 o vocábulo “nele” estabelece relação entre ora- suas presas. Mas, diferentemente de outros animais carní-
ções e retoma o antecedente “homem”. voros, eles não comem um pedaço sequer de suas vítimas.
32 na frase “Homem que bate em mulher, Penha nele”, Como a espécie é muito social com humanos, teme-se que
tem-se o emprego de uma variante coloquial da essa violência possa se repetir em parques aquáticos ou ci-
língua portuguesa como estratégia da linguagem dades costeiras onde há muita proximidade com golfinhos.
publicitária para estabelecer um diálogo direto com IstoÉ, 1.554, 14 jul. 1999.
o público-alvo do anúncio.
Soma: 
7 Unicamp
a) Suponha que alguém não saiba nada sobre golfi-
6 Unicamp 2020 O dicionarista e historiador Nei Lopes, nhos. Como os classificaria, do ponto de vista da
autor do Dicionário banto do Brasil, afirmou, em entre- Zoologia, com base em informações fornecidas
vista à Revista Fapesp: pelo texto?
Resolvi elaborar um dicionário para identificar os vo- b) Qual o receio expresso na última frase do texto, e
cábulos da língua portuguesa com origem no universo dos o que o justifica?
povos bantos, denominação que engloba centenas de lín- c) Nas fábulas, o inimigo do cordeiro não é a rapo-
guas e dialetos africanos. Palavras como babá, baia, banda, sa. Tendo isso em conta, qual deveria ser o título
caçapa, cachimbo, dengo, farofa, fofoca e minhoca, por deste texto?
exemplo, têm origem provável ou comprovada em línguas
bantas e o quimbundo pode ter sido o idioma que mais 8 Fuvest 2020 Adaptados a esse idioma que se transforma
contribuiu à formação de nosso vocabulário. Ao constatar conforme a plataforma, os memes e textões dominaram a
tal quantidade de palavras originárias de idiomas bantos que rotina desta década como modos de a gente rir, repercutir
circulam pelo país, quis comprovar a importância dessas notícias, dividir descontentamentos, colocar o dedo em
culturas para o contexto nacional. Assim, escrever dicioná- feridas, relatar injustiças e até se informar. Entraram logo
rios, para mim, também é uma tarefa política. Percebi que no vocabulário para além da internet: "virar meme", "dar
dicionários funcionam como um meio didático eficaz para textão". Suas características também interferiram no jeito
disseminar conhecimento. de compreender o mundo e expressar o que acontece
Os currículos costumam começar a abordagem sobre a
FRENTE ÚNICA

à nossa volta. Viktor Chagas, professor e pesquisador da


África a partir da escravidão, partindo do princípio de que Universidade Federal Fluminense (UFF), os vê como ma-
os nossos ancestrais foram todos escravos. Nos ensinamen- nifestações culturais de grande relevância para entender
tos sobre o assunto, é preciso descolonizar o pensamento o período e, também, como "extravasadores de afetos”.

159

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[...] Por mais que o textão seja "ão", assim como o meme Texto para as questões 10 e 11.
ele é uma expressão sintética típica de hoje, explica

Reprodução
­Viktor Chagas. Mesmo o textão mais longo na verdade é
um textinho: faz parte da lógica do espaço em que circula.
TAB UOL,“Vim pelo meme e era textão”.
Disponível em https://tab.uol.com.br/. Adaptado.

a) Retire do texto dois argumentos que justifiquem a


caracterização de “memes e textões” como “ex-
travasadores de afetos”.
b) Em que sentido pode se afirmar que não há uma
contradição no trecho “Mesmo o textão mais lon- Tristan Tzara.
go na verdade é um textinho”? Pegue um jornal.
Pegue a tesoura.
Texto para a questão 9. Escolha no jornal um artigo do tamanho que você
deseja dar ao seu poema.
O texto a seguir é um excerto de Macunaíma: o herói Recorte o artigo.
sem nenhum caráter, de Mário de Andrade, autor per- Em seguida, recorte com atenção cada palavra que
tencente à escola modernista. forma esse artigo e coloque num saco.
Agite suavemente.
Senhoras:
A seguir, retire cada pedaço, um após o outro.
Não pouco vos surpreenderá, por certo, o endereço e a
Copie conscienciosamente na ordem em que elas
literatura desta missiva. Cumpre-nos, entretanto, iniciar estas
foram retiradas do saco.
linhas de saùdade e muito amor com desagradável nova.
O poema se parecerá com você.
É bem verdade que na boa cidade de São Paulo – a maior Tristan Tzara. Para fazer um poema dadaísta.
do universo, no dizer de seus prolixos habitantes – não sois
conhecidas por “icamiabas”, voz expúria, sinão que pelo
apelativo de Amazonas; e de vós, se afirma, cavalgardes 10 Em que o poema se baseia, como ele é construído?
ginetes belígeros e virdes de Hélade clássica; e assim sois
chamadas. Muito nos pesou a nós, Imperator vosso, tais 11 Ainda em relação ao poema, responda:
dislates de erudição, porém heis de convir conosco que, a) a intertextualidade ocorre no momento em que o
assim, ficais mais heroicas e mais conspícuas, tocadas por poeta se serve de outro texto para a construção
essa plátina respeitável da tradição e da pureza antiga. de seu poema; contudo, pode haver uma intertex-
Mas não devemos esperdiçarmos vosso tempo fero, tualidade estilística, isto é, faz-se proveito de um
e muito menos conturbarnos vosso entendimento, com outro texto no que tange ao estilo ou ao tipo de
notícias de mau calibre; passemos pois, imediato, ao relato texto. Explique como isso ocorre no poema.
de nossos feitos cá. b) que palavras possibilitam o reconhecimento des-
[...] sa intertextualidade?
Mário de Andrade. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter.
Edição crítica de Telê Porto Ancona Lopez. 1 reimp.
c) em que os dois textos (o de origem e o de Tristan
São Paulo: ALLCA XX, 1997. Tzara) diferenciam-se? Em que eles se assemelham?

missiva: carta; saùdade: acentuação portuguesa de sauda- 12 Fuvest


de; icamiabas: as amazonas, mulheres guerreiras; ginetes: I. Não deis o que é santo aos cães, nem atireis vossas
cavalos de guerra; dislates: asneiras; conspícuas: ilustres; pérolas aos porcos [...].
plátina: envelhecimento; fero: feroz.
Mateus, 7:6.

9 Mário de Andrade, ao usar o estilo clássico, ridiculariza II. Você pode atirar pérolas aos porcos. Mas não
uma certa norma do português, o que era tido por “portu- adianta nada atirar pérolas aos gatos, aos cães ou
guês castiço” no período. Ironiza uma forma de escrever, às galinhas porque isso não tem nenhum significado
em que, sem o menor propósito, se cita a literatura clás- estabelecido.
sica. É um caso de imitação de estilo por subversão, Millôr Fernandes. Millôr definitivo: a bíblia do caos.
também chamada de...:
a) Considerando-se que o texto II tem como referência
Platão e Fiorin. Lições de texto.
o texto I, qual é a expressão que, de acordo com
a metalinguagem. Millôr Fernandes, tem um“significado estabelecido”?
b quebra do paralelismo. b) No texto I, os significados dos segmentos “não deis
c paródia. o que é santo aos cães” e “nem atireis vossas pé-
d antítese. rolas aos porcos” reforçam-se mutuamente ou se
e prosopopeia. contradizem? Justifique sucintamente sua resposta.

160 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 6 Texto, ideologia e argumentação

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13 Leia os textos a seguir.
Texto 1
A sobrevivência do Ocidente depende de os norte-americanos reafirmarem sua identidade ocidental e de os
ocidentais aceitarem que sua civilização é singular e não universal, e se unirem para renová-la e preservá-la diante
de desafios por parte das sociedades não ocidentais. Evitar uma guerra global das civilizações depende de os líderes
mundiais aceitarem a natureza multicivilizacional da política mundial e cooperarem para mantê-la.
Samuel Huntington. A superpotência solitária. Política Externa.
São Paulo: Paz e Guerra, 2000.

Texto 2
Os dois acontecimentos, embora intimamente relacionados, são de natureza totalmente diferente. O fim dos comu-
nismos marca o fim de uma era. Já a Guerra do Golfo marca o começo de uma era. O primeiro acontecimento encerra,
o segundo inaugura. Um pede um exame, o outro uma avaliação. Um é a história de esperanças frustradas; o outro, de
receios ainda não materializados.
Immanuel Wallerstein.

Considere as seguintes afirmações.


I. De acordo com o texto 2, o comunismo é a história de esperanças não concretizadas e de temores não
materializados.
II. Os numerais ordinais “primeiro” e “segundo”, no texto 2, funcionam como elementos de coesão, introduzin-
do respectivamente o “comunismo” e a “Guerra do Golfo”.
III. De acordo com o texto 2, o Comunismo e a Guerra do Golfo relacionam-se de forma intimista, mas são de natu-
reza oposta.
IV. No texto 1, o adjetivo “singular” assume o mesmo significado observado em “É uma pessoa singular, possui
hábitos que ninguém possui.”

Estão incorretas:
a apenas I, II e III.
b apenas I e II.
c apenas III e IV.
d apenas I e III.
e nenhuma.

14 Unicamp 2019 O xeque-mate – do persa shah mat: o rei está morto – ocupa uma função controversa nas leis do jogo de
xadrez. Trata-se de uma expressão que designa o lance final – é quando um dos reis não tem mais qualquer possibilidade
de movimento. De saída, e nisso consiste o primeiro traço de ambivalência da expressão, a rigor, o rei não morre. Pode-se
dizer até que o rei agoniza – mas de seu destino quase nada sabemos. Em resumo, o xeque-mate é exatamente, negando
o que enuncia a expressão, o lance anterior ao que podemos chamar de morte. Diferentemente do senso comum, que vê
grandeza naquele que luta até o último instante – a saber, até a morte –, o jogador de xadrez deve ter a medida de seu
esforço. Saber abandonar uma partida no momento certo, portanto, é uma demonstração de domínio da própria derrota.
A morte, por jamais tornar-se concreta, fica sendo pura potência. Talvez seja este caráter inacabado – o jogo acaba sem-
pre antes de acabar – que concede, afinal, ao jogo de xadrez, na forma de rito, a possibilidade de um eterno recomeçar.
(Adaptado de Victor da Rosa, “Xeque-mate”. Disponível em http://culturaebarbarie.org/sopro/verbetes/xequemate.html. Acessado em 04/09/2018.)

a) Victor da Rosa afirma que há uma ambivalência na expressão “xeque-mate”. Explique-a.


b) Explique, com dois argumentos, por que a posição do autor quanto à grandeza do jogo de xadrez contraria
o senso comum.

15 Assinale a opção que melhor substitui a expressão destacada no trecho a seguir e, ao mesmo tempo, esteja
de acordo com a relação por ela estabelecida.
[…] Embora o Enem seja um avanço no sentido de permitir uma avaliação do Ensino Médio, ele pode incorrer em
um problema que existe atualmente: tornar-se um modelo para os currículos das escolas. […]
Folha de S.Paulo. “Risco é Enem virar modelo curricular”. Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/enem2408/pag1ris.htm>.

a que permite – restrição.


b porque permite – explicação.
c e permita – adição.
FRENTE ÚNICA

d para permitir – finalidade.


e a despeito de permitir – concessão.

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Texto para a questão 16.
É melhor atirar-se à luta em busca de dias melhores, mesmo correndo o risco de perder tudo, do que permanecer estático
como os pobres de espírito, que não lutam, mas também não vencem, que não conhecem a dor da derrota, nem a glória de
ressurgir dos escombros. Esses pobres de espírito, ao final de sua jornada na Terra, não agradecem a Deus por terem vivido,
mas desculpam-se perante Ele por terem apenas passado pela vida.
Robert Nesta Marley (Bob Marley).

16 Considere as seguintes afirmações.


I. Em “mesmo correndo...”, temos o argumento de ressalva.
II. No texto de Marley, observa-se o argumento baseado do raciocínio lógico: oposições, relações de causa e conse-
quência.
III. A expressão “pobres de espírito” refere-se aos que não pedem perdão a Deus.

Estão corretas:
a apenas I.
b apenas II.
c apenas I e II.
d apenas I e III.
e todas.

Texto para questão 17.


A importância da história
O passado é inexoravelmente presente na vida do homem de diversas formas, sendo usado com inúmeros fins; a au-
sência de conhecimento histórico pode levar (e já levou) uma nação inteira a ser manipulada por oportunistas que criam
ou manipulam a história a seu favor.
A memória coletiva é usada (e alterada) tanto para justificar nacionalismos como para sustentar teorias econômicas e
filosóficas. Exemplos disso são inúmeros; os socialistas falam num “comunismo primitivo” das sociedades antigas, assim como
Rousseau fala do mito do “bom selvagem”; conceitos inexatos, que foram criados para justificar a própria teoria. Podemos
ver, na Alemanha de Hitler, a utilização do passado tanto para reforçar o nacionalismo – uma vez que afirma o passado de
uma raça ariana – quanto para justificar o holocausto, atribuindo aos judeus a culpa da crise do estado Alemão. No Brasil,
isso sempre foi presente, desde a criação do “indígena bondoso”, pelos poetas românticos, até a exaltação de alguns políticos
como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek; atribuíram-se a eles qualidades que não correspondem à realidade. Todos esses
casos criam uma falsa memória coletiva de modo que pessoas sem conhecimento histórico são facilmente manipuladas.
Com esses exemplos, podemos constatar quanto o passado é segundo o presente, ou seja, a forma pela qual vemos
o passado demonstra nossas atuais características. Se na década de 70 estudávamos a Revolução de 64, hoje estudamos
o Golpe de 64, o que demonstra as diferentes visões das épocas sobre um determinado assunto. As diferentes visões so-
bre a independência de Portugal traduzem as diferentes visões sobre a religião; três séculos atrás, era indiscutível a ideia
de que Jesus teria aparecido a Afonso Henriques antes da batalha de Ourique; hoje muitos professores nem comentam
sobre o tal milagre. Outros exemplos desse tipo são muito comuns na Idade Média, alguns milagres foram mudados por
interesses políticos, como por exemplo a mudança do local do milagre de Santo Idefonso, com interesse de glorificar a
nova basílica de Toledo.
Daniel G. Carvalho.

17 Na passagem “a Revolução de 64, hoje estudamos o Golpe de 64”, o autor:


a altera o sentido por meio de uma mudança morfológica, de classe gramatical.
b altera o sentido por meio de uma mudança fonética, que soa mais agradável.
c altera a interpretação dos fatos, por meio da mudança de léxico.
d altera a interpretação dos fatos por meio de um recurso sintático.
e comete um deslize de vocabulário, troca “Revolução” por “Golpe”.

18 Leia atentamente o seguinte fragmento de crônica.


– Vambora, Nazaré. Nesta casa não dão à gente nem uma bolacha.
Mas não se pense que é mercenária. Ela reclama a bolacha, primeiro porque gosta de bolacha, depois por uma questão
de princípio: como uma autoridade que reclamasse o pagamento do imposto. Sempre quando chega numa casa é comum lhe
oferecerem uma banana, um bombom – ou bolacha. Se ninguém oferece nada registre-se a anomalia – será má vontade ou
esquecimento? Talvez o convite para ir embora não seja sincero, seja apenas um lembrete.”
Rachel de Queiroz. Cenas brasileiras. 6 ed. São Paulo: Ática, 1997.

162 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 6 Texto, ideologia e argumentação

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A autora desenvolve, no fragmento lido, um raciocínio lógico a partir do comportamento peculiar da pequena Neuma.
Em qual das alternativas a seguir há um pressuposto adequado àquele raciocínio?
a Neuma não era mercenária, pois fazia chantagem emocional com os adultos em troca de guloseimas por culpa deles
próprios, que a haviam mimado demais.
b Neuma não era mercenária, mas sim esperava apenas que os adultos fossem coerentes: se lhe ofereciam sempre gulo-
seimas, teria o direito de reclamar quando essa regra fosse quebrada.
c Como Neuma era uma criança egocêntrica e voluntariosa, reclamava o seu “pagamento” em bolachas tal como
uma autoridade que exige o pagamento de impostos.
d A anomalia consistiria não no fato de alguns adultos se esquecerem de oferecer guloseimas a Neuma, mas sim no
fato de alguns, por má vontade, deliberadamente se recusarem a dar-lhe esse mimo.
e Neuma entendia que seu afeto para com os adultos tinha um “valor de troca”, por isso cobrava deles as guloseimas
como forma de pagamento.

19 Fuvest
Crianças perguntam... Einstein responde!
a
O professor da 5 série de uma escola americana descobriu que seus alunos ficavam chocados ao aprender que os seres
humanos são classificados no reino animal. Então sugeriu que escrevessem para grandes cientistas e intelectuais e pedissem
a opinião deles sobre isto. Albert Einstein respondeu: “Queridas crianças. Nós não devemos perguntar ‘O que é um animal?’,
mas, ‘Que coisa chamamos de animal?’. Bem, chamamos de animal quando essa coisa tem certas características: alimenta-se,
descende de pais semelhantes a ela, cresce, movimenta-se sozinha e morre quando seu tempo se esgotou. É por isso que cha-
mamos a minhoca, a galinha, o cachorro e o macaco de animais. E nós, humanos? Pensem nisto da maneira que eu mencionei
anteriormente e então decidam por vocês mesmas se é uma coisa natural nós nos considerarmos animais”.
Ciência Hoje – Crianças.

a) Em sua resposta às crianças, Albert Einstein propõe a substituição da pergunta “O que é um animal?” por “Que
coisa chamamos de animal?”. Explique por que essa substituição já revela uma atitude científica.
b) Fazendo as adaptações necessárias e conservando o seu sentido original, reconstrua o último período do texto
(“... Pensem nisto da maneira que eu... animais.”), começando com “[...] Decidam por vocês mesmas... animais”.

20 Unicamp O texto abaixo é extraído de artigo jornalístico no qual se comparam duas notícias que chamaram a atenção
da imprensa brasileira no mês de outubro de 2007: de um lado, o caso entre o senador Renan Calheiros e a jornalis-
ta Mônica Veloso; de outro, o artigo em que o apresentador de TV Luciano Huck expressa sua indignação contra o
roubo de seu relógio Rolex.
Aparentemente, o que aproxima todos esses personagens é a disputa por um objeto de desejo. No caso dos assaltantes
de Huck, por estar no pulso de um “bacana”, mais que um relógio, o objeto em questão aparece como um equivalente
geral que pode dar acesso a outros objetos [...]. Presente de sua mulher, a igualmente famosa apresentadora global Angé-
lica, um relógio desse calibre é sinal de prestígio, indicando um lugar social que, no Brasil, costuma “abrir portas” raras
vezes franqueadas à maior parte da população. [...] Mais afinado com as tradições patriarcais de seu Estado natal, Renan
aparece nos noticiários, bem de acordo com a chamada “preferência nacional” dos anúncios de cerveja. Daí que não
seja possível, em ambos os episódios, associar os casos em questão àquele “obscuro objeto de desejo” que dá título a um
dos mais instigantes filmes de Luís Buñuel. Tratava-se, para o cineasta, de mostrar como um desejo singular, único, podia
engendrar um objeto de grande opacidade. Em direção oposta, tanto na parceria Calheiros/Veloso, quanto no confronto
Huck/assaltantes, há uma espécie de exibição ostensiva dos objetos em jogo, como que marcando a coincidência de
desejos que perderam sua singularidade para cair na vala comum das banalidades.
Eliane Robert Moraes. Folha de S.Paulo, edição de 14 out. 2007. (Adapt.). Grifos nossos.

a) Um dos usos de aspas é o de destacar elementos no texto. Explique a finalidade desse destaque nas se-
guintes expressões presentes no texto: “bacana”, “abrir portas” e “preferência nacional”.
b) No caso de “obscuro objeto de desejo”, as aspas marcam o título de um filme de Buñuel. Explique como a refe-
rência a esse título estabelece uma oposição fundamental para a argumentação do texto.

21 Unicamp O trecho abaixo (texto 1), extraído de um artigo publicado no caderno Vida& do Estado de São Paulo,
de 18 de agosto de 2006, aborda uma questão polêmica relacionada à ética médica. Esse artigo inclui dois excertos:
um do Código de Ética Médica (texto 2) e uma Resolução do Conselho Federal de Medicina (texto 3).
FRENTE ÚNICA

163

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Texto 1
[...] médicos de todo o país distribuem aos pacientes cupons que dão descontos na compra de produtos farmacêuticos.
Os cupons são feitos pelos próprios laboratórios.
A empresa X, por exemplo, distribui cupons que dão 80% de desconto na compra de uma loção cicatrizante. A empresa Y
criou um cartão de fidelidade que garante descontos de até 50% na compra de medicamentos para doenças crônicas, como
diabete e asma. Os dois laboratórios firmaram convênios com diversas farmácias no Brasil. [...]
O cupom da empresa X, por exemplo, não tem valor sem o carimbo, a assinatura e o registro do médico no Conselho
de Medicina. No caso da empresa Y, o cartão definitivo só é dado depois que o médico fornece ao cliente um provisório. [...]

Texto 2
O que dizem as normas.
Código de Ética Médica: O artigo 98 afirma que é vedado ao médico “exercer a profissão com interação ou dependência
de farmácia, laboratório ou qualquer organização destinada à fabricação, manipulação ou comercialização de produtos de
prescrição médica de qualquer natureza [...].

Texto 3
Resolução 1595 do Conselho Federal de Medicina: Considerando que “o trabalho do médico não pode ser explorado
por terceiros com objetivo de lucro”, o CFM proíbe “a vinculação da prescrição médica ao recebimento de vantagens
materiais oferecidas por agentes econômicos interessados na [...] comercialização de produtos farmacêuticos ou equipa-
mentos de uso na área médica.

a) As posições expressas nos Textos 2 e 3 são semelhantes? Responda sim ou não e justifique.
b) A situação descrita no Texto 1 fere as normas apresentadas nos Textos 2 e 3? Responda sim ou não e justifique.

164 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 6 Texto, ideologia e argumentação

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Pó do Cosmos (1981) © Augusto Campos
FRENTE ÚNICA

7
CAPÍTULO Nível da expressão – relações entre linguagens
O texto de Augusto de Campos emprega duas linguagens: a verbal e a visual. A relação
entre elas é de complementariedade. O azul do poema aponta para o espaço e as palavras
para o que há dentro dele, se levarmos em conta o título, o pó do cosmos. O poema permite
várias leituras, na diagonal, na vertical, na horizontal, de cima para baixo, de baixo para cima;
as palavras estão diagramadas no texto de uma forma que mimetizem planetas girando em
torno de algo, no caso, duas palavras: “um” e “luz”. A luz pode ser a do Sol, a do conheci-
mento, a luz divina; o poema é aberto. A obra de Augusto de Campos faz uma reflexão sobre
o estar no mundo: o pó do cosmos é o próprio homem, visto que ele está presente no espaço
de muitas maneiras e por muitos motivos. E essa multiplicidade é mimetizada nas inúmeras
possibilidades expressivas do signo em seu labor poético.

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Conceito de signo
O texto apresenta dois grandes níveis: nível de conteúdo e nível de expressão (ou de manifestação). No primeiro, a
enunciação explora relações de sentido; no segundo, explora, dependendo da linguagem (verbal, visual etc.), recursos
gráficos, visuais, fonéticos, sintáticos, gestuais, isto é, elementos que estão na superfície do texto. O estudo do signo tem
por finalidade esclarecer, de forma mais objetiva, as relações entre forma e conteúdo, entre significante e significado.
yy Signo
Tudo aquilo que possui um significante e um significado apresenta uma dupla face (a língua é um sistema de signos).
yy Significante
Trata-se da parte sensível; imagem acústica (fonema) ou imagem gráfica (letra).
yy Significado
É a parte ausente; o conteúdo.
yy Significação
Relação entre significante e significado.
yy Existência do signo
Fora da sociedade, os signos não existem. A foice e o martelo no antigo sistema comunista eram signos (símbolo) da
união entre o povo do campo e o povo da cidade. Em outras sociedades eram apenas objetos.
yy Linguagem
A linguagem é um sistema de signos; a língua é uma das linguagens existentes.
yy Signo e o referente
O referente é a coisa em si. O signo é a representação linguística ou visual do referente (referente: o objeto caneta;
signo: a palavra caneta ou o desenho da caneta).
yy Um significante para vários significados
A palavra durex, por exemplo, significa fita adesiva no Brasil, mas, em Portugal, é marca de preservativo.
yy Um significado para vários significantes
Maison, “casa”, house e tapy são significantes que remetem a um mesmo significado: moradia, lar.
yy Signo visual x signo verbal
O signo visual é universal e icônico (imagem); o signo verbal é arbitrário (muda de cultura para cultura) e não é icônico.

A existência do signo
Fora da sociedade, os signos não existem. O signo é uma convenção dos homens; o que é um sistema de signos,
linguagem, em uma sociedade, pode não ser em outra. A fumaça pode vir a ser linguagem, código, sistema de signos
se naquela tribo for uma mensagem decodificável. Duas pancadas fortes e uma pancada fraca poderão se tornar um
sistema de signos se em uma prisão for um meio de comunicação para se transmitir uma mensagem; neste caso, os sons
decorrentes da pancada serão o significante, o qual se associa a um significado (por exemplo, o carcereiro não está no
corredor). A própria leitura dos objetos varia de sociedade para sociedade, uma cadeira pode virar ornamento em uma
sociedade indígena. Seja como for, cadeira para sentar ou cadeira para ornar, é preciso que haja uma sociedade para
que essa leitura exista.

Signo verbal: aproximação entre significante e significado na linguagem verbal


Há determinados textos em que o significante assume o primeiro plano, como diz Alfredo Bosi, professor titular de
Literatura Brasileira da USP. Vejamos alguns exemplos.
Coraçãocabeça (1980)
© Augusto Campos

Fig. 1 Augusto de Campos, Coraçãocabeça, 1980.

Em relação ao poema acima, diz Augusto de Campos:


Em 1985, na versão que considero definitiva, finalizada em serigrafia por Omar Guedes, usei as cores verde sobre o fundo
vermelho, buscando, com a utilização das complementares, criar uma vibração plástica, também convergente para o ícone da
pulsação. Era um álbum de dimensões grandes, tiragem de 300 exemplares.

166 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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Einar Einarsson Kvaran/Wikipedia
Divulgação

Fig. 4 Primeiro plano.


Fig. 2 Signo verbal.

No anúncio da DM9, as escadas são formadas por pa- O close


lavras. A dificuldade com que se lê o anúncio traduz de
O close também cria um efeito de aproximação, todavia,
forma linguística a situação por que passa o deficiente físico.
o objetivo é o detalhe, as particularidades. O close chama
atenção da parte (a parte pelo todo). Na estilística, a figura
O signo visual: efeitos de sentido e de linguagem que apresenta essa relação é a sinédoque
oposições (tipo de metonímia). Na figura abaixo, o close permite ob-
servar com detalhe as marcas de uma vida: as rugas, a pele
A perspectiva já desgastada pelo tempo.
O uso da perspectiva está vinculado à ideia de algo

Jak/Morguefile
infinito, prolongado, ilimitado, algo a ser conquistado ou
percorrido. A perspectiva faz com que o contínuo não te-
nha fim, como se não houvesse o descontínuo. Na figura a
seguir, a perspectiva cria o efeito de sentido profundidade.
Há a sensação de que se está à procura de um objetivo,
no caso, o fim do túnel.
© Creasencesro | Dreamstime.com

Fig. 5 Close.

O dinâmico e o estático
© Gino Santa Maria | Dreamstime.com

© Yuri Arcurs | Dreamstime.com

Fig. 3 Perspectiva.

O primeiro plano
O primeiro plano é um recurso enfático, um efeito de
aproximação. Ao colocar em primeiro plano um objeto ou
um ser, o enunciador faz com que o olhar do enunciatário
dirija-se a esse ser, colocando-o como foco principal. No
teatro, é a colocação de um ator na frente dos demais;
FRENTE ÚNICA

na linguagem verbal, é a topicalização de um termo da


oração (por exemplo, um objeto direto à esquerda do ver-
bo, iniciando a oração). Na foto a seguir, a escultura de
Aleijadinho ganha destaque por estar no primeiro plano. Fig. 6 Dinamicidade. Fig. 7 O estático.

167

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O dinâmico associa-se comumente à ideia de aventura, terrenas, ao aspecto carnal, material ou àquilo que indica infe-
paixão, jovialidade, emoção. O movimento sugere também a rioridade em algum nível. Quanto à lateralidade, pode indicar
progressão temporal, ação em processo. O estático, por sua algo à margem do processo, algo que não constitua o centro
vez, remete à ausência de progressão temporal, ao retrato, ao das atenções, secundário (há exceções). Na primeira foto, o
descritivo. A estaticidade visual permite uma atenção maior ao superativo está ligado à fantasia (tapete voador, poder mágico),
detalhe. Na foto anterior, a do executivo, a ideia de retrato está e o inferativo à natureza; na segunda foto, a mulher de costas
presente na própria expressão de quem está sendo fotogra- ocupa o lugar central, o que confere a ela certo poder; já na
fado. Há a impressão de que a emoção não existe, apenas terceira foto, Martin Luther King ocupa posição mais lateral,
há a concentração para a foto. Na foto da bailarina registra-se pois é intenção do fotógrafo mostrar a multidão que assiste
uma ação em processo: a performance da artista. O efeito de ao discurso deste pacifista.
dinamicidade na linguagem verbal pode ser obtido por meio,
por exemplo, do gerúndio (“Caminhando e cantando...”). O áspero e o liso

A superatividade, a inferatividade, a

Constantin Brancusi
lateralidade
Viktor Vasnetsov/Wikipedia

Fig. 11 Liso e áspero – Brancusi.

Atenção
Fig. 8 Superativo/inferativo.
Constantin Brancusi é considerado um dos maiores
escultores do séc. XX (Craiova, Romênia, 1876-Paris,
© Dmitriy Shironosov | Dreamstime.com

1957). Tentou simplificar suas obras, atingindo uma forma


abstrata básica, semelhante à forma de um ovo. Essa sim-
plicidade abstrata pode ser vista no seu Pássaro no espaço.
Brancusi inspirou-se na escultura primitiva e pré-histó-
rica, que considerava mais próxima do seu ideal de forma
básica do que os estilos europeus mais desenvolvidos. Seus
primeiros trabalhos sofreram grande influência do escultor
francês Auguste Rodin. A partir de Rodin, Brancusi concentrou
seu interesse em superfícies esculturais refinadas e no jogo da
Fig. 9 Central. luz sobre a forma. Ele polia os seus trabalhos em bronze até
alcançar um brilho tão intenso que as superfícies pareciam
se dissolver em reflexos.
© Bettmann/CORBIS/Corbis (DC)/Latinstock

Brancusi instalou-se em Paris, em 1904. Seu estilo de


escultura quase não se modificou depois de 1910.
©Enciclopédia e Dicionário Koogan-Houaiss Digital.

A superfície áspera remete ao rudimentar, ao primiti-


vo, a algo que não tenha passado totalmente pelas mãos
do homem. Há o efeito do primitivo. O atrito que provoca
traz dificuldade de movimento, há o obstáculo. A natureza
possui essa aspereza, bem como seu contrário, a superfície
Fig. 10 Lateral.
lisa. O liso está associado ao escorregadio, ao movimento,
A superatividade pode relacionar-se ao poder, à espiritua- à leveza, ao feminino (possui o traço da suavidade). O liso
lidade, enfim, àquilo que denota superioridade em algum nível. pode ser o resultado de uma tecnologia. A modernidade fa-
Por oposição, a inferatividade associa-se muito mais às coisas brica em abundância superfícies lisas. A cabeça de Brancusi,

168 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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na foto anterior, sofreu um processo especial de polimento; As formas retas podem imprimir ao texto modernidade,
esse processo deu à obra uma suavidade muito grande. O rigidez, virilidade. As formas curvas podem estar ligadas
brilho, o efeito do liso, a desfigurativização do rosto e o fato àquilo que é antigo (arquitetura barroca, rococó), suave e
de ser uma cabeça solta do corpo criam uma figura estra- feminino. As formas curvas também estão associadas ao re-
nha, tétrica e ao mesmo tempo suave. O cabelo rugoso e ligioso e àquilo que é pomposo, com muita ornamentação.
áspero sugere o primitivo, o antigo. O rugoso e o liso, nesta Compare a imagem dos prédios e da igreja. No primeiro,
escultura, convivem em harmonia, dando equilíbrio à peça. retas, simplicidade, racionalidade nas formas; no segundo,
curvas, ornamentos, detalhes.
As formas moles e as formas duras
O aberto e o fechado
Ekaterina Starshaya/123rf.com

Nicolas Raymond/stock.xchng
Fig. 16 O aberto.
Fig. 12 Formas moles.

© Jose Antonio Sánchez Reyes | Dreamstime.com


© Sek Soon Ann | Dreamstime.com

Fig. 17 O fechado.

As formas abertas sugerem um espaço não delimitado,


um contínuo efeito de sentido de liberdade, de espaço a
Fig. 13 Formas duras.
ser percorrido, de possibilidade de movimento. As formas
As formas moles transmitem suavidade, lentidão e fechadas remetem a um espaço descontínuo, mais con-
movimento; parecem adaptáveis a qualquer superfície e centrado. O fechado pode estar ligado à intimidade, ao
podem sugerir certa subjetividade. As formas duras dão ao secreto, ao oculto ou até mesmo à falta de liberdade. Na
texto uma ideia de solidez, racionalidade e materialidade. foto da estrada, o vazio criado pelo espaço aberto significa,
no plano do conteúdo, sensação de liberdade, um caminho
O reto e o curvo a ser percorrido. Na foto do quarto, o espaço é fechado,
sem saída. Há a sensação de confinamento.
Paul_Houle/Flickr

Roman Bonnefoy/CC-by-sa 3.0/Wikipedia

Desfigurativização e o figural
Immanuel Giel/Wikimedia Commons/Joan Miró

FRENTE ÚNICA

Fig. 14 O reto. Fig. 15 O curvo. Fig. 18 A desfigurativização.

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A desfigurativização pode ser entendida como uma O estranhamento
procura da essência, de um estado em que a significação
O estranhamento ocorre na arte quando a enuncia-
ainda não seja possível, um estado anterior ao signo. Por
ção resolve dar outra função ao ser, diferente daquela por
esse motivo, a desfigurativização é difícil de interpretar. A
que é conhecida. Provoca-se um efeito de sentido. Na
natureza está repleta de formas que consideramos abstra-
tela de H­ ieronymus Bosch (reprodução a seguir), temos
tas e sem sentido em uma pintura moderna. O leitor teria
um aparente caos, em que os seres se misturam, criando
dificuldade em discernir uma foto de explosão de estrelas
uma combinação e uma funcionalidade inusitada. Como
de um quadro abstracionista. As formas que habitam o uni-
no sonho, os objetos se relacionam de forma incoerente
verso também habitam as telas, a distância que separa a
e estranha (para muitos, referência ao inconsciente). Ao
ciência da arte é pequena. O abstracionista está compro-
dar outra função ao objeto, a enunciação esvazia-o de sua
metido com o figural, com aquilo que particulariza cada ser
significação usual, dando-lhe outro sentido. Esse novo sen-
neste mundo, ou seja, sua essência. Teremos uma essência
tido pode obrigar o enunciatário a ver o objeto sob um
da cadeira, do sol, do amor. O traço mínimo, observado nas
novo ângulo. Vemos sempre uma cadeira com uma ideia
telas de Picasso, traduz essa procura; a tela final é o último
preconcebida, é preciso tirar essa ideia e olhar a cadeira
touro, o qual possui o mínimo de desenho, apenas algumas
como se fosse a primeira vez, como se ela fosse a única.
linhas. Picasso foi ao encontro de uma essência da forma.
Compôs para decompor.

Hieronymus Bosch/Web Gallery of Art


Pablo Picasso

Fig. 20 Hieronymus Bosch. O jardim das delícias terrenas, 1504. Óleo sobre ma-
deira. Museo del Prado, Madrid.

Relações entre linguagens


Barroco

Rembrandt van Rijn/Web Gallery of Art

Fig. 21 Rembrandt. Mulher banhando-se num córrego, 1654. Óleo sobre madeira.
Fig. 19 Pablo Picasso. El Toro, 1945. Litografia. The National Gallery, Londres, Inglaterra.

170 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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A cultura barroca (1580 a 1756), segundo o historiador paganismo e cristianismo; espírito e matéria. Nos quadros,
José Antônio Maravall, foi uma resposta à crise do século XVII, emprega-se estilo grandioso, acentuado contraste de cla-
que foi econômica, social, política, moral e religiosa. No campo ro-escuro e a expressão dos sentimentos; vide os quadros
econômico, a produção estava em decadência nas minas de de Rembrandt. A temática é realista, abrangendo todas as
prata na América; no campo político-religioso, a Guerra dos camadas sociais. O pintor tenta captar cenas de maior in-
Trinta Anos, opondo católicos a protestantes, deixou quatro tensidade dramática. Rembrandt é considerado um dos
milhões de mortos na Europa; no campo moral, os padres de maiores nomes da pintura barroca.
toda a Europa queixavam-se do “afrouxamento” dos valores

Rembrandt van Rijn/Web Gallery of Art


europeus e do aumento da sodomia. A decadência do poder
nobiliárquico, em face do aumento do poder real no século
XVI, foi responsável por uma reação aristocrática no século
XVII, com uma demanda da nobreza por recuperar antigos
privilégios e recuperar o poder que tinha nos tempos medie-
vais (Miguel de Cervantes satirizou esse fato em Dom Quixote);
no campo social, somente na França, entre o fim do século
XVII e o começo do XVIII, ocorreram cerca de 8500 revoltas
no campo, em geral, contra o aumento de impostos causado
pelo crescente fortalecimento do poder real. Na Inglaterra, a
Revolução Gloriosa inaugurava uma nova forma de governo e
abria caminho para a construção do Capitalismo; na Península
Ibérica, onde a crise se manifestou com maior intensidade,
a contrarreforma e a volta da Inquisição foi particularmente
importante na cultura barroca. Diante de todos esses conflitos
Fig. 23 Rembrandt. Lição de anatomia do Dr. Tulp, 1632. Óleo sobre tela. Royal
na maior parte da Europa, o Estado aumentou ainda mais suas
Picture Gallery Mauritshuis, Haia, Países Baixos.
prerrogativas, de modo que, na França, ascendeu Luís XIV,
o mais absoluto dos monarcas. Uma sensação de profunda Na literatura, dois nomes foram importantes para a es-
opressão e abatimento tomou conta da Europa, consciente cola barroca: Gregório de Matos
de que algo não andava bem. O termo “Barroco” advém da e Padre Antônio Vieira.
palavra portuguesa homônima que significa “pérola imper- Gregório de Matos é co­nhe­
feita”, ou, por extensão, joia falsa. A palavra foi rapidamente cido pela crítica à corrupção da
introduzida nas línguas francesa e italiana. época, pela irreverência de suas
palavras e pelo erotismo de al-
nobiliárquico: referente à classe dos nobres, à nobreza. gumas poesias. Uma das figuras
de linguagem mais presente em
Gregório é a antítese, a figura
Rembrandt van Rijn/Web Gallery of Art

que emprega a oposição como


Fig. 24 Gregório de Matos. recurso expressivo.

Triste Bahia! Oh quão dessemelhante


Estás, e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

A ti trocou-te a máquina mercante,


Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado
Tanto negócio, e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente


Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sangaz Brichote.
Fig. 22 Rembrandt. Ronda noturna, 1642. Óleo sobre tela. Rijksmuseum, Amsterdã,
Holanda. Oh se quisera Deus, que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
FRENTE ÚNICA

No Barroco, tanto na literatura como na pintura, ex- Que fora de algodão o teu capote!
plora-se a emoção, em oposição ao racionalismo da arte Gregório de Matos. “Pondo os olhos primeiramente na sua cidade conhece,
que os mercadores são o primeiro móvel da ruína, em que arde pelas
renascentista; conciliam-se forças antagônicas, como o mercadorias inúteis e enganosas.” In: Antologia Poética. Rio de Janeiro:
bem e o mal; Deus e diabo; céu e terra; pureza e pecado; Ediouro, 1997.

171

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP7_LA.INDD / 16-09-2020 (20:45) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL


Padre Antônio Vieira é famoso pelos seus sermões me-

Aleijadinho/Wikipedia
talinguísticos, pelo jogo de palavras e também pela crítica
à postura de alguns homens.

Reprodução

Fig. 25 Padre Antônio Vieira.

[...] O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao
inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são os
de maior calibre e de mais alta esfera, [...].
Pe. Antônio Vieira. “Sermão do bom ladrão”. In: Sermões. São Paulo: Hedra,
2001. p. 395. Fig. 27 Aleijadinho. Cristo carregando a cruz. Escultura. Santuário de Congonhas
do Campo, Minas Gerais, Brasil.
Entre 1733 e 1748, em Minas Gerais, o ciclo do ouro
viveu o seu apogeu. A Igreja Matriz de Nossa Senhora do
Pilar (foto a seguir) foi construída em 1733 e é a segunda Romantismo
igreja mais rica do Brasil; nela foram gastos 400 quilos O Romantismo surgiu nas últimas décadas do século
de ouro a fim de revestir talhas e anjos esculpidos. Ela XVIII na Europa, estendendo-se por grande parte do sé-
possui um dos mais completos arquivos documentais de culo XIX. A Revolução Francesa excitou o imaginário de
Ouro Preto. No subsolo da Igreja Matriz, há o Museu de muitos jovens da época. Os alemães Schelling, Holderlin
Arte Sacra; nele se encontram artefatos religiosos, peças e Hegel, quando souberam da tomada da Bastilha, plan-
sacras, prataria e vestimentas utilizadas em celebrações taram uma árvore, batizando-a de “árvore da liberdade”.
em Vila Rica. Com o Congresso de Viena, no entanto, para os jovens
da época, a sociedade parecia regredir com a volta dos
Luis Rizo/Wikipedia

reis absolutistas. Eles estavam frustrados com o mundo,


melancólicos, voltando-se para si mesmos, para o seu in-
terior, para a autorreflexão, para aquilo que é subjetivo,
transcendente, obscuro, inconsciente. Eles não sabiam se
marchavam sobre uma semente ou sobre uma ruína: “[...] o
povo que passou por 1793 e 1814 traz no coração duas feridas:
tudo o que era deixou de ser, tudo o que será não é ainda”
(frase de Alfred Louis Charles de Musset, poeta, novelis-
ta e dramaturgo francês). Foi nesse contexto que nasceu
o Romantismo, que, segundo o historiador Elias T. Saliba,
pode ser entendido como uma tomada de consciência das
mudanças que a Revolução Industrial e a Revolução Fran-
cesa mostravam ao mundo, e uma resposta à frustração
com esse mundo nascente. A ideologia romântica opõe-
-se à visão racionalista do neoclassicismo; os românticos
buscam um nacionalismo que viria a consolidar os Estados
nacionais na Europa. Os autores românticos voltaram-se
cada vez mais para si mesmos, retratando o drama hu-
mano, amores trágicos, ideais utópicos e desejos de
Fig. 26 Igreja Nossa Senhora do Pilar, Ouro Preto, Minas Gerais.
escapismo. Entre os românticos franceses, destacaram-se
Na escultura, o Barroco mineiro empregava materiais Victor Hugo (Os miseráveis, O corcunda de Notre-Dame),
típicos, como o cedro e a pedra-sabão (variedade macia Stendhal (O vermelho e o negro) – pseudônimo de Henri
da esteatita), adaptando-os às necessidades das obras. Beyle – e Honoré de Balzac (A comédia humana); na In-
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho – escultor, entalhador, glaterra, Lord Byron (Manfred) e Walter Scott (criador de
desenhista –, é o maior representante das artes plásticas no romances históricos, como Ivanhoé); na Alemanha, Johann
Brasil no Período Colonial. Goethe (Fausto) e Friedrich von Schiller (Maria Stuart).

172 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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Na poesia abaixo, o tema é a saudade, que funciona
Eugène Delacroix/Web Gallery of Art
como espécie de escapismo.
Meus oito anos
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
N’aquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

[...]

N’aqueles tempos ditosos


Fig. 28 Eugène Delacroix. A morte de Sardanápalo, 1827. Óleo sobre tela. Museu
do Louvre, Paris, França.
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Havia, entre os ideais românticos, a valorização dos Brincava à beira do mar;
sentimentos, da imaginação, da natureza e de ideais como a Rezava às Ave-Marias,
liberdade e a igualdade. Se o século XVIII foi marcado pela Achava o céu sempre lindo,
objetividade, pela razão iluminista, o início do século XIX Adormecia sorrindo
seria marcado pelo lirismo, pela subjetividade, pela emoção E despertava a cantar!
e pelo eu. O poema de Garrett é um bom exemplo: [...]
Casimiro de Abreu. As primaveras. Porto: Typ. Jornal do Porto, 1866. p. 27-8.
Não te amo, quero-te: o amor vem d’alma.
E eu n’alma – tenho a calma, Há muitas formas de escapismos, a saudade é uma
A calma – do jazigo. delas, faz-se uma viagem no tempo. O escapismo, entre-
Ai! não te amo, não. tanto, pode ocorrer no espaço; observe este outro quadro
[...] de Delacroix:
Ai! não te amo, não; e só te quero

Eugène Delacroix/Web Gallery of Art


De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.
Almeida Garrett. “Não te amo”. In: Cartas de amor à viscondessa da luz.
Rio de Janeiro: 7Letras, 2004. p. 61.

Veja agora o quadro do famoso pintor romântico fran-


cês, Ferdinand Victor Eugène Delacroix:
Eugène Delacroix/Web Gallery of Art

Fig. 30 Eugène Delacroix. O massacre de Chios, 1824. Museu do Louvre, Paris,


França.

No quadro romântico, somos levados a um espaço em


que personagens e cenário são exóticos; o pintor retrata
os seres com uma dramaticidade e simbolismo cromáti-
co que afrontavam a Academia. Novamente, a emoção
Fig. 29 Eugène Delacroix. A liberdade guiando o povo, 1830. Óleo sobre tela.
e o movimento são componentes presentes. Delacroix
Museu do Louvre, Paris, França.
gostava de trabalhar em suas telas temas românticos e
FRENTE ÚNICA

No quadro estão presentes o nacionalismo, a emoção políticos, acontecimentos históricos, episódios medievais
(o que implica movimento), a subjetividade e o tema da e costumes pitorescos árabes.
liberdade; tanto no quadro como na poesia de Garrett o A poesia a seguir é de Álvares de Azevedo, poeta
que se privilegia é o lado emocional e não o racional. romântico de perfil niilista.

173

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Lágrimas da vida Realismo
Se tu souberas que lembrança amarga,

Gustave Courbet/Wikipedia
Que pensamentos desfloraram meus dias,
Oh! tu não creras meu sorrir leviano,
Nem minhas insensatas alegrias!

Quando junto de ti eu sinto, às vezes,


Em doce enleio desvairar-me o siso,
Nos meus olhos incertos sinto lágrimas...
Mas da lágrima em troco eu temo um riso!

O meu peito era um templo – ergui nas aras


Tua imagem que a sombra perfumava...
Mas ah! emurcheceste as minhas flores!
Apagaste a ilusão que o aviventava!
Fig. 31 Gustave Courbet. O ateliê do pintor, 1855.

E por te amar, por teu desdém, perdi-me... O Realismo na literatura surgiu no século XIX. Como
Tresnoitei-me nas orgias macilento, afirmou o historiador Eric Hobsbawm, o século XIX europeu
Brindei blasfemo ao vício e da minh’alma é marcado por uma dupla-revolução: política e econômica.
Tentei me suicidar no esquecimento! Por um lado, no campo econômico, a Segunda Re-
volução Industrial se expande e as relações capitalistas
Como um corcel abate-se na sombra, tornam-se predominantes na Europa. O positivismo de
A minha crença agoniza e desespera... Auguste Comte (filósofo francês, 1798-1857), nesse senti-
O peito e lira se estalaram juntos... do, exaltava religiosamente a ciência, a qual deveria tomar
E morro sem ter tido primavera! conta de todos os campos de atividade humana, destruindo
[...] tudo aquilo que fosse “metafísico”. A objetividade e a prati-
Álvares de Azevedo. Lira dos vinte anos. São Paulo: Nobel, 2009. p. 182-3.
cidade científica eram o ideal a ser seguido. Na política, por
Rompimento, dor e perturbação: eis o mundo ro- exemplo, deveria ser instaurado um Estado laico, governado
mântico. Eles eram homens que não conseguiam por uma ditadura de tecnocratas, enquanto os políticos e
esconder sua perplexidade ante as guerras, a sua democracia, retórica, demagógica e metafísica, deve-
violência napoleônica, o industrialismo, as mudanças riam ser esquecidos.
no campo. Sem conseguir apontar um rumo certo para Por outro lado, no campo político, os princípios da Re-
esse mundo, restava uma única solução: o ensimesma- volução Francesa tomam conta da Europa e da América,
mento, a volta para o eu, para o indivíduo. O grito solitário do derrubando reis, esmagando nobres e ridicularizando pa-
poeta maldito, devorado por fúrias interiores, chegou ao seu dres em uma série de Revoluções em 1820, 1830 e 1848. No
limite, quase uma compulsão paranoica, onde já espreitavam dia 24 de fevereiro de 1848 – sob a bandeira democrata,
o perigo do isolamento absoluto e a prisão em um universo jacobina e republicana – foi implantado um governo pro-
estritamente individual. E o poeta se via como um gênio, visório republicano na França. A Revolução teve grande
senhor de um domínio superior, livre dos problemas mun- repercussão na Europa. Nas palavras de Hobsbawm, “o que
danos, encarando a si próprio como portador de um nobre em 1789 foi o levante de uma só nação, era agora a Primavera
desígnio: irradiar simpatia dentro de um mundo ameaçado. dos Povos de todo o continente”, anunciando uma nova fase
Desse panorama de dor e ensimesmamento, vem um da história europeia. Eram movimentos essencialmente
ingrediente básico do Romantismo: o desenraizamento do populares, amplos, com grandes promessas, misturando
presente, a busca por um mundo melhor, seja no futuro, ideais liberais, nacionalistas e socialistas. Ao mesmo tem-
após uma revolução, em um paraíso distante, ou mesmo po, a crise econômica que ocorreu na década de 1840
no sonho, no devaneio, na loucura. Daí que proliferam os matava de fome populações inteiras em lugares como a
romances de ficção: escrever sobre o que não existia era Irlanda. Tanto na Alemanha quanto na Itália, movimentos
mais estimulante que falar sobre este mundo. Shelley dizia republicanos e pró-unificação ganharam força, de manei-
que se arriscar do outro lado do espelho era como procurar ra que Veneza instaurou uma república; a Sicília teve sua
a luz no fim do túnel, era vislumbrar nas sombras o semblan- constituição liberal; e muitos territórios protestaram contra
te de um mundo futuro. A ficção, dessa forma, constituiu o domínio austríaco. Dentro do império austríaco, protestos
um sintoma dessa frustração, dessa vontade de um mundo de tchecos, iugoslavos, húngaros, romenos e venezianos,
melhor. Especialmente na Alemanha, os românticos, sem unindo-se a operários e estudantes, fizeram o chanceler
modificar sua realidade, refugiaram-se num mundo ideal e Metternich fugir de Viena, ao mesmo tempo em que o im-
mais valioso, essencialmente diferente do real, as utopias. perador Ferdinando I ordenava massacres e bombardeios,
A filosofia de Hegel, tipicamente romântica, está ligada a matando dezenas de milhares de revoltosos, especialmente
esse ideal. na Hungria e na Tchecoslováquia.

174 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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A Primavera dos Povos é um marco no nascimento
de um novo mundo: agora o conflito não é mais entre
Velho e Novo Regime, mas entre ordem e revolução, entre
burgueses e proletários. A burguesia finalmente deixou
de ser uma força revolucionária e passou a ser uma força
conservadora, reprimindo os movimentos. Agora as revolu-
ções se mostram perigosas. Foi nesse contexto que Marx
formulou sua teoria sobre a Revolução Proletária, anun-
ciando uma mudança nos tempos. Foi nesse contexto,
também, que o Romantismo e suas utopias tiveram fim. Os
movimentos de 1848, apesar de terem amplas promessas,
foram rapidamente derrotados. A partir de então, novas
ideias estavam em jogo.
Fig. 33 Na obra naturalista O cortiço, o foco é o cotidiano de pessoas comuns
que convivem em um cortiço.

No século XIX, o Brasil conheceu uma posição singular


na América Latina. Sendo o único a tornar-se uma monar-
quia após a independência (o México também manteve
por pouco tempo essa conformação política), para muitos
pensadores o Brasil representava a civilização, era o país
porta-voz da Europa na América do Sul, em contraposição à
barbárie do resto da América Latina, que estava dominada
pelos caudilhos e formada por republiquetas.
Após a Guerra contra Rosas (Buenos Aires) e Oribe
(Uruguai), o Brasil tornou-se hegemônico na América do Sul.
Na primeira metade do século, muitos escritores românticos
preocuparam-se com a construção da brasilidade, isto é,
Fig. 32 Anton Rudolf Mauve. Barco de pesca na praia, 1882. Óleo sobre tela.
da identidade nacional do brasileiro. No fim do século, no
Gemeentemuseum Den Haag, Den Haag, Países Baixos.
entanto, a situação era diferente. A campanha abolicionista
Na América, as colônias conhecem sua indepen- mostrava como o Brasil, longe da civilização, possuía uma
dência. O Liberalismo tornou-se uma doutrina quase situação social anacrônica. Com a Guerra do Paraguai, os
hegemônica entre as elites de todo o mundo. Ao mesmo setores militares, fortemente influenciados pelo positivismo,
tempo, o Socialismo e o Anarquismo ascendiam como ganharam força e passaram a criticar a monarquia, acu-
doutrinas antiburguesas, atuando junto à classe trabalha- sando-a de ser uma instituição retrógrada ou, em termos
dora. Enquanto a Europa libertava-se da tirania de seus cientificistas, “metafísica”. A nova oligarquia cafeeira do oes-
reis, a Ásia e a África conheciam uma nova era de do- te paulista, utilizando o trabalho livre, mostrava também
minação político-econômica europeia, conhecida como seu descontentamento com o Império. Em 1889, setores
Imperialismo. Sustentando essa dominação, uma série de cientificistas do exército, em aliança com as oligarquias pau-
ideias sobre a superioridade de raças tomou conta do listas, derrubam o desgastado imperador. Nesse contexto,
imaginário Europeu. Apesar de Darwin nunca dizer que em 1881, Machado de Assis publica Memórias Póstumas de
sua teoria se aplica às sociedades humanas, o chamado Brás Cubas (primeiro romance realista do Brasil).
darwinismo social e a eugenia – que, certamente, tem no Divulgação

nazismo seu ponto máximo – tornaram-se extremamente


influentes no mundo ocidental a partir do século XIX.
Na Europa, o Realismo teve início com a publicação
do romance realista Madame Bovary (1857) de Gustave
Flaubert. Os escritores dessa corrente artística, influen-
ciados, de certo modo, pelo pensamento positivista,
enfatizam em seus textos a observação da realidade,
a razão e a ciência. A passagem do Romantismo para o
Realismo implica uma transformação do belo e ideal para
o real e objetivo. Era necessário para os realistas revelar
um outro lado: o cotidiano enfadonho, o adultério, o jogo
FRENTE ÚNICA

das aparências, o individualismo, a impotência do homem


comum diante dos poderosos. Em vez de heróis, surgem Fig. 34 Cena do filme Memórias póstumas (2001), uma adaptação do livro Memórias
personagens comuns, repletos de problemas. Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.

175

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Após 1865, o Realismo surgia em Portugal, tendo em

Honoré Daumier/Wikipedia
Eça de Queirós o responsável, juntamente com Antero de
Quental, pela introdução desse movimento no país. O ro-
mance social, psicológico e

Divulgação
de tese passa a ser a princi-
pal forma de expressão do
Realismo e a literatura se
torna um veículo de crítica à
sociedade burguesa, à reli-
gião, às instituições etc.
Antero de Quental, poe­
ta realista, estudou Direito
em Coimbra, porém se de-
dicou também à Filosofia e
à política. Durante a faculda-
de, manifestou as primeiras
ideias socialistas. Ele fundou Fig. 35 A obra Primo Basílio, de Eça
a Sociedade do Raio, que de Queirós, também foi adaptada
pretendia renovar o país para o cinema.
pela literatura.
Evolução Fig. 36 Honoré Daumier. Der Künstler vor Notre-Dame. 1834. Óleo sobre tela.
Museu Calvet, Avignon, França.
Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,
Tronco ou ramo na incógnita floresta... Veja o trecho a seguir, retirado do livro Como entender
Onda, espumei, quebrando-me na aresta a pintura moderna, de Carlos Cavalcanti.
Do granito, antiquíssimo inimigo...
Ser realista [...] não é ser exato e minucioso como uma
fotografia. Ser realista é ser verdadeiro. Ser verdadeiro é se-
Rugi, fera talvez, buscando abrigo
lecionar, sintetizar e realçar os aspectos mais característicos,
Na caverna que ensombra urze e giesta;
expressivos e, por isso mesmo, mais comunicáveis e inteligíveis
Ou, monstro primitivo, ergui a testa
das formas da realidade, não sendo necessário idealizá-las
No limoso paul, glauco pascigo...
ou perturbá-las com a emoção. Ao representar um tigre, por
exemplo, o realista não precisa ser minucioso [....], não pre-
Hoje sou homem – e na sombra enorme
cisa fazer as pestanas do tigre, pode ser sintético, porque será
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
verdadeiro, desde que nos transmita o caráter do tigre, isto
Que desce, em espirais, da imensidade...
é, sua ferocidade e poderosa força elástica. No caso do retra-
to, se o modelo tiver aquele queixo irregular, denunciador de
Interrogo o infinito e às vezes choro...
sua personalidade, que o neoclássico esconderia em nome da
Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro
forma idealmente bela, o realista não o corrigirá; fixa-o com
E aspiro unicamente à liberdade.
verdade, pois certamente o achará belo e rico.
Antero de Quental.
Carlos Cavalcanti. Como entender a pintura moderna. Rio de Janeiro: Rio,
1975. p. 77. (Adapt.).
Na poesia de Antero, a emoção cede lugar ao pensa-
mento; há uma perfeita articulação entre forma e fundo. Agora, observe os quadros a seguir de Gustave Courbet.
Em Odes modernas, fase tipicamente realista, observa-se
Gustave Courbet/Wikimedia Commons

a tendência político-filosófica sob a influência de Platão e


Proudhon. Antero discute a visão do homem da moderni-
dade, dividido entre fé e progresso, religião e socialismo.
No que tange às artes plásticas, o pintor dessa es-
cola retrata a realidade como ela se apresenta, com
recorrência a temas de ordem social e política; pintam-
-se trabalhadores, cenas do dia a dia. A perspectiva é
utilizada para criar a ilusão de espaço, assim como a
perspectiva aérea, dando uma nova visão da paisagem
ou da cena (vista superior aérea). Os volumes são mui-
to bem representados, com gradação de cor, de luz e
de sombra. Há preocupação de representar a textura, a
aparência real do objeto (a textura da pele, dos tecidos, Fig. 37 Gustave Courbet. Os quebradores de pedra, 1849. Óleo sobre tela. Gemälde-
da parede etc.). galerie, Berlim, Alemanha.

176 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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A escultura O homem de nariz quebrado (1864), por

Gustave Courbet (Domínio público)


exemplo, não foi aceita no Salão de Paris, pois foi conside-
rada um esboço, uma obra inacabada. Esses fragmentos
de obras representam, na visão de Rodin, o momento da
criação.

As vanguardas – contexto histórico


As transformações tecnológicas por que o mundo passou
na transposição do século XIX para o século XX modificaram
o modo de o homem ler a realidade. O automóvel, o avião e o
cinema deslocaram e aceleraram o olhar do homem moderno.
Em meio a essas transformações surgem várias manifesta-
ções artísticas – Impressionismo, Expressionismo, Futurismo,
Fig. 38 Gustave Courbet, O encontro ou Bom dia, senhor Courbet, 1854. Óleo Cubismo, Dadaísmo, Surrealismo –, que ficariam conhecidas
sobre tela. Museu Fabre, Montpellier, França. como “correntes de vanguarda” e que, conjugadas, dariam
origem ao Modernismo.
Gustave Courbet pertenceu à escola realista. Em seus
quadros mais famosos predominavam paisagens campes-

Pablo Picasso
tres, marítimas e cenas de trabalho. Os seres retratados
são despidos de emoção, há uma ênfase à razão e à ob-
jetividade. Considerado anarquista, Coubert era amigo do
filósofo anarquista Proudhon, do poeta Charles Baudelaire e
do caricaturista Daumier. Ao representar as coxas e a vulva
de uma mulher, na obra A origem do mundo, o pintor abalou
o meio artístico da época.
Observe agora uma escultura de Rodin.
Auguste Rodin/Mary Harrsch/Flickr

Fig. 41 Pablo Picasso. Interior com duas meninas, 1935. Óleo sobre tela. Museu
de Arte Moderna, Nova York, Estados Unidos.

A Primeira Revolução Industrial teve início na indús-


tria têxtil, ao passo que a máquina a vapor foi a principal
descoberta do período. O ferro e o carvão eram as maté-
rias-primas essenciais para a época.
No século XVIII, a Revolução Industrial concentrava-
-se na Inglaterra. Entretanto, no século XIX, surgiram novas
tecnologias, novas fontes de energia, e o capitalismo se
Fig. 39 Auguste Rodin. O beijo, 1884. Escultura em bronze. Legião da honra, Fine Arts expandiu de maneiras diferentes para o resto do planeta.
Museums of San Francisco, São Francisco, Estados Unidos.
No período da Segunda Revolução Industrial, o labora-
A escultura realista não idealizou a realidade; ao contrário, tório e a fábrica já possuíam uma relação íntima: cada vez
procurou recriar os seres tais como eles são em vida. Dentre mais a ciência trabalhava com o objetivo de criar novas
os escultores, aquele que mais se destacou foi Auguste Rodin tecnologias para as fábricas, reduzindo custos e melho-
(1840-1917). Toda a criação do escultor baseou-se no conceito rando a qualidade dos produtos. Novas fontes de energia
de non finito. apareciam como alternativa ao vapor. Em 1853, o petró-
leo começou a ser utilizado como fonte de energia para a
auguste rodin/kokatah/wikimedia commons

iluminação (Thomas Edison desenvolveu a lâmpada incan-


descente em 1879). A vida passou a ser iluminada por luzes,
ligadas por extensos cabos. A iluminação pública, desde
então, tornou-se símbolo da modernidade.
Além disso, os meios de transporte conheceram transfor-
mações fundamentais. Nas cidades, implantaram-se os bondes
elétricos e metrôs. Em 1895, os primeiros automóveis surgiram
FRENTE ÚNICA

a partir dos motores de explosão movidos a gasolina, die-


sel. A expansão das ferrovias culminou no crescimento da
indústria de ferro, cimento, locomotivas e vagões. O sistema
Fig. 40 Rodin. Homem de nariz quebrado. de comunicações também conheceu transformações com a

177

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invenção do telefone e do telégrafo. A medicina, por sua vez, e durou até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914.
teve avanços com a criação de novas vacinas e remédios. Os A Belle Époque foi a era de ouro da beleza, inovação e da
centros urbanos cada vez mais eram habitados e a taxa de paz entre os países europeus. Com seus cafés-concertos,
mortalidade caia substancialmente. Com essas transforma- balés, operetas, livrarias, teatros, boulevards e alta costura,
ções, a vida urbana mudou drasticamente. Paris, a Cidade Luz, era o centro produtor e exportador da
Com a emergência do Liberalismo e dessas no- cultura mundial. Os franceses Baudelaire, Rimbaud, Verlaine,
vas tecnologias, nasceu no século XIX uma nova ideia Zola, Anatole France e Balzac eram lidos em todo o mundo. Ir
de modernidade, com um significado diferente do que a Paris ao menos uma vez por ano era quase uma obrigação
lhe atribuíram os renascentistas. O mundo e o homem entre as elites, pois garantia o vínculo com a atualidade. No-
modernos seriam movidos por preceitos racionais, li- vas invenções tornavam a vida mais fácil — telefone, telégrafo,
vres de qualquer interferência da fé. A razão dominaria bicicleta, automóvel. A cena cultural estava em efervescência:
desde a política até a própria natureza: os belos jardins os cabarés, o cancã e o cinema haviam nascido, e a arte to-
franceses do século XIX mostrariam como o homem or- mava novas formas com o Impressionismo na pintura e a Art
denava a selvageria das matas. A cidade seria a perfeita Nouveau na arquitetura.
ordenação racional do mundo: a grande concentração de

Pierre Auguste Renoir/Wikimedia Commons


pessoas, a eletricidade, a água encanada, os bondes, os
trens, o chuveiro, o cinema, os vasos sanitários, a descarga
automática, o papel-higiênico, a pasta de dente, os arranha-
-céus e os telégrafos mostrariam o triunfo da racionalidade
do homem perante a barbárie da natureza. A modernidade
também está associada à cidade, movimento, transforma-
ção, agitação, mudança, uma eterna sensação de caos,
em um mundo onde a repetição, a segurança, o sólido e a
tradição perderiam força.
O poema “Ode triunfal” ilustra essa modernidade. Ob-
serve:
[...] ó manequins!
Fig. 42 Pierre-Auguste Renoir. Le Moulin de La Galette, 1876. Óleo sobre tela.
Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar! Musée d’Orsay, Paris, França.
Olá anúncios elétricos que vêm e estão e desaparecem!
[...] O cinema foi inventado pelos irmãos Lumière no
Couraças, canhões, metralhadoras, submarinos, aeroplanos! fim do século XIX. Em 28 de dezembro de 1895, no
subterrâneo do Grand Café, em Paris, eles realizaram a
Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera. primeira exibição de cinema: uma série de dez filmes,
Amo-vos carnivoramente, com duração de 40 a 50 segundos cada. Os filmes
Pervertidamente e enroscando a minha vista mais conhecidos dessa primeira sessão chamavam-se
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis, A saída dos operários da fábrica Lumière e A chegada
Ó coisas todas modernas, do trem à Estação Ciotat, cujos títulos exprimem bem o
Ó minhas contemporâneas, forma atual e próxima conteúdo. Nessa mesma época, um mágico ilusionista
Do sistema imediato do Universo! chamado Georges Méliès, que comandava um teatro nas
Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus! vizinhanças do local da primeira exibição mencionada, con-
Ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks, seguiu um aparelho semelhante e foi o primeiro grande
Ó couraçados, ó pontes, ó docas flutuantes produtor de filmes de ficção, voltados para o entretenimen-
Na minha mente turbulenta e incandescida to. Em suas experimentações, o mágico descobriu vários
Possuo-vos como a uma mulher bela,
truques que resultaram nos primeiros efeitos especiais da
Completamente vos possuo como a uma mulher bela que não
história do cinema.
[se ama.
Que se encontra casualmente e se acha interessantíssima.
Marcellin Auzolle/Wikipedia

[...]
Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifícios!
Eh-lá-hô recomposições ministeriais!
[...]
Fernando Pessoa (Álvaro de Campos). “Ode Triunfal”. Antologia poética de
Fernando Pessoa. São Paulo: Ediouro, 2004. p. 54.

De qualquer forma, a euforia do mundo europeu, encan-


tado com o progresso e as novas tecnologias, deu origem
ao que ficou conhecido como Belle Époque. A Belle Époque
(bela época em francês) foi um período na história da Euro-
pa que começou com o fim da “Era das Revoluções” (1871) Fig. 43 Cinema, criado pelos irmãos Lumière.

178 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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Em 1911, na Califórnia, EUA, nascia Hollywood, um espa- e dissociadas nos quadros em pequenas pinceladas. É o
ço destinado à instalação de estúdios para produz filmes. observador que, ao ver a tela, combina as várias cores, ob-
Em poucas décadas, os estúdios de Hollywood acumula- tendo o resultado final. A mistura deixa, pois, de ser técnica
ram imensas fortunas e tornaram-se quase hegemônicos para ser óptica.
no mundo ocidental. Quando a revista Motion Pictures World

Claude Monet/Wikimedia Commons


sugeriu que se colocassem os nomes dos atores nos crédi-
tos do filme, tinha início a era dos grandes mitos e estrelas
de Hollywood, a fábrica de sonhos.

Impressionismo
Pierre Auguste Renoir

Fig. 46 Monet. Weg in Monets Garten in Giverny, 1902. Belvedere. Viena, Áustria.
Fig. 44 Pierre-Auguste Renoir. Banhistas, 1918-19. Óleo sobre tela. Museu d’Orsay,
Paris, França. Segundo Carlos Cavalcanti, [...] O pintor impressionista
não está a rigor interessado no modelo como ser humano, [...].
O pintor impressionista preocupa-se com as tonalida- As suas reações e intenções artísticas diante de uma pessoa
des que os objetos adquirem ao refletir a luz solar em um serão praticamente as mesmas diante de uma árvore, de um
determinado instante, pois as cores da natureza estão em lago, de uma praia, [...] a sua preocupação exclusiva será ob-
constante transformação. As figuras não devem ter contor- servar e fixar as constantes e sutis modificações que a luz do
nos nítidos, pois a linha é uma abstração do ser humano sol produz nas cores da natureza. [...] – o seu primeiro cuidado
para representar imagens. As sombras devem ser luminosas foi retirar o modelo do interior do atelier, [...] para colocá-lo
e coloridas, como é a impressão visual que nos causam; ao ar livre, [...]. [...] os impressionistas são chamados pintores
e não escuras ou pretas, como os pintores costumavam do plen air, ao ar livre, plenaristas ou arlivristas.
empregá-las no passado. Carlos Cavalcanti. Como entender a pintura moderna. Rio de Janeiro: Rio,
1975. p. 78.
Claude Monet/Wikimedia Commons

Edouard Manet/Wikipedia

Fig. 45 Monet. A ponte Argenteuil, 1874. Museu D’Orsay, Paris, França.


FRENTE ÚNICA

As cores e tonalidades não devem ser obtidas pela Fig. 47 Edouard Manet. Piquenique na relva, 1863. Óleo sobre tela. Museu
mistura das tintas na paleta do pintor; mas devem ser puras D’Orsay, Paris, França.

179

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Camille Pissarro/Wikimedia Commons

Edgar Degas/Wikipedia
Fig. 49 Edgar Degas. Bailarina de quatorze anos. 1880. Escultura em bronze com
vestuário. Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, Brasil.

No cinema, o Impressionismo tem sua maior perfor-


Fig. 48 Camille Pissarro. Boulevard Montmartre em Paris, 1897. Óleo sobre tela.
mance na França, o denominado cinema de vanguarda
Museu Hermitage, São Petersburgo, Rússia. (avant garde).
Entre os cineastas importantes, destacam-se Abel Gance
Na literatura portuguesa, Cesário Verde é considerado (J’Accuse, filme épico) e Jean Epstein (A queda da casa
um poeta impressionista. de Usher).
O céu parece baixo e de neblina,

Divulgação
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.
[...]
Cesário Verde. “Ave-Maria”. O livro de Cesário Verde. Ática, 1959. p. 101.

A poesia de Cesário Verde procura a captação da rea-


lidade pelos sentidos, com predominância da visão: a cor,
a luz, o recorte e o movimento. O forte componente sines-
tésico (cruzamento de várias sensações na apreensão do
real) e a valorização da sensação em detrimento do objeto
real dão à obra desse poeta um caráter impressionista.
Uma iluminação a azeite de purgueira,
De noite, amarelava os prédios macilentos.
Barricas d’alcatrão ardiam; de maneira Fig. 50 J’accuse, filme impressionista.
Que tinham tons d’inferno outros arruamentos.
Cesário Verde. “Nós”. O livro de Cesário Verde. Ática, 1959. p. 123. Os filmes impressionistas empregavam como técnica
as sobreimpressões, os planos subjetivos, o ritmo de mon-
Cesário emprega em muitas poesias o contraste tagem, a valorização da imagem em sua carga afetiva e o
luz/sombra; esse jogo lúdico da luz produz imagens poé- aperfeiçoamento de técnicas de enquadramento.
ticas que recriam a realidade. A luz do dia é a luz artificial
Divulgação

da cidade, mas também uma forma de valorizar os objetos,


entendendo-se a luz como princípio de vida.
Eu tudo encontro alegremente exacto,
Lavo, refresco, limpo os meus sentidos.
E tangem-me, excitados, sacudidos,
O tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto!
[...]
Cesário Verde. “Cristalizações”. O livro de Cesário Verde. Ática, 1959. p. 70.

Na escultura, destaca-se Edgar Degas (também pintor);


a escultura a seguir chocou a sociedade da época, visto que
se tratava de uma bailarina pobre que Degas conhecera na
ópera; bailarina que posteriormente teve de se prostituir para
sobreviver; na escultura havia implicitamente a crítica à vida
fútil de muitos parisienses. Fig. 51 A queda da casa de Usher, filme impressionista.

180 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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Além dos dois representantes do movimento impressio-

Edvard Munch
nista no cinema, temos ainda Louis Delluc, Marcel L 'Herbier
e Germaine Dulac.

Expressionismo
Edvard Munch

Fig. 52 Edvard Munch. A cama do defunto, 1895. Coleção Rasmus Meyer, Bergen,
Noruega. Fig. 53 Edvard Munch. Nude by Wicker Chair, 1929. Óleo sobre tela.
Munch Museum, Oslo, Noruega.
O Expressionismo surge na Alemanha no início do sécu-
lo XX; trata-se de uma arte em que se privilegia o instinto, a A pintura expressionista trabalha com cores inverossí-
dramaticidade, a subjetividade, “a expressão dos sentimen- meis, que dão forma plástica ao amor, ao ciúme, ao medo,
tos humanos”. A arte expressionista revelou em suas obras à solidão, à miséria humana, à prostituição; deforma-se a
um niilismo (amargura) que se instalava nos meios artísticos e figura para ressaltar o sentimento.
intelectuais da Alemanha pré-bélica, bem como da Primeira O pintor expressionista mais famoso foi Edvard ­Munch;
Guerra Mundial (1914-1918) e do período Entreguerras (1918- em seus quadros, há rostos sem feições e figuras distor-
1939). Nesse tipo de arte, há a predominância dos valores cidas. Sua obra mais famosa, O grito, é uma das mais
emocionais sobre os intelectuais. importantes na história do Expressionismo.

Edvard Munch
Programa
Não queremos poesia,
Queremos mágicas, artifícios,
Procuramos tapar na existência fatais vazios
E apesar de imenso esforço, uma atrofia.

Mas o que sabem vocês outros da secreta elevação,

Dos sagrados e histéricos soluços da garganta a chorar,


Quando, consumidos pelo haxixe da alma em imersão,
Beijamos o primeiro degrau, para além de cujo limiar
Os deuses moram?
Wilhelm Klemm, 1915.

O Expressionismo defende a liberdade individual, o irra-


cionalismo, o arrebatamento e os temas proibidos, como o
erotismo, a perversão, o demoníaco ou o fantástico. Tal mo-
vimento mostra nas obras que o representam uma realidade
deformada, com o objetivo de expressar subjetivamente a na-
tureza e o ser humano, preferindo os sentimentos à descrição
Fig. 54 Edvard Munch. O grito, 1893. Óleo, têmpera e pastel sobre cartão.
objetiva da realidade.
Nasjonalgalleriet, Oslo, Noruega.
O Expressionismo mostrou a todos o lado pessimista da
vida, o sofrimento humano em uma sociedade moderna e A literatura expressionista possui um lirismo acentuado,
FRENTE ÚNICA

industrializada, na qual o indivíduo vê-se isolado e alienado. de engajamento e de tempos incertos. Os poemas são
O existencialismo dessa escola traduziu-se em uma ênfase sombrios e os temas impactantes (erotismo, tragédias,
à emoção, à tragédia humana e à morte. morte etc.).

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Os principais poetas expressionistas não tiveram sorte O cinema expressionista alemão trabalhou com temas
em vida; Lichtenstein, Stadler e Stramm morreram em sombrios de suspense policial e mistério; buscou ambientes
combate; Hasenclever e Trakl cometeram suicídio; Van urbanos e personagens bizarros e assustadores. A exem-
Hoddis morreu em campo de concentração; Heym afogou- plo da pintura, distorceu as imagens e impôs excessiva
-se; e Rubiner foi vitimado pela pneumonia. dramaticidade na atuação dos atores, na sua maquiagem
e na cenografia.
O visiotário

Divulgação
Lâmpada, não esquente.
Da parede saiu um braço magro de mulher.
Era pálido e tinha veias azuis.
Os dedos estavam carregados de preciosos anéis.
Quando beijei a mão, assustei-me:
Estava viva e quente.
Arranhou-me o rosto.
Peguei uma faca de cozinha e cortei algumas veias.
Um grande gato lambeu graciosamente o sangue do chão.
Entretanto um homem de cabelos arrepiados subiu
Por um cabo de vassoura encostado à parede.
Jacob van Hoddis. "O visiotário". In: Poesia expressionista alemã: uma
antologia. Tradução de Claudia Cavalcanti (Org.). São Paulo:
Estação Liberdade, 2000.

O poeta mais importante da escola foi Georg Trakl,


que se matou em 1914, aos vinte e sete anos. Os escritores
expressionistas possuem um sentimento de desconcerto
e horror diante do absurdo da guerra (no caso, a Primeira Fig. 55 Cartaz do filme Metrópolis, de Fritz Lang.
Guerra Mundial) e exaltam o pacifismo e a solidariedade Destacam-se os filmes O gabinete do doutor Caligari
humana. (1920), do diretor Robert Wiene; Nosferatu e Phantom
Vento Quente (ambos de 1922), do diretor Friedrich Wilhelm Murnau; e
Metrópolis (1929), de Fritz Lang. Este último é um dos filmes
[...]
mais representativos do movimento. A história do filme se
Profundo o vento em árvores destruídas,
passa em 2026 e apresenta uma sociedade dividida em
E a figura de lamento da mãe
dois grupos: os pensadores, que fazem planos e vivem
Vagueia pela floresta solitária
muito bem na superfície da Terra; e os trabalhadores, que
Desse luto silente; noites
moram no subterrâneo, sustentando toda a vida de privi-
Repletas de lágrimas, de anjos de fogo. légio dos pensadores. Um homem do primeiro grupo se
Prateado, espatifa-se contra a parede nua um esqueleto apaixona por uma trabalhadora, enquanto uma revolução
[de criança. ameaça colocar em xeque todo o sistema, composto de
[...] robôs e arranha-céus.
Georg Trakl. De profundis e outros poemas. Tradução de Cláudia Cavalcanti.
São Paulo: Iluminuras. Van Gogh

Oh, a loucura da grande cidade, quando no anoitecer ViNcent Van Gogh

As árvores estropiadas se inteiriçam junto ao muro ene-


grecido,
Da máscara prateada espreita o espíríto do mal;
Luzes com açoites magnéticos rechaçam a noite pétrea.
Oh, o repicar submerso dos sinos vespertinos.

Puta, que pare um filho morto em arrepios de gelo,


Com látegos frenéticos a cólera de Deus pune a fronte do
[possesso,
Peste purpúrea, fome que quebranta olhos verdes.
Oh, a horrenda gargalhada do ouro.
Mas calma nas cavernas negras da humanidade ainda mais
[quieta sangra.
De metais duros molda a fronte redentora.
Georg Trakl. A verdade da poesia. Michael Hamburguer. Tradução de Alípio Fig. 56 Vincent van Gogh. La méridienne, 1889-1890. Óleo sobre tela. Museu
Correia de França Neto. São Paulo: Cosac Naify. d'Orsay, Paris, França.

182 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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Vincent van Gogh, chamado de impressionista por al- O Cubismo substitui a realidade convencional por uma
guns estudiosos e de expressionista por outros, foi um dos geometrização lógica de formas naturais dentro da escala
principais nomes da vanguarda europeia. O pintor deforma de valores pessoais. A obra de arte, para os cubistas, não
a realidade objetiva com intuito de expressar seus senti- deve ser uma representação objetiva da natureza, mas uma
mentos. Nas palavras de Van Gogh, Procuro com o vermelho transformação dela, ao mesmo tempo objetiva e subjeti-
e o verde exprimir as mais terríveis paixões humanas. va; a procura da verdade deve centralizar-se na realidade
pensada, criada, e não na realidade aparente; a ordem cro-
ViNcent van Gogh/Wikimedia Commons

nológica deve ser eliminada e as sensações e recordações


vão e vêm do presente ao passado, embaralhando o tempo.
Para Appolinaire, artista dessa vanguarda, o Cubismo
entra em oposição à rotina, à pintura-sentimento e à pintura
tema. O pintor cubista emprega uma linguagem exclusiva-
mente pessoal, dentro da nova percepção de espaços,
estrutura e ritmo.

Georges Braque
Fig. 57 Vincent van Gogh. Sorrowing old man ('At Eternity's Gate'), 1890. Óleo
sobre tela. Kröller-Müller Museum, Otterlo, Países Baixos.

A intensidade dos sentimentos se revelará nas cores,


nos desenhos e no modo de pincelar. Van Gogh adotou
por algum tempo técnicas impressionistas como o pon-
tilhismo, mas, por oposição a essa escola, não queria
representar as aparências visuais; servia-se destas para
expressar emoções, realidades interiores, estados afe-
tivos e morais (daí o caráter expressionista de sua obra).

Cubismo
O Cubismo prega a simplificação das formas, reduzin- Fig. 59 Georges Braque. Casas em estaque, 1908. Óleo sobre tela. Kunstmuseum
de Berna, Berna, Suíça.
do-as a elementos geométricos básicos. Esse movimento
de vanguarda busca também a percepção total do objeto, Um dos representantes mais conhecidos do Cubismo
mostrando-o em todos os ângulos. Para que isso aconteça, foi o pintor Pablo Picasso. O quadro a seguir, Guernica, é
o pintor cubista passará a fazer a decomposição da estrutu- uma referência à Guerra Civil Espanhola.
ra dos objetos, na intenção de sugeri-la na totalidade, como
se tivéssemos vista total e simultânea do objeto retratado.
Pablo Picasso

Fig. 60 Pablo Picasso. Guernica, 1937. Óleo sobre tela. Museu do Prado, Madri,
Espanha.

A poesia cubista é fragmentária e elíptica, vai à procura


da simultaneidade de fatos com rapidez e agilidade. Do ponto
de vista sintático, a linguagem cubista privilegia o substantivo
FRENTE ÚNICA

em detrimento ao adjetivo, usa formas nominais e se utiliza


da aparente falta de coesão (poucos nexos sintáticos). No
Fig. 58 Pablo Picasso. Guitarra e violino, 1912. Óleo sobre tela, Hemritage, São Pe- Brasil, Oswald de Andrade, escritor modernista, empregou
tersburgo, Rússia. o estilo cubista em muitas de suas obras.

183

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A prosa cubista é também caracterizada pela ausência dos nexos sintáticos, por uma linguagem cinematográfica à base de
flashes.
[...] Cristais joias couros lavrados marfins caíam com xales italianos de cores vivas nos canais de água suja.
Gondolamos graciosamente na Ponte de Rialto e suspiramos na outra.
[...]
Oswald de Andrade. Memórias Sentimentais de João Miramar. São Paulo: Editora Globo, 2004.

No excerto acima, nota-se a falta de pontuação e de nexos lógicos; há ainda antíteses, sinestesias (cores vivas nos
canais de água suja) e metonímia em Gondolamos. O humor ocorre por meio de clichês sentimentais (graciosamente/
suspiramos) e a imagem da ponte aponta para um ícone cubista.

Surrealismo

Salvador Dalí
Fig. 61 Salvador Dalí. O sono, 1937. Óleo sobre tela. Col. Edward James, Sussex, Inglaterra.

O Surrealismo foi um movimento artístico que investiu fortemente na representação do irracional e do subconsciente.
Para o artista dessa escola, a imaginação deve se manifestar livremente, sem a opressão do ego e do superego; o impor-
tante é o impulso psíquico.
Os surrealistas deixam o mundo real para penetrarem no irreal; para esses artistas, as emoções do ser humano ex-
pressam-se apenas com a aproximação do fantástico, quando a razão humana perde o controle. André Breton, um dos
líderes do movimento, afirmava que o sonho pode ser também aplicado à solução das questões fundamentais da vida; no
sonho, o inconsciente aflora, a criatividade é maior.
Os surrealistas buscavam um automatismo psíquico que pudesse ser expresso pictoricamente ou verbalmente, de
modo que a obra de arte revelasse o funcionamento real do pensamento. Os dois mais importantes pintores surrealistas
foram Salvador Dalí e René Magritte; nos dois percebem-se associações que rompem a lógica, criando o fantástico.
René Magritte

Fig. 62 René Magritte. Castelo nos Pirineus, 1959. Museu de Israel, Israel, Jerusalém.

184 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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No Brasil, o Surrealismo aparece na pintura Essencia- [...]
lismo, de Ismael Nery. A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua, furando nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão...
Tu pisavas os astros, distraída,
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão
[...]

No cinema, os cineastas surrealistas romperam com


o cinema tradicional, havia uma despreocupação com o
enredo e com a história do filme; criticavam-se os ideais
dos burgueses, dava-se vazão ao irracional. Os filmes
mais representativos do cinema surrealista são Um cão
andaluz (1928) e L’Âge D’Or (1930), de Luiz Buñuel em
parceria com Salvador Dalí.

Divulgação
Fig. 63 Ismael Nery. Essencialismo, 1931. Óleo sobre tela. Coleção Chaim José
Hamer, São Paulo.

Na literatura, os escritores surrealistas propunham


a automatização da escrita, o texto devia ter como
preocupação maior captar o funcionamento real do
pensamento. Os pensamentos devem ser exprimidos
caoticamente, tal como nos ocorrem, sem preocupação
com o ordenamento lógico. Nos textos, há a presença
do humor negro e, com a finalidade de escapar da ob-
Fig. 64 Um cão andaluz e A idade do ouro são filmes que representam o cinema
viedade e do lógico, os surrealistas associaram muitas
surrealista.
vezes uma palavra logicamente adequada a uma outra
absurda, produzindo imagens incoerentes. No teatro, o maior representante foi o dramaturgo,
poeta, ator e escritor francês Antonin Artaud; sua obra
As realidades
O teatro e seu duplo é um dos principais escritos surrealis-
(fábula) tas, que serviu de referência a grandes diretores de cinema
Era uma vez uma realidade
como Peter Brook, Jerzy Grotowski e Eugenio Barba. Nessa
com as suas ovelhas de lã real obra de Artaud, o dramaturgo apresenta um conjunto de
a filha do rei passou por ali ideias que constituíram o teatro da crueldade, o qual defen-
E as ovelhas baliam que linda que está dia uma linguagem que pudesse expressar “as verdades
a re a re a realidade. secretas”. O teatro da crueldade é apresentado como um
ritual, que valoriza o gestual e o objeto. Nesse tipo de ence-
Na noite era uma vez nação, muda-se a concepção de espaço da representação
uma realidade que sofria de insônia e de espaço da plateia. Nas décadas de 1940 e 1950, as
Então chegava a madrinha fada ideias do Surrealismo influenciaram o teatro do absurdo de
e realmente levava-a pela mão Samuel Beckett, Arthur Adamov, Eugène Ionesco e Jean
a re a re a realidade. Genet.
[...]
Louis Aragon. In: Franco Fortini. O movimento surrealista. Tradução de Dadaísmo
António Ramos Rosa. 2 ed. Barbacena: Editorial Presença, 1980.
Parafins gatins alphaluz sexonhei la guerrapaz
Os maiores representantes do Surrealismo na litera-
Ouraxé palávoras driz okê cris espacial
tura são o poeta Paul Éluard, autor de Capital da dor; e
Projeitinho imanso ciumortevida vivavid
André Breton, autor de O amor louco, Nadja e Os vasos
Lambetelho frúturo orgasmaravalha-me Logun
FRENTE ÚNICA

comunicantes. O Surrealismo aparece ainda em certas Homenina nel paraís de felicidadania:


canções da música popular brasileira como em “Chão de [...]
Estrelas”, de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa; no quarto Caetano Veloso. "Outras Palavras". In: Outras Palavras. Rio de Janeiro:
verso do excerto a seguir, a imagem criada é surreal. Polygram/Philips, 1981. Faixa 1.

185

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O Dadaísmo foi o mais radical dos movimentos de van- O nome do movimento, Dadaísmo, é explicado por
guarda. A corrente ganhou força em Zurique, na Suíça, por Tristan Tzara: Encontrei o nome por casualidade, inserindo
meio do manifesto do romeno Tristan Tzara, lido em 1916. uma espátula num tomo fechado do Petit Laorousse e lendo
Envolvia artistas de várias partes da Europa, que fugiam imediatamente, ao abri-lo, a primeira linha que me chamou
da Primeira Guerra Mundial e buscavam refúgio na Suíça. a atenção: Dada. Meu propósito foi criar apenas uma palavra
Entre esses artistas destacam-se Hans Arp, Marcel Janco expressiva que através de sua magia fechasse todas as portas à
e Hugo Ball. compreensão e não fosse apenas mais um –ISMO.
O termo “dada” possui muitos sentidos; em romeno
significa “sim”; em italiano, mãe; em determinadas regiões
Francis Picabia

africanas, o rabo da vaca sagrada. O fato de haver uma


plurissignificação implica improvisação, desordem, dese-
quilíbrio. Eis uma receita de poesia dadaísta:
Pegue um jornal.
Pegue uma tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja
dar a seu poema.
Recorte o artigo.
Em seguida, recorte com atenção cada palavra que forma
esse artigo, e coloque-as num saco.
Agite suavemente.
A seguir, retire cada pedaço, um após o outro.
Copie conscienciosamente na ordem em que elas foram
retiradas do saco.
O poema se parecerá com você.
Tristan Tzara. Para fazer um poema dadaísta.

Os dadaístas tinham por finalidade denunciar as fra-


quezas pelas quais a Europa passava; opunham-se aos
valores burgueses; negavam a lógica (nesse sentido, o
Fig. 65 Francis Picabia. Parade Amoureuse, 1917. Óleo sobre tela. Coleção par- Surrealismo sofre forte influência dadaísta), a linguagem,
ticular.
a arte e a ciência.
Para os dadaístas, a guerra refletia a crise da socieda-

Reprodução
de, cujos valores morais e espirituais estavam deteriorados.
Decorrente dessa visão, rejeitavam teorias e modelos: “Não
reconhecemos nenhuma teoria. Basta de academias cubis-
tas e futuristas: laboratórios de ideias formais”.

Fig. 67 Na foto, Hugo Ball, poeta e escritor alemão, um dos principais artistas
do Dadaísmo.

Os dadaístas criaram a técnica dos ready-made: retira-


va-se um objeto do uso corrente de seu ambiente normal
para a invenção de máquinas que não possuíam utilização
social. Marcel Duchamp, um dos mais geniais criadores do
ready-made, pintor e escultor francês (que também atuou
como artista expressionista, impressionista e cubista), expôs
Fig. 66 Kurt Schwitters. Das Undbild, 1919. Pintura e colagem. Centre Georges uma roda de bicicleta cravada em um banco e um urinol
Pompidou, Paris, França. como objetos artísticos.

186 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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Max Ernst/Wikipedia
Marcel Duchamp

Fig. 68 Marcel Duchamp. Fonte, 1917-1964. Ready-made, 23,5 × 18 cm, altura 60


cm. Urinol de porcelana. Coleção de Arturo Schwarz, Milão, Itália.

Marcel Duchamp fez uma interferência na obra Mona Lisa:

Fig. 70 Max Ernst, O gigante acéfalo (sem cabeça), 1921. Óleo sobre tela. Tate
Gallery. Londres, Inglaterra.

O Dadaísmo espalhou-se para outros centros, como


Nova York, Berlim, Colônia, Hannover e Paris. Na década
de 1950, surgiram movimentos neodadaístas nos Estados
Unidos.

Futurismo

Fig. 71 Umberto Boccioni. Carga dos lanceiros, 1915. Têmpera e colagem sobre
papel-cartão. Coleção Juncker, Milão, Itália.

Nós afirmamos que a magnificência do mundo se enrique-


ceu de uma nova beleza: a beleza da velocidade. Um carro de
corrida cujo capô é adornado de grandes tubos, qual serpentes
Fig. 69 Marcel Duchamp. LHOOQ, 1919. Ready-made: lápis sobre reprodução de de hálito explosivo – um automóvel que ruge e parece cavalgar
Mona Lisa. 19,7 × 12,4 cm. Museu de arte da Filadélfia, Coleção Louise e Walter uma metralha é mais belo que a Vitória de Samotrácia.
Arensberg. Filadélfia, Estados Unidos. Richard Humphreys. Futurismo. Tradução de Luiz Antônio Araújo. 2 ed. São
Paulo: Cosac & Naify, 2001.
As exposições dadaístas sempre provocavam escân-
dalo; em uma delas, ocorrida em Colônia, Alemanha, os O Futurismo tem sua origem em 1909, em Paris, por
ready-made entregaram aos visitantes um martelo para que meio do Manifesto futurista, escrito pelo italiano Filippo
destruíssem as obras de que não gostassem; além disso, Tommaso Marinetti. O Manifesto condenava o passado, a
distribuíram, em grande quantidade, bebidas alcoólicas; arqueologia, o academicismo, a nostalgia e o sentimen-
simultaneamente, uma jovem vestida de branco, como se talismo; exaltava o amor ao perigo, à verdade, à energia;
FRENTE ÚNICA

fosse participar da primeira comunhão, recitava poemas o documento defendia ainda a guerra, o militarismo, o
pornográficos. patriotismo, a bofetada e o soco.

187

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navios a vapor, fábricas, multidões de trabalhadores.
Giacomo Balla

Um bom exemplo de texto futurista é “Ode triunfal”, de


­Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa,
poeta modernista.
[...]
À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!


Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Fig. 72 Giacomo Balla. Velocità d'automobile + luce, 1913. Moderna Museet, Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
Stockholm. De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
A guerra é a única higiene do mundo... A literatura exaltou
De expressão de todas as minhas sensações,
até hoje a imobilidade pensativa, o êxtase, o sono. Nós que-
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!
remos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo
de corrida, o salto mortal, o bofetão e o soco.
Em febre e olhando os motores como a uma Natureza
Richard Humphreys. Futurismo. Tradução de Luiz Antônio Araújo. 2 ed. São
Paulo: Cosac & Naify, 2001. (Adapt.). tropical –
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força –
“[...] que alegria ver ouvir farejar tudo tudo Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
taratatatata das metralhadoras berrar teimosamente sob Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
dentadas bofetadas traak-traak frustadas pic-pac-pum-tumb [...]
bizarrias saltos altura 200m. da fuzilaria em baixo embaixo Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
no fundo da orquestra charcos. Ser completo como uma máquina!
agita-se bois búfalos aguilhões Poder ir na vida triunfante como um automóvel último
carros pluff plaff empinar de cavalos modelo!
flic flac Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
zing zing chaaack hílares relinchos iiiiii... pateadas Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me pas-
tinidos sento
3 batalhões búlgaros em marcha croooc-chaaac [LENTO A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
DOIS TEMPOS] Sciumi Maritza ou Karkavena croooc craaac
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!
gritos dos oficiais Fernando Pessoa (Álvaro de Campos). “Ode triunfal”. Antologia poética de
batttter como pratttos de latttão pan daqui paaack dali tching Fernando Pessoa. São Paulo: Ediouro, 2004. p. 51-2.
buuuum tching tchang [PRESTO] tchia tchia tchia tchiaak em
cima em baixo ali ali à volta ao alto atenção sobre a vabeça No plano da linguagem verbal, os futuristas pregavam
tchiaak belo a destruição da sintaxe; empregavam os substantivos ao
Chamas acaso; aboliam os adjetivos, os advérbios, os clichês e os
chamas elementos de comparação; e empregavam o verbo no in-
chamas chamas finitivo. Tais recursos estavam em sintonia com a ideia de
chamas chamas movimento, energia, progresso.
chamas ribalta dos fortes a- Para muitos, o Futurismo é um meio de divulgação do
chamas Fascismo de Mussolini. Futurismo e Fascismo tinham em
chamas comum o desprezo pela democracia e pelo Socialismo, o
trás daquela fumaça [...]”. antifeminismo e o caráter antiburguês.
Felippo Tommaso Marinetti. “Zang Tumb Tumb”. The futurists. Os quadros Futuristas apresentavam planos fragmenta-
dos e cores expandidas, nos quais as formas se repetiam,
carros: carruagens, carros (não motorizados); vagões de trem. umas sobre as outras, para comunicar uma sensação de
movimento contínuo, uma ideia de dinamismo.
Os futuristas propunham ainda a substituição da psi- O Futurismo procurava expressar o movimento real, re-
cologia do homem (destruindo o eu na literatura) pela gistrando a velocidade descrita pelas figuras em movimento
obsessão da matéria, a incorporação de novos objetos no espaço. O artista futurista não está interessado em pintar
como temas de poesia: locomotivas, automóveis, aviões, um automóvel, mas captar a forma artística, a velocidade.

188 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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Giacomo Balla
Fig. 73 Giacomo Balla. Street Light, c. 1910-11 (pintura datada de 1909). Óleo sobre tela. MoMA, Nova York, Estados Unidos.

O teatro sintético futurista (1915) emprega em sua dramatização ações simultâneas que tomam o palco e a plateia, a
chamada intervenção cênica (Teatro da surpresa, 1922, e Teatro visionário, 1929). O cinema (Vida futurista, 1916) é visto
como a nova forma de expressão artística que atenderia à necessidade de uma expressividade plural e múltipla. Desta-
cam-se os filmes Funerale dell’anarchista Galli (Carrà, 1911), Velocità astrata, l’auto è passato (Balla, 1912), Ballerina al Bal
Tabarin (Severini, 1913) e Dinamismo di un Foot-baller (Boccioni, 1913),

Revisando
Textos para as questões 1 e 2.
Texto 1
Richard Hamilton

Richard Hamilton. Just what is it that makes today’s home so different, so appealing? 1956.
Colagem. Kunsthalle, Tübingen, Alemanha. ©DACS/ The Bridgeman Art Library.

Texto 2
A arte na década de 1960
Nos anos 60, predominou a arte pop, influenciando não somente quadros e pinturas, mas todo o estilo de vida. Os artistas
pop (entre eles, Andy Warhol, Roy Lichenstein, Jasper Jogns e Robert Indiana) compartilham todos de uma utilização mais ou
menos direta do nosso meio ambiente na realização de suas obras, sendo quase invariável a sua seleção de motivos recolhidos
nos meios de comunicação de massa, o que justifica o epíteto pop.
A arte pop mais característica é essencialmente um produto da sociedade de vastos horizontes, sempre em mutação, da América.
Como movimento, a arte pop não emergiu espontaneamente do povo, em qualquer país, nem constituiu uma fusão internacional
de estilos. Seus padrões eram determinados por uma decisão de abordar o mundo contemporâneo com uma atitude mais positiva.
Apesar dos aspectos carnavalescos, das cores orgíacas e da escala gigantesca, a alternativa da arte pop baseou-se claramente em um
FRENTE ÚNICA

padrão adequado aos anos 1960, donde estavam excluídos o desagradável, o nonsense, o preciosismo, o refinamento. A arte pop é
espontânea, direta e extrovertida.
Rodrigo Landulfo Rocha. Arte Pop. 18 set. 2004. Disponível em: <http://amigonerd.net/trabalho/19244-arte-pop>.

189

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1 Extraia do texto em linguagem verbal três passagens teóricas que podem ser aplicadas à foto.




2 Extraia agora do texto 1 o tema; procure ser abstrato e genérico na colocação.








3 Leia o fragmento a seguir.


“... tentaram plasmar em suas pinturas a ideia de dinamismo, entendido como a deformação e desmaterialização por
que passam os objetos e o espaço quando ocorre a ação.”
Disponível em: <http://galeriadearte.vilabol.uol.com.br/HistoriadaArte/09/Sala09.htm>.

O que se diz no texto é compatível com as ideias do:


a Cubismo.
b Futurismo.
c Dadaísmo.
d Surrealismo.
e Expressionismo.

Texto para a questão 4.

Nas nossas ruas, ao anoitecer,


Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.
[...]
Cesário Verde. “O sentimento de um Ocidental”. In: O livro de Cesário Verde. Ática, 1959. p. 101.

4 Em que medida o texto acima apresenta características impressionistas?







Exercícios propostos
1 Unifesp 2018
O Surrealismo buscou a comunicação com o irracional e o ilógico, deliberadamente desorientando e reorientando a
consciência por meio do inconsciente.
(Fiona Bradley. Surrealismo, 2001.)

Verifica-se a influência do Surrealismo nos seguintes versos:


a Um gatinho faz pipi.
Com gestos de garçom de restaurant-Palace
Encobre cuidadosamente a mijadinha.
Sai vibrando com elegância a patinha direita:
– É a única criatura fina na pensãozinha burguesa.
(Manuel Bandeira, “Pensão familiar”.)

190 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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b A igreja era grande e pobre. Os altares, humildes. Texto para a questão 3.
Havia pouca flores. Eram flores de horta.
Sob a luz fraca, na sombra esculpida Texto I
(quais as imagens e quais os fiéis?)
ficávamos.
(Carlos Drummond de Andrade, “Evocação Mariana”.)

c Nunca me esquecerei desse acontecimento


na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
(Carlos Drummond de Andrade, “No meio do caminho”.)

d E nas bicicletas que eram poemas


chegavam meus amigos alucinados.
Sentados em desordem aparente,
ei-los a engolir regularmente seus relógios
enquanto o hierofante armado cavaleiro
movia inutilmente seu único braço.
(João Cabral de Melo Neto, “Dentro da perda da memória”.)

e – Desde que estou retirando


só a morte vejo ativa,
só a morte deparei
e às vezes até festiva;
só morte tem encontrado
quem pensava encontrar vida,
e o pouco que não foi morte
foi de vida severina.
DUCHAMP, M. Roda de bicicleta. Aço e madeira, 1,3 m x 64 cm x 42 cm,
(João Cabral de Melo Neto, “Morte e vida severina”.) 1913. Museu de Arte Moderna de Nova York. DUCHAMP, M. Roda de
bicicleta. Barcelona: Polígrafa, 1995.

Texto para a questão 2.


Texto II
Tal movimento não era apenas um movimento europeu
Ao ser questionado sobre seu processo de criação de
de caráter universal, conquistando uma nação após outra e
ready-mades, Marcel Duchamp afirmou: — Isto dependia
criando uma linguagem literária universal que, em última
do objeto; em geral, era preciso tomar cuidado com o seu
análise, era tão inteligível na Rússia e na Polônia quanto na
look. É muito difícil escolher um objeto porque depois de
Inglaterra e na França; ele também provou ser uma daquelas
quinze dias você começa a gostar dele ou a detestá-lo. É
correntes que, como o Classicismo da Renascença, subsistiu
preciso chegar a qualquer coisa com uma indiferença tal
como fator duradouro no desenvolvimento da arte. Na ver-
que você não tenha nenhuma emoção estética. A escolha
dade, não existe produto da arte moderna, nenhum impulso
do ready-made é sempre baseada na indiferença visual e, ao
emocional, nenhuma impressão ou estado de espírito do
mesmo tempo, numa ausência total de bom ou mau gosto.
homem moderno, que não deva sua sutileza e variedade à
CABANNE, P Marcel Duchamp: engenheiro do tempo perdido. São Paulo:
sensibilidade que se desenvolveu a partir desse movimento. Perspectiva, 1987 (adaptado).
Toda exuberância, anarquia e violência da arte moderna,
seu lirismo balbuciante, seu exibicionismo irrestrito e pro-
fuso, derivaram dele. E essa atitude subjetiva e egocêntrica 3 Enem PPL 2017 Relacionando o texto e a imagem da
tornou-se de tal modo natural para nós, tão absolutamente obra, entende-se que o artista Marcel Duchamp, ao
inevitável, que nos parece impossível reproduzir sequer uma criar os ready-mades, inaugurou um modo de fazer
sequência abstrata de pensamento sem fazer referência aos arte que consiste em
nossos sentimentos. a designar ao artista de vanguarda a tarefa de ser o
(Arnold Hauser. História social da arte e da literatura, 1995. Adaptado.) artífice da arte do século XX.
b considerar a forma dos objetos como elemento es-
2 Unesp 2019 O texto refere-se ao movimento denomi- sencial da obra de arte.
nado c revitalizar de maneira radical o conceito clássico do
a Barroco. belo na arte.
FRENTE ÚNICA

b Arcadismo. d criticar os princípios que determinam o que é uma


c Realismo. obra de arte.
d Romantismo. e atribuir aos objetos industriais o status de obra de
e Simbolismo. arte.

191

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4 Unifesp 2017 Leia um trecho do “Manifesto do Futurismo” e Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.
publicado por Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944) no Amo-vos carnivoramente,
ano de 1909. Pervertidamente e enroscando a minha vista
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,
Nós cantaremos as grandes multidões movimentadas Ó coisas todas modernas,
pelo trabalho, pelo prazer ou pela revolta; as marés multico- Ó minhas contemporâneas, forma atual e próxima
loridas e polifônicas das revoluções nas capitais modernas; a Do sistema imediato do Universo!
vibração noturna dos arsenais e dos estaleiros sob suas luas Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!
elétricas; as estações glutonas comedoras de serpentes que
fumam; as usinas suspensas nas nuvens pelos barbantes de
Texto para a questão 5.
suas fumaças; os navios aventureiros farejando o horizonte;
as locomotivas de grande peito, que escoucinham os trilhos, Expressionismo: Termo aplicado pela crítica e pela
como enormes cavalos de aço freados por longos tubos, e história da arte a toda arte em que as ideias tradicionais
o voo deslizante dos aeroplanos, cuja hélice tem os estalos de naturalismo são abandonadas em favor de distorções
da bandeira e os aplausos da multidão entusiasta. ou exageros de forma e cor que expressam, de modo pre-
(Apud Gilberto Mendonça Teles. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro, mente, a emoção do artista. Neste sentido mais geral, o
1992. Adaptado.) termo pode ser aplicado à arte de qualquer período ou
Em consonância com este preceito do Futurismo estão lugar que conceda às reações subjetivas um lugar de maior
os seguintes versos, extraídos da produção poética de importância que à observação do mundo exterior.
(Ian Chilvers (org.). Dicionário Oxford de arte, 2007.)
­Fernando Pessoa (1888-1935):
a Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro. 5 Unesp 2018 De acordo com essa definição, pode ser
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave, considerada expressionista a obra
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para a
[longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os
nossos
[olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza
é ver.
b Ontem à tarde um homem das cidades
Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também.
Falava da justiça e da luta para haver justiça
E dos operários que sofrem, (Gustave Courbet. O encontro, 1854.)
E do trabalho constante, e dos que têm fome,
b
E dos ricos, que só têm costas para isso.
E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos
E sorriu com agrado, julgando que eu sentia
O ódio que ele sentia, e a compaixão
Que ele dizia que sentia.
c Amemo-nos tranquilamente, pensando que podía-
mos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do
outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento –
Este momento em que sossegadamente não cremos em (Jean-Auguste-Dominique Ingres. Retrato da Condessa d'Haussonville, 1845.)
[nada,
Pagãos inocentes da decadência. c
d Levando a bordo El-Rei dom Sebastião,
E erguendo, como um nome, alto o pendão
Do Império,
Foi-se a última nau, ao sol aziago
Erma, e entre choros de ânsia e de pressago
Mistério.
Não voltou mais. A que ilha indescoberta
Aportou? Voltará da sorte incerta
Que teve? (Edward Hopper. O farol em duas luzes, 1929.)

192 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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d Texto para as questões 8 e 9.

Pablo Picasso
(Andy Warhol. Lata de sopa Campbell, 1962.)

8 A decomposição e a geometrização das imagens no


texto anterior é uma característica:
a romântica.
b cubista.
c surrealista.
d impressionista.
e parnasiana.

9 Considere as seguintes afirmações, retiradas do livro


História da Arte, de E. H. Gombrich.
(Vincent van Gogh. A igreja de Auvers-Sur-Oise, 1890.) I. [...] Abandonamos há muito a pretensão de que re-
presentamos as coisas tal como se apresentam aos
nossos olhos [...]
6 O texto a seguir é uma pintura futurista de Umberto II. Não queremos fixar na tela a impressão imaginária
Boccioni. Explique como o pintor transmitiu a ideia de um momento fugaz. [...]
de velocidade no plano das formas. III. É essa estranha e ímpar combinação de suavidade e
precisão que torna inesquecíveis suas melhores pin-
Umberto Boccioni/Wikimedia Commons

turas.[...]

São compatíveis com a obra de Picasso:


a I e II.
b nenhuma.
c II e III.
d I e III.
e todas.

10 Explique, na propaganda a seguir, a relação significan-


te/significado.
7 Comente, no plano das formas, o conteúdo emocional D VASTAÇÃO DA C STA BRASIL IRA
na obra de Delacroix, pintor romântico.
Eugène Delacroix/Web Gallery of Art

11 Fuvest 2017 Examine este cartaz, cuja finalidade é di-


vulgar uma exposição de obras de Pablo Picasso.
FRENTE ÚNICA

193

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Nas expressões “Mão erudita” e “Olho selvagem”, que Desiguais na fisionomia, na cor e na raça, o que lhes
compõem o texto do anúncio, os adjetivos “erudita” e assegura identidade peculiar, são iguais enquanto frente
“selvagem” sugerem que as obras do referido artista con- de trabalho. Num dos cantos, as chaminés das indústrias
jugam, respectivamente, se alçam verticalmente. No mais, em todo o quadro, rostos
a civilização e barbárie. colados, um ao lado do outro, em pirâmide que tende
b requinte e despojamento. a se prolongar, infinitamente, como mercadoria que se
c modernidade e primitivismo. acumula, pelo quadro afora.
Nádia Gotlib. Tarsila do Amaral, a modernista.
d liberdade e autoritarismo.
e tradição e transgressão. O texto aponta no quadro de Tarsila do Amaral um tema
que também se encontra nos versos transcritos em:
12 Enem 2017 a Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Vinicius de Moraes.

b Somos muitos Severinos


iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
João Cabral de Melo Neto.

c O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
VALENTIM, R. Emblema 78. Acrílico sobre tela. 73 x 100 cm. 1978. Ferreira Gullar.
Disponível em: www.espacoarte.com.br. Acesso em 2 ago. 2012.
d Não sou nada.
A obra de Rubem Valentim apresenta emblemas que,
Nunca serei nada.
baseando-se em signos de religiões afro-brasileiras, se Não posso querer ser nada.
transformam em produção artística. A obra Emblema 78 À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
relaciona-se com o Modernismo em virtude da Fernando Pessoa.
a simplificação de formas da paisagem brasileira.
b valorização de símbolos do processo de urbanização. e Os inocentes do Leblon
c fusão de elementos da cultura brasileira com a arte Não viram o navio entrar. [...]
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo igno-
europeia.
ravam,
d alusão aos símbolos cívicos presentes na bandeira
mas a areia é quente, e há um óleo suave
nacional
que eles passam nas costas, e aquecem.
e composição simétrica de elementos relativos à
Carlos Drummond de Andrade.
miscigenação racial.

15 A leitura do poema “Descrição da guerra em Guernica”


13 Interprete o texto a seguir. traz à lembrança o famoso quadro de Picasso.
Paralização – a nossa visão. Quem consegue ver numa
Entra pela janela
paralisação somente um erro ortográfico é míope.
o anjo camponês;
com a terceira luz na mão;
14 Enem minucioso, habituado
aos interiores de cereal,
Tarsila do Amaral

aos utensílios
que dormem na fuligem;
os seus olhos rurais
não compreendem bem os símbolos
desta colheita: hélices,
motores furiosos;
e estende mais o braço; planta
no ar, como uma árvore,
a chama do candeeiro.
[...]
Tarsila do Amaral. Operários, 1933. Óleo sobre tela. Acervo Artístico-cultural Carlos de Oliveira. In: Eugénio Andrade. Antologia pessoal da poesia
do Palácio do Governo do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil. portuguesa. Porto: Campo das Letras, 1999.

194 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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Uma análise cuidadosa do quadro permite que se iden- 16 Observe atentamente a figura abaixo.
tifiquem as cenas referidas nos trechos do poema.

Charles Allan Giobert/Wikimedia Commons


a b c d e f

1 1

2 2

3 3

a b c d e f

Pablo Picasso. Guernica, 1937. Óleo sobre tela.


Museu do Prado, Madri, Espanha.

Podem ser relacionadas ao texto lido as partes:


a a1, a2, a3. Charles Allan Gilbert. Tudo é vaidade, 1892.

b f1, e1, d1. Observa-se no texto o emprego da:


c e1, d1, c1. a ambiguidade verbo-visual.
d c1, c2, c3. b onomatopeia.
e e1, e2, e3. c ambiguidade visual.
d aliteração.
e fragmentação cubista.

Texto complementar
A produção do som e os tipos de afasia
1. O som
A produção de fonemas obedece ao seguinte percurso: o ar expelido pelos pulmões (via brônquios) penetra na traqueia e atinge a laringe; ao
atravessar a glote (abertura entre duas pregas musculares das paredes superiores da laringe, conhecidas pelo nome de cordas vocais), encontra
o primeiro obstáculo: a glote aberta ou fechada. Se relaxada, ele passa e produz articulações surdas; senão, sonoras. Ao sair da laringe, o fluxo de
ar entra na cavidade faríngea (uma encruzilhada de duas vias de acesso ao exterior: o canal bucal e o nasal), na qual fica suspenso o véu palatino,
que é capaz de obstruir, ou não, o acesso do ar na cavidade nasal. Quando o véu palatino se prende à parte posterior da faringe, temos os sons
orais; quando abaixado, deixa livres as fossas nasais e orais, então, o ar se divide e produz sons nasais. Na cavidade bucal, outros órgãos influem:
maxilares (arcada dentária), bochechas, lábios e língua.
2. Os tipos de afasia
yy Afasia motora: priva o sujeito da fala, mas não lhe retira a capacidade de compreensão ou mesmo de leitura.
yy Afasia sensorial: torna a fala incompreensível; a leitura impossível; e a emissão defeituosa corresponde a um distúrbio de ordem intelectual. Existem
no cérebro zonas da linguagem, cuja destruição resulta na desorganização da função linguística. Certos tipos de afasia afetam a capacidade que o
indivíduo tem de combinar e selecionar as unidades linguísticas.
Observação: falar implica na seleção de certas entidades linguísticas; e sua combinação em unidades linguísticas de mais alto grau de complexidade
[...] quem fala, seleciona palavras e as combina em frases de acordo com o sistema sintático de cada língua.
yy Distúrbio da similaridade: afeta a capacidade de seleção e substituição; o contexto é indispensável e decisivo. Dando fragmentos de palavras ou
frases à criança, esta as completa (capacidade reativa). Palavras-chave podem sumir ou ser substituídas por anafóricos abstratos. Substantivos
como “coisa” substituem todos os inanimados.
yy Distúrbio da contiguidade: dificuldade de combinar entidades linguísticas mais simples em unidades mais complexas. Perdem-se as regras
sintáticas mais complexas (agramatismo, um monte de frases) para dar espaço a um estilo “telegráfico” (desaparecem as palavras de função
puramente gramatical: conjunções, preposições, pronomes, artigos).
yy Afasia universal: a perda total do poder de utilizar ou aprender a falar.
FRENTE ÚNICA

195

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Resumindo
O texto apresenta dois grandes níveis:
yy nível de conteúdo: relações de sentido.
yy nível de expressão (ou de manifestação): recursos gráficos, visuais, fonéticos, sintáticos, gestuais.
Signo
Tudo aquilo que possui um significante e um significado apresenta uma dupla face (a língua é um sistema de signos).
Significante
Trata-se da parte sensível; imagem acústica (fonema) ou imagem gráfica (letra).
Significado
É a parte ausente; o conteúdo.
Significação
Relação entre significante e significado.
Existência do signo
Fora da sociedade, os signos não existem.
Linguagem
A linguagem é um sistema de signos; a língua é uma das linguagens existentes.
Signo e o referente
O referente é a coisa em si.
Signo visual x signo verbal
O signo visual é universal e icônico (imagem); o signo verbal é arbitrário (muda de cultura para cultura) e não é icônico.?

Quer saber mais?

Filme Livro
yy A lista de Schindler. Direção: Steven Spielberg. Steven Spielberg. yy NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra Rio de Janeiro: Civi-
Esse trabalho traz uma ótima oportunidade de conhecer como a lin- lização Brasileira, 1998.
guagem fotográfica pode ser empregada de maneira extremamente Conhecer o filósofo Friedrich Nietzsche é mergulhar um pouco no
criativa. Todas as cenas são em preto e branco, mostrando uma universo em que frutificaram movimentos artísticos como Impres-
reconstituição primorosa da época, destacando-se em alguns mo- sionismo, Expressionismo, Realismo e todo o frutífero e tumultuado
mentos a figura de uma pequena menina loira de casaco vermelho, a ambiente do fim de século XIX e início do século XX.
única figura em cores até pouco antes do final, quando os atores do
filme são mostrados lado a lado dos judeus ainda vivos na época da
Site
filmagem e que foram salvos pelo industrial alemão Oskar Schindler.
yy <www.tarsiladoamaral.com.br>.
Teatro Conhecida sobretudo por trabalhos como Abaporu e Operários, a
artista produziu vasta obra, de alta qualidade, que a cada dia se
yy RODRIGUES, Nelson. Vestido de noiva. Rio de Janeiro: Nova Fron- torna mais valorizada e conhecida mundialmente.
teira, 2004.
O enredo da peça é desenvolvido em três planos: a realidade, a aluci-
nação e o sonho, lembrando bastante os procedimentos surrealistas.
A montagem de estreia, dirigida pelo diretor de origem polonesa
Ziembinski, colocou em cena esses três planos simultaneamente,
aprofundando seu teor psicológico.

196 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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Exercícios complementares
1 Fuvest Compare o provérbio “Por fora bela viola, por Trata-se de um texto literário porque:
dentro pão bolorento” com a seguinte mensagem pu- a o plano da expressão (sons) articula-se com o pla-
blicitária de um empreendimento imobiliário: no do conteúdo, contribuindo para a significação
Por fora as mais belas árvores. Por dentro a melhor global.
planta. b o plano do conteúdo prevalece, priorizando, assim,
a) Os recursos sonoros utilizados no provérbio man- o que se diz, em vez de o modo como se diz.
têm-se na mensagem publicitária? Justifique sua c é possível fazer um resumo do texto, sem perder o
resposta. essencial em nenhum dos planos.
b) Aponte o jogo de palavras que ocorre no texto d o uso estético da linguagem é sacrificado em fun-
publicitário, mas não no provérbio. ção de uma abordagem mais denotativa.

2 Unesp 2020 4 Uerj Leia o texto a seguir.


Cartum 1
[...]
Engenho de febre
Sono e lembrança
Que arma
E desarma minha morte
Em armadura de treva.
Armando Freitas Filho. Disponível em: <http://geocities.yahoo.com.br/
jerusalem_13/armandofreitasfilho.html>.

A ausência de pontuação nessa estrofe pode nos le-


var a diferentes leituras do texto.
A única interpretação incoerente desse trecho é apre-
sentada em:
a Engenho de febre e de sono, e lembrança que arma
(Millôr Fernandes. Guia Millôr da filosofia, 2016.)
e desarma minha morte em armadura de treva.
b Engenho de febre, de sono e de lembrança, a qual
Cartum 2 arma e desarma minha morte em armadura de treva.
c Engenho de febre, de sono e de lembrança, o qual
arma e desarma minha morte em armadura de treva.
d Engenho de febre, engenho que é sono e lem-
brança, e que arma e desarma minha morte em
armadura de treva.

5 ITA Leia o texto a seguir.


Do interior da floresta, no alto das montanhas, em pe-
quenos grotões cercados de muito verde, a água cristalina
brota da terra e vai buscando seu caminho por entre as pe-
dras. Ao unir-se às águas de outras nascentes, o filete dessa
água cristalina vai se transformando em riachos, córregos e
rios. Descendo a serra em busca do mar, rumo à planície
(Quino. Que presente inapresentável!, 2010.)
litorânea, as águas vão esculpindo as rochas, formando
a) Explicite o conceito explorado pelo cartum 1. De corredeiras e se lançando pelos vales em cachoeiras que
que modo a imagem ressalta esse conceito? formam os mais belos cenários da Mata Atlântica com
b) Que princípio comanda o processo de criação suas piscinas naturais.
artística ilustrado pelo cartum 2? Tal princípio Folheto do Parque Estadual da Serra do Mar – Núcleo de Santa Virgínia.
remete a qual vanguarda europeia do início do A descrição no texto apresenta uma paisagem que
século XX? parece estar em movimento. Esse movimento é cons-
truído basicamente pelo emprego de:
3 AFA Leia atentamente o trecho a seguir, de Oswald de a adjetivos.
Andrade.
FRENTE ÚNICA

b locuções adverbiais.
E tia Gabriela sogra grasnadeira grasnou graves grosas c substantivos que designam elementos da natureza.
de infâmias. d preposições.
Oswald de Andrade. “Mobilização”. Memórias sentimentais de João Miramar. e locuções verbais com gerúndio.

197

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Texto para a questão 6.
A cidade sitiada (1949)
O subúrbio de S. Geraldo, no ano de 192..., já misturava ao cheiro de estrebaria algum progresso. Quanto mais fábricas
se abriam nos arredores, mais o subúrbio se erguia em vida própria sem que os habitantes pudessem dizer que transformação
os atingia. Os movimentos já se haviam congestionado e não se poderia atravessar uma rua sem desviar-se de uma carroça
que os cavalos vagarosos puxavam, enquanto um automóvel impaciente buzinava atrás lançando fumaça. Mesmo os crepús-
culos eram agora enfumaçados e sanguinolentos. De manhã, entre os caminhões que pediam passagem para a nova usina,
transportando madeira e ferro, as cestas de peixe se espalhavam pela calçada, vindas através da noite de centros maiores.
Dos sobrados desciam mulheres despenteadas com panelas, os peixes eram pesados quase na mão, enquanto vendedores em
manga de camisa gritavam os preços. E quando sobre o alegre movimento da manhã soprava o vento fresco e perturbador,
dir-se-ia que a população inteira se preparava para um embarque.
Ao pôr do sol galos invisíveis ainda cocoricavam. E misturando-se ainda à poeira metálica das fábricas o cheiro das
vacas nutria o entardecer. Mas de noite, com as ruas subitamente desertas, já se respirava o silêncio com desassossego, como
numa cidade; e nos andares piscando de luz todos pareciam estar sentados. As noites cheiravam a estrume e eram frescas.
Às vezes chovia.
Clarice Lispector. A cidade sitiada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

6 Ao longo do texto, percebe-se o uso sistemático do pretérito imperfeito do indicativo (misturava... abriam... erguia...
atingia... haviam... puxavam...). Que relação existe entre o emprego desse tempo verbal e o crescimento do subúrbio?

Texto para a questão 7.


“É Brasileiro, já passou de Português...”

A ideia de uma língua única, que não se altera, é um mito, pois a heterogeneidade social e cultural implica a hete-
rogeneidade linguística.
(...)
Embora Brasil e Portugal tenham uma língua comum, é nítido a qualquer falante do português que existem
diferenças entre o português falado nos dois países – claro que elas também existem com relação aos demais países
de língua portuguesa. (...) Essas diferenças são tão grandes que podemos afirmar que no Brasil se fala uma língua diferente
da de Portugal, que os linguistas denominaram de português brasileiro. Isso é tão evidente que, se você observar
um processador de textos, o Word, por exemplo, na ferramenta idiomas há as opções português e português brasileiro ou
português (Brasil). Por quê? Como são línguas diferentes, o corretor automático do processador precisa saber em que
“língua” está sendo escrito o documento, pois o português europeu e o brasileiro seguem regras diferentes.
Quando ouvimos um habitante de Portugal falando, percebemos imediatamente um uso diverso da língua.
A diferença mais perceptível é de ordem fonológica, ou seja, na maneira de produzir os sons da língua. Identificamos
rapidamente que ele fala português, porém com “sotaque ou acento lusitano”. Se atentarmos com mais cuidado,
perceberemos, entretanto, que as diferenças não são apenas de ordem fonológica. Há também diferenças sintáticas (poucas) e
lexicais. Um mesmo conceito é designado por significantes diferentes, o que prova o caráter imotivado do signo linguístico. (...)
(Ernani Terra, Revista Língua Portuguesa, adaptado, julho/2018)

198 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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7 ESPM 2019 O autor defende que: a
a Há diferenças linguísticas tão grandes, com regras
também tão diferentes, que se constatam duas
línguas diversas: o português de Portugal e o por-
tuguês europeu.
b Diferenças de ordem fonológica ocorrem quando
um mesmo significado é designado por significan-
tes diferentes.
c Diferenças linguísticas em outros países, como An-
gola, Moçambique, Cabo Verde, Timor Leste e São
Tomé e Príncipe, são tão pequenas que não che-
gam a caracterizar línguas diferentes. Alfred Kubin, representante do Expressionismo.
d As alterações linguísticas entre Portugal e Brasil Sonho e desarranjo, Alfred Kubin
ocorrem principalmente, por serem mais verificá- b
veis, no campo da escrita.
e O signo linguístico não necessita, para sua existên-
cia, de um caráter motivado.

Textos para a questão 8.


Texto 1

Henri Matisse, representante do Fauvismo.


Bailarina deitada, Henri Matisse
c

Diego Rivera, representante do Muralismo.


Mineiro, Diego Rivera.
d

GOELDI, O. Sem título. Bico de pena. 29,4x24 cm. Coleção Ary Ferreira
Macedo, circa 1940. Disponível em: https://revistacontemporartes.blogspot.
com.br. Acesso em: 10 dez. 2012.
Pablo Picasso, representante do Cubismo.
Texto 2 Retrato de Igor Stravinsky, Pablo Picasso.
e
Na sua produção, Goeldi buscou refletir seu caminho
pessoal e político, sua melancolia e paixão sobre os inten-
sos aspectos mais latentes em sua obra, como: cidades,
peixes, urubus, caveiras, abandono, solidão, drama medo.
ZULIETTI, L. F. Goeldi: da melancolia ao inevitável. Revista de Arte Mídia e
Política. Acesso em 24. abr. 2017. (Adaptado).

8 Enem 2017 O gravador Oswaldo Goeldi recebeu for-


FRENTE ÚNICA

tes influência de um movimento artístico europeu do


início do século XX, que apresenta as características René Magritte, representante do Surrealismo.
reveladas nos traços da obra de Os amantes, René Magritte.

199

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9 Veja a figura a seguir. 10 O quadro anterior é de Candido Portinari, um dos prin-
cipais nomes da pintura nacional e internacional; em
Salvador Dalí

relação a essa obra do pintor, pode-se afirmar que:


I. o tema do sofrimento humano está presente em
vários níveis: nos traços no visual dos persona-
gens, assim como no tempo e no espaço em que
eles estão inseridos.
II. há uma interação de linguagens: o verbal e o
visual se complementam, formando um todo sig-
nificativo.
III. apesar de o quadro transmitir uma mensagem (há
uma denúncia social), não pode ser considerado
um texto, pois não há palavras.
IV. o contexto em que os personagens estão inseri-
dos denota aridez, precariedade e volúpia.

Salvador Dalí. Persistência da memória, 1931. Óleo sobre tela. MoMA, Nova
Estão corretas:
York, Estados Unidos. a apenas I, III e IV.
b apenas II, III e IV.
Assinale a alternativa que não se relaciona com o quadro.
c apenas I e II.
a A atitude realista é fruto da mediocridade, do ódio
d apenas I e IV.
e da presunção rasteira. É dela que nascem os li-
e apenas I.
vros que insultam a inteligência.
b A mania incurável de reduzir o desconhecido ao
11 Utilizando o seu conhecimento de mundo, assinale a
conhecido, ao classificável, só serve para entorpe-
alternativa que aponta para um autor que desenvol-
cer cérebros.
veu o tema presente no quadro de Portinari.
c Hoje em dia, os métodos da Lógica só servem para
a Casimiro de Abreu.
resolver problemas secundários.
b Gregório de Matos.
d A extrema diferença de importância que, aos olhos
c Fernando Pessoa.
do observador ordinário, têm os acontecimentos de
d Graciliano Ramos.
vigília e os do sono sempre me encheu de espanto. e Eça de Queirós.
[...] Talvez o meu sonho da noite passada tenha dado
prosseguimento ao da noite anterior e continue na Texto para a questão 12.
próxima noite com rigor meritório.

René Magritte
e Nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insô-
nia febril, o passo de corrida, o salto mortal, a bofetada
e o sopapo.

Texto para as questões 10 e 11.


Candido Portinari

René Magritte. Os amantes, 1928. Óleo sobre tela. National Gallery of


Australia, Austrália.

12 Explique em quatro linhas, aproximadamente, o signifi-


cado do quadro de Magritte, analisando os elementos
Candido Portinari. Criança morta. 1944. Óleo sobre tela. Museu de Arte de presentes. Procure abstraí-los, de modo que possa-
São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo, Brasil. mos chegar a uma interpretação.

200 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens

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UOL, 5 abr. 2009.

FRENTE ÚNICA

8
CAPÍTULO Implícitos, ambiguidade e semântica
A charge de Angeli trabalha com significados implícitos; a placa “passa-se o ponto”
e a imagem dos comércios ligados ao mundo do entretenimento deixam entrever a
opinião do autor sobre o ensino no Brasil: a educação está perdendo espaço para o
universo dos jogos eletrônicos e para outras formas de diversão (“Cyber Café”).
A charge faz, pois, uma reflexão sobre o ensino, um dos temas mais importantes
para a vida do brasileiro. Sabe-se que o ensino público e parte do privado não aten-
dem o padrão de qualidade que uma escola precisa ter. É preciso repensar o ensino,
levando em conta a dura competição do mundo do entretenimento.

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Introdução Observe este outro exemplo:
Este capítulo tem por objetivo trabalhar a ambiguidade, – O progresso da nação deve ser visto com cautela, meu
os implícitos e alguns aspectos da semântica. Como afirma jovem.
­Maingueneau, “dizer nem sempre é dizer explicitamente, a
Nessa fala, o enunciador coloca como pressuposto o
atividade discursiva entrelaça constantemente o dito e o
fato de que a nação está progredindo, o que pode não
não dito” (Pragmática para o discurso literário). É preciso
estar ocorrendo. Na realidade, o pressuposto “a nação
perceber o que foi dito nas entrelinhas; muitas vezes, o
progride” seria garantido por um sujeito indefinido, que
autor enuncia o explícito para passar o implícito. Veja, por
não se sabe exatamente quem é. Como diz Diana, “todo
exemplo, o texto a seguir:
ato de pressupor implica presumir e, de alguma forma, im-
EU GOSTO DE VOCÊ por a adesão do enunciatário [receptor]”. Ou como afirma
Ducrot: “dizer que pressuponho X, é dizer que pretendo
O casal inglês, daqueles que conversam pouco mesmo,
obrigar [...] a admitir X, sem por isso dar-lhe o direito de
está na sala, depois do jantar. Ela vidrada na TV e ele lendo
prosseguir o diálogo a propósito de X”.
seu jornalzinho, quieto, lá num canto da poltrona. De repente,
Maingueneau ressalta também a importância do pres-
ela volta-se para ele e pergunta:
suposto para a construção da coerência textual. Para
– Meu bem, você gosta mais de mulher bonita ou inteli-
progredir, diz o linguista, um texto se vale de uma infor-
gente?
mação posta que se converte depois em pressuposto. Ou
E ele, distraído, sem tirar os olhos do jornal:
seja, as informações iniciais servirão de pressupostos para
– Nem de uma coisa, nem de outra, querida. Você sabe
as informações posteriores. Se o pressuposto não está
que gosto mesmo é de você.
nas informações iniciais, ele pode aparecer como uma
Almanaque de piadas.
informação já admitida pelo interlocutor (conhecimento
Na fala do marido, “Nem de uma coisa, nem de outra, de mundo). Dito de outro modo, se, como enunciador,
querida. Você sabe que gosto mesmo é de você”, há uma redijo um texto acerca das soluções para a crise energé-
ideia implícita: o fato de ele achar que a mulher não é nem tica por que passa o país, estabeleço o pressuposto de
inteligente nem bonita; ou seja, o explícito serve para pas- que meu leitor já está a par do assunto (o país vive uma
sar um implícito. Trata-se de uma visão de mundo machista, crise energética).
pois, questionando uma competência feminina, coloca-se Maingueneau, em seu livro Pragmática para o discurso
em posição de superioridade. literário, enumera alguns recursos linguísticos em que se
No discurso literário, o implícito aparece na relação que apoiam os pressupostos:
se estabelece entre a obra e seu destinatário. Ao ler uma obra
de Machado de Assis, um conto ou um romance, pergunta-se: yy Verbos factivos (pressupõem a verdade) ou contra-
que mensagem o autor quis passar ao escrever essa obra? factivos (pressupõem a mentira):
Procedendo dessa maneira, o destinatário está, na realidade, João sabe que Lia saiu. pressupõe que seja verdade
à procura do implícito; como diz o autor de Pragmática para que Lia saiu.
o discurso literário, “qualquer obra que figura no corpus da João imagina que Lia saiu. pressupõe que é mentira.
Literatura leva seu leitor a perseguir o implícito”.
yy Verbos subjetivos (implicam um julgamento de valor):
Implícito: pressuposto João confessou que desviara a verba.
João é culpado.
pressupõe que

Segundo Diana Luz Pessoa de Barros, linguista da USP,


“o ato de pressupor um conteúdo consiste em situá-lo como yy Verbos ou marcadores aspectuais (pressupõem que
já conhecido do enunciatário e em apresentá-lo como fundo anteriormente havia um processo):
comum, no interior do qual o discurso deve prosseguir”. Se João parou de falar. pressupõe que João falava an-
afirmo “Maria continua bonita”, parto de um pressuposto de teriormente.
que meu interlocutor concorda com o fato de que Maria era
bonita, ao mesmo tempo em que digo que ela é bonita. Se yy Nominalizações (expressões sem verbo):
meu interlocutor não aceitar o pressuposto (o fato de que pressupõe que
O sofrimento de João abala a família.
ela era bonita), a conversa não evolui. Por vezes, o empre- João sofre.
go do pressuposto pode ser instrumento de manipulação:
– Ontem, vi o professor de História e sua amante no cinema.
yy Descrições definidas (pressupõem a existência de
um referente correspondente):
Ao fazer essa afirmação, o enunciador colocou o fato O tio de João morreu. pressupõe que João tinha
de o professor ter uma amante como pressuposto, como se um tio.
o seu interlocutor já soubesse dessa informação. Ou seja,
ele não perguntou se o interlocutor sabia que o professor yy Epítetos não restritivos (pressupõem que a qualidade
tinha uma relação fora do casamento, mas já assumiu isso era conhecida):
como uma informação fato conhecido. Com isso, o enun- O jornal fez referência à duvidosa honestidade do deputa-
ciador livra-se da alcunha de fofoqueiro, tagarela. do. pressupõe que a honestidade era duvidosa.

202 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 8 Implícitos, ambiguidade e semântica

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yy Interrogativas parciais: O enunciador do subentendido pode transgredir uma
Quando João foi ao teatro? pressupõe que João foi dessas regras para passar um conteúdo implícito, o su-
ao teatro. bentendido. Por exemplo:

yy Construções clivadas (uso de relativos): Juliana, o que você


É João quem dorme na sala? pressupõe que há al- vai fazer depois
da aula do Renato?
guém na sala.

Implícito: subentendido
Segundo Diana Luz Pessoa de Barros, em Teoria do
discurso, “no caso da pressuposição, o enunciador pode
sempre atribuir o conteúdo pressuposto ao ‘senso comum’, Você viu a Carla,
a fatos conhecidos de todos e pelos quais ninguém res- Daniel?
ponde; no [caso] do subentendido, a forma implícita de
dizer faz a responsabilidade recair sobre o enunciatário
[receptor], podendo o enunciador afirmar, em qualquer
tempo, que não foi ele quem disse, mas o outro quem
assim interpretou”. Veja o exemplo a seguir: Fig. 1 Subentendido.

– O que você achou do filme? Uma das leis da conversação é a de que para toda per-
– O final é bom. gunta há uma resposta. Juliana não dá a resposta a Daniel,
com isso, deixa um subentendido: ela não quer encontrá-lo
Quando o interlocutor diz que “o final é bom”, deixa
depois da aula do Renato. Ela quebra uma lei da conversa-
subentendido que o restante não o é. Leia agora o seguinte
ção. Observe agora o exemplo a seguir:
trecho extraído do livro de Dominique Maingueneau:
Em A ilha dos escravos de Marivaux, Iphicrate e seu escra- Bianca, o que você
vo, Arlequim, desembarcam numa região onde são os escravos achou do meu novo visual?
que dão as ordens a seus senhores. Iphicrate continua, contudo,
comportando-se como antes: O botão da camisa
é interessante!
IPHICRATE: Acompanha-me, vamos!
ARLEQUIM (assobio): hu! hu! hu! Você está dizendo
IPHICRATE: Como! O que queres dizer? que o resto está ruim?
ARLEQUIM (distraído, canta): tra-lá-lá-lá-lá!
Arlequim quer fazer Iphicrate compreender que ele não é
mais seu escravo. Em vez de lhe dizer explicitamente, recorre a
uma estratégia de subentendido. Viola abertamente as regras de
conversação, pois assobia ou canta em vez de responder, agin-
do como se não tivesse ouvido. Iphicrate seria, desse modo,
levado a construir uma hipótese capaz de conciliar o postulado
de que Arlequim respeita essas máximas e o fato de que aqui Fig. 2 Avaliação parcial.
ele as transgride. Essa hipótese é que Arlequim quer lhe fazer Bianca transgride uma lei da conversação (lei da exaus-
deduzir um subentendido; “não sou mais teu escravo”. tividade) no momento em que faz uma avaliação parcial; o
Pragmática para um discurso literário, p. 106. emissor do primeiro diálogo espera que Bianca esgote as
O subentendido é inferido de um contexto singular e informações acerca do visual, mas Bianca faz uma avaliação
sua existência é sempre incerta; já o pressuposto é está- parcial, citando apenas o botão, o que gera o subentendido.
Para finalizar, eis as palavras de Maingueneau sobre
vel; o primeiro está ligado à enunciação (o enunciatário
os implícitos:
participa da interpretação), o segundo, à frase (inscrito no
enunciado). Para ilustrar essa diferença, Maingueneau dá O julgamento sobre o manejo do implícito é, aliás, ambí-
o seguinte exemplo: guo. Pode-se nele ver tanto uma recusa da franqueza quanto
uma marca de delicadeza, tanto uma falta de vontade de con-
A: Estou procurando alguém para consertar meu carro.
vívio quanto uma extrema vontade de convívio.
B: Meu irmão está em casa.
A: Mas ele está sempre tão ocupado!
Ambiguidade
Pressuposto: B tem um irmão (inscrito no enunciado).
Ambiguidade – latim ambiguu(m), ambíguo, que apre-
Subentendido: B propõe a A empregar seu irmão (con-
FRENTE ÚNICA

senta duas faces, dois sentidos.


teúdo inferido a partir de um raciocínio).
Para H.P. Grice, filósofo da linguagem, a atividade dis- O vocábulo “ambiguidade”, ou anfibologia (Grego amphibologia,
cursiva supõe uma cooperação de seus participantes, que discurso ambíguo), emprega-se em Gramática para designar os
devem seguir um certo número de regras de conversação. equívocos de sentido provenientes de construção defeituosa da

203

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP8_LA.INDD / 15-09-2020 (13:24) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


frase ou do uso de termos impróprios. Em crítica literária, a pa- Ordem das palavras
lavra foi introduzida por William Empson: [em seu livro Seven
Encontrei um sapato de menino muito feio.
types of ambiguity, publicado em 1930] a seu ver, ambiguidade
consiste em “toda nuança verbal, posto ligeira, que dê lugar Em outra ordem, teríamos: Encontrei um sapato muito
a diferentes reações ao mesmo fragmento de linguagem”. [...] feio de menino.
Em razão do sentido pejorativo que o vocábulo “ambi-
guidade” pode adquirir (“dúbio” e cognatos), seria de preferir Artigo definido sem o contexto
ambivalência, polivalência, plurivocidade, multivocidade, ou, A mulher é pura emoção.
conforme sugere Wheelwrigth (1964:61), plurissignificação:
Trata-se da classe das mulheres, ou de uma em
“um símbolo expressivo tende, em qualquer circunstância particular (o artigo como anafórico)? Em “Mulher é pura
da sua realização, a conter mais de uma referência legítima, de emoção”, teríamos a classe; em “A mulher do vizinho é
tal forma que seu sentido exato se torna a tensão entre duas pura emoção”, teríamos o indivíduo (com o acréscimo do
ou mais direções de carga semântica”. adjunto adnominal).
Em oposição ao “discurso científico”, que se caracteriza
pela univalência dos signos, o caráter ambíguo ou múltiplo do Léxico (vocabulário se insere em dois
texto literário, sobretudo o poético, decorre necessariamente de
encerrar uma linguagem por excelência metafórica. De onde
campos semânticos)
a vizinhança da ambiguidade com a metáfora, a conotação, – Tu precisas de um lenço, meu filho! Enfia na testa, cria-
a ironia e termos afins. tura de Deus!
M. Moisés. Dicionário de termos literários. 12. ed. rev. e ampl. O termo testa pode ser cabeça ou consciência.
São Paulo: Cultrix, 2004. p. 19.

Há mecanismos linguísticos e visuais que desenca- Ambiguidade verbo-visual


deiam a ambiguidade. É interessante que o usuário da Na charge a seguir, a expressão na rua, associada à
língua os conheça para que não seja levado ao erro. imagem, pode significar carnaval de rua ou demissão de
trabalhadores.
Pronome pessoal

Airton. Jornal Amazônia, 23 fev. 2009


No carnaval, no mesmo dia, o vizinho bateu o carro na
zona norte e o seu irmão mais velho foi atropelado na zona
sul. Por quê? Porque ele não foi prudente.
O pronome pessoal ele pode referir-se a vizinho ou
a irmão.

Pronome relativo
A vizinha do chefe, que estava muito doente, ligou para o
escritório.
O relativo que pode recuperar vizinha ou chefe.

Pronome possessivo
Os assessores do presidente comunicaram a sua demissão. Fig. 3 Ambiguidade verbo-visual.

O pronome sua pode se referir a assessores ou a pre-


sidente.
Ambiguidade visual

Elipse
O rapaz foi maltratado pelo pai inúmeras vezes, sempre
de maneira muito cruel. O vizinho, um alemão de dois metros de
altura e com forte sotaque, sabia do fato, mas não denunciava
às autoridades, pois temia uma reação violenta do pai, uma
pessoa imprevisível. Certa vez, em pleno carnaval, discutiram
de maneira tão violenta, que uma viatura da polícia que pas-
sava pelo local chegou a intervir. Dois anos depois, o rapaz,
cansado de tanta briga, fugiu de casa. Não se obteve mais
notícia do filho.
Quem discutiu, o vizinho e o pai ou o pai e o filho?
(elipse do sujeito de discutir). Fig. 4 Ambiguidade visual.

204 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 8 Implícitos, ambiguidade e semântica

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A imagem remete a um só tempo a uma taça e a dois Subcategoria da polissemia
rostos.
Pode haver uma focalização maior em uma parte dos
sentidos contidos na palavra; nesse caso, teremos uma sub-
Ambiguidade obtida por meio da categoria da polissemia. Veja o exemplo da palavra escola:
paronomásia (trocadilho) yy A firma do meu pai construiu esta escola. (estrutura
física)
Um bêbado chega num bar e pergunta: yy A escola de Daniel venceu o campeonato de futebol
– Você poderia me vender uma pinga fiada?
no ano passado. (grupo de pessoas participantes)
O dono do bar responde:
– Tá vendo aquele cara bem forte e alto, é o seguinte: de
Nos dois casos, temos a referência à escola como ins-
tanto ele malhar, seu pescoço ficou pequeno, e quem chama
ele de “Pescossim”, leva uma baita surra; se você chamá-lo de tituição escolar, mas o sentido muda.
“Pescossim”, eu te vendo fiado por um ano!
O bêbado chega até a mesa, dá uma batida nas costas Novo significado
do cara e diz: As palavras assumem no decorrer do tempo novos signi-
– Meu amigo, como vai? ficados; isso se dá principalmente por meio de mecanismos
– Mas eu nem te conheço. metafóricos (analogia) ou metonímicos (implicação). Veja o
– A gente pesco junto! texto a seguir; a palavra impeachment assumiu outros signi-
– Não pesco não!! ficados na boca do povo depois de Collor ter sido deposto
– Pesco sim!!!! do governo (a palavra estava na mídia, o que fez com que
O termo Pescossim é nome próprio, mas se pronuncia- ela fosse empregada com muita recorrência).
do pausadamente remete à frase “pescou, sim”. [...] E esse tal de impíxima, dotô, que tão querendo botá
pra cima dele? É alguma mandinga?
Semântica – Não, Félix, Impeachment quer dizer impedimento, como
A semântica tem por objetivo estudar o sentido das no futebol.
palavras em uma determinada língua. O usuário da língua – E por que ficam chamando impedimento de impíxima?
emprega palavras e as ordena com o intuito de construir um Tudo hoje é impíxima. Impíxima pra lá. Impíxima pra cá. Todo
sentido. Cabe à semântica avaliar essa construção de ideias. mundo só fala nisso [...]. [...] fui na vendinha tomei umas
duas. Deu vontade de ir no banheiro, mas não pude porque o
Polissemia (do grego poli, “muitos”, e banheiro tava cheio de impíxima até a boca [...].
sema, “significado”) Carlos Eugênio Junqueira Ayres. “O Impíxima”.
A Tarde (Salvador), edição de 5 set. 1992.
Propriedade que uma palavra possui de apresentar
diferentes sentidos. Um exemplo de vocábulo polissêmico
é LETRA, que possui no mínimo três sentidos:
O sentido e a história da palavra
1. sinal gráfico do alfabeto; Para que você compreenda como a língua é dinâmica,
2. texto de uma canção; veja a origem da palavra “moeda”:
3. título de crédito. Do latim moneta, derivada do verbo monere (“avisar, acon-
selhar, lembrar”) – da mesma família, portanto, de monumento
Todos os significados estão relacionados à escrita. Se (“o que deve ser lembrado”) e de premonição (“aviso prévio
isso não acontecer, teremos um caso de homonímia e não
de que algo vai acontecer”). Moneta (“a que avisa”) era um
polissemia, por exemplo, manga de camisa e manga (fruta);
dos nomes dados à deusa Juno, porque os romanos acredita-
a fruta origina-se do malaio manga, enquanto a parte da
vam que ela os havia advertido várias vezes da iminência de
vestimenta, do latim manica. Veja os exemplos a seguir:
desastres militares e de catástrofes da natureza. No grande
templo dedicado a Juno Moneta, que se erguia no Capitólio,
Exemplo 1:
foi instalada uma casa de cunhagem de dinheiro metálico, que
Coloque-se na posição correta para a foto. (postura física)
Gostou da posição dos móveis? (local) logo passou a ser designado de moneta. Daí vieram moeda e
Felipe atingiu uma boa posição na sociedade. (situação eco- monetário (port.), moneda (esp.), moneta (it.), monnaie (fr.)
nômica) e money (ing.).
Esta é a minha posição. (opinião) Cláudio Moreno. Sua língua.
Disponível em: <http://198.106.73.59/02/02_vocabulos_dinheiro.htm>.

Exemplo 2:
Rompeu a roupa no arame farpado. (rasgou) Carga tímica: negativo ( – ), positivo ( + )
Romper um segredo. (revelar)
e neutro
FRENTE ÚNICA

Romperam as músicas! (principiaram)


O senador rompeu com o governo. (brigou com, desligou-se de) As palavras possuem uma carga positiva, negativa ou
A cavalaria romperá as hostes inimigas. (destroçará) neutra; a escolha depende basicamente de dois fatores:

205

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A visão de mundo
Visão de mundo é a maneira como se concebe a realidade. A ideologia do enunciador interfere diretamente na es-
colha das palavras; para os anarquistas, por exemplo, o vocábulo “anarquismo” é visto de forma positiva; já para os que
não são, pode ser sinônimo de bagunça, assumindo uma carga negativa.

O repertório
O emprego das palavras depende também do vocabulário do enunciador. A pobreza vocabular pode, em muitos
casos, tornar o positivo negativo (uso da variante coloquial no lugar da culta.)
Foi ao casamento. ( + )
Foi ao casório. ( – )

Revisando
De 1 a 4, traduza o sentido da palavra “grave”. 5 O que fica implícito na charge?

1 Doença grave. 
 

 6 Qual palavra dispara esse implícito?

2 Voz grave. 
 


7 Leia a piada a seguir.
Dois amigos conversam:
3 Vocábulo grave.
– Rapaz, todas as noites eu vejo crocodilos azuis.
 – Você já viu um psicólogo?
 – Não, não. Só crocodilos azuis.
 Explique como o humor é construído.

4 Homem de aspecto grave. 
 
 

Texto para a questão 8.
Texto para as questões 5 e 6.
Ninguém: Que mais buscas?
Todo o Mundo: Lisonjear.
Ninguém: Eu sou todo desengano.
Belzebu: Escreve, ande lá, mano.
Dinato: Que me mandas assentar?
Belzebu: Põe aí mui declarado,
não te fique no tinteiro
Todo o mundo é lisonjeiro,
e ninguém desenganado.
VICENTE, Gil. Auto da Lusitânia.

8 Dê os significados de “ninguém” e a respectiva classe


gramatical.


Cortesia de Gersus. Disponível em: <www.gersus.com.br>. 

206 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 8 Implícitos, ambiguidade e semântica

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Exercícios propostos
1 ITA O Nordeste se rende ao hábito de tomar café expresso. A região é a nova aposta das redes de cafeterias para expandir sua
atuação no mercado nacional. Só este ano, a expectativa é que pelo menos mais 11 franquias sejam inauguradas nas principais
capitais nordestinas. […] O mito de que o café é um hábito dos paulistas começa a ser quebrado no Nordeste. Um bom indi-
cador é o consumo per capita, que em âmbito nacional chega a 3,4 quilos por habitante/ano, contra um índice de 3,2 quilos
na região.
Adriana Guarda. Gazeta Mercantil, 12 mar. 2003.

Sobre o texto, é possível afirmar que:


a a inauguração de 11 franquias em capitais nordestinas é algo certo.
b a região Nordeste é ainda inexplorada como consumidora de café.
c não há mais o mito de que tomar café seja um hábito apenas dos paulistas.
d no texto, a palavra aposta envolve a ideia de desafio.
e as expressões se rende e começa a ser quebrado se equivalem em significado.

2 Mackenzie Assinale a alternativa correta, relativa à tira a seguir.


Garfield – Jim Davis

Folha de S.Paulo, 22 maio 2000.

a A imobilidade do corpo é reforçada pela do olhar.


b Em seus pensamentos, o personagem apenas reflete sobre os outros.
c O problema-chave é exposto nos ques­tionamentos do segundo quadro.
d O terceiro quadro subentende uma limitação imposta pelo excesso de peso.
e A pergunta do último quadro tem a resposta implícita na pequenez dos pés.

Texto para a questão 3.


Vivemos num mundo confuso e confusamente percebido. De fato, se desejamos escapar à crença de que esse mundo
assim apresentado é verdadeiro, e não queremos admitir a permanência de sua percepção enganosa, devemos considerar a
existência de pelo menos três mundos num só. O primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a globalização como
fábula. O segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização como perversidade. E o terceiro, o mundo como ele pode
5 ser: uma outra globalização.
Este mundo globalizado, visto como fábula, constrói como verdade um certo número de fantasias. Fala-se, por exemplo,
em aldeia global para fazer crer que a difusão instantânea de notícias realmente informa as pessoas. A partir desse mito e do
encurtamento das distâncias – para aqueles que realmente podem viajar – também se difunde a noção de tempo e espaço
contraídos. É como se o mundo houvesse se tornado, para todos, ao alcance da mão. Um mercado avassalador dito global é
10 apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. O mundo
se torna menos unido, tornando também mais distante o sonho de uma cidadania de fato universal. Enquanto isso, o culto
ao consumo é estimulado.
Na verdade, para a maior parte da humanidade, a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades.
O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário
15 médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. Novas enfermidades se instalam e velhas
doenças, supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal.
Todavia, podemos pensar na construção de um outro mundo, mediante uma globalização mais humana. As bases materiais
FRENTE ÚNICA

do período atual são, entre outras, a unicidade da técnica, a convergência dos momentos e o conhecimento do planeta. É
nessas bases técnicas que o grande capital se apoia para construir a globalização perversa de que falamos acima. Mas essas
20 mesmas bases técnicas poderão servir a outros objetivos, se forem postas a serviço de outros fundamentos sociais e políticos.
MILTON SANTOS
Adaptado de Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2004.

207

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A partir desse mito e do encurtamento das distâncias – 5 Fuvest 2018 De acordo com o texto, a compreensão
para aqueles que realmente podem viajar – também do significado de uma obra de arte pressupõe
se difunde a noção de tempo e espaço contraídos. a o reconhecimento de seu significado intrínseco.
(linhas 7-9) b a exclusividade do ponto de vista mais recente.
c a consideração de seu caráter imutável.
3 Uerj 2017 O comentário introduzido entre travessões d o acúmulo de interpretações anteriores.
apresenta um ponto de vista do autor que se sustenta e a explicação definitiva de seu sentido.
em um elemento subentendido.
Esse elemento está associado à existência, na socie- 6 Fuvest 2018 No trecho “Numa palavra, qualquer gê-
dade, de: nero de arte que, de fato, nos afete, torna-se, deste
a valores familiares modo, arte moderna” (l. ), as expressões sublinhadas
b apelos publicitários podem ser substituídas, sem prejuízo do sentido do
c diversidade cultural texto, respectivamente, por
d desigualdade econômica a realmente; portanto.
b invariavelmente; ainda.
4 Unicamp Na coluna “De zero a dez”, de Rubem Ta- c com efeito; todavia.
vares, publicada na revista Business Travell, 34, no d com segurança; também.
primeiro semestre de 2000, p. 13, encontram-se, entre e possivelmente; até.
outras, as seguintes notas, parcialmente adaptadas:
Leia o trecho inicial de Raízes do Brasil, do historia-
Para os lunáticos que insistem em soltar balões de
dor brasileiro Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982),
grande porte, causando incêndios e sérios riscos à segu-
para responder às questões 7 e 8.
rança dos voos: segundo o Controle de Tráfego Aéreo,
em 1998 foram registradas 99 ocorrências em Guarulhos. A tentativa de implantação da cultura europeia em
Em todo o ano passado foram registradas 33 ocorrências extenso território, dotado de condições naturais, se não
e, neste ano, só no período de janeiro a abril, já foram adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é,
31. As autoridades deveriam enquadrar os responsáveis nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e
por crime inafiançável e trancafiá-los em presídios por mais rico em consequências. Trazendo de países distan-
longos anos. tes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas
Não seria o caso de a Prefeitura pagar por cada nova ideias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente
pichação feita na cidade? É claro que sim. Se todos en- muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns
trassem com uma ação simultaneamente, com certeza desterrados em nossa terra. Podemos construir obras ex-
o prefeito encontraria novas atribuições para a Guarda celentes, enriquecer nossa humanidade de aspectos novos
Municipal. Vide sugestão na nota anterior que também e imprevistos, elevar à perfeição o tipo de civilização que
poderia ser aplicada nestes casos. representamos: o certo é que todo o fruto de nosso traba-
lho ou de nossa preguiça parece participar de um sistema
a) Qual é a conclusão implícita na sequência “neste
de evolução próprio de outro clima e de outra paisagem.
ano, só no período de janeiro a abril, já foram 31”,
Assim, antes de perguntar até que ponto poderá alcan-
que se encontra na primeira nota?
çar bom êxito a tentativa, caberia averiguar até onde temos
b) Explicite a sugestão dada no final da segunda nota.
podido representar aquelas formas de convívio, instituições
e ideias de que somos herdeiros.
Texto para as questões 5 e 6. É significativa, em primeiro lugar, a circunstância de
Uma obra de arte é um desafio; não a explicamos, termos recebido a herança através de uma nação ibérica.
ajustamo-nos a ela. Ao interpretá-la, fazemos uso dos nossos A Espanha e Portugal são, com a Rússia e os países bal-
próprios objetivos e esforços, dotamo-la de um significado cânicos (e em certo sentido também a Inglaterra), um dos
que tem sua origem nos nossos próprios modos de viver territórios-ponte pelos quais a Europa se comunica com
e de pensar. Numa palavra, qualquer gênero de arte que, os outros mundos. Assim, eles constituem uma zona fron-
de fato, nos afete, torna-se, deste modo, arte moderna. As teiriça, de transição, menos carregada, em alguns casos,
obras de arte, porém, são como altitudes inacessíveis. Não desse europeísmo que, não obstante, mantêm como um
nos dirigimos a elas diretamente, mas contornamo-las. patrimônio necessário.
Cada geração as vê sob um ângulo diferente e sob uma Foi a partir da época dos grandes descobrimentos ma-
nova visão; nem se deve supor que um ponto de vista mais rítimos que os dois países entraram mais decididamente no
recente é mais eficiente do que um anterior. Cada aspecto coro europeu. Esse ingresso tardio deveria repercutir inten-
surge na sua altura própria, que não pode ser antecipada samente em seus destinos, determinando muitos aspectos
nem prolongada; e, todavia, o seu significado não está per- peculiares de sua história e de sua formação espiritual.
dido porque o significado que uma obra assume para uma Surgiu, assim, um tipo de sociedade que se desenvolve-
geração posterior é o resultado de uma série completa de ria, em alguns sentidos, quase à margem das congêneres
interpretações anteriores. europeias, e sem delas receber qualquer incitamento que
Arnold Hauser, Teorias da arte. Adaptado. já não trouxesse em germe.

208 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 8 Implícitos, ambiguidade e semântica

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP8_LA.INDD / 16-09-2020 (20:52) / DANIELA.CAPEZZUTI / PROVA FINAL


Quais os fundamentos em que assentam de preferên- 9 ITA Os trechos a seguir foram baseados em “Retratos
cia as formas de vida social nessa região indecisa entre a do entardecer”, de Marcos Pivetta, publicado na revista
Europa e a África, que se estende dos Pireneus a Gibraltar? Pesquisa Fapesp, maio/2003. Neles, foram feitas alte-
Como explicar muitas daquelas formas, sem recorrer a rações para a formação de períodos distintos. Leia-os
indicações mais ou menos vagas e que jamais nos con- com atenção, buscando observar se o último período de
duziriam a uma estrita objetividade? cada trecho estabelece uma relação de conclusão ou
Precisamente a comparação entre elas e as da Euro- consequência com os anteriores do mesmo trecho.
pa de além-Pireneus faz ressaltar uma característica bem
I. “Os preocupantes índices de deterioração cog-
peculiar à gente da península Ibérica, uma característica
nitiva em idosos […] são um indício de que uma
que ela está longe de partilhar, pelo menos na mesma in-
série de problemas devem aparecer num futuro
tensidade, com qualquer de seus vizinhos do continente.
próximo, em especial demências como o mal de
É que nenhum desses vizinhos soube desenvolver a tal
extremo essa cultura da personalidade, que parece consti-
Alzheimer, e perda de autonomia para a realiza-
tuir o traço mais decisivo na evolução da gente hispânica, ção das tarefas cotidianas. Esses idosos, se a
desde tempos imemoriais. deterioração mental avançar, terão de ser assisti-
Pode dizer-se, realmente, que pela importância par- dos por alguém diuturnamente.” (p. 37-8)
ticular que atribuem ao valor próprio da pessoa humana, II. “[…] o nível de escolaridade dos idosos parece
à autonomia de cada um dos homens em relação aos se comportar como um marcador de sua condi-
semelhantes no tempo e no espaço, devem os espanhóis ção geral de saúde, sobretudo de seus aspectos
e portugueses muito de sua originalidade nacional. [...] cognitivos. Aparentemente, quanto maior o grau
É dela que resulta largamente a singular tibieza das for- de educação formal do entrevistado, menor seu
mas de organização, de todas as associações que impliquem desconforto físico e mental.” (p. 36)
solidariedade e ordenação entre esses povos. Em terra onde III. “Embora a relação entre escolaridade e distúr-
todos são barões não é possível acordo coletivo durável, a bios cognitivos realmente exista, ela deve ser
não ser por uma força exterior respeitável e temida. um pouco relativizada. Os idosos sem estudo
(Raízes do Brasil, 2000.) têm mais dificuldade de responder ao questio-
nário de pesquisadores. Muita gente com pouca
7 Unifesp 2017 Em “Assim, eles constituem uma zona ou nenhuma escolaridade acaba sendo rotulada,
fronteiriça, de transição, menos carregada, em alguns erroneamente, de demente ou portadora de pro-
casos, desse europeísmo que, não obstante, mantêm blemas mentais.” (p. 38)
como um patrimônio necessário.” (3º parágrafo), a ex-
pressão destacada pode ser substituída, sem prejuízo Pode-se afirmar que o último período do mesmo tre-
para o sentido do texto, por cho constitui uma conclusão ou consequência em:
a contudo. d portanto. a I e II.
b além disso. e ainda bem. b I e III.
c assim sendo. c apenas a II.
d II e III.
8 Unifesp 2017 O Dicionário Houaiss de língua portugue- e todas.
sa define “elipse” como “supressão, num enunciado,
de um termo que pode ser facilmente subentendido 10 Unicamp (Adapt.) O “Jornal do Automóvel”, um dos
pelo contexto linguístico”. cadernos do Diário do Povo, de Campinas, em sua
Verifica-se a ocorrência desse recurso em: edição de 8 ago. 1993, trazia a seguinte notícia:
a “A Espanha e Portugal são, com a Rússia e os países
Que flagra! O J.A. descobriu os primeiros veículos
balcânicos (e em certo sentido também a Inglater-
importados da Ford em Campinas. São eles três mini-van
ra), um dos territórios-ponte pelos quais a Europa Explorer, que deverão ser lançados no Brasil até o final
se comunica com os outros mundos” (3º parágrafo) deste mês.
b “Em terra onde todos são barões não é possível O Jornal do Automóvel flagrou nesta semana a che-
acordo coletivo durável” (7º parágrafo) gada dos primeiros veículos importados da Ford para o
c “Precisamente a comparação entre elas e as da Brasil e que serão vendidos em Campinas pela Forbrasa.
Europa de além-Pireneus faz ressaltar uma carac- Foram três mini-van Explorer que deverão ser lan-
terística bem peculiar à gente da península Ibérica” çados oficialmente pela Ford do Brasil até o final deste
(6º parágrafo) mês. A data ainda não foi divulgada, mas o lançamento
d “Foi a partir da época dos grandes descobrimentos será simultâneo em todo o país em 16 concessionárias
marítimos que os dois países entraram mais decidi- autorizadas. A Explorer é apenas o primeiro modelo de
damente no coro europeu” (4º parágrafo) passeio que a Ford traz para o Brasil depois da liberação
FRENTE ÚNICA

e “o certo é que todo o fruto de nosso trabalho ou de da importação de veículos [...]


nossa preguiça parece participar de um sistema de Como a Ford ainda não promoveu o lançamento na-
evolução próprio de outro clima e de outra paisa- cional dos veículos, os que vieram para Campinas estão
gem” (1º parágrafo) sendo guardados na loja da Forbrasa [...] Quem passa pelo

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lado de fora não enxerga os automóveis, mas é visível a a esclarece o significado do neologismo “marato-
mudança que a loja está sofrendo para abrigar a nova loja nar” como esforço físico exaustivo, derivado de
e assistência técnica especializada. “maratona”.
O primeiro parágrafo da notícia presta-se à seguinte in- b deprecia a definição de “maratona” como ação
terpretação: contínua de superação de dificuldades e melhoria
“os primeiros três carros importados pela Ford – três da saúde.
mini-van Explorer – vieram para Campinas: com eles c reflete sobre o impacto que a falta de exercícios físi-
a Ford fará em Campinas o lançamento nacional dos cos e a permanência em casa provocam na saúde.
importados Ford”. O restante do artigo fornece infor- d menospreza o uso do termo “maratonar” relacio-
mações parcialmente diferentes. nado a um estilo de vida sedentário, antagônico a
a) Transcreva as passagens que desmentem aquela maratona.
primeira interpretação.
b) A leitura da segunda parte do texto leva o leitor a Texto para a questão 13.
mudar sua primeira interpretação. Em que consiste Um amor desse
essa mudança? Era 24 horas lado a lado
Um radar na pele, aquele sentimento alucinado
11 Há vocábulos na língua que possuem a propriedade Coração batia acelerado
de estabelecer implícitos; trata-se de palavras-gatilho. Bastava um olhar pra eu entender
Destaque do texto de O Estado de S. Paulo a palavra Que era hora de me entregar pra você
que dispara um implícito, explicando-o de acordo com Palavras não faziam falta mais
o contexto. Procure usar também seu conhecimento Ah, só de lembrar do seu perfume
de mundo. Que arrepio, que calafrio
Que o meu corpo sente
Horror do 11/3 ainda persegue vítima Nem que eu queira, eu te apago da minha mente
O Estado de S. Paulo, 11 mar. 2006.
Ah, esse amor
Deixou marcas no meu corpo
Textos para a questão 12. Ah, esse amor
Texto I Só de pensar, eu grito, eu quase morro
AZEVEDO, N.; LEÃO, W.; QUADROS, R. Coração pede socorro. Rio de
Os idiomas e suas regras são coisas vivas, que vão Janeiro: Som Livre, 2018 (fragmento).
se modificando de maneira dinâmica, de acordo com o
momento em que a sociedade vive. Um exemplo disso é a
adoção do termo “maratonar”, quando os telespectadores
13 Enem 2019 Essa letra de canção foi composta espe-
podem assistir a vários ou a todos os episódios de uma cialmente para uma campanha de combate à violência
série de uma só vez. Contudo, ao que parece, a plataforma contra as mulheres, buscando conscientizá-las acerca
Netflix não quer mais estar associada à “maratona” de sé- do limite entre relacionamento amoroso e relaciona-
ries. A maior razão seria a tendência atual que as gigantes mento abusivo. Para tanto, a estratégia empregada na
da tecnologia têm seguido para evitar o consumo excessivo letra é a
e melhorar a saúde dos usuários. a revelação da submissão da mulher à situação de
(Adaptado de Claudio Yuge, “Você notou? Netflix parece estar evitando violência, que muitas vezes a leva à morte.
o termo ‘maratonar’.” Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/ b ênfase na necessidade de se ouvirem os apelos da
internet/133690-voce-notou-net flix-parece-evitando-termo-maratonar.htm.
Acesso em: 1o jun. 2019.) mulher agredida, que continuamente pede socorro.
c exploração de situação de duplo sentido, que
Texto II mostra que atos de dominação e violência não
configuram amor.
d divulgação da importância de denunciar a violência
doméstica, que atinge um grande número de mu-
lheres no país.
e naturalização de situações opressivas, que fazem
parte da vida de mulheres que vivem em uma so-
ciedade patriarcal.
(Disponível em: http://www.willtirando.com.br/anesia-417/.
Acesso em: 1o jun. 2019.) Texto para a questão 14.

12 Unicamp 2020 Embora os dois textos tratem do ter- Mais big do que bang
mo “maratonar” a partir de perspectivas distintas, é A comunidade científica mundial recebeu, na se-
possível afirmar que o Texto II retoma aspectos apre- mana passada, a confirmação oficial de uma descoberta
sentados no Texto I porque sobre a qual se falava com enorme expectativa há alguns

210 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 8 Implícitos, ambiguidade e semântica

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meses. Pesquisadores do Centro de Astrofísica Harvard- Ao chegar à Liberdade [bairro da cidade de São Paulo],
-Smithsonian revelaram ter obtido a mais forte evidência a candidata participou de uma cerimônia xintoísta (religião
até agora de que o universo em que vivemos começou japonesa anterior ao budismo). Depois, fez um pedido:
mesmo pelo Big Bang, mas este não foi explosão, e sim “Quero paz e amor para todos”. Ganhou um presente de
uma súbita expansão de matéria e energia infinitas concen- um ramo de bambu.
tradas em um ponto microscópico que, sem muitas opções Folha de S.Paulo, 9 jul. 2000. (Adapt.).
semânticas, os cientistas chamam de “singularidade”. Essa
semente cósmica permanecia em estado latente e, sem que A ambiguidade deve-se:
exista ainda uma explicação definitiva, começou a inchar a à inadequação na ordem das palavras.
rapidamente [...]. No intervalo de um piscar de olhos, por b à ausência do sujeito verbal.
exemplo, seria possível, portanto, que ocorressem mais de c ao emprego inadequado dos substantivos.
10 trilhões de Big Bangs. d ao emprego das palavras na ordem indireta.
ALLEGRETTI. F. Veja. 26 mar. 2014 (adaptado). e ao emprego inadequado de elementos coesivos.

14 Enem 2018 No título proposto para esse texto de di- 18 ITA Leia o texto seguinte.
vulgação científica, ao dissociar os elementos da
Sítio Bom Jardim apresenta Forró Sertanejo com a
expressão Big Bang, a autora revela a intenção de
banda Casa Nova, no dia 30 de outubro, a partir das 21 ho-
a evidenciar a descoberta recente que comprova a
ras. Mulher acompanhada até 24 horas não paga. Venha
explosão de matéria e energia.
e participe desta festa.
b resumir os resultados de uma pesquisa que trouxe Jornal Vale ADC’S, out. 1999. (Adapt.).
evidências para a teoria do Big Bang.
c sintetizar a ideia de que a teoria da expansão de a) Localize o trecho em que há ambiguidade.
matéria e energia substitui a teoria da explosão. b) Aponte duas interpretações possíveis para esse
d destacar a experiência que confirma uma investi- trecho, considerando o contexto.
gação anterior sobre a teoria de matéria e energia.
e condensar a conclusão de que a explosão de ma- 19 Dentre as seguintes frases, assinale aquela que não
téria e energia ocorre em um ponto microscópico. contém ambiguidade.
a Peguei o ônibus correndo.
15 Unicamp O humor da tirinha a seguir gira em torno de um b Os professores do colégio, que detêm um terreno
enunciado ambíguo (isto é, que pode ter mais de uma na zona Sul, pediram demissão.
interpretação): c O guarda deteve o suspeito em casa.
d O menino viu o incêndio do prédio.
© 2010 King Features Syndicate/Ipress.

e Deputado fala da reunião no canal 2.

20 Leia o texto a seguir.


O falso policial
Essa notícia foi veiculada em um jornal de Lisboa.
Sem cerimônia alguma, um português faminto entrou
• GOULACHE: prato típico húngaro que consiste em en- num bar da capital portuguesa e comeu um frango in-
sopado de carne e verduras, temperado com páprica. teiro vestido de policial, na mesma mesa em que era
• HELGA: esposa de Hagar. oferecido a delegados da região um arroz à grega, em
Responda: um encontro da categoria em Lisboa. O frango era des-
a) como Eddie Sortudo esperava que Hagar inter- tinado a todos os presentes, mas o português não quis
pretasse sua pergunta? nem saber. Os delegados, no entanto, descon­fiaram
b) como Hagar de fato interpretou a pergunta de do falso policial e passaram a hostilizá-lo. Em poucos
seu amigo? minutos, o português teve de sair correndo para não
c) o que torna a pergunta ambígua, na forma em que apanhar. O fato ocorreu em Lisboa, e o impostor foi
se apresenta? encontrado morto em uma esquina próxima, momentos
após o episó­dio do frango.
16 Dê quatro interpretações para a frase a seguir:
a) No texto há duas passagens malconstruídas que
Vi uma foto sua no metrô. podem suscitar ambiguidade no momento da leitu-
ra. Identifique-as.
17 ITA No texto a seguir, sobre as eleições em São Paulo, b) Comente as interpretações possíveis.
FRENTE ÚNICA

há ambiguidade no último período, o que pode dificul- c) Redija novamente o trecho de modo que não haja
tar o entendimento. mais o problema de clareza.

211

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Texto para a questão 21. Tinham fé, mas tinham também vexame da opinião,
como um devoto que se benzesse às escondidas.
Era a primeira vez que as duas iam ao morro do Caste-
(linhas 41-43)
lo. Começaram a subir pelo lado da Rua do Carmo. Muita
gente há no Rio de Janeiro que nunca lá foi, muita have-
rá morrido, muita mais nascerá e morrerá sem lá pôr os 21 Uerj 2017 A frase acima expõe um ponto de vista do
5 pés. Nem todos podem dizer que conhecem uma cidade narrador acerca do comportamento ambíguo das per-
inteira. Um velho inglês, que aliás andara terras e terras, sonagens. Uma passagem que antecipa a exposição
confiava-me há muitos anos em Londres que de Londres desse ponto de vista está registrada em:
só conhecia bem o seu clube, e era o que lhe bastava da a continuavam a subir, como se fosse penitência, de-
metrópole e do mundo. vagarinho, cara no chão, véu para baixo. (linhas 15-17)
10 Natividade e Perpétua conheciam outras partes, além b A mesma lentidão no andar, comparada à rapidez
de Botafogo, mas o morro do Castelo, por mais que ou- das outras pessoas, fazia desconfiar (linhas 22-24)
vissem falar dele e da cabocla que lá reinava em 1871, c Subia-se por uma escadinha, estreita, sombria,
era-lhes tão estranho e remoto como o clube. O íngreme, adequada à aventura. (linhas 27-28)
o desigual, o mal calçado da ladeira mortificavam os pés d Um deles perguntou-lhes familiarmente se iam con-
15 às duas pobres donas. Não obstante, continuavam a subir, sultar a adivinha. (linhas 30-31)
como se fosse penitência, devagarinho, cara no chão, véu
para baixo. A manhã trazia certo movimento; mulheres, Texto para as questões 22 e 23.
homens, crianças que desciam ou subiam, lavadeiras e
soldados, algum empregado, algum lojista, algum padre,
Leite derramado
20 todos olhavam espantados para elas, que aliás vestiam “Um homem muito velho está num leito de hospital.
com grande simplicidade; mas há um donaire* que se não E desfia a quem quiser ouvir suas memórias. Uma saga
perde, e não era vulgar naquelas alturas. A mesma lentidão familiar caracterizada pela decadência social e econô-
no andar, comparada à rapidez das outras pessoas, fazia mica, tendo como pano de fundo a história do Brasil dos
desconfiar que era a primeira vez que ali iam. (...) últimos dois séculos.”
25 Com efeito, as duas senhoras buscavam disfarçada- Não sei por que você não me alivia a dor. Todo dia a
mente o número da casa da cabocla, até que deram com senhora levanta a persiana com bruteza e joga sol no meu
ele. A casa era como as outras, trepada no morro. Subia-se rosto. Não sei que graça pode achar dos meus esgares, é
por uma escadinha, estreita, sombria, adequada à aventura. uma pontada cada vez que respiro. Às vezes aspiro fundo
Quiseram entrar depressa, mas esbarraram com dous sujei- e encho os pulmões de um ar insuportável, para ter alguns
30 tos que vinham saindo, e coseram-se ao portal. Um deles segundos de conforto, expelindo a dor. Mas bem antes da
perguntou-lhes familiarmente se iam consultar a adivinha. doença e da velhice, talvez minha vida já fosse um pouco
– Perdem o seu tempo, concluiu furioso, e hão de assim, uma dorzinha chata a me espetar o tempo todo, e de
ouvir muito disparate... repente uma lambada atroz. Quando perdi minha mulher,
– É mentira dele, emendou o outro, rindo; a cabocla foi atroz. E qualquer coisa que eu recorde agora, vai doer,
35 sabe muito bem onde tem o nariz. Hesitaram um pouco; a memória é uma vasta ferida. Mas nem assim você me dá
mas, logo depois advertiram que as palavras do primeiro os remédios, você é meio desumana. Acho que nem é da
eram sinal certo da vidência e da franqueza da adivinha; enfermagem, nunca vi essa cara sua por aqui. Claro, você
nem todos teriam a mesma sorte alegre. A dos meninos é a minha filha que estava na contraluz, me dê um beijo.
da Natividade podia ser miserável, e então... Enquanto Eu ia mesmo lhe telefonar para me fazer companhia, me
40 cogitavam passou fora um carteiro, que as fez subir mais ler jornais, romances russos. Fica essa televisão ligada o dia
depressa, para escapar a outros olhos. Tinham fé, mas ti- inteiro, as pessoas aqui não são sociáveis. Não estou me
nham também vexame da opinião, como um devoto que queixando de nada, seria uma ingratidão com você e com
se benzesse às escondidas. o seu filho. Mas se o garotão está tão rico, não sei por que
Velho caboclo, pai da adivinha, conduziu as senhoras diabos não me interna em uma casa de saúde tradicional, de
religiosas. Eu próprio poderia arcar com viagem e tratamen-
45 à sala. (...)
to no estrangeiro, se o seu marido não me tivesse arruinado.
– Minha filha já vem, disse o velho. As senhoras como
(BUARQUE, Chico. Leite derramado. São Paulo:
se chamam? Companhia das Letras, 2009. p. 10-11.)
(...)
A falar verdade, temiam o seu tanto, Perpétua menos 22 AFA 2017 Assinale a alternativa que apresenta uma in-
50 que Natividade. A aventura parecia audaz, e algum perigo ferência INCORRETA.
possível. Não ponho aqui os seus gestos; imaginai que a O personagem acredita que a televisão ligada evi-
eram inquietos e desconcertados. Nenhuma dizia nada. ta a comunicação entre as pessoas que dividem o
Natividade confessou depois que tinha um nó na garganta.
ambiente.
Felizmente, a cabocla não se demorou muito; ao cabo de
b Percebe-se um tom sarcástico nos três últimos pe-
55 três ou quatro minutos, o pai a trouxe pela mão, erguendo
ríodos do excerto.
a cortina do fundo.
c O grau aumentativo foi utilizado no substantivo “garo-
MACHADO DE ASSIS
Esaú e Jacó. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. tão” de forma pejorativa, ratificando a crítica ao neto.
d A fala compulsiva do personagem tem como objetivo
* donaire − elegância provocar piedade naqueles que estão ao seu redor.

212 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 8 Implícitos, ambiguidade e semântica

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP8_LA.INDD / 15-09-2020 (23:10) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


23 AFA 2017 O discurso do personagem só NÃO nos per- Assim,
mite afirmar que ele: Ao poeta faz bem
a está resignado com o tratamento que recebe de Desexplicar —
sua filha e de seu neto. Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.
(Poesia completa, 2013.)
b apresenta-se pouco lúcido, tomado por incertezas
e angústias.
c lamenta-se não só das perdas emocionais como 25 Famerp 2020 Tanto na forma quanto no conteúdo, o
das materiais e sociais. poema
d é um homem orgulhoso e culto, ressentido por não a descreve uma maneira de fazer poesia que consis-
ser bem servido pelos outros. te em criar um enigma, a ser resolvido pelo leitor,
que revelará o significado do poema.
Texto para a questão 24. b prescreve uma escrita que consiste em subtrair das
palavras seu sentido rígido usual, fazendo apare-
Somente uns tufos secos de capim empedrados crescem
cer nelas significados inusitados.
na silenciosa baixada que se perde de vista. Somente uma
c defende que a poesia deve ser construída com ele-
árvore, grande e esgalhada mas com pouquíssimas folhas,
mentos bem encadeados da realidade, de modo a
abre-se em farrapos de sombra. Único ser nas cercanias, a
formular uma crítica social fundamentada.
mulher é magra, ossuda, seu rosto está lanhado de vento.
Não se vê o cabelo, coberto por um pano desidratado. Mas
d critica a poesia espontânea e ingênua que não se
seus olhos, a boca, a pele – tudo é de uma aridez sufocante. preocupa em utilizar corretamente os elementos
Ela está de pé. A seu lado está uma pedra. O sol explode. da linguagem prescritos pela gramática.
Ela estava de pé no fim do mundo. Como se andasse e argumenta em favor de uma poesia libertária, que
para aquela baixada largando para trás suas noções de si expresse os estados de espírito mais extremos do
mesma. Não tem retratos na memória. Desapossada e des- ser humano.
pojada, não se abate em autoacusações e remorsos. Vive. Texto para as questões 26 e 27.
Sua sombra somente é que lhe faz companhia. Sua
sombra, que se derrama em traços grossos na areia, é que
adoça como um gesto a claridade esquelética. A mulher
esvaziada emudece, se dessangra, se cristaliza, se mine-
raliza. Já é quase de pedra como a pedra a seu lado. Mas
os traços de sua sombra caminham e, tornando-se mais
longos e finos, esticam-se para os farrapos de sombra da
ossatura da árvore, com os quais se enlaçam. , CÂMERA, AÇÃO.
FRÓES. L. Vertigens: obra reunida. Rio de Janeiro: Rocco. 1998.

24 Enem 2018 Na apresentação da paisagem e da per- Sem a Eletrobrás, o cinema nacional

sonagem, o narrador estabelece uma correlação de não seria a mesma coisa.

sentidos em que esses elementos se entrelaçam.


Nesse processo, a condição humana configura-se
a amalgamada pelo processo comum de desertifica-
ção e de solidão.
b fortalecida pela adversidade extensiva à terra e
26 Qual palavra do texto à direita, mais abaixo, liga-se à
aos seres vivos. palavra que foi omitida no texto principal?
c redimensionada pela intensidade da luz e da exu-
berância local. 27 Explique o duplo sentido contido na propaganda.
d imersa num drama existencial de identidade e de Texto para a questão 28.
origem.
e imobilizada pela escassez e pela opressão do am- Mantenha seu cão fora dos jardins e recolha suas fezes.
biente.
28 No texto, a ambiguidade é decorrente do emprego:
Leia os versos de Manoel de Barros. a da ordem das palavras.
Escrever nem uma coisa
b da elipse de alguns termos.
Nem outra — c do emprego do possessivo.
A fim de dizer todas — d do emprego do tempo verbal.
Ou, pelo menos, nenhumas. e do emprego do substantivo “fezes”.
FRENTE ÚNICA

213

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP8_LA.INDD / 16-09-2020 (20:52) / DANIELA.CAPEZZUTI / PROVA FINAL


Texto complementar
Pressupostos e subentendidos
A problemática do implícito abre para a das leis do discurso, para as regras que governam tacitamente os intercâmbios dis-
cursivos. Apoiando-se nelas e na situação de enunciação, os coenunciadores conseguem captar uma boa parcela dos conteúdos
implícitos, no caso, os subentendidos. Em compensação, o outro grande tipo de conteúdos implícitos, os pressupostos, inscreve-se
na estrutura do enunciado, independentemente de seus contextos de emprego. É possível ilustrar essa distinção fundamental a
partir de um exemplo elementar:

A: Estou procurando alguém para consertar meu carro.


B: Meu irmão está em casa.
A: Mas ele está sempre tão ocupado!

Da réplica de B, podemos deduzir o pressuposto “B tem um irmão”; trata-se de uma proposição implícita, mas inscrita no
enunciado, qualquer que seja a situação de enunciação. Pode-se também deduzir dessa réplica um outro conteúdo implícito,
por exemplo, que B propõe a A empregar seu irmão. Ora, esse conteúdo não é inferido por A a partir do valor literal da réplica,
mas por uma espécie de raciocínio que se poderia glosar do seguinte modo: “Ele me diz que seu irmão está em casa; posso
presumir que fala de modo adequado e, portanto, que sua enunciação tem relação com o que acabo de dizer; certamente
pretende me dizer com isso que seu irmão conseguiria fazer esse conserto.” Vemos até que ponto os dois tipos de implícitos
são diferentes; o subentendido é inferido de um contexto singular e sua existência é sempre incerta; já o pressuposto é estável.
O primeiro é tirado do enunciado, o segundo da enunciação.
É claro que a análise dessas inferências não pode se operar independentemente do tipo de enunciado nas quais elas
intervêm. Aqui, a problemática dos gêneros literários desempenha um papel crucial. Retomemos nossos primeiros versos
de O Cid:

CHIMENA: Elvira, fizeste-me um relato bem sincero?


Não estais escondendo nada do que meu pai disse?

Do verso 1, podemos deduzir o pressuposto de que Elvira fez um relato; do verso 2, que o pai de Chimena disse algo.
Também deduziremos que Chimena tem um pai (pressuposto existencial), pois basta introduzir uma descrição definida ou
um nome próprio no discurso para que por aí se pressuponha que esse indivíduo existe na realidade. Esse poder conferido
ao enunciador oferece a possibilidade de muitas manobras.
Porém, dessas duas questões de Chimena, podemos igualmente inferir o subentendido: a moça está muito preocupada
com o que seu pai disse. De fato, como a segunda questão é redundante com relação à primeira, é permitido pensar que
essa estranheza pode ser explicada se levarmos a hipótese de que Chimena está particularmente envolvida nos propósitos
de seu pai.

A diferença de estatuto entre esses dois tipos de implícito é nítida: qualquer locutor que sabe o português pode, em
princípio, identificar os pressupostos, enquanto a decifração dos subentendidos é mais aleatória. Ademais, o número desses
subentendidos é aberto por definição. Suponhamos que o espectador desse início de O Cid conheça bem as convenções da
tragicomédia dessa época; como Chimena parece muito impaciente e como as heroínas desse tipo de peça só fazem conduzir
intrigas amorosas, ele terá bons motivos para pensar que a moça fala de seu amor. Como esse espectador sabe, ademais,
que são os pais que concedem a mão de suas filhas, talvez também inferirá que o conde falou do casamento de Chimena.
Detenhamo-nos aqui quanto aos subentendidos e consideremos sobre quais elementos se apoiam os conteúdos implí-
citos. É possível distinguir três fontes sem dificuldade:
– a competência linguística para os pressupostos;
– o conhecimento das leis do discurso (que excluem, por exemplo, a redundância);
– um certo saber “enciclopédico”: por exemplo, o conhecimento das convenções de um gênero teatral ou dos costumes
matrimoniais numa determinada sociedade.

A construção das inferências só pode, portanto, ser um trabalho complexo; ao lado de um núcleo relativamente duro,
os pressupostos, existem zonas muito mais instáveis, os subentendidos, que se distribuem entre o mais garantido (cf. os atos
de linguagem indiretos do tipo “o senhor desejaria?”) e o mais incerto.
Dominique Maingueneau. Pragmática para o discurso literário. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 91-3.

214 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 8 Implícitos, ambiguidade e semântica

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP8_LA.INDD / 15-09-2020 (13:24) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Resumindo
Implícitos
Há dois tipos:
a) subentendido: pode ser negado, emprega a parte pelo todo, burla a lei da conversação, entre outros mecanismos.
b) pressuposto: está marcado na frase, o emissor não pode negar que o tenha feito.
yy verbos factivos (pressupõem a verdade): saber, ter consciência...;
yy verbos contrafactivos (pressupõem a mentira): imaginar, acreditar, achar...;
yy verbos subjetivos (pressupõem a culpabilidade ou a inocência): confessar, admitir, aceitar...;
yy epítetos (adjetivos e formas adjetivas) incrível, eficaz...;
yy construções nominais (sem verbo);
yy interrogativas.
Semântica
yy ocupa-se do significado;
yy polissemia: as palavras possuem vários significados, que variam de acordo com o contexto (“letra”, por exemplo);
yy o emprego das palavras, a escolha do vocabulário está em concordância com a visão de mundo de cada um;
yy as palavras possuem carga positiva, negativa ou neutra;
yy as palavras podem ser eufóricas (positivas) ou disfóricas (negativas);
yy campo semântico: conjunto de palavras, imagens, gestos, sons que remetem a um mesmo assunto;
yy neologismo semântico: novo significado que a palavra adquire;
yy seleção lexical: conjunto de palavras que apresentam vocabulário ligado a algum universo de significação.
Ambiguidade
Mecanismos responsáveis pela ambiguidade:
yy pronome pessoal;
yy pronome demonstrativo;
yy pronome possessivo;
yy pronome relativo;
yy elipse;
yy ordem das palavras;
yy duplo contexto;
yy visual;
yy verbo-visual;
yy decorrente de paronomásia.

Quer saber mais?


para uma reflexão pertinente, ainda que se passe em outro país (ilha
Livro de Sardenha, que faz parte da Itália), em outro momento histórico.
yy CAMUS, Albert. A peste. São Paulo: Bestbolso, 2008.
Em tempos atuais, não poderia ser mais pertinente a leitura dessa Teatro
obra, mesmo considerando que, no caso do livro escrito em 1947, yy BECKETT, Samuel. Esperando Godot. São Paulo: Cosac Naif, 2005.
após a Segunda Guerra Mundial, nunca se saiba realmente de que
peste se fala: é uma questão intelectual de busca existencialista? Nesta peça escrita também no contexto do pós-Segunda Guerra
É uma dor moral provocada pela ocupação nazista na França? A Mundial e sua enorme devastação física e moral, o enredo nunca
ambiguidade se instala, serve de mote para muitos questionamentos. deixa claro quem é Godot, o que abre dúvidas sobre a existência do
próprio personagem, explorando-se ao máximo essa ambiguidade.
Filme
Revista
yy Pai patrão. Direção: Paolo e Vittorio Taviani.
yy Exame.
FRENTE ÚNICA

O filme aborda uma chaga social ainda presente em vários países do


mundo: o trabalho infantil. Em nosso país, também encontramos essa Especializada em temas econômicos, a publicação pode fornecer
realidade que atrapalha e compromete o desenvolvimento saudável muitos subsídios para os estudantes do Ensino Médio entender a
de tantas crianças e jovens, e por isso a obra proporciona material realidade atual do país, inclusive por abordar também política, ne-
gócios e tecnologia.

215

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP8_LA.INDD / 15-09-2020 (21:51) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Exercícios complementares
1 Unicamp A revista IstoÉ publica regularmente a se- • Correios: fecham quinta-feira
ção “Polêmica”, que confronta duas opiniões sobre • Supermercados: fecham quinta-feira
um tema atual, indicado por uma pergunta. Na edi- • Mercado municipal: funciona quinta-feira das 7h às 12h
ção de 13 dez. 1995, a pergunta “Os juros devem • Shopping centers: funcionam na quinta-feira apenas praças
ficar altos?” era respondida pelo economista Cláudio de alimentação e lazer, das 10h às 22h; funcionam nor-
Contador e pelo empresário Moreira Ferreira. A julgar malmente sexta-feira e sábado; todas as lojas funcionam
pelas passagens que transcrevemos a seguir, os dois no domingo das 10h às 22h.
debatedores entenderam a pergunta de maneiras di- A leitura da manchete, feita isoladamente, poderia le-
ferentes, levados pelo duplo sentido do verbo dever: var a crer que as lojas ficariam fechadas por três dias.
Os juros devem ficar altos? Escreva uma nova manchete desfazendo a pos­
sibilidade dessa leitura.
SIM Cláudio Contador, economista e professor da
UFRJ. Texto para as questões 3 a 5.
Os juros devem continuar altos. Não necessariamente As angústias dos brasileiros em relação ao português
crescentes, mas sim elevados. Os juros altos são o resultado são de duas ordens. Para uma parte da população, a que não
do desequilíbrio das contas públicas. E a passividade exa- teve acesso a uma boa escola e, mesmo assim, conseguiu
gerada do governo federal durante todo o ano de 1994
galgar posições, o problema é sobretudo com a gramática.
contribuiu para aumentar as despesas do setor público. [...]
5 É esse o público que consome avidamente os fascículos e
O setor público deve continuar registrando déficit em
livros do professor Pasquale, em que as regras básicas do
1996 [...] Além disso houve uma espécie de omissão –
idioma são apresentadas de forma clara e bem-humorada.
melhor dizendo, conivência – ao não controlar os gastos
Para o segmento que teve oportunidade de estudar em bons
dos Estados e municípios. Hoje, a principal fonte do déficit
colégios, a principal dificuldade é com a clareza. É para
está nos Estados e municípios.
10 satisfazer principalmente a essa demanda que um novo tipo
de profissional surgiu: o professor de português especiali-
NÃO Moreira Ferreira, presidente da Federação das
zado em adestrar funcionários de empresas. Antigamente,
Indústrias do Estado de São Paulo.
Entende-se claramente a necessidade de se manter os cursos dados no escritório eram de gramática básica e
rígidas as políticas fiscal e monetária nas fases iniciais se destinavam principalmente a secretárias. De uns tempos
de um programa de estabilização. Isso não significa, 15 para cá, eles passaram a atender primordialmente gente de
porém, que se deva praticar juros tão elevados como os nível superior. Em geral, os professores que atuam em firmas
que se têm observado no país nos últimos meses. Além são acadêmicos que fazem esse tipo de trabalho espora-
disso, as taxas de juros muito elevadas [...] provocam pre- dicamente, para ganhar um dinheiro extra. “É fascinante,
juízos definitivos no lado real da economia quando per- porque deixamos de viver na teoria para enfrentar a língua
duram [...] 20 do mundo real”, diz Antônio Suárez Abreu, livre-docente
[...] O nível de demanda já se contraiu excessivamente pela Universidade de São Paulo […].
[...] e as reservas internacionais já bateram recordes [...] João Gabriel de Lima. “Falar e escrever, eis a questão”.
Veja, 7 nov. 2001, n. 1.725.
não se justificando, portanto, a manutenção dos juros nos
níveis atuais.
3 ITA Aponte a alternativa que contém uma inferência
a) Reescreva a pergunta tal como foi entendida por que não pode ser feita com base nas ideias explicita-
Cláudio Contador. das no texto.
b) Reescreva a pergunta tal como foi entendida por a Frequentemente, uma boa escola é uma espécie
Moreira Ferreira. de passaporte para a ascensão.
c) É possível que os dois debatedores estejam simul- b O conjunto que abrange “gente de nível superior”
taneamente certos em suas respostas? Se você não contém o subconjunto “secretárias”.
acredita nesta possibilidade, resuma o debate em c No âmbito da Universidade, os estudos da língua
uma única fórmula que reúna as duas opiniões, estão prioritariamente voltados para a prática lin-
sem contradição. guística.
d A escola de qualidade inferior não favorece o
2 Unicamp A Folha de S.Paulo, de 29 de abril de 1997, aprendizado da gramática.
anunciou o funcionamento do comércio e de outros e O conhecimento gramatical não garante que as
serviços na cidade durante o feriado do Dia do Traba- pessoas se expressem com clareza.
lhador com a notícia a seguir:
Lojas fecham 5ª e abrem domingo 4 ITA Considerando que o autor do texto apresenta os
O que abre e o que fecha no feriado prolongado: fatos a partir da perspectiva daqueles que procuram
• Postos de gasolina: funcionamento facultativo na quin- um curso de Língua Portuguesa, aponte o sentido que
ta-feira a palavra “demanda” assume no texto.

216 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 8 Implícitos, ambiguidade e semântica

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP8_LA.INDD / 15-09-2020 (21:51) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


a busca. – Não há nenhum visível no momento. Mas você há
b necessidade. de ver um deles, o mais conhecido, que, muito tempo
c exigência. atrás, passou no céu da Itália.
d pedido. Muito tempo atrás... atrás de onde? Atrás de minha
e disputa. memória daquele tempo.
E vovô Leone continuava:
5 ITA O adjetivo “principal” (linha 9) permite inferir que a – Um dia, você há de estar mocinha, e eu já estarei
clareza é apenas um elemento dentro de um conjunto morando junto das estrelas. E você há de ver a volta do
de dificuldades, talvez o mais significativo. Semelhan- grande cometa, lá pelo ano de 2010...
te inferência pode ser realizada pelos advérbios: Eu me agarrava à cauda daquele tempo que meu avô
a avidamente, principalmente, primordialmente. astrônomo me mostrava com os olhos do futuro e saía de
b sobretudo, avidamente, principalmente. sua casa. Na rua, com a cabeça nas nuvens, meus olhos
c avidamente, antigamente, principalmente. brilhavam como estrelas errantes. Só baixavam à terra
d sobretudo, principalmente, primordialmente. quando chegava à casa de vovô Vincenzo, o camponês.
e principalmente, primordialmente, espora­dicamen­te. Ilke Brunhilde Laurito. A menina que fez a América.
São Paulo: FTD, 1999. p. 16.

6 Unicamp O trecho seguinte dá a entender algo dife- No trecho “Muito tempo atrás... atrás de onde? Atrás
rente do que seu autor certamente quis dizer. de minha memória daquele tempo”:
Malcolm Browne, também da Associated Press, de-
veria ter impedido que o monge budista em Saigon não 9 Unicamp Identifique os sentidos de “atrás” em cada
se imolasse, sentado e ereto, impedindo o mundo de ver uma das três ocorrências.
o protesto em cuja foto encontrou seu maior impacto?
Caio Túlio Costa. Folha de S.Paulo, 17 mar. 1991.
10 Unicamp Compare “Atrás de minha memória da-
a) Se tomando ao pé da letra, o que significa exa- quele tem­po” com “Atrás do jardim da minha casa”.
tamente o trecho “… deveria ter impedido que o Ex­plique os sentidos de “atrás” em cada uma das
monge… não se imolasse”? fra­ses.
b) Se não foi isso que o autor quis dizer, que sentido
pretendeu dar a esse trecho? 11 Unicamp Na embalagem de um aparelho eletrônico,
você encontra um “Termo de Garantia” no qual se
Texto para as questões 7 e 8. leem, entre outras, as informações a seguir:
Em um piano distante, alguém estuda uma lição lenta, Este produto é garantido pela Amelco S. A. Indústria
em notas graves. [...] Esses sons soltos, indecisos, teimosos Eletrônica dentro das seguintes condições:
e tristes, de uma lição elementar qualquer, têm uma grave 1. Fica garantida, por um período de 6 (seis) meses a
monotonia. Deus sabe por que acordei hoje com tendência a contar da data da emissão da nota fiscal de venda
filosofia de bairro; mas agora me ocorre que a vida de muita ao consumidor, a substituição de peças, partes ou
gente parece um pouco essa lição de piano. Nunca chega componentes que apresentarem defeitos de fabrica-
a formar a linha de uma certa melodia. Começa a esboçar, ção, exceto aqueles decorrentes de instalação e uso
com os pontos soltos de alguns sons, a curva de uma frase inadequado e em desacordo com as especificações
musical; mas logo se detém, e volta, e se perde numa incoe-
contidas no “Manual de Instruções”.
rência monótona. Não tem ritmo nem cadência sensíveis.
2. A Amelco não se responsabiliza pelos produtos
Rubem Braga. O homem rouco.
agregados aos seus pelos consumidores, e ainda por
defeitos que esses causarem.
7 Fuvest O autor estabelece uma associação poética 3. Essa garantia será extinta caso:
entre a vida de muita gente e uma lição de piano. • o defeito for causado pelo consumidor ou por terceiros
Esclareça o sentido que ganha, no contexto dessa as- estranhos ao fabricante;
sociação, a frase “Nunca chega a formar a linha de • o produto tiver sido violado, alterado, adulterado ou con-
uma certa melodia”. sertado por pessoas ou empresas não autorizadas pelo
fabricante;
8 Fuvest “Deus sabe por que acordei hoje com tendên- • sejam interligados ao produto elementos não recomenda-
cia a filosofia de bairro.” dos pelo fabricante;
Reescreva a frase anterior, substituindo a ex­pressão • não sejam seguidas as instruções constantes do manual,
destacada por outra de sentido equiva­lente. principalmente quanto à correta instalação e voltagem
elétrica.
FRENTE ÚNICA

Texto para as questões 9 e 10. a) Aponte uma contradição na cláusula 1.


– Vovô, eu quero ver um cometa! b) Considerando o uso corrente, o pronome esses
Ele me levava até a janela. E me fazia voltar os olhos (cláusula 2) pode ser interpretado como referin-
para o alto, onde o sol reinava sobre a Saracena. do-se a mais de um antecedente. Aponte dois.

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PV_2021_LU_ITX_FU_CAP8_LA.INDD / 15-09-2020 (21:51) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


12 Leia a seguir. b Andando pela zona rural do litoral norte, facilmente
I. Para se candidatar a um emprego, o recém-forma- se encontram casas de veraneio e moradores de
do compete com levas de executivos de altíssimo alto padrão. (Folha de S.Paulo, 26 jan. 2003.)
gabarito, desempregados. O jovem, sem expe- c Atendimento preferencial para: idosos, gestantes, de-
riência, literalmente, dança. ficientes, crianças de colo. (Placa sobre um dos caixas
II. Acostumados às apagadas, às vezes literalmen- de um banco.)
te, mulheres dos dirigentes do Kremlin, os russos d Temos vaga para rapaz com refeição. (Placa em
achavam que ela era influente demais, exibida, frente a uma casa em Campinas, SP.)
arrogante. e Detido acusado de furtos de processos. (Folha de
a) O advérbio “literalmente” está adequadamente em- S.Paulo, 8 jul. 2000.)
pregado nos dois textos? Justifique sua resposta.
b) A que palavra, em II, refere-se a expressão “às ve- Texto para as questões 15 e 16.
zes literalmente”? Qual o duplo sentido produzido Há certas expressões significativas: “Contra fato não
pela relação que aí se estabeleceu? há argumento”. Elas querem dizer que, diante da evidên-
cia do real, não cabem as argumentações em contrário,
13 ITA Com relação ao texto a seguir: o que em princípio parece estar certo. Mas, na verdade,
significam também coisas como “o que vale é a força” ou
Primeira mulher:
“ideia não resolve”. Assim, pregam o reconhecimento do
Trabalhar o tempo inteiro e tomar conta da casa está fato consumado, a capitulação diante do que se impôs no
me levando à loucura! Depois do trabalho, cheguei em terreno “prático”, negando o direito de discutir, de argu-
casa e lavei a roupa e a louça. Amanhã tenho de lavar o mentar para mudar a realidade. E então se tornam sinistras.
chão da cozinha e as janelas da frente. Antonio Candido. Recortes.
Segunda mulher:
Então? E teu marido? Entre as “expressões significativas”, a que se refere
Primeira mulher: o autor do texto, podem-se incluir certos provérbios,
Ah! Isso eu não faço de maneira alguma! Ele pode como, por exemplo:
muito bem se lavar sozinho! Cada macaco no seu galho.
Rodolfo Ilari. Introdução à semântica. São Paulo: Contexto, 2001.
Indique o sentido que esse provérbio assume:
Podemos afirmar que, do ponto de vista das funções
gramaticais, a piada fundamenta-se num mal-entendi-
15 Fuvest se for entendido como uma afirmação aceitá­
do, nascido do fato de:
vel, que em princípio parece estar certa.
a a primeira mulher ter usado o pronome “isso” para
retomar um predicado que ficou implícito na fala da
segunda mulher. 16 Fuvest se for entendido como uma afirmação auto­
b a segunda mulher não ter enunciado uma frase ritária, que impõe um fato consumado.
completa com a pergunta “E teu marido?”
c a primeira mulher ter usado, na sua justificativa para Texto para as questões 17 e 18.
a recusa, o verbo “poder”, indicando que o marido Em transmissão de um jornal noturno televisivo
tinha condições de se lavar sozinho. (“RedeTV”, 7/10/2008), um jornalista afirmou: “Não há
d a primeira mulher ter atribuído a “teu marido” o pa- uma só medida que o governo possa tomar”.
pel de alvo e não de agente.
e a primeira mulher confundir as funções sintáticas 17 Unicamp Considerando que há duas possibilidades
pertinentes, evidenciadas na fala da segunda de interpretação do enunciado acima, construa uma
mulher. paráfrase para cada sentido possível de modo a ex-
plicitá-los.
14 ITA Assinale a opção em que a ambiguidade ou efeito
cômico não decorre da ordem dos termos. 18 Unicamp Compare o enunciado citado com: Não há
a O estudo analisou, por 16 anos, hábitos como uma medida que só o governo possa tomar. O termo
caminhar e subir escadas de homens com ida- “só” tem papel fundamental na interpretação de um e
de média de 58 anos. (Folha de S.Paulo, 19 out. outro enunciado. Descreva como funciona o termo em
2000. Equilíbrio.) cada um dos enunciados. Explique.

218 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 8 Implícitos, ambiguidade e semântica

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP8_LA.INDD / 15-09-2020 (13:24) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


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FRENTE ÚNICA

9
CAPÍTULO Variantes linguísticas
A diversidade linguística é enriquecedora e inevitável diante das diferenças existen-
tes entre os seres humanos. Por isso mesmo, não deixa de impressionar que a maioria
de nós ainda hoje insista em entender a língua como uniforme e estática, sem experi-
mentar mudanças no decorrer do tempo e na sua manifestação em diferentes espaços
sociais. Em um exemplo extremo, podemos indagar: como esperar que um morador
da região ártica tenha o mesmo vocabulário de quem habita uma região tropical? A
paisagem, a alimentação, as condições de vida e sobrevivência e também o falar des-
ses humanos são bastante diversos, e o seriam ainda que falassem a mesma língua. O
estudo das variantes linguísticas, objeto de investigação deste capítulo, consiste em
uma tomada de consciência do uso da língua, tão importante para as relações sociais.

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP9_LA.INDD / 15-09-2020 (17:14) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Comunicação oral e escrita Léxico menos formal
A comunicação escrita é a forma tangível das imagens Na língua oral cotidiana, o vocabulário é mais informal.
acústicas da linguagem articulada, manifesta um estado Dependendo do falante, há o emprego de gírias ou de um
avançado da língua e só é encontrada nas civilizações léxico mais chulo (palavrões):
evoluídas (há línguas ágrafas, isto é, sem escrita). Sua ori-
– A mina tá viajando, cara. Eu não fiz nada, tá ligado?!
gem situa-se na necessidade de as pessoas conservarem
as mensagens para veiculá-las ou transmiti-las. Na língua
falada, a percepção de uma mensagem é simultânea; na
Coordenação
escrita, o receptor só lê a mensagem depois de sua for- O predomínio da coordenação está ligado ao fato de
mulação. A escrita é uma garantia legal, confia-se sempre que, nesse tipo de comunicação, utiliza-se uma sintaxe mais
mais em uma assinatura, em um contrato do que em uma simples e frases mais curtas.
palavra dada, ou em um aperto de mão. Na língua oral, a
– O meu time foi mal. O que fazer? Mudar o time, claro, e
comunicação só é possível se o emissor não ultrapassar
os limites fisiológicos (pode haver ruídos, por exemplo), mandar um monte de jogador embora. Mas com aquele
se a mensagem for identificável (um código comum ao técnico... Está tudo errado e ninguém faz nada.
emissor e receptor) e se o contato psicológico se mantiver.
Elipses
Traços da oralidade Ainda que se observe a ocorrência de elipses na es-
A língua, quando utilizada oralmente, apresenta suas crita, elas se tornam mais abrangentes na fala. No texto a
especificidades, as quais devem ser respeitadas e aceitas seguir, o falante omite palavras como “está” (está na esquer-
como marcas desse tipo de comunicação. Veja a seguir da...), “passa” (Pelé passa de calcanhar), “bola” etc.
algumas delas.
Brasil × Suécia
Repetição Final Mundial 1958
A repetição é comum na oralidade; na escrita culta, O time do Brasil na esquerda com Orlando, Orlando
deve ser evitada. Observe o texto a seguir. para Pelé. Pelé domina no peito, de calcanhar para Zagalo,
– Eu falei pra mãe, mas a mãe não escutou. Diz pra mãe Zagalo prepara-se, vê Pelé penetrando rápido na área, Za-
novamente, tá? galo levanta para Pelé, Pelé entrou de cabeça para o arco e
GOOOOOOOOOL!!!
O termo “mãe” é repetido em curto espaço de tempo.
Na escrita culta, tal procedimento não seria adequado, a Atenção
menos que se queira produzir algum efeito de sentido.
Devido ao excesso de elipses, é frequente o uso de frase nominal.
Mudança de pronúncia
Ao pronunciar as palavras, o falante omite sílabas, con-
soantes finais, abrevia palavras (como em pra em vez de Coloquial e culto
para) e altera a pronúncia das vogais. Observe como Jô A norma culta está mais presente na comunicação es-
Soares satiriza a oposição oral/escrito no texto a seguir. crita, pois, nesse tipo de linguagem, há a necessidade de
um código mais uniforme. O coloquial, por sua vez, é mais
“Português é fácil de aprender porque é uma língua que
se escreve exatamente como se fala”.
utilizado na comunicação oral, pois nesta a comunicação
Pois é. U purtuguêis é muinto fáciu di aprender, purqui é costuma ocorrer em tempo real, atendendo às necessida-
uma língua qui a genti iscrevi ixatamenti cumu si fala. Num des da interação imediata.
é cumu inglêis qui dá até vontadi di ri quandu a genti dis-
cobri cumu é qui si iscrevi algumas palavras. Im portuguêis Atenção
não. É só prestátenção. U alemão pur exemplu. Qué coisa
Há momentos em que o culto será utilizado na comunicação oral –
mais doida? Num bate nada cum nada. Até nu espanhol qui
momentos com mais formalidade, por exemplo, uma palestra.
é parecidu, si iscrevi muinto diferenti. Qui bom qui a minha
O coloquial também pode estar presente na escrita, por exemplo, no
língua é u portuguêis. Quem soubé falá sabi iscrevê.
romance, na crônica, no conto etc.
Jô Soares. Veja, n. 1.158, 28 nov. 1990. p. 19.

Quebra sintática Os tipos de variante


Outro traço de oralidade é o uso do anacoluto; o falante A língua pode variar de acordo com o tempo, com o
começa a frase e, em seguida, interrompe-a, iniciando outra espaço, com o grupo social, com a situação, com a idade e
ou abandonando-a. com o sexo. Tais variações comprovam como a língua está
– Você quebrou... agora eu já sei... eu... meu pai vai dar em constante transformação e como ela é dinâmica. Veja,
uma bronca em você. a seguir, os exemplos de cada variação.

220 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 9 Variantes linguísticas

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP9_LA.INDD / 16-09-2020 (20:49) / DANIELA.CAPEZZUTI / PROVA FINAL


Histórica Geográfica
A língua varia no tempo – há palavras, expressões e A língua varia no espaço; de região para região, te-
construções típicas de determinada época. Veja os textos mos vocábulos e expressões diferentes, que refletem uma
a seguir e observe as variantes ortográficas e lexicais (vo- geografia e uma cultura peculiares. Em Santos, cidade do
cabulário). litoral sul paulista, o falante pediria 20 pães dessa maneira:
– Seu Manuel, me dê vinte médias, por favor.
Exemplo 1
PALAVRA DE DEOS Na cidade de São Paulo, no entanto, “média” significa
EMPENHADA, E DESEMPENHADA: café com leite e pão com manteiga; vinte médias seriam
EMPENHADA vinte cafés com leite e vinte pães com manteiga.
NO SERMAM DAS EXEQVIAS DA No sul do país, mandioca recebe o nome de aipim; já
Rainha N. S. Dona Maria Francifca no nordeste é chamada macaxeira.
Ifabel de Saboya; Palavras que em Portugal possuem outro significado:
DESEMPENHADA
NO SERMAM DE ACÇAM DE GRAÇAS – Duas girafas,
Manuel!
Pelo nafcimento do príncipe D. João Primogênito De S.S. Girafas
Antônio Vieira. Palavra de Deos empenhada, e desempenhada [...]. Lisboa: da BOA
Officina de Miguel Deslandes, 1690.

No texto de Vieira, do século XVII, nota-se que as re-


gras que norteiam a ortografia são outras: presença do “y”; Pilsen

sequência “am” em vez de “ão”; “magestade” com “g” em


vez de “j”; “Deos” em vez de “Deus”.

Exemplo 2
Reprodução

alfinete: lá é broche
bica: o nosso cafezinho
drogaria: é o nosso armarinho, não vende remédios
estalo: trata-se de uma bofetada
fino: chope pequeno
girafa: cerveja
hipótese: em Portugal significa chance
jogo do galo: é o jogo da velha
pipi: órgão sexual feminino das “meninas”; também
[pode significar “elegante”
quinta: sítio, pequena propriedade
reformado: aposentado
salchicha: é a nossa linguiça
trepador: ciclista
31 de boca: entrar numa fria, mentira
vaivêm: ônibus espacial
Mário Prata. Dicionário de português Schifaizfavoire.
Disponível em: <https://www.dartmouth.edu/~mavall/libguides/documents/
Schifaizfavoire.pdf>. [Adaptado.]

Social
A língua varia de acordo com a classe social. Os se-
Fig. 1 Variante histórica.
tores da sociedade mais privilegiados economicamente
FRENTE ÚNICA

Na publicidade apresentada, do início do século XX, utilizam com mais frequência a variante culta; já os me-
observa-se o emprego de uma ortografia diferente da usa- nos privilegiados, a coloquial. Observe a seguir a letra de
da nos dias atuais; a presença do “ph”, de etimologia grega, uma canção de Adoniran Barbosa – ela retrata o falar de
e do p mudo, por exemplo, projetam a língua no tempo. classes populares:

221

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP9_LA.INDD / 15-09-2020 (15:03) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Luz da Light Morfológico
No nível da morfologia, isso ocorre quando está em
Lá no morro,
jogo a variação em gênero, número e grau e no uso de
Lá no morro, quando a luz da Light pifa
afixos (prefixo e sufixo).
a gente apela pra vela
Que alumeia também, quando tem Variante culta:
Se não tem, [...] O moço era sem-vergonha!
Adoniran Barbosa. Luz da Light. Intérprete: Demônios da Garoa.
In: Mais demônios que nunca. São Paulo: Trama, 2000. Faixa 4.
Variante popular:
O moço era sem-vergonho!
Atenção
Variante culta:
Notam-se, da letra dessa canção, falta de concordância, gírias, léxico
informal, repetições e abreviações, ou seja, marcas de coloquialida- Que luxo, é nobilíssimo!
de. Trata-se de uma variante popular.
Variante popular:
Que luxo, é supernobre!
Situacional
A língua varia conforme a situação; em contextos mais Variante culta:
formais, por exemplo, há o predomínio do culto; em situa- Ela é macérrima!
ções mais informais, há o predomínio do coloquial.
Situação de formalidade: Variante popular:
Traga-me uma cerveja, por favor. Ela é magríssima!

Situação de informalidade: Atenção


Uma breja, campeão!
O termo “magríssimo”, superlativo consagrado na língua oral, deve
ser evitado em situação culta, mas encontra registro em gramáticas
As variantes culta e popular como forma vulgar de “macérrimo”. Já o termo “magérrimo”, am-
(níveis gramaticais) plamente utilizado na linguagem coloquial, não tem respaldo nas
gramáticas tradicionais e, por isso, deve ser evitado.
Lexical
A língua varia no vocabulário. Veja o anúncio a seguir. Sintático
Divulgação

Oh meu! já leu Trata-se de variedade na regência e na concordância,


principalmente.
Machadão?
Então dá uma Variante culta:
sapiada, é o Chegaram as férias, graças a Deus!

maior barato! Variante popular:


Chegou as férias, graças a Deus!
Pode crê que
no final do livro Observa-se a falta de concordância na segunda oração.
seu vocabulário É interessante observar que a variação sintática ocorre
vai ficá massa! também no uso de orações; em Portugal, por exemplo, há
uma preferência pelo infinitivo precedido de preposição
Galeria do rock pauleira: em vez do gerúndio, note:
CD’s, DVD’s e livros.
Portugal Brasil
Rua da Paz, 41 – Bom retiro, SP. Estava a jogar futebol. Estava jogando futebol.

O texto anterior utiliza a variante popular no nível do


vocabulário. infinitivo gerúndio

222 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 9 Variantes linguísticas

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP9_LA.INDD / 15-09-2020 (17:48) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Fonético

Laerte
Diz respeito à maneira como se pronuncia as palavras. Observe que a palavra “pro” substituiu as palavras “para o”.
Outro exemplo:

Variante culta:
A xícara quebrou.

Variante popular:
A xicra quebrou.

Atenção
É comum o falante pouco instruído transformar uma palavra proparoxítona em paroxítona, que é mais frequente na língua.

As alterações de pronúncia são comuns na oralidade; ao falar, acrescentamos, omitimos, trocamos de posição, substituímos
fonemas; na gramática histórica, esse fenômeno recebe o nome de metaplasmos. Veja a seguir alguns tipos de metaplasmos:
yy Aférese: queda de fonema no início da palavra:
Eu proximei e falei: sai, cão do inferno!

yy Epítese (ou paragoge): adição de fonema no fim do vocábulo, comum nas formas aportuguesadas:
“Recorde” vem de record, epíteses da língua.

yy Anaptixe: intercalação de uma vogal para desfazer um grupo de consoantes:


A forma antiga de caranguejo era “cranguejo”, fizeram uma anaptixe!

yy Apócope: queda de fonema no fim do vocábulo:


– Gosta de dançá?

Muito frequente na língua oral, ocorre a apócope no discurso direto com o “r” final do verbo “dançar”.
O vocábulo “legal”, por exemplo, veio de legale, houve apócope.

yy metátese: transposição de fonema que se pode verificar na mesma sílaba ou entre sílabas:
– O que significa intertextualidade, José?
– Intretextualidade é...
Em vez de intertextualidade, o falante pronuncia intretextualidade.

Semântico
De uma variante para outra, há alteração no significado.

Variante culta:
Que gata! (feminino de gato)

Variante popular:
FRENTE ÚNICA

Que gata! (mulher bonita)

223

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP9_LA.INDD / 15-09-2020 (15:03) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Neologismo Gíria
A invenção de novas palavras denomina-se “neo- A gíria tem frequência em todas as camadas sociais e
logismo” (se apenas o significado for novo, teremos o está relacionada a situações informais. Os jovens a utilizam
neologismo semântico – o verbo “ficar”, por exemplo, ga- como uma espécie de código secreto que os defende da
nhou novo significado na atualidade entre os jovens). Para intromissão dos adultos, ao mesmo tempo que serve de
se criar o neologismo, é preciso ter reconhecida compe- cartão de acesso ao grupo. A gíria costuma ter pouca dura-
tência linguística e não haver no léxico palavra de igual ção no léxico de uma língua; a moda e a ideologia vigentes
sentido. Sua ocorrência em textos não literários exige o determinam seu tempo de duração.
emprego das aspas.
Jargão/emprego de jargões
A linguagem ficou mais leve, ficamos menos hipócritas.
O jargão é uma espécie de língua grupal empregada
principalmente em contextos profissionais e esportivos; é
Burgueses “epatáveis” ainda existem, mas o acúmulo de agres-
o caso do chamado “economês”, conjunto de palavras ou
sões a seus ouvidos e pruridos os insensibilizou e hoje, se
expressões utilizadas pelos economistas com o intuito de
reagem, não é em público.
traduzir determinados fatos econômicos. O jargão funciona
L. F. Verissimo. Conluio. Porto Alegre: Extra Classe, jun./jul. 1996. p. 3.
como uma gíria entre profissionais e especialistas da área.
Observe o texto a seguir:
A palavra “epatáveis” foi inventada por Verissimo a par-
tir do verbo épater, que no francês quer dizer “espantar”. O [...] e o C-Bond ganhou 0,43%, vendido com ágio de
neologismo obedece às regras de derivação da língua: a 2,323%. Mas o Ibovespa desvalorizou-se 0,27%, enquanto o
partir do empréstimo da palavra francesa, obtém-se o verbo paralelo perdeu 0,26%, para R$ 2,693 na venda.
ROCHA, Mario.; ROCHA, Silvana.; ABARCA, Denise. Estrangeiro puxa a alta
“epatar”; tomando tal verbo como radical, é possível, então, da Bolsa. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/
a formação de “epatáveis”. id/309704/noticia.htm?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 15 set. 2020.

Revisando
Texto para as questões de 1 a 4.

1 Observam-se dois usos da linguagem, um coloquial e outro culto. Identifique-os.









2 Substitua a palavra “mané” por outra que tenha equivalência semântica e que seja adequada à língua escrita.




224 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 9 Variantes linguísticas

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP9_LA.INDD / 15-09-2020 (15:03) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


3 A gíria empregada na fala de um dos personagens é 6 Cite ainda duas palavras que constituem, em marcas
adequada a ele? de oralidade, o nível fonético.
 
 
 
 
 
 

7 O emprego da linguagem coloquial no texto do famo-
4 Essa mesma gíria é adequada ao contexto em que as so compositor é coerente? Justifique.
personagens se inserem? 
 
 
 
 
 

 8 Enem 2018


Texto para as questões de 5 a 7.


O meu guri
[...]

Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro


Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documentos
Prá finalmente eu me identificar
[...]
Chega estampado, manchete, retrato
Com venda nos olhos, legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente, seu moço!
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo de papo pro ar
Desde o começo, eu não disse, seu moço!
Ele disse que chegava lá
[...]
Olha aí, ai o meu guri, olha aí Disponível em: www.facebook.com/minsaude.
Acesso em: 14 fev. 2018 (adaptado).
[...]
Chico Buarque. O meu guri. ______. In: Almanaque. Universal, 1981. Faixa 3. A utilização de determinadas variedades linguísticas
em campanhas educativas tem a função de atingir o
5 Cite do texto uma variante social no nível do léxico. público-alvo de forma mais direta e eficaz. No caso
desse texto, identifica-se essa estratégia pelo(a):

a discurso formal da língua portuguesa.
 b registro padrão próprio da língua escrita.
 c seleção lexical restrita à esfera da medicina.
 d fidelidade ao jargão da linguagem publicitária.
 e uso de marcas linguísticas típicas da oralidade.

FRENTE ÚNICA

225

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP9_LA.INDD / 15-09-2020 (15:03) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Exercícios propostos
1 UFSC 2018 02 José de Alencar é representante de um ideário
romântico de abrasileiramento que defendia uma
O Brasil entre a norma culta e a norma curta
literatura que expressasse a língua do “vulgo”, con-
Boa parte de nossa elite letrada do século XIX desejava trapondo esta língua ao padrão europeu.
ardentemente viver numa sociedade branca e europeia. 04 os termos “norma culta” e “norma curta” remetem
Tinha, portanto, de virar as costas para o país real, figurá-lo a realidades distintas no Brasil, respectivamente:
diferente do que era. Não à toa essa elite defendeu o que à norma praticada de fato, que corresponde ao
se costumava chamar “higienização da raça”, ou seja, a português culto brasileiro, e à norma artificial, um
implementação de políticas que resultassem no “embran- padrão categoricamente fixado, que desqualifica
quecimento” do país. Em matéria de língua, essa elite vivia o falante brasileiro.
complexas contradições. Duas realidades eram evidentes 08 infere-se que o Brasil ainda vive duas realidades
para todos: o português de cá tinha diferenças em relação normativas conflitantes no que se refere à língua:
ao português europeu; e aqui dentro o “nosso” português o português brasileiro versus o português europeu
diferia do português do “vulgo”. Na construção do novo e o português brasileiro culto versus o português
país, como resolver esse duplo eixo de diferenças? brasileiro popular.
Quando se acirrou, no século XIX, a questão da norma 16 infere-se que a noção de norma linguística é com-
culta, nossas diferenças foram logo interpretadas como
plexa, pois envolve um entrelaçamento de fatores
deturpações da língua. Não adiantou José de Alencar, no
diversos, além de poderosos elementos do imagi-
seu esforço para abrasileirar a norma escrita, apelar para
nário social.
os clássicos, a fim de mostrar a antiguidade de fatos da
32 os termos “gramatiqueiros” e “pseudopuristas”
língua do Brasil. O que prevaleceu foi a imagem de que
designam os estudiosos que descrevem a norma
somos uma sociedade que fala e escreve mal a língua por-
culta efetivamente usada pelos brasileiros.
tuguesa. E tudo o que – no português culto brasileiro – não
64 a escrita brasileira, no século XIX, apresentava fa-
coincidia com certa norma lusitana passou a ser listado
tos da língua diferentes daqueles encontrados em
por gramatiqueiros pseudopuristas como erro.
autores clássicos antigos, por isso José de Alencar
Nessa guerra, venceram os conservadores, definindo
certa norma lusitana do romantismo como modelo para
a considerava uma deturpação da norma europeia.
nossa escrita. Como eram claras, inevitáveis e persistentes Soma: 
as diferenças da norma culta brasileira em relação a esse
padrão artificialmente fixado, foi preciso construir uma De 2 a 4, diga se a linguagem é coloquial ou culta.
norma “curta”, um discurso categórico, uma contínua ­Justifique.
desqualificação do falante brasileiro.
Nem o desenvolvimento dos estudos filológicos e lin- 2 Boa forma. A melhor forma de viver numa boa.
guísticos, nem a rebelião literária de 1922, nem a crítica Propaganda da revista Boa Forma. Superinteressante, ago. 1989.
da norma curta por nossos melhores filólogos, nada disso
conseguiu romper a força do imaginário construído no
século XIX. Ainda se diz que os brasileiros falam errado, 3 Com Darling Uva você logo arruma um cacho. (marca
não sabem falar português, tratam mal sua língua e assim de sutiã)
por diante. Não é difícil mostrar com fatos e argumentos Propaganda da lingerie Darling. Cláudia, maio 1990.

lógico-racionais que essas certezas não existem. Mas o


imaginário resiste aos fatos, aos argumentos lógico-racio-
4 A Rossi Residencial orgulhosamente apresenta o grande
nais. Fica, então, a pergunta que não quer calar: como
lançamento do ano.
enfrentar poderosos imaginários?
Folha de S.Paulo, 29 out. 1989.
FARACO, C. A. O Brasil entre a norma culta e a norma curta.
In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M. (Org.). Políticas da norma e conflitos
linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011, p. 259-275. [Adaptado].
5 Explique o objetivo do autor ao utilizar o empréstimo
Obs.: A noção de “norma culta” equivale à noção de linguístico no texto a seguir.
“variedade padrão”, termo utilizado no Edital 06/Co-
Este é um Chateaubriand com um toque de gourmet.
perve/2017 e no Programa das Disciplinas. Propaganda da maionese Gourmet. Nova, jun. 1990.

Com base no texto, é correto afirmar que:


01. o título do texto remete ao contraste que existe, 6 ITA Leia:
desde o século XIX até os dias atuais, entre o por- O Programa Mulheres está mudando. Novo cenário,
tuguês europeu e o português brasileiro: àquele novos apresentadores, muito charme, mais informação,
corresponde a norma culta, efetivamente usada moda, comportamento e prestação de serviços. Assista
em Portugal; a este, a norma curta, efetivamente amanhã, a revista eletrônica feminina que é a referência
usada no Brasil. do gênero na TV.

226 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 9 Variantes linguísticas

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP9_LA.INDD / 15-09-2020 (15:03) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


O verbo “assistir”, empregado em linguagem colo- verbo “ter” no lugar de “haver”; a regência de “preferir x do
quial, está em desacordo com a norma gramatical. que y”, em vez de “preferir x a y”; o uso do anacoluto (A
a) Reescreva o último período de acordo com a inflação, ela estará dominada quando...); a posição enclítica
norma. dos pronomes átonos. O que não significa proibir as mais
b) Justifique a correção. conservadoras. Algumas dessas formas “novas” aparecem
em muitíssimo boa literatura, em autores absolutamente
consagrados, que poderiam servir de base para que os gra-
7 Enem 2018
máticos liberassem seu uso – para os que necessitam da
Ó Pátria amada,
licença dos outros.
Idolatrada,
Vejam-se esses versos de Murilo Mendes: “Desse lado
Salve! Salve!
tem meu corpo / tem o sonho / tem a minha namorada na ja-
Brasil, de amor eterno seja símbolo
nela / tem as ruas gritando de luzes e movimentos / tem meu
O lábaro que ostentas estrelado,
amor tão lento / tem o mundo batendo na minha memória
E diga ao verde-louro dessa flâmula
/ tem o caminho pro trabalho. Do outro lado tem outras
— “Paz no futuro e glória no passado.”
vidas vivendo da minha vida / tem pensamentos sérios me
Mas, se ergues da justiça a clava forte,
esperando na sala de visitas / tem minha noiva definitiva
Verás que um filho teu não foge à luta
me esperando com flores na mão / tem a morte, as colunas
Nem teme, quem te adora, a própria morte.
da ordem e da desordem.”
Terra adorada,
Faltou ao poeta acrescentar: tem uns gramáticos do
Entre outras mil,
tempo da onça / de antes do tempo em que se começou a
És tu, Brasil,
andar pra frente.
Ó Pátria amada!
Não vou citar Drummond de Andrade, com seu por de-
Dos filhos deste solo és mãe gentil,
mais conhecido “Tinha uma pedra no meio do caminho...”,
Pátria amada, Brasil!
nem o Chico Buarque de “Tem dias que a gente se sente /
Hino Nacional do Brasil. Letra: Joaquim Osório Duque Estrada. Música:
Francisco Manuel da Silva (fragmento). como quem partiu ou morreu...”
Mas acho que vou citar “Pronominais”, do glorioso
O uso da norma-padrão na letra do Hino Nacional do Oswald de Andrade: Dê-me um cigarro / Diz a gramática /
Brasil é justificado por tratar-se de um(a): Do professor e do aluno / E do mulato sabido / Mas o bom
a reverência de um povo a seu país. negro e o bom branco / Da nação brasileira / Dizem todos
b gênero solene de característica protocolar. os dias / Deixa disso camarada / Me dá um cigarro.
c canção concebida sem interferência da oralidade. Quero insistir: ao contrário do que se poderia pensar
d escrita de uma fase mais antiga da língua portu- (e vários disseram), não sou anarquista, defensor do tudo
guesa. pode, ou do vale tudo. Nem estou dizendo que “Nós vai” é
e artefato cultural respeitado por todo o povo brasi- igual a “Tem muito filho que obedece os pais”. O que estou
leiro. fazendo é cobrar coerência, um pouquinho só: se o padrão
vem da fala dos bacanas, se os mais bacanas são os poetas
Texto para as questões 8 e 9. consagrados, por que, antes das dez, numa aula de litera-
tura, podemos curtir seu estilo e em outra aula, depois das
Norma e padrão onze, dizemos aos alunos e aos demais interessados: viram
Uma das comparações que os estudiosos de variação o Drummond, o Murilo, o Machado, o Guimarães Rosa?
linguística mais gostam de utilizar é a da língua com a Que criatividade!!! Mas vocês não podem fazer como eles.
POSSENTI, Sírio. A cor da língua e outras croniquinhas de linguística.
vestimenta. Esta, como sabemos, é bastante variada, indo Campinas: Mercado de Letras, 2001. p. 111-112. (Adaptado).
da mais formal (longo e smoking) à mais informal (biquíni
e sunga, ou camisola e pijama). A ideia dos que fazem Considere o seguinte trecho:
essa comparação é a seguinte: não existem, a rigor, formas “Os gramáticos e os sociolinguistas, cada um com seu
linguísticas erradas, existem formas linguísticas inadequa- viés, costumam dizer que o padrão linguístico é usado
das. Como as roupas: assim como ninguém vai à praia de pelas pessoas representativas de uma sociedade. Os
smoking ou de longo, também ninguém casa de biquíni gramáticos dizem isso, mas acabam não analisando o
e de sunga, ou de camisola e de pijama (sem negar que padrão, nem recomendando-o de fato. Recomendam
estas sejam vestimentas, e adequadas!), assim ninguém diz uma norma, uma norma ideal”.
“me dá esse troço aí” num banquete público e formal nem
“faça-me o obséquio de passar-me o sal” numa situação de 8 UEG 2017 Sírio Possenti apresenta nesse trecho uma
intimidade familiar. caracterização da atividade dos gramáticos. Para isso,
Os gramáticos e os sociolinguistas, cada um com seu o autor
viés, costumam dizer que o padrão linguístico é usado pelas a define a sociolinguística como uma área da linguís-
pessoas representativas de uma sociedade. Os gramáticos tica que visa estudar as formas linguísticas ideais e
FRENTE ÚNICA

dizem isso, mas acabam não analisando o padrão, nem as formas linguísticas que de fato os falantes usam.
recomendando-o de fato. Recomendam uma norma, uma b faz uma comparação entre a atividade proposta e
norma ideal. Vou dar uns exemplos: se o padrão é o usado a atividade efetivamente realizada, que consiste na
pelos figurões, então deveriam ser considerados padrões o recomendação de uma norma idealizada.

227

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c apresenta diversos exemplos de usos cotidianos 14 Leia o texto a seguir, extraído do filme Cidade de Deus:
da língua que demostram, de forma evidente, o fato
de que as línguas são inerentemente variáveis.
d cita uma autoridade acadêmica da área dos es-
tudos da linguagem a fim de validar as propostas
teóricas e analíticas relativas à variação linguística.
e insere um quadro de definição dos vocábulos
técnicos relacionados à área de estudos sociolin-
guísticos a fim de facilitar a compreensão do leitor.

9 UEG 2017 O autor defende no texto a seguinte tese:


a a norma gramatical, para ser coerente, deve ser ba-
seada no padrão de uso de uma língua.
b a língua é variável e multiforme, razão pela qual as
Cabeleira: Alô Berenice. É o seguinte, vou te mandar uma
pessoas podem usá-la como quiserem. letra invocada agora. Pô mina... já viu falar em amor à
c as normas de bom uso da língua garantem a quem primeira vista?
fala e/ou escreve sucesso comunicativo. Berenice: Malandro não ama, malandro só sente desejo.
d as formas linguísticas consideradas corretas são Cabeleira: Assim não dá prá conversar...
aquelas usadas na língua escrita formal. Berenice: Malandro não conversa, malandro desenrola
e o padrão de uso de uma língua deve ser cuidado- uma ideia.
samente preservado pelos gramáticos. Cabeleira: Pô! Tudo que eu falo, tu mete a foice!
Berenice: Malandro não fala, malandro manda uma letra!
Passe para a norma culta os textos das questões 10 e 11: Roteiro de Bráulio Mantovani. Dirigido por Fernando Meirelles. Cidade de
Deus. Rio de Janeiro: O2 filmes, 2002.

10 A polícia interviu com violência na briga, pois os torce- a) Qual o significado de “tu mete a foice”?
dores estavam munidos de faca. O delegado reteu o b) Que variante está em jogo no excerto inteiro?
chefe da torcida, já que este foi o responsável pelos
distúrbios. Após a confusão, um dos pagantes reaveu 15 Fuvest Uma flor, o Quincas Borba. Nunca em minha infân-
cia, nunca em toda a minha vida, achei um menino mais
a carteira que tinha sido roubada por um dos agitado-
gracioso, inventivo e travesso. Era a flor, e não já da escola,
res. Este foi encaminhado imediatamente para o Deic.
senão de toda a cidade. A mãe, viúva, com alguma cousa
de seu, adorava o filho e trazia-o amimado, asseado, en-
11 Haviam cerca de vinte alunos; a maioria, crianças. Fa- feitado, com um vistoso pajem atrás, um pajem que nos
zem dez anos que esse tipo de desastre não ocorria deixava gazear a escola, ir caçar ninhos de pássaros, ou
na marginal Pinheiros. Uma moradora, aliás, ficou meia perseguir lagartixas nos morros do Livramento e da Con-
tonta com o que viu. Houve uma reunião após o aci- ceição, ou simplesmente arruar, à toa, como dous peraltas
sem emprego. E de imperador! Era um gosto ver o Quin-
dente onde se decidiu pelo fechamento da avenida.
cas Borba fazer de imperador nas festas do Espírito Santo.
De resto, nos nossos jogos pueris, ele escolhia sempre um
Na questão 12, identifique o tipo de leitor e dê as marcas papel de rei, ministro, general, uma supremacia, qualquer
linguísticas características desse público-alvo (fonético e que fosse. Tinha garbo o traquinas, e gravidade, certa mag-
lexical). nificência nas atitudes, nos meneios. Quem diria que...
Suspendamos a pena; não adiantemos os sucessos. Vamos
12 Identifique no nível lexical. de um salto a 1822, data da nossa independência política,
Arrase os monstros com nosso roteiro detalhado, mapas e do meu primeiro cativeiro pessoal.
Machado de Assis. Memórias póstumas de Brás Cubas.
e quebra-cabeças. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

Embora pertença à modalidade escrita da língua, este


13 Você pode dar um rolê de bike, lapidar o estilo a bor-
texto apresenta marcas de oralidade, que têm finali-
do de um skate, curtir o sol tropical, levar sua gata
dades estilísticas. Dos procedimentos verificados no
para surfar.
texto e indicados a seguir, o único que constitui marca
Considerando-se a variedade linguística que se pre-
típica da modalidade escrita é:
tendeu reproduzir nessa frase, é correto afirmar que a
a uso de frase elíptica em “Uma flor, o Quincas Borba”.
expressão proveniente de variedade diversa é: b repetição de palavras como “nunca” e “pajem”.
a “dar um rolê de bike”. c interrupção da frase em “Quem diria que...”.
b “lapidar o estilo”. d emprego de frase nominal, como em “E de impe-
c “a bordo de um skate”. rador!”
d “curtir o sol tropical”. e uso das formas imperativas “suspendamos” e “não
e “levar sua gata para surfar”. adiantemos”.

228 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 9 Variantes linguísticas

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16 No terceiro dia, o Criador fez a terra. Cercada de água por todos os lados pra ninguém invadir a sua praia.
Texto de propaganda de Aruba, Ilha do Caribe.

Observa-se no texto:
a uma relação entre textos, apoiada na interrupção de um discurso por um outro, de outra natureza.
b uma incoerência, pois o segundo período não continua logicamente o assunto do primeiro.
c uma argumentação fundamentada na oposição entre dois discursos: o da religião e o do jovem.
d um tom marcadamente religioso, confirmado, no segundo período, pelo uso do possessivo sua, para referir-se ao
Criador.
e uma inadequação no uso de linguagem coloquial no segundo período, mesmo tratando-se de propaganda.

Textos para as questões de 17 a 20.

Na sua coluna diária do jornal Folha de S.Paulo de 17 de agosto de 2005, José Simão escreve:
“No Brasil nem a esquerda é direita!”.
José Simão. Folha de S.Paulo, 17 ago. 2005.

17 Unicamp Nessa afirmação, a polissemia da língua produz ironia. Em que palavras está ancorada essa ironia?

18 Unicamp Quais os sentidos de cada uma das palavras envolvidas na polissemia referida?

19 Unicamp Comparando a afirmação “No Brasil nem a esquerda é direita” com “No Brasil a esquerda não é direita”, qual
a diferença de sentido estabelecida pela substituição de “nem” por “não”?

20 Unicamp A que tipo de jargão pertencem as palavras “es­querda” e “direita”?

21 É sabido que as histórias de Chico Bento são situadas no universo rural brasileiro.

a) Explique o recurso utilizado para caracterizar o modo de falar dos personagens na tira.
b) É possível afirmar que esse modo de falar caracterizado na tira é exclusivo do universo rural brasileiro? Justifique.

Texto complementar
Acerca da linguagem
Para certos linguistas, a linguagem foi criada para exprimir, da melhor forma possível, o pensamento; para outros, o pensamento sem linguagem
permaneceria no estado de massa amorfa e confusa. É a linguagem que modela o universo que pensamos; as diferentes línguas remetem a dife-
rentes sistemas de pensamento, a visões de mundo, filosofias, morais, hábitos etc. De acordo com Lévi-Strauss, o povo nambiquara tem apenas
uma palavra para exprimir “bonito” e “velho”; os esquimós possuem cerca de 100 palavras para designar a neve; os árabes possuem cerca de 6
mil palavras para designar o camelo, suas variedades, suas qualidades, empregos etc. Para Watson (1924 – fundador do Behaviorismo – psicologia
experimental), o que a psicologia denomina pensamento não é nada mais senão falar-se a si mesmo. Mais tarde, Piaget (em sua teoria da gênese
do subdesenvolvimento intelectual) ressalta que a função simbólica ou semiótica é anterior à linguagem. Como a linguagem é um sistema de signos,
a criança já estaria predisposta à linguagem. Para a psicologia, a linguagem é adquirida mediante hábitos (reflexo condicionado).
FRENTE ÚNICA

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Resumindo
Culto e coloquial Histórica
Na oralidade, a recepção da mensagem é imediata, o contexto está pre- A língua varia no tempo, as regras do sistema e o próprio repertório modi-
sente e outras linguagens atuam em sintonia com o verbal, como o gestual. ficam-se em concordância com as transformações sociais; determinadas
Na língua oral, o falante explora a entonação das palavras e o subtexto palavras e expressões já não são mais usadas, outras possuem ortografia
(intenção), isso a torna mais rica que a escrita. A língua escrita é crava- antiga ou não obedecem às regras de acentuação atual, constituindo-se
da na matéria, no papel, é transregional e transtemporal; a língua oral é em variantes históricas.
construída por meio de fonemas, que uma vez ditos, não existem mais. A Social
oralidade favorece as elipses, os desvios de norma, a coloquialidade. A
De grupo social para grupo social, notam-se diferenças no vocabulário,
escrita pressupõe a norma culta, a obediência às normas, pois os interlo-
na pronúncia e até mesmo na sintaxe e na morfologia. A variante social
cutores não estão frente a frente, há necessidade de clareza.
projeta o indivíduo em uma classe ou num grupo social.
Traços de oralidade
Situacional
Vocabulário mais simples
A língua varia conforme a situação vivida pelo enunciador. Em situações
Na oralidade, salvo em certas circunstâncias em que a norma é exigida, mais formais, teremos o predomínio da norma culta; em situações informais,
o vocabulário costuma ser mais simples, menos rebuscado. Dependendo a linguagem coloquial.
do grupo social, podem ocorrer vulgarismos e gírias.
Outras variantes
Anacoluto
A língua varia também de acordo com a idade, o sexo e a profissão.
O anacoluto é uma quebra sintática decorrente de uma mudança de cons-
Variantes e níveis gramaticais
trução sintática realizada pelo enunciador, que abandona a velha estrutura
em prol de uma nova. Em algumas situações, pode vir a ser um recurso • A língua pode variar nos seguintes aspectos gramaticais:
expressivo de natureza enfática. • sintático: concordância, regência, sintaxe dos pronomes, coordenação
Simplicidade sintática e subordinação.
(orações e períodos curtos, predomínio da coordenação) • morfológico: classes gramaticais, uso de morfemas (radicais, afixos).
A simplicidade sintática está relacionada ao uso de orações e períodos • fonético: pronúncia, metaplasmos (acréscimos, omissões, substituições
curtos e ao predomínio da coordenação. de fonemas).
Repetição de termos e de ideias (pleonasmos) • lexical: vocabulário, repertório.
A repetição na oralidade tem mais frequência, não há a preocupação em subs- • semântico: significado.
tituir os termos citados e, em muitas ocasiões, é enfática. Neologismo
Mudança de pronúncia A invenção de novas palavras denomina-se neologismo (se apenas o
Muitas são as alterações fonéticas na língua oral; na maioria dos casos, significado for novo, teremos o neologismo semântico – o verbo “ficar”,
as alterações (acréscimos, omissões, substituições de fonemas) apontam por exemplo, ganhou novo significado na atualidade entre os jovens).
para uma variante popular (linguagem coloquial), social (grupo social), Para se criar o neologismo, é preciso ter reconhecida competência lin-
situacional (situação informal) ou geográfica (pronúncia característica de guística e não haver no léxico palavra de igual sentido. Sua ocorrência
determinadas regiões). em textos não literários exige o emprego das aspas.
Elipses Gíria
O fato de estarmos diante do interlocutor e utilizarmos os gestos implica A gíria tem frequência em todas as camadas sociais e está relacionada
um número maior de elipses; as omissões são entendidas por meio do a situações informais. Os jovens a utilizam como uma espécie de código
conhecimento de mundo e do próprio contexto. secreto que os defende da intromissão dos adultos, ao mesmo tempo que
serve de cartão de acesso ao grupo.
Tipos de variante
Jargão
Geográfica
Jargão é uma espécie de língua grupal empregada principalmente em
A variante geográfica aponta para um falar peculiar de determinada região;
contextos profissionais e esportivos; é o caso do “economês”.
em alguns casos, pode se tornar uma espécie de dialeto.

Quer saber mais?

Livro Teatro
yy ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro: yy STANISLAVSKI, Constantin. A construção da personagem. Rio de
Civilização Brasileira, 1998. Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

Filme Músicas
yy O vagabundo. Direção: Charles Chaplin, 1915. yy Astor Piazzola (jazz/tango).

Jornal
yy O Estado de S. Paulo.

230 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 9 Variantes linguísticas

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Exercícios complementares
1 ITA Leia: 4 Unicamp 2017 No dia 21 de setembro de 2015, Sérgio Ro-
Miguilim espremia os olhos. Drelina e a Chica riam. drigues, crítico literário, comentou que apontar no título
Tomezinho tinha ido se esconder. do filme Que horas ela volta? um erro de português “revela
– Este nosso rapazinho tem a vista curta. Espera aí, visão curta sobre como a língua funciona”. E justifica:
Miguilim... “O título do filme, tirado da fala de um personagem,
E o senhor tirava os óculos e punha-os em Miguilim, está em registro coloquial. Que ano você nasceu? Que
com todo o jeito. série você estuda? e frases do gênero são familiares a to-
– Olha, agora! dos os brasileiros, mesmo com alto grau de escolaridade.
Miguilim olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era Será preciso reafirmar a esta altura do século 21 que obras
uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas, as de arte têm liberdade para transgressões muito maiores?
árvores, as caras das pessoas. Via os grãozinhos de areia, Pretender que uma obra de ficção tenha o mesmo grau
a pele da terra, as pedrinhas menores, as formiguinhas de formalidade de um editorial de jornal ou relatório de
passeando no chão de uma distância. E tonteava. Aqui, ali, firma revela um jeito autoritário de compreender o funcio-
meu Deus, tanta coisa, tudo... O senhor tinha retirado dele namento não só da língua, mas da arte também.”
os óculos, e Miguilim ainda apontava, falava, contava tudo (Adaptado do blog Melhor Dizendo. Post completo disponível em
http://www.melhordizendo.com/a-que-horas-ela-volta-em-
como era, como tinha visto. Mãe esteve assim assustada;
que-ano-estamos-mesmo/. Acessado em 08/06/2016.)
mas o senhor dizia que aquilo era do modo mesmo, só que
Miguilim também carecia de usar óculos, dali por diante. Entre os excertos de estudiosos da linguagem repro-
João Guimarães Rosa. Manuelzão e Miguilim. Rio de Janeiro: duzidos a seguir, assinale aquele que corrobora os
Nova Fronteira, 1984.
comentários do post.
Considere as seguintes afirmações sobre o trecho citado: a Numa sociedade estruturada de maneira complexa
I. na narrativa, transparece o universo infantil, capta- a linguagem de um dado grupo social reflete-o tão
do pela ótica da criança. bem como suas outras formas de comportamento.
II. há o uso de recursos linguísticos, como ritmo, (Mattoso Câmara Jr., 1975, p. 10.)
rima e figuras de linguagem, que desfazem as b A linguagem exigida, especialmente nas aulas
fronteiras entre prosa e poesia. de língua portuguesa, corresponde a um modelo
III. a narrativa reporta ao mundo rústico do sertão próprio das classes dominantes e das categorias
pela ótica de um narrador externo à comunidade. sociais a elas vinculadas. (Camacho, 1985, p. 4.)
c Não existe nenhuma justificativa ética, política, pe-
Está(ão) condizente(s) com o trecho: dagógica ou científica para continuar condenando
a apenas I. como erros os usos linguísticos que estão firmados
b apenas II. no português brasileiro. (Bagno, 2007, p. 161.)
c I e II. d Aquele que aprendeu a refletir sobre a linguagem é
d I e III. capaz de compreender uma gramática – que nada
e II e III. mais é do que o resultado de uma (longa) reflexão
sobre a língua. (Geraldi, 1996, p. 64.)
2 Fuvest Passe o texto a seguir para a linguagem culta:
Os excertos são adaptados de textos dos autores referen-
A princesa Diana já passou por poucas e boas. Tipo
ciados abaixo:
quando seu ex-marido Charles teve um love affair com
Lady Camile revelado para Deus e o mundo. BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pe-
Folha de S.Paulo, 5 nov. 1993. (Adapt.). dagogia da variação linguística. São Paulo: Editorial, 2007.
CAMACHO, Roberto Gomes. O sistema escolar e o ensino
3 Unicamp Reescreva o texto a seguir de forma a ade- da língua portuguesa. Alfa, São Paulo, 29, p.1-7, 1985.
quá-lo à modalidade culta.
GERALDI, João Wanderley. Linguagem e ensino: exercícios
Estudei durante seis anos muito a vida de um paulista e de militância e divulgação. Campinas, SP: Mercado das
fiz um filme sobre ele, que é o Mário de Andrade, um puta Letras; Associação de Leitura do Brasil, 1996.
poeta muito pouco falado pelas ditas vanguardas modernis-
tas [...] Hoje em dia, felizmente, já existe vários trabalhos, MATTOSO CÂMARA JR., Joaquim. História da Linguística.
há muita gente reavaliando a poética do Mário, que ela é Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1975.
muito mais importante e profunda do que aparentemente
pareceu nestes últimos anos. Estudando o ­Mário, eu des- Textos para a questão 5.
cobri que o Mário foi um exemplo do cara que morreu de I. Versos da canção Irônico, da compositora e can-
FRENTE ÚNICA

amor, mas de amor pelo seu povo, pelo seu país [...] tora Clarice Falcão.
Paulo Leminski. Os sentidos da paixão. Queria te dizer que esse amor todo por você
Rio de Janeiro: Cia. das Letras, 1995. p. 301. Ele é irônico, é só irônico

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A cada “eu te amo” que eu te mando, o facto da Imprensa agora prever isto ou aquilo... Uma coi-
eu tô pensando: Isso é irônico, e é irônico. sa eu sei: o Prémio Nobel dado a um escritor português de
qualidade beneficiava todos os escritores portugueses. Que
Só de pensar que cê pensou que era sério todos gostariam de ter o Prémio Nobel também é verdade,
Falando sério, eu quero rir mas se um ganhar ganhamos todos. De qualquer modo o
Que você acha que quando eu me descabelo critério actual é o dos mais traduzidos e os mais traduzidos
Ao som de um cello, eu tô aí. são o Saramago e o Lobo Antunes. Eu sou menos. Mas isso
não me preocupa nada. Sinceramente.
Eu gosto de você como quem gosta a) Aponte, na resposta de Cardoso Pires, as caracterís-
De um vídeo do Youtube de alguém cantando mal ticas de acentuação e grafia que a identificam como
Eu gosto de você como quem gosta um texto em português europeu (leve em conta a
De uma celebridade “B”. ortografia portuguesa antes da atual reforma).
(www.vagalume.com.br) b) Aponte, na mesma resposta, as construções que
a caracterizam como um texto em português eu-
II. Poema de Manuel Bandeira ropeu e dê os prováveis equivalentes brasileiros
Pousa a mão na minha testa dessas construções.
Não te doas do meu silêncio:
Estou cansado de todas as palavras.
7 Unicamp A edição de 30 de janeiro de 1998 do Noite
Não sabes que te amo?
e Dia (Feira de Santana, BA) trazia, na seção Zé Coió,
Pousa a mão na minha testa:
a seguinte história.
Captarás numa palpitação inefável
O sentido da única palavra essencial Vou pegar o talão!
− Amor.
Cansado de não vender nada na sua loja, João pegou
(Lira dos cinquent' anos, 1940)
o carro e saiu pelo interior para vender seus produtos.
Depois de 15 dias sem tirar um só pedido, sentou-se em-
5 PUC-Campinas 2017 É correto considerar baixo de uma árvore para descansar. De repente viu uma
a que são marcas da linguagem coloquial, na canção: garrafa e chutou. A garrafa deu meia volta e chegou junto.
o emprego alternado dos pronomes te e você, com João tornou a chutar e a garrafa deu outra meia volta e
que o “eu” se refere ao mesmo destinatário da men- ficou bem ao seu lado. João pegou a garrafa, começou a
sagem; e no poema: o emprego do pronome te sem acariciar e de repente surgiu uma voz que disse:
a correta concordância com a forma verbal Pousa. – “Você tem direito a três pedidos!”
b o verso Isso é irônico, e é irônico como exemplo João levantou correndo e disse:
de repetição positiva, por valorizar a composição – “Espere aí que eu vou buscar o talão”. Cá, cá, cá,
musical, mesmo considerando que não acrescenta cá, cá, cá, cá, cá.
traço algum de sentido à frase. a) A sequência Cá, cá, cá, cá, cá, cá, cá, cá não faz
c como manifestação de traços irônicos de que trata a parte da história. Explique por quê.
canção o que se lê na estrofe 3, porque é incomum, b) A fala de João, retomada no título, revela um equí-
e até incoerente, expressar afeto por meio de refe- voco fundamental na identificação de quem fala de
rências a vídeo do Youtube e celebridades de TV. dentro da garrafa. Em que consiste esse equívoco?
d que em ambos os textos se confessa a incapaci- c) Transcreva as palavras que, no diálogo entre as
dade de traduzir o sentido da palavra “amor”; a duas personagens, permitem articular a resposta
diferença de atitude afetiva entre os que se ex- de João com sua experiência prévia de vendedor
pressam deve ser atribuída às determinações do itinerante.
contexto de produção, um, do século XXI, o outro,
do século XX.
8 PUC-Campinas 2016 (Adapt.) A formulação que atende
e que, na estrofe 2 da canção, em que se entrevê
à clareza e à norma-padrão escrita é:
o fingimento na arte, a autora amplia as possibili-
a Já na inauguração, estava disponível ao olhar do
dades de sentido explorando gírias e variações
visitante as telas de Van Gogh emprestadas de ou-
próprias do uso informal da língua.
tra instituição, pintor este por quem muitos tinham
enfrentado o grande fluxo de vizitantes e o intenso
6 Unicamp Perguntado em fins de 1997 pelo Jornal das trânsito.
Letras (Lisboa) se seu nome seria uma boa indica- b A maior tela da exposição foi apresentada pelo
ção para o Prêmio Nobel de Literatura, junto com os especialista em arte contemporânea, a quem o cura-
nomes, sempre lembrados pela imprensa, de José Sa- dor e o dono da galeria que a acolheu havia imposto
ramago e António Lobo Antunes, o escritor português uma série de restrições, aceitas mas, sob protesto.
José Cardoso Pires deu a seguinte resposta. c Antes que o público obtivesse autorização para che-
A Imprensa tem lá as suas razões. Durante anos e anos gar à galeria, sobreviram tantas recomendações por
passei a vida a assinar papéis a pedir um Nobel para um parte dos anfitriões, que muitos desistiram de visi-
escritor português e isso não serviu de nada. De modo que tá-la, não sem antes lhes ameaçarem com insultos.

232 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 9 Variantes linguísticas

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d Não se lembra com exatidão do calendário, mas 10 Fuvest Leia:
imagina que deve faltar uns quinze dias para a A tua saudade corta
chegada das peças mais valiosas do artista, que como aço de navaia...
algumas das quais colecionadores já ofereceram O coração fica aflito
grandes quantias. Bate uma, a outra faia...
e Com exceção dos jornalistas credenciados, ninguém E os óio se enche d’água
teve acesso àquele setor especial do acervo, por que Que até a vista se atrapaia, ai, ai...
razões ninguém sabe, mas, quaisquer que tenham Cuitelinho, canção folclórica.
sido as causas, provocaram grande mal-estar.
a) Nos dois primeiros versos há uma comparação.
Reconstrua esses versos numa frase iniciada por
9 Unicamp Os dois textos a seguir, extraídos do livro E “Assim como [...]”, preservando os elementos com-
os preços eram commodos, de M. Guedes e R. de A. parados e o sentido da comparação.
­Berlink (São Paulo, Humanitas, 2000), representam um b) Se a forma do verbo atrapalhar estivesse flexio-
tipo de anúncio comum nos jornais do século passado nada de acordo com a norma-padrão, haveria
e são muito semelhantes, embora tratem de assuntos prejuízo para o efeito de sonoridade explorado no
que hoje consideraríamos bastante diferentes. final do último verso? Por quê?
Escravo fugido
Fugio no dia 30 de Junho pp o escravo de nome Ana-
11 PUC-Rio Suponha que o texto a seguir vá ser divul-
cleto; creoulo, representando idade de 30 a 35 annos, com gado em um site da internet sobre o tratamento da
os seguintes signaes: altura mediana, côr fula, corpo delga- dor e que você é o revisor encarregado de garantir a
do, rosto comprimido e um pouco entortado, boca regular e qualidade da redação. Reescreva-o, eliminando qua-
falta de 2 ou 3 dentes da parte de cima, um signal de cada tro problemas de redação apresentados.
lado das maçans do rosto, cabello cortado rente; a entrada
da testa do lado esquerdo é maior do que a do lado direi- A dor faz com que o paciente, já debilitado em con-
to, falla manso mostrando humildade. Sabe lêr e escrever sequência da enfermidade, vê-se incapacitado de realizar
e costuma inculcar-se forro e voluntário da pátria. Levou as mais simples atividades que está habituado, tais como
vestido paletot e calça de casimira preta com pouco uso e cuidar da higiene pessoal, alimentar-se e levantar-se do
uma trouxa de roupa com calças e paletots brancos. Uma leito etc. É necessário, então, os cuidados especiais, para
tambem de bigode de barba rapada. evitar piora na qualidade de vida do paciente.
Quem o prender e trouxer em Campinas e pozer na
Cadêa receberá de gratificação 100$000 do sr Joaquim Texto para as questões 12 e 13.
Candido Thevenar. A velha contrabandista
Gazeta de Campinas, 17 jul. 1870.
Stanislaw Ponte Preta
Animal desaparecido Diz que era uma velhinha que sabia andar de lam-
Na noite de domingo para segunda-feira, foi roubado breta. Todo dia ela passava pela fronteira montada na
em frente do Chico Pinto um animal com os seguintes lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pes-
signaes ruano, calçado dos quatro pés, tem no queixo um soal da Alfândega – tudo malandro velho – começou a
osso saliente para fora, andar de trote. O referido estava 5 desconfiar da velhinha.
arreado com basto, novo, pellego imitação de carneiro, Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco
sobrexincha de cadarço verde. Quem der notícias certas atrás, o fiscal da Alfândega mandou ela parar. A velhinha
ou entregar ao proprietário, será gratificado com 50$000. parou e então o fiscal perguntou assim pra ela:
Antonio Victorino da Silva – Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui
Jahú, 1 ago. 1897.
Correio do Jahu, 8 ago. 1897. 10 todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora
leva nesse saco?
a) Sem considerar as diferenças de ortografia, A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe res-
identifique no anúncio da Gazeta de Campinas tavam e mais os outros, que ela adquirira no odontólogo
duas expressões que hoje não seriam correntes e respondeu:
e, portanto, para ser adequadamente compreen- 15 – É areia!
didas, exigiriam algum tipo de pesquisa histórica Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia
ou linguística. nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para
b) Explicite pelo menos duas semelhanças no con- examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o
teúdo dos dois anúncios. saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou
c) Que traço da mentalidade escravocrata pode ser 20 à velhinha que fosse em frente. Ela montou na lambreta e
FRENTE ÚNICA

identificado pela comparação dos dois anúncios? foi embora, com o saco de areia atrás.

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Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com muamba, dentro da-
quele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou outra vez. Perguntou
o que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo.
25 Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia.
Diz que foi aí que o fiscal se chateou:
– Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com 40 anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro.
Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.
– Mas no saco só tem areia! – insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs:
30 – Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não conto nada a ninguém, mas a
senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias?
– O senhor promete que não “espaia”? – quis saber a velhinha.
– Juro – respondeu o fiscal.
– É lambreta.
PRETA, Stanislaw Ponte. Primo Altamirando e elas.
São Paulo: Agir, Martins Fontes, 2008.

12 Uece 2018 No texto de Stanislaw Ponte Preta, aparecem com frequência expressões da fala popular, a exemplo de
“tudo malandro velho” (linha 4), “muamba” (linha 22) e “manjo...pra burro” (linha 27). Sobre esta questão, leia as afir-
mações que seguem.
I. Este tipo de linguagem revela, no texto, uma escrita marcada por um estilo coloquial através do uso consciente
de gírias e expressões tiradas da fala informal.
II. Expressões da fala coloquial, como as usadas no texto A velha contrabandista, são próprias da crônica, que é um
gênero que se utiliza de alguns recursos típicos da oralidade para dar maior dinamicidade ao texto.
III. As expressões coloquiais utilizadas no texto, na verdade, mostram uma escrita desleixada do autor que não do-
mina o registro padrão da língua portuguesa.
IV. O emprego destes coloquialismos pode contribuir para o caráter humorístico da crônica.

Está correto o que se afirma em


a II, III e IV apenas.
b I, II e IV apenas.
c I e III apenas.
d I, II, III e IV.

13 Uece 2018 A expressão “uai!” (linha 24) e o termo “espaia” (linha 32), extraídos da fala da velhinha, revelam uma varieda-
de linguística do português brasileiro específica de um grupo social que pode ser identificado em
a falantes do sexo feminino com idade avançada que moram em metrópole.
b falantes estrangeiros que não dominam certas expressões e determinados sons da língua portuguesa.
c falantes escolarizados do sexo feminino que moram no interior do nosso país.
d falantes de dialeto caipira vindos de regiões interioranas do país para habitarem na cidade grande.

14 UFRJ Leia o texto a seguir.


Balada do amor através das idades
Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
[...]
Matei, brigamos, morremos.
[...]
Carlos Drummond de Andrade. Alguma poesia, 1930.

A norma culta não prevê o emprego dos pronomes tal como aparecem no texto. Levando em consideração a propos-
ta de linguagem do movimento literário em que o poema se insere, justifique o uso dos pronomes no primeiro verso.

234 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 9 Variantes linguísticas

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15 UFRJ Leia o texto a seguir.
– Como é que é o homem?
Grandão, meio laranjo no cabelo. Forte, sempre mudando a camisa pur causa do calô. Se tira a camisa, num guenta
mororã porque tem pele branquinha, branquinha. Peitão meio gordo, ansim que nem ocê, cheio de sucusiri. Quano chegô,
tinha barriga meio grande, mais parece que num gosta munto de cumida da gente; tá ficano irixato. Eu pensei que ele fosse
irmão daquele padre Gregoro, que pangalô aqui pelo Araguaia já vai pra uns cinco ano...
José Mauro de Vasconcelos. Rosinha, minha canoa.

a) Cite uma passagem em que se observa a variante linguística no nível morfológico.


b) Que tipo de variante linguística ocorre nesse exemplo?

Texto para a questão 16.

© 2010 King Features Syndicate/Ipress


Dick Browne. O melhor de Hagar, o horrível, v. 2. L&PM pocket, p. 55-6 (Adapt.).

16 Enem Assinale o trecho do diálogo que apresenta um registro informal, ou coloquial, da linguagem.
a “Tá legal, espertinho! Onde é que você esteve?!”
b “E lembre-se: se você disser uma mentira, os seus chifres cairão!”
c “Estou atrasado porque ajudei uma velhinha a atravessar a rua [...]”
d “[...] e ela me deu um anel mágico que me levou a um tesouro [...]”
e “[...] mas bandidos o roubaram e os persegui até a Etiópia, onde um dragão [...]”

Texto para a questão 17.


A ema
O surgimento da figura da Ema no céu, ao leste, no anoitecer, na segunda quinzena de junho, indica o início do inverno
para os índios do sul do Brasil e o começo da estação seca para os do norte. É limitada pelas constelações de Escorpião e do
Cruzeiro do Sul, ou Cut’uxu. Segundo o mito guarani, o Cut’uxu segura a cabeça da ave para garantir a vida na Terra, porque, se
ela se soltar, beberá toda a água do nosso planeta. Os tupis-guaranis utilizam o Cut’uxu para se orientar e determinar a duração
das noites e as estações do ano.

Uma das figuras a seguir é uma representação dos corpos celestes que constituem a constelação da Ema, na per-
cepção indígena.
FRENTE ÚNICA

235

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Almanaque BRASIL, maio 2007. (Adapt.).

A outra figura mostra, em campo de visão ampliado, como povos de culturas não indígenas percebem o espaço es-
telar em que a Ema é vista.

Órion

Cruzeiro do Sul

Escorpião

Disponível em: <http://geocities.yahoo.com.br>. (Adapt.).

17 Enem Assinale a opção correta a respeito da linguagem empregada no texto “A Ema”.


a A palavra Cut’uxu é um regionalismo utilizado pelas populações próximas às aldeias indígenas.
b O autor se expressa em linguagem formal em todos os períodos do texto.
c A ausência da palavra Ema no início do período “É limitada [...]” caracteriza registro oral.
d A palavra Cut’uxu está destacada em itálico porque integra o vocabulário da linguagem informal.
e No texto, predomina a linguagem coloquial porque ele consta de um almanaque.

18 Fuvest Leia o texto que segue.


Sair a campo atrás de descobridores de espécies é uma expedição arriscada. Se você não é da área, vale treinar um “bio-
loguês” de turista. Mas, mesmo quem não tem nada a ver com o pato-mergulhão ou a morfologia da semente da laurácea,
pode voltar fascinado da aproximação com esses especialistas.
De olhos nos livros e pés no mato, eles etiquetam a natureza, num trabalho de formiga. São minoria que dá nome aos
bois – e a plantas, aves, mosquitos, vermes e outros bichos.
Heloisa Helvécia, Revista da Folha.

a) Transcreva do texto as expressões que mais diretamente exemplificam o “biologuês” mencionado pela autora.
b) Tomada em seu sentido figurado, como se deve entender a expressão “dar nome aos bois”, utilizada no texto?

236 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 9 Variantes linguísticas

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© Sucession Pablo Picasso, Retrato de Ambroise Vollard, 1910, licenciado por AUTVIS, Brasil, 2010.
Pablo Picasso. Retrato de Ambroise Vollard, 1910. Óleo sobre tela. Museu Pushkin, Moscou, Rússia.
FRENTE ÚNICA

10
CAPÍTULO Coesão
Em grande parte de suas obras, o pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973) utiliza for-
mas geométricas para a retratação de seres ou objetos, em uma aparente fragmentação
que, na verdade, estrutura a representação final. O que se percebe, sobretudo em sua
fase cubista, é que as partes da figura são articuladas de tal maneira que proporcionam ao
apreciador da obra uma visão coerente e coesa, em um registro que foge do figurativismo.
Nos textos verbais, seja do poeta que trabalha simbolicamente a linguagem, seja do
falante da língua que se expressa em situações do dia a dia, também são empregados
recursos coesivos que se articulam para a elaboração de um texto inteligível e eficiente
na transmissão de uma mensagem. Esses recursos constituem o assunto abordado no
capítulo.

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A função da coesão Exemplo 3
Neste capítulo, trataremos da coesão textual, assunto Estados Unidos e Síria vivem momentos de tensão. Os dois
de fundamental importância para o entendimento de texto. podem entrar em guerra.
Serão estudados os marcadores de coesão, elementos O anafórico “dois” recupera “Estados Unidos” e “Síria”.
que promovem a ligação entre as partes do texto; como
diz Leonor Lopes Fávero, em Coesão e coerência textuais, Exemplo 4
a coesão refere-se às relações de sentido que se esta­
belecem entre os enunciados que compõem o texto. A NO PLANETA TERRA, HÁ MAIS DE UM
título de exemplo, leia o texto a seguir. BILHÃO DE MISERÁVEIS

Atualmente, não há nenhuma prova de que o regime ira-

LAXMAN/STOCK.XCHNG
quiano esteja implicado nos atentados suicidas”, declarou o
vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney. Ainda não
temos uma impressão digital do Iraque que o implique no
caso [...].
Patrice de Beer. “Parte do governo americano quer implicar Saddam”.
Le Monde, 19 set. 2001.

No enunciado acima, há três importantes marcadores


de coesão: o relativo “que”, o qual retoma “impressão
digital”; o pronome pessoal “o”, que recupera “Iraque”; e
o substantivo “caso”, que se liga a “atentados suicidas”.
O entendimento desses três marcadores de coesão só é
possível se estabelecermos uma relação com o que vem
antes, isto é, “atentados suicidas”, “impressão digital” e
“Iraque”. E VOCÊ ACHA QUE NÃO TEM NADA COM ISSO?

Fig. 1 Cartaz que faz uso de pronome anafórico.


Os marcadores de coesão
O pronome “isso” recupera o dado estatístico, e a ima-
gem remete a uma situação disfórica: a miséria no mundo.
Coesão por anáfora
Trata-se de pronomes, advérbios, numerais que Coesão por catáfora
exercem a função de recuperar um termo (palavra, frase,
A exemplo dos anafóricos, trata-se de pronomes, ad-
parágrafo). São chamados anafóricos.
vérbios e numerais; todavia, em vez de retomar, projetam
um elemento que ainda vai aparecer.
Exemplo 1
Líder do Nacional afirma temer seu ex-técnico Marco Au- Exemplo 5
rélio, que deve deixar time de Campinas após o jogo de hoje.
Eduardo Arruda. “Palmeiras elege Ponte o rival mais difícil”.
Folha de S.Paulo, 22 set. 2001.
LIVRO, É ISTO QUE VOCÊ GANHA:
O relativo “que” é um anafórico, pois recupera o ante-
MARC CHAGALL

cedente “Marco Aurélio”.

Exemplo 2
Ontem, o secretário do Desenvolvimento e Assistência
Social, Nelson Guimarães Proença, esteve na cidade para tentar
convencer a comunidade a aceitar a instalação da unidade.
Depois disso, a obra deve começar.
Keila Ribeiro. “Governo quer apressar nova Febem em S. José”.
Folha de S.Paulo, 22 set. 2001. C8.

O anafórico “isso” retoma o período anterior, ou seja, o


fato de o secretário tentar convencer a população a aceitar
a instalação da unidade.

Os demonstrativos “isso”, “esse” e “essa” funcionam A SUA IMAGINAÇÃO PODE TUDO!


apenas como anafóricos. Fig. 2 Anúncio que faz uso de pronome catafórico.

238 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 10 Coesão

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Na figura 2, o pronome demonstrativo “isto” exerce conjunto substituindo a parte: “animal” no lugar de “leão”) e a
função catafórica, pois introduz o quadro de Marc Chagall, hiponímia (a parte substituindo o conjunto: “cantora” no lugar
metáfora da imaginação do leitor ao ler um livro. de “artista”) são tipos de sinonímia. Veja os exemplos a seguir.
Ao contrário dos demonstrativos “isso”, “esse” e “essa” –
que retomam um termo anterior –, os demonstrativos “isto”, Exemplo 6
“este” e “esta” projetam algo que ainda vai aparecer. Con-
Folha – Quais os principais problemas que afetam o país?
tudo, se houver dois termos para serem recuperados (ou Goedgebuur – O problema principal atualmente são os
um dos dois), serão utilizados os demonstrativos “este” e refugiados internos, pessoas que tiveram de abandonar suas
“aquele”. Por exemplo: casas para fugir da seca e dos confrontos. A princípio, elas
se instalaram de maneira absolutamente provisória em cam-
Entre os socorristas, havia bombeiros e civis. Estes ajuda- pos ao redor de grandes cidades. Há centenas de milhares de
vam aqueles no resgate. pessoas deslocadas internamente. Há um problema de saúde
civis grave, ligado especialmente à desnutrição e à falta de abrigo.
Há ainda o inverno, extremamente rigoroso, que chega daqui
bombeiros
a poucas semanas.
Paulo Daniel Farah. “Afeganistão enfrenta catástrofe”. Folha de S.Paulo,
19 set. 2001. Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/
Saiba mais fj1909200103.htm>.

Os pronomes “este”, “esta” e “isto” também são empregados quando No texto anterior, há palavras e expressões que estão
se quer dar ênfase ou quando se faz referência ao tema tratado. Na em relação sinonímica, a saber:
capa a seguir, o pronome refere-se ao ex-presidente estadunidense,
tema principal de CartaCapital da edição de 26 set. 2001. Problema principal refugiados internos
Divulgação

problema de saúde pessoas

desnutrição milhares de pessoas

A coesão por sinonímia permite não só estabelecer rela-


ções entre as partes do texto, como também obter informações
sobre os elementos envolvidos: o problema principal são os re-
fugiados internos, os quais passam por um problema de saúde
grave: a desnutrição.

Exemplo 7
Fernandinho Beira-Mar está preso, a mídia já não dá mais
destaque ao perigoso bandido.
No texto, “bandido” é hiperônimo de “Fernandinho Bei-
ra-Mar”, visto que este é parte daquele. Ademais, o termo
“perigoso” expressa um julgamento de valor acerca do tra-
ficante. Ou seja, além de informar, a coesão por sinonímia
permite ao enunciador emitir sua opinião sobre os seres e
fatos mencionados.

Coesão por conectivos


As conjunções, os pronomes relativos, os advérbios e as
preposições são operadores linguísticos que estabelecem
Fig. 3 Pronome dando ênfase.
conexão, coesão entre as partes do texto, além de dar dire-
ção argumentativa. O emprego inadequado dos conectivos
O pronome demonstrativo enfatiza o ex-presidente, além de assumir pode gerar incoerência, ambiguidade ou falta de clareza.
valor depreciativo.
Exemplo 8
Coesão sem coerência:
Coesão por sinonímia Comprei uma nova geladeira, mas é muito boa! há
A coesão por sinonímia ocorre por meio de sinônimos, coesão (com conectivo), mas não há coerência, pois não
FRENTE ÚNICA

expressões sinônimas ou quase sinônimas. A hiperonímia (o existe oposição.

239

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Exemplo 9 Pró-formas verbais
Coerência sem coesão:
Muitos políticos apropriam-se do que não é seu. Parcela
yy O ataque terrorista.
da população faz o mesmo.
yy A procura do autor intelectual.
yy O deslocamento das tropas. No exemplo anterior, o primeiro período é recuperado
yy A expectativa da guerra. por meio de uma expressão que faz uso do verbo “fazer”;
“faz o mesmo” significa apropriar-se do que não é seu.
As frases estão soltas, sem ligação (sem coesão, não há
conectivos que liguem as partes do texto), mas referem-se
a um único assunto (há coerência). Conectivos preposicionais (regente e
regido)
Exemplo 10 Regente é a palavra que comanda a preposição; regi-
Ambiguidade (distância entre regente e regido): do é a palavra comandada. Observe a manchete a seguir,
Toalha da francesa de plástico. coesão mal realizada: propositalmente alterada; o termo regente foi deslocado de
ambiguidade.
sua posição, afastando-se do regido, acarretando uma outra
Toalha de plástico da francesa. coesão.
interpretação.
Uma das metas é acelerar o término do secretário de 22
Exemplo 11
A direção argumentativa: grupos de trabalho.
Era inteligente porque estudava. causa. A interpretação sugere que o secretário tem seus dias
Era inteligente, logo estudava. conclusão. contados; todavia, essa interpretação não condiz com o
Era inteligente quando estudava. tempo. texto verdadeiro; veja os elementos que exercem o papel
Era inteligente se estudava. condição. de regentes e regidos.

Coesão por elipse Uma das metas é acelerar o término do secretário de 22


grupos de trabalho.
A elipse também é um marcador de coesão. Leia o
anúncio a seguir. Colocando o termo regido em sua posição original, te-
remos:
A maior empresa do ramo no Brasil.
Aliás, é a maior da América do Sul. Uma das metas do secretário é acelerar o término de 22
Anúncio em Carta Capital. grupos de trabalho.

Na segunda oração, temos a elipse de “empresa”; essa Veja este outro exemplo:
oração só pode ser entendida em coesão com a frase an- A ajuda deve ser intensificada aos menores abandonados.
terior. A elipse, contudo, pode criar, em certos casos, uma coesão prejudicada: distância entre regente e regido.
ambiguidade (elipse do sujeito da segunda oração). A ajuda aos menores abandonados deve ser intensificada.
• Os policiais civis atacaram os militares, pois estavam bê- coesão: contiguidade entre regente e regido.
bados. (Quem estava?).
• Os policiais civis atacaram os militares, pois estes estavam A distância entre regente e regido pode criar falta de
bêbados. (Os militares). clareza; incoerência, ambiguidades. A seguir, você lerá
um texto em que a coesão prejudica a clareza; procure
Coesão por meio de artigo descobrir no texto 1 os termos regidos que estão malposi-
(definitivação) cionados; em seguida, você terá a resposta.

José tinha um sonho. O sonho era ter um cavalo todo Texto 1: sem coesão
branco.
Em uma de suas colunas, o ombudsman reproduziu um
No primeiro período, empregou-se o artigo indefinido, trecho de uma do jornal Folha de S.Paulo notícia do Jornal e
pois não se sabia que sonho era esse; no segundo período, fez uma do Brasil crítica ao título notícia da mesma.
a colocação do artigo definido ocorre porque o sonho foi
especificado. No texto a seguir, há um problema de coesão. Texto 2: detectando o problema
Surgiu, em Pedras Altas, numa tarde de muito frio, o Em uma de suas colunas, o ombudsman reproduziu um
cavaleiro misterioso. Ninguém o conhecia... O cavaleiro cha- trecho de uma do jornal Folha de S.Paulo notícia do Jornal e
mava-se... fez uma do Brasil crítica ao título notícia da mesma.
Não se apresenta uma personagem com artigo defi-
nido; este ocorrerá apenas quando a personagem já tiver Texto 3: com coesão
sido mencionada.
Em uma de suas colunas, o ombudsman do jornal Folha
Surgiu, em Pedras Altas, numa tarde de muito frio, um cava- de S.Paulo reproduziu um trecho de uma notícia do Jornal do
leiro misterioso. Ninguém o conhecia... O cavaleiro chamava-se... Brasil e fez uma crítica ao título da mesma notícia.

240 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 10 Coesão

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A repetição de termos Texto 2
Assim que Lula chegou ao aeroporto, por volta das 14h,
Uma maneira de estabelecer a coesão entre as partes
em companhia de três ministros.
é repetir a palavra, a expressão ou mesmo uma oração;
esse recurso está presente principalmente na poesia. A oração subordinada adverbial temporal, “Assim que
Lula chegou ao aeroporto”, está sem a correspondente
XVIII
oração principal, provocando um problema de coesão. Veja
Quem me dera que eu fosse o pó da estrada agora com a oração principal:
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...
Assim que Lula chegou ao aeroporto, por volta das 14h,
em companhia de três ministros, ocorreu uma manifestação
Quem me dera que eu fosse os rios que correm
contrária à viagem do presidente.
E as lavadeiras estivessem à minha beira...
[...]
Texto 3
Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse... No Haiti, os soldados brasileiros esperavam que o povo
elegesse pacificamente o presidente e a não intervenção dos
Antes isso que ser o que atravessa a vida rebeldes na eleição.
Olhando para trás de si e tendo pena...
Fernando Pessoa. Ficções do Interlúdio I: Poemas completos de Alberto No texto 3, a conjunção aditiva “e” deve coordenar
Caeiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. p. 58.
elementos de igual função, o que não ocorre no texto; nes-
Na prosa, desde que não prejudique o estilo, também te, o “e” está ligando uma oração (que o povo elegesse
é possível esse tipo de coesão: pacificamente o presidente) a um sintagma nominal (a não
intervenção dos rebeldes na eleição). Observe a correção:
— Queria, sinceramente, um vinho; mas um vinho bom,
do Porto! No Haiti, os soldados brasileiros esperavam que o povo
Mataram o chargista Glauco. Glauco se foi, mas sua obra elegesse pacificamente o presidente e que os rebeldes não
ficou. interviessem na eleição.

A coesão entre as estruturas – A coesão entre os textos –


o paralelismo sintático a intertextualidade
O paralelismo sintático ocorre quando uma mesma estru- Leia os textos a seguir, há uma relação intertextual en-
tura sintática é repetida, ou quando se observa uma relação tre eles.
de dependência sintática entre dois elementos; quando um Texto 1
desses elementos está ausente, teremos uma quebra de Oh! que saudades que eu tenho
paralelismo sintático. Da aurora da minha vida.
Texto 1 Da minha infância querida
– E belo porque com o novo Que os anos não trazem mais.
todo o velho contagia. [...]
– Belo porque corrompe Casimiro José Marques de Abreu. “Meus oito anos”. In: As primaveras. 2 ed.
Lisboa: Typ. do Panorama, 1867. p. 17.
com sangue novo a anemia.
– Infecciona a miséria Texto 2
com vida nova e sadia.
Ai, que saudade que eu tenho
– Com oásis, o deserto,
Dos meus doze anos
com ventos, a calmaria. Que saudade ingrata
João Cabral de Melo Neto. Morte e vida Severina. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2006. p. 85.
Dar banda por aí
Fazendo grandes planos
No texto anterior, o paralelismo sintático está presente E chutando lata
na reiteração das orações coordenadas e dos adjuntos [...]
adverbiais iniciados pela preposição “com”; esse proce- Chico Buarque. “Doze anos”. Intérpretes: Chico Buarque; Moreira da Silva. In:
Ópera do Malandro. Universal, 1979. Faixa 6. © Marola Edições Musicais.
dimento, no nível semântico, visa ao convencimento de
que a vida vale a pena, o ser que nasce representa a O segundo texto recupera o primeiro, utilizando estruturas
esperança. sintáticas e vocábulos deste; esse tipo de coesão denomina-
-se intertextualidade. Há a intertextualidade, mas não ocorre o
Leia o texto a seguir, ele apresenta uma quebra de mesmo discurso (interdiscursividade), a visão sobre a infância
paralelismo. é diferente; em Chico, não há a idealização romântica.
FRENTE ÚNICA

241

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Revisando
Texto para as questões de 1 a 10. 2 Um dos anafóricos também faz o papel de catafórico.
Explique como isso ocorre.
Poema de Sete Faces

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. 

As casas espiam os homens 3 Em “mas essa lua/ mas esse conhaque”, o demonstra-
que correm atrás de mulheres. tivo e o conectivo “mas” exercem um papel semântico
A tarde talvez fosse azul, em relação aos substantivos “lua” e “conhaque”. Que
não houvesse tantos desejos.
papel é esse?
O bonde passa cheio de pernas: 
pernas brancas pretas amarelas. 
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu 
coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada. 4 Explique o valor semântico do conectivo “porém” e
substitua-o por outro de mesmo sentido.
O homem atrás do bigode Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu co-
é sério, simples e forte. ração.
Quase não conversa. Porém meus olhos
Tem poucos, raros amigos não perguntam nada.
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste 
se sabias que eu não era Deus 
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,


5 Considere o seguinte excerto:
se eu me chamasse Raimundo As casas espiam os homens
seria uma rima, não seria uma solução. que correm atrás de mulheres.
Mundo mundo vasto mundo A tarde talvez fosse azul,
mais vasto é meu coração. não houvesse tantos desejos.

Eu não devia te dizer O bonde passa cheio de pernas.


mas essa lua
mas esse conhaque Nesse fragmento, o autor emprega uma linguagem
botam a gente comovido como o diabo. que se aproxima de uma escola de pintura. Justifique
Carlos Drummond de Andrade. Alguma Poesia, Rio de Janeiro:
Record. © Graña Drummond. www.carlosdrummond.com.br.
essa afirmativa.

gauche: termo francês, que quer dizer torto, desajeitado.


1 Considere a passagem a seguir.

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. 6 Que contribuição o paralelismo sintático observado
no trecho a seguir traz à estética (componente artísti-
As casas espiam os homens co, recursos expressivos) do texto (nos planos sonoro
que correm atrás de mulheres. e semântico)?

Cite dois elementos anafóricos empregados pelo au- se sabias que eu não era Deus
tor e as palavras por eles recuperadas. se sabias que eu era fraco.

 
 
 
 

242 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 10 Coesão

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7 Empregue um conectivo que una os dois versos e que 9 Considere o seguinte excerto:
mantenha a mesma ideia. Aponte o valor semântico dele.
[...] o homem atrás dos óculos e do bigode.
A tarde talvez fosse azul,
Que palavra está elíptica? Qual a função dessa elipse
não houvesse tantos desejos.
para a frase?




 

10 Identifique no trecho a seguir uma elipse e reduza a
8 Em “Meu Deus, por que me abandonaste/se sabias oração subordinada “Quando nasci”.
que eu não era Deus”, o autor emprega a palavra
Quando nasci, um anjo torto
Deus com dois sentidos diferentes; quais são? desses que vivem na sombra
 disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
 
 
 

Exercícios propostos
1 AFA Leia. e promovem a coesão textual. Nesse trecho, refe-
re-se à(s):
A ilusão de uma verdade puramente exterior, exis-
a liberdade outrora reclamada aos brados.
tindo a priori e sem a participação do indivíduo na
b acomodação do jornalista no presente, advinda de
sua realidade intrínseca, entrou a dominar a literatura
percalços e frustrações do passado.
europeia[...]. A imaginação perdeu seu poder temporal
c dívidas e à renda ordinária provinda do jornal, com
e suas prerrogativas absolutas; as construções que não
a qual Gondim se contenta atualmente.
tinham por base o documento principiavam a vacilar,
d dívidas geradas pelo salário mofino que Gondim
e a observação limitou o terreno da fantasia, nivelou-
recebe do jornal, com o qual se conforma nesse
-lhe a superfície irregular, marcou-lhe(1) as dimensões
momento da vida, apesar de ter protestado no
e determinou-lhe(2) os confins, reduzindo-o(3) a uma
passado.
porção insignificante e quase desprezível.
Ronaldo de Carvalho. Pequena história da literatura brasileira. 13 ed.
Belo Horizonte: Itatiaia, 1984. p. 229. 3 AFA Leia.
Observando-se o emprego dos pronomes assinalados, São Bernardo faz interagir, como num jogo, dois mo-
1, 2 e 3, no processo coesivo do texto, dir-se-á que: dos de focalizar a narrativa: de um lado o modo próprio,
a 1, 2 e 3 retomam a expressão “terreno da fantasia”. autossuficiente e pragmático do fazendeiro; de outro, o
b 1 e 2 retomam “superfície”, 3 retoma “dimensões”. modo de narrar de Paulo Honório-escritor, feito de he-
c 1 retoma “superfície”; 2 retoma “dimensões”; 3 re- sitações, dúvidas e interrogações, as quais ele partilha
toma “confins”. com o leitor. A dupla focalização se explica pelos tempos
d 1 retoma “terreno da fantasia”; 2 retoma “dimen- diferentes em que um e outro se encontram.
Lúcia H. Vianna. Roteiro de leitura: São Bernardo de Graciliano Ramos.
sões”; 3 retoma “confins”.
Os termos em negrito, as quais, ele e um e outro, res-
2 AFA Leia este fragmento de São Bernardo, atentando gatam, respectivamente, estes elementos do excerto:
para o pronome destacado. a “interrogações”; “escritor”; “modos de focalizar a
narrativa”.
Azevedo Gondim reclamava liberdade, aos gritos.
b “modos de focalizar a narrativa”; “Paulo Honório”;
Contenta-se hoje com a renda mofina do jornal e deve os
“escritor” e “leitor”.
cabelos da cabeça. Conforma-se com isso.
c “dúvidas e interrogações”; “fazendeiro”; “fazendei-
Graciliano Ramos. São Bernardo.
ro” e “escritor”.
O pronome em questão faz parte do grupo de instru- d “hesitações, dúvidas e interrogações”; “Paulo Ho-
mentos linguísticos que retomam partes do discurso nório-escritor”; “escritor” e “fazendeiro”.
FRENTE ÚNICA

243

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memória para que o horror não se repita. Palavras são a
4 Fuvest
primeira arma das vítimas de tentativas de extermínio, às
vezes a única, e é preciso chegar a um modo eficiente –
25 que não se resuma a slogans com vocabulário chancelado
– para que elas não traiam a natureza do que se viveu.
Ou seja, é preciso saber narrar. Discursos facilmente
se banalizam, tornam-se solenes, sentimentais em excesso,
causando o efeito contrário do que pretendem. Chegar à
30 sensibilidade do público, causando empatia, desconforto e
revolta ativa, o que é objetivo de qualquer militância anti-
violência, demanda não apenas reproduzir a verdade dos
fatos. A mensagem não é nada sem um receptor disposto
a entendê-la, por mais pungentes* que sejam as vítimas.
35 Como isso não é comum, o que ocorreu em 1994
continua sendo apenas um item numa lista atempo-
ral e universal de genocídios, holocaustos, limpezas,
Business Intercontinental da Iberia. extermínios, calamidades, aniquilações, massacres e gut-
Mais espaço entre as poltronas sembatsembas.
Michel Laub. Adaptado de Folha de S. Paulo, 09/05/2014.

Viajar virou sinônimo de relaxar. Principalmen-


*pungentes: comoventes
te quando você tem à sua disposição uma poltrona de
A mensagem não é nada sem um receptor disposto
design ergonômico com maior capacidade para reclinar e
a entendê-la, por mais pungentes que sejam as víti-
132 cm de espaço entre a sua poltrona e a da frente. Além
disso, você conta com mais de 300 salas VIP em aeroportos
mas. (l. 33-34)
no mundo todo e pode acumular e utilizar pontos no seu Reescreva o trecho acima, substituindo o conectivo da
programa de milhagens voando com qualquer linha aérea parte sublinhada por outro de mesmo sentido e fazen-
da Oneworld. Business Intercontinental da Iberia. Sorria. do as adaptações necessárias. Em seguida, aponte o
sentido estabelecido pelo conectivo empregado.
Nesse anúncio, a imagem fotográfica associa-se dire-
tamente à palavra sorria e à expressão: 6 EBMSP 2016 Um dos maiores problemas das cidades
a “mais de 300 salas VIP”. grandes é a solidão. Quanto maior a cidade, maior o iso-
b “acumular e utilizar pontos”. lamento das pessoas de todas as idades, principalmente
c “Mais espaço entre as poltronas”. as idosas, cujos filhos ou parentes partiram em busca de
d “aeroportos no mundo todo”. 5 suas próprias vidas. Os filhos casam, os parceiros viajam
e “programa de milhagens”. antes do tempo normal, ocorrem divórcios e separações
pelo desgaste dos relacionamentos, e assim por diante.
5 Uerj 2016 Percebendo ou não, sofrendo ou não, um dia a gente se
surpreende morando só. Todos conhecem as vantagens e
NOMES DO HORROR 10 desvantagens da solidão. A liberdade, o direito de esco-
Uma reportagem de Philip Gourevitch na revista New lher o livro, o programa de televisão, o filme, o que fazer
Yorker mostra como, vinte anos depois da guerra de Ruan- nas horas vagas, sem o inconveniente de outras pessoas
da, ocorrida em 1994, quando hutus assassinaram 800 mil exercendo também o mesmo direito, num mesmo am-
tutsis em cem dias, ainda é difícil chegar a um consenso biente, atrapalhando nosso desfrute. As desvantagens são
5 sobre como chamar o que aconteceu. 15 incontáveis, talvez em maior número. Não ter com quem
O país discute se a melhor palavra para tanto está na dividir os sentimentos é o mais premente. Uma colega de
língua local, na língua dos colonizadores, se basta pre- trabalho me relatou que o maior sonho de sua vida seria
cisão verbal (“gutsemba”, “massacrar”) ou se é preciso alugar alguns filmes e passar uns três dias em casa. Ma-
a redundância de um neologismo (“gutsembatsemba”, rido e filha não permitem. Fiz a experiência, ou melhor,
10 “massacrar radicalmente”) para descrever os atos de uma 20 tentei. Uma coisa é ver um filme no cinema, em casa
tragédia absoluta. não tem graça. E quando tentei a solidão experimental,
Debates semelhantes acompanham qualquer trauma permanecendo um fim de semana em casa, foi também a
coletivo. Há grupos judaicos que rejeitam a expressão
pior experiência. Caiu de vez a tese que tentava defender
consagrada “holocausto”, com seu caráter sacrificial,
que a gente pode viver bem, sem depender de ninguém.
15 de expiação de pecados, em nome da menos ambígua
25 Na verdade, a solidão é boa em algumas circunstâncias,
“shoah” (“calamidade”, “aniquilação”). Na Turquia, ainda
ruim em outras. Num determinado momento pode ser
é tabu usar “genocídio” para a matança armênia iniciada
em 1915. No Brasil, dá-se algo semelhante na luta pelo conveniente, mas já me convenci de que não deve ser
reconhecimento do que foi e é praticado contra comunida- adotada como estilo de vida.
20 TINÉ, Flávio. “Solidão experimental”. Disponível em: <www.blogdotine.
des indígenas. De qualquer forma, são batalhas pequenas
blogspot.com.br/2014/ 12/solidao- experimental.html>.
dentro de uma guerra longa e difícil, de transmissão da Acesso em: 25 ago. 2015. (Adapt.)

244 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 10 Coesão

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Considerando-se os elementos que garantem a pro- Texto para as questões 8 e 9.
gressão textual é correto afirmar:
O homem deve reencontrar o Paraíso...
a O conectivo presente em “Quanto maior a cidade”
(l. 2) introduz uma ideia de comparação, que será Rubem Alves
concluída no fragmento “maior o isolamento das Era uma família grande, todos amigos. Viviam como
pessoas de todas as idades.” (l. 2-3). todos nós: moscas presas na enorme teia de aranha que é
b O pronome relativo “cujos”, em “cujos filhos” (l. 4), a vida da cidade. Todos os dias a aranha que é a vida da
retoma a expressão “pessoas de todas as idades” cidade. Todos os dias a aranha lhes arrancava um pedaço.
(l. 3), estabelecendo uma ideia de posse. Ficaram cansados. Resolveram mudar de vida: um sonho
c A expressão “ou melhor” (l. 19) dá progressão temá- louco: navegar! Um barco, o mar, o céu, as estrelas, os
tica ao texto, indicando uma justificativa do que foi horizontes sem fim: liberdade. Venderam o que tinham,
declarado anteriormente. compraram um barco capaz de atravessar mares e sobre-
d O elemento coesivo “que”, nas duas ocorrências, em viver tempestades.
“que tentava defender que a gente pode viver bem” (l. Mas para navegar não basta sonhar. É preciso saber.
23-24), é um termo que apresenta diferentes funções, São muitos os saberes necessários para se navegar. Pu-
seram-se então a estudar cada um aquilo que teria de
na medida em que o primeiro retoma o substantivo
fazer no barco: manutenção do casco, instrumentos de
“tese” (l. 23), e o segundo introduz um complemento
navegação, astronomia, meteorologia, as velas, as cordas,
verbal, permitindo concluir que as classes gramaticais
as polias e roldanas, os mastros, o leme, os parafusos, o
a que um e outro pertencem são distintas.
motor, o radar, o rádio, as ligações elétricas, os mares, os
e A conjunção “mas” (l. 27) introduz uma informação
mapas... Disse certo o poeta: Navegar é preciso, a ciência
contrária, rejeitando a afirmação anterior sobre a
da navegação é saber preciso, exige aparelhos, números
importância da solidão no cotidiano das pessoas
e medições. Barcos se fazem com precisão, astronomia
que vivem na cidade grande.
se aprende com o rigor da geometria, velas se fazem com
saberes exatos sobre tecidos, cordas e ventos, instrumentos
7 EBMSP 2018 Preconceitos fazem parte de uma vida in- de navegação não informam mais ou menos. Assim, eles se
feliz. É verdade que eles fazem parte da vida na qual há tornaram cientistas, especialistas, cada um na sua – juntos
preconceitos de todo tipo, sempre desproporcionais em para navegar.
relação às diferenças, à singularidade. Uma vida que se Chegou então o momento de grande decisão – para
autoquestiona eticamente é aquela que tenta entender onde navegar. Um sugeria as geleiras do sul do Chile,
e superar preconceitos. Em geral, nessa superação, en- outro os canais dos fiordes da Noruega, um outro queria
contramos com a novidade da singularidade. É ela, essa conhecer os exóticos mares e praias das ilhas do Pacífi-
condição diferente e única própria de cada pessoa, que co, e houve mesmo quem quisesse navegar nas rotas de
devemos respeitar universalmente. Em um aspecto pro- Colombo. E foi então que compreenderam que, quando o
fundo é o autoquestionamento ético que, ao nos ajudar a assunto era a escolha do destino, as ciências que conhe-
superar preconceitos, nos leva à felicidade. ciam para nada serviam.
TIBURI, Márcia. Infelicidades contemporâneas. Disponível em:
<https://revistacult.uol.com.br>. Acesso em: ago. 2017.
De nada valiam, tabelas, gráficos, estatísticas. Os
computadores, coitados, chamados a dar seu palpite,
Considerando-se os aspectos coesivos que mantêm a ficaram em silêncio. Os computadores não têm preferên-
progressão temática do texto, é correto afirmar: cias – falta-lhes essa sutil capacidade de gostar, que é a
a O conectivo “que”, em “É verdade que eles fazem essência da vida humana. Perguntados sobre o porto de
parte da vida”, dá continuidade às ideias do texto, sua escolha, disseram que não entendiam a pergunta, que
ao introduzir a oração que funciona como sujeito não lhes importava para onde se estava indo.
de “É verdade”. Se os barcos se fazem com ciência, a navegação faz-se
b O pronome pessoal “eles”, em “É verdade que eles com sonhos. Infelizmente a ciência, utilíssima, especialista
fazem parte da vida”, faz uma referência catafórica em saber como as coisas funcionam, tudo ignora sobre o
ao termo “preconceitos de todo tipo”, prenuncian- coração humano. É preciso sonhar para se decidir sobre o
do uma reflexão sobre um viés temático ainda não destino da navegação. Mas o coração humano, lugar dos
apresentado e tratado a seguir. sonhos, ao contrário da ciência, é coisa preciosa. Disse
c O relativo “[n]a qual”, em “fazem parte da vida na qual certo poeta: Viver não é preciso. Primeiro vem o impreciso
há preconceitos”, resgata a palavra “parte”, caracteri- desejo. Primeiro vem o impreciso desejo de navegar. Só
zando-a a partir de um aspecto que lhe é inerente. depois vem a precisa ciência de navegar.
d O demonstrativo “aquela”, em “Uma vida que se au- Naus e navegação têm sido uma das mais podero-
toquestiona eticamente é aquela que tenta entender”, sas imagens na mente dos poetas. Ezra Pound inicia seus
retoma a expressão “vida infeliz”, a fim de caracterizá-la Cânticos dizendo: E pois com a nau no mar/ assestamos a
como uma prática incessante de autoconhecimento. quilho contra as vagas... Cecília Meireles: Foi, desde sem-
FRENTE ÚNICA

e O elemento coesivo pronominal “ela”, em “É ela, essa pre, o mar! A solidez da terra, monótona/ parece-nos fraca
condição diferente e única própria de cada pessoa”, ilusão! Queremos a ilusão do grande mar / multiplicada
refere-se ao vocábulo “superação”, recuperando-o em suas malhas de perigo. E Nietzsche: Amareis a terra de
para ressaltar a única condição de uma existência feliz. vossos filhos, terra não descoberta, no mar mais distante.

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Que as vossas velas não se cansem de procurar esta terra! Depois aprendem a ciência da navegação. É inútil ensinar a
O nosso leme nos conduz para a terra dos nossos filhos... ciência da navegação a quem mora nas montanhas.
Viver é navegar no grande mar! O meu sonho para a educação foi dito por Bachelard:
Não só os poetas: C. Wright Mills, um sociólogo sábio, O universo tem um destino de felicidade. O homem deve
comparou a nossa civilização a uma galera que navega reencontrar o Paraíso. O paraíso é o jardim, lugar de felici-
pelos mares. Nos porões estão os remadores. Remam com dade, prazeres e alegrias para os homens e mulheres. Mas
precisão cada vez maior. A cada novo dia recebem novos, há um pesadelo que me atormenta: o deserto. Houve um
mais perfeitos. O ritmo das remadas acelera. Sabem tudo momento em que se viu, por entre as estrelas, um brilho
sobre a ciência do remar. A galera navega cada vez mais chamado progresso. Está na bandeira nacional... E, quilha
rápido. Mas, perguntados sobre o porto do destino, res- contra as vagas, a galera navega em direção ao progresso,
pondem os remadores: O porto não nos importa. O que a uma velocidade cada vez maior, e ninguém questiona a
importada é a velocidade com que navegamos. direção. E é assim que as florestas são destruídas, os rios se
C. Wright Mills usou esta metáfora para descrever a transformam em esgotos de fezes e veneno, o ar se enche de
nossa civilização por meio duma imagem plástica: multi- gases, os campos se cobrem de lixo – e tudo ficou feio e triste.
plicam-se os meios técnicos e científicos ao nosso dispor, Sugiro aos educadores que pensem menos nas tecno-
que fazem com que as mudanças sejam cada vez mais logias do ensino – psicologias e quinquilharias – e tratem
rápidas; mas não temos ideia alguma de para onde navega- de sonhar, com os seus alunos, sonhos de um Paraíso.
mos. Para onde? Somente um navegador louco ou perdido Obs.: O texto foi adaptado às regras do Novo Acordo
navegaria sem ter ideia do para onde. Em relação à vida da Ortográfico.
sociedade, ela contém a busca de uma utopia. Utopia, na Ficaram cansados. Resolveram mudar de vida: um
linguagem comum, é usada como sonho impossível de ser sonho louco: navegar! Um barco, o mar, o céu, as es-
realizado. Mas não é isso. Utopia é um ponto inatingível trelas, os horizontes sem fim: liberdade. Venderam o
que indica uma direção. que tinham, compraram um barco capaz de atraves-
Mário Quintana explicou a utopia com um verso: Se sar mares e sobreviver tempestades.
as coisas são inatingíveis... ora!/ não é um motivo para não
querê-las... Que tristes os caminhos, se não fora/ A mágica
presença das estrelas! Karl Mannheim, outro sociólogo sá-
8 Efomm 2018 No que diz respeito ao mecanismo de
bio que poucos leem, já na década de 1920 diagnosticava coesão textual, quanto à retomada, o recurso que pre-
a doença da nossa civilização: Não temos consciência de domina na passagem acima é:
direções, não escolhemos direções. Faltam-nos estrelas a a repetição propriamente dita.
que nos indiquem o destino. b a hiperonímia.
Hoje, ele dizia, as únicas perguntas que são feitas, c a sinonímia.
determinadas pelo pragmatismo da tecnologia (o impor- d o paralelismo.
tante é produzir o objeto) e pelo objetivismo da ciência (o e a elipse.
importante é saber como funciona), são: Como posso fazer
tal coisa? Como posso resolver este problema concreto em 9 Efomm 2018 A partir da análise da função que os me-
particular? E conclui: E em todas essas perguntas sentimos canismos coesivos exercem na construção do texto,
o eco intimista: não preciso de me preocupar com o todo, assinale a alternativa incorreta.
ele tomará conta de si mesmo. a Assim eles se tornaram cientistas, especialistas,
Em nossas escolas é isso que se ensina: a precisa ciên-
cada um na sua (...). O termo destacado caracte-
cia da navegação, sem que os estudantes sejam levados a
riza-se como uma coesão sequencial, indicando
sonhar com as estrelas. A nau navega veloz e sem rumo.
conclusão em relação ao que foi dito na oração
Nas universidades, essa doença assume a forma de pes-
te epidêmica: cada especialista se dedica, com paixão e anterior.
competência, a fazer pesquisas sobre o seu parafuso, sua b Perguntados sobre o porto de sua escolha, disse-
polia, sua vela, seu mastro. ram que não entendiam a pergunta (...). A palavra
Dizem que seu dever é produzir conhecimento. Se fo- destacada é um pronome relativo que dá sequên-
rem bem-sucedidas, suas pesquisas serão publicadas em cia ao texto.
revistas internacionais. Quando se lhes pergunta: Para onde c Primeiro vem o impreciso desejo (...). Só depois vem
seu barco está navegando?, eles respondem: Isso não é cien- a precisa ciência de navegar. Os termos destaca-
tífico. Os sonhos não são objetos de conhecimento científico. dos assinalam sequências temporais relacionadas
E assim ficam os homens comuns abandonados por à organização textual.
aqueles que, por conhecerem mares e estrelas, lhes po- d Sugiro aos educadores que pensem menos nas
deriam mostrar o rumo. Não posso pensar a missão das
tecnologias do ensino - psicologias e quinqui-
escolas, começando com as crianças e continuando com
lharias - (...). O termo destacado estabelece uma
os cientistas, como outra que não a da realização do dito
poeta: Navegar é preciso. Viver não é preciso.
coesão referencial, ou melhor, ele retoma a expres-
É necessário ensinar os precisos saberes da navegação são tecnologias do ensino.
enquanto ciência. Mas é necessário apontar com imprecisos e Resolveram mudar de vida: um sonho louco: na-
sinais para os destinos da navegação: A terra dos filhos dos vegar. Há um termo elíptico no fragmento que
meus filhos, no mar distante... Na verdade, a ordem verda- estabelece uma coesão referencial, isto é, o termo
deira é a inversa. Primeiro, os homens sonham com navegar. elíptico retoma aos integrantes da família.

246 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 10 Coesão

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10 Mackenzie Leia. É um feito e tanto, sem dúvida. Paradoxalmente,
porém, o próprio sucesso do americano Craig Venter e de
– Meus amigos, são essas as condições:
seus colegas deixa claro o quanto ainda falta para que a
a. não pode repetir o ano; humanidade domine os segredos da vida. Cerca de um
b. não pode conversar; terço do DNA da nova bactéria (apelidada de syn3.0) foi
c. não pode nada; colocado lá por puro processo de tentativa e erro – os cien-
No texto, observa-se o uso indevido: tistas não fazem a menor ideia do porquê ele é essencial.
a do ponto e vírgula. Folha de S. Paulo, 26/03/2016.
b do pronome “essas”.
c dos itens a, b, c. O texto informativo acima, que apresenta ao público a
d da dupla negação. criação de uma bactéria apenas com genes essenciais
e do vocativo. à vida, contém vários conectivos, propositadamente
destacados. Pode-se afirmar que
a para inicia uma oração adverbial condicional, pois
11 Enem 2013 Gripado, penso entre espirros em como a pa-
restringe o genoma à condição de bactéria.
lavra gripe nos chegou após uma série de contágios entre
b e introduz uma oração coordenada sindética aditi-
línguas. Partiu da Itália em 1743 a epidemia de gripe
va, pois adiciona o projeto à instalação do genoma.
que disseminou pela Europa, além do vírus propriamen-
c como introduz uma oração adverbial conformativa,
te dito, dois vocábulos virais: o italiano “influenza” e o
francês “gripe”. O primeiro era um termo derivado do la- pois exprime acordo ou conformidade de um fato
tim medieval “influentia”, que significava “influência dos com outro.
astros sobre os homens”. O segundo era apenas a forma d porém indica concessão, pois expressa um fato
nominal do verbo “gripper”, isto é, “agarrar”. Supõe-se que se admite em oposição ao da oração principal.
que fizesse referência ao modo violento como o vírus se e para que exprime uma explicação: falta muito para
apossa do organismo infectado. a humanidade dominar os segredos da vida.

Para se entender o trecho como uma unidade de sen- O texto a seguir refere-se às questões de 14 a 19.
tido, é preciso que o leitor reconheça a ligação entre
seus elementos. Nesse texto, a coesão é construída
predominantemente pela retomada de um termo por
outro pelo uso da elipse. O fragmento do texto em
que há coesão por elipse do sujeito é:
a “[...] a palavra gripe nos chegou após uma série de
contágios entre línguas.”
b “[...] “Partiu da Itália em 1743 a epidemia de gripe [...]”.
c “[...] “O primeiro era um termo derivado do latim
LEITE

medieval “influentia”, que significava ‘influência dos


astros sobre os homens’.”
d “O segundo era apenas a forma nominal do verbo
“gripper” [...]”.
e “Supõe-se que fizesse referência ao modo violento
como o vírus se apossa do organismo infectado.”

12 Mackenzie Leia.
O garoto pedia tudo, até o que não via:
– Pai, eu quero um avião de guerra, de verdade. 1. É natural que você pense que o Leite Longa Vida tenha
– Eu lho dou, assim que tiver vinte anos. alguma coisa. Afinal, os de saquinho duram um ou
dois dias e o Leite Longa Vida dura meses. Isto por-
No texto citado, o pronome “lho” recupera: que ele não tem bactérias.
a o garoto. 2. Como ele não tem bactérias, o Leite Longa Vida não
b tudo. precisa de aditivos nem de conservantes [...].
c o avião. 3. Você não deve desconfiar quando um leite é tudo
d o avião e o garoto. isso.
e tudo e o garoto. 4. Você deve desconfiar quando um leite não é nada
disso.
13 EsPCEx 2017 Pela primeira vez na história, pesquisadores 5. Pensando bem, você nem precisa agradecer o fato
FRENTE ÚNICA

conseguiram projetar do zero o genoma de um ser vivo do Leite Longa Vida fazer tudo isso por você.
(uma bactéria, para ser mais exato) e ‘instalá-lo’ com su- 6. Porque, no fundo, isso não é mais que uma obrigação
cesso numa célula, como quem instala um aplicativo no do Leite Longa Vida.
celular. 7. Beba leite. Este.

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14 No primeiro parágrafo, observa-se:
a mau uso do “porque”.
b mau uso do “isto”.
c mau uso do “os”.
d mau uso do “ele”.
e mau uso do “você”.

15 O conectivo “como” (2o parágrafo) introduz uma ideia de:


a conformidade.
b comparação.
c causa.
d consequência.
e modo.

16 A que se referem os pronomes demonstrativos em 3 e 4?

17 Em “isso não é mais que uma obrigação” (6o parágrafo), o demonstrativo refere-se a:
a leite puro e nutritivo.
b fazer tudo isso.
c Leite Longa Vida.
d obrigação.
e obrigado por não ter aditivos.

18 Explique o uso do demonstrativo “este” (7o parágrafo).

19 No quinto parágrafo, há um erro de sintaxe. Identifique-o e faça a correção.

20 Fuvest 2015 E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados.
Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente
do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara
nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar
gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra
verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhan-
do-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir
dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva
daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço.

O conceito de hiperônimo (vocábulo de sentido mais genérico em relação a outro) aplica-se à palavra “planta” em
relação a “palmeira”, “trevos”, “baunilha” etc., todas presentes no texto. Tendo em vista a relação que estabelece com
outras palavras do texto, constitui também um hiperônimo a palavra:
a “alma”
b “impressões”
c “fazenda”
d “cobra”
e “saudade”

21 IFPE 2019
COMO A DESIGUALDADE PODE ESTAR IMPULSIONANDO AS SELFIES SENSUAIS
O que está por trás do fenômeno da selfie sexy? A obsessão online que vivemos hoje tem sido vinculada à vaidade e até
à opressão de gênero. Mas esse poderia ser também um comportamento guiado pela economia
(1) Uma imagem vale mais que mil palavras. Da mesma forma, parece que há mais por trás das selfies do que pode
parecer à primeira vista. A obsessão online que vivemos hoje tem sido vinculada à vaidade e até à opressão de gênero. Mas
poderia ser também um comportamento guiado pela economia?
(2) Asma Elbadawi é uma artista visual de origem inglesa e sudanesa. Ela acha que o capitalismo moderno impulsiona
as mulheres a se fotografarem como objetos de desejo. Recentemente, ela postou uma selfie no Instagram com desenhos

248 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 10 Coesão

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no rosto, lembrando as marcas feitas em pacientes antes de uma cirurgia plástica. Elbadawi, ativista reconhecida pelo em-
poderamento de jovens muçulmanas, afirma que sua intenção era usar a linguagem de cartazes publicitários, criando uma
mensagem irônica.
(3) O trabalho de Elbadawi levanta uma questão interessante. Conquistas femininas possibilitaram às mulheres denunciarem
tudo que as objetifica, desde a cantada na rua até a cultura machista do teste de fidelidade de programas de auditório. Apesar
disso, a disseminação das redes sociais faz com que sejamos bombardeados com imagens sexualizadas de mulheres. Por quê?
(4) Khandis Blake, psicóloga na Universidade de New South Wales, em Sydney, pesquisa o que a sexualização das mu-
lheres pode nos dizer sobre as sociedades. Segundo ela, as selfies são geralmente tiradas como um sinal de discriminação
de gênero. Ou seja, as mulheres tiram selfies porque elas sentem que precisam parecer atraentes para os homens.
(5) Mas, além disso, a última pesquisa de Blake encontrou um aspecto econômico. O resultado é que o fenômeno da
selfie sexy é mais prevalente em países educados e desenvolvidos, afirma Blake. “São as mesmas sociedades que passaram
décadas lutando contra a objetificação sexual de mulheres e garotas – e que estão fazendo com que homens poderosos
expliquem seu comportamento em relação a mulheres”.
(6) Para entender essa aparente contradição, a equipe da psicóloga avaliou indicadores econômicos e de gênero nesses
países e descobriu que as mulheres são mais propensas a investir tempo e esforço em tirar e postar selfies sexy em países
onde a desigualdade econômica está subindo.
(7) Isso explicaria, segundo ela, por que os Estados Unidos, Reino Unido e Cingapura – onde a desigualdade de renda está
aumentando – estão entre os países mais viciados em selfies, juntamente com um conjunto de países menos desenvolvidos
mas muito desiguais – como Brasil, México e Colômbia.
UCHOA, P. #Instaperfect: como a desigualdade pode estar impulsionando as selfies sensuais. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-45416858.
Acesso em: 25 set. 2018 (adaptado).

Releia o 2º parágrafo do texto.


Asma Elbadawi é uma artista visual de origem inglesa e sudanesa. Ela acha que o capitalismo moderno impulsiona as
mulheres a se fotografarem como objetos de desejo. Recentemente, ela postou uma selfie no Instagram com dese-
nhos no rosto, lembrando as marcas feitas em pacientes antes de uma cirurgia plástica. Elbadawi, ativista reconhecida
pelo empoderamento de jovens muçulmanas, afirma que sua intenção era usar a linguagem de cartazes publicitários,
criando uma mensagem irônica.

O principal referente desse trecho é “Asma Elbadawi”. Para manter esse referente no texto, lançou-se mão de alguns
recursos coesivos, sendo o mais recorrente deles
a o apagamento do sujeito, como em “afirma que sua intenção era...”.
b a retomada por meio de pronomes, como em “ela acha...” e “ela postou...”.
c o uso de aposto explicativo, a exemplo de “ativista reconhecida pelo empoderamento de jovens muçulmanas”.
d o emprego da forma nominal gerúndio, como, por exemplo, “lembrando as marcas...” e “criando uma mensagem...”.
e a retomada nominal pelo sobrenome, a exemplo de “Elbadawi, ativista reconhecida”.

22 Efomm 2019
Passeio à Infância
Primeiro vamos lá embaixo no córrego; pegaremos dois pequenos carás dourados. E como faz calor, veja, os lagostins saem
da toca. Quer ir de batelão, na ilha, comer ingás? Ou vamos ficar bestando nessa areia atravessa a água rasa? Não catemos
pedrinhas redondas para atiradeira, porque é urgente subir no morro; os sanhaços estão bicando os cajus maduros. É janeiro,
grande mês de janeiro!
Podemos cortar folhas de pita, ir para o outro lado do morro e descer escorregando no capim até a beira do açude. Com
dois paus de pita, faremos uma balsa, e, como o carnaval é no mês que vem, vamos apanhar tabatinga para fazer formas de
máscaras. Ou então vamos jogar bola-preta: do outro lado do jardim tem um pé de saboneteira.
Se quiser, vamos. Converta-se, bela mulher estranha, numa simples menina de pernas magras e vamos passear nessa
infância de uma terra longe. É verdade que jamais comeu angu de fundo de panela?
Bem pouca coisa eu sei: mas tudo que sei lhe ensino. Estaremos debaixo da goiabeira; eu cortarei uma forquilha com o
canivete. Mas não consigo imaginá-la assim; talvez se na praia ainda houver pitangueiras... Havia pitangueiras na praia? Tenho
uma ideia vaga de pitangueiras junto à praia. Iremos catar conchas cor-de-rosa e búzios crespos, ou armar o alçapão junto do
brejo para pegar papa-capim. Quer? Agora devem ser três horas da tarde, as galinhas lá fora estão cacarejando de sono, você
gosta de fruta-pão assada com manteiga? Eu lhe dou aipim ainda quente com melado. Talvez você fosse como aquela menina
rica, de fora, que achou horrível nosso pobre doce de abóbora e coco.
Mas eu a levarei para a beira do ribeirão, na sombra fria do bambual; ali pescarei piaus. Há rolinhas. Ou então ir descendo
FRENTE ÚNICA

o rio numa canoa bem devagar e de repente dar um galope na correnteza, passando rente às pedras, como se a canoa fosse
um cavalo solto. Ou nadar mar afora até não poder mais e depois virar e ficar olhando as nuvens brancas. Bem pouca coisa
eu sei; os outros meninos riram de mim porque cortei uma iba de assa-peixe. Lembro-me que vi o ladrão morrer afogado
com os soldados de canoa dando tiros, e havia uma mulher do outro lado do rio gritando.

249

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Mas como eu poderia, mulher estranha, convertê-la Linda como a areia que a onda ondeou. Saíra grande!
em menina para subir comigo pela capoeira? Uma vez vi Na adolescência me torturaria; mas sou um homem madu-
uma urutu junto de um tronco queimado; e me lembro ro. Ainda assim às vezes é como um bando de sanhaços
de muitas meninas. Tinha uma que era para mim uma bicando os cajus de meu cajueiro, um cardume de peixes
adoração. Ah, paixão da infância, paixão que não amar- dourados avançando, saltando ao sol, na piracema; um
ga. Assim eu queria gostar de você, mulher estranha que bambual com sombra fria, onde ouvi silvo de cobra, e eu
ora venho conhecer, homem maduro. Homem maduro, quisera tanto dormir. Tanto dormir! Preciso de um sossego
ido e vivido; mas quando a olhei, você estava distraída, de beira de rio, com remanso, com cigarras. Mas você é
meus olhos eram outra vez os encantados olhos daquele como se houvesse demasiadas cigarras cantando numa
menino feio do segundo ano primário que quase não tinha pobre tarde de homem.
coragem de olhar a menina um pouco mais alta da ponta Julho, 1945
Crônica extraída do livro “200 crônicas escolhidas”, de Rubem Braga.
direita do banco. Texto adaptado à nova ortografia.
Adoração de infância. Ao menos você conhece um
passarinho chamado saíra? É um passarinho miúdo: ima- Existem mecanismos de coesão que servem para
gine uma saíra grande que de súbito aparecesse a um retomar o termo anterior como referência e outros
menino que só tivesse visto coleiros e curiós, ou pobres que possibilitam a conexão estabelecendo a coesão
cambaxirras. Imagine um arco-íris visto na mais remota sequencial. Assinale a opção em que o termo subli-
infância, sobre os morros e o rio. O menino da roça que nhado funciona como elemento de conexão.
pela primeira vez vê as algas do mar se balançando sob a a (...) e, como o carnaval é no mês que vem, vamos
onda clara, junto da pedra. apanhar tabatinga para fazer formas de máscaras.
Ardente da mais pura paixão de beleza é a adoração b É verdade que jamais comeu angu de fundo de panela?
da infância. Na minha adolescência você seria uma tor- c Talvez você fosse como aquela menina rica, de
tura. Quero levá-la para a meninice. Bem pouca coisa eu fora, que achou horrível nosso pobre doce de abó-
sei; uma vez na fazenda riram: ele não sabe nem passar bora e coco.
um barbicacho! Mas o que sei lhe ensino; são pequenas d (...) daquele menino feio do segundo ano primário
coisas do mato e da água, são humildes coisas, e você que quase não tinha coragem de olhar a menina
é tão bela e estranha! Inutilmente tento convertê-la em um pouco mais alta da ponta direita do banco.
menina de pernas magras, o joelho ralado, um pouco de e (...) imagine uma saíra grande que de súbito apare-
lama seca do brejo no meio dos dedos dos pés. cesse a um menino (...)

Texto complementar
Linguística textual
A linguística textual, como ciência da estrutura e do funcionamento dos textos, começou a desenvolver-se na década
de 1960 na Europa, especialmente na Alemanha.
A origem do termo “linguística textual” encontra-se em Cosériu, embora, no sentido que lhe é atualmente atribuído,
tenha sido empregado pela primeira vez por Weinrich.
As causas de seu desenvolvimento são, dentre outras, as falhas das gramáticas da frase no tratamento de fenômenos como
a referência, a definitivização, as relações entre sentenças não ligadas por conjunções, a ordem das palavras no enunciado,
a entoação, a concordância dos tempos verbais, fenômenos estes que só podem ser explicados em termos de texto ou em
referência a um contexto situacional.
Assim, o que a legitima é sua capacidade de explicar fenômenos inexplicáveis por meio de uma gramática do enunciado
ou, como afirma Conte (1977, pp.17-8), “é a descontinuidade entre enunciado e texto, já que há uma diferença qualitativa
entre ambos (e não meramente quantitativa)”.
Sendo o texto mais do que a soma dos enunciados que compõem, sua produção e compreensão derivam de uma com-
petência específica do falante – a competência textual.
Chegados a este ponto, algumas questões podem ser colocadas:
O que é competência textual? E o que é texto? Do que se constitui e em que se distingue de um conjunto de frases?
O que une, por exemplo, um grito isolado “– Socorro!” – a um soneto de Camões e o que separa estes dois textos de um
pseudotexto, por exemplo, um léxico?
Todo falante de uma língua tem capacidade de distinguir um texto coerente de um alongamento incoerente de enuncia-
dos e esta competência é linguística, em sentido amplo (distingue-se da competência frasal ou linguística em sentido estrito,
como a descreve, por exemplo, Chomsky em Aspects of the theory of syntax – 1965). Qualquer falante é também capaz de
parafrasear um texto, de resumi-lo, de atribuir-lhe um título, de produzir um texto a partir de um título dado e de distinguir
um texto segundo os vários tipos de texto (por exemplo, uma conversação de um texto científico, de uma receita de bolo, de
uma poesia). Todas essas habilidades explicitam a competência textual e justificam a construção de uma gramática textual.
Leonor Lopes Fávero. Coesão e coerência textuais. 11 ed. São Paulo: Ática, 2009.

250 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 10 Coesão

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Resumindo
Coesão: ligação entre as partes.
Ausência de coesão: erro ou recurso expressivo (linguagem cubista, cinematográfica).
Linguagem cubista: sintaxe entrecortada, ausência de nexos sintáticos.
Linguagem cinematográfica: à base de flashes.

Elementos que promovem a coesão textual:


yy anafóricos: pronomes, advérbios e numerais que têm a função de retomar palavras.
yy catafóricos: pronomes, advérbios e numerais que têm a função de introduzir palavras.
yy isso, esse, essa: somente anafóricos.
yy isto, este, esta: catafóricos.

Exceção 1: quando há dois elementos, usa-se “este” para recuperar o mais próximo e “aquele” para recuperar o mais distante.
Exceção 2: usa-se “este”no lugar de “esse” para enfatizar o termo recuperado.

yy elipse: ocultar palavras, mecanismo que promove a coesão e a concisão.


yy conectivos: conjunções, preposições e pronomes relativos.
yy distância entre regente e regido: distância entre o termo que comanda a preposição e o termo comandado pela preposição.
yy quebra do paralelismo sintático: emprega-se “não só”, mas não se coloca o “mas também”; emprega-se “ora”, mas não se coloca o outro “ora” etc.
yy coesão por sinonímia: quando se utilizam sinônimos para retomar palavras.

Quer saber mais?

Livro Teatro
yy TOLSTÓI, Liev. Guerra e paz. Porto Alegre: LP&M, 2007. yy RACINE, Jean. Fedra. Porto Alegre: LP&M, 2001.
Romance histórico que narra a história da Rússia à época de Napo- Esta peça do famoso dramaturgo francês do século XVII estabele-
leão Bonaparte, e descreve os horrores da guerra entre esse país ce uma intertextualidade com o texto de Eurípedes, que viveu na
e a França no século XIX. Grécia Antiga. Ambos os textos tratam do amor proibido de Fedra
por seu enteado.
Filme
Música
yy Titus. Direção: Julie Taymor, 1999.
Baseado na peça Tito Andrônico, de Shakespeare, a obra faz uma yy Philip Glass. "Einstein on the beach" (música minimalista).
releitura da história do vitorioso general que se vê ameaçado por Música elab
intrigas e disputas pelo poder após seu retorno da batalha.

Exercícios complementares
1 AFA A distância entre o motorista de vidros lacrados e o mendigo que pede esmola no sinal vermelho é maior que a distância
entre ele e as trilhas agrestes das novelas e dos comerciais. Nas ruas esburacadas das metrópoles, ele talvez se sinta escalan-
do falésias. No seu coração a cidade embrutecida é a pior de todas as selvas.
Em relação ao excerto citado, extraído da revista Veja e propositalmente alterado, é correto afirmar que:
a redundâncias e tautologias interferem na clareza.
b é claro e conciso, porém apresenta falhas gramaticais.
FRENTE ÚNICA

c não é conciso, pois os pronomes “ele” e “seu” causam ambiguidade.


d a clareza está comprometida pelo emprego do pronome pessoal e do possessivo.

251

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP10_LA.INDD / 15-09-2020 (22:43) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


2 AFA Aponte a alternativa cujo período, extraído da revista Veja e propositalmente alterado, apresenta falha na sintaxe.
a Num dos casos mais angustiantes entre os 23 acidentes fatais debaixo da água, um mergulhador morreu quando o
sistema de respiração falhou e ele não conseguiu subir, porque estava amarrado a uma estrutura metálica, lá no fundo.
b Assim como tantos outros administradores públicos, Júlio Lacerda, prefeito de Moema, em Minas Gerais, insistia
numa velha fórmula para resolver os problemas de caixa de sua cidade: passar o chapéu nos gabinetes burocrá-
ticos da capital do Estado.
c O Massachusetts Institute of Technology, MIT, acaba de acertar, por intermédio do Ministério da Ciência e Tec-
nologia, sua colaboração com o governo para implementar a infovia – jargão que designa os meios digitais de
circulação de dados e informações – no Brasil.
d Carlos de Almeida Valente, que mora na cidade de Prateados, no extremo norte do país, apontado pela Polícia
Federal como um dos reis do contrabando, transportando em um de seus aviões bimotores e turbinados mais de
70% das mercadorias contrabandeadas dos Estados Unidos e Paraguai para o Brasil.

3 Mackenzie Leia.
A propósito da exposição de Malfatti
Há duas espécies de artistas. Uma dos que veem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura,
guardando os eternos ritmos da vida [...]. A outra espécie é formada pelos que veem anormalmente a natureza, e interpre-
tam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas como cá e lá como furúnculos da
cultura excessiva. São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos da decadência: são frutos de fins de estação,
bichados ao nascedouro.
[...] Se víssemos na sra. Malfatti apenas uma “moça que pinta”, como há centenas por aí, sem denunciar centelha de
talento, calar-nos-íamos, ou talvez lhe déssemos meia dúzia desses adjetivos “bombons”, que a crítica açucarada tem sempre
à mão em se tratando de moças.
Monteiro Lobato. Paranoia ou mistificação. 1917.

Assinale a alternativa correta.


a O advérbio cá aponta para um espaço próximo de quem está falando, espaço onde também surgem furúnculos
da cultura excessiva.
b A oposição pureza/impureza está implícita apenas no primeiro período do primeiro parágrafo.
c No segundo parágrafo, a crítica de arte feita na época é avaliada com mágoa e ressentimento.
d No segundo parágrafo, confirma-se o talento de Malfatti, então relacionado à arte pura.
e A expressão “adjetivos bombons” afasta qualquer crítica negativa em relação a Malfatti.

4 Mackenzie Leia os versos a seguir.


Quando eu me sento à janela [...] Quando eu me sento à janela,
P’los vidros que a neve embaça Lançou-me a mágoa seu véu: – P’los vidros que a neve embaça
Vejo a doce imagem dela Menos um ser neste mundo Julgo ver a imagem dela
Quando passa... passa... passa... E mais um anjo do céu. Que já não passa... não passa..

Fernando Pessoa. “Quando ela passa”. In: Vozes da saudade.

I. Os versos 6 e 7 referem-se à morte de maneira denotativa.


II. Nos versos 6 e 7 há uma referência irônica ao véu da mágoa.
III. O paralelismo entre os versos 1/2 e 8/9 aponta para uma ação cíclica.
Das afirmações anteriores:
a apenas I está correta. c apenas III está correta. e nenhuma está correta.
b apenas II está correta. d todas estão corretas.

Texto para a questão 5.

QUINO. updateordie.com

252 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 10 Coesão

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP10_LA.INDD / 15-09-2020 (13:42) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


5 Uerj 2017 O uso de palavras que se referem a termos simpatia, tudo isso a gente tem em estoque na hora em que
já enunciados, sem que seja necessário repeti-los, conhece uma pessoa e resolve conquistá-la. Os defeitos
faz parte dos processos de coesão da linguagem. Na ficam guardadinhos nos primeiros dias e só então, com a
pergunta feita no segundo quadrinho, uma palavra convivência, vão saindo do esconderijo e revelando-se no
empregada com esse objetivo é: dia a dia. Você então descobre que ele não é apenas gentil
a nós e doce, mas também um tremendo casca-grossa quando
b aqui trata os próprios funcionários. E ela não é apenas segura
e determinada, mas uma chorona que passa 20 dias por
c nossa
mês com TPM. E que ele ronca, e que ela diz palavrão
d porque
demais, e que ele é supersticioso por bobagens, e que ela
enjoa na estrada, e que ele não gosta de criança, e que
6 Enem 2016 ela não gosta de cachorro, e agora? Agora, convoquem o
O senso comum é que só os seres humanos são ca- amor para resolver essa encrenca.
pazes de rir. Isso não é verdade? Não. O riso básico — o MEDEIROS, M. Revista O Globo, n. 790, 12 jun. 2011 (adaptado).
da brincadeira, da diversão, da expressão física do riso, do
movimento da face e da vocalização — nós compartilha- Há elementos de coesão textual que retomam in-
mos com diversos animais. Em ratos, já foram observadas formações no texto e outros que as antecipam. Nos
vocalizações ultrassônicas — que nós não somos capazes trechos, o elemento de coesão sublinhado que ante-
de perceber — e que eles emitem quando estão brincando cipa uma informação do texto é
de rolar no chão. Acontecendo de o cientista provocar a “Gostar daquilo que é gostável é fácil [...]”.
um dano em um local específico no cérebro, o rato deixa b “[...] tudo isso a gente tem em estoque [...]”.
de fazer essa vocalização e a brincadeira vira briga sé- c “[...] na hora em que conhece uma pessoa [...]”.
ria. Sem o riso, o outro pensa que está sendo atacado. O d “[...] resolve conquistá-la.”
que nos diferencia dos animais é que não temos apenas e “[...] para resolver essa encrenca.”
esse mecanismo básico. Temos um outro mais evoluído.
Os animais têm o senso de brincadeira, como nós, mas
8 Unesp
não têm senso de humor. O córtex, a parte superficial do
cérebro deles, não é tão evoluído como o nosso. Temos Poética
mecanismos corticais que nos permitem, por exemplo,
Pelas precedentes considerações se manifesta que
interpretar uma piada.
não é ofício de poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o
Disponível em: http://globonews.globo.com. Acesso em: 31 maio 2012
(adaptado). de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que
é possível segundo a verossimilhança e a necessidade.
A coesão textual é responsável por estabelecer re- Com efeito, não diferem o historiador e o poeta, por
lações entre as partes do texto. Analisando o trecho escreverem verso ou prosa (pois que bem poderiam ser
“Acontecendo de o cientista provocar um dano em um postas em verso as obras de Heródoto, e nem por isso
local específico no cérebro”, verifica-se que ele esta- deixariam de ser história, se fossem em verso o que eram
belece com a oração seguinte uma relação de em prosa), – diferem, sim, em que diz um as coisas que
a finalidade, porque os danos causados ao cérebro sucederam, e outro as que poderiam suceder. Por isso a
têm por finalidade provocar a falta de vocalização poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a
dos ratos. história, pois refere aquela principalmente o universal,
b oposição, visto que o dano causado em um local e esta o particular. Por “referir-se ao universal” enten-
específico no cérebro é contrário à vocalização do eu atribuir a um indivíduo de determinada natureza
dos ratos. pensamentos e ações que, por liame de necessidade e
c condição, pois é preciso que se tenha lesão espe- verossimilhança, convêm a tal natureza; e ao universal,
cífica no cérebro para que não haja vocalização assim entendido, visa a poesia, ainda que dê nomes aos
dos ratos. seus personagens; particular, pelo contrário, é o que fez
Alcibíades ou o que lhe aconteceu.
d consequência, uma vez que o motivo de não haver
Aristóteles. Poética.
mais vocalização dos ratos é o dano causado no
cérebro. Os pronomes demonstrativos são algumas vezes
e proporção, já que à medida que se lesiona o cére- empregados na frase para fazer referência a termos
bro não é mais possível que haja vocalização dos antecedentes, ou seja, empregados anteriormente na
ratos. mesma ou em outra frase. De posse desta informação:
a) aponte os respectivos antecedentes dos prono-
7 Enem 2ª aplicação 2016 mes demonstrativos aquela e esta no terceiro
período do texto de Aristóteles (de “Por isso...” até
Apesar de “... o particular”).
FRENTE ÚNICA

Não lembro quem disse que a gente gosta de uma b) explique, com base nessa e em outras passagens
pessoa não por causa de, mas apesar de. Gostar daquilo do texto de Aristóteles, a diferença entre o histo-
que é gostável é fácil: gentileza, bom humor, inteligência, riador e o poeta.

253

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP10_LA.INDD / 16-09-2020 (20:46) / DANIELA.CAPEZZUTI / PROVA FINAL


9 Unicamp O trecho que se segue foi extraído de uma 13 Unicamp A historinha transcrita a seguir foi publicada
entrevista concedida por um engenheiro eletrônico a na seção “Humor” de uma revista.
um jornal. Na transcrição da entrevista, manteve-se a A professora passou a lição de casa: fazer uma reda-
linguagem coloquial característica desse tipo de inte- ção com o tema “Mãe só tem uma”. No dia seguinte, cada
ração verbal. aluno leu a sua redação. Todas mais ou menos dizendo
Identifique a passagem que precisa ser modificada as mesmas coisas: a mãe nos amamenta, é carinhosa co-
para tornar o texto adequado à linguagem escrita cul- nosco, é a rosa mais linda de nosso jardim etc. Portanto,
ta. Reescreva-a como achar mais conveniente. mãe só tem uma...
Pergunta: Houve precipitação? Então chegou a vez do Juquinha ler a sua redação:
Resposta: Lógico. Os grandes problemas você deve ter “Domingo foi visita lá em casa. As visitas ficaram na
um desenvolvimento tecnológico local. [...] Resolvemos sala. Elas tinham sede e minha mãe pediu para mim (sic)
brigar para ser usada tecnologia brasileira. ir buscar coca-cola na cozinha. Eu abri a geladeira e só
tinha uma coca-cola. Aí eu gritei pra minha mãe: ‘Mãe,
10 Unicamp No texto a seguir, substitua embora por outra só tem uma!’”
palavra ou expressão, de forma que o texto resultante Viaje Bem, revista de bordo da Vasp, n. 4, 1989.
dessa substituição, com as mínimas alterações neces-
Essa piada baseia-se nas interpretações diferente de
sárias, mantenha o sentido original.
(I) “Mãe só tem uma” e (II) “Mãe, só tem uma!”
[...] ergueu-se rapidamente, passou para o outro lado Compare esses dois enunciados e, com base na aná-
da sala e deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta lise das relações sintáticas que se estabelecem entre
do gabinete do marido. Assim, com desalinho honesto que as palavras, em cada um dos casos, identifique e
trazia, dava-me uma impressão singular. Magra embora, explique a diferença de significado entre (I) e (II), res-
tinha não sei que balanço no andar, como quem lhe custa ponsável pelo efeito engraçado do texto.
levar o corpo; essa feição nunca me pareceu tão distinta
como naquela noite. [...]
14 No texto a seguir, propositalmente alterado, o regente
Machado de Assis, Missa do Galo.
encontra-se distante do regido. Identifique-os e a se-
guir reconstrua o texto aproximando-os.
11 Unicamp No trecho que se segue há uma passagem
estruturalmente ambígua (isto é, uma passagem que O direito abrangerá os seguintes aspectos à proteção
poderia ser interpretada de duas maneiras, se igno- especial:
rássemos o que é geralmente pressuposto sobre a I. idade mínima para admissão ao trabalho de 14 anos,
vida de John Kennedy). observado o exposto no art. 7, XXXIII;
Identifique essa passagem, transcreva-a, aponte as [...]
duas interpretações possíveis e explique o que a tor- II. garantia de acesso à escola do trabalhador adoles-
cente.
na ambígua do ponto de vista estrutural.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
“E se os russos atacassem agora?”, perguntou certa Brasília, DF: Senado, 1988.
ocasião [...] Judith Exner, uma das incontáveis amantes de
Kennedy, que, simultaneamente, mantinha um caso com 15 Precisamos de um quadro adequado, para a semana que
o chefão mafioso Sam Giancana. vem, amarelo, sóbrio, a salas de reu­nião. Liguem JÁ!!
Veja, ed. 1002, 18 nov. 1987.
A distância entre regente e regido e a colocação das
locuções adverbiais prejudicam a clareza do texto; re-
12 Unicamp Leia com atenção o texto a seguir.
dija-o novamente e faça as adaptações necessárias.
Já houve o tempo da moreninha, da loirinha e agora
chegou a vez da ruivinha. A cor do cabelo, no entanto, faz Texto para as questões 16 e 17.
pouca diferença pois a fórmula para conquistar jovens pla-
teias com um interesse maior em sexo do que em música.
O segredo do sucesso na música pop é um rostinho – e
um corpinho – feminino bonito e sensual.
Folha de S.Paulo, 17 set. 1988.

Há nesse texto uma passagem cujo sentido ficou pre-


judicado, provavelmente por uma distração do revisor
do jornal. Identifique essa passagem e explique por
que, na forma como foi publicada, ela dificulta a com-
preensão do texto.

254 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 10 Coesão

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP10_LA.INDD / 15-09-2020 (13:42) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


O símbolo chinês, alçado a ícone pop nos anos 1970, representa o equilíbrio eterno de forças opostas.
O Yin está associado ao feminino, à água e à escuridão. O Yang, ao masculino, à atividade e à luz. Eles trazem um pe-
daço, ou uma semente, do outro, e são interdependentes.
John Bowker. Para entender as religiões. São Paulo: Ática, 1997.

16 Considere as seguintes afirmações.


I. Yin e Yang são dois símbolos chineses, a relação estabelecida entre eles é de contradição, um opõe ao outro.
II. Por meio do conhecimento de mundo, “anos 70”, deduz-se que o símbolo foi utilizado pelo movimento hippie.
III. “O Yin está associado ao feminino; a água, à escuridão.”, se a frase do segundo período fosse assim redigida, não
haveria alteração semântica, mas uma nova sintaxe em que a palavra “água” seria destaque.
IV. A expressão “alçado a ícone” significa, no contexto, colocado como um dos símbolos de uma geração feminista.

Está(ão) correta(s) apenas:


a I e IV.
b I, II e IV.
c I e II.
d II e IV.
e II.

17 Ainda em relação aos textos, pode-se afirmar que:


I. a ideia de semente está presente no verbal e no visual e representa para os chineses a parte oposta dentro de si
mesmo.
II. o ponto escuro (o homem) dentro da imagem clara (a mulher) relaciona-se à ideia de equilíbrio eterno.
III. a imagem pode ser considerada um todo (o ser humano) constituído por duas partes (homem e mulher), que se
relacionam por uma relação de com­ple­­mentariedade e ao mesmo tempo de opo­sição.
IV. a ideia de complementariedade também se associa ao fato de que as imagens, opostas na cor, se moldam per-
feitamente uma à outra, formando um todo em que as partes são independentes.

Está(ão) correta(s) apenas:


a I, II e III.
b I, III e IV.
c I e III.
d II.
e III e IV.

18 Fuvest Considere as seguintes afirmações.


I. Kramer apaixonou-se por uma corista.
II. Kramer e a corista jamais se encontraram.
III. Talvez Kramer julgasse ter sido melhor assim.

As afirmações anteriores estão articuladas de modo coerente e correto no seguinte período:


a Talvez Kramer tenha julgado ter sido melhor que ele e a corista por quem se apaixonou jamais se houvessem
encontrado.
b Muito embora Kramer se apaixonou por uma corista, jamais se encontraram, mesmo porque ele julgaria ter sido
melhor assim.
c Jamais se encontraram Kramer e a corista por quem se apaixonou, pois talvez Kramer julgava que é melhor ser
assim.
d Quando se apaixonou por uma corista, ainda que ambos jamais se encontraram, Kramer talvez tenha achado que
assim seria melhor.
e Desde que Kramer se apaixonou e julgou melhor assim, ele e a corista jamais teriam se encontrado.
FRENTE ÚNICA

255

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP10_LA.INDD / 15-09-2020 (13:42) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


19 ITA Das opções abaixo, cujos textos foram extraídos do Manual do Proprietário de um carro, a única alternativa que
não apresenta inadequação quanto à construção ou ao emprego de palavras é:
a Se o veículo costuma permanecer imobilizado por mais de duas semanas ou se é utilizado em pequenos percur-
sos, com frequência não diária [...] adicione um frasco de aditivo.
b Algumas [instruções], todavia, merecem atenção especial, em virtude das graves consequências que sua não
observância pode representar para a integridade física dos ocupantes e para o funcionamento do veículo.
c Ao calibrar os pneus, não se esqueça de examinar também o de reserva. Veja instruções na Seção 7, sob Pneus.
d Somente se a utilização do veículo ocorrer essencialmente nas rodovias asfaltadas na maior parte do tempo é que
se pode proceder à troca de óleo a cada 6 meses ou 10.000 km, o que primeiro ocorrer.
e O uso dos cintos de segurança deve também ser rigorosamente observado em veículos equipados com sistema
Air bag, que atua como complemento a este sistema.

O texto a seguir refere-se às questões 20 e 21.


Na capa do caderno “Aliás” do jornal O Estado de S. Paulo de 10 de julho de 2005, encontramos o seguinte conjunto
de afirmações que também fazem referência à crise política do Governo Lula.
Getúlio tanto sabia que preparou a carta-testamento. Juscelino sabia que seria absolvido pela História. Jânio sabia que
sua renúncia embutia um projeto autoritário. Jango sabia o tamanho da conspiração ao seu redor. Médici ia ao futebol, mas
sabia de tudo. Geisel sabia que Golbery entendera o projeto de abertura. [...]

20 Unicamp Em todas as afirmações, há um padrão que se repete. Qual é esse padrão e como ele estabelece a relação
com a crise política do atual governo?

21 Unicamp Apresente, por meio de paráfrases, duas inter­pretações para a palavra “tanto” na frase “Getúlio tanto sabia
que preparou a carta-testa­mento”.

O texto a seguir refere-se às questões de 22 a 25.

O soneto a seguir, de Machado de Assis, intitula-se “Suave mari magno”, expressão usada pelo poeta latino Lucrécio,
que passou a ser empregada para definir o prazer experimentado por alguém quando se percebe livre dos perigos
a que outros estão expostos.
Suave mari magno
Lembra-me que, em certo dia,
Na rua, ao sol de verão,
Envenenado morria
Um pobre cão.

Arfava, espumava e ria,


De um riso espúrio e bufão,
Ventre e pernas sacudia
Na convulsão.

Nenhum, nenhum curioso


Passava, sem se deter,
Silencioso,

Junto ao cão que ia morrer,


Como se lhe desse gozo
Ver padecer.
espúrio: não genuíno; ilegítimo; ilegal, falsificado. Em medicina, diz respeito a uma enfermidade falsa, não genuína, a que faltam
sintomas característicos.

22 Unicamp Que paradoxo o poema aponta nas reações do cão envenenado?

256 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 10 Coesão

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23 Unicamp Por que se pode afirmar que os passantes, diante dele, também agem de forma paradoxal?

24 Unicamp Em vista dessas reações paradoxais, justifique o título do poema.

25 Unicamp Que elemento de coesão está presente no primeiro verso da segunda estrofe que possibilita a retomada
do “cão”?

O texto a seguir refere-se às questões 26 e 27.


O trecho a seguir corresponde ao desfecho do conto “A causa secreta”, de Machado de Assis.
[...] Garcia inclinou-se ainda para beijar outra vez o cadáver; mas então não pôde mais. O beijo rebentou em soluços,
e os olhos não puderam conter as lágrimas, que vieram em borbotões, lágrimas de amor calado, e irremediável desespero.
Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranquilo essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosa-
mente longa.
Machado de Assis, “A causa secreta”. In: Obra Completa. v. II. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1979. p. 519.

borbotões: em jorros, em grande quantidade.

26 Unicamp Explique a repetição do adjetivo “longa” no desfecho do conto.

27 Unicamp Que relação há entre a atitude de Fortunato e o poema “Suave mari magno”?

Texto para a questão 28.


Investimos em 55 mil agentes comunitários.
Olha só o lucro

HONGQI ZHANG/DREAMSTIME.COM

Os Agentes Comunitários de Saúde são pessoas comuns, selecionadas e treinadas para trabalhar com a comunidade em que
vivem. Visitam as moradias, acompanhando de modo permanente o desenvolvimento dos vizinhos. Em especial as crianças, gestantes
e idosos. Assim, a porta de cada casa se torna uma entrada para o sistema de saúde.
Em apenas 5 anos, os Agentes já ajudaram a reduzir em 30% a mortalidade infantil no Brasil. Isso mostra que, com um
mínimo de esforço, nossa gente pode dar um salto para condições de vida mais dignas.
Cada Agente Comunitário é responsável por 150 a 200 famílias, em seu bairro, sua vila ou povoado. Promove a saúde da
vizinhança com informações simples, faz a base da ação preventiva. E identifica pequenos males, antes que estes se agravem
e alimentem as filas dos hospitais. O Agente reforça a ponte entre as pessoas e o posto de atendimento local.
É a concretização de um sonho que parecia impossível: uma saúde que vai onde o povo está, encurtando as distâncias
físicas e sociais que deixam tanta gente à margem dos serviços públicos. Ao fim de 1997, havia 54 mil Agentes atendendo
41 milhões de brasileiros. Até dezembro de 1998 eles já serão 100 mil, trabalhando pelo bem-estar de cerca de 75 milhões
de pessoas (metade da nossa população) em 3 mil cidades.
Nós sabemos que você quer resultados na Saúde. É o seu direito. E o nosso dever.
FRENTE ÚNICA

Veja, mar. 1998. (Adapt.).

257

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28 UEPG Com referência aos segundo e terceiro parágrafos, assinale o que for correto.
01 A locução adverbial “em apenas 5 anos” retoma a ideia de eficácia da política de saúde pública .
02 O pronome demonstrativo “estes” está em lugar de “agentes comunitários”, permitindo que se juntem outras ideias
ao texto.
04 A locução adverbial “antes que” dá seguimento à exposição de argumentos, imprimindo força à ideia constante
de preocupação do governo com a saúde pública.
08 O demonstrativo “isso” mantém a coesão das ideias expostas, permitindo-lhes a progressão.
Soma: 

29 Veja o texto a seguir, manchete do jornal O Estado de São Paulo.


PF evita megarroubo a banco do PCC no Sul e prende 37
O Estado de S. Paulo, 2 set. 2006.

Observa-se na manchete um problema de:


a concisão.
b coesão.
c colocação pronominal.
d concordância.
e progressão lógica.

Texto para a questão 30.


Olhos de ressaca
Enfim, chegou a hora da encomendação e da partida. Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero daquele lance
consternou a todos. Muitos homens choravam também, as mulheres todas. Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se
a si mesma. Consolava a outra, queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para
o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...
As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente que estava na
sala. Redobrou de carícias para a amiga, e quis levá-la; mas o cadáver parece que a retinha também. Momento houve em
que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como
a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã.
Machado de Assis. “Olhos de ressaca”. Dom Casmurro. São Paulo: Martin Claret, 2004.

30 Uerj
“[...] não admira lhe saltassem algumas LÁGRIMAS poucas e caladas. As minhas cessaram logo.”
Nessa passagem, encontra-se um recurso de coesão textual em que o termo destacado é retomado por meio de
elipse. Esse mesmo recurso é empregado em:
a “quis despedir-se do marido, e o desespero daquele lance consternou a todos.”.
b “Muitos homens choravam também, as mulheres todas.”.
c “Redobrou de carícias para a amiga, e quis l­evá-la;”.
d “quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta,”.

258 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 10 Coesão

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP10_LA.INDD / 15-09-2020 (13:42) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Folha de S.Paulo, 3 dez. 2007

FRENTE ÚNICA

11
CAPÍTULO Coerência e concisão
A coerência é a compatibilidade de sentido entre duas partes do tex­to (A é compatível
com B). A falta de coerência prejudica a clareza do texto, compromete a mensagem; porém,
em alguns textos, pode servir como recurso expressivo. No texto de Angeli, por exemplo,
“TV digital ou analógica” (A) é incompatível com o que se vê: a máquina de assar frangos (B).
A falta de coerência nesse caso é proposital, pois enfatiza uma realidade: a pobreza. Para
esta, a TV não é prioridade pois falta-lhe o básico: a comida, o frango (o conteúdo da máqui-
na). A falta de coerência no texto de Angeli denuncia uma falta de coerência na realidade do
país: uma economia forte (“TV analógica, digital”), mas uma estrutura social ainda frágil, pois a
maioria ainda vive em estado precário (“Pra mim tanto faz! O importante é o conteúdo!”).
Neste capítulo, estudaremos os tipos de coerência por meio de textos que pecam no
seu emprego ou que utilizam a falta de coerência como instrumento de criatividade, por
exemplo, o cinema, a propaganda, a charge etc.

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP11_LA.INDD / 16-09-2020 (20:42) / DANIELA.CAPEZZUTI / PROVA FINAL


Coerência A locução conjuntiva “ainda que” promove a coesão
entre as duas orações que formam o período à medida que
Coesão e coerência as liga; contudo, o conectivo está mal empregado do ponto
A coesão pode ser traduzida por ligação; a ligação de vista semântico, pois não há oposição entre as duas
entre palavras, orações, partes de um texto. A coesão está orações que compõem o período. Era necessário haver
para a sintaxe, assim como a coerência está para a semân- um advérbio de negação em uma das orações para que a
tica. Portanto, um texto com boa coesão é um texto bem coerência fosse restabelecida.
armado; as partes que o compõem estão unidas, e não
soltas. A falta de coesão pode gerar, por exemplo, falta de As pessoas calar-se-iam diante daquela cena, ainda
clareza ou de coerência; um texto em que a coesão está que não fossem medrosas.
malfeita pode ainda resultar em uma ambiguidade. A coe-
rência é a compatibilidade semântica entre palavras, termos Formas de coerência
de uma oração, orações, partes de um texto, ou ainda entre A coerência pode ser externa (compatibilidade com
argumento e tese, argumento e realidade. elementos exteriores ao texto, a realidade) ou interna (no
interior do texto).
Sem coerência e sem coesão
O monumento desaba. Fiz as compras? Ai!
Coerência externa
Quantos corvos na careca? O que está no texto é compatível com a realidade – a
Aviões despejam bombas. Caviar na boca do mendigo. ciência, os fatos históricos, os dados estatísticos etc.
Exemplos de falta de coerência:
Esse texto não possui coesão, pois as frases e as partes
que o compõem estão soltas, não há conectivos que as li- A gramática só cria exceções.
guem. Também não há coerência, pois cada frase aponta para Mulher não sabe dirigir.
um assunto diferente, gerando a falta de unidade temática. Nas duas frases, temos falta de coerência externa. As
exceções (primeiro exemplo), de modo geral, são criadas
Com coerência e sem coesão pelo povo, que, por razões diversas, faz uso de uma nova
A noite caminha silenciosamente. Os moradores can- variante, a qual é assimilada pela gramática. Quanto ao
sados deitam-se. Os policiais partem para a ignota ronda. segundo exemplo, estatísticas provam que as mulheres
O medo toma conta dos infelizes. Os ladrões iniciam seu são mais prudentes ao dirigir.
trabalho. Talita experimenta a saia. Veja o anúncio a seguir em que a falta de coerência
Já esse possui coerência; é possível entendê-lo, pois, externa é proposital (o contexto dá coerência).
em todas as suas partes, fala-se de um mesmo tema: a
noite; mas suas orações não estão ligadas, poderia haver
vírgulas ou conectivos (conjunções, no caso). A falta de
“Marcianos atacam padaria
coesão pode ser entendida como um recurso estilístico e roubam balas”
(o Modernismo o empregava) ou como um erro, caso não
tenha propósito literário.

Sem coerência e com coesão


João vai à padaria. O balcão da padaria é feito de ma-
deira, que foi extraída da Amazônia. A Amazônia é pura
riqueza natural. Isso dá um status a qualquer um. Também há
status em ser poeta, e a psicologia estuda esse fenômeno.
O texto possui coesão, pois há palavras que estabe-
lecem a ligação entre as partes; é o caso da repetição de
uma palavra que está contida no período anterior (“padaria”,
“Amazônia” e “status”) e a colocação de vocábulos que
estabelecem a coesão por meio de implícitos (o advérbio
“também” pressupõe algo anterior) ou de anafóricos (o re-
lativo “que” e os demonstrativos “isso” e “esse” retomam

T
algo anterior). Entretanto, não há coerência, visto que cada rês menores fantasiados de “marcianos” roubaram
período aponta para um assunto diferente; diz-se nesse a principal padaria de São Miguel Paulista, São
caso que não há textualidade (não é possível entender); Paulo. Os menores foram presos instantes depois,
em outras palavras, para que um texto seja compreendido em um terreno próximo, comendo os doces roubados.
é preciso no mínimo haver coerência. Os infratores foram conduzidos à Fundação Casa.
As pessoas calar-se-iam diante daquela cena, ainda
que fossem medrosas. Fig. 1 Coerência com dados da realidade.

260 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 11 Coerência e concisão

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP11_LA.INDD / 15-09-2020 (13:57) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


Coerência interna A fala dos velhinhos é incompatível com a sua idade;
Há coerência interna quando os elementos pertencen- espera-se um vocabulário que não tivesse as gírias citadas.
tes ao texto são compatíveis entre si (do ponto de vista
semântico). Há vários tipos de coerência interna; o impor-
Coerência na narrativa
tante não é a nomenclatura, mas os exemplos. Trata-se da compatibilidade de sentido entre os ele-
mentos que compõem a narrativa (personagens, tempo,
Coerência no nível sintático-semântico espaço e o que os cerca). Leia os dois textos a seguir; neles
há falta de coerência entre a personagem e as ações por
Ocorre quando termos pertencentes à mesma frase ela desempenhadas.
ou período possuem compatibilidade de sentido e se
relacionam sintaticamente; trata-se de um tipo de coerência Em Ouro Preto, Josibaldo treina todos os dias, correndo
interna. Observe a falta de coerência nas frases a seguir. como louco, passa pelos transeuntes como um foguete. Jo-
sibaldo é conhecido como “pernas de aço”, esse anônimo
Os jogos do Santos no Campeonato Nacional serão atleta consegue correr sessenta quilômetros em um só dia!
realizados na Vila Belmiro, desde que nosso campo tenha boas (detalhe, toma quatro cervejas todas as noites). O nosso
condições físicas... herói nasceu no dia 03/03/1902 e é do signo de peixes.
A
Um homem com mais de 100 anos não consegue tal
B Dirigente do Santos.
desempenho físico.

O dinheiro não é tudo, mas é 100%.

A B
Falcão; Tarcísio Matos. “O dinheiro não é tudo, mas é 100%”.
Intérprete: Falcão.

Há falta de coerência interna (no interior da frase) nos


dois períodos. No primeiro, a expressão “boas condições físi-
cas” é incompatível com o substantivo “campo”. No segundo,
temos um paradoxo: não ser tudo e ser 100%. O termo 100%, Fig. 3 Coerência na narrativa.
para que haja coerência, deve assumir o sentido de “bom”.
Pedro era um pobre garoto de 10 anos, sem lugar
para morar, sem ter uma das pernas para andar (usava mu-
Coerência no nível de linguagem letas). Ainda assim trabalhava, vendia salgadinhos nos
Ocorre quando os níveis de linguagem (o coloquial e faróis da maior metrópole do país. Porém o destino dá vol-
o culto) estão adequadamente empregados (a norma culta tas. Em setembro de 2004, esse menino conheceu uma
em textos científicos, por exemplo). Veja a seguir dois casos senhora que o ajudou a sair da miséria, seu nome era Va-
de incoerência. léria. Pedro conheceu-a numa tentativa de assalto. Dona
A Valéria estava aguardando o sinal verde em um dos faróis da
Avenida Paulista, quando surgiram dois ladrões; um deles apon-
Roubei, porque subjaz em minha alma uma vontade tou a arma e pediu o dinheiro; Pedro estava do outro lado da
calçada, vendendo seu amendoim, quando observou a cena;
incontrolável, tá ligado?
tomado de um impulso de valentia, Pedro foi atrás dos bandi-
dos, que saíram correndo; Pedro, mais veloz que os tratantes,
B conseguiu alcançar um deles; o garoto deu-lhe um empurrão e
O enunciador atribui a um mesmo falante termos cultos tomou o dinheiro do bandido; em seguida gritou que ali estava
(“subjaz”) e coloquiais (“tá ligado”); há falta de coerência na havendo um assalto, o que fez com que os ladrões desapa-
recessem. Assim que os assaltantes sumiram, Pedro levou o
linguagem. Veja agora este outro exemplo.
dinheiro à senhora, a qual o adotou para a vida inteira. Hoje
Pedro é psicólogo e atende deficientes físicos com depressão.
E aí gatinha?
Vamos dá um rolê? Sai fora, maluco, não tá
Muito provavelmente, o garoto não poderia ter alcan-
vendo que tô de bode? çado os assaltantes, visto que não tinha uma das pernas.

Coerência no nível da argumentação


Ocorre quando o texto obedece a uma progressão
lógica e quando os argumentos sustentam a tese do enun-
ciador. Observe a falta de coerência nos textos a seguir.
A
FRENTE ÚNICA

Não negociamos o Sócrates, porque ele é insubstituível,


inegociável e imprestável!

Fig. 2 Coerência no nível de linguagem. B Vicente Matheus.

261

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Não votei no Lula, porque ele é baixinho! Veja agora a seguinte imagem.

René Magritte
A B
Nos dois casos, o argumento (B) não sustenta a tese (A).
Veja agora o anúncio a seguir.

Vote no candidato da maioria

Fig. 6 René Magritte. A traição das imagens, 1928-1929. Óleo sobre tela. Los
Angeles County Museum of Art, Los Angeles, Estados Unidos.

A frase em francês diz: “isso não é um cachimbo”; de


fato, é linguagem visual, signo, a representação do real; em
outras palavras, é coerente.

Coerência visual

René Magritte
O que rouba, mas faz!
Fig. 4 Coerência no nível da argumentação.

Votar em um candidato que rouba é no mínimo insen-


satez, visto que o que se rouba é o dinheiro do contribuinte
(inclusive de quem votou no candidato).

Coerência temporal
Ocorre quando há uma progressão temporal coerente
com os fatos assinalados.
Nos exemplos a seguir, a ordem dos fatos gera incoe-
rência.
Saiu, vestiu a calça com pressa, ligou o carro e disse
adeus àquela casa que não soube entendê-lo.
O correto seria: Vestiu a calça com pressa, saiu, ligou
o carro e...

Coerência verbo-visual
Trata-se da compatibilidade de sentido entre o verbal Fig. 7 René Magritte. Império das luzes, 1953-1954. Óleo sobre tela. Guggenheim
Museum, Nova York, Estados Unidos.
(as palavras) e o visual (as imagens).
Observe o anúncio a seguir.
René Magritte
© Abdul Sami Haqqani | Dreamstime.com

Mais um foguete é lançado ao espaço:

One–77, o coupê da aston martin

Fig. 5 Coerência verbo-visual.

Há uma metáfora, o carro é comparado a um foguete, Fig. 8 René Magritte. Golconda, 1953. Óleo sobre tela. Coleção Menil, Houston,
a incoerência é aparente. Texas, Estados Unidos.

262 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 11 Coerência e concisão

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Nesses exemplos temos quadros surrealistas; essa es- No texto apresentado, observa-se a síntese no nível do
cola investiu fortemente na falta de lógica, no inconsciente conteúdo e no nível da forma; nesse caso ocorre a fusão
(onde tudo é possível), na superação do real como forma das linguagens verbal e visual.
de criatividade e de reflexão sobre a realidade.
No quadro a seguir, temos uma obra dadaísta; o Dadaís- Crônica
mo foi um movimento de vanguarda que também enfatizou
a falta de coerência, o improviso. O jivaro
Um sr. Matter, que fez uma viagem de exploração à Amé-

Theo van Doesburg e Kurt Schwitters


rica do Sul, conta a um jornal sua conversa com um índio
jivaro, desses que sabem reduzir a cabeça de um morto até ela
ficar bem pequenina. Queria assistir a uma dessas operações,
e o índio lhe disse que exatamente ele tinha contas a acertar
com um inimigo.
O sr. Matter:
– Não, não! Um homem, não. Faça isso com a cabeça
de um macaco.
E o índio:
– Por que um macaco? Ele não me fez nenhum mal!
Rubem Braga.

O assunto de uma crônica pode ser uma experiência


pessoal do cronista, uma informação obtida por ele ou um
caso imaginário. O modo de apresentar o assunto também
varia: pode ser uma descrição objetiva, uma exposição ar-
gumentativa ou uma narrativa sugestiva. Quanto à finalidade
pretendida, pode-se promover uma reflexão, definir um sen-
Fig. 9 Theo van Doesburg with Kurt Schwitters (?). Kleine Dada Soireé, 1922. Li-
tografia. Museum of Modern Art, Nova York, Estados Unidos.
timento ou tão somente provocar o riso.

Publicidade
Concisão
Reprodução

Coesão é a ligação entre as partes do texto; a coe-


rência é a compatibilidade de sentido entre as partes; já a
concisão é a propriedade de um texto ser objetivo, enxuto.

Importância da concisão
De modo geral, a concisão é necessária para que não
percamos tempo com o não necessário; há textos em que a
concisão é princípio estético, o caso da poesia; e há textos
em que só a concisão é necessária – um texto empresarial,
por exemplo. Seja como for, há recursos gramaticais que
promovem a concisão.

Alguns textos concisos


Poesia
p
p l
p l u
p l u v
Fig. 10 Campanha comercial de tecido com recurso verbo-visual.
p l u v i
p l u v i a O texto publicitário visa convencer o leitor acerca das
f l u v i a l qualidades de um produto ou um serviço. O texto anterior
f l u v i a l é um anúncio de um tecido de roupas denominado “Tergal”
FRENTE ÚNICA

f l u v i a l (comercial refere-se à propaganda de TV). A linguagem ver-


f l u v i a l bo-visual é extremamente concisa; por meio de uma única
f l u v i a l
palavra (“Tergalize-se”) e uma única imagem, o enunciador
f l u v i a l
dá a sua mensagem: vista “Tergal”. O verbo no imperativo
“Pluvial” (1959).  Augusto de Campos. faz alusão ao leitor (tergalize-se você), ao mesmo tempo
263

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que cita o nome do produto. A concisão está diretamente ligada ao fato de que o consumidor não costuma perder tempo
lendo textos publicitários. Quando há a necessidade de compra, o consumidor preferirá ler muitos anúncios, o que exigirá
concisão (textos curtos).

Provérbios, máximas
Se pagares o mal com o bem, com que, então, recompensarás a bondade?
Pagarás o bem com o bem e o mal com a justiça.
Confúcio.

O povo que aguarda dos chefes a salvação só merece o nome de plebe.


E. Bertarelli.

O provérbio de uma forma concisa expressa um saber popular.

Mecanismos gramaticais e textuais


Veja, a seguir, os mecanismos gramaticais que ajudam na concisão gramatical.
yy Elipse e zeugma
Nós vimos o que não queríamos.
Uns querem fugir; outros querem transgredir.
No lugar do segundo verbo “querer”, deve-se empregar a vírgula.
yy Emprego da oração reduzida

É proibido que você


É proibido escrever na carteira.
escreva na carteira.

yy Tornar a oração um sintagma nominal


Eu quero que você participe!
Eu quero sua participação.
yy Uso de adjetivos no lugar de locuções adjetivas ou orações adjetivas
Os alunos que nasceram em São Paulo são mais agitados.
Os alunos paulistanos são mais agitados.
Vejamos agora os mecanismos gramaticais que prejudicam a concisão.
yy Redundância de palavras
O jogo foi uma sequência rápida de jogadas em que o jogador mais experiente jogou melhor.
O jogo foi uma sequência rápida de passes em que o mais experiente teve uma performance melhor.
yy Queísmo
Que que você queria que o querido do Queiroz fizesse?
O que você desejava que ele fizesse?
yy Excesso de orações
Nós queríamos que ele viesse, que ele cantasse, que ele se alegrasse.
Nós queríamos a sua vinda, o seu canto, a sua alegria.

264 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 11 Coerência e concisão

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yy Excesso de locuções verbais Seu comportamento é atitude de garoto de rua, que
Eu estarei fazendo o que o senhor deseja, mas não tem liberdade de escolha.
vou terminar o que o chefe estava pedindo. yy Mecanismos textuais que promovem a concisão:
Eu farei o que o senhor deseja, mas terminarei o que
– não sair do tema;
o chefe pediu.
– delimitar o tema;
yy Excesso de vírgulas – seleção prévia dos argumentos;
Ontem, Pedro tirou, lentamente, a sua dor da gaveta – não repetir o mesmo tipo de argumento.
da memória.
yy Fatores que levam à falta de concisão textual:
Ontem Pedro tirou lentamente a sua dor da gaveta da
– digressão;
memória.
– não delimitar o tema;
yy Excesso de artigos – fugir do tema;
O seu comportamento é a atitude do garoto da rua, – não selecionar previamente os argumentos;
que não tem a liberdade da escolha. – excesso de detalhes.

Revisando
1 Leia o anúncio a seguir. O experimento reuniu 63 pessoas de duas cidades do
Colorado: o primeiro de Boulder, um município com maioria
Entre o conforto de uma casa e a segurança de um
de esquerda, enquanto o outro reunia pessoas de Colorado
apartamento, fique com os dois.
Springs. Ambos os grupos discutiram aquecimento global,
Explique a falta de coerência e o motivo pelo qual isso ações afirmativas e união civil para casais do mesmo sexo.
ocorre no texto. Nas duas discussões, o principal efeito foi tornar os
 membros do grupo mais extremos em suas opiniões, compa-
rado ao que eram antes de começarem a conversar. Ou seja:

progressistas se tornaram mais progressistas nas três questões,
 enquanto conservadores se tornaram mais conservadores.
 “Todos queremos tomar decisões melhores. Estudos
 identificam os papéis benéficos das estruturas de diversidade
 de pensamento, subgrupo e liderança plana na otimização
de ideias e resolução de problemas”, diz Zac Baynham-
-Herd, analista da prática de ciências comportamentais da
Texto para as questões 2 e 3.
Ogilvy Consulting. “À medida que a atividade online cresce,
Como o comportamento de manada explica o potencial de proliferação de 'ovelhas negras' e ‘compor-
adesão impensada aos ativismos políticos tamento de manada’ também aumenta”, acrescenta.
Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/como-o-
O ativismo se expressa, sobretudo, através de movi- comportamento-de-manada-explica-adesao-impensada-aos-ativismos-politicos/>.
mentos coletivos. Mas essa própria noção de coletividade Acesso em: 23 set. 2019. Publicado em 22 set. 2019. [Fragmento adaptado.]
pode ser uma pressão para pessoas participarem de um
movimento simplesmente para sentirem que fazem parte
de algo: a chamada “mob mentality” ou comportamento
2 Acafe 2020 Assinale a alternativa que melhor resume
de manada é um instrumento político e uma arma para o texto.
promover a agenda de grupos específicos. a O comportamento das multidões políticas do mo-
A teoria psicológica de “comportamento de manada” mento presente é um exercício de simplificação
sugere que seres humanos têm maior probabilidade de adotar radical, que decompõe ativamente todos os ele-
determinados comportamentos porque seus amigos, colegas mentos da individualidade e da civilização.
de trabalho e vizinhos já o adotam. Basicamente, ninguém b O comportamento de manada pode levar as pes-
quer ser o primeiro ou o último a fazer algo, mas sim estar soas a participarem de uma ação simplesmente
seguro e inserido em um determinado grupo social. porque simplifica ideias complexas — o que deve-
“Se a questão é o que fazer com uma caixa de pipoca riam ser as pautas dos movimentos sociais.
vazia em um cinema, com que rapidez dirigir em um de-
c O perigo do comportamento de manada é que dá
terminado trecho de rodovia ou como comer o frango em
um jantar, as ações das pessoas ao nosso redor serão impor-
permissão para atitudes que os indivíduos, sozi-
tantes para definir nossa resposta”, diz o psicólogo Robert nhos, provavelmente não assumiriam, como por
Cialdini, autor de “Influência: A Psicologia da Persuasão”. exemplo participar de bullying ou agredir pessoas.
d O comportamento de manada, que significa a adoção
FRENTE ÚNICA

A mesma lógica se aplica a ideologias políticas: um


estudo da Universidade da Califórnia em Berkeley consta- de posições convergentes com as posições da maio-
tou que as pessoas tendem a alinhar suas opiniões políticas ria de um grupo de pessoas, tem sido usado para
às do grupo em que estão inseridas. promover a agenda política de grupos específicos.

265

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3 Acafe 2020 “O experimento reuniu 63 pessoas de duas cidades do Colorado: o primeiro de Boulder, um município
com maioria de esquerda, enquanto o outro reunia pessoas de Colorado Springs. Ambos os grupos discutiram aque-
cimento global, ações afirmativas e união civil para casais do mesmo sexo.”
Sobre esse fragmento do texto, é correto afirmar que:
a os habitantes de Colorado Springs têm renda per capita mais alta que os habitantes de Boulder.
b o número de pessoas de Boulder, participantes do experimento realizado pela Universidade de ­Berkeley, é igual
ao número de pessoas participantes de Colorado Springs.
c o fragmento diz explicitamente que as pessoas de Colorado Springs são mais conservadores do que as pessoas
de Boulder.
d em “[...] o primeiro de Boulder, um município com maioria de esquerda, enquanto o outro reunia pessoas de
Colorado Springs”, o termo destacado seria mais coeso e coerente se fosse substituído por “o primeiro [grupo reunia
pessoas] de Boulder”.

Texto para as questões 4 e 5.


PM de São Paulo prende na BR 103 suspeitos de tráfico.

4 Um erro de coesão pode levar a um erro de coerência; explique como isso ocorre na manchete citada.








5 Dê a versão mais razoável, efetuando alterações mínimas na manchete.







6 Leia a notícia a seguir.


Um ex-meia do Santos mandou um telegrama à família, quando em excursão à Europa, dizendo o seguinte:
– Chegarei de surpresa dia 15, às duas da tarde, voo 619 da VARIG...
Mengálvio.

Que partes do texto apresentam incompatibilidade de sentido?







7 PUC-PR 2015 A parte final do texto a seguir foi retirada, como indicado pelas reticências. Analise as frases que seguem
e marque a alternativa que apresenta o desfecho mais coerente para o final do texto.
Presidente ou presidenta?
Se quisesse seguir a lei com um rigor, digamos, ortodoxo para seus hábitos, o brasileiro teria de oficialmente referir-se
a Dilma Rousseff como "presidenta". Sim, a Lei Federal 2.749, de 1956, do senador Mozart Lago (1889-1974), determina o
uso oficial da forma feminina para designar cargos públicos ocupados por mulheres. Era letra morta. Até o país escolher sua
primeira mulher à Presidência da República. Criada num pós-guerra em que os países incorporaram direitos em resposta a
movimentos sociais, a lei condiciona o uso flexionado ao que for admitido pela gramática. O que daria vez à forma "presi-
dente". O problema é que não há consenso linguístico que justifique opção contrária à lei. Em novembro, muitos professores,
gramáticos e dicionaristas se apressaram em dizer que tanto "a presidente" como "presidenta" são legítimas. (...)
Disponível em: <http://revistalingua.com.br/textos/62/presidente-ou-presidenta-248988-1.asp>. Acesso em: maio 2015.

266 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 11 Coerência e concisão

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I. Mas número equivalente tomou "presidenta" TEXTO II
como neologismo avesso ao sistema da língua.
II. Mas o termo “presidenta” tornou-se completa-
mente aceito na língua.
III. Mas número equivalente tomou “presidenta” como
o neologismo mais aceito no sistema da língua.
a Somente I e II são coerentes para o final do texto.
b Somente II é coerente para o final do texto.
c Somente III é coerente para o final do texto.
d Somente II e III são coerentes para o final do texto.
e Somente I é coerente para o final do texto.

Textos para a questão 8.


Disponível em: <http://noticias.uol.com.br>. Acesso em: 11 ago. 2013 (adaptado).
TEXTO I
8 A notícia e o cartaz abordam a questão da doação de
Seis estados zeram fila de espera órgãos. Ao relacionar os dois textos, observa-se que
para transplante da córnea o cartaz é
Seis estados brasileiros aproveitaram o aumento no a contraditório, pois a notícia informa que o país su-
número de doadores e de transplantes feitos no primei- perou a necessidade de doação de órgãos.
ro semestre de 2012 no país e entraram para uma lista b complementar, pois a notícia diz que a doação de
privilegiada: a de não ter mais pacientes esperando por órgãos cresceu e o cartaz solicita doações.
uma córnea. c redundante, pois a notícia e o cartaz têm a intenção
Até julho desse ano, Acre, Distrito Federal, Espírito de influenciar as pessoas a doarem seus órgãos.
Santo, Paraná, Rio Grande do Norte e São Paulo elimina- d indispensável, pois a notícia fica incompleta sem o
ram a lista de espera no transplante de córneas, de acordo cartaz, que apela para a sensibilidade das pessoas.
com balanço divulgado pelo Ministério da Saúde, no Dia e discordante, pois ambos os textos apresentam po-
Nacional de Doação de Órgãos e Tecidos. Em 2011, só São sições distintas sobre a necessidade de doação de
Paulo e Rio Grande do Norte conseguiram zerar essa fila. órgãos.

Exercícios propostos
1 AFA Observe os excertos I, II e III.
I. Os morcegos entraram pela janela e voejaram sobre a classe. De repente um dos mamíferos enroscou-se nos
cabelos de Pat, a aluna mais chata. Foi uma gozação geral!
II. Muito derrotista apregoa que o plano econômico do atual governo tende ao fracasso, mas eles estão completa-
mente enganados.
III. A casa de Anacleto no bairro de Santana, em São Paulo, é bastante confortável. Além das dependências convencio-
nais, possui escritórios, biblioteca, sauna e uma espaçosa varanda voltada para o leste, onde todas as tardes se vê
Anacleto, em sua cadeira de balanço, admirando o pôr do sol.
Dir-se-á que:
a I é coeso, mas não é coerente; II é coeso e coerente; III é coeso e coerente.
b I é coeso e coerente; II é coeso e coerente; III é coeso, mas não coerente.
c I é coeso e coerente; II é coerente, mas não é coeso; III é coeso, mas não coerente.
d I é coerente, mas não coeso; II é coeso, mas não é coerente; III é coerente, mas não coeso.

2 AFA Observe este excerto e responda.


Sociólogo garante não existir segregação racial nos blocos do carnaval de Salvador, destacando que a folia reflete a
tolerância racial reinante na sociedade baiana. Afirma, também, que lá se tem não apenas uma intensa convivência entre as
raças, mas também mecanismos que permitem colocar cada um no seu devido lugar.
A respeito desse escrito, pode se afirmar que:
a está gramaticalmente correto, mas peca pela incoerência.
b é coeso e coerente, mas apresenta ambiguidade gerada pelo mau uso do pronome possessivo.
FRENTE ÚNICA

c apresenta falhas de gramática e de coesão, mas é inatacável quanto à clareza e à coerência.


d revela incompatibilidade do ponto de vista da variante linguística escolhida e falhas de estruturação do discurso indireto.

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3 AFA Observe este excerto: O texto a seguir refere-se às questões de 7 a 13.
Os craques Edmundo e Romário estiveram jogando Capítulo XXII / Sensações alheias
algumas temporadas no futebol europeu.
Estão atuando no Japão numerosos craques brasileiros Não alcancei mais nada, e para o fim arrependi-me
de primeira categoria. do pedido: devia ter seguido o conselho de Capitu. Então,
Vários outros jogadores revelados na atual temporada como eu quisesse ir para dentro, prima Justina reteve-me
brasileira estão sendo sondados por empresários do exterior. alguns minutos, falando do calor e da próxima festa da
O Brasil é um respeitável exportador de talentos Conceição, dos meus velhos oratórios, e finalmente de
futebolísticos. Capitu. Não disse mal dela; ao contrário, insinuou-me
que podia vir a ser uma moça bonita. Eu, que já a acha-
Dir-se-á que esse escrito: va lindíssima, bradaria que era a mais bela criatura do
a não tem textualidade. mundo, se o receio me não fizesse discreto. Entretanto,
b tem textualidade garantida pela coesão. como prima Justina se metesse a elogiar-lhe os modos, a
c tem textualidade garantida pela coerência. gravidade, os costumes, o trabalho para os seus, o amor
d tem textualidade garantida pela coesão e coerência. que tinha a minha mãe, tudo isto me acendeu a ponto
de elogiá-la também. Quando não era com palavra, era
4 AFA Assinale a alternativa em que há incoerência. com o gesto de aprovação que dava a cada uma das as-
a Em todas as gerações, os jovens criaram gírias para serções da outra, e certamente com a felicidade que devia
que os mais velhos não pudessem entendê-los. A gí- iluminar-me a cara. Não adverti que assim confirmava a
ria é também uma maneira de sentir-se parte de um denúncia de José Dias, ouvida por ela, à tarde, na sala
grupo, algo muito importante para os adolescentes. de visitas, se é que também ela não desconfiava já. Só
b Nos últimos 500 anos, o português usado no Brasil pensei nisso na cama. Só então senti que os olhos de
desenvolveu-se de forma distinta do idioma falado em prima Justina, quando eu falava, pareciam apalpar-me,
Portugal. Isso não quer dizer que os brasileiros falem ouvir-me, cheirar-me, gostar-me, fazer o ofício de todos
errado. Falam de acordo com uma gramática brasileira. os sentidos. Ciúmes não podiam ser; entre um pirralho
c À medida que as pessoas começaram a usar o e-mail da minha idade e uma viúva quarentona não havia lugar
em vez de falar pessoalmente ou pegar o telefone, os para ciúmes. É certo que, após algum tempo, modificou
mal-entendidos foram se multiplicando. Isso aconte- os elogios a Capitu, e até lhe fez algumas críticas, disse-
ceu porque muita gente que usa a internet não estava -me que era um pouco trêfega e olhava por baixo; mas,
habituada a escrever antes do surgimento dela. ainda assim, não creio que fossem ciúmes. Creio antes...
d O governo brasileiro deveria tomar medidas para sim... sim, creio isto. Creio que prima Justina achou no
proteger os idiomas dos índios da Amazônia. Pois, espetáculo das sensações alheias uma ressurreição vaga
se não há mais resquícios da sociedade indígena, das próprias. Também se goza por influição dos lábios
se eles estão numa favela bebendo cachaça o dia que narram.
inteiro, seria mais útil ensinar a eles o português, Machado de Assis. Dom Casmurro.
para ajudá-los a conseguir um emprego.
7 Fuvest Em [...] e certamente com a felicidade que devia
5 AFA Assinale a passagem em que a coerência tempo- iluminar-me a cara [...] o verbo devia forma com ilumi-
ral encontra-se comprometida. nar uma locução verbal, acrescentando-lhe a ideia de:
a “Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. a necessidade.
Deus te abençoe.” b probabilidade.
b “Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto c obrigação.
de mim, enquanto é tempo.” d indiferença.
c “Saiu atrás de suas asas ligeiras, sua sombra tam- e certeza.
bém vindo-lhe correndo, em pós.”
d “Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no 8 Fuvest O verbo ser, que por duas vezes aparece no
cabelo, o tanto que a mamãe me mandou”. trecho [...] Quando não era com palavras, era com o ges-
to de aprovação que dava a cada uma das asserções da
6 Em um documento obtido na internet, cujo título é outra[...], está empregado em substituição de verbo
“Como escrever legal”, encontram-se as seguintes re- anteriormente expresso, ao qual se refere e cujo sen-
comendações. tido passa a ter. No trecho ele está substituindo:
1. Fuja de lugares-comuns como o diabo foge da cruz. a insinuava.
2. Nunca generalize: generalizar é sempre um erro. b acendia.
3. A voz passiva deve ser evitada. c bradava.
Explicite as incoerências utilizadas nessas recomen- d elogiava.
dações. e achava.

268 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 11 Coerência e concisão

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9 Fuvest Durante o tempo em que prima Justina elogiou 13 Fuvest Em [...] como eu quisesse ir para dentro [...], a
as qualidades de Capitu, Bentinho: conjunção expressa uma ideia de:
a com receio de se trair, permaneceu calado e indi- a comparação. d finalidade.
ferente. b conformidade. e consequência.
b pensava intimamente que ela dizia tudo aquilo mo- c causa.
vida mais pelo ciúme do que pela verdade.
c dizia que Capitu era lindíssima, a mais bela criatura 14 Explique a falta de coerência nos textos a seguir.
do mundo. a) Quem sai na chuva é para se queimar.
d limitava-se a concordar e apoiar dissimuladamente b) Há violência em todos os lugares: de Pernam-
com gestos as palavras da outra. buco a Porto Alegre; é só conferir o índice de
e saindo de sua atitude inicialmente contida, ma- criminalidade em cada uma dessas regiões.
nifestava apoio às palavras de prima Justina por c) Um certo jogador, num almoço, quando todos
meio de diversas formas de expressão. comiam uma salutar macarronada, responde o
seguinte ao ser inquirido sobre o motivo de não
10 Fuvest No trecho Não adverti que assim confirmava a estar comendo a macarronada:
denúncia de José Dias... aparece a palavra assim, que – Estou de regime, o doutor me proibiu de co-
faz parte do grupo de instrumentos linguísticos que mer bicarbonato.
ligam as partes do discurso e promovem a coesão do d) O ministro era uma pessoa corretíssima e muito
texto. Ela remete a algo que já foi dito, isto é, ao contex- bondosa, era também um cavalheiro. Certa vez,
to anterior. No presente caso refere-se: almoçando com um vigarista, teve a sensibilida-
a aos elogios feitos por prima Justina. de de convidar dois pobres para almoçar à mesa.
b ao pedido de ajuda feito à prima Justina para não e) Era um insipiente, embora não tivesse estudado.
ser mandado ao seminário. f) Vossa Excelência há de convir que é a maior treta,
c à maneira como Bentinho reagira diante dos elo- sacanagem mesmo. Entretanto estou disposto a
gios de Justina a Capitu. atendê-lo, desde que o senhor não fique no mocó,
d ao fato de Bentinho não ter seguido o conselho dando uma de migué. Agradeço antecipadamente,
dado por Capitu. até mais.
e ao receio e à discrição afetados por Bentinho. g) O mundo vivencia um clima de terror, medo e apatia.
h) Há cerca de 4 448 veículos estacionados no pá-
11 Fuvest O título “Sensações alheias”, que se explica ao tio da Ford.
longo do texto, deixa a impressão de que:
a há pessoas que têm no prazer dos outros o des- 15 ITA Há algum tempo, apareceu na imprensa a notícia
pertar das próprias emoções. de uma controvérsia sobre a lei de Aposentadoria, en-
b o ciúme, funcionando como barreira, impede o de- volvendo duas teses que podem ser expressas nas
sabrochar do prazer. sentenças a seguir.
c prima Justina, com ciúme de Capitu, procura envol- I. Poderão aposentar-se os trabalhadores com
ver Bentinho. 65 anos e 30 anos de contribuição para o INSS.
d Bentinho somente vibra de emoções com as refe- II. Poderão aposentar-se os trabalhadores com
rências a Capitu. 65 anos ou 30 anos de contribuição para o INSS.
e prima Justina está escondendo sua paixão por José
Dias. Aponte a alternativa que apresenta a interpretação
que não pode ser feita a partir dessas sentenças.
12 Fuvest Fora do contexto, o interesse de alguém pela a De acordo com (I), para aposentar-se, uma pessoa
relação amorosa entre dois adolescentes pode ser deve ter simultaneamente, pelo menos, 65 anos de
interpretada de múltiplas maneiras. Dentro do con- idade e, pelo menos, 30 anos de contribuição para
texto desse capítulo de Dom Casmurro, porém, o o INSS.
narrador-personagem deu a sua interpretação par­ b De acordo com (II), para aposentar-se, uma pessoa
ticular ao interesse com que a prima Justina tro­cava
deve ter simultaneamente, pelo menos, 65 anos de
com ele impressões sobre Capitu.
idade e, pelo menos, 30 anos de contribuição para
Com base nos dados que o conjunto do texto nos for-
o INSS.
nece, essa curiosidade de prima Justina se explica:
c De acordo com (II), uma pessoa que tenha 65 anos
a pelo interesse de manter o menino sob seu controle.
de idade e 5 anos de contribuição para o INSS po-
b pelo desejo de confirmar as denúncias de José Dias.
c pelo prazer de reviver, pelo discurso ou pelas palavras derá se aposentar.
d De acordo com (II), para aposentar-se, basta que
FRENTE ÚNICA

do interlocutor, sensações já experi­­men­­tadas por ela.


d pela tendência natural de “fofocar” sobre as expe- uma pessoa tenha 65 anos de idade, pelo menos.
riências dos outros e com isso criar cumplicidade. e De acordo com (II), para aposentar-se, basta que uma
e pela intenção de investigar a vida amorosa de Ca- pessoa tenha contribuído para o INSS por, pelo me-
pitu e Bentinho e contar para a mãe dele. nos, 30 anos.

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16 A obra a seguir é de um conhecido movimento artís- 19 Assinale a alternativa que apresenta melhor concisão
tico. A improvisação e a falta de coerência são duas de ideias (enxutas).
marcas importantes dessa escola. Segue abaixo uma a A largada será no Leme. A chegada acontecerá no
obra desse movimento. mesmo local da partida.
b O procurador encaminhou ofício à área criminal da

Marcel Duchamp
Procuradoria determinando que seja investigado [...]
c A posição do Governo brasileiro é de que esgotem
todas as possibilidades de negociação para que se
alcance uma solução pacífica.
d Havia um elo de ligação entre o governo militar e a
elite empresarial da época.
e Suicidou-se, mas a polícia não sabia o motivo.

20 IME 2020 A primeira publicação do conto O Alienista,


de Machado de Assis, ocorreu como folhetim na revista
carioca A Estação, entre os anos de 1881 e 1882. Nes-
sa mesma época, uma grande reforma educacional
efetuou-se no Brasil, criando, dentre outras, a cadeira
de Clínica Psiquiátrica. É nesse contexto de uma psi-
quiatria ainda embrionária que Machado propõe sua
Fig. 11 Marcel Duchamp. Fonte, 1917-1964. Ready-made, 23,5 x 18cm, altura 60 cm. crítica ácida, reveladora da escassez de conhecimento
Urinol de Porcelana. Coleção de Arturo Schwarz, Milão, Itália. científico e da abundância de vaidades, concomitante-
mente. A obra deixa ver as relações promíscuas entre
O comentário e a obra acima estão relacionados ao
o poder médico que se pretendia baluarte da ciência
movimento:
e o poder político tal como era exercido em Itaguaí,
a futurista.
então uma vila, distante apenas alguns quilômetros da
b cubista.
capital Rio de Janeiro. O conto se desenvolve em treze
c dadaísta.
breves capítulos, ao longo dos quais o alienista vai fa-
d surrealista.
zendo suas experimentações cientificistas até que ele
e expressionista.
mesmo conclua pela necessidade de seu isolamen-
to, visto que reconhece em si mesmo a única pessoa
17 Leia com atenção. cujas faculdades mentais encontram-se equilibradas,
1. Todo ginecologista é habilidoso. sendo ele, portanto, aquele que destoa dos demais,
2. Todo ginecologista é formado em Medicina. devendo, por isso, alienar-se.
3. Nereu é habilidoso.
4. Maria é médica. Texto 1
Com base nessas afirmações, assinale a alternativa
correta. Capítulo IV
a Nereu é médico. UMA TEORIA NOVA
b Há médicos habilidosos.
c Todo médico é habilidoso. Ao passo que D. Evarista, em lágrimas, vinha buscan-
d Nereu é ginecologista. do o Rio de Janeiro, Simão Bacamarte estudava por todos
e Maria é habilidosa. os lados uma certa ideia arrojada e nova, própria a alargar
as bases da psicologia. Todo o tempo que lhe sobrava dos
5 cuidados da Casa Verde era pouco para andar na rua, ou
18 UFC Leia o texto a seguir. de casa em casa, conversando as gentes, sobre trinta mil
assuntos, e virgulando as falas de um olhar que metia
Oi, você medo aos mais heroicos.
vem sempre
Um dia de manhã, – eram passadas três semanas,
aqui?
10 – estando Crispim Soares ocupado em temperar um me-
dicamento, vieram dizer-lhe que o alienista o mandava
chamar.
– Tratava-se de negócio importante, segundo ele me
disse, acrescentou o portador. Crispim empalideceu. Que
15 negócio importante podia ser, se não alguma notícia da
comitiva, e especialmente da mulher? Porque este tópico
deve ficar claramente definido, visto insistirem nele os cro-
O texto citado passa de uma forma concisa uma situa- nistas; Crispim amava a mulher, e, desde trinta anos, nunca
ção vivida pelo atual mercado de equipamentos de alta estiveram separados um só dia. Assim se explicam os mo-
tecnologia. Explique-a em 5 linhas aproximadamente. 20 nólogos que fazia agora, e que os fâmulos lhe ouviam

270 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 11 Coerência e concisão

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muita vez: – “Anda, bem feito, quem te mandou consen- pública; mas era conservado pela grande energia de divulga-
tir na viagem de Cesária? Bajulador, torpe bajulador! Só ção que possuía. Por exemplo, um dos vereadores, – aquele
para adular ao Dr. Bacamarte. Pois agora aguenta-te; anda; justamente que mais se opusera à criação da Casa Verde, –
aguenta-te, alma de lacaio, fracalhão, vil, miserável. Dizes 85 desfrutava a reputação de perfeito educador de cobras e ma-
25 amém a tudo, não é? Aí tens o lucro, biltre!”. – E muitos cacos, e aliás nunca domesticara um só desses bichos; mas,
outros nomes feios, que um homem não deve dizer aos tinha o cuidado de fazer trabalhar a matraca todos os meses.
outros, quanto mais a si mesmo. Daqui a imaginar o efeito E dizem as crônicas que algumas pessoas afirmavam ter
do recado é um nada. Tão depressa ele o recebeu como visto cascavéis dançando no peito do vereador; afirmação
abriu mão das drogas e voou à Casa Verde. 90 perfeitamente falsa, mas só devida à absoluta confiança
30 Simão Bacamarte recebeu-o com a alegria própria no sistema. Verdade, verdade, nem todas as instituições do
de um sábio, uma alegria abotoada de circunspeção até antigo regime mereciam o desprezo do nosso século.
o pescoço. – Há melhor do que anunciar a minha ideia, é pra-
– Estou muito contente, disse ele. ticá-la, respondeu o alienista à insinuação do boticário.
– Notícias do nosso povo?, perguntou o boticário com 95 E o boticário, não divergindo sensivelmente deste
35 a voz trêmula. modo de ver, disse-lhe que sim, que era melhor começar
O alienista fez um gesto magnífico, e respondeu: pela execução.
– Trata-se de coisa mais alta, trata-se de uma experiên- – Sempre haverá tempo de a dar à matraca, concluiu
cia científica. Digo experiência, porque não me atrevo a ele.
assegurar desde já a minha ideia; nem a ciência é outra 100 Simão Bacamarte refletiu ainda um instante, e disse:
40 coisa, Sr. Soares, senão uma investigação constante. Tra- – Suponho o espírito humano uma vasta concha, o
ta-se, pois, de uma experiência, mas uma experiência que meu fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é
vai mudar a face da terra. A loucura, objeto dos meus es- a razão; por outros termos, demarquemos definitivamen-
tudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; te os limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito
começo a suspeitar que é um continente. 105 equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia
45 Disse isto, e calou-se, para ruminar o pasmo do bo- e só insânia.
ticário. Depois explicou compridamente a sua ideia. No O Vigário Lopes, a quem ele confiou a nova teoria,
conceito dele a insânia abrangia uma vasta superfície de declarou lisamente que não chegava a entendê-la, que era
cérebros; e desenvolveu isto com grande cópia de racio- uma obra absurda, e, se não era absurda, era de tal modo
cínios, de textos, de exemplos. Os exemplos achou-os na 110 colossal que não merecia princípio de execução.
50 história e em Itaguaí mas, como um raro espírito que era, – Com a definição atual, que é a de todos os tempos,
reconheceu o perigo de citar todos os casos de Itaguaí e acrescentou, a loucura e a razão estão perfeitamente deli-
refugiou-se na história. Assim, apontou com especialidade mitadas. Sabe-se onde uma acaba e onde a outra começa.
alguns célebres, Sócrates, que tinha um demônio familiar, Para que transpor a cerca?
Pascal, que via um abismo à esquerda, Maomé, Caracala, 155 Sobre o lábio fino e discreto do alienista roçou a vaga
55 Domiciano, Calígula etc., uma enfiada de casos e pessoas, sombra de uma intenção de riso, em que o desdém vinha
em que de mistura vinham entidades odiosas, e entidades casado à comiseração; mas nenhuma palavra saiu de suas
ridículas. E porque o boticário se admirasse de uma tal egrégias entranhas.
promiscuidade, o alienista disse-lhe que era tudo a mesma A ciência contentou-se em estender a mão à teologia, –
coisa, e até acrescentou sentenciosamente: 120 com tal segurança, que a teologia não soube enfim se
60 – A ferocidade, Sr. Soares, é o grotesco a sério. devia crer em si ou na outra. Itaguaí e o universo à beira
– Gracioso, muito gracioso!, exclamou Crispim Soares de uma revolução.
levantando as mãos ao céu. ASSIS, Machado de. O Alienista. Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
Quanto à ideia de ampliar o território da loucura, / USP. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/
DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1939>. Acesso em:
achou-a o boticário extravagante; mas a modéstia, princi- 12/08/2019.
65 pal adorno de seu espírito, não lhe sofreu confessar outra
coisa além de um nobre entusiasmo; declarou-a sublime e Com a finalidade de preservar a coerência e a correção
verdadeira, e acrescentou que era “caso de matraca”. Esta gramatical do texto, constata-se, no trecho abaixo, o uso
expressão não tem equivalente no estilo moderno. Naquele de um elemento coesivo cuja função é anafórica.
tempo, Itaguaí, que como as demais vilas, arraiais e po- “Assim se explicam os monólogos que ele fazia agora, e
70 voações da colônia, não dispunha de imprensa, tinha dois que os fâmulos lhe ouviam muita vez: –, ‘Anda, bem feito,
modos de divulgar uma notícia: ou por meio de cartazes quem te mandou consentir na viagem de Cesária? Baju-
manuscritos e pregados na porta da Câmara, e da matriz; – lador, torpe bajulador! Só para adular ao Dr. Bacamarte.
ou por meio de matraca. Pois agora aguenta-te; anda, aguenta-te, alma de lacaio,
Eis em que consistia este segundo uso. Contratava-se fracalhão, vil, miserável.’” (Texto 1, linhas 19 a 24)
75 um homem, por um ou mais dias, para andar as ruas do Podemos afirmar que o vocábulo “te” em negrito faz
povoado, com uma matraca na mão. referência ao(à)
De quando em quando tocava a matraca, reunia-se a Dr. Bacamarte.
FRENTE ÚNICA

gente, e ele anunciava o que lhe incumbiam, – um remédio b leitor.


para sezões, umas terras lavradias, um soneto, um donativo c boticário.
80 eclesiástico, a melhor tesoura da vila, o mais belo discur- d D. Evarista.
so do ano etc. O sistema tinha inconvenientes para a paz e Vigário Lopes.

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21 Reduza as orações presentes no período a seguir, (1) para gerúndio, (2) para infinitivo e (3) para particípio.
Os anões, que caçavam (1), viram um ET que pescava peixes (2) num lago que se localizava (3) na ponta extrema daquele
continente invisível.

22 Utilize a zeugma.
Os preguiçosos querem o fácil, os valentes querem o difícil.

23 UPE 2017
Pedestre, a medida de todas as coisas
Na palestra que fiz mês passado no seminário A Mobilidade a Pé e o Futuro do Recife, organizado pelo INTG – Instituto
da Gestão – e apoiado pelo Cesar, pela Urbana/PE e pela Fiepe, tive oportunidade de falar sobre a importância crucial do
pedestre para o urbanismo contemporâneo. Esse seminário regional foi um desdobramento, no Recife, do seminário inter-
nacional Cidades A Pé, realizado em São Paulo, no mês de novembro do ano passado.
Disse que, embora graduado em Arquitetura e Urbanismo pela UFPE, só fui entender o que considero vital na questão
urbana atual depois que andei milhares de quilômetros no Recife. Depois, portanto, que, na prática, me “pós-graduei” pelos
pés. O essencial do que aprendi foi que se o pedestre se sente mal no solo é porque o urbanismo é ruim e o planejamento
urbano, se houve, falhou.
O planejamento urbano tradicional, o que se aprende na escola e amiúde se aplica por aí, começa olhando o espaço
pelo satélite (ainda mais agora com a proliferação das tecnologias de internet…), depois “desce” para o mapa, para a planta,
para o detalhe, e termina por não chegar ao nível do chão, de quem está andando na rua. Depois de gastar muita sola de
sapato por aí, defendo que haja uma inversão de sentido, que o planejamento comece pelo chão, por onde anda o pedestre
e, aí, vá “subindo” até chegar ao satélite. Se isso fosse feito, com certeza, não teríamos muitas das atrocidades que suportamos
nas cidades brasileiras andando por elas…
Na Grécia antiga, a filosofia pré-socrática defendia que “o homem é a medida de todas as coisas”. Na cidade, a medida
de todas as coisas, sem a menor sombra de dúvida, é o pedestre! Não entender isso é ficar na contramão da história con-
temporânea do urbanismo. Que o digam Jan Gerl com seu consagrado livro “Cidade para as Pessoas”, e Jeff Speck com o
seu excelente livro “Cidade Caminhável”. Que o digam as cidades da Europa e, já, muitas dos EUA, além de praticamente
todas as capitais latino-americanas…
Já existem, inclusive, um conceito e um conjunto de indicadores que ajudam a materializar essa tendência. Trata-se, o
conceito, do Walkability, e o conjunto de indicadores, do Walk Score, que mede o quanto “caminhável” é determinado local,
bairro ou cidade. Temos que seguir por aí. Afinal, como repete aquele complemento de comercial de rádio e TV, independente
do meio de transporte que utilizemos, “na cidade, todos somos pedestres”.
Francisco Cunha. In: Revista Algomais, Ano 11, n.124, julho de 2016, p.50. Adaptado.

Considerando os recursos utilizados para assegurar a coesão e a coerência do Texto 1, assinale a alternativa CORRETA.
a A opção por iniciar o segundo parágrafo por “Disse que...” se configura como um equívoco nos elos coesivos do
texto, pois nele não são fornecidas informações que contextualizem a ação de “dizer”.
b No trecho: “O planejamento urbano tradicional, o que se aprende na escola e amiúde se aplica por aí” (3º parágra-
fo), o termo destacado representa uma retomada de “na escola”.
c No trecho: “Se isso fosse feito, com certeza, não teríamos muitas das atrocidades que suportamos nas cidades
brasileiras andando por elas…” (3º parágrafo), o autor obriga o leitor a relacionar o segmento sublinhado com os
parágrafos anteriores, nos quais algumas atrocidades foram listadas.
d No trecho: “Que o digam Jan Gerl [...] e Jeff Speck [...]” (4º parágrafo), o termo destacado indica o complemento do
verbo “dizer” e se refere às afirmações feitas pelo autor, nos períodos imediatamente anteriores, no texto.
e Para compreender o segmento destacado no trecho: “Que o digam as cidades da Europa e, já, muitas dos EUA,
além de praticamente todas as capitais latino-americanas…” (4º parágrafo), o leitor deve completar a seguinte infor-
mação que está implícita: “muitas pessoas dos EUA”.

24 FMP 2017
Mais velho, poucos amigos?
Um curioso estudo divulgado na última semana mostrou que a redução do número de amigos com a idade, tão comum
entre os humanos, pode não ser exclusivo da nossa espécie. Aparentemente, macacos também passariam por processo se-
melhante em suas redes de contatos sociais, o que poderia sugerir um caráter evolutivo desse fenômeno.
No trabalho desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa com Primatas em Göttingen, Alemanha, se identificou uma redução
de grooming (tempo dedicado ao cuidado com outros indivíduos, como limpar o pelo e catar piolhos) entre os macacos mais
velhos da espécie Macaca sylvanus. Além disso, eles praticavam grooming em um número menor de “amigos” ou parentes.

272 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 11 Coerência e concisão

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Fazer grooming está para os macacos mais ou me- escolheriam com mais cautela as pessoas com quem se
nos como o “papo” para nós. Da mesma forma que o sentem mais seguros (os amigos) para passar seu tempo.
“carinho” humano, ele parece provocar a liberação de BOUER, J. Jornal O Estado de São Paulo, caderno Metrópole,
endorfinas. Geram-se, dessa forma, sensações de bem-es- domingo, 26 jun. 2016, p. A23. Adaptado.

tar tanto em homens como em outros animais. Para garantir a unidade e a coerência, todo texto deve
Na pesquisa, publicada pelo periódico New Scientist,
seguir uma determinada ordem de apresentação das
os cientistas perceberam que macacos de 25 anos tiveram
ideias. Ao desenvolver o processo argumentativo, o
uma redução de até 30% do tempo de grooming quando
texto apresentado, depois de informar que a redução
comparados com adultos de 5 anos. Se esse fenômeno
acontece em outros primatas, ele também pode ter che- do número de amigos pode ser fruto de uma escolha
gado a nós ao longo do caminho de formação da nossa pessoal do idoso, afirma que
espécie. Se chegou, qual teria sido a vantagem evolutiva? a a depressão, as limitações físicas, a vergonha da
Durante muito tempo se especulou que esse “enco- aparência são alguns fatores que podem afetar as
lhimento” social em humanos seria, na verdade, resultado pessoas idosas.
de um processo de envelhecimento, em que depressão, b o grooming entre os macacos equivale à relação
morte de amigos, limitações físicas, vergonha da aparência de carinho e de contato entre os humanos.
e menos dinheiro poderiam limitar as novas conexões. c o homem não é o único ser vivo que sofre uma
Mas, pesquisando os idosos, se percebeu que ter menos redução de amigos ao longo do seu processo de
amigos era muito mais uma escolha pessoal do que uma
envelhecimento.
consequência do envelhecer.
d os especialistas defendem posições distintas so-
Uma linha de investigação explica que essa redução dos
amigos seria, na verdade, uma seleção dos mais velhos de bre a relação entre envelhecimento e redução de
como usar melhor o tempo. Mas outros especialistas defen- amigos.
dem a ideia de que os mais velhos teriam menos recursos e os macacos mais velhos tiveram redução do tempo
e defesas para lidar com estresse e ameaças e, assim, de grooming, segundo uma pesquisa alemã.

Texto complementar
Coesão e coerência – devem-se distinguir?
A coesão e a coerência constituem dois fatores importantes da textualidade. Deve-se distingui-las? Como fazer?
Há autores que distinguem dois níveis de análise, correspondendo a coesão e coerência, embora a terminologia possa
ser diferente; outros não distinguem, e outros ou fazem referência a apenas um desses fenômenos ou estudam vários de seus
aspectos sem qualquer rotulação.
Halliday e Hasan (1976) afirmam que o que permite determinar se uma série de sentenças constitui ou não um texto
são as relações coesivas com e entre as sentenças, que criam a textura:
“Um texto tem uma textura e é isso que o distingue de um não texto. O texto é formado pela relação semântica de
coesão” [...].
Isenberg, linguista alemão da Academia de Ciências de Berlim (um dos mais importantes centros de formação de gra-
mática gerativa da Europa), procura fundamentar sua gramática de texto na teoria-padrão gerativa, postulando, porém, como
unidade básica de estudo o texto, e não o enunciado.
Em seu trabalho cita treze fenômenos somente explicáveis no âmbito da estrutura textual (por exemplo, a anáfora, a
seleção de artigos, a pronominalização e os elementos pró-adverbiais, a sucessão dos tempos), que podem ser considerados
fatores de coesão, ao lado de diversos tipos de textualização, ou seja, relações entre os enunciados assindeticamente conju-
gados (por exemplo, conexão causal, conexão de motivos, tematização de objetos novos), estes podendo ser considerados
fatores de coerência.
Weinrich estuda aspectos relevantes para a elaboração de uma macrossintaxe dos discursos, como a sintaxe dos ar-
tigos e dos tempos verbais; mostra que a distribuição do artigo é um aspecto importante da estrutura sígnica textual,
orientando o receptor na compreensão dos demais signos do texto. Quanto aos tempos verbais, classifica-os em dois
grandes grupos, com limites bem definidos: os do mundo comentado e os do mundo narrado. Embora não fale nem em
coesão nem em coerência, tanto os artigos quanto os tempos verbais devem ser incluídos entre os elementos de coesão.
Beaugrande e Dressler (1981), autores que serviram de ponto de partida para este trabalho, consideram constituírem a
coesão e a coerência níveis diferentes de análise.
A coesão, manifestada no nível microtextual, refere-se aos modos como os componentes do universo textual, isto é, as
palavras que ouvimos ou vemos, estão ligados entre si dentro de uma sequência.
A coerência, por sua vez, manifestada em grande parte macrotextualmente, refere-se aos modos como os componentes
FRENTE ÚNICA

do universo textual, isto é, os conceitos e as relações subjacentes ao texto de superfície, se unem numa configuração, de
maneira reciprocamente acessível e relevante. Assim a coerência é o resultado de processos cognitivos operantes entre os
usuários e não mero traço dos textos.
Leonor Lopes Fávero. Coesão e coerência textuais. 11. ed. São Paulo: Ática, 2009.

273

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Resumindo
Coerência yy Coerência interna: compatibilidade de sentido entre as partes que
yy Coerência: compatibilidade de sentido entre duas parte do texto. compõem o texto:
yy Coesão: ligação entre as partes. ― sintático-semântica: quando as partes estão em relação sintático-
-semântica;
yy O texto pode apresentar:
― temporal: quando se respeita a progressão temporal dos fatos;
― coesão sem coerência;
― narrativa: quando os elementos que pertencem à narrativa apre-
― coerência sem coesão;
sentam compatibilidade, coerência;
― sem coesão e sem coerência;
― argumentativa: quando os argumentos sustentam a tese;
― coesão e coerência.
― verbo-visual: quando a linguagem verbal entra em concordância
yy Coerência externa: compatibilidade semântica com a ciência, com a semântica com a linguagem visual;
realidade.
― visual: quando as imagens que compõem o texto visual se harmo-
nizam no sentido.
yy Quebra de paralelismo semântico: quando se quebra a expectativa
no nível do sentido.

Concisão yy Mecanismos textuais que promovem a concisão:


yy Concisão: quando o texto é enxuto, objetivo. ― delimitar o tema;
yy Mecanismos gramaticais que promovem a concisão: ― não fugir do tema;
― frases nominais; ― selecionar os argumentos previamente;
― orações reduzidas; ― não repetir os mesmos argumentos.
― elipses, zeugmas; yy Fatores que levam à falta de concisão textual:
― emprego de adjetivos e locuções adjetivas no lugar de orações ― digressão;
adjetivas; ― não delimitar o tema;
― evitar o queísmo; ― fugir do tema;
― evitar excesso de artigos; ― não selecionar previamente os argumentos;
― evitar excesso de orações. ― excesso de detalhes.

Quer saber mais?

Teatro Música
yy VIANNA FILHO, Oduvaldo. Rasga coração. yy Lenine, “Paciência”.
Última peça do autor, que faleceu com 38 anos, o texto se equilibra A letra dessa canção é um bom exemplo de uso bem resolvido de
entre a linguagem popular, o retrato do brasileiro comum e a realidade elementos coesivos construindo o texto.
política social do país na época da ditadura, estabelecendo também
um paralelo com a luta pela liberdade na época do Estado Novo. É uma
boa oportunidade para ver a maestria do autor em construir um drama
coerente e coeso articulando tempos e espaços diversos.

Exercícios complementares
1 AFA Leia o período a seguir.
Fita-Verde resolveu tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso.
Fita-Verde encontrou borboletas, avelãs e plebeiínhas flores.
Guimarães Rosa.

Assinale a alternativa em que as ideias acima estão organizadas num só período coerente e coeso e expressam
relação de causa e consequência.
a Assim que Fita-Verde resolveu tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso, encontrou bor-
boletas, avelãs e plebeiínhas flores.
b Fita-Verde encontrou borboletas, avelãs e plebeiínhas flores, posto que resolvesse tomar este caminho de cá, louco e
longo, e não o outro, encurtoso.

274 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 11 Coerência e concisão

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c Ainda que Fita-Verde resolvesse tomar este cami- Lubrificantes oculares gelados também são muito efi-
nho de cá, louco e longo, e não o outro encurtoso, cientes, mas só quando prescritos por um oftalmologista.
encontraria borboletas, avelãs e plebeiínhas flores. Importante: não jogue água boricada dentro do olho,
d Na medida em que resolveu tomar este caminho de pois isto causa irritação. Ela deve ser usada apenas para
cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso, Fita-Verde limpeza externa ou como compressa gelada.
encontrou borboletas, avelãs e plebeiínhas flores.
a) Localize, no texto, o trecho em que há um proble-
ma de coerência.
2 Unicamp Quando o treinador Leão foi escolhido para
b) Reescreva o trecho de modo a torná-lo coerente.
dirigir a seleção brasileira de futebol, o jornal Correio
Popular publicou um texto com muitas imprecisões,
do qual consta a seguinte passagem. 5 AFA Observe as frases a seguir e marque a opção que
contém aquelas em que o rompimento do paralelismo
Durante sua carreira de goleiro, iniciada no Comercial resulta um efeito de bom estilo.
de Ribeirão Preto, sua terra natal, Leão, de 51 anos, sempre
I. Não fui à missa por estar gripado e porque não
impôs seu estilo ao mesmo tempo arredio e disciplinado.
aprecio os sermões do padre Onofre.
Por outro lado, costumava ficar horas aprimorando seus
II. Palmeiras perde o jogo e a cabeça na Argentina.
defeitos após os treinos. Ao chegar à seleção brasileira
III. O que ele mais admira na esposa é a beleza, a
em 1970, quando fez parte do grupo que conquistou o
cultura e não fumar.
tricampeonato mundial, Leão não dava um passo em fal-
so. Cada atitude e cada declaração eram pensadas com
IV. Granofruit – cereais e frutas – Use puro, com leite,
um racionalismo típico de sua família, já que seus outros iogurte ou com a sua imaginação.
dois irmãos, Edmílson 53 anos, e Édson, 58, são médicos. V. Na Europa ele teve a oportunidade de visitar Roma,
Campinas, 20 out. 2000. Madrid e o Museu do Louvre.
a) O que aconteceria com Leão se ele, efetivamente,
a I e III.
ficasse “aprimorando seus defeitos”? Reescreva o
b II e IV.
trecho de maneira a eliminar o equívoco.
c I, II e V.
b) Por que o emprego da palavra “racionalismo” é
d III, IV e V.
inadequado nessa passagem?

6 AFA Considere este excerto de Memórias póstumas


3 Mackenzie [...] A dualidade entre os dois mundos da
de Brás Cubas.
essência e da existência é um problema insolúvel, se a
existência não for um meio pelo qual a essência como Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe
tal se realize. exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a
Lavelle. franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida,
I. Se estabelecermos que a essência só se realiza o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das
por meio da existência, estaremos admitindo a cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfar-
çar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo
insolubilidade do problema da dualidade entre
as revelações que faz à consciência; e o melhor da obri-
esses dois mundos.
gação é quando, à força de embaçar os outros, embaça-se
II. Se estabelecermos que a essência só se realiza por
um homem a si mesmo, porque em tal caso poupa-se o
meio da existência, estaremos possibilitando a solução
vexame, que é uma sensação penosa, e a hipocrisia, que
do problema da dualidade entre esses dois mundos.
é um vício hediondo. Mas, na morte, que diferença!, que
III. O autor estabelece uma relação de meio e fim,
desabafo!, que liberdade! Como a gente pode sacudir fora
em que a essência é o instrumento para a realiza-
a capa, deitar ao fosso as lentejoulas, despregar-se, despin-
ção da existência.
tar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que
A partir da relação das afirmações anteriores com o tex- deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem
to, assinale: amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos;
não há plateia. O olhar da opinião, esse olhar agudo e
a se todas estão corretas.
judicial, perde a virtude, logo que pisamos o território
b se todas estão incorretas.
da morte; não digo que ele se não estenda para cá, e nos
c se apenas I está correta.
não examine e julgue; mas a nós é que não se nos dá do
d se apenas II está correta.
exame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada
e se apenas III está correta.
tão incomensurável como o desdém dos finados.
Machado de Assis.
4 ITA O texto a seguir, da seção “Saúde” do Suplemen-
to de março/2000, do Caderno Regional, Folha Vale, Dando de barato a viabilidade da tese do narrador, as-
Folha de S.Paulo, faz parte de uma série de recomen- sinale a opção cuja assertiva corresponde à afirmação
FRENTE ÚNICA

dações para relaxamento dos olhos. (I, II e III) que a segue, considerando que:

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I. expressa afirmação(ões) compatível(eis) com o a Temendo ser qualificado de presunçoso, Maquiavel
texto; achou por bem defrontar sua autoridade intelectual,
II. contém afirmação(ões) incompatível(eis) com o tipo um cartógrafo habilitado a desenhar os contras-
texto; tes de uma região.
III. registra afirmação(ões) contradizente(s) ao texto. b Maquiavel, embora identificando-se como um ho-
mem de baixo estado, não deixou de justificar sua
a O parecer (exterioridade) rege a vida; o ser (essên- autoridade diante do príncipe, em cujos ensina-
cia) só é encontrável na morte. (I) mentos lhe poderiam ser de grande valia.
b A atitude dos mortos é governada pela autenticida- c Manifestando uma compreensão dialética das rela-
de, enquanto a dos vivos prima pela dissimulação. (II) ções de poder, Maquiavel não hesita em ministrar
c A oposição entre a visão de mundo dos vivos e a ao príncipe, já ao justificar o livro, uma objetiva lição
dos mortos pode ser resumida, respectivamente, de política.
pelo par dicotômico “desafetação/afetação”. (I) d Maquiavel parece advertir aos poderosos de que não
d “Vida” assume conotação negativa, vinculada a ter- se menospreze as lições de quem sabe tanto analisar
mos como “embaçar”, “hipocrisia”, “cobiça”; por seu quanto ensinar o comportamento de quem mantenha
turno, “morte” é nome positivo, ligado a “liberdade”,
relações de poder.
“desabafo”, “despintar-se”. (III)
e Maquiavel, apesar de jamais ter sido um gover-
nante em seu livro tão perspicaz, soube se investir
7 Unicamp Marca-passo natural – Uma alternativa menos nesta função, e assim justificar-se diante de um
invasiva pode substituir o implante do marca-passo eletrô- príncipe autêntico.
nico [...]. Cientistas do Hospital John Hopkins, nos EUA,
conseguiram converter células cardíacas de porquinhos-
9 ITA Leia o texto a seguir:
-da-índia em células especializadas, que atuam como um
marca-passo, controlando o ritmo dos batimentos cardía- No novo catecismo das empresas, um trainee deve ter
cos. No experimento, o coração dos suínos recuperou a as mesmas qualidades dos diretores e gerentes, que por sua
regularidade dos movimentos. A expectativa é que em al- vez precisam saber ouvir e usar a internet como os trainees,
guns anos seja possível testar a técnica em humanos. que precisam ter a mesma disposição de se superar do pre-
IstoÉ, ed. 1.720, 18 set. 2002. sidente, que precisa trabalhar com equipes do mesmo jeito
que os trainees, gerentes e diretores, e vice-versa.
a) Alguém que nunca tivesse ouvido falar de
Você, n.10, abr. 1999. (Adapt.)
marca-passo poderia dar uma definição desse ins-
trumento lendo este texto. Qual é essa definição? a) Aponte duas propriedades do texto que contri-
b) A ocorrência da expressão “a técnica”, no final do buem para o efeito do sentido circular.
texto, indica que ela foi explicada anteriormente. b) O termo “vice-versa” é necessário no contexto
Em que consiste essa técnica? em que aparece? Por quê?
c) Apesar do nome, o porquinho-da-índia é um
roedor. Sendo assim, há uma forma equivocada 10 Fuvest Leia o texto a seguir.
de referir-se a ele no texto. Qual é essa forma e
Conversa no ônibus
como se explica sua ocorrência?
Sentaram-se lado a lado um jovem publicitário e um
8 Fuvest No início do século XVI, Maquiavel escreveu velhinho muito religioso. O rapaz falava animadamente
O Príncipe – uma célebre análise do poder político, sobre sua profissão, mas notou que o assunto não desper-
tava o mesmo entusiasmo no parceiro. Justificou-se, quase
apresentada sob a forma de lições, dirigidas ao prín-
desafiando, com o velho chavão:
cipe Lorenzo de Médicis. Assim justificou Maquiavel o
– A propaganda é a alma do negócio.
caráter professoral do texto:
– Sem dúvida, respondeu o velhinho. Mas sou da-
Não quero que se repute presunção o fato de um queles que acham que o sujeito dessa frase devia ser o
homem de baixo e ínfimo estado discorrer e regular sobre negócio.
o governo dos príncipes; pois assim como os [cartógrafos] a) A palavra “alma” tem o mesmo sentido para am-
que desenham os contornos dos países se colocam na bas as personagens? Justifique.
planície para considerar a natureza dos montes, e para b) Seguindo a indicação do velhinho, redija a frase
considerar a das planícies ascendem aos montes, assim na versão que a ele pareceu mais coerente.
também, para conhecer bem a natureza dos povos, é
necessário ser príncipe, e para conhecer a dos príncipes
11 Unicamp No diálogo transcrito a seguir, um dos interlo-
é necessário ser do povo.
cutores é falante de uma variedade de português que
Tradução de Lívio Xavier. (Adapt.).
apresenta uma série de diferenças com relação ao por-
Está redigido com clareza, coerência e correção o se- tuguês culto. Identifique, na fala desse interlocutor, as
guinte comentário sobre o texto: marcas formais dessas diferenças e transcreva-as. Faça,

276 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 11 Coerência e concisão

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a seguir, uma hipótese sobre quem poderia ser essa pes- “A gente cheguemos” não será uma construção gra-
soa (sua classe social e grau de escolaridade). matical errada na gestão do Partido dos Trabalhadores em
São Paulo.
Interlocutor 1: Por que o senhor acha que o pessoal não
está mais querendo tocar? Os trechos da entrevista nos quais a Folha se baseou
Interlocutor 2: É... a rapaziada nova agora não são mais para fazer tal comentário foram os seguintes:
como era quando nós ia, não senhora. Quando nós saía
– A criança terá uma escola na qual a sua linguagem
com o Congo nós levava aquele respeito com o mestre
seja respeitada [...] Uma escola em que a criança aprenda
que saia com nós, né? Então nós ficava ali, se fosse tomar
arguma bebida só tomava na hora que nós vinhesse a sintaxe dominante, mas sem desprezo pela sua.
embora. – Esses oito milhões de meninos vêm da periferia do
Brasil [...]. Precisamos respeitar a [sua] sintaxe mostrando
que sua linguagem é bonita e gostosa, às vezes é mais
12 Unicamp No diálogo transcrito, identifique o trecho que,
bonita que a minha. E, mostrando tudo isso, dizer a ele:
na fala do segundo interlocutor, constitui realmente res-
“Mas para tua própria vida tu precisas dizer ‘a gente che-
posta à pergunta feita. Transcreva esse trecho.
gou’ [em vez de ‘a gente cheguemos’]. Isso é diferente, [a
Identifique, a seguir, os momentos em que esse inter-
abordagem] é diferente. É assim que queremos trabalhar,
locutor foge ao tema proposto. Transcreva-os.
com abertura, mas dizendo a verdade.
IstoÉ: O professor Afonso Arinos disse recentemente que,
Responda de forma sucinta.
se o Plano Cruzado fracassar, o país corre sério risco de
a) Qual é a posição defendida pelo professor Paulo
sofrer golpe militar. O sr. acredita nessa perspectiva?
Freire com relação à correção de erros gramati-
Leitão de Abreu: Em geral aprecio muito a experiência do
cais na escola?
professor Afonso Arinos. Mas eu acho que não há clima b) O comentário do jornal faz justiça ao pensamento
nenhum para golpe no país. Falhe ou não falhe o Plano do educador? Justifique a sua resposta.
Cruzado – faço votos que não falhe –, nós vamos ter que
resolver o problema que surgir disso de uma maneira de-
mocrática, dentro do realismo político. O Brasil, aliás, é 15 Unicamp A notícia e o comentário transcritos a seguir
mestre em fazer isso. O Brasil chegou a instituir o parla- deixam claro que nem sempre podemos nos limitar à
mentarismo com Tancredo Neves naquele período para interpretação literal (isto é, “ao pé da letra”) das palavras.
evitar um problema político mais sério e conseguiu. Basta Demora
usar a imaginação.
IstoÉ. n. 517, 19 nov. 1986. O Ministério da Saúde calcula que em janeiro já po-
derá deflagrar o programa emergencial de saúde para os
13 Unicamp Identifique no texto a seguir. ianomâmis, em Rondônia. Até lá os mosquitos transmisso-
a) O argumento utilizado pelo ministro do Trabalho res da malária estão proibidos de picar os índios.
Folha de S.Paulo, Painel.
a favor da manutenção da legislação salarial que
prevê reajustes indexados e automáticos. a) Identifique e transcreva a passagem que, no tex-
b) A palavra que marca sintaticamente a oposição to, não deve ser interpretada literalmente.
entre os assalariados que ganham pouco e aque- b) Explique por que a inclusão dessa passagem dei-
les que ganham muito. xa clara a posição crítica e irônica do jornal com
c) A palavra que poderia ser substituída por “não relação aos prazos propostos pelo Ministério da
obstante”. Saúde para começar a resolver o problema da
malária entre os índios ianomâmis.
Não há [...] como se cogitar do abandono do sistema
de reajustes indexados e automáticos. [...] Em suas linhas
gerais de legislação salarial deve ser mantida, por ser tec- 16 Unicamp Leia com atenção o trecho a seguir extraído
nicamente melhor do que as suas antecessoras. Impõe-se, de artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo.
entretanto, um tratamento adequado ao piso salarial na- Desenvolver o país é preciso
cional e sua completa e definitiva desvinculação de outros
salários. Exige-se, ainda, o estreitamento do amplo arco Direitos humanos, liberdade, dignidade da pessoa hu-
de salários. Não é justo que, enquanto muitos são pagos mana, defesa do meio ambiente e tantas outras aspirações
à razão de meio, um, dois ou três salários mínimos, outros nacionais não passarão de letra morta nos discursos e na
consigam ganhar cinquenta, cem, duzentas ou trezentas própria Constituição Federal, se não forem alcançados os
vezes mais. É fundamental, finalmente, que as negociações limites inferiores da sobrevivência condigna, infelizmente
sindicais ou com as empresas sejam livres e responsáveis, tão distantes ainda de significativa parcela da população
tomando como parâmetro os dados objetivos da realidade. brasileira. Basta lembrar que a cidade de São Paulo tem
Almir Pazzianotto. Folha de S.Paulo, 30 nov. 1987. 56% de sua população vivendo em favelas, cortiços,
FRENTE ÚNICA

habitações precárias e até mesmo sob os viadutos e nos


14 Unicamp O jornal Folha de S.Paulo introduz com o se- cemitérios, para que nos convençamos de que a oitava
guinte comentário uma entrevista (8 dez. 1988) com o economia do mundo é um grande desastre social.
professor Paulo Freire: Adriano Murgel Branco, 16 dez. 1989.

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Responda: que se estabelece entre o morro e a Sapucaí. Embora todos
a) qual é, segundo o texto, a condição para que se possam reconhecer os méritos de artistas plásticos que ali
cumpram as aspirações nacionais citadas? trabalham, o povo samba na avenida como um herói de
b) qual é o argumento utilizado no texto para refor- uma grande jornada. E, acrescente-se, há manifestação em
çar a afirmação de que o Brasil ainda é um grande prol de processos judiciais contra costumes que ofendem
desastre social? a moral e agridem a religiosidade popular. O carnaval ca-
rioca, porque se afasta de sua tradição, está se tornando
desgracioso, disforme, feio.
17 Unicamp O Partido X dedica-se a essa atividade mais do João Bosco Ribeiro. Redação Científica. (Adapt.).
que nunca. Ocorre que ainda está longe do desejado,
seja por falta de vontade, de vocação ou de incapacidade
do partido. Entre outras razões, é por esse motivo que o 19 UEPG Com relação a este fragmento adaptado de
dólar sobe. João Bosco Ribeiro, assinale o que for correto.
Fernando Rodrigues. Folha de S.Paulo, 25 set. 2002. (Adapt.). 01 Há falta de coerência entre a afirmativa inicial e a final.
02 A oração subordinada que se inicia com “embora”
a) Na primeira oração ocorre uma palavra (um pro- não apresenta coesão textual em relação à oração
nome) que permite concluir que o trecho citado principal.
não é o início do texto de Fernando Rodrigues. 04 O texto não se constitui como um todo porque apre-
Qual é a palavra e por que sua ocorrência permite senta diversas informações e várias direções.
tal conclusão? 08 Não é possível entender o objetivo principal do
b) O final da sequência “seja por falta de vontade, texto.
de vocação ou de incapacidade[...]” apresenta um 16 O texto não apresenta completude, inteireza e uni-
problema de coerência, que pode ser eliminado dade.
de duas maneiras. Quais são essas duas maneiras? Soma: 
c) Destaque uma passagem que indica que o texto
é pessimista (ou crítico) em relação ao Partido. Leia, a seguir, a crônica “Assassinos por distração”, de
Martha Medeiros, e responda à questão 20.
18 FGV-SP 2017 Leia o texto e, em seguida, atenda ao que
O Jornal Nacional, dias atrás, apresentou uma repor-
se pede.
tagem que merecia ser mais comentada. A história: na
Espigas cheias ou chochas Flórida, dois rapazes e uma garota resolveram roubar al-
gumas placas de PARE instaladas em cruzamentos. Motivo:
Este é o momento de cair na real. Não há muita saída
falta do que fazer. Consequência: na noite seguinte, numa
para o drama da hora, senão consertar o que está quebrado.
dessas esquinas desfalcadas de sinalização, três rapazes
A economia vive de ciclos, curtos e longos. Disso já se
de 18 anos chocaram seu veículo contra um caminhão.
sabia desde José do Egito, filho de Jacó, que avisou o faraó
Não sabiam que estavam atravessando uma preferencial.
de que sete anos de vacas magras e de espigas chochas
Tiveram morte instantânea.
sucederiam a sete anos de vacas gordas e espigas cheias.
O julgamento dos afanadores de placas foi televisio-
Para enfrentar caprichos do setor produtivo desse tipo
nado. Choravam feito bezerros desmamados. Alegavam
é que a humanidade aprendeu a fazer estoques, a empilhar
que tudo não passou de uma brincadeira de mau gosto.
reservas e criar fundos de segurança, também desde José
Eram réus primários, quase crianças, e pediam clemên-
do Egito ou desde o escravo grego Esopo, o autor da fábula
cia. Inútil. O juiz decretou 15 anos de prisão para cada
da cigarra e da formiga.
um e disse estar sendo generoso, porque assassinos não
Um dos grandes problemas da economia brasileira é
costumam pegar menos de 30. Comovida com o arrepen-
o de que enfrenta agora brutal crise fiscal sem que admi-
dimento dos acusados, a mãe de um dos garotos morto no
nistradores previdentes tenham previsto a tragédia nem se
acidente pediu ao juiz que não os condenasse por tanto
preparado para enfrentá-la.
tempo, pois no presídio iriam conviver com bandidos de
Celso Ming, http://economia.estadao.com.br, 04/05/2016.
verdade e o futuro deles ficaria irreversivelmente com-
a) Tendo em vista o assunto desenvolvido no texto, prometido. Nada feito. O juiz bateu o martelo e os três já
o que existe de comum entre a fábula de Esopo e estão vendo o sol nascer quadrado.
a história bíblica de José do Egito? O juiz foi rígido? Na hora em que eu assistia ao te-
b) Entendido em seu sentido literal, o trecho “sem lejornal, vendo o desespero daqueles jovens e de suas
que administradores previdentes tenham previs- famílias, achei que sim. Mas uma pergunta me veio à
to” contém uma incoerência. O emprego de aspas cabeça: quem, nos Estados Unidos, vai agora ousar roubar
em uma das palavras desse trecho, conferindo a uma placa de sinalização? Só um demente.
ela um sentido especial, eliminaria a incoerência? A lição é clara: a irresponsabilidade provoca cri-
Justifique. mes e a impunidade os multiplica. O Brasil está cheio
desses pequenos transgressores que depredam orelhões
e danificam placas de trânsito. [...] Precisam ser deti-
Texto para a questão 19.
dos. Falta de intenção atenua um crime, mas não pode
O carnaval carioca é uma beleza, mas mascara, com absolver. Qualquer pessoa com mais de 18 anos deve
seu luxo, a miséria social, o caos político, o desequilíbrio ter consciência de que dirigir bêbado, soltar foguetes,

278 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 11 Coerência e concisão

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dar tiros para o alto, jogar coquetéis molotov dentro de I. O termo “impressão” tem duplo sentido no texto.
ônibus, tudo isso também provoca tragédias. Estamos II. Há uma supressão do termo “corpo”, no poema,
acostumados a chamar de assassinos apenas aquelas em decorrência da concisão.
pessoas que saem de casa com uma pistola automática III. O desenho da fonte escolhida para o verbo refor-
e o endereço da vítima anotado num papel. Já políticos ça a ideia de dinamicidade.
que desviam verbas destinadas a postos de saúde, esses IV. A forma da fonte empregada no final do poema
são gentilmente chamados de corruptos. Ladrões, no desfaz a carga erótica do início.
máximo. Assassinos, nunca.
Não somos marginais, mas somos todos homicidas
Assinale a alternativa correta.
em potencial. Basta uma inconsequência, uma distorção
a Somente as afirmativas I e II são corretas.
de valores ou uma sandice como a dos jovens america-
b Somente as afirmativas I e IV são corretas.
nos. É pena que eles estejam pagando tão caro pelo que
c Somente as afirmativas III e IV são corretas.
fizeram, mas outros três adolescentes morreram por sua
causa, e outros tantos continuariam a morrer se o juiz d Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
pensasse como nós: o acusado poderia ser um filho meu. e Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
Poderia. Mas poderia também estar enterrado sete palmos
abaixo da terra por não ter sido avisado de que no meio do Texto para as questões 22 e 23.
caminho havia uma preferencial. Foi dado o recado: não Profissões de futuro
existe muita diferença entre os assassinos por natureza e
os assassinos por distração. Esse tema sempre nos traz reflexões e incertezas, seja
Junho de 1997 para orientar investimentos, seja para orientar os nossos
(MEDEIROS, M. Topless. Porto Alegre: L&PM, 2015. p.165-167.) filhos. Nunca houve consenso a respeito do futuro das
profissões, porque as informações se renovam a cada
três meses, fazendo de nós um novo ser completamen-
20 UEL 2017 Releia as frases a seguir, extraídas da crô- te diferente, a cada seis meses, tornando-nos “velhos” e
nica. ultrapassados em um curto espaço de tempo, se não nos
“Tiveram morte instantânea.” atualizarmos constantemente.
“Nada feito.” As profissões fundamentais nos dias de hoje não exis-
“Só um demente.” tirão daqui a dez anos, e as que se tornarão de primeira
“Assassinos, nunca.” necessidade nem foram inventadas ainda. Não mudarão ape-
Sobre essas frases, considere as afirmativas a seguir. nas as profissões, mas a maneira de se trabalhar, criando-se
I. Essas frases apresentam em comum o fato de nichos e subnichos de empregos, sub, super e ultraespe-
marcarem uma ideia de síntese. cialidades de uma mesma área, gerando megaprofissionais
II. O emprego dessas frases curtas no texto propor- altamente qualificados, mas absolutamente carentes de uma
ciona agilidade na leitura e causa maior impacto formação mais completa, seja científica, seja cultural.
na apreensão dos sentidos. O médico oftalmologista, que é um especialista, já
III. O uso de frases curtas e de efeito enfático desfaz divide sua área com subespecialidades (o de retina, o de
ambiguidades e elimina o detalhamento acerca catarata, o de glaucoma e outras patologias, o de cirurgia)
dos fatos narrados. a tal ponto que um dos melhores especialistas chegará a
tratar de qualquer distúrbio ocular com muita facilidade, mas
IV. A concisão é um fator que compromete a fluidez
será incapaz de prescrever uns óculos ou o colírio corretos.
das informações veiculadas pelo texto.
Assim vai acontecer com a engenharia, odontologia, direito
e outras. E mais: quando um jovem ingressava na faculdade
Assinale a alternativa correta.
de direito, sabia se seria advogado. Hoje em dia entram
a Somente as afirmativas I e II são corretas.
para descobrirem a que carreira abraçarão, seja policial,
b Somente as afirmativas I e IV são corretas.
diplomática, fiscal, e quem sabe, a de advogado mesmo, na
c Somente as afirmativas III e IV são corretas. essência jurídica. Com a revolução da inteligência artificial,
d Somente as afirmativas I, II e III são corretas. muitas áreas tenderão a se fundir, como, por exemplo, a me-
e Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. dicina, a engenharia e a informática, nascendo a engenharia
de tecidos, engenharia genética, programadores de genes.
21 UEL 2017 Leia o poema a seguir. Com a mesma velocidade que se formarão, esses no-
vos profissionais também deverão continuar estudando,
fazendo pós-graduação, tornando-se polivalentes, pro-
fissionais híbridos e preparados para exercerem várias e
múltiplas atividades dentro do seu campo de ação. Os
cursos mais concorridos nem sempre são os de melhores
perspectivas futuras e podem fazer com que esses jovens
FRENTE ÚNICA

saiam das faculdades para aumentarem o número de de-


(LEMINSKI, P. Toda Poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p.144.)
sempregados.
Em relação ao poema, considere as afirmativas a O certo é que, na velocidade com que anda esse pla-
seguir. neta, as informações se renovam a cada três meses, fazendo

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de nós um novo ser completamente diferente, a cada seis meses, tornando-nos “velhos” e ultrapassados em um curto espaço de
tempo, se não nos atualizarmos constantemente.
KASSIS, Elias Naim. Disponível em: http://www.diarioweb.com.br/novoportal/Opiniao/Artigos/9287/ Profissoes+de+futuro+.aspx. Acesso em: 10/07/14. Adaptado.

22 UPE 2015 O Texto apresenta algumas perspectivas sobre o futuro das profissões. Assinale a alternativa que sintetiza
adequadamente sua ideia principal sobre esse tema.
a O futuro dos profissionais, no cenário atual, está cada vez mais ameaçado pelas novas tecnologias.
b Certas áreas, como a de Direito, passarão a oferecer uma maior variedade de possibilidades de carreira.
c Haverá união de áreas distintas, com atividades mais específicas e profissionais mais versáteis.
d Só sobreviverá no mercado de trabalho o profissional que exercer uma das novas profissões do futuro.
e As profissões com melhores perspectivas de sucesso sempre serão as mais concorridas do mercado.

23 UPE 2015 Sobre algumas das estratégias utilizadas pelo autor para alcançar os efeitos pretendidos, analise as afirma-
tivas a seguir.
I. A fiel repetição de um trecho do primeiro parágrafo no último indica que o autor reafirma e ao mesmo tempo dá
importância ao conteúdo desse trecho.
II. Para angariar a atenção do leitor, o autor opta por fazer uma afirmação categórica e surpreendente em “As pro-
fissões fundamentais nos dias de hoje não existirão daqui a dez anos” (2º parágrafo).
III. No trecho: “criando-se nichos e subnichos de empregos, sub, super e ultraespecialidades de uma mesma área,
gerando megaprofissionais” (2º parágrafo), o emprego recorrente de prefixos selecionados amplia os sentidos
da ideia veiculada.
IV. No trecho: “Hoje em dia entram para descobrirem a que carreira abraçarão, seja policial, diplomática, fiscal”
(3º parágrafo), o emprego de metáfora e de algumas elipses promove, ao mesmo tempo, expressividade e con-
cisão.

Estão CORRETAS:
a I e II, apenas.
b I e III, apenas.
c II e IV, apenas.
d I, III e IV, apenas.
e I, II, III e IV.

24 UFPR Assinale a alternativa que pode ser usada no início do trecho a seguir, tornando-o coerente.
O estudo, envolvendo 545 homens, constatou que os mais otimistas têm metade das probabilidades
de morrer de doenças cardiovasculares. Os pesquisadores acreditam que isso provavelmente acontece porque os otimistas
fazem mais exercícios e lidam melhor com a adversidade.
Folha de S.Paulo, 5 mar. 2006.

a As mulheres vivem mais do que os homens, afirmam os pesquisadores do Instituto de Saúde Mental da Ho-
landa.
b Os otimistas têm menos possibilidade de morrer de doenças cardiovasculares do que os pessimistas, afirmam
os pesquisadores do Instituto de Saúde Mental da Holanda.
c Os homens que fazem diariamente exercícios físicos têm menos chance de terem problemas mentais, afirmam
pesquisadores do Instituto de Saúde Mental da Holanda.
d As mulheres vivem mais do que os homens, mas têm menos chance de terem problemas cardiovasculares,
afirmam os pesquisadores do Instituto de Saúde Mental da Holanda.
e Os homens com perfil pessimista que fazem diariamente exercícios físicos têm menos chance de terem pro-
blemas mentais, afirmam pesquisadores do Instituto de Saúde Mental da Holanda.

25 Utilize a elipse.
Eu sou o que eu penso ser? Ele é o que ele imagina ser? Nós somos o que pensamos ser? Ou somos o que os outros
acham que somos? Nós somos a tensão dessas duas visões.

280 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 11 Coerência e concisão

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FRENTE ÚNICA

12
CAPÍTULO Figuras de linguagem ligadas ao aspecto semântico
A foto apresenta recursos expressivos presentes na literatura: no contraste entre os
tons de pele, temos a antítese visual; há ainda uma sinédoque visual ao se colocar a parte,
as mãos, no lugar do todo, o adulto e a criança. O uso de linguagem figurada não se res-
tringe à literatura; na fala do cotidiano, na publicidade, na piada, também empregamos o
sentido conotativo (figurado). Neste capítulo, estudaremos as figuras de linguagem ligadas
ao aspecto semântico.

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Figuras de linguagem [...] O sol do futuro vai romper justamente da banda para
onde caminhas, e não da banda por onde nós outros temos
Metáfora (do grego metaphorá, pelo errado até hoje [...]
Raimundo Correia.
latim metaphora)
No período citado anteriormente, o autor afirma, de
Trata-se de uma transferência de sentido da palavra para
forma alegórica, que no futuro os leitores não aceitarão os
um âmbito semântico que não lhe pertence, mas que mantém
valores estéticos parnasianos, mas uma literatura nacional
com o sentido de origem uma relação de semelhança. Exemplo:
mais autêntica, à qual o interlocutor pertence. Veja este
A raposa estava de volta. João era temido por todos, era outro exemplo.
inteligente e não tinha pena dos devedores, tirava-lhes tudo!
Era esperto e sem escrúpulos.
Duas almas
Ó tu que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
João é comparado a uma raposa, porque ambos pos-
Entra, e, sob este teto, encontrarás carinho:
suem algo em comum:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
João Raposa Vives sozinha sempre, e nunca foste amada...

A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,


E a minha alcova tem a tepidez de um ninho,
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
Astúcia
Se banhem no esplendor nascente da alvorada.

E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,


Essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
Outros exemplos de metáfora: Podes partir de novo, ó nômade formosa!
I. Na primavera de minha vida, meu pai faleceu.
Já não serei tão só, nem irás tão sozinha.
II. Que sendo vós um sol, fora, Há de ficar comigo uma saudade tua...
Tendes manha de um sol posto. Hás de levar contigo uma saudade minha...
Gregório de Matos. Alceu Wamosy.

III. A copa sem chutes. O poema apresenta uma sucessão de metáforas, o que
Anúncio publicitário. dá um caráter alegórico ao texto.
Muitas metáforas são utilizadas como xingamento ou gíria:
Catacrese (do grego katáchresis)
I. Vai lá, seu banana!
II. Ela é uma gata, cara.
Toma-se de empréstimo um termo de outro campo
semântico que possua uma relação de semelhança com
A metáfora apresenta-se de duas maneiras: o objeto ou coisa a que se refere. Exemplo:
a. com os dois seres em confronto, explícitos na super-
fície do texto: Embarcaram no avião sem medo de serem revistados.

A B Embarcaram = entraram no barco


(ambos são meio de transporte)

O metrô é o inferno!
Atenção
b. com os dois seres em confronto, em que um deles
está implícito: Outros exemplos de catacrese: perna de mesa, asa de xícara, boca
do estômago, dente de pente, braço de rio, cabeça de alfinete etc.
A Devido ao seu uso corrente na língua, a catacrese é considerada
uma metáfora desgastada.
Voltei do inferno!
(metrô)
Prosopopeia (do grego Prosopopoiía)
B É quando se dá uma característica humana a um ser
Observe que, nesse exemplo, há uma substituição por inanimado ou irracional; também denominada personifica-
comparação (na metonímia, há substituição por implicação). ção ou antropomorfização.
I.
Alegoria (do latim allegoria, ae) As paredes pareciam escutar as confissões.
II. Agora que se cala o surdo vento,
Na fala ou na escrita, em vez de referirmo-nos diretamen- E o rio enternecido com meu pranto.
te a uma situação, utilizamos uma série de comparações, Francisco Rodrigues Lobo. Obras de Francisco Rodrigues Lobo.
metáforas; quando isso ocorre, temos um texto alegórico. Lisboa: Offic. Miguel de Cervantes, 1774. p. 118.

282 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 12 Figuras de linguagem ligadas ao aspecto semântico

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III. Algodão no Brasil tem nome e sobrenome. yy Autor pela obra
Anúncio publicitário.
Devolva o Neruda que você me tomou...
IV. Chico Buarque. "Trocando em miúdos". Intérprete:______.
In: Chico Buarque. Brasil: Universal, 1978. Faixa 3.
Reprodução

Autor: Neruda
Obra: o livro

yy Continente pelo conteúdo


No Natal, tomaremos dez taças.
Continente: taças
Conteúdo: champagne

yy Consequência pela causa


Vou suar minha camisa, meu irmão!
Consequência: suar
Causa: trabalho

yy Lugar pelo produto


Tomamos um excelente Porto.
Lugar: Porto
Fig. 1 Prosopopeia (“Se você realmente quer tocar alguém, mande uma carta”).
Produto: vinho
Existe também a zoomorfização, que é a atribuição de
características de outros animais a seres humanos. Graciliano yy Matéria pelo objeto
Ramos, em sua obra Vidas secas, utiliza essas duas figuras
Na praça, todos adoravam o bronze.
de linguagem na descrição de suas personagens, por exem-
plo, ao antropomorfizar a cachorra Baleia e ao zoomorfizar Matéria: bronze
­Fabiano; observe as passagens a seguir. Objeto: escultura

Exemplo 1: yy Concreto pelo abstrato


Ausente do companheiro, a cachorra Baleia tomou a frente Tinha um coração de mãe.
do grupo. [...] E de quando em quando se detinha, esperando
Concreto: coração
as pessoas, que se retardavam.
Abstrato: sentimento
Exemplo 2:
yy Parte pelo todo
Por que haveriam de ser sempre desgraçados, fugindo no
mato como bichos?
No exemplo 1, Baleia se comporta como um ser huma-
no, como a líder do grupo; no exemplo 2, toda a família é
zoomorfizada.

Metonímia (do grego metonymía, pelo


latim metonymia)
Trata-se de uma substituição por implicação (a metáfora
é uma substituição por comparação).
Homenagem da Yashica ao primeiro sorriso que você
conheceu.
Anúncio publicitário.
Seus braços mataram o rival.
O termo “primeiro sorriso” está no lugar de “mãe”; “sor-
riso” é a parte, “mãe” é o todo. Trata-se de uma relação de Parte: braços
FRENTE ÚNICA

contiguidade. As relações de implicação mais conhecidas Todo: a pessoa


são as seguintes: A relação parte/todo também é chamada Sinédoque.

283

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yy Singular pelo plural Atenção
O brasileiro gosta de futebol.
Mais exemplos de eufemismo: subtrair bens alheios (roubar); ir para
Singular: o brasileiro um lugar melhor (morrer); ser convidado a se retirar (ser expulso).
Plural: os brasileiros

yy Forma pelo objeto Antítese (do grego antíthesis, pelo latim


Agarrou a redonda e a devolveu ao beque. antithesis)
Forma: redonda A antítese ocorre quando temos uma oposição de pa-
Objeto: bola lavras ou ideias.
I. [...] Eles mandam, e vós servis: eles dormem, e vós velais:
eles descansam, e vós trabalhais [...]
Atenção Antônio Vieira. In: Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira.
43 ed. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 46.
O aluno deve entender o mecanismo da metonímia, para não precisar II.
decorar. Eis outros tipos: profissional pelo local (bicicleteiro/bicicle-

21º Anuário de Criação


taria); instrumento pela pessoa que o utiliza (pena/escritor); sinal
pela coisa significada (trono/império); lugar pelo habitante (Brasil/
brasileiro); indivíduo pela espécie (Judas/traidor); qualidade pela
espécie (irracional/animal) etc.

Símbolo
Essa figura, citada por Rocha Lima em Gramática nor-
mativa da Língua Portuguesa, ocorre quando “o nome de
um ser ou coisa concreta assume valor convencional, abs-
trato”, nas palavras do filólogo. "Balança", por exemplo, é o
símbolo da justiça.
O Evangelho e o Corão estão frente a frente no resultado Fig. 2 Antítese.
das suas doutrinas.
As duas palavras destacadas relacionam-se, respecti- Paradoxo (do grego Parádoxon, pelo
vamente, aos cristãos e aos maometanos; o livro, elemento
concreto, remete ao abstrato, isto é, à visão de mundo con-
latim Paradoxon)
tida em cada um dos livros. Trata-se de uma contradição nas ideias (ou ideias anta-
gônicas). O paradoxo agrupa significados que se excluem
Perífrase (do grego Periphrasis) mutuamente. Veja os exemplos:
I. Que o amor seja infinito enquanto dure.
Trata-se da substituição de um nome (ser) por um de Vinicius de Moraes. Soneto de Fidelidade.
seus atributos ou por um fato que o consagrou.
O mestre nos ensinou. II. Que a casa que ele fazia
Mestre = Cristo Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
Atenção Vinicius de Moraes. O operário em construção.

Outros exemplos de perífrase: rei das selvas (leão), cidade-luz (Paris), Em Vinicius, a contradição se estabelece na relação
Águia de Haia (Rui Barbosa), cisne de Mântua (Virgílio), poeta negro amor eterno/amor efêmero (enquanto dure); o amor não
(Cruz e Sousa). pode ser eterno se um dia ele vai terminar. O objetivo do
poeta é passar a ideia de que esse amor é intenso. No
segundo texto, a casa é concomitantemente a sua liberda-
Eufemismo (do grego Euphemismós) de (era dele) e a sua escravidão (exigia a sua dedicação).
Essa figura é utilizada com a finalidade de suavizar Nota-se que, no paradoxo, a oposição é simultânea e há
a mensagem, a fim de torná-la mais agradável ou menos contradição, o que não ocorre com a antítese. No exemplo
ofensiva. a seguir, temos uma antítese, pois não há contradição, mas
oposição (não há contrassenso).
Ele faltou com a verdade.
Uns gozam da liberdade; outros vivem na escravidão
Faltar com a verdade = mentir antítese

284 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 12 Figuras de linguagem ligadas ao aspecto semântico

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Quando o paradoxo é expresso de maneira sintética, Você está louco? Doce não tem acento!
dá-se o nome de oxímoro (tipo de paradoxo). Observe o Você sempre faz tudo errado, caramba!
caso a seguir.
É um contentamento descontente.
Ironia (do grego eiróneia, pelo latim ironia)
Luis de Camões. A ironia ocorre quando o enunciado (o que está escrito)
nega a enunciação (intenção do autor).
Veja agora a tirinha de Jim Davis, extraída de um exame
do Enem: I. Moça linda bem tratada,
Três séculos de família,
Burra como uma porta:
Um amor.
Mário de Andrade.

II. Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos


de réis. [...]
Machado de Assis.
Garfield, Jim Davis © 2000 Paws, Inc. All Rights Reserved/Dist.
Universal Uclick. Nos dois casos, a mensagem deve ser entendida ao
contrário.
O oxímoro ocorre porque segunda-feira costuma ser
considerado um dia enfadonho, infeliz; feliz segunda-feira Preterição (do latim praeteritl̆ o, onis)
é, pois, um paradoxo sintético, ou seja, um oxímoro. Alguns
autores consideram o oxímoro como sinônimo de paradoxo,
EuEu Eu
nãonão não
vou vou
não dizer dizer
que que
você você
umaégata,
uma
outros estabelecem essa distinção que acabamos de fazer. Eu vou
nãoEudizer
vou que
vou
dizervocê
queéque
dizer uma
éé éuma
gata,
você
você gata,
umum
um gata,
avião, uma
avião, um
um pedaço
avião, um
gata,
um avião;
pedaço
um
pedaço isso
deavião,
mau de
de épedaço
caminho;
mau
ummau cantada
caminho;
caminho;
isso é cantada
issobarata, eu
barata,nem a
eu nem conheço!
a éconheço!
isso ééde mau
cantada
cantada
caminho;
barata,
barata,
isso
eu cantada
nem
eu nem aa conheço!
conheço!
Sinestesia (do grego aísthesis) barata, eu nem a conheço!

A sinestesia ocorre quando o enunciador coloca duas


ou mais sensações diferentes lado a lado.
I. Avista-se o grito das araras.

visual auditivo
João Guimarães Rosa.

II. Tem cheiro a luz, a manhã nasce...


É a figura pela qual o enunciador finge não afirmar o
que, na verdade, afirma. No diálogo anterior, a personagem
olfativo visual masculina utiliza a preterição. Veja este outro exemplo, cita-
Alphonsus de Guimaraens.
do por Rocha Lima no livro Gramática normativa da Língua
Gradação (do latim gradatione) Portuguesa.

Trata-se de uma enumeração de ideias seguindo uma Não vos pintarei os tumultos, a grita da multidão: o sangue
graduação crescente ou decrescente. de todos os lados, o corpo do filho estendido [...]
Costa e Cunha.
Os meninos não tinham brinquedo, não tinham divertimen-
to, não tinham escola, não tinham comida, não tinham nada. Alusão (do latim all usio, onis)
Alphonsus de Guimaraens
Ocorre a alusão, afirma Rocha Lima, quando o enun-
Acabava o crepúsculo e o céu escurecia devagarinho, pas- ciador faz referência a fatos ou personagens conhecidos.
sando do rosa pálido e do amarelo transparente, ao lilás, ao
Qual Prometeu, tu me amarraste um dia.
cinza, ao roxo, ao azul-escuro, numa gradação suave. Castro Alves.
Malu de Ouro Preto.
Há, na frase do poeta, uma referência à personagem
da obra Prometeu acorrentado.
Hipérbole (do grego hyperbolé)
É a figura de linguagem que engrandece ou diminui Clímax
exageradamente os fatos. O Clímax é uma intensificação, ou um tipo de gradação,
que contribui para acentuar a ideia fatos crescente.
Chorei bilhões de vezes com a canseira.
Augusto dos Anjos. Onde o bom exemplo calando avisa, avisando emenda e
emendando afeiçoa.
FRENTE ÚNICA

Rios te correrão dos olhos, se chorares! João de Lucena.


Olavo Bilac.
Da perda do bem nasce o conhecimento; do conhecimen-
É comum a utilização da hipérbole no cotidiano. Veja to a estimação; da estimação a dor.
alguns exemplos: Antônio Vieira.

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Revisando
1 Fuvest 2020 O vídeo “Por que mentiras óbvias geram ótima propaganda” destaca quatro aspectos principais da propaganda
russa: 1) alto volume de conteúdo; 2) produção rápida, contínua e repetitiva; 3) sem comprometimento com a realidade; e 4)
sem consistência entre o que se diz entre um discurso e outro. Essencialmente, isso é o firehosing (fluxo de uma mangueira
de incêndio). O conceito foi concebido após cerca de seis anos de observação do governo de Vladimir Putin. No entanto, é
impossível não notar as semelhanças com as táticas discursivas de políticos ocidentais.
Para tentar inibir efeitos da tática, apenas rebater as mentiras disseminadas não é uma ação eficaz. Já mostrar outra
narrativa, tal como contar como funciona a criação de mentiras dos propagandistas, sim, seria um método mais efetivo. De
maneira simplificada, é o que o linguista norte-americano George Lakoff chama de verdade-sanduíche: primeiro exponha
o que é verdade; depois aponte qual é a mentira e diga como ela é diferente do fato verdadeiro; depois repita a verdade e
conte quais são as consequências dessa contradição. A ideia é tentar desmentir discursos falsos sem repeti-los.
Le Monde Diplomatique Brasil, “Firehosing: a estratégia de disseminação de mentiras usada como propaganda política”.
Disponível em https://diplomatique.org.br/. Adaptado.

a) De que maneira o conceito de firehosing aproxima-se da imagem do fluxo de uma mangueira de incêndio?
b) Explique com suas palavras a metáfora “verdade-sanduíche” usada pelo linguista George Lakoff.

Texto para a questão 2.


Mas eu aportara à cidade de automóvel...
F. Namora.

2 No texto, observa-se uma figura de linguagem denominada catacrese. Explique como se dá sua ocorrência.











Texto para a questão 3.


O céu ia envolvendo-a até comunicar-lhe a sensação do azul, acariciando-a como um esposo, deixando-lhe o odor e
a delícia da tarde.
Gabriel Miró.

3 Explique o efeito sinestésico no texto.









Texto para a questão 4.


A Ilha era deserta e o mar com medo
da própria solidão já te sonhava.
Ia em vento chamar-te para longe
E longamente, em espuma, te aguardava.
Carlos de Oliveira.

286 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 12 Figuras de linguagem ligadas ao aspecto semântico

PV_2021_LU_ITX_FU_CAP12_LA_1.INDD / 16-09-2020 (20:38) / DANIELA.CAPEZZUTI / PROVA FINAL


4 Que figura de linguagem temos em O mar com medo da própria solidão? Como ocorre o efeito de sentido?







Texto para a questão 5.


Se aquele mar foi criado num só dia, eu era capaz de o escoar todo numa hora... era capaz de o beber só para me ver
livre dele.
Agustina Bessa-Luís.

5 Explique qual recurso a autora utiliza ao empregar a linguagem conotativa.









Texto para a questão 6.


Deixa em paz a criatura. Está começando a esta hora a apodrecer, não a perturbemos.
Eça de Queirós.

6 Explique por que o autor do texto acaba empregando o eufemismo ao contrário, o disfemismo.






7 Nos textos a seguir, foi empregada a mesma figura de linguagem. Explique a relação semântica utilizada em cada
uma das metonímias.
I. As barbas longas merecem ser ouvidas.
II. Estou comendo a crise, por isso estou assim.






Texto para a questão 8.


Aquele que a salvar o mundo veio.
L. Camões. Os Lusíadas.

8 Camões empregou uma figura denominada perífrase. Explique seu significado e a relação semântica envolvida.


FRENTE ÚNICA





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Exercícios propostos
1 Cesgranrio A política é a higiene dos países moralmente a denotação e paradoxo.
sadios. A politicalha, a malária dos povos de moralidade b conotação e sinédoque.
estragada. c denotação e pleonasmo.
As figuras de estilo identificáveis nesse contexto são: d conotação e catacrese.
a hipérbole e anacoluto. e conotação e antítese.
b metáfora e anacoluto.
c metonímia e zeugma. Leia o início do conto “Luís Soares”, de Machado de
d metonímia e hipérbole. Assis, para responder à questão 4.
e metáfora e zeugma.
Trocar o dia pela noite, dizia Luís Soares, é restaurar
o império da natureza corrigindo a obra da sociedade. O
2 Famema 2020 [...] no tempo em que se passavam os fatos calor do sol está dizendo aos homens que vão descansar
que vamos narrando nada mais havia comum do que ter e dormir, ao passo que a frescura relativa da noite é a
cada casa um, dois e às vezes mais agregados. verdadeira estação em que se deve viver. Livre em todas
Em certas casas os agregados eram muito úteis, por- as minhas ações, não quero sujeitar-me à lei absurda que
que a família tirava grande proveito de seus serviços, e já a sociedade me impõe: velarei de noite, dormirei de dia.
tivemos ocasião de dar exemplo disso quando contamos Contrariamente a vários ministérios, Soares cumpria
a história do finado padrinho de Leonardo; outras vezes este programa com um escrúpulo digno de uma grande
porém, e estas eram maior número, o agregado, refinado consciência. A aurora para ele era o crepúsculo, o crepús-
vadio, era uma verdadeira parasita que se prendia à ár- culo era a aurora. Dormia 12 horas consecutivas durante o
vore familiar, que lhe participava da seiva sem ajudá-la a dia, quer dizer das seis da manhã às seis da tarde. Almo-
dar frutos, e o que é mais ainda, chegava mesmo a dar çava às sete e jantava às duas da madrugada. Não ceava.
cabo dela. E o caso é que, apesar de tudo, se na primeira A sua ceia limitava-se a uma xícara de chocolate que o
hipótese o esmagavam com o peso de mil exigências, se criado lhe dava às cinco horas da manhã quando ele en-
lhe batiam a cada passo com os favores na cara, se o trava para casa. Soares engolia o chocolate, fumava dois
filho mais velho da casa, por exemplo, o tomava por seu charutos, fazia alguns trocadilhos com o criado, lia uma
divertimento, e à menor e mais justa queixa saltavam-lhe página de algum romance, e deitava-se.
os pais em cima tomando o partido de seu filho, no se- Não lia jornais. Achava que um jornal era a cousa
gundo aturavam quanto desconcerto havia com paciência mais inútil deste mundo, depois da Câmara dos Depu-
de mártir, o agregado tornava-se quase um rei em casa, tados, das obras dos poetas e das missas. Não quer isto
punha, dispunha, castigava os escravos, ralhava com os dizer que Soares fosse ateu em religião, política e poesia.
filhos, intervinha enfim nos mais particulares negócios. Não. Soares era apenas indiferente. Olhava para todas
Em qual dos dois casos estava ou viria estar em breve as grandes cousas com a mesma cara com que via uma
o nosso amigo Leonardo? O leitor que decida pelo que mulher feia. Podia vir a ser um grande perverso; até então
se vai passar. era apenas uma grande inutilidade.
(Manuel Antônio de Almeida. Memórias de um Sargento de Milícias, 1994.) (Contos fluminenses, 2006.)

A hipérbole é uma figura de linguagem que expressa


ideia de exagero; a metáfora, por sua vez, expressa 4 Famerp 2020 Assinale a alternativa que apresenta um
ideia de semelhança. As passagens do segundo pa- trecho do texto e uma figura de linguagem que nele
rágrafo do texto que exemplificam essas figuras são, ocorre.
respectivamente: a “O calor do sol está dizendo aos homens que vão
a “Em certas casas os agregados eram muito úteis”; descansar e dormir” (1o parágrafo) – personificação.
“chegava mesmo a dar cabo dela”. b “a frescura relativa da noite é a verdadeira estação
b “o esmagavam com o peso de mil exigências”; “que em que se deve viver” (1o parágrafo) – eufemismo.
lhe participava da seiva sem ajudá-la a dar frutos”. c “Trocar o dia pela noite, dizia Luís Soares, é res-
c “se lhe batiam a cada passo com os favores na taurar o império da natureza corrigindo a obra da
cara”; “quando contamos a história do finado padri- sociedade” (1o parágrafo) – gradação.
nho de Leonardo”. d “Olhava para todas as grandes cousas com a
d “saltavam-lhe os pais em cima tomando o partido mesma cara com que via uma mulher feia” (3o pará-
de seu filho”; “intervinha enfim nos mais particula- grafo) – pleonasmo.
res negócios”. e “Podia vir a ser um grande perverso; até então era ape-
e “se o filho mais velho da casa, por exemplo, o tomava nas uma grande inutilidade” (3o parágrafo) – paradoxo.
por seu divertimento”; “que se prendia à árvore familiar”.
5 Fuvest “Navegar é preciso, viver não é preciso”
3 Na frase “... consumo das significações no seio da co- Esta frase de antigos navegadores portugueses, re-
municação social...”, a palavra em destaque é, no plano tomada por Fernando Pessoa, por Caetano Veloso e
semântico e estilístico: sabe-se lá por quantos mais citadores ou reinventores,

288 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 12 Figuras de linguagem ligadas ao aspecto semântico

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ganha sua última versão no âmbito da Informática, em Campo de Sant’Ana para baixo, o que era ele? Não era
que o termo navegar adquire outro e preciso sentido. nada. Onde acabavam os trilhos da Central, acabava a sua
Na nova acepção, em tempos de Internet, o lema pa- fama e o seu valimento; a sua fanfarronice evaporava-se, e
rece mais afirmativo do que nunca. Os olhos que hoje representava-se a si mesmo como esmagado por aqueles
vagueiam pela tela iluminada do monitor já não preci- “caras” todos, que nem o olhavam. [...]
sam nem de velas, nem de versos, nem de fados: da Na “cidade”, como se diz, ele percebia toda a sua in-
vida só querem o cantinho de um quarto, de onde fa- ferioridade de inteligência, de educação; a sua rusticidade,
zem o mundo flutuar em mares de virtualidades nunca diante daqueles rapazes a conversar sobre coisas de que
ele não entendia e a trocar pilhérias; em face da sofre-
dantes navegados.
guidão com que liam os placards dos jornais, tratando de
Indique a afirmação correta em relação ao texto.
assuntos cuja importância ele não avaliava, Cassi vexava-se
a O efeito sonoro explorado na sequência de “va-
de não suportar a leitura; comparando o desembaraço
gueiam”, “velas”, “versos”, “vida”, “virtualidades” é
com que os fregueses pediam bebidas variadas e esqui-
conhecido como rima anterior. sitas, lembrava-se que nem mesmo o nome delas sabia
b A construção “Os olhos [...] já não precisam” é pronunciar; olhando aquelas senhoras e moças que lhe
exemplo de metonímia. pareciam rainhas e princesas, tal e qual o bárbaro que viu,
c O termo “vagueiam” está empregado no sentido no Senado de Roma, só reis, sentia-se humilde; enfim, todo
de “norteiam” e é exemplo de personificação. aquele conjunto de coisas finas, de atitudes apuradas, de
d Na frase “Navegar é preciso, viver não é preciso” hábitos de polidez e urbanidade, de franqueza no gastar,
há um pleonasmo. reduziam-lhe a personalidade de medíocre suburbano, de
e A construção “nem de velas, nem de versos, nem vagabundo doméstico, a quase coisa alguma.
de fados” apoia-se em antíteses. (Clara dos Anjos, 2012.)

1
6 Barcos de ouro/Barcos de papel. Expressões contrá- placards: nome que se dava às tabuletas que traziam
rias a que a Língua dá o nome de: resultados de competições esportivas, publicados nos
a antítese. jornais.
b zeugma. a) “no meio da multidão que jorrava das portas da
c pleonasmo. Central, cheia da honesta pressa de quem vai tra-
d anacoluto. balhar” (1o parágrafo).
e polissíndeto. Identifique as figuras de linguagem utilizadas pelo
narrador nas expressões sublinhadas.
b) Reescreva o trecho “lembrava-se que nem mes-
7 ITA Leia:
mo o nome delas sabia pronunciar” (2o parágrafo),
É terminantemente proibido animais circulando nas áreas empregando a ordem direta e adequando-o à
comuns a todos, principalmente para fazerem suas ne- norma-padrão da língua escrita.
cessidades fisiológicas no jardim do condomínio, onde
podem pôr em risco a saúde das crianças que ali brincam 9 Faap “Um homem forte de ombros tão curvos”.
descalças.
Os termos em destaque estão em oposição, revelan-
Extraído de um relatório de prestações de contas da
do a figura chamada:
administração de um prédio.
a prosopopeia.
Assinale a opção que apresenta as figuras de lingua- b anacoluto.
gem presentes no texto: c pleonasmo.
a pleonasmo e eufemismo. d antítese.
b metonímia e eufemismo. e silepse.
c pleonasmo e polissíndeto.
d pleonasmo e metonímia. Leia a crônica “Inconfiáveis cupins”, de Moacyr Scliar,
e eufemismo e polissíndeto. para responder à questão 10.
Havia um homem que odiava Van Gogh. Pintor des-
8 Unesp 2020 Para responder à questão, leia o excerto conhecido, pobre, atribuía todas suas frustrações ao artista
do romance Clara dos Anjos, de Lima Barreto. holandês. Enquanto existirem no mundo aqueles horríveis
girassóis, aquelas estrelas tumultuadas, aqueles ciprestes
Cassi Jones, sem mais percalços, se viu lançado em
deformados, dizia, não poderei jamais dar vazão ao meu
pleno Campo de Sant’Ana, no meio da multidão que jor-
instinto criador.
rava das portas da Central, cheia da honesta pressa de Decidiu mover uma guerra implacável, sem quartel, às
quem vai trabalhar. A sua sensação era que estava numa telas de Van Gogh, onde quer que estivessem. Começaria
cidade estranha. No subúrbio tinha os seus ódios e os seus pelas mais próximas, as do Museu de Arte Moderna de São
FRENTE ÚNICA

amores; no subúrbio, tinha os seus companheiros, e a sua Paulo. Seu plano era de uma simplicidade diabólica. Não
fama de violeiro percorria todo ele, e, em qualquer parte, faria como outros destruidores de telas que entram num
era apontado; no subúrbio, enfim, ele tinha personalidade, museu armados de facas e atiram-se às obras, tentando
era bem Cassi Jones de Azevedo; mas, ali, sobretudo do destruí-las; tais insanos não apenas não conseguem seu

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intento, como acabam na cadeia. Não, usaria um método A sequência pode ser considerada:
científico, recorrendo a aliados absolutamente insuspei- a uma metáfora.
tados: os cupins. b um eufemismo.
Deu-lhe muito trabalho, aquilo. Em primeiro lugar, era c uma apóstrofe.
necessário treinar os cupins para que atacassem as telas de d uma hipérbole.
Van Gogh. Para isso, recorreu a uma técnica pavloviana. e uma gradação.
Reproduções das telas do artista, em tamanho natural, eram
recobertas com uma solução açucarada. Dessa forma, os
insetos aprenderam a diferenciar tais obras de outras.
12 Que figura de linguagem temos no anúncio a seguir?
Mediante cruzamentos sucessivos, obteve um tipo Pequenos imóveis, grandes negócios.
de cupim que só queria comer Van Gogh. Para ele era
repulsivo, mas para os insetos era agradável, e isso era o 13 Uerj Em “Cigarro, apague essa ideia”, temos:
que importava. Conseguiu introduzir os cupins no museu e a metáfora.
ficou à espera do que aconteceria. Sua decepção, contudo,
b litotes.
foi enorme. Em vez de atacar as obras de arte, os cupins
c oxímoro.
preferiram as vigas de sustentação do prédio, feitas de
d hipérbole.
madeira absolutamente vulgar. E por isso foram detectados.
e gradação.
O homem ficou furioso. Nem nos cupins se pode
confiar, foi a sua desconsolada conclusão. É verdade que
alguns insetos foram encontrados próximos a telas de Van 14 Explique o texto a seguir, presente em uma revista de
Gogh. Mas isso não lhe serviu de consolo. Suspeitava que turismo.
os sádicos cupins estivessem querendo apenas debochar O Brasil que o Brasil não conhece.
dele. Cupins e Van Gogh, era tudo a mesma coisa.
(O imaginário cotidiano, 2002.)
15 Leia a publicidade a seguir.
10 Em “Mediante cruzamentos sucessivos, obteve um Câncer de mama: A cura pode estar em suas mãos.
tipo de cupim que só queria comer Van Gogh” (5o I. “Em suas mãos” está empregado no sentido ape-
parágrafo), o cronista recorre à figura de linguagem
nas denotativo.
denominada:
II. “Em suas mãos” está empregado no sentido ape-
a metonímia.
nas conotativo.
b hipérbole.
III. “Em suas mãos” está empregado no sentido de-
c eufemismo.
notativo e conotativo.
d personificação.
IV. Não há no anúncio efeito de sentido.
e pleonasmo.
V. “Câncer de mama” é uma metáfora.

11 Observe a sequência a seguir, extraída de O Estado Está correta a alternativa:


de S. Paulo. a I. d IV.
New York b II. e V.
c III.

16 Em “Dedetizadora Veneza. E você não encontra mais


barata.”, temos:
a uma metalinguagem.
b uma polissemia.
c uma intertextualidade.
d ausência de ambiguidade.
e paralelismo sintático.

17 Faap Quincas Borba [...] ganiu infinitamente [...].


Machado de Assis. Quincas Borba.

A palavra em destaque é exemplo de:


a hipérbole.
b hipérbato.
c antítese.
d sinédoque.
e pleonasmo.

290 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 12 Figuras de linguagem ligadas ao aspecto semântico

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18 Identifique as figuras de linguagem empregadas nas Onde estou? Este sítio desconheço:
seguintes frases. Quem fez tão diferente aquele prado?
a) Esses livros, eu já os comprei. Tudo outra natureza tem tomado,
E em contemplá-lo, tímido, esmoreço.
b) O cheiro doce e verde do capim trazia recorda-
ções da fazenda. Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço
c) O vento varreu o vale. De estar a ela um dia reclinado;
d) Ouviu-se um estalo seco. Ali em vale um monte está mudado:
e) Ela chorou um choro de alegria. Quanto pode dos anos o progresso!

Texto para as questões 19 e 20. Árvores aqui vi tão florescentes,


Que faziam perpétua a primavera:
Uma flor, o Quincas Borba. Nunca em minha infân- Nem troncos vejo agora decadentes.
cia, nunca em toda a minha vida, achei um menino mais
gracioso, inventivo e travesso. Era a flor, e não já da escola, Eu me engano: a região esta não era;
senão de toda a cidade. A mãe, viúva, com alguma coi- Mas que venho a estranhar, se estão presentes
sa de seu, adorava o filho e trazia-o amimado, asseado, Meus males, com que tudo degenera!
(Cláudio Manuel da Costa. Obras, 2002.)
enfeitado, com um vistoso pajem atrás, um pajem que
nos deixava gazear a escola, ir caçar ninhos de pássaros,
ou perseguir lagartixas nos morros do Livramento e da 21 Unesp 2020 O eu lírico recorre ao recurso expressivo
Conceição, ou simplesmente arruar, à toa, como dous pe- conhecido como hipérbole no verso:
raltas sem emprego. E de imperador! Era um gosto ver o a “Quem fez tão diferente aquele prado?” (1a estrofe)
Quincas Borba fazer de imperador nas festas do Espírito
b “E em contemplá-lo, tímido, esmoreço.” (1a estrofe)
c “Quanto pode dos anos o progresso!” (2a estrofe)
Santo. De resto, nos nossos jogos pueris, ele escolhia sem-
d “Que faziam perpétua a primavera:” (3a estrofe)
pre um papel de rei, ministro, general, uma supremacia,
e “Árvores aqui vi tão florescentes,” (3a estrofe)
qualquer que fosse. Tinha garbo o traquinas, e gravidade,
certa magnificência nas atitudes, nos meneios. Quem diria
que... Suspendamos a pena; não adiantemos os sucessos. 22 AFA Com relação às figuras de linguagem, numere a
segunda coluna de acordo com a primeira e, em se-
Vamos de um salto a 1822, data da nossa independência
guida, assinale a alternativa correta.
política, e do meu primeiro cativeiro pessoal.
Machado de Assis. Memórias póstumas de Brás Cubas. 1. Eu sem você
[...]
19 Fuvest A enumeração de substantivos expressa gra- Sou chama sem luz
dação ascendente em: Jardim sem luar
Luar sem amor
a “menino mais gracioso, inventivo e travesso”.
Vinicius de Moraes e Baden Powell. Samba em prelúdio.
b “trazia-o amimado, asseado, enfeitado”.
c “gazear a escola, ir caçar ninhos de pássaros, ou 2. Trabalhava ao piano, não só Chopin
perseguir lagartixas”. como ainda os estudos de Czerny.
d “papel de rei, ministro, general”. Murilo Mendes.
e “tinha garbo [...], e gravidade, certa magnificência”. 3. O inútil choro das tristes águas
Enche de mágoas a solidão...
20 Fuvest Na frase “[...] data da nossa independência política, Vicente de Carvalho.
e do meu primeiro cativeiro pessoal”, ocorre o mesmo
4. Noite-montanha. Noite vazia. Noite indecisa.
recurso expressivo de natureza semântica que em:
Confusa noite. Nada a procura, mesmo sem alvo.
a Meu coração/Não sei por que/Bate feliz, quando te vê. Carlos Drummond de Andrade.
b Há tanta vida lá fora,/Aqui dentro, sempre,/Como
uma onda no mar. 5. Ó mar salgado, quanto do teu sal
c Brasil, meu Brasil brasileiro,/Meu mulato inzoneiro,/ são lágrimas de Portugal.
Vou cantar-te nos meus versos. Fernando Pessoa.

d Se lembra da fogueira,/Se lembra dos balões,/Se JJProsopopeia


lembra dos luares, dos sertões? JJMetonímia
e Meu bem querer/É segredo, é sagrado,/Está sacra- JJAnáfora
mentado/Em meu coração. JJApóstrofe
JJMetáfora
FRENTE ÚNICA

Leia o soneto “VII”, de Cláudio Manuel da Costa, para a 3, 2, 4, 5, 1 c 1, 2, 4, 3, 5


responder à próxima questão. b 2, 3, 1, 4, 5 d 5, 4, 3, 1, 2

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23 Meus amigos, meus inimigos, minha querida Ribeirão Preto debate a fusão entre dois tradicionais times locais, o tri-
color Botafogo (a Pantera, sic) e o alvinegro Comercial (o Leão).
No início do período, em “Meus amigos, meus inimigos”, observa-se a presença de:
a metáfora.
b antítese.
c personificação.
d sinestesia.
e eufemismo.

Texto complementar
Da correção do estilo
O princípio do estilo é falar com pureza, segundo o espírito da língua, o grego, por exemplo. São ne-
cessárias para isso cinco condições. A primeira reside no emprego das conjunções que devem ser colocadas
segundo a ordem natural, umas em primeiro lugar, as outras em seguida, como pretendem certos autores; assim µε´ν e
'εγω´ µε´ν exigem ser seguidos de δε´ e de δ δε´. É preciso que elas se correspondam uma à outra, antes de se ter esquecido
a precedente; não devem estar separadas por longo intervalo e é preciso evitar que uma conjunção seja colocada antes da
que é necessária. Só raramente ficará bem deixar de cumprir esta regra. Não se dirá: “Mas eu, depois que ele me falou (por-
que Cléon tinha vindo solicitar-me e suplicar-me), pus-me a caminho tendo-os tomado comigo”. Nesta frase, encontramos
muitas conjunções intercaladas antes daquela que devia ser expressa; havendo grande intervalo entre o princípio e o verbo
'επορευο´µην, a frase torna-se obscura. Uma primeira regra consiste, pois, no emprego correto das conjunções. A segunda
consiste no uso dos vocábulos próprios, sem termos de recorrer às perífrases. A terceira consiste em evitar expressões anfi-
bológicas (ambíguas), a não ser que propositadamente se tome o partido contrário. É o que fazem as pessoas que nada têm
o que dizer e que, no entanto, querem dar ares de dizer alguma coisa; tal é o caso dos que se exprimem de maneira poética,
como Empédocles. Pois um longo circuito de palavras deslumbra facilmente os ouvintes que se encontram em situação
idêntica à da multidão diante dos adivinhos; em face de suas respostas anfibológicas, não recusa o assentimento. Exemplo:
Creso, depois de transposto o Hális, causará a ruína de um grande império.(Heródoto (Histórias, I, 53, 101) refere-se
esta profecia, em reposta às oferendas trazidas de Delfos pelo lídios, em nome do Rei Creso).
Exprimindo-se em termos gerais, os adivinhos expõem-se a um erro menos grave, visto que só falam das coisas segundo
os gêneros. Há mais probabilidades de acertar no jogo do par ou ímpar respondendo par ou ímpar do que precisando o
número; é igualmente mais fácil dizer que uma coisa acontecerá do que indicar em que momento ela se produzirá. Isso
explica por que os oráculos têm cuidado de não acrescentar o momento do acontecimento. Tudo isto se assemelha, e daí
a necessidade de evitar todos estes equívocos, salvo especial razão em contrário. A quarta regra é seguir Protágoras que
distingue o gênero dos nomes: masculinos, femininos e neutros. É uma divisão que importa aplicar exatamente: “Ela veio,
falou comigo e retirou-se”. A quinta regra consiste em observar os números, distinguindo se se trata de muitos ou de poucos
objetos ou de um só. Exemplo: “As pessoas vieram e bateram-me”. Em geral, importa que o que se escreve seja fácil de ler
e pronunciar, o que é uma e a mesma coisa. Não se obtém este resultado, empregando muitas conjunções, nem se as frases
forem de difícil pontuação, como sucede com as de Heráclito [Heráclito de Éfeso, filósofo, viveu por volta do ano 500 a.C.].
É extremamente árduo pontuar as obras de Heráclito, porque nunca sabemos ao certo a que palavra um termo se refere, se
à que o precede, se à que o segue. Diz ele no começo de seu tratado: “Esta razão que subsiste sempre os homens são inca-
pazes de a compreender”. Não se sabe exatamente a que termo se deva ligar pela pontuação o advérbio: sempre. Acontece
ainda que se comete um solecismo, quando não se atribui a duas palavras, que se juntam, um termo que convém a cada
uma delas. Tomemos como exemplo as palavras: som e cor: a forma verbal “vendo”, não é termo próprio; o termo próprio é
“percebendo”. Por outro lado, há obscuridade no estilo, quando não se exprimiu ao princípio o que deveria ter-se expresso
e se intercala na frase uma multidão de ideias, por exemplo: “Eu devia, após haver falado com essa pessoa sobre isto, sobre
aquilo e desta maneira, pôr-me a caminho”. É preferível dizer: “Eu devia pôr-me a caminho, depois de ter falado com essa
pessoa”. Em seguida, acrescente-se que se fez isto e aquilo e desta maneira.
Aristóteles. Arte retórica e arte poética. p. 184-5.

292 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 12 Figuras de linguagem ligadas ao aspecto semântico

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Resumindo
Metáfora Perífrase
Trata-se de uma transferência de sentido da palavra para um âmbito se- Trata-se da substituição de um nome (ser) por um de seus atributos ou por
mântico que não lhe pertence, mas que mantém com o sentido de origem um fato que o consagrou; trata-se de uma espécie de metonímia.
uma relação de semelhança. Eufemismo
Alegoria É a figura pela qual o enunciador procura suavizar o conteúdo da mensa-
Na fala ou na escrita, em vez de nos remetermos diretamente a uma situa- gem; trata-se de uma forma de polidez.
ção, utilizamos uma série de comparações, metáforas; quando isso ocorre, Antítese
temos um texto alegórico.
A antítese ocorre quando temos uma oposição de palavras ou ideias; tal
Catacrese oposição, no entanto, não pressupõe uma contradição, visto que, nesse
Toma-se de empréstimo um termo de outro campo semântico, que possua caso, teríamos o paradoxo.
uma relação de semelhança com o objeto ou coisa a que se refere. Paradoxo
Prosopopeia, antropomorfização, zoomorfização Trata-se de uma contradição nas ideias (ou ideias antagônicas). O paradoxo
a) Personificação ou prosopopeia agrupa significados.
A personificação (ou prosopopeia) ocorre quando atribuem-se caracte- Sinestesia
rísticas humanas, ou animadas, a seres não humanos ou inanimados.
Sinestesia é a interpenetração, a fusão de planos sensoriais.
b) Zoomorfização e antropomorfização
A zoomorfização é a atribuição de características de outros animais a
Gradação
seres humanos; a antropomorfização, a humanização dos outros animais. A gradação (ascendente) consiste num acúmulo de efeitos expressivos e
conceituais cada vez mais intensos, até chegar a um clímax.
Metonímia
Se os efeitos expressivos forem cada vez menos empolgantes, teremos
Trata-se de uma substituição por implicação (lembre-se de que a metáfora,
uma gradação descendente, ou anticlímax.
quando um dos elementos comparados está ausente, é uma substituição
por comparação). Hipérbole
As relações de implicação mais conhecidas são as seguintes: A hipérbole traduz um exagero de caráter metafórico; o autor deforma a
1. autor pela obra; realidade, valorizando-a ou depreciando-a.
2. continente pelo conteúdo/o conteúdo pelo continente; Ironia
3. consequência pela causa; A ironia ora é concebida como um simples deboche, ora é concebida como
4. lugar pelo produto; a figura de linguagem em que o enunciado nega a enunciação, isto é, o
5. matéria pelo objeto; que se diz é o oposto do que realmente se quer dizer.
6. concreto pelo abstrato;
7. parte pelo todo/todo pela parte. Preterição
(A relação parte/todo também é chamada Sinédoque); É a figura pela qual o enunciador finge não afirmar o que, na verdade,
8. singular pelo plural; afirma.
9. forma pelo objeto; Alusão
10. o instrumento no lugar de quem o utiliza. Ocorre a alusão quando o enunciador faz referência a um fato ou perso-
Símbolo nagens conhecidos.
Essa figura ocorre quando “o nome de um ser ou coisa concreta assume Clímax
valor convencional, abstrato”.
O clímax é uma intensificação, ou gradação, que contribui para acentuar
a ideia de forma crescente.

Quer saber mais?

Livro plena ebulição revolucionária do início do século XX. É uma boa


oportunidade para explorar figuras de linguagem no texto imagético.
yy LEMINSKI, Paulo. Melhores poemas de Paulo Leminski. São Paulo:
Global, 1996. (Seleção Fred Góes).
Pintura
Dono de uma obra irreverente, porém de muita precisão formal, o
autor fornece inúmeros exemplos em seus poemas de utilização yy Van Gogh
criativa das antíteses, metáforas e outras figuras de linguagem uti- Apreciar o trabalho de Van Gogh é desfrutar de uma experiência
lizadas com inovação e frescor. Fez parte da chamada "geração do única proporcionada pela vibração intensa das cores, das pinceladas,
mimeógrafo", que atuou principalmente a partir da década de 1970. que se mostram aparentes nas telas, constituindo-se como tema da
própria pintura, e das emoções que se mostram em primeiro plano
em vez de estarem disfarçadas pela maestria do artista, como acon-
FRENTE ÚNICA

Filme
tece com tantos pintores. Caracteriza-se, assim, como expoente do
yy EISENSTEIN, Sergei. O encouraçado Potemkin, 1925. Expressionismo, mas extrapola os limites de qualquer escola, pois
Obra indispensável para quem gosta de cinema, narra uma revolta uma de suas maiores lições é tornar evidentes os recursos artísticos
de marinheiros e outras categorias de trabalhadores na Rússia em que emprega para criar beleza.

293

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Exercícios complementares
1 Vunesp Leia: Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Porque, infinita como os próprios números,
Uma história de mil anos A tua conta não acaba mais!
– HU... HU... Augusto dos Anjos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1998.
É como nos ínvios da mata soluça a juriti.
Dois HUS – um que sobe, outro que desce. Texto 2
O destino do u!... Veludo verde-negro transmutado Os versos de Augusto dos Anjos (1884-1914) já foram
em som – voz das tristezas sombrias. Os aborígines, ma- considerados “exatos como fórmulas matemáticas”.
ravilhosos denominadores das coisas, possuíam o senso Anatol Rosenfeld. "A costeleta de prata de A. dos Anjos". Texto/contexto. São
Paulo: Perspectiva, 1969. p. 268.
impressionista da onomatopeia. URUTAU, URU, URUTU,
INAMBU – que sons definirão melhor essas criaturinhas
solitárias, amigas da penumbra e dos recessos?
2 PUC-Rio Justifique a afirmativa do texto 2, destacando
A juriti, pombinha eternamente magoada, é toda us.
aspectos formais do texto 1.
Não canta, geme em U – geme um gemido aveludado,
lilás, sonorização dolente da saudade.
O caçador passarinheiro sabe como ela morre sem 3 PUC-Rio Transcreva de “Versos a um coveiro” palavras
luta ao mínimo ferimento. Morre em U... e expressões científicas, estabelecendo um contraste
Já o sanhaço é todo as. Ferido, debate-se, desfere bi- entre o poema de Augusto dos Anjos e a tradição ro-
cadas, pia lancinante. mântica, no que se refere à abordagem da temática
A juriti apaga-se como chama de algodão. Frágil torrão da morte.
de vida, extingue-se como se extingue a vida do torrão de
açúcar ao simples contato da água. Um U que se funde. 4 IME 2020 (Adapt.)
[...]
Capítulo IV
Monteiro Lobato. Negrinha. São Paulo: Globo, 2011. p. 126.
UMA TEORIA NOVA
No conto “Uma história de mil anos”, Monteiro Lobato
interpreta os valores expressivos dos sons com que Ao passo que D. Evarista, em lágrimas, vinha buscan-
representamos o canto dos pássaros, bem como de do o Rio de Janeiro, Simão Bacamarte estudava por todos
vocábulos onomatopaicos que a Língua Portuguesa os lados uma certa ideia arrojada e nova, própria a alargar
herdou do tupi. Com base nesse comentário, responda: as bases da psicologia. Todo o tempo que lhe sobrava dos
Para exprimir relações entre som e sentido, os escrito- 5 cuidados da Casa Verde era pouco para andar na rua, ou
res muitas vezes se servem da sinestesia, ou seja, da de casa em casa, conversando as gentes, sobre trinta mil
mescla de diferentes impressões sensoriais, como por assuntos, e virgulando as falas de um olhar que metia
exemplo o sintagma “ruído áspero e frio”, em que se medo aos mais heroicos.
misturam sensações auditivas (“ruído”) e tácteis (“áspe- Um dia de manhã, – eram passadas três semanas,
ro e frio”). Localize, no quinto parágrafo do conto, um 10 – estando Crispim Soares ocupado em temperar um medica-
sintagma em que ocorre procedimento semelhante e mento, vieram dizer-lhe que o alienista o mandava chamar.
identifique as impressões sensoriais evocada. – Tratava-se de negócio importante, segundo ele me
disse, acrescentou o portador. Crispim empalideceu. Que
Textos para as questões 2 e 3. negócio importante podia ser, se não alguma notícia da
15 comitiva, e especialmente da mulher? Porque este tópico
Texto 1 deve ficar claramente definido, visto insistirem nele os cro-
Versos a um coveiro nistas; Crispim amava a mulher, e, desde trinta anos, nunca
estiveram separados um só dia. Assim se explicam os mo-
Numerar sepulturas e carneiros, nólogos que fazia agora, e que os fâmulos lhe ouviam
Reduzir carnes podres a algarismos, 20 muita vez: – “Anda, bem feito, quem te mandou consen-
– Tal é, sem complicados silogismos, tir na viagem de Cesária? Bajulador, torpe bajulador! Só
A aritmética hedionda dos coveiros! para adular ao Dr Bacamarte. Pois agora aguenta-te; anda;
aguenta-te, alma de lacaio, fracalhão, vil, miserável. Dizes
Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos amém a tudo, não é? Aí tens o lucro, biltre!”. – E muitos
Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros, 25 outros nomes feios, que um homem não deve dizer aos
Na progressão dos números inteiros outros, quanto mais a si mesmo. Daqui a imaginar o efeito
A gênese de todos os abismos! do recado é um nada. Tão depressa ele o recebeu como
abriu mão das drogas e voou à Casa Verde.
Oh! Pitágoras da última aritmética, Simão Bacamarte recebeu-o com a alegria própria
Continua a contar na paz ascética 30 de um sábio, uma alegria abotoada de circunspeção até
Dos tábidos carneiros sepulcrais o pescoço.

294 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 12 Figuras de linguagem ligadas ao aspecto semântico

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– Estou muito contente, disse ele. – Há melhor do que anunciar a minha ideia, é pra-
– Notícias do nosso povo?, perguntou o boticário com 95 ticá-la, respondeu o alienista à insinuação do boticário.
35 a voz trêmula. E o boticário, não divergindo sensivelmente deste
O alienista fez um gesto magnífico, e respondeu: modo de ver, disse-lhe que sim, que era melhor começar
– Trata-se de coisa mais alta, trata-se de uma experiên- pela execução.
cia científica. Digo experiência, porque não me atrevo a – Sempre haverá tempo de a dar à matraca, concluiu ele.
assegurar desde já a minha ideia; nem a ciência é outra 100 Simão Bacamarte refletiu ainda um instante, e disse:
40 coisa, Sr. Soares, senão uma investigação constante. Tra- – Suponho o espírito humano uma vasta concha, o meu
ta-se, pois, de uma experiência, mas uma experiência que fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é a razão;
vai mudar a face da terra. A loucura, objeto dos meus es- por outros termos, demarquemos definitivamente os limites
tudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; da razão e da loucura. A razão é o perfeito equilíbrio de
começo a suspeitar que é um continente. 105 todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só insânia.
45 Disse isto, e calou-se, para ruminar o pasmo do bo- O Vigário Lopes, a quem ele confiou a nova teoria,
ticário. Depois explicou compridamente a sua ideia. No declarou lisamente que não chegava a entendê-la, que era
conceito dele a insânia abrangia uma vasta superfície de uma obra absurda, e, se não era absurda, era de tal modo
cérebros; e desenvolveu isto com grande cópia de racio- colossal que não merecia princípio de execução.
cínios, de textos, de exemplos. Os exemplos achou-os na 115 – Com a definição atual, que é a de todos os tempos,
50 história e em Itaguaí mas, como um raro espírito que era, acrescentou, a loucura e a razão estão perfeitamente deli-
reconheceu o perigo de citar todos os casos de Itaguaí e mitadas. Sabe-se onde uma acaba e onde a outra começa.
refugiou-se na história. Assim, apontou com especialidade Para que transpor a cerca?
alguns célebres, Sócrates, que tinha um demônio familiar, Sobre o lábio fino e discreto do alienista roçou a vaga
Pascal, que via um abismo à esquerda, Maomé, Caracala, 120 sombra de uma intenção de riso, em que o desdém vinha
55 Domiciano, Calígula etc., uma enfiada de casos e pessoas, casado à comiseração; mas nenhuma palavra saiu de suas
em que de mistura vinham entidades odiosas, e entidades
egrégias entranhas.
ridículas. E porque o boticário se admirasse de uma tal
A ciência contentou-se em estender a mão à teologia,
promiscuidade, o alienista disse-lhe que era tudo a mesma
– com tal segurança, que a teologia não soube enfim se
coisa, e até acrescentou sentenciosamente:
125 devia crer em si ou na outra. Itaguaí e o universo à beira
60 – A ferocidade, Sr. Soares, é o grotesco a sério.
de uma revolução.
– Gracioso, muito gracioso!, exclamou Crispim Soares
ASSIS, Machado de. O Alienista. Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
levantando as mãos ao céu. / USP. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/
Quanto à ideia de ampliar o território da loucura, DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1939> . Acesso em:
achou-a o boticário extravagante; mas a modéstia, princi- 12/08/2019.

65 pal adorno de seu espírito, não lhe sofreu confessar outra “Simão Bacamarte recebeu-o com a alegria própria de um
coisa além de um nobre entusiasmo; declarou-a sublime sábio, uma alegria abotoada de circunspeção até o pescoço.”
e verdadeira, e acrescentou que era “caso de matraca”. (linhas 29 a 31)
Esta expressão não tem equivalente no estilo moderno. A figura de linguagem construída no trecho em
Naquele tempo, Itaguaí, que como as demais vilas, arraiais
negrito é a(o)
70 e povoações da colônia, não dispunha de imprensa, tinha
a ambiguidade.
dois modos de divulgar uma notícia: ou por meio de car-
b apóstrofe.
tazes manuscritos e pregados na porta da Câmara, e da
matriz; – ou por meio de matraca. c sinestesia.
Eis em que consistia este segundo uso. Contratava-se d personificação.
75 um homem, por um ou mais dias, para andar as ruas do e hipérbato.
povoado, com uma matraca na mão.
De quando em quando tocava a matraca, reunia-se 5 ITA Leia o seguinte texto.
gente, e ele anunciava o que lhe incumbiam, – um re-
A psicologia evolucionista aprontou mais uma: “des-
médio para sezões, umas terras lavradias, um soneto, um
cobriu” que mulheres preferem homens mais másculos
80 donativo eclesiástico, a melhor tesoura da vila, o mais belo
quando estão na fase fértil do ciclo menstrual.
discurso do ano etc. O sistema tinha inconvenientes para
A pesquisa foi realizada pela Escola de Psicologia da
a paz pública; mas era conservado pela grande energia de
Universidade de Saint Andrews, na Escócia (Reino Unido).
divulgação que possuía. Por exemplo, um dos vereado-
É um gênero de investigação que anda na moda e acende
res, – aquele justamente que mais se opusera à criação da
polêmicas onde aparece. Os adeptos da psicologia evolu-
85 Casa Verde, – desfrutava a reputação de perfeito educador cionista acham que escolhas e comportamentos humanos
de cobras e macacos, e aliás nunca domesticara um só são ditados pelos genes, antes de mais nada.
desses bichos; mas, tinha o cuidado de fazer trabalhar a Dito de outro modo: as pessoas agiriam, ainda hoje, de
matraca todos os meses. E dizem as crônicas que algumas acordo com o que foi mais vantajoso para a espécie no pas-
pessoas afirmavam ter visto cascavéis dançando no peito sado remoto, ou para a sobrevivência dos indivíduos. Entre
90 do vereador; afirmação perfeitamente falsa, mas só devida
FRENTE ÚNICA

outras coisas, esses darwinistas extremados acreditam que


à absoluta confiança no sistema. Verdade, verdade, nem machos têm razões biológicas para ser mais promíscuos. [...]
todas as instituições do antigo regime mereciam o despre- Marcelo Leite. "Ciclo menstrual pode alterar escolha sexual".
zo do nosso século. Folha de S.Paulo, Caderno Ciência. 24 jun. 1999.

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a) Aponte duas marcas ou expressões linguísticas em- Texto para as questões de 8 a 10.
pregadas no texto que produzem efeito de ironia. O poema a seguir narra experiências da morte, tes-
b) Por que essas marcas ou expressões, apontadas temunhadas pelo migrante, mas culmina com a cena
em (a), produzem efeito de ironia? de um nascimento signo resistente da vida nas mais
ingratas condições.
Considere os versos do poema “As trevas”, que inte-
E não há melhor resposta
gra a obra Espumas flutuantes, de Castro Alves, para
que o espetáculo da vida:
responder à questão 6.
vê-la desfiar seu fio,
“Tive um sonho em tudo não foi sonho!... que também se chama vida,
O sol brilhante se apagava: e os astros, ver a fábrica que ela mesma,
Do eterno espaço na penumbra escura, teimosamente, se fabrica,
Sem raios, e sem trilhos, vagueavam. vê-la brotar como há pouco
A terra fria balouçava cega em nova vida explodida
E tétrica no espaço ermo de lua. mesmo quando é assim pequena
A manhã ia... vinha ... e regressava... a explosão, como a ocorrida
Mas não trazia o dia! Os homens pasmos como a de há pouco, franzina;
Esqueciam no horror dessas ruínas mesmo quando é a explosão
Suas paixões: E as almas conglobadas de uma vida severina.
Gelavam-se num grito de egoísmo João Cabral de Melo Neto. Morte e vida severina. [s.l.]:
Que demandava ‘luz’. Junto às fogueiras Nova Fronteira, 2006, p. 86.
Abrigavam-se... e os tronos e os palácios,
Os palácios dos reis, o albergue e a choça
Ardiam por fanais. Tinham nas chamas
8 A mudança de classe gramatical pode constituir-se
As cidades morrido. Em torno às brasas em recurso expressivo, como se observa em “vida
Dos seus lares os homens se grupavam, severina”. Explique o processo de transformação des-
P’ra à vez extrema se fitarem juntos. se vocábulo: a que classe gramatical pertencia, a que
Feliz de quem vivia junto às lavas classe gramatical agora pertence.
Dos vulcões sob a tocha alcantilada!”
9 Em que momento do texto o autor emprega um ad-
6 UFMS 2020 As figuras de linguagem estão presentes vérbio para destacar a força da vida em condições
em textos poéticos e produzem expressividade no adversas? Cite-o.
discurso, criando efeitos de sentido variados. Assinale
a alternativa que nomeia a figura em destaque nos se- 10 Levando em conta o poema e o que se diz dele na
guintes versos: “E as almas conglobadas/Gelavam-se sua introdução, que significado assume o termo “se-
num grito de egoísmo”. verina”?
a Aliteração.
b Comparação. 11 EEAR 2019 Leia:
c Metonímia. I. O Rio Doce entrou em agonia, após o desastre
d Catacrese. que poluiu suas águas com lama.
e Sinestesia. II. Suas águas, claras, estão agora escuras, de mãos
irresponsáveis que a sujaram.
7 ITA Leia o texto a seguir. Nas frases há, respectivamente, as seguintes figuras
de linguagem:
A aposentada A. S., 68, tomou na semana passada
a Eufemismo – Prosopopeia.
uma decisão macabra em relação ao seu futuro. Ela pegou
o dinheiro de sua aposentadoria (um salário mínimo) e
b Prosopopeia – Antítese.
comprou um caixão. c Antítese – Prosopopeia.
A. mora com a irmã, M. F., 70, que também é apo- d Eufemismo – Antítese.
sentada. Elas não têm parentes. A. diz que está investindo
no futuro. Sua irmã a apoia. A. também comprou a mor- Texto para a questão 12.
talha – roupa que quer usar quando morrer. O caixão fica Uai, eu?
guardado na sala da casa.
Aposentada compra caixão para o futuro. Folha de S.Paulo, 22 ago. 1992. (Adapt.). Se o assunto é meu e seu, lhe digo, lhe conto; que
vale enterrar minhocas? De como aqui me vi, sutil assim,
a) Localize um trecho que revela ironia. por tantas cargas-d’água. No engano sem desengano: o
b) Explique como se dá esse efeito de ironia. de aprender prático o desfeitio da vida.

296 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 12 Figuras de linguagem ligadas ao aspecto semântico

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Sorte? A gente vai – nos passos da história que vem. Quem quer viver faz mágica. Ainda mais eu, que sempre fui arrimo
de pai bêbado. Só que isso se deu, o que quando, deveras comigo, feliz e prosperado. Ah, que saudades que eu não tenha...
Ah, meus bons maus-tempos! Eu trabalhava para um senhor doutor Mimoso.
Sururjão, não; é solorgião. Inteiro na fama – olh’alegre, justo, inteligentudo – de calibre de quilate de caráter. Bom
até-onde-que, bom como cobertor, lençol e colcha, bom mesmo quando com dor de cabeça: bom, feito mingau adoçado.
Versando chefe os solertes preceitos. Ordem, por fora; paciência por dentro. Muito mediante fortes cálculos, imaginado de
ladino, só se diga. A fim de comigo ligeiro poder ir ver seus chamados de seus doentes, tinha fechado um piquete no quintal:
lá pernoitavam, de diário, à mão, dois animais de sela – prontos para qualquer aurora.
[...]
João Guimarães Rosa. Tutameia: terceiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 177.

12 Os escritores modernistas modificaram sensivelmente a expressão linguístico-literária, tanto na poesia como na prosa.
O texto de Guimarães Rosa serve como exemplo dessa renovação, no campo ortográfico quando utiliza a seguinte pas-
sagem: Sururjão não; é solorgião. As duas grafias são resultantes de deturpações de pronúncia de uma palavra bastante
comum em nossa língua. Qual é o efeito pretendido pelo autor ao fazer tais deturpações?

13 Uerj 2019 O poema a seguir foi retirado do Livro de Sonetos, de Vinicius de Moraes (São Paulo: Companhia das Letras,
2009).
Soneto da hora final
Será assim, amiga: um certo dia
Estando nós a contemplar o poente
Sentiremos no rosto, de repente
O beijo leve de uma aragem fria.

5 Tu me olharás silenciosamente
E eu te olharei também, com nostalgia
E partiremos, tontos de poesia
Para a porta de treva aberta em frente.

Ao transpor as fronteiras do Segredo


10 Eu, calmo, te direi: – Não tenhas medo
E tu, tranquila, me dirás: – Sê forte.

E como dois antigos namorados


Noturnamente tristes e enlaçados
Nós entraremos nos jardins da morte.
No título Soneto da hora final, para revelar o tema do poema, recorre-se à figura de linguagem denominada:
a eufemismo
b metonímia
c hipérbole
d ironia

14 Leia o texto a seguir.


Imagina um apagão na hora da academia? Vai todo mundo embagulhar
Monique Evans. IstoÉ, n. 1.651, 23 maio 2001.

a) Sabe-se que as palavras são polissêmicas, isto é, podem assumir vários significados dependendo do contexto. A
palavra “embagulhar” foi criada a partir da palavra “bagulho”.
Explique de que maneira ela foi formada e seu significado contextual.
b) Invente quatros frases em que a palavra “bagulho” mude de sentido. A seguir, dê o sentido dessa palavra em
cada uma das suas ocorrências.
FRENTE ÚNICA

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15 Leia o texto a seguir.
Dois jacarés conversando:
– Cara, o meu pai está cheio da grana!
– Ganhou na loteria?
– Não, fizeram uma carteira com ele!
Donaldo Buchweitz. Piadas de animais.

I. A vírgula após o advérbio de negação corresponde a uma pausa na linguagem oral; ela poderia ser eliminada da
frase em que está inserida, sem prejuízo para o sentido.
II. A expressão “cheio da grana” possui duplo sentido; o sentido negativo liga-se à ideia de luxúria, riqueza, osten-
tação.
III. Embora calcado no humor, o texto discute um assunto que preocupa os setores ligados à ecologia: o desrespeito à
natureza, a caça indiscriminada de animais para fins lucrativos.
IV. A personificação das personagens é decisiva na construção do humor, uma vez que no universo humano a expres-
são “cheio da grana” possui um sentido que não condiz com o que se fala no final, o que contribui para a quebra de
expectativa.

Estão corretas:
a apenas II, III e IV.
b apenas III e IV.
c apenas I, II e III.
d apenas II e III.
e todas.

Texto para a questão 16.

Fausto. Disponível em: <www.chargeonline.com.br>. 14 set. 2007

16 UFPR Tendo em vista a charge de Fausto, considere as seguintes afirmativas.


1. O efeito de humor é obtido, dentre outras coisas, pela recuperação do sentido literal da frase do último quadrinho.
2. A expressão “trem-bala” constitui uma metáfora: veloz como uma bala. Fausto associa à já metaforizada expres-
são um novo sentido.
3. O mico retratado no último quadrinho simboliza a vergonha do povo brasileiro diante de seus infortúnios.
4. O desenho do Congresso Nacional no último quadro permite associar as figuras humanas retratadas nesse qua-
dro com os políticos brasileiros, que se revoltam com os escândalos divulgados nos últimos meses.

Assinale a alternativa correta.


a Somente as afirmativas 1, 3 e 4 são verdadeiras.
b Somente as afirmativas 2 e 3 são verdadeiras.
c Somente as afirmativas 1 e 2 são verdadeiras.
d Somente as afirmativas 3 e 4 são verdadeiras.
e Somente as afirmativas 1, 2 e 4 são verdadeiras.

298 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 12 Figuras de linguagem ligadas ao aspecto semântico

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Gabarito
8. D A leitura de um almanaque ligado a um
Frente única xarope não serve de referência, já que é
9. D
Capítulo 1 – Aspectos do texto – 10.
a única leitura.
12. B
nível fundamental 1) presentes, por metonímia de amigos-se-
cretos; 13. B
Revisando 2) amigos-secretos, referindo-se aos que 14. A
1. “Interrogados, mentem, a princípio, ne- irão presenteá-lo;
15. D
gando; depois exageram as falcatruas e 11. A
16. A
acabam a chorar, [...].” 12. D
17. D
2. 13. B
18. O significado de loucura está relacio-
a) A árvore pode ser um risco para as 14. E nado à condição do poeta e à própria
crianças.
15. atividade deste.
b) As crianças oferecem perigo à árvore.
a) Mas, porém. Sentido de oposição. 19. C
c) O fato de se entender que a escola ofe-
b) A autora valoriza o ato de ler como ex- 20. C
rece risco para alguém ou para alguma
periência ou vivência. 21. C
coisa.
16. B 22. D
3. A cumplicidade na situação de aproxi-
mação desencadeada pela pisadela. 17. A 23. E
4. Ele veio ao Brasil em razão de seu enfa- 18. E 24. D
do com a vida que levava em Portugal. 19. 25.
5. Temos uma oposição semântica que a) A sensação disfórica permeia o poema a) Com o uso da expressão “passar ver-
gera certa contradição. de Fernando Pessoa, que se porta de gonha”, a personagem passa a ideia
forma niilista, rejeitando, de maneira ab- de que “palavrão” é palavra obscena
Exercícios propostos soluta, o sistema. ou grosseira. Cria-se, desse modo, a
1. C b) Em “eu sou um ator...”, Raul Seixas expectativa de que o papagaio utiliza,
sintetiza a ideia de metamorfose, desdo- frequentemente, palavras de baixo ca-
2. D
brando-se nas múltiplas faces de um ator. lão.
3. A
20. Texto I – a mulher está distante e envol- b) A relação de causalidade e a inadequa-
4. ta em uma atmosfera mórbida. ção das palavras usadas pelo papagaio,
a) Calvin entende que as proibições devem Texto II – a mulher é mais terrena e tem referidas como “palavrões”, se mantêm,
ser claras e explícitas, isto é, o que não é maior sensualidade. pois, de fato, é a natureza dos “pala-
nomeado, logicamente, é permitido. 21. B vrões” que faz com que o menino se
b) Ironicamente, Calvin questiona a falha envergonhe. O que se altera são as
22. “Eu vejo o futuro repetir o passado
da proibição tirando “inocentemente” as causas da vergonha. Pressupunha-se
Eu vejo um museu de grandes novidades”.
calças. no primeiro quadrinho que a agressi-
23. D vidade dos palavrões era a causa da
c) Não. A placa só diz para o motorista não 24. C inadequação e, portanto, de se “passar
parar, não havendo restrições a outras vergonha”. No segundo quadrinho, en-
condutas. Exercícios complementares tretanto, pelo fato de o papagaio falar
5. 1. D “xixi”, “cocô” etc., altera-se a razão da
a) “bate-papo” (ou chat); “navegando” inadequação. Trata-se de expressões
2. “Não o MST, a política de assentamento...”
(acessando); “rede” (internet)”. normalmente usadas por crianças mui-
3. Na expressão “Temos saídas”, o comple- to pequenas, expressões inócuas, que
b) Levar um “gato” assume valor cono- mento é utilizado em sentido metafórico causam riso nos ouvintes e, portanto,
tativo de homem bonito, atraente (ou e geral, e na sequência “Temos [...] um constrangem o dono do papagaio. A
mulher: “gata”), portanto a interpretação setor agrícola imenso”, o complemento premissa de que o papagaio costuma
é possível. é utilizado em sentido literal, atribuindo repetir apenas aquilo que ouve na casa
6. B uma particularidade à frase, especifican- em que vive torna mais contundente a
do e exemplificando o termo saída. imagem de que seu dono é quem seria
7.
4. B infantil, motivo do embaraço.
a) As passagens da tira e os respectivos
domínios específicos são: “sofrido perda 5. E 26. C
total” – linguagem das seguradoras de 6. B 27. C
automóvel; “reconstruíram meu corpo a 7. F; V; F; F; F 28.
partir do DNA” – da engenharia genética;
8. B a) Em “para, noia”, o vocábulo “noia”
e “um molar cariado” – da odontologia.
9. C pode ser interpretado, em uma pri-
b) O corpo do personagem Hugo apresen- meira leitura, como sinônimo informal
ta-se escavado, esburacado, semelhante 10. C de “ansiedade”, “depressão” e outros
à forma como poderia estar um molar 11. Trata-se da passagem: “o alfabetizado transtornos mentais, e o uso do verbo
cariado. só lia o Almanaque Biotônico Fontoura!”. “parar” cria um imperativo para que tais

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doenças da mente sejam combatidas. ambas querem protegê-los e dotá-los informações no artigo, por meio de cita-
Porém, em uma segunda leitura, se des- de um poder: o fogo. ções diretas e indiretas.
considerarmos o emprego da vírgula, 41. “reizão bicéfalo”, “meu rei”, “rei falador”, b) Atualmente, o profissional do circo
a expressão pode ser lida como “para- “chefão de duas cabeças”, “reizão”. abrange professores de teatro, de artes
noia”, sonoridade que induz ao duplo e de educação física. Por isso, a forma-
sentido pretendido pela revista. 42. Refere-se a “Zeus”, o qual tirou o poder
do pai de Prometeu, Cronos. ção desse profissional é bastante plural,
b) No plano não verbal, focaliza-se o de- e sua atuação vai além do artístico e do
senho de uma mulher sentada em um 43. Há as oposições: liberdade × opressão; profissional.
móvel semelhante a um divã, enquanto terreno × divino; ignorância × conheci-
7. É fundamental reconhecer que a omis-
sua postura física demonstra inquietude mento.
são, na versão cinematográfica, de
e sua cabeça é substituída por diversos 44. cenas presentes na narrativa de Solo-
círculos que reforçam seu estado an- a) Ocorre antítese na relação entre as mon não se constitui em um erro, não
gustiado, confuso. Já no plano verbal, o palavras “complicadas” e “simples”, evi- configura uma falha, pois os dois textos
texto revela que a matéria de capa irá denciando a submissão humana às pertencem a gêneros diferentes, utilizan-
tratar de transtornos mentais, como an- tecnologias, representada ironicamente do-se, portanto, de recursos diferentes,
siedade e depressão. pelo eu lírico. de maneiras distintas para contar a mes-
29. ma história. O filme possui restrições,
b) Pressupõe-se em “repreendessem” uma
limitações, tais como de tempo e de
a) O eu lírico está preso no quarto escuro, mudança no olhar da humanidade, que
gastos; por isso, o roteiro no qual se sus-
por essa razão não vê o luar. A comuni- “desaprendeu a chorar”, criticando a in-
tenta privilegia outros aspectos que não
cação entre ambos é realizada por meio sensibilidade humana diante do cenário
a fidelíssima adaptação à obra original.
do visual. social no qual se encontra. Cabe ao roteirista e ao diretor reelaborar
b) Há várias oposições: 45. Soma: 01 + 16 = 17 o texto para que os seus objetivos sejam
• dinamicidade × estaticidade: estar 46. E atingidos, quer seja a produção de uma
preso pressupõe a estaticidade; es- obra artística de qualidade, quer seja a
47. A
tar lá fora pressupõe a dinamicidade produção de uma obra com intuito de
(brincar); 48. E captação de bilheteria.
• euforia × disforia: estar preso pressu- 49. B 8. A
põe a disforia (negatividade); estar lá 50. C
fora pressupõe a euforia. Exercícios propostos
• escuro × claridade: respectivamente a 1. A
falta de comunicação e a possibilidade Capítulo 2 – Tipologia textual 2. D
de diálogo.
e gêneros discursivos 3. A
c) A locução “lá dentro” pode ser entendida
como aqui dentro de mim e se justifica Revisando 4. Dentre as características descritivas do
como presença do olhar indiscreto dos texto podemos destacar: o emprego de
1.
outros, que facilmente perceberiam estar verbos de estado, que caracterizam a
o eu lírico brincando com o luar em pleno a) Os versos devem ser classificados como cena, a constante adjetivação das pes-
dia. dissertativos e subjetivos. soas e do salão do cassino e a ausência
30. D b) Uso repetitivo do advérbio “talvez”, que de desenvolvimento temporal.
introduz uma reflexão do autor, e a abor- 5. D
31. B dagem temática explícita acerca dos
32. E 6. C
sonhos.
33. O fato de Prometeu ter roubado o fogo 2. O discurso direto é introduzido por le- 7. E
e dado aos mortais provoca a ira de tras maiúsculas e por vírgulas. 8. Eduardo Koge, líder indígena de Tadari-
Zeus, que o condena, acorrentando o 3. Permite ao autor garantir maior fluidez mana, MT, disse que eles vivem lá igual
“ladrão” em um píncaro por muitos anos. ao fluxo da narrativa, processo muitas ao gado e que não podem sair daquela
34. Trata-se Mairahú, o Deus-Pai, criador do vezes prejudicado pelo discurso direto cerca.
mundo. comum. 9. Uma moradora do Brooklin, zona sul,
35. “– Sou Maíra – lembrou – sou o arroto 4. O pianista lá do salão de dança, senhor disse que havia morado (ou morara)
de Deus-Pai”. Armando, me aconselhou: por 35 anos no interior paulista e que
– Não perca a calma e espere com con- nunca havia sido (ou fora) acordada por
36. Quando dizia que “podia fazer qualquer passarinho algum. Além disso, ela tam-
fiança, pois a justiça pode tardar, mas ela
coisa”; quando dá a vida ao desenho da bém contou que, naquele momento, em
vem um dia.
arraia. plena São Paulo barulhenta e caótica,
A isso, então, respondi:
37. “Seres efêmeros” (efêmero = passagei- – Que confiança pode ter essa justiça suas madrugadas estavam sendo bem
ro, mortal); está relacionado a homens que vem dos homens se nunca homem diferentes.
“bem-aventurados”, refere-se a deuses, foi justo para mim. 10. D
imortais, superiores aos primeiros.
5. Possibilidade de resposta: Umidade do 11. C
38. Por ter oferecido um dom aos seres hu- ar chega ao baixíssimo nível de 11%, o
manos, fui submetido a esse dolorido 12. C
que resulta no dobro de incêndios.
destino. 13. D
6.
39. Maíra quer suprir as necessidades bá- 14. A
a) O artigo de Patrícia Lauretti faz basica-
sicas do homem: o calor, o fogo para o mente uso do argumento de autoridade, 15. C
alimento; Prometeu irá suprir um desejo recorrendo a uma tese (“Realidades e 16. E
de caráter mais intelectual: “o brilho do particularidades da formação do profis-
fogo, vital em todas as artes”. 17. A
sional circense no Brasil: rumo a uma
40. As duas personagens demonstram em- formação técnica e superior”) e a seu 18. B
patia e preocupação com os homens, respectivo autor para corroborar suas 19. C

300 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Gabarito

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20. A fala procura persuadir os membros se vê assaltado pelo desejo de trans- 17. C
da bancada ruralista a promoverem o formar a própria experiência em relato
desmatamento de florestas localizadas perde o controle sobre o próprio de- Exercícios complementares
em regiões de interesse no campo do sejo. No entanto, durante o processo 1. Soma: 01 + 02 + 04 = 07
agronegócio. Considerando o campo de elaboração da escrita, os mais dife-
2.
da lógica, o argumento de estratégia rentes aspectos da existência passam
de posse (“invadiu nossas terras”) é a encontrar uma significação, ainda que a) A personagem propõe-se a levantar a
incoerente, uma vez que a existência precária. Dessa forma, escrever é, pa- “bandeira moralista”, mas, contraditoria-
do ecossistema antecede a criação da radoxalmente, uma “maldição” e uma mente, com um ato imoral, na medida
propriedade privada, tendo ocorrido há “salvação”. em que se propõe a manipular a classe
“milhares de anos”. Além disso, a posi- média para atingir seu objetivo: a derru-
ção assumida pela personagem fere bada do governo.
a ética coletiva ao subordinar a pre- Capítulo 3 – Figuras de b) O autor critica a classe média, atribuindo-
servação de uma floresta ao interesse linguagem ligadas aos -lhe um falso moralismo, uma espécie de
individual e monetário. compensação ao que lhe falta em dinheiro.
aspectos fonético e sintático
21. Sob uma perspectiva objetiva e de 3.
cunho técnico, o botânico estuda o Revisando a) Gatunagem implica a ação de gatunos,
vegetal de maneira classificatória, atri-
1. Aliteração e assonância. [...] tratantagem, a ação de tratantes. O
buindo-lhe características descritivas,
2. Paronomásia. único verso que não apresenta rima em
como altura e composição. Em con-
“-agem” reflete a inércia do povo brasi-
trapartida, o poeta produz uma análise 3. Quiasmo.
leiro.
subjetiva e mais completa acerca da 4. Aliteração e assonância.
árvore, atribuindo-lhe uma noção verda- b) No discurso da personagem Lacerda, as
deiramente ampla, viva e desenraizada 5. A aliteração do “r” reproduz o ranger repetições e as redundâncias são ne-
de limitações técnicas e objetivas. dos dentes. cessárias para reforçar sua oratória que
6. Aliteração e assonância. visa convencer os ouvintes da neces-
Exercícios complementares 7. O autor concordou com a ideia que o sidade de reformas. “E como a virtude
1. C substantivo “gente” traz na linguagem é rara/e difícil de provar,/torna-se fácil
coloquial: nós. apontar/corrupção no governo.”
2. A
8. Há uma silepse de gênero. 4.
3. D
9. O som longínquo do galopar de estra- a) Trata-se do recurso da musicalidade –
4. C
nha cavalgada vem se aproximando. asso­nâncias e aliterações, sobretudo do
5. D “v”: como fone­ma, pode sugerir o canto
10. As meninas cortavam a laranja e os me-
6. E ou o ruflar das asas; como letra, sugere
ninos, a melancia.
7. C a forma das asas.
11. Todas.
8. A b) Pode-se interpretar a relação como con-
12. traste, conflito entre realidade e sonho:
9. D
a) Quiasmo. a alma anseia pela liberdade, mas esta é
10. A negada pela vida real. Ver o voo da ave
b) Dar ênfase.
11. B faz ressurgir no eu lírico a triste­za pelos
13. Assíndeto.
12. C anseios não cumpridos.
14. Anáfora.
13. D c) A estrutura sintática pode sugerir a ex-
tensão e a densidade do seu anseio e
14. A informalidade é criada pelas expres- Exercícios propostos
do horror que o inva­de: “... que cobre/
sões “feito ele”, “dar o passo” e “um 1. B Como uma cheia/Meu cora­ção, e entor-
quê”.
2. B na sobre/Minh’alma alheia...”.
15. Foi preciso o destemor conceitual de um
3. B 5.
teólogo exigente feito ele para propor
uma mudança racional necessária. 4. E a) No trecho “Eu disse isso. E o canoei-
Ousou: para salvar a onipotência de 5. D ro me contradisse”, observa-se o uso
Deus, é impossível não sacrificar pelo de aliteração, na reiteração do fonema
6. E consonantal sibilante /s/ (diSSe/iSSo/
menos uma faceta da bondade divina.
7. A contradiSSe), de rima interna (dISSE/
16. B
8. Silepse. contradISSE) e de células rítmicas, pois
17. C tal passagem constitui exemplo de prosa
9. D
18. O advérbio “eventualmente” deixa pres- que pode ser desmembrada em três ver-
suposto que não é toda ideia que surge 10. C sos tetrassílabos, com acentos regulares
que é transformada em um conto ou em 11. C nas quartas sílabas poéticas destacadas:
um romance. A criação desses gêneros Eu/ di/sse/ I/sso.
12. E
ocorre, portanto, casualmente, quando, E o/ ca/no/EI/ro
nas palavras da escritora, “espontanea- 13. E
me/ con/tra/DI/sse.
mente a ‘coisa’ vem”. 14. D
b) Na frase “Até fosse crime, fabricar des-
19. No sétimo parágrafo, Syd Field explicita 15. Possibilidades: o mentir traz consigo tan- sas, de madeira burra!”, ocorre aliteração
ao leitor o fato de que todo e qualquer ta mentira, tanta utilidade nesta cidade./ dos fonemas /f/ (“Fosse [...] Fabricar”), /r/
roteirista tem uma dinâmica durante o O mentir nesta cidade traz consigo tanta (“cRime, fabRicaR [...] madeiRa buRRa”),
processo de criação de um roteiro (“De- mentira, tanta utilidade. /d/ (Dessas, De maDeira) e /s/ (“foSSe [...]
pende de você”). O efeito sonoro produzido com o hipér- deSSas”). Também há um anacoluto: a
20. Segundo Clarice Lispector, escrever é bato é a rima. forma verbal “fosse” não se integra sin-
uma “maldição” porque o indivíduo que 16. C taticamente com o segmento posterior.

301

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6. do trecho e as demais comparações, é b) A corrupção que ocorre nos estabele-
a) Não. Do contexto, depreende-se que aquela extraída do texto bíblico: a pala- cimentos penitenciários, envolvendo
a pátria não reagia diante das “subtra- vra de Deus é semente. funcionários e políticos e a presença do
ções” ou “tenebrosas transações” de 17. B crime organizado.
que era vítima. 18. “O roubar com pouco poder faz os pira- 4. O canal de comunicação, o celular.
b) O recurso expressivo sonoro está na tas, o roubar com muito, os Alexandres”. Há várias passagens em que a função
aliteração das consoantes “t” e “r”, que A segunda vírgula indica a supressão do apelativa está presente: verbos no Im-
mimetizam a sonoridade de uma caixa verbo “fazer”. perativo (“Fala”, “não esquece”), uso do
registradora (país sendo saqueado). pronome de tratamento (“você”), empre-
go de vocativo (“Caveira”, “Ditinho”).
7.
Capítulo 4 – Funções 5. E
a) A expressão “aparte” significa comentá-
rio, observação. Ao considerar o termo
da linguagem 6. D
“aparte” juntamente à forma de trata- 7. B
mento “vossa excelência”, pode-se dizer
Revisando
8. “A poesia quer sombra – é o pirilampo...”,
que se trata de um discurso que ocorre 1. Emissor (emotiva), receptor (apelativa), “faz da sua chama meu ideograma”.
no Congresso, dado que esse tratamen- referente (referencial), canal de comu-
nicação (fática), mensagem (poética), 9. D
to é protocolar entre parlamentares.
código (metalinguística). 10.
b) A expressão “um aparte” pode gerar,
por paronomásia, a expressão “uma 2. Referencial e conativa. a) Gênero dramático.
parte”. Nesse sentido, indica que o rato 3. Informar o leitor sobre a situação (o con- Podemos citar como características des-
quer um pedaço de queijo. texto); dirigir-se diretamente a ele. se gênero:
– ausência de narrador;
c) No quadrinho, temos dois ratos como 4. Porque o samba discute o samba; a mú- – presença de rubricas;
personagens. No Brasil, a palavra “rato” é sica faz uma reflexão de seu processo – predomínio de diálogos;
utilizada para designar aquele que furta. de criação. – personagens encarnados por atores;
A imagem também desperta o leitor para 5. Função poética. – encenação dos episódios em um
a ambiguidade da expressão “um aparte”, palco.
6. “Sozinho num canto qualquer do seu
pois é a partir da observação do queijo
mundo”. b) Modo Imperativo. Função apelativa ou
que se chega à expressão “uma parte”.
conativa.
A relação entre imagem e palavra permi- Exercícios propostos
te ao leitor identificar uma prática comum 11. C
na política brasileira: a interferência em 1. Estabelecer um diálogo com o leitor. Tra-
12.
um discurso muitas vezes é utilizada ta-se do Imperativo: veja você.
a) Objetiva, em linguagem denotativa, sem
para se obter vantagens. 2. Função metalinguística.
juízos de valor.
8. E 3. C
b) Funções referencial e metalinguística.
9. I-2; II-3; III-1. 4. D
13. D
10. A 5. Os verbos “doar” e “fazer” no Imperati-
14. C
vo.
11. B 15. D
6. C
12. A 16. C
7. Rima, repetição, regularidade métrica,
13. E 17. C
oposição de sentido.
14. D 18. Conativa (“você”); referencial (informa-
8. B
15. C ção sobre o assunto).
9.
16. 19. C
a) Metalinguística e referencial.
a) Os espinhos, as pedras, o caminho e a 20.
b) Apelativa.
terra boa (em que o trigo caiu) represen- a) Função referencial, pois é um artigo de
tam os diferentes corações dos homens. c) Apelativa e referencial.
uma lei que informa e assegura direitos
Nesse período, são “lançados” ou “dis- 10. “Hmmm” ― “O quê?” – “É. Quer dizer...” da mulheres.
seminados” os elementos. Na “recolha”, – “Certo.”.
b) Como o texto II faz parte de um balan-
eles são retomados um a um para que 11. Tomar conta, trata-se de linguagem co- ço anual de Violência contra a Mulher,
sejam comparados aos diversos “cora- loquial. o emprego da linguagem referencial é
ções” ou tipos de homens que, conforme
12. Na preocupação excessiva do menino essencial para que haja transparência e
sua natureza, receberam de forma dife-
com o gênero da palavra “sexo”, mas clareza na divulgação das informações.
rente a palavra de Deus, representada
confunde com “genitália”, e na displi- Considerando isso, sugere-se o seguin-
pela metáfora do trigo: os espinhos são te parágrafo:
cência com que o pai conduz o assunto,
os homens que se preocupam com O gráfico em destaque revela, de um
confundindo ainda mais a criança.
seus próprios interesses materiais e são total de 140 350 relatos, o percentual
egoístas; as pedras representam os ho- 13. A
dos tipos de violência que as mulheres
mens insensíveis, duros de coração; os 14. D mais sofrem no dia a dia de acordo com
caminhos são os homens insatisfeitos 15. D o Balanço Anual (2016) da Secretaria Na-
e intranquilos com o fluxo do tempo e cional de Políticas para as Mulheres.
das coisas da vida; a terra boa são os Exercícios complementares Como se pode observar, mais da meta-
homens que aceitam de bom coração a de dos casos relaciona-se à violência
1. Imperativo.
palavra de Deus. física (50,70%), seguida por agressões
2. D
b) Na alegoria do padre Antônio Vieira, a de caráter subjetivo, como a violência
comparação, ou melhor, a metáfora bási- 3. psicológica (31,80%) e moral (6,01%). Ain-
ca, que sustenta todo o desenvolvimento a) “Alô”, “O quê?”. da nesse gráfico, é possível observar,

302 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Gabarito

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em ordem decrescente, a violência se- 12. h) A pressa é inimiga da perfeição.
xual (5,05%), o cárcere privado (4,35%), a) Não adianta ficar preso ao passado, o i) Dois indivíduos com o mesmo problema
a violência patrimonial (1,86%) e o tráfico que passou passou. não conseguem se ajudar.
de pessoas (0,23%).
b) Expor-se a uma situação de perigo. j) Não exija do ser aquilo que ele não
21. Tenta explicar o ato de contar, ou seja, pode oferecer.
usa a língua para explicar algo relacio- Exercícios propostos k) A ignorância é tolerante com a ignorância.
nado a ela. 1. C
18. “Zeus capitolino [...] talhar no mármore
22. C 2. A [...] a pedra corte [...] Descomunal [...] vul-
23. C 3. Trata-se do adjetivo “significativo”, que to extraordinário”.
24. D estabelece um julgamento de valor do 19. “relicário [...] fino artista [...] ourives [...] al-
25. O exercício metalinguístico dá a pos- enunciador. to-relevo [...] alvo cristal, a pedra rara [...]
sibilidade de uma comparação entre 4. Uso de terceira pessoa e ausência de ônix [...] prata firme [...]”.
a função da vírgula na organização do palavras que estabelecem julgamento de 20. “escrevo [...] papel [...] pena”.
texto e as consequências do uso dos valor, ausência de figuras de linguagem.
21. B
serviços oferecidos pelo banco. 5. Uso de linguagem figurada (canibalismo
22. O da capela White Chapel e o do banheiro.
26. C político...campeonato de denúncias),
uso da primeira pessoa, expressões que 23. W.C.
27. A
estabelecem julgamento de valor (cani- 24. A falta de conhecimento do código da
28. E
balismo... ladrão). língua inglesa.
29. E
6. E 25. Da necessidade de o homem desenvol-
7. A ver a sua sensibilidade para que haja paz.
Capítulo 5 – Categorias de 8. O uso da subjetividade está no fato de 26. Racionalidade por oposição à sensibili-
dade.
mundo e temas e figuras as opiniões serem pessoais, sem sus-
tentação científica; a expressão “Acho 27. Racionalidade: velocidade, máquina,
Revisando que” é a mais representativa. conhecimento, abundância, inteligência,
1. Porque ele discorda do termo. Para o au- 9. Trata-se de um cachorro de grande porte. violência. Sensibilidade: humanidade,
tor, é o caso de requalificar, pois a escola Deve ter, aproximadamente, dois anos. afeição, doçura, virtudes.
pública outrora tinha qualidade. 10. 28. Temático, pois predominam substantivos
2. Uso de primeira pessoa (“Na verdade, abstratos.
a) Entre outros sentidos da palavra “bexi-
requalificar, porque sou filho da escola ga” em português, o aluno poderia citar: 29. Ele não podia negar a sua natureza.
pública e, no meu tempo,...”); juízo de 1. órgão do aparelho urinário; 30. A do caráter, que é imutável.
valor explícito (“Por falar em mediocrida- 2. balão; 31. Figurativo, haja vista as figuras do sapo,
de, os torcedores do América de Natal 3. varíola; qualquer bolha resultante escorpião, rio, água, vegetação; todos
deveriam...”) de queimadura ou infecção (sentido substantivos concretos.
3. Trata-se das passagens: O mito é o nada popular).
32. C
que é tudo./ É um mito brilhante e mudo. b) A passagem em que se desfaz a ambi-
4. O presente do indicativo substitui o pre- guidade do título é “Ian Ashpole bateu Exercícios complementares
térito perfeito do indicativo “rejeitou” a no domingo 28 o recorde de altitude em
1. A
fim de se criar um efeito de aproximação, voo com bexigas”.
2. A
presentificar o passado para torná-lo mais c) O tema do filme mencionado poderia
atrativo. ser a prática do balonismo. 3.
5. O verbo “saber” no modo imperativo 11. E a) Alguns elementos que caracterizam Al-
promove o diálogo (pressupõe o prono- tamira como lugar ameno: “... eles estão
12. A
me você); além disso, o singular substitui num vale muito verde onde chove mui-
o plural, pois o jornal é dirigido para um 13. C to...”; “as árvores são muito compridas e
contingente grande de pessoas (você 14. D os rios são grandes feito o mar”; “É uma
substitui vocês). terra tão verde... Altamira”; “Tem tanta ri-
15. E
queza lá, que ninguém precisa trabalhar”.
6. O nome dele é Garotinho; ele chama 16. D
a si mesmo de Garotinho (nesta há a b) “Deixa louvar da corte a vã grandeza”.
17.
embreagem da 3a pessoa no lugar da 4.
primeira). a) As aparências enganam, trata-se do
a) “Meu santo, me diga, onde é que eles
jogo do parecer e não ser.
7. O quadro trabalha com elementos do foram, meu santo?”
mundo natural, como a mulher, a cama, b) Em uma sociedade com muitas diferen-
b) Semanticamente, o vocábulo “povo” sig-
a casa. ças sociais, há os extremos: os que têm
nifica “familiares”, “parentes”.
muito e os que não têm nada.
8. O quadro retrata o sofrimento, a melan- 5. B
colia de uma mulher; o que denuncia c) Este provérbio reitera o anterior: as dife-
esse estado de alma é a postura gestual. renças sociais. 6.

9. Os adjetivos “magro”, “pálido”, “arrepia- d) É preciso chegar a um consenso quan- a) Aspectos formais e conteudísticos que
do só há oposições. contrariam a impessoalidade do estilo
dos”; os substantivos “faca” e “sangue”;
científico: “dia cinzento e triste, que me
as formas verbais “assustei-me” e “arra- e) Em festa de rico, pobre não tem vez.
causou arrepios”/“onde, por sinal, pen-
nhou-me”. f) Quem se conforma com pouco, não tem durei uma tela de Bruegel, um dos meus
10. Esses animais se referem, na realidade, grandes chances de vencer. favoritos”/“e vencendo uma terrível dor
aos seres humanos. Trata-se da perso- g) O conhecimento não é acessível àque- de dentes…” – por conterem visão pes-
nificação. les que possuem uma visão de mundo soal, digressão da natureza filosófica,
11. “Com perseverança, tudo se alcança”. cristalizada. desfocando o objeto da análise.

303

PV_2021_LU_ITX_FU_GAB.INDD / 15-09-2020 (17:55) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


b) A estratégia de construção para trans- ditado, o joio representa o mal, que é se-
mitir o ideal de impessoalização é a voz meado pelo “inimigo” (Satanás), enquanto Capítulo 6 – Texto, ideologia
passiva sintética. o trigo representa o bem, que deve ser e argumentação
7. “na semana passada”. cultivado. O que é preciso é discernimen-
O problema é que o crime teria aconte- to para separá-los, ou seja, escolher o que Revisando
cido antes da compra da arma. O correto convém e afastar o que não interessa. 1.
seria: “na semana anterior ao crime”. c) A palavra deletar confere ao texto um ar a) Por mais que nossos governos não
8. D de atualidade por constituir um neologis- tenham o devido cuidado com esse pa-
mo, formado a partir do verbo inglês to trimônio, ele é nosso. Apesar disso, os
9. C
delete (apagar, suprimir), de largo uso no donos das reservas sentem-se no direito
10. universo da informática. de aumentar ou diminuir a extração de
a) “E portanto, se os degredados que aqui Daí seu emprego, além de trazer a marca petróleo e subir ou não o seu preço.
hão de ficar aprenderem bem a sua fala da atualidade, ser extremamente adequa-
do quando aplicado a jovens de uma classe b) Se a Amazônia é uma reserva para to-
e os entenderem, não duvido que eles,
sabidamente adepta do computador. dos os seres humanos, ela não pode ser
segundo a santa atenção de Vossa Al-
queimada pela vontade de um dono ou
teza, se farão cristãos e hão de crer na 14. D de um país.
santa fé, à qual praza a Nosso Senhor
15. B 2. Há o emprego da analogia (compara-
que os traga...”.
16. ção). A passagem do terceiro período
b) Trata-se da falta de defesa que os índios
a) O sermão aponta características do dis- que também apresenta esse tipo de
têm para certas doenças, conhecidas
curso falado, pois faz: argumento é o seguinte: “Assim como
como doenças da civilização, sobretudo
– uso da primeira pessoa do plural Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Ja-
aquelas transmitidas por vírus. E há o
(nós); neiro, Brasília, Recife, cada cidade, com
processo de destruição, semelhante ao
– uso do termo “ora”; sua beleza específica, sua história do
de guerras, mas que em determinado
– uso de pronomes demonstrativos: mundo, deveriam pertencer ao mundo
momento escapa do controle do homem
(no caso, do branco). “entra por esta rua, sai por aquela...”; inteiro.”
– uso de interrogações, criando uma 3. O termo foi empregado como sinônimo
11. A
interlocução. de habitante do terceiro mundo, alguém
12. cujas opiniões não têm relevância ou
b) Há uma apresentação dinâmica dos fa-
a) Duas expressões: tos pelo emprego dos verbos de ações peso na comunidade internacional,
– dar bola: prestar atenção, interes- (movimento). Orações coordenadas como também alguém que defende um
sar-se por, conscientizar-se de. criam a ideia de rapidez. interesse particular; interesse, portanto,
– dois campos: universos de referên- que iria de encontro às ideias humanis-
17. D
cias, de conhecimento. tas, nas quais acredita o autor, mas que
18. A o mundo toma como procedimento de
b) Possíveis sentidos para expressão “bo-
leiros sob medida”: 19. B defesa dos interesses do país e não do
– boleiros adequados (com capacida- 20. Soma: 08 planeta como um todo.
de física) à função que exercem; os 21. 4. Há os que defendem a internaciona-
que possuem o biótipo ideal. lização da Amazônia, é o caso dos
– boleiros sob análise (avaliação) de a) Polissemia do vocábulo “entrada” (en-
americanos que a veem como patrimô-
sua capacidade física. trada = saguão inicial, porta; entrada =
nio do mundo, e os que não defendem
ingresso).
13. a sua internacionalização, como o autor
b) É comum uma Bienal chocar o público, do texto. Para defender a Amazônia
a) Neste contexto, ensanduichar, tendo co­ com obras irreverentes, logo no início da como nossa, o autor lembra que há em
mo complemento objeto direto o substan- exposição (= na entrada do espaço em outros países algo equivalente à Ama-
tivo atividades, tem o sentido de encaixar, que ocorre). No caso, porém, o choque zônia, que também seriam patrimônio
espremer (inserir, forçando) uma atividade se dá porque, ao contrário dos anos an-
entre outras duas. da humanidade, como o petróleo, os
teriores, o ingresso não será cobrado. museus, etc.
A expressividade ou sugestividade da
palavra provém de ser ela um neolo- 22. 5. “Quem semeia vento colhe tempestade”.
gismo formado a partir de sanduíche a) Na frase: “você não poderá mais dizer 6. Está provado, quem espera nunca alcan-
(em+sanduíche+ar), constituindo uma que foi mordido por uma jibóia, e sim por ça (“Quem espera sempre alcança”)
metáfora criada a partir de uma realida- uma jiboia”, o jornalista usou o verbo “di- Faça como eu digo/Faça como eu faço
de marcante e característica da classe zer” ao invés de escrever, ao sugerir que (“Faça o que eu digo, não faça o que eu
de jovens a que o texto se refere. Com a reforma afetaria o modo de falar das faço”)
efeito, essa geração já foi chamada ge- pessoas. O quadro comparativo apre- Aja duas vezes antes de pensar (“Pense,
ração McDonald’s. sentado seria suficiente para desmentir antes de agir”)
A ideia de sanduíche está associada, a sugestão do jornalista, porque nele se Devagar é que não se vai longe (“Deva-
também, à ideia de fast-food (alimen- vê que não ocorreu alteração na pro- gar se vai longe”)
tação rápida), o que torna a palavra núncia das palavras, apenas na grafia.
7. Trata-se da oposição semântica ao pro-
“ensanduichar” extremamente adequa- b) A ironia do articulista refere-se à su- vérbio, faz-se uma inversão do conselho.
da e coerente com o modo de vida posição de que pequenas alterações
desses jovens, marcado pela correria e 8. É preciso ter opinião própria, o senso
ortográficas sejam suficientes para pro-
pela falta de tempo. comum pode não estar com a razão; é
mover o intercâmbio cultural entre os
necessário partir para a ação, expor-se
b) O ditado corrente diz que “é preciso se- países lusófonos. Quando se refere a
ao risco.
parar o joio do trigo”. lugares remotos e, muitas vezes, igno-
O joio é uma erva daninha, muito rados, o escritor sugere que o “atraso”
Exercícios propostos
semelhante ao trigo e que, caracteristi- econômico, social, cultural seja o princi-
camente, cresce nas plantações de trigo. pal problema entre as relações culturais 1. D
Na passagem bíblica que deu origem ao entre os países envolvidos. 2. C

304 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Gabarito

PV_2021_LU_ITX_FU_GAB.INDD / 16-09-2020 (20:10) / DANIELA.CAPEZZUTI / PROVA FINAL


3. A povos africanos exclusivamente como “atirar pérolas aos porcos”, que signifi-
escravos e, consequentemente, asso- ca desperdiçar algo valioso com quem
4. E
ciam a formação do Brasil ao legado não é merecedor. Pode-se concluir que
5. B deixado pela escravidão. O autor suge- o trecho I é a origem do significado da
6. E re, portanto, uma abordagem baseada expressão.
na ancestralidade do continente africa- b) As expressões se reforçam, pois ambas
7. E
no, evidenciando a responsabilidade afirmam que não se deve oferecer algo
8. europeia no processo de empobreci- valioso (tanto “pérolas” quanto “o que
a) Argumento baseado no consenso. mento dos povos africanos. é santo” têm significados positivos) a
b) Argumento de direção. 7. quem não merece (tanto “cães” quanto
c) Argumento baseado em provas concre- a) No trecho “[...] estudando com mais “porcos” têm sentido pejorativo).
tas. cautela o comportamento desses ma- 13. A
míferos, [...]”, o pronome tem como 14.
d) Argumento de autoridade.
referente golfinhos, logo eles seriam
9. C a) A ambivalência ocorre porque a ex-
classificados como mamíferos.
pressão “xeque-mate”, em sua origem,
10. b) A última frase explicita o receio de que significa “o rei está morto”. Apesar disso,
a) Na premissa menor. os golfinhos possam ser tão violentos em uma partida de xadrez, ela é usada
b) Premissa maior: todo gato é ágil. com seres humanos como são com ou- para designar o final do jogo no momen-
Premissa menor: eu sou gato. tros mamíferos aquáticos. to anterior à morte do rei.
Conclusão: eu sou ágil. c) Pelo conhecimento de mundo adquirido b) Segundo o senso comum, existe gran-
11. B na leitura das fábulas infantis, sabe-se deza em lutar até a morte. Ao tomar
que o inimigo do cordeiro é o lobo; por- como analogia uma partida de xadrez,
Exercícios complementares tanto, o texto deveria ter como título: o autor do texto contraria essa noção,
LOBO NA PELE DE CORDEIRO. porque, de acordo com ele, a verdadei-
1.
8. ra grandeza reside em reconhecer os
a) “O Ministério da Saúde adverte: fumar é
a) Ao caracterizar “memes e textões” como próprios limites e saber abandonar um
preju­dicial à saúde.”
“extravasadores de afetos”, o autor se conflito no momento em que for impos-
b) Há uma relação de intertextualidade sível vencê-lo.
vale de argumentos como “modos de
entre o texto dado e o texto subenten-
a gente rir”, “dividir acontecimentos” e 15. B
dido; o texto da universidade parodia o “colocar o dedo em feridas”, que são
slogan do Ministério da Saúde, criando 16. C
reações humanas associadas a esses
uma relação de oposição: o fumo é pre- 17. C
gêneros textuais.
judicial, ao passo que a palestra faz bem. 18. B
b) Não existe contradição na ideia expressa
c) No enunciado, é a “Universidade X” que pelo trecho considerando-se a “platafor- 19.
adver­te, portanto ela se reveste de auto- ma”, ou seja, o suporte textual em que os a) A ciência não busca repostas absolu-
ridade. “textões” são escritos. O gênero “textão” tas que captem a essência das coisas,
2. foi criado exclusivamente na internet, como vem sugerido na resposta à per-
a) Berzebu. sobretudo em redes sociais (algumas, in- gunta “o que é um animal?”. Ela procura
clusive, com um limite de palavras para ordenar os fenômenos e os seres de
b) No texto, os nomes Todo o Mundo e
cada publicação), o que obriga o au- modo empírico, segundo características
Ninguém podem ser entendidos como tor a produzir textos com o máximo de observáveis na prática.
pronomes indefinidos, saindo do caráter concisão possível. Assim, embora sejam
individual para o geral. b) Uma possível redação: decidam por vo-
conhecidos como “textões”, seu tamanho
cês mesmos se é uma coisa natural nós
3. dificilmente é, de fato, extenso; por isso
nos considerarmos animais, levando em
a) Como: conjunção comparativa. não há contradição.
consideração a maneira de pensar que
b) Personagens alegóricos, caricaturescos. 9. C eu propus anteriormente.
4. D 10. É baseado no acaso, na improvisação; 20.
trata-se de um poema aleatório.
5. Soma: 01 + 16 + 32 = 49 a) As aspas em “bacana” marcariam gíria,
11. uma forma comum de expressão ou,
6.
a) O autor baseou-se em uma receita ainda, um jargão que poderia, suposta-
a) Para o autor, escrever dicionários é uma mente, traduzir o linguajar da periferia;
de cozinha para a construção de seu
tarefa política porque é um processo poema. já em “abrir portas” as aspas assinalam
relacionado à cultura e à disseminação um lugar-comum que se refere à ascen-
do conhecimento, já que há uma enor- b) São palavras que costumam frequentar
são social; finalmente, em “preferência
me quantidade de palavras derivadas o universo da receita culinária, como os
nacional’, as aspas remetem ao discurso
de línguas bantas no português brasi- verbos “pegar”, “retirar” etc.
publicitário, especificamente o das cam-
leiro, o que comprova como a cultura c) Eles se diferem no conteúdo (comida panhas brasileiras de cerveja. Nas três
brasileira possui diversas raízes linguís- por oposição ao fazer poético) e na expressões, vale ainda considerar o uso
ticas originadas no continente africano. forma: um é construído em versos e o das aspas para assinalar um sentido fi-
Além disso, o autor argumenta que um outro, normalmente, em prosa. Eles se gurado ou ironia.
dicionário deve ser considerado um meca- assemelham no vocabulário (léxico, pa-
b) A citação do título do famoso filme ser-
nismo didático de difundir conhecimento, lavras que indicam o universo da receita,
ve para evidenciar a tese defendida
visto que os verbetes informam o signifi- como pegar, agitar e tirar) e na própria
pela autora: o que há em comum aos
cado da palavra e sua trajetória histórica. progressão lógica que esses verbos im-
episódios, aparentemente distantes e
põem ao texto.
b) O autor critica a abordagem dos livros diferentes entre si, do roubo do Rolex e
didáticos a respeito da história da África. 12. da mescla de adultério e corrupção no
Essa crítica é fundamentada na tradição a) A expressão que tem sentido estabele- escândalo de Renan Calheiros. A citação
escolar que, segundo o autor, rotula os cido de acordo com Millôr Fernandes é valoriza a singularidade e a opacidade,
305

PV_2021_LU_ITX_FU_GAB.INDD / 15-09-2020 (17:55) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


isto é, a complexidade de um objeto 11. E
que é almejado por seu valor próprio. 12. C
Capítulo 8 – Implícitos,
Com isso, a referência ao filme serve
13. O erro ortográfico no significante reme- ambiguidade e semântica
de ensejo para ressaltar, por contraste,
te ao conteúdo. Segundo o enunciador,
a banalização do desejo pelos objetos Revisando
em questão (relógios de grife, mulheres mais importante que enxergar o erro é o
fato de entender o porquê de uma para- 1. Séria, capaz de ocasionar a morte.
bonitas, espaço na mídia): sua exibição
ostensiva e aquilo que tal ostentação lisação. Ou seja, o enunciador pede que 2. Baixa.
pode proporcionar. o leitor dê menos importância ao signifi- 3. Paroxítono.
cante e mais atenção ao significado.
21. 4. Circunspecto, sisudo.
14. B
a) Sim, nos dois textos fica expressa uma 5. A pobreza aumentou.
preocupação de regular, do ponto de 15. C
6. Trata-se do vocábulo “ainda”.
vista ético, a conduta médica. O texto 3 16. C
especifica a proibição do recebimento de 7. O humor está ligado ao duplo sentido de
vantagens materiais na prescrição médica. Exercícios complementares “viu”: consultar ou ver.

b) Sim. No texto 1 são apresentadas práti- 1. 8. Substantivo, nome da personagem; pro-


cas médicas intermediadas por farmácias nome indefinido, nenhuma pessoa.
a) Não, pois na mensagem publicitária não
ou laboratórios: distribuir aos pacientes aparecem os muitos recursos sonoros
cupons que garantem descontos, des-
Exercícios propostos
do provérbio, como a aliteração (bela
de que assinados e carimbados pelo 1. D
viola), a assonância (fora-viola/dentro-
médico; fornecer cartões de fidelidade -bolorento), a antítese entre as vogais 2. D
provisórios que garantem descontos. abertas da primeira frase e as vogais 3. D
Essas duas práticas ferem as normas es-
fechadas da segunda, a rima interna 4.
tabelecidas nos textos 2 e 3.
(dentro/bolorento) e o ritmo das frases
a) Levando em conta a informação de que
equivalentes a versos heptassílabos
“em todo o ano passado foram registra-
Capítulo 7 – Nível da acentuados na 2a e 7a sílabas.
das 33 ocorrências”, a sequência “neste
b) A palavra “planta” é polissêmica, pois
expressão – relações entre pode referir-se tanto ao desenho que
ano, só no período de janeiro a abril,
já foram 31” traz implícita a conclusão
linguagens representa a projeção horizontal de uma de que a situação piorou muito, já que
construção quanto a um vegetal. o ocorrido nos quatro primeiros meses
Revisando
2. permite a previsão de 93 ocorrências
1. mas todo o estilo de vida. /o mundo para o ano 2000.
contemporâneo / dos aspectos carnava- a) O conceito explorado pelo cartum 1 é
lescos / direta e extrovertida o do paradoxo, que consiste em uma b) O final da segunda nota sugere que os
afirmação contraditória. Na imagem, o pichadores, tanto quanto os baloeiros,
2. O texto em linguagem visual procu- sejam enquadrados como “responsáveis
pato aparenta ser, no reflexo das águas,
ra passar um estilo de vida, jovem,
um cisne, no entanto o reflexo dos se- por crime inafiançável” e trancafiados
extrovertido, reflexo de um mundo con-
res deveria corresponder ao que eles “em presídios por longos anos”.
temporâneo marcado pela mídia e pelo
realmente são. A imagem, portanto, é 5. D
consumo.
paradoxal.
3. B 6. A
b) O princípio que comanda o processo
4. O emprego da sensação visual na des- 7. A
de criação artística no cartum 2 é o do
crição da cidade aproxima o texto do das acaso, já que as notas musicais são re- 8. C
características do Impressionismo, que gistradas de acordo com a sorte dos 9. B
busca captar a realidade pelos sentidos.
dados. Esse princípio caótico remete à 10.
vanguarda europeia conhecida como
Exercícios propostos a) “... o lançamento será simultâneo em
Dadaísmo.
1. D todo o país em 16 concessionárias...”
3. A
2. D b) O lançamento nacional não será só em
4. A Campinas.
3. D
5. E 11. O advérbio “ainda” pressupõe um fato
4. E
6. O imperfeito sempre dá dinamismo, anterior que ainda se processa (o “hor-
5. E ror” persegue e perseguia a vítima). O
vivacidade ao passado, o que se harmo-
6. Os futuristas pretendiam expressar a ve- niza com a ideia de progresso. texto faz referência ao ataque terrorista
locidade. Para tal, substituíam as imagens em Madrid, na manhã de 11 de março de
7. E
figurativas por planos, retas, linhas, im- 2004.
pregnadas de dinamismo e movimento. 8. A
12. D
7. A emoção é dada pela dramaticidade da 9. E
13. C
cena, pela ideia de movimento e pela 10. E
eroticidade das formas: moles e curvas 14. C
11. D
da mulher; retas e firmes do homem. 15.
12. O pano que cobre o rosto é a nega-
8. B a) Eddie Sortudo esperava que Hagar in-
ção da aparência, com isso valoriza-se
9. A terpretasse a frase da seguinte forma:
a essência. Ao mesmo tempo, o pano
algo para “curar” dor no estômago.
10. Trata-se de uma crítica àqueles que pro- também os torna iguais, visto que se cria
vocam o desequilíbrio ecológico. A ideia uma nova aparência, mas sem os ingre- b) Hagar entende como algo para “causar”
de devastação está presente no signifi- dientes esperados: nariz, boca, olhos dor de estômago.
cante, na omissão de algumas letras. etc., uma espécie de máscara social. c) Elipse do verbo.

306 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Gabarito

PV_2021_LU_ITX_FU_GAB.INDD / 15-09-2020 (17:55) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL


16. Estava no metrô e vi uma foto sua, em possibilitam uma política monetária me- 14. C
que você estava retratada. nos apertada, com juros não muito altos. 15. Como afirmação aceitável, o provérbio
Estava no metrô e vi uma foto que per- 2. No feriado prolongado, lojas fecham ape- faz referência ao respeito pelo próximo,
tencia a você (foto de algo). nas na quinta-feira. à obediência dos limites entre mim e
Estava no metrô e vi uma foto no saguão outro; remete, ainda, à liberdade a que
3. C
que você tirou, de sua autoria. cada um de nós tem direito.
Estava em outro lugar e vi uma foto sua 4. A
16. Como afirmação não aceitável, refere-se
dentro do metrô. 5. D
ao fato de que cada cidadão possui o
17. E 6. seu lugar na sociedade, impedindo-o de
18. a) … deveria ter forçado o monge a se imo- interagir socialmente e estimulando a
a) O trecho é o seguinte: “Mulher acompa- lar. sua discriminação.
nhada até 24 horas não paga”. b) … deveria ter impedido que o monge se 17. As duas possibilidades de paráfrase são:
imolasse. 1) O governo não poderá tomar nenhuma
b) A preposição “até” indica, no caso, limite
medida.
de tempo. A ambiguidade ocorre por- 7. O indivíduo não consegue impor em sua
2) Existem várias medidas que o governo
que a expressão “até 24 horas” pode vida um pouco de “graça”, transgressão
poderia tomar.
ser entendida como “até meia-noite não ao cotidiano, à mesmice; com isso, não
paga se estiver acompanhada” ou como evolui, permanece estático, inserido 18. Em “Não há uma só medida que o go-
período de até 24 horas; caso ultrapasse num cotidiano monótono, cheio de idas verno possa tomar”, o adjetivo “só” pode
tal período, pagará. e voltas. significar “única” ou atuar como advér-
bio, significando “apenas”. Por isso, a
19. B 8. Discutir o ser humano e o que o cerca
frase pode significar que o governo não
20. do ponto de vista da filosofia barata sem
pode tomar “nenhuma” medida ou então
grandes profundidades, sem se ater a
a) “...comeu um frango inteiro vestido de que o governo tem à sua disposição di-
análises técnicas.
policial”, “em que era oferecido aos de- versas medidas.
legados”. 9. Em “Muito tempo atrás” o sentido de
“atrás” é de temporalidade. Em “Atrás de
b) Quem estava vestido de policial, o “portu-
guês” ou o “frango”? O que foi oferecido
onde” o sentido é de espacialidade. Em Capítulo 9 – Variantes
aos policiais: “português”, “o frango” ou
“Atrás de minha memória daquele tem- linguísticas
po” os sentidos são de temporalidade e
o “arroz à grega”? O arroz, mas no mo-
de espacialidade. Revisando
mento em que a frase é lida, dá-se a
impressão de que o “frango” ou o “por- 10. Na comparação entre as duas frases, 1. O uso culto está presente na lousa e na
tuguês” era servido, impressão desfeita observamos que “atrás”, na relação com fala da professora; o coloquial está pre-
apenas quando se lê “arroz à grega”. “jardim da minha casa”, tem um senti- sente na fala do garoto.
do de espacialidade. Na relação com
c) “Sem cerimônia alguma, um português 2. Só pode ser um alienado (desinformado).
“memória daquele tempo”, apresenta
faminto, vestido de policial, comeu um a concomitância entre os sentidos es- 3. Sim, pois um adolescente tende a se
frango inteiro, na mesma mesa em que pacial e temporal. A palavra “jardim” expressar, na modalidade oral da língua,
um arroz à grega era oferecido aos de- configura um limite espacial, enquanto por meio de gírias.
legados da região.” a palavra “memória” ao mesmo tempo 4. Não, pois a charge representa uma aula
21. A configura um limite marcado pelo tem- de sintaxe, e o personagem, portanto,
22. D po e pelo espaço. “Atrás”, na relação deveria utilizar uma linguagem menos
com memória, significa ao mesmo tem- coloquial, respondendo ao que foi per-
23. A
po “aquém” do espaço da memória e guntado. No entanto, o garoto responde
24. A “anterior” ao tempo da memória. Essa fazendo uma interpretação semântica
25. B concomitância imprime um jogo poético da oração apresentada pela professora,
26. Trata-se de “Eletrobrás”. à construção, que faz ressoar as duas o que provoca humor.
construções anteriores: “muito tempo Obs.: apesar de todas as informações
27. A palavra “luzes”, elíptica, remete ao ci- atrás” e “atrás de onde”. que temos do jogo político, não é “po-
nema e à energia (Eletrobrás) gasta para liticamente correto” afirmar que todos
a produção e exibição de um filme. 11.
os políticos são desonestos, portanto,
28. C a) Trata-se do seguinte trecho: “...que apre- não se pode afirmar que há uma “in-
sentarem defeitos de fabricação, exceto coerência” na frase apresentada pela
Exercícios complementares aqueles decorrentes de instalação e uso professora da charge.
inadequado...”. Se é defeito de fabricação,
1. 5. Palavras como “rebento”, “seu moço”,
não pode ser decorrente de instalação e
a) Os juros continuarão altos? O economista uso inadequado. “patuá”, “carregamento” projetam um
respondeu à questão levando em consi- falante mais humilde, pertencente às
b) O pronome “esses” pode referir-se a classes sociais menos privilegiadas eco-
deração a tendência de manutenção das
consumidores ou produtos. nomicamente.
taxas altas.
12. 6. Em “prá”, “pro” e “tá”, temos alteração
b) É desejável ou conveniente que os juros
continuem altos? O presidente da Fede- a) Em II, o advérbio está empregado correta- na pronúncia, característica da moda­
ração das Indústrias do Estado de São mente, pois pode significar que elas foram lidade oral.
Paulo entendeu a pergunta consideran- excluídas das cerimônias, apagadas da 7. Sim, Chico Buarque emprega persona-
do uma eventual e desejável queda dos lista de convidados. Em I, o sentido é figu- gens simples, de pouca escolaridade e
juros. rado, não literal. aborda um tema presente no cotidiano
c) Em 1996, o setor público deverá apre- b) Refere-se às mulheres. “Apagadas” pode das cidades: a violência. A abordagem
sentar déficit, acarretando juros altos. significar excluídas da cerimônia ou inex- do cotidiano pressupõe a oralidade e a
Todavia, as reservas internacionais que pressivas, tímidas. coloquialidade.
bateram recordes e a política monetária 13. B 8. E

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Exercícios propostos b) Não, pois o dialeto caipira aparece em 10.
1. Soma: 04 + 08 + 16 = 28 outras formas da linguagem coloquial, e a) Ao se estabelecer a comparação intro-
é encontrado nos grandes centros. duzida por “Assim como”, há pelo menos
2. Uso de linguagem coloquial. O uso da gíria
está condicionado ao público-alvo: jovem. duas possibilidades para os versos:
Exercícios complementares – Assim como o aço, a tua saudade tam-
3. Uso de linguagem coloquial. Há os per- 1. C bém corta...
cursos figurativos do sutiã e da fruta:
2. A princesa Diana já passou por momen- – Assim como o aço corta,/também a tua
uva e cacho. Este último vocábulo tem
tos difíceis. Por exemplo, quando seu saudade...
sentido ambíguo: cacho de uva e cacho
ex-marido Charles teve um caso amo- b) Se o verbo “atrapalhar” estivesse flexio-
referindo-se a namorado (gíria).
roso com Lady Camile, fato amplamente nado em acordo com a norma-padrão, a
4. Trata-se de linguagem culta, o anúncio divulgado. sonoridade da quadra heptassilábica es-
faz uso da intertextualidade.
3. Estudei muito, durante seis anos, a vida taria comprometida, pois estaria desfeita a
5. O uso do estrangeirismo está associado de um paulista e fiz um filme sobre ele. rima com a palavra “faia”. Além disso, vale
à ideia de fineza e status que envolve o Trata-se de Mário de Andrade, um gran- dizer que, com a modificação, o efeito
produto e o público-alvo. de poeta, muito pouco citado pelas de sentido seria prejudicado, porque a
6. vanguardas modernistas. Hoje em dia, troca implicaria uma incoerência linguís-
a) Assista, amanhã, à revista eletrônica femi- felizmente, já existem vários trabalhos e tica, uma vez que o restante do texto
nina que é a referência do gênero na TV. há muitos estudiosos reavaliando a poé­ apresenta traços da variante falada po-
tica desse autor, pois ela é muito mais pular e informal da língua caipira.
b) O verbo “assistir” na acepção de “ver”,
importante e profunda do que parecia 11. A dor faz com que o paciente, já debilitado
“observar”, é transitivo indireto, rege a
nesses últimos anos. Estudando Mário em consequência da enfermidade, veja-se
preposição “a”. O acento grave indica
de Andrade, descobri que foi exemplo incapacitado de realizar as mais simples
a contração da preposição “a”, coman-
de pessoa que morreu de amor pelo seu atividades a que está habituado, tais como
dada pelo verbo assistir, com o artigo
povo, pelo seu país [...] cuidar da higiene pessoal, alimentar-se,
definido feminino “a”, que precede o
substantivo “revista”. 4. C levantar-se do leito etc. São necessários,
5. E então, os cuidados especiais, para evitar
7. B
piora na qualidade de vida do paciente.
8. B 6.
12. B
9. A a) As características de acentuação e gra-
fia solicitadas são: 13. D
10. Deve-se substituir: “interviu” por “inter-
– acentuação: “prémio” (enquanto no Bra- 14. O uso de pronomes não corresponde à
veio”; “reteu” por “reteve”; e “reaveu”
sil a pronúncia da tônica nos faz colocar norma culta porque o poema em ques-
por “reouve”.
o circunflexo — prêmio —, em Portugal tão pertence ao Movimento Modernista,
11. Deve-se substituir: “haviam cerca de” a pronúncia aberta, corrente, da mesma da primeira fase, que se propôs a rom-
por “havia”; “fazem dez anos” por “faz”; tônica os faz usar acento agudo). per com os padrões tradicionais.
“meia tonta” por “meio tonta”; e “onde – grafia: “facto” e “actual” (tais grafias
15.
se decidiu” por “em que” ou “quando se registram a consoante “c” porque ela
decidiu”. é pronunciada em Portugal, ao contrá- a) Trata-se do adjetivo “laranjo”.
12. Monstros, roteiro, mapas, quebra-ca- rio do que ocorre no Brasil, onde, por b) Aponta para uma variante oral ligada às
beças são palavras que remetem ao não ser usualmente pronunciada, não é classes mais populares.
universo do mistério, presentes nos jo- ­escrita). 16. A
gos dos videogames, cujo público-alvo b) As construções são: 17. B
é a criança, geralmente. – “... passei a vida a assinar papéis...” (no
18.
13. B Brasil, normalmente se diria: passei a
vida assinando papéis); a) As expressões “pato-mergulhão”,
14.
– “... a pedir um Nobel...” (no Brasil, normal- “morfologia da semente da laurácea”
a) Interrompe o assunto. mente se diria: pedindo um Nobel ou exemplificam o “biologuês” mencionado
b) Trata-se da variante social. para pedir um Nobel). no texto.
15. E 7. b) A expressão “dar nome aos bois” signifi-
16. A a) A sequência “cá, cá, cá,...” pode indicar a ca, neste texto, “identificar”, “nomear”.
17. Há ironia nas palavras “esquerda” e “di- risada do narrador diante dos fatos, ou o
riso do leitor decorrente da piada.
reita”. Capítulo 10 – Coesão
18. Na política, “direita” e “esquerda” b) João não percebe que a voz é do “gênio
remetem a ideologias opostas. A da garrafa”, que nos contos fantásticos se Revisando
ambiguidade ocorre com a palavra dispõe a satisfazer três desejos, e o con- 1. Trata-se de “esses” e “que”, os quais re-
“direita”, que também pode ser traduzida funde com um comprador disposto a fazer cuperam “anjo torto” e “homens”.
como “correto”. três encomendas.
2. Ao mesmo tempo que “esses” recupera
19. A palavra “nem” estabelece o implícito c) “pedidos” e “talão”. “anjo torto” (com a ideia de plural, por
daquilo que não se espera: o fato de 8. E ser mais de um), o pronome demonstra-
a esquerda não ser correta (há a inclu- tivo introduz o tipo de anjo torto: aquele
9.
são de um fato ou ser). Com o advérbio que vive na sombra.
“não”, esse implícito desaparece. a) “côr fula”, “inculcar-se forro”.
3. Enfatizam, intensificam, imprimem valor
20. A linguagem utilizada pelos políticos e b) Em ambos, é noticiada a fuga de um ser,
eufórico.
pelas ciências políticas. apresenta-se sua descrição e oferece-
-se uma gratificação. 4. O conectivo introduz uma oposição de
21. ideias; pode ser substituído por “toda-
c) O sentimento de propriedade e o trata-
a) O recurso consiste em reproduzir, na es- mento dado ao ser: uma mercadoria que via”, entretanto”, “mas”, “contudo”, ”no
crita, o dialeto caipira. possui um preço. entanto”.

308 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Gabarito

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5. A linguagem de Drummond remete à 6. C O direito abrangerá os seguintes aspec-
escola cubista e à linguagem cinema- 7. A tos à proteção especial:
tográfica; o poeta escreve à base de I. idade mínima para admissão ao
8.
flashes, emprega uma sintaxe com trabalho de 14 anos, observando o
poucos elementos coesivos; no plano a) “Aquela” refere-se à poesia e “esta”, à artigo exposto no art. 7, XXXIII;
sintático-semântico, Drummond frag- história. III. garantia de acesso à escola do tra-
menta a realidade (no cubismo, as b) O historiador diz “as coisas que suce- balhador adolescente.
imagens são decompostas), por meio de deram” e o poeta representa “as que (Art. 227, Parágrafo 3, Constituição
frases entrecortadas que apontam para poderiam suceder”. da República Federativa do Brasil.)
elementos da cidade: “casas”, “a tarde”, 9. A passagem é: Aproximando-os, teremos:
“o bonde”, “pernas”. os grandes problemas você deve ter um O direito à proteção especial abrangerá
6. Influi no ritmo; no plano semântico, refor- desenvolvimento tecnológico local. os seguintes aspectos:
ça a negação. “os grandes problemas” parece ser o I. idade mínima de 14 anos para ad-
7. A tarde talvez fosse azul, se não hou- sujeito de uma frase que inicia, todavia missão ao trabalho, observado o
vesse tantos desejos. O conectivo “se” a frase não se desenrola conforme a ex- exposto no art. 7, [...];
imprime valor condicional ao período. pectativa inicial. [...]
Há várias possibilidades de reescritura III. garantia de acesso do trabalhador
8. “Deus”, entidade máxima; “Deus”, ser hu- adolescente à escola.
dessa frase como, por exemplo:
mano forte, que resiste aos obstáculos.
– Os grandes problemas exigem (Art. 227, Parágrafo 3, Constituição
9. Trata-se da palavra “atrás”, antes de "do (demandam) um desenvolvimento da República Federativa do Brasil).
bigode"; a elipse promove a concisão, tecnológico local. 15. Precisamos, para a semana que vem, de
deixa o texto mais enxuto. – Para os grandes problemas, você um quadro amarelo, sóbrio, adequado a
10. Há elipse do pronome pessoal do caso tem necessidade de um programa salas de reunião. Liguem JÁ!
reto “eu” (“nasci”) e elipse do pronome tecnológico local.
16. E
pessoal do caso reto “tu” (“vai”). A redução 10. Sem alterar a relação, o conector “em-
da oração mencionada fica: Ao nascer... bora” poderia ser substituído por Apesar 17. C
de/Ainda que/Mesmo que. 18. A
Exercícios propostos Observação: o conector “embora” admite 19. A
1. A posição anterior ou posterior ao adjetivo
magra, o que não é possível com os seus 20. Reiteram-se o nome de um presidente e
2. C o verbo saber. Tal procedimento liga-se
substitutos de igual sentido.
3. D à crise política do primeiro governo de
11. A passagem ambígua é a seguinte: Lula.
4. C “[...] que, simultaneamente, mantinha um
5. “Ainda que as vítimas sejam pungentes, caso com o chefão mafioso Sam Giancana.” 21. Getúlio sabia, de modo que preparou a
a mensagem não é nada sem um recep- Primeira interpretação: carta-testamento. Getúlio sabia muito;
tor disposto a entendê-la”. O conectivo Kennedy mantinha um caso com Sam logo, preparou a carta-testamento.
denota concessão. Giancana. 22. Arfava e sorria, dois estados antagônicos.
6. D Segunda interpretação: 23. Esperava-se que os passantes intervis-
Judith Exner mantinha um caso com Sam
7. A sem, salvassem o cão, mas permaneciam
Giancana.
em silêncio.
8. E A ambiguidade decorre da ausência de
marcas diferenciadoras para se definir 24. O título do poema indica o sentimento
9. B
que palavra está sendo retomada pelo de prazer dos passantes que se com-
10. B portam como se estivessem imunes ao
pronome “que”. Desse modo, o “que”
11. E tanto pode referir-se a Kennedy quanto sofrimento de que padece o cão, muito
12. D a Judith Exner. embora ninguém esteja livre da dor e da
morte. Por isso, o riso espúrio e bufão
13. B 12. A passagem sem sentido é a seguinte:
do animal agonizante parece assinalar
14. B “[...] pois a fórmula para conquistar jovens
a ironia diante dessa pretensa isenção
plateias com um interesse maior em sexo
15. C por parte daqueles que o observam com
do que em música. [...]”
16. “Leite puro, seguro e nutritivo”. perversa curiosidade.
À direita da conjunção, pois deveria vir
17. B uma oração que justificasse o que se 25. Trata-se da elipse.
18. Funciona como catafórico: introduz um disse anteriormente. Essa expectativa, 26. Reitera e prolonga o prazer de Fortunato
elemento que ainda vai aparecer, a todavia, não se realiza, já que falta um ao ver Garcia sofrendo.
caixinha. predicado para a oração. 27. Em ambos, nota-se o ser humano sentin-
19. ... o fato do leite... : o fato de o leite... 13. A ausência de vírgula na frase I leva à inter- do prazer ao ver o sofrimento alheio; é o
(“leite” é sujeito). pretação de que “Mãe” é o termo ao qual caso de Fortunato e os passantes.
se refere o predicado “Só tem” (= existe) 28. Soma: 01 + 04 + 08 = 13
20. B
“uma”. Essa interpretação é responsável
21. B pela elaboração da maioria dos textos que 29. B
22. B enaltecem a singularidade da “mãe”. 30. B
A presença da vírgula na frase II leva à
Exercícios complementares compreensão de que a afirmação “só
1. D tem uma” não se refere à “Mãe”, mas Capítulo 11 – Coerência e
2. D
a outro elemento implícito como, por concisão
exemplo, uma coca-cola. “Mãe”, nesse
3. A caso, é vocativo. Revisando
4. C 14. O regente e os regidos estão a seguir 1. A preposição “entre” pressupõe a esco-
5. B assinalados: lha de um, e não de dois elementos ao

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mesmo tempo. A incoerência promovida isso, os fabricantes estão investindo, (“gerentes, que por sua vez precisam ...” /
pelo anúncio é proposital, a fim de atrair constantemente, no aperfeiçoamento “presidente que precisa trabalhar...”) e o
a atenção de quem lê. de seus produtos e na melhoria de seus emprego das estruturas que remetem
2. D serviços. Assim, colocam no mercado a comparações: “um trainee deve ter
equipamentos com modelos e recursos as mesmas qualidades dos diretores e
3. D
cada vez mais diversificados. Isso faz gerentes”, “como os trainees, que preci-
4. O numeral “103” pode estar ligado a parecer que as próprias máquinas estão sam”, “do mesmo jeito que os trainees”.
“BR” ou a “suspeitos”. A incoerência em eterna concorrência. b) Não, porque as comparações pressu-
possivelmente está ligada a “suspeitos”,
19. E põem relações de igualdade.
pois, geralmente, não se tem um grande
número assim de suspeitos. 20. C 10.
5. PM prende, na BR-103, suspeitos de 21. Os anões, caçando, viram um ET pescar a) Sim, pois para ambos “alma” é o que
tráfico. peixes num lago localizado na ponta ex- dá vida a algo (para o religioso, o corpo
trema daquele continente invisível. sem a “alma” é matéria inanimada; para
6. O termo “surpresa” é incompatível com o publicitário, negócio que não se divul-
a precisão dos dados que vêm a seguir. 22. Os preguiçosos querem o fácil; os valen-
tes, o difícil. ga morre).
7. E b) O velhinho acha que a frase do publicitá-
23. D
8. B rio é incoerente, pois para ele é possível
24. D negócio sem propaganda, mas não exis-
Exercícios propostos tiria propaganda sem o negócio. Assim,
Exercícios complementares
1. C na sua versão a frase deveria ter a se-
1. D guinte redação: O negócio é a alma da
2. A
2. propaganda.
3. C
a) Seria um péssimo jogador. “[...] horas apri- 11. As marcas formais são as seguintes.
4. D 1. Discordância entre o verbo e o sujeito:
morando-se após os treinos.”
5. A “a rapaziada... não são...”
b) Pois trata-se de uma corrente filosófica.
6. O que o enunciador pede para não fa- “nós ia”
3. D “nós saía”
zer é feito. Em 1, usa-se o lugar-comum
(como o diabo foge da cruz); em 2, há 4. “nós levava”
uma generalização após os dois pontos; a) “Lubrificantes oculares gelados também “nós ficava”
em 3, utiliza-se a voz passiva. são muito eficientes, mas só quando pres- “se (nós) fosse”
critos por um oftalmologista.” “(nós) só tomava”
7. B
Há uma incompatibilidade de sentido “nós vinhesse”
8. D 2. Uso do pronome “aquele” como intensifi-
entre as duas orações que formam o pe-
9. E ríodo: a eficiência do produto não está cador e não como anafórico.
10. C ligada à prescrição. “nós levava aquele respeito”.
3. Uso do verbo “levar” no sentido de “ter”
11. A b) “[...] mas só deverão ser usados quando
alguma coisa (respeito) por alguém. “nós
prescritos por um oftalmologista.”
12. C levava aquele respeito com o mestre”.
5. B 4. Uso da preposição “com” separada do
13. C
6. D pronome “nós”.
14.
7. “o mestre que saíra com nós”.
a) “queimar” é incompatível com “chuva”. 5. Uso da forma “né” como redução da ex-
a) O marca-passo é um instrumento que ser- pressão não é.
b) Trata-se da passagem “de Pernambuco a
ve para controlar o ritmo dos batimentos 6. Troca do l pelo r em “Arguma”.
Porto Alegre”, pois mistura-se Estado com
cardíacos, conferindo regularidade aos 7. Uso da forma “vinhesse” por “viesse” (tal-
cidade, há uma quebra de paralelismo
movimentos do coração. vez por associação com vinha). Trata-se
semântico.
b) A expressão “a técnica” é formada do ar- de um habitante da zona rural, adulto, com
c) A falta de coerência está na troca da pa-
tigo definido “a” e do substantivo abstrato pouca escolaridade e de uma classe so-
lavra carboidrato por bicarbonato.
“técnica”. O artigo funciona como anafó- cial mais pobre.
d) “almoçar com vigarista” é incompatível rico, isto é, retoma uma ideia anterior. O
com “corretíssimo” e outros atributos, falta 12. A resposta está contida no período: “Mas
substantivo pressupõe a referência a ter- eu acho que não há clima nenhum para
de coerência narrativa. mos concretos, que o esclarecem. golpe no país”. Todo o resto do discurso
e) “insipiente” quer dizer ignorante, ou seja, Assim, a expressão “a técnica” consis- apresenta proposições evasivas, com a
não há oposição na frase. te em converter células cardíacas de utilização de palavras e expressões de
f) Falta de coerência no nível da linguagem, porquinhos-da-índia em células especia- caráter indeterminado e genérico do
pois misturam-se palavras da lingua- lizadas, que atuam como marca-passo. tipo: “[...] resolver o problema que sur-
gem culta com as da linguagem coloquial. Trata-se de um recurso, portanto, que gir disso de uma maneira democrática,
serve de alternativa para substituir o im- dentro do realismo político”, justificativas
g) “Terror” e “medo” são incompatíveis com
plante do marca-passo eletrônico. históricas muito vagas para essas propo-
“apatia”.
c) A forma “suínos” é equivocada para se sições (de “O Brasil é mestre em fazer
h) O termo “cerca de” é incompatível com
referir a “porquinhos-da-índia”. Provavel- isso.” até o final).
um dado exato.
mente, foi utilizada por associação com 13.
15. B “porquinhos”, o que induziu o enunciador
a) O ministro do Trabalho, como argumen-
16. C ao equívoco.
to a favor da manutenção da legislação
17. B 8. C salarial, usa a declaração de que ela é
18. O avanço tecnológico está possibilitando 9. “tecnicamente melhor do que as suas
que haja, entre as pessoas, comuni- a) As duas propriedades são: as orações antecessoras”.
cação das mais diferentes formas. Por adjetivas, por meio do pronome relativo b) A palavra é o conector “enquanto”.

310 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Gabarito

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c) “Não obstante” poderia entrar no lugar de nunca”, permite concluir que o texto tem 2. O autor emprega o verbo aportar para
“entretanto”. Ambos os conectores intro- uma postura pessimista, já que a não designar o fato de ele chegar à cidade
duzem um argumento contrário ao que se realização de uma intenção decorreu da de automóvel; pega-se de empréstimo
disse anteriormente. incompetência, e não da falta de empe- um verbo que remete a um outro cam-
14. nho do sujeito. po semântico (marítimo) em função de
18. uma analogia: navio e carro são meios
a) A posição do professor Paulo Freire é
de transporte.
a de respeitar a variante linguística do a) A fábula da cigarra e da formiga e a his-
aluno, sem, entretanto, deixar de alertá- tória de José do Egito abordam o tema 3. O autor emprega diferentes sensações:
-lo sobre a necessidade de aprender a da preparação para tempos de crise. Na “azul” (visão), “acariciando” (tato), “odor”
variante culta. primeira, a formiga trabalha estocando (olfato).
b) O jornal chama a atenção para a necessi- comida para enfrentar um rigoroso in- 4. Trata-se da personificação ou proso-
dade de substituir “a gente cheguemos” verno; já na história bíblica, José prevê popeia; são atribuídas características
por “a gente chegou”, contrariando o um período de bonança seguido por ou- animadas a seres inanimados, como o
educador que valoriza a variante linguís- tro de seca intensa. Nas duas histórias, mar.
tica do aluno. houve a previsão da crise e a prepa- 5. Ao se apropriar da linguagem cono-
ração para conseguir enfrentá-la, algo tativa, a autora utiliza como recurso a
15.
que, segundo o texto, faltou aos admi- hipérbole, que consiste no exagero.
a) “Até lá os mosquitos transmissores da nistradores brasileiros.
malária estão proibidos de picar os ín- 6. O verbo apodrecer, em vez de suavizar
b) Sim. Da maneira como está, há incoe- a morte, torna-a mais cruel, o que seria o
dios.”
rência ao dizer que os administradores antônimo de eufemismo.
b) A palavra “emergencial” sugere a ne- previdentes não previram a crise: se eles
cessidade de uma tomada de posição são previdentes, logo deveriam ter previs- 7. O efeito pela causa e a causa pelo efeito.
imediata por causa da gravidade de um to o que estava por vir. Ao inserir aspas na 8. O texto faz alusão a Cristo; coloca-se a
problema; para “janeiro” soa como in- palavra “previdentes”, o tom irônico confe- qualidade pela qual o ser é conhecido,
coerente. rido a ela elimina essa incoerência. “salvador”, no lugar do ser, Cristo.
16. 19. Soma: 01 + 02 + 04 + 08 + 16 = 31
a) Para o cumprimento das aspirações na-
Exercícios propostos
20. A
cionais citadas, o autor impõe que se 1. E
21. D
cumpra uma outra aspiração de nível mais 2. B
elementar, ou seja, “[...] alcançar os limites 22. C
3. D
inferiores da sobrevivência condigna.” 23. E 4. A
b) A afirmação de que o Brasil ainda é um 24. B.
grande desastre social vem confirmada 5. B
por um argumento baseado em provas 25. Sou o que penso ser? Ele é o que ima- 6. A
concretas: “Basta lembrar que a cidade gina ser?
Somos o que pensamos ser? Ou somos 7. A
de São Paulo tem 56% de sua população
vivendo em favelas, cortiços, habitações o que os outros acham que somos? So- 8.
precárias [...]”. mos a tensão dessas duas visões. a) Em “jorrava”, tem-se a hipérbole e, em
17. “honesta pressa”, a personificação.

a) A palavra que permite concluir que o Capítulo 12 – Figuras de b) Tem-se “lembrava-se de que nem mes-
mo sabia pronunciar o nome delas”.
fragmento apresentado não é o início do linguagem ligadas ao aspecto 9. D
texto é o pronome demonstrativo “essa”.
Apenas com o trecho dado, não é possí- semântico 10. A
vel determinar a qual atividade o partido
X se dedica, pois o pronome “essa” — de Revisando 11. E
caráter anafórico — só adquire sentido 1. 12. Antítese.
pleno confrontado com um termo ante- a) Há uma metáfora que aproxima o conceito 13. A
rior a que faz referência. de firehosing e o fluxo de uma mangueira 14. O Brasil, espaço geográfico, que o Bra-
b) A incoerência do trecho estabelece-se de incêndio. Esta, ao combater as chamas, sil, o brasileiro, não conhece. Trata-se do
pela seguinte passagem: “falta [...] de in- é capaz de, por exemplo, dar vazão a emprego da metonímia (Brasil no lugar
capacidade”. uma grande quantidade de água em um de brasileiro).
Se falta incapacidade ao partido, significa pequeno espaço de tempo, o que é uma
15. C
dizer que ele é capaz para resolver o pro- característica também atribuída, no texto,
blema ao qual se tem dedicado. ao mecanismo propagandístico russo, 16. B
Entre as maneiras de se eliminar a incoe- visto que se trata de uma tática discursiva 17. A
rência, eis duas: com “alto volume de conteúdo” e de “pro- 18.
1. por falta de vontade, de vocação ou de dução rápida, contínua e repetitiva”.
a) Pleonasmo/Anacoluto.
capacidade; b) O autor explora a imagem metafórica de
2. seja por falta de vontade, de vocação, b) Sinestesia.
um sanduíche, que é um alimento pro-
seja por incapacidade. duzido com camadas diferentes, para c) Prosopopeia/Aliteração.
c) Entre as passagens que apontam uma explicar que o método de combate ao d) Sinestesia.
postura pessimista (crítica) em relação firehosing envolve também uma sequên- e) Pleonasmo.
ao partido X, pode-se destacar: “está cia de etapas (ou camadas): exposição do
19. E
longe do desejado”. fato verdadeiro, seguido do apontamen-
Essa passagem, em coesão com “de- to da mentira analisada e a consequente 20. B
dica-se a essa atividade mais do que conclusão dos impactos gerados por ela. 21. D

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22. A 4. D no futuro” deve ser lido como “investir na
23. B 5. morte” (futuro = vida; morte = fim).
a) São marcas de ironia: “aprontou”, “des- 8. A palavra “severina”, como nome pró-
Exercícios complementares cobriu”, “um gênero de investigação que prio, exerce o papel de substantivo; no
1. A sinestesia ocorre no trecho “geme anda na moda”, “adeptos” e “darwinistas texto executa a função de adjetivo.
um gemido aveludado, lilás, sonoriza- extremados”. 9. Trata-se do advérbio “teimosamente”.
ção dolente de saudade”. Evocam os b) O texto todo tem nitidamente um caráter 10. “Severina” significa de miséria, de sofrimento.
sentidos: audição (“gemido”), tato (“ave- irônico porque é possível encontrar-se 11. B
ludado”) e visão (“lilás”). nele palavras deslocadas do caráter
12. Reproduzir a linguagem oral e criar um
2. A precisão matemática pode ser ob- científico do investigatório, tais como:
efeito de realidade.
servada no rigor formal que estrutura o “aprontou” – frequentemente usada
poema: a forma clássica do soneto (14 como sinônimo de fazer molecagem; 13. A
versos, 2 quartetos, 2 tercetos); e métrica “descobriu” – cuja ironia se ressalta no 14.
e rimas regulares (predominância de ver- uso das aspas; a) Monique usou o verbo “embagulhar”
sos decassílabos; nos quartetos as rimas “um gênero de investigação que anda na partindo do vocábulo “bagulho” (que
obedecem ao esquema “abba” – rimam moda” – a palavra gênero está usada em vem de “bago”). Fez uso de um prefixo,
as últimas palavras do primeiro e quarto lugar de metodologia, e investigações “em”, e de um sufixo (“ar”).
versos e as do segundo e terceiro versos científicas não são questão de moda;
“adeptos” – palavra cujo emprego desti- b) Exemplos:
– e nos tercetos, o esquema é “aab”). 1) Examinava o bagulho da fruta com
na-se a nomear simpatizantes de “moda”
3. O poema faz uso de palavras e ex- ou seita religiosa; uma curiosidade de menino. (Semen-
pressões do campo semântico da “darwinistas extremados” – há notória te de uva e de outros frutos contida
Matemática (“algarismos”; “silogismos”; ironia em nomear os “adeptos da psico- no bago = grainha) substantivo.
“aritmética”; “progressão dos núme- 2) Era um bagulho! (Pessoa muito feia).
logia evolucionista” de darwinistas, uma
ros inteiros”; “Pitágoras”) e da Biologia A idade avançou e ele virou um
vez que essa corrente de pensamento
(“Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úme- bagulho. (Pessoa envelhecida, aca-
nada tem a ver com Charles Darwin.
ros”). O emprego de termos técnicos bada, gasta) substantivo.
6. E 3) E aquele bagulho? (Objeto sem va-
racionaliza a morte, tratada como rea-
7. lor) substantivo.
lidade objetiva, quantificável, sem
a) A ironia está presente em: “A. diz que 4) Recebeu o bagulho? (Objeto furtado
mistificação. Tal perspectiva contrasta
está investindo no futuro”. ou roubado) substantivo.
com o sentimentalismo e subjetivismo
da tradição romântica, que idealiza a b) A partir do pressuposto de que na ironia o 15. B
morte como evento transcendental. enunciado negue a enunciação, “investir 16. C

312 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Gabarito

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