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ea 7 HT-41#3 lUNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE FACULDADE DE LETRAS E CIENCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE HISTORIA Os esforgos da Igreja Catélica de Mocambique na busca da paz para Mocambique, 1982-1992: 0 caso especifico do arcebispo da Beira, D. Jaime Pedro Gongalves Dissertagao apresentada em cumprimento dos requisitos exigidos para a obtengio do grau de Licenciatura da Universidade Eduardo Mondlane. Por: Belchior Faustino Canivete Maputo- 20005 Os esforcos da Igreja Catélica de Mocambique na busca da paz para Mocambique, 1982-1992: 0 caso especifico do arcebispo da Beira, D. Jaime Pedro Goncalves Dissertagdo apresentada em cumprimento parcial dos requisitos exigidos para a obtengao do grau de licenciatura em Histéria pela Universidade Eduardo Mondlane por Belehior Faustino Canivete. Universidade Eduardo Mondlane Faculdade de Letras Ciéncias Sociais Departamento de Historia Supervisor: Prof. Doutor David Hedges Maputo, 2005 Ojai Presidente 3 © Supervisor © Oponente wy Me 2. dull 2s u = Declaro que esta dissertago nunca foi apresentada, na sua esséncia, para a obtengao de qualquer grau, e que ela constitui o resultado da minha investigagao pessoal, estando indicadas no texto e na bibliografia as fontes que utilizei. rs r Os esforgos da Igreja Catélica de Mogambique na busca da paz para Mogambique, 1982-1992: 0 caso especifico do arcebispo da Beira, D. Jaime Pedro Goncalves. Dissertagiio apresentada em cumprimento parcial dos requisitos exigidos para a obtencdo do grau de Licenciatura da Universidade Eduardo Mondlane. DEDICATORIA A David Jordao Canivete, meu pai, (in memorian) e a Maria Antonia Faustino, minha mae. ABREVIATURAS Comunidade de Santo Egidio Conferéncia Episcopal de Mocambique Estados Unidos da América Igreja Catélica de Mogambique Ministério (ou Ministro) dos Negécios Estrangeiros PCI= Partido Comunista Italiano RESUM( © arcebispo da Beira, D. Jaime Gongalves foi um dos principais protagonistas do processo de busca da paz para o pais. Num contexto em que 0 govemno mogambicano defendia que a Renamo era instrumentalizada por forgas externas, desenvolvendo até uma batalha de propaganda no sentido de apresentar este movimento como nao sendo um interlocutor vélido para uma solugao politica para 0 conflito mogambicano. D. Jaime € importante porque traz outras informagdes sobre a natureza da guerra, particularmente de que esta néo € promovida do exterior. D. Jaime Gongalves ¢ também importante porque foi o primeiro a ¢stabelecer contactos com a Renamo ¢ apresenté-la ao governo como interlocutora para uma solugo de paz. A viagem de D. Jaime a Gorongosa constitui um dos momentos mais importantes do processo de busca de paz para Mogambique. marcando uma viragem no proprio proceso pois confirma que o dialégo com a Renamo ¢ possivel. E gragas a D. Jaime que comecam a desenvolver-se lagos entre a Renamo e Santo Egidio. que levariam & mediagao italiana. O arcebispo da Beira é importante nas negociagdes de Roma porque goza da confianga da Renamo, 0 que da a vantagem de poder sensiblizar ¢ ser ouvido por esta com maior profundidade ¢ abertura. D. Jaime podia levar as preocupagdes da Renamo aos mediadores ¢ a outra parte, servindo assim de ponte entre a Renamo e os mediadores. ¢ 0 governo mogambicano. CRONOLOGIA 1. A lgreja ¢ o Processo de Paz 1979 = ICM publica um documento intitulado “ Caminhos da Paz” condenando a violéncia no pais. (MANHIQUE, 1999: p. 126) 1982 14 a 17 de Dezembro-Encontro entre 0 governo mogambicano € as instituigdes religiosas no pais. AICM, na voz de. D. Jaime Gongalves. arcebispo da Beira e entdo presidente da CEM, manifesta-se pela primeira vez em relagdo & violéncia no pais propondo o dislogo entre todos os mogambicanos como caminho para uma solugdo de paz para o = Os bispos catélicos apelam. de novo. numa carta pastoral intitulada “Um Apelo & Paz” para o dialogo como meio de acabar com a guerra. (SOUSA. 1994: p.. 19) 1984 - D. Jaime Goncalves ¢ D. Alexandre dos Santos, Cardeal de Maputo. sao incumbidos pela CEM para secretamente procurarem ¢ falarem com elementos da Renamo. (GONCALVES. dn: Mais, Jan/ 2005: p. 20) 7 de Maio- CEM publica a exortagdo pastoral “A Urgéncia da Paz”. onde os bispos catdlicos falam do Acordo de Nkomati como um passo decisivo para travar 0 avango dda guerra, mas ainda assim insuficiente devido a auséncia de um dos interlocutores, a Renamo. Realgando o dialégo e a reconciliagdo como os caminhos da paz. os bispos apelam para que se continuem as conversagdes iniciadas. (SOUSA. 1994: p . 23-24) 1986 3 de Maio- D, Jaime Goncalves vai a Italia pedir ajuda para as suas iniciativas de paz. D. Jaime tem encontros com responsaveis da CSE ¢ também, com dirigemtes politicos e governantes italianos como por exemplo Giovanni Berlinger dirigente do PCI e Giullio Andreotti, MNE. (della ROCCA. 1998: p. 59) 1987 30 de Abril - CEM publica a carta pastoral “A Paz que o Povo quer”. onde apontam o Partido Frelimo e a Renamo como primeiros responsaveis pela Paz. Em seguida referem-se a escalada da guerra ¢ da violéncia ¢, de novo, insistem no didlogo politico como tinica via para uma paz digna e honrosa. (SOUSA. 1994: p . 27) Novembro- A CEM escolhe D. Alexandre dos Santos. arcebispo de Maputo ¢ D. Jaime Gongalves. arcebispo da Beira, para se dedicarem intensamente na busca da paz para Mogambique. Esta acgao previa encontros com o Presidente da Republica para se agilizar 0 proceso. Igualmente faziam parte desta comissio, o bispo de ‘Nampula, D. Manuel Vieira Pinto. e o presidente da CEM, D. Paulo Mandlate. bispo de Tete(ALMEIDA, 1998: p. 88) 1988 3 de Junho - Viagem secreta de D. Jaime Gongalves a Canxixe (Gorongosa). quartel- general da Renamo, com 0 objectivo de se encontrar com Afonso Dhlakama ¢ saber dele 0 que pensava da guerra ¢ como pensava termina-la. Os bispos mogambicanos no sdo informados da viagem (della ROCCA. 1998: p. 68) ‘Na ocasido, D. Jaime falou das suas iniciativas de paz apoiadas pela CSE. Vaticano ¢ pelo governo italiano. Dhlakama mostra-se disponivel a dialogar com 0 governo. (Dhlakama. In: EMBAIXADA DA ITALIA. 2003: p. 21) 9 de Junho- D. Jaime Gongalves e D. Alexandre dos Santos foram informar ao Presidente da Repiblica os resultados obtidos ¢ sondar as intengdes do Presidente. Foi a partir dai que o Presidente Chissano encorajou-os a prosseguir com os contactos com a Renamo em Nairobi. (Gongalves. In: Mais. Jan/2005: p. 20) 1989 26 e 27 de Fevereiro - D. Jaime Gongalves ¢ D. Alexandre dos Santos mais dois bispos do Concelho Cristio de Mogambique (CCM) encontram-se em Nairobi. no Quénia, com uma delegagdo da Renamo chefiada por Rail Domingos. (ARAUJO. 2000: p55) 8-14 de Agosto- Encontro entre os lideres religiosos acima citados e 0 presidente da Renamo, Afonso Dhlakama. ‘Outubro- D.Jaime Gongalves desloca-se a Roma, onde se encontra com responsiveis da CSE. do Vaticano ¢. com dirigentes italianos. No seu regresso ao pais no final de Outubro. passa por Nairobi, onde se encontra com os delegados da Renamo que se Preparavam para deixar pais, fracassadas as negociagdes. Na ocasido. reitera o convite jé formulado pela CSE a Dhlakama para que este visite a Itdlia, (della ROCCA. 1998: p. 86) 1990 Fevereiro - Visita de Dhlakama a Itdlia onde tem encontros com responsaveis da CSE. com governantes italianos e com D. Jaime Gongalves, por quem revela uma certa confianga. (della ROCCA. 1998: p. 87) 14 de Junho - Fracassado o encontro de Malawi entre 0 governo mogambicano ¢ a Renamo, Raal Domingos desloca-se a Roma onde se encontra com os responsaveis, de CSE. do Vaticano e com D. Jaime Gongalves. Nestes encontros. Domingos pede a CSE para hospedar o encontro ¢ a Itélia para ser o anfitrido das negociagdes. (Domingos. in: EMBAIXADA DA ITALIA. 2003: p. 24) 8-10 de Julho — Inicio das conversagdes de paz em Roma que culminaram com a assinatura do Acordo Geral de Paz a 4 de outubro de 1992, entre 0 governo mogambicano e a Renamo. D. Jaime Gongalves. em representagdo da ICM, foi um dos mediadores nas negociagdes. 2. Politica e militar 1975 25 de Junho - Independéncia de Mogambique + Criaggo do MNR (Mozambican National Resistence) pelos ‘servigos secretos rodesianos. dirigidos por Ken Flower. (ABRAHAMSON: NILSSON, 1994: p. 165) 1976 = Governo mogambicano fecha as sua fronteiras com a Rodésia do Sul e adopta sangdes contra esse mesmo pais. adoptadas pelas Nagdes Unidas. Margo - Jé se falava em agressdes armadas contra Mogambique. (ARAUJO. 2000: p. 32) 1977 Ill Congreso da Frelimo, no qual esta transforma-se em Partido ¢ define-se oficialmente como uma organizagdo Marxista. 1977-78 - Intensificagdo dos ataques militares do exército rodesiano a Mogambique. 1979 21 de Dezembro - E assinado em Londres 0 acordo final sobre a independéncia do Zimbabwe. (ARAUJO, 2000: p. 33) 1980 Abril - Independéncia do Zimbabwe. - Uma semana depois. com 0 auxilio de uma ponte aérea, grande parte dos homens € do equipamento do MNR. assim como os oficiais rodesianos. foram transferidos para ‘a base militar de Phalaborwa. na Africa do Sul (RSA), perto da fronteira com Mogambique. (ABRAHAMSON: NILSSON. 1994: p. 165) 1981 ‘Abril - Chester Crocker. recém nomeado Subsecretirio de Estado dos EUA para Africa visita Mogambique. pouco tempo depois de alguns diplomatas americanos terem sido expulsos do pais acusados de espionagem. (CROCKER, 1993: p. 233) = Mogambique nao é aceite como membro da organizagdo econdmica dos paises do leste, COMECON (Concelho para Assisténcia Econémica Mutia). liderada pela URSS. (ISAACMAN: ISAACMAN. 1983: p. 185) 1982 -Renamo infiltrou-se em 9 das 10 provincias de Mogambique. O nivel de violéncia € destruigdo aumentou regularmente. (VINES, 1991: p. 15) Agosto- Reunido do Comité Central do Partido Frelimo que decidiu adoptar uma estratégia mais pragmatica em relagdo ao Ocidente para fazer face ao isolamento politico € econémico com que 0 Ocidente ameagava Mogambique. (CAIXOTE. 1994: p. 52) -Iniciam-se contactos diplomaticos entre EUA e Mogambique com 0 objectivo de melhorar as relagdes bilaterais. (CROCKER, 1993: p. 236) 1983 Inicio - Dialgo entre mocambicanos © americanos comega a surtir efeitos. Ajuda alimentar americana comegou a fluir ¢ foram realizadas conversagdes sobre um programa de ajuda para apoiar o sector de mercado ¢ liberalizagao da politica agricola. Foi aleangado um acordo em relacdo a troca de embaixadores. (CROCKER, 1993: p. 237) 26-30 de Abril - 1V° Congresso da Frelimo. onde foram tragadas uma série de medidas. ‘concementes a futura orientagao politico-econémica do pais. (CAIXOTE. 1994: p. 25) De 3 a 21 de Outubro- Samora Machel visita 6 paises europeus nomeadamente: . a Belgica, Holanda, a Franga, a Gra-Bretanha, Portugal. a Jugoslavia. (ARAUJO. 2000: p. 43) - Mocambique inicia negociagdes de paz com a RSA. 1984 16 de Margo - Assinatura do Acordo de Nkomati entre a RSA e Mogambique. -Samora Machel anunciou que uma Comissio Permanente da Assembléia Popular introduziria uma lei dando uma aministia e reintegragdo na sociedade mogambicana aos rebeldes que se rendessem voluntariamente. (VINES. 1993 B: p. 3) 3 de Outubro- Assinatura da Declaragao de Pretoria entre a Renamo € 0 governo mogambicano. = Mogambique juntou-se ao Fundo Monetario Internacional (FMI) e ao Banco Mundial. 1985 Setembro - © quartel-general da Renamo. Casa Banana, foi capturado numa ofensiva militar conjunta zimbabweana-mogambicana. Setembro- Samora Machel visita os EUA onde se encontra com o Presidente Reagan, 1985/1986 + Intensificagao da confrontagao militar 1986 Outubro - Morte de Samora Machel num acidente aéreo. Joaquim Alberto Chissano é eleito Presidente da Repiblica Popular de Mocambique. 1987 - Governo adopta o Programa de Reabilitagdo Economica (PRE) Maio- Chissano realiza a sua primeira visita, como presidente. No dia 6 de Maio se encontra com a Primeira Ministra (PM) da Gra-Bretanha, Margaret Thatcher e depois foi para Roma. onde se encontrou com o Papa, com o Presidente Francesco Cossiga, com 0 PM Amintore Fanfani, e com 0 MNE Giullio Andreotti, (HUME. 1994:p. 21) ‘Outubro- Chissano visita Washington. (HUME, 1994: p. 21) Dezembro- Presidente Chissano proclamou um programa de amnistia para comegar em | de Janeiro de 1988. 1988 Abril- Departamento de Estado americano publica o Relutdrio Gersony:. redigido pelo seu funcinario, Robert Gersony. Gersony. um especialista em questdes de refugiados. acusa a Renamo de fazer uma espécie de genocidio e descreve os guerrilheiros como “Khmers vermethos de Africa. (della ROCCA. 1998: p. 45) 1989 Abril- Margaret Thatcher caracterizou as acgdes da Renamo de terroristas, ‘A PM britinica encontrou-se com Chissano e pediu-Ihe para conversar com a Renamo.(VINES. 1991: p. $0) + V" Congresso do Partido Frelimo. onde se iniciam profundas reformas politico- ideologicas. 190 Janeiro- E langado o anteprojecto de revisdo da constituigao em todo o pai: Margo- Chissano desloca-se a Washington ¢ se encontra com o Presidente Bush. No final do encontro Chissano declara-se disponivel para conversagdes directas e sem condigdes com a Renamo. (ARAUJO. 2000: p. 59) 12 de Junho- Falha o primeiro frente a frente entre a Renamo e 0 governo, no Malawi. (della ROCCA,1998: p. 90) 23 de Junho- Chissano. posto ao corrente das intengdes da Renamo de levar as negociagdes para Roma, manifesta ao embaixador italiano em Maputo. em 23 de Junho a disponibilidade do governo mogambicano para se deslocar a Roma. (della ROCCA. 1998: p.90) 8 a0 de Julho- Realiza-se o primeiro encontro directo entre o govern mogambicano ¢ a Renamo. Novembro- E promulgada a nova constituigao. 1992 4 de Outubro- Assinatura do Acordo Geral de Paz entre o governo mogambicano ¢ a Renamo. Capitulo I: Introdugao..... . i ssssearsannnnnseses 2 Revisio da Literatura..... area pact: Capitulo I: A Relacdo entre o governo e a Igreja Catélica de Mocambique 1975-1982 adhe ech 10 O_papel_do Partido Comunista Italiano para o melhoramento das relagdes entre_o governo mocambicano ea Igreja Catdlica de Mesos cence 14 Novas aliancas politi i ‘| 19 Capitulo III: A Igreja Catélica de Mocambique © a paz em Mocambigu oO papel do arcebispo da Beira, D. Jaime Goncalves no processo de busca da paz para Mocambiqu ere Teses divergentes sobre natureza ¢ a solugdo para o conflito A procura da Renamo.. : at Q fracasso de Nairobi...... A caminho de Roma... Hi ereeere Serioesetartee O papel do arcebispo da Beira, D. Jaime Goncalves durante as conversacdes de Roma Capitulo IV: Conclusao ..... Bibliografia .... ‘A. Fontes no publicadas 1. Entrevit 2, Teses e artigos nio publicados A. Fontes publicadas. erate 1. Livros aes 2. Capitulos. nee 3. Artigos .... 7 4. Documentos impressos Capitulo I: Introdugio0 ‘A primeira manifestagao da ICM em relago ao conflito mogambicano ocorreu em Dezembro de 1982 num encontro com todas as instituigdes religiosas no pais, convocado pelo governo mocambicano convista a se encontrarem novas formas de colaborago entre ambos, apés um periodo caracterizado por grande tensdo no seu relacionamento. Essa aproximagao foi acelerada pela seca. guerra e pela necessidade de pedir ajuda aos EUA. Na ocasido. D. Jaime Goncalves. na altura presidente da CEM, manifestou-se em relagdo 4 violéncia que assolava 0 pais. propondo o didlogo entre todos os mogambicanos. Esta proposta de D. Jaime reacendeu as tensdes entre o governo ¢ a ICM pois o primeiro defendia que 0s “outros mogambicanos” faziam uma guerra de procuragao, promovida e apoiada primeiro pela Rodésia do Sul e depois pela Africa do Sul.. Segundo a tese do governo, a haver negociagdes estas teriam que ser feitas com o regime sul-afticano e, enquanto isso ndo acontecesse. a solucdo militar era o tinico caminho para © fim do conflito armado. Com a intensificago da confrontagao armada. D. Jaime Gonealves desloca-se a Roma para pedir ajuda CSE. (uma organizagdo religiosa com quem D. Jaime tinha lagos intimos. desde 1976). ¢ aos dirigentes politicos ¢ governantes italianos para as suas iniciativas de busca de paz para Mogambique. E objectivo geral deste trabalho analisar 0 papel do arcebispo da Beira em todo o processo de busca da paz para Mogambique. Como objectivo especifico pretendo analisar os momentos do processo da busca da paz em que a figura do arcebipo da Beira, D. Jaime Gongalves. ¢ importante. Tomo como balizas cronolégicas o ano de 1982 por ter sido neste ano como referi acima. em que a ICM. através do arcebispo da Beira. D. Jaime Goncalves. manifestou-se pela primeira vez em relago a violéncia que grassava o pais. propondo o didlogo entre 0 governo ¢ a Renamo: € 1992 por ser o ano da assinatura do Acordo Geral de Paz (AGP) em Roma, entre 0 governo ¢ a Renamo, onde D. Jaime Gongalves, em representagdo da ICM foi um dos mediadores das negociagdes. O trabalho esta organizado em 3 capitulos. sendo 0 primeiro a introdugao. O segundo capitulo faz uma analise das relagdes entre a ICM € 0 govemo entre 1975-1982. procurando mostrar como evoluiram estas relagdes e quais eram os principais pontos de roptura entre ambos. © terceiro capitulo procura mostrar as principais iniciativas desencadeadas pela ICM. especificamemte pelo arcebispo da Beira. visando trazer a paz para Mogambique. Por fim © capitulo analisa 0 papel do arcebispo da Beira nas conversagées de Roma, que culminaram com o fim do conflito armado entre o govemo mogambicano ¢ a Renamo. O quarto capitulo faz uma conclusio sobre os prineipais aspectos analisados no trabalho. Revisio da Literatura Para este trabalho recorri a literatura escrita por autores que abordam 0 envolvimento da ICM no: processo de paz mogambicano ¢ a cartas pastorais ¢ literatura escrita pelo episcopado mocambicano ou a ele ligado, na sua maioria cobrindo o periodo entre finais de 1974 até a assinatura do AGP. em 1992. A literatura que versa sobre a Igreja e 0 proceso de paz tem a vantagem de permitir analisar a evolugao das relagdes entre © governo mogambicano € a ICM . no_periodo acima citado, para além de tazer informagdes importantes sobre as_iniciativas desencadeadas pelo arcebispo da Beira para o melhoramento da liberdade religiosa e para © fim do conflito armado em Mogambique. Esta literatura analisa ainda 0 papel de D. Jaime nas negociagdes de Roma, em que era um dos mediadores, em representagdo da ICM. Por seu tumo as cartas pastorais ou a literatura escrita por clérigos catélicos. dio a conhecer as posigdes defendidas pela ICM, principalmente, em relacdo a natureza ¢ a solugio do conflito, para além de trazerem uma cronologia mais detalhada sobre 0 processo de paz e as acces concretas desenvolvidas pela ICM para o fim da guerra entre © governo e a Renamo. fee Recorri, também, a testemunhos orais ¢ a artigos de jornais e revistas com entrevistas de personalidades importantes no processo de busca da paz, como por exemplo, Afonso Dhlakama, presidente da Renamo. Raiil Domingos, entio chefe da delegayao da Renamo as conversagdes de Roma e homem de confianga de Dhlakama , € 0 proprio arcebispo da Beira, D. Jaime Gongalves. Mocambique da guerra a paz:histéria de uma mediagdo insélita . de Robert Morrozo della Rocca, constitui a obra de referencia deste trabalho. sendo o texto do presente trabalho guiado basicamente pela cronologia e as informages de della Rocca. A obra de della Rocca revela-se de capital importéncia para este trabalho porque 0 autor tem a vantagem de ter tido acesso a fontes primérias e arquivos importantes como por exemplo. cartas, didrios, actas. apontamentos ¢ notas manuscritas de Andrea Riccardi ¢ Matteo Zuppi. referentes a encontros ¢ dilogos ocorridas no mesmo dia. Estes documentos, citados nas notas de rodapé do livro, trazem muita informagao. principalmente sobre a relagio entre Mogambique e a Itilia. 0 papel do PCI para o melhoramento das relagées ‘entre © governo ¢ @ ICM, as iniciativas desencadeadas por D. Jaime junto do PCI para o melhoramento dessas relagdes e para a busca da paz para o pais, e 0 seu papel nas negociagdes de Roma. Importa destacar. 0 encontro entre Luis Cabago ¢ monsenhor Achille Silvestrini, 0 MNE da Santa Sé . a visita de Samora Machel ao Vaticano, em 1985, e os encontros de D.Jaime Goncalves com a CSE ¢ com dirigentes © governantes anos. em 1982 e 1986. A independéncia, a guerra, a democracia, 0 desenvolvimento: A Itdilia ao lado de Mogambique, da Embaixada da Itilia, aborda a cooperagdo entre Mogambique-Iélia, trazendo depoimentos na primeira pessoa. de personalidades influentes como por exemplo, Mario Raffaelli, ex- parlamentar e Vice MNE, e Luis Cabago, que desempenhou o papel de chefe da diplomacia mogambicana em relagto a Italia e a0 Vaticano. Of God and caesar: the relation berween Christian churches and the state in post- colonial Mozambique, de Eric Morier-Genoud, embora nao abrangendo 0 periodo em estudo ¢ no abordando especificamemte a relago entre 0 governo mogambicano © a ICM, é imponante, porque faz um estudo pormenorizado sobre o periodo 1974-1981. periodo considerado de conflito entre 0 Estado e as igrejas. permitindo assim perceber os primeiros sinais de mudanga do regime e fazer uma ponte com o encontro de Dezembro de 1982 entre o governo e as confissdes religiosas existentes no pais. Em relag3o aos esforgos de D. Jaime para a busca da paz, Mogambique da guerra a paz:histéria de uma mediagéo insélita e A independéncia a guerra, a democracia, 0 desenvolvimento: A Itdlia ao lado de Mocambique. revelam-se particularmente importantes. Como referenciei acima, a obra de della Rocca € de grande importincia devido a0 elevado manancial de fontes primarias a que 0 autor teve acesso. como cartas, notas € apontamentos manuscritos que fornecem muita informagdo de encontros importantes inseridos nos esforgos de D. Jaime para a busca da paz para o pais. Contudo, 4 independéncia, a guerra, a.democracia, o desenvolvimento: A Itdlia ao lado de Mocambique, revela-s€fambém importante uma vez que traz depoimentos de figuras importantes no processo de paz mogambicano como por exemplo. o proprio arcebispo da Beira. o presidente da Renamo. Afonso Dhlakama e Raul Domingos. Nela encontramos depoimentos de Dhlakama sobre a viagem de D. Jaime a Gorongosa ¢ © conteiido da conversa com ele travada, com destaque para as suas as iniciativas de paz apoiadas pelo Vaticano ¢ pelo governo italiano. Na opinido de Dhlakama, esta viagem constitui o momento mais significativo. 0 primeiro acto que deu origem as negociagdes. ¢ a0 envolvimento da Italia, facto consubstanciado plenamente por Rail Domingos, na obra de della Rocca, (que cita actas manuscritas do encontro entre Domingos. D. Jaime. Riccardi ¢ Zuppi, em 20 de Junho de 1990). Segundo Domingos, entre outras razSes. a escolha da Renamo teria ido para a solugdo romana devido ao crédito de Gongalves que primeiro a ousar ir a Gorongosa. Em relagao a esta viagem. 4 /greja e a paz em Mocambique: sintese historica:1979- 1994, de José Alves de Sousa, padre catdlico, e a obra de della Rocca. Mocambique da guerra a paz:historia de uma mediacdo insolita, trazem informagdes importantes que confirmam que esta viagem nao era do conhecimento dos outros bispos tanto catélicos. assim como protestantes, envolvidos nos esforgos de busca da paz. Mocambique da guerra a paz:histéria de uma mediagdo insélita, e a entrevista feita por mim a Rail Domingos, mostram-se muito titeis para a compreensio do papel de D. Jaime nas negociagdes de Roma. Na sua obra, della Rocca cita uma minuta de carta de D. Jaime a Dhlakama a 29 de Setembro de 1992, (trés dias antes do dia marcado para a assinatura do AGP), com 0 objectivo de persuadi-lo a ir a Roma resolver as questdes que Dhlakama evocava no terem sido ainda resolvidas e que impediam a assinatura do acordo na data prevista. Segundo della Rocca, D. Jaime escreveu esta carta pessoal depois de assinar uma outra escrita pelos outros mediadores. Embora nao sendo suficientemente conclusiva para se avaliar a sua importancia para o volte face de Dhlakama é possivel contrabalangar com a entrevista feita por mim a Raul Domingos. permitindo assim uma maior compreensto do papel de D. Jaime nas negociagées. Para Domingos, 0 facto de D. Jaime ser mogambicano. conhecedor da situagdo ¢ gozar da simpatia da direcgdio da Renamo permite-o ouvir da Renamo com mais abertura e levar os problemas aos mediadores ¢ a outra parte, Neste contexto ¢ possivel argumentar que a carta citada por della Rocca poderd ter tido alguma influéncia na reconsideragao de Dhlakama, que se deslocou a Roma a | de Outubro. No que conceme as questies étnico-linguisticas que caracterizaram todo 0 processo de busca de paz ¢ que vieram a tona durante as negociagdes de Roma, Mogambique da guerra a paz:histéria de uma mediagdo insdlita.de della Rocca, Churches and the peace la Mozambique. de Vines e Wilson e a entrevista feita por mim a Raul Domingos. permitem avaliar até que ponto estas foram importantes ndo apenas durante as ngociagdes de Roma mas. também. em todo o processo de busca da paz. della Rocca tem a vantagem de trazer informagdes cronologicamente organizadas sobre 05 27 meses das negociagdes. 0 que permite perceber a evolugdo do proprio processo negocial e as principais questdes negociais e extra negociais que dominaram 0 processo. Neste contexto, embora o autor faga referéncia ao conflito étnico existente na Beira e a relagdo que era feita entre este. o impasse nas negociagdes em Roma, ¢ as ligagdes Etnico-linguisticas entre D. Jaime ¢ 0 presidente da Renamo, Afonso Dhlakama. a obra de Vines e Wilson, Churches and the peace process in Mozambique . mostra-se mais conclusiva em relagdo a estas questdes. Vines defende que a questo étnico-linguistica foi crucial para levar a Renamo a Roma pois. Gongalves no ¢ somente do mesmo subgrupo étnico (Ndau) da maioria dos dirigentes séniores da Renamo como também ¢ da terra natal do lider da Renamo. o distrito de Chibabava. Este facto é, até certo ponto. corroborado por Raiil Domingos, embora o relacione aos esforgos ja desenvolvidos por D. Jaime na busca da paz. Na sua opinido, as afinidades €inicas podem ter jogado alguma influéncia quanto a boa fé com que D. Jaime levava a ‘mensagem. A tese de Ferdinando de Almeida, 4 relagdo Estado-Igreja Catélica: da Independencia aos acordos de Roma, 1975-1992, ea de Emilio Araujo, O contributo da Igreja Catélica de Mocambique para o fim do conflito armado entre a Frelimo/governo ¢ a Renamo: 1979-1992. apesar de abordarem a relagdo entre o governo e a ICM. ¢ os esforgos desenvolvidos por esta Ultima, para 0 fim do conflito armado. ambas pecam, na minha opinidio. por ndo analisarem a relagdo entre Mogambique ¢ a Italia, e 0 papel do PCI FACULDADE DE LETRAS B CIENCIAS SOG, 5 para 0 melhoramento das relagdes entre © governo mogambicano ¢ a ICM, tendo em conta a influéncia do PCI junto do governo mogambicano ¢ a importancia das relagdes entre os dois paises. Em relagdo a tese de Ferdinando de Almeida, Emilio Araijo tem a vantagem de ter tido acesso a obra de della Rocca. muito rica sob o ponto de vista documental e de informagao. como referi acima Embora ambas analisem o papel da ICM para o fim do conflito armado, contudo, abordam-no de uma forma institucional ou estrutural, 0 que até certo ponto torna marginal © papel importante desempenhado em favor da paz pelos bispos catélicos (assim como bispos protestantes) principalmente, pelo arcebispo da Beira, D. Jaime Gongalves. em representagdo desta instituigo. © presente trabalho pretende assumir uma dimensao mais infracstrutural ou individual. procurando analisar as acgdes, iniciativas de busca da paz desencadeadas pela ICM como instituigéo. mas que tenham © cunho pessoal. o feeling. de um dos seus representantes no processo, neste caso particular. 0 arcebispo da Beira, D. Jaime Goncalves. A Relagao entre o governo e a Igreja Catélica de Mogambique 1975-1982 Durante 0 periodo de transigao. © governo mogambicano manteve uma politica neutral e moderada em relagdo as insttuigSes religiosas e de fé, fazendo antever uma relago positiva entre ambos no Mogambique independente. Contudo, no periodo 1975- 1980, o relacionamento entre 0 governo mogambicano ¢ a ICM foi caracterizado por um clima de tenso. O govero mogambicano desencadeoir uma politica anti-religiosa, confiscando virias propriedades das igrejas. Pssivelmente, esta politica antiteligiosa do governo explica-se por um lado pela incompatibilidade entre a opco revolucionaria ¢ a ICM. e por outro lado, pela conotagao da ICM com o Estado colonial Entre as varias medidas tomadas pelo _governo contra as igrejas saliente-se a aprovago da lei da nacionalizag3o de 24 de Julho de 1975. nacionalizando bens das igrejas. ¢ a educagdo e a saiide, até entdo na sua maioria admninistrados pelas instituigdes religiosas, panticulararmente pela ICM, e, “as normas que passariam a regular as actividades religiosas, reveladas em 1978" durante um encontro entre “o membro do Comité Central o Senhor Sérgio Vieira" e os bispos catdlicos em Dezembro do mesmo ano. Para esta confrontagao contribuiu ainda o facto de no periodo em analise, as igrejas. para além de desempenharem um papel social muito forte, constituirem as associagdes civis, mais importantes independentes do controle do Estado. num contexto em que a Frelimo exigia massivo controle social. ' MORIER-GENOUD. 1996: p49. > MANHIQUE, 1999: 123, Um outro facto que também contribuiu para esta confrontagdo foi a posigao critica piblica tomada pela ICM face a independéncia € as politicas do governo. posigao vista pelo governo mogambicano nio sé como um desafio as suas politicas religiosas mas também, como um desafio ao seu poder. A partir de 1979. 0 govemno comecou a mudar o seu relacionamento com as instituigdes religiosas. influenciado por diversos acontecimentos politicos. socias e econémicos. internos e externos. a saber: a) O governo mogambicano, teve um papel importante em 1979, assistindo a diplomacia britanica nas conversagées de Lancaster House que culminaram com a independéncia do Zimbabwe em 1980, Tanto 0 govemo mogambicano. assim como os paises da linha da , frente, estavam a favor das negociagdes para acabar com a guerra no Zimbawe € pressionaram a ZANU e a ZAPU a aceitar tomar parte na conferéncia e os termos do acordo. que obrigava Mugabe a fazer concessBes em questdes que ele estava relutante em aceitar e que tinham levado ao fracasso de anteriores negociagdes, nomeadamente. a questo das eleigdes e a questo da terra. “A nova constituigao do Zimbabwe foi escrita em Londres durante os acordos de Lancaster House, (Dezembro de 1979) e introduziu um sistema politico multiparidario de modelo ocidental assente na economia de mercado livre.” Fazendo uma analogia do processo de independéncia dos dois paises. que estio colateralmente ligados. notamos um certo abrandamento do radicalismo que caracterizou a Frelimo desde a luta armada até ao seu I1I" Congresso, Durante 0 processo que culminou com as negociagdes de Lusaka, surgiram varios movimentos que achavam que tinham 0 direito de participar nas negociagdes com 0 TCanOTE WEP a mesmo status da Frelimo. facto recusado por este iiltimo alegando ser o unico representante do povo mogambicano. Sendo assim, 0 poder devia ser transferido directamente para este movimento sob 0 risco de este continuar @ luta armada até conseguir a independéncia. Mugabe sempre defendeu esta posigio nas negociagdes com a Grd- Bretanha. facto que levou ao fracasso de negociagdes anteriores. Aquando das negociagdes para a independéncia do Zimbabwe. Samora Machel pressionou Mugabe a aceitar a realizagdo das eleigdes como parte do proceso de independéncia, proposto pela Inglaterra e os EUA. Machel pediu também a Robert Mugabe “para nao deixar a luta degenerar numa guerra racial que no final, precipitaria a fuga de colonos brancos ¢ criaria 0 tipo de problemas econémicos que existiram em Mogambique.™A FP foi obrigada a aceitar toda essa visio capitalista de produgio agraria, pelo menos no Zimbabwe. Para além disso. ¢ em contraste com a politica adoptada pela Frelimo apés assumir 0 poder do Estado, onde desenvolveu uma luta armada contra os “inimigos intemos” que poderiam minar a sua revolugio, como por exemplo. a ICM, nas celebragdes da independéncia do Zimbabwe. 0 governo mogambicano apelou aos zimbabweanos 4 unidade nacional e reconciliagao. No fim de 1979, 0 governo mogambicano é obrigado a pensar em mudangas radicais. porque estava a recomendar uma inversio quase total da sua posi¢do. O govemo mogambicano comega a ver se realmente tem que fazer outros compromissos internos. Portanto, hd mudangas de pensamento da parte do governo e, & possivel que estas mudangas tenham atingido as questées religiosas. * ISAACMAN: ISAACMAN--1983: p. 173. b) E preciso recordar que por volta de 1979. a economia do pais declinava a olhos vistos. como resultado da guerra, aliada as calamidades naturais (a seca), que se abateram sobre Mogambique quase em simultaneo. Como resultado, aumentou durante esse periodo a dependéncia do pais na ajuda e empréstimos externos vindos na sua maior parte dos paises ocidentais. Neste contexto. a hostilidade do governo para com as igrejas trazia uma imagem negativa para o governo junto desses paises. “Assim, estes ataques a religiio traziam uma publicidade negativa para a Frelimo no Ocidente- tendo 0 Papa feito mesmo uma declaraglo piblica- ¢ muitos doadores ocidentais ¢ doadores religiosos estavam muito preocupados. Esta situagdo poderia levar ‘a que as organizagdes humanitarias e organizagdes religiosas internacionais, muitas vezes influenciadas pelas instituigdes religiosas mocambicanas. limitassem. 0 seu apoio moral, materiale financeiro para ajudar 0 pai Do ponto de vista do Ocidente nao valia a pena s6 os estados darem apoio ao governo pois, uma boa parte desses apoios eram mobilizados por organizagdes humanitirias ¢ instituigdes reli © reconhecimento do governo mogambicano da importincia da Comunidade Internacional. nomeadamente, paises ocidentais (EUA. principalmente). organizagdes humanitarias. instituigdes religiosas internacionais, como parceiros de desenvolvimento contribuiu para o abrandamento das confrontagdes entre 0 governo e a ICM. C) Influéncia do Presidente da Tanzania. Julius Nyerere e do Presidente do Zimbabwe. Robert Mugabe. sobre 0 governo mogambicano tendo em conta que estes so catdlicos. “Gongalves tinha inclusivamente ido a Tanzania junto do Presidente Nyerere, cristio € socialista, que tinha ajudado a Frelimo durante a guerra de libertagao. para que se declarasse a favor dos cristios mogambicanos . A conciliagdo entre 0 socialismo € liberdade religiosa, realizada na Tanzania, era um possivel modelo para os cristios mogambicanos.”? * MORIER-GENOUD. 1996: p. 57. della ROCCA, 1998: p. 24 O primeiro sina! de um certo desanuviamento apareceu em Dezembro de 1979 “quando a Frelimo convidou os lideres das igrejas catdlica protestante para a oitava sessio da Assembleia popular e para o jantar que se seguiu ao seu encerramento.”” “No jantar, o presidente da CEM disse que a tolerdncia mutta tinha que ser encontrada entre o Estado e a Igreja e, Samora Machel disse aos bispos que ele queria realizar encontros com a Igreja outra vez. No inicio de Janeiro, o Presidente fez ainda alguns ataques piblicos contra as instituigdes religiosas, mas uma nova dinémica tinha sido langada € a situagdo comecou a mudar no terreno. Em Outubro. a Frelimo suspendeu a sua ofensiva ideologica,”* Essa aproximagao entre 0 governo mogambicano e as instituigdes religiosas operando no pais seria mais manifesta no encontro de Dezembro de 1982, convocado pelo governo com vista a se encontrarem melhores formas de colaboragdo entre ambos. O papel do Partido Comunista Italiano para o melhoramento das relagdes entre o governo mocambicano e a Igreja Catdlica de Mocambique Com 0 objectivo de obter ajuda no seu diferendo:com governo mogambicano.e também. pedir apoios para a sua comunidade. D. Jaime Gongalves deslocou-se em Abril de 1982, a Roma, onde se encontrou com representantes da CSE, com quem tinha relagdes desde 1976, quando estudava na Itdlia. A CSE tinha relagdes intimas com o Papa Joao Paulo Il ¢ com politicos e goverantes italianos. E assim que durante a visita de D. Jaime a Roma em 1982, Riccardi arranjou encontros entre D. Jaime e politicos e governantes italianos. com 0 objectivo de usarem da *MORIER-GENOUD. 1996: p. 57. * roid. influéncia destes junto do govemo mogambicano para mudar a sua poliitica religiosa uma ‘vez que estes tinham, na altura, uma grande relagdo com a lideranga mogambicana, para além do facto de a “Italia ter uma heranga histérica de combinagdo entre a religido ¢ 0 socialismo € o PCI ter intervido em conflitos idémticos na Europa do Leste."° E preciso recordar que as relagdes entre Mogambique ¢ a Itélia remontam ao periodo antes da independéncia, particularmente, a nivel de partidos politicos. Depois da independéncia. as relagdes evoluiram. passando a ser ndo sé a nivel partidario. mas também a nivel governamental. A Italia era na altura, um pais muito importante para Mogambique. nao s6 sob 0 ponto de vista politico, mas também sob © ponto de vista econémico. Era membro da NATO. dirigido por sociais-democratas. diferente dos conservadores radicais americanos ¢ brivinicos. Para além deste facto. neste periodo. pos- independéncia a Itilia era um dos principais parceiros de desenvolvimento do governo mogambicano. financiando importantes obras para o pais. como por exemplo a barragem de Corrumana ¢ dos pequenos Libombos. Na década 80, a Italia incrementou a sua ajuda a Mogambique. tornando-se o principal parceiro ocidental de Mogambique. “Naquela época, os outros paises ocidentais nos olhavam com uma.certa desconfianga, nao acreditavam muito em nés. nem como partido, nem como governo. E a lala foi ‘capaz de nos entender muito bem ¢ estabelecer connosco relagoes de solidariedade logo ‘nos primeiros anos.""? Apesar de nestes encontros com os dirigentes do PCI. D. Jaime nao ter conseguido resultados concretos, a relag3o entre ambos foi estabelecida e 0 processo politico comecou a desenvolver-se. “Gongalves encontrou-se primeiro com Gerardo Chiarmonte. dirigente comunista proximo de Berlinguer, considerado na época como o niimero dois do PCI. Em seguida * della ROCA. 1998: p. 26. "'MACHEL. 2003: p. 8 houve dois encontros entre Gongalves ¢ Berlinguer. nas instalagdes do mosteiro de Santo Egidio. iro di-se em 30 de Setembro de 1982. A segunda conversagdo teve lugar em 1984, poucos dias antes da morte de Berlinguer, durante uma campanha eleitoral para as eleigdes europeias.”'' Em 1983, realizou-se o IV° Congreso do Partido Frelimo, marcado por profundas mudangas politicas. Na ocasido. Enrico Berlinger enviou 0 seu irmao Giovanni para assistir a0 Congresso. *Recordo a preocupagdo. por parte das forgas de esquerda- e do entdo PCI. em especial tem evitar que as afinidades politicas que se consolidayam marginalizassem a presenga da Igreja e das forgas politicas que Ihe estavam ligadas.”'* E muito provavel que a reacgdo do governo mocambicano a esta interferéncia de Berlinguer tenha sido a indicagao de Luis Cabago para chefe da diplomacia mogambicana em relagao a Italia € a0 Vaticano, O governo precisava de alguém importante em Roma. tendo em conta também que nesta altura ainda nao existiam embaixadores. Luis Cabago, homem de confianga de Samora, um dos dirigentes brancos radicais da Frelimo, de cultura laica, tinha estudado sociologia em Trento na década 60. Falava fluentemente e escrevia bem italiano € possuia uma grande experiéncia da vida politica ¢ social italiana. “Assim, comecei a ser chamado pelo presidente Samora Machel ¢ pelo Ministro das Relagdes Exteriores Joaquim Chissano para dar opiniéo € acompanhar assuntos relacionados com a Italia.” sol “No dia 13 de Junho de 1985 num encontro promovido pela CSE", inserido neste contexto de melhoramento das relagdes entre 0 governo mogambicano e o Vaticano, " della ROCCA. 1998: p.27. "= CABACO, 2003: p. 9. " Ibid. Cabago, na altura minisiro da Informagdo. encontrou-se com monsenhor Achille Silvestrini, Secretirio do Conselho para os negécios publicos da Igreja. praticamente 0 MNE da Santa Sé Durante este encontro, Cabaco ¢ Silvestrini chegaram a uma série de posigdes comuns ndo s6 em relagao a Africa Austral. (especificamente em relagao ao Acordo de Nkomati como também. em relacao a religiéo. Segundo a politica doVaticano. o nao alinhamento €ra a ideologia correcta. Era preciso sair da pressio este-oeste, Tanto o Vaticano, assim como a Italia estavam interessados em reforgar a posigdo de néo alinhamento de Mogambique.O Acordo de Nkomdti, assinado pelo Presidente da Republica Popular de Mogambique. Samora Machel ¢ pelo Presidente da RSA, Pieter Botha. era do agrado do Vaticano porque significava coexisténcia, mostrava boas intengdes de pelo menos aproximar-se com o antigo inimigo para estabelecer a paz ndo sé em Mogambique. como também em toda a Africa Austral, Em relacdo a religido, é preciso recordar que os dirigentes radicais marxistas do governo mogambicano consideravam a religido como sendo uma ideologia. A ideia do Vaticano era diminuir esta confrontagao ideol6gica. Cabago e Silvestrini concordaram que a religio nao constituia ideologia, “O ministro saiu satisfeito do encontro: Silvestrini fez- Ihe uma éptima impressao. Apontamento manuscrito de Andrea Riccardi, de 13/6/1985, citado por della ROCCA. 1998: p. 33. 'S Segundo della ROCCA. (1998: p. 35). outro encontro também importante, promovido pela CSE e inserido no methoramento das relagdes entre governo e a ICM, foi realizado em 1984. De um lado estava ‘Cabago e de outro o arcebispo da Beira, D. Jaime Gongalves.”O encontro foi tranquilo. Gongalves foi prudente ¢ falou pouco; Cabago. extrovertido. falou, a conversag2o, conduzida pelo ministro. eriou um

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