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Administrative Constitutionalism
Administrative Constitutionalism
RESGATAR A CONSTITUIÇÃO
PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
§ 1.º Introdução
(1)
Cf., por excelência, Gomes CANOTILHO, «O Direito Constitucional Passa;
O Direito Administrativo Passa Também», in: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor
Rogério Soares, Studia Iuridica 61, Boletim da Faculdade de Direito/Coimbra Editora,
Coimbra, 2001, pp. 705 e ss. O problema das relações entre Direito Constitucional e
Direito Administrativo perpassa, porém, noutras obras do nosso Professor: atente-se, v. g.,
na temática da vinculação da Administração aos direitos, liberdades e garantias ou da
fiscalização da constitucionalidade de actos administrativos (Direito Constitucional e
Teoria da Constituição, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, pp. 443 e ss., 939 e ss., res-
pectivamente), da reserva de Administração («Anotação ao Acórdão do Tribunal Consti-
tucional n.º 1/97 — Processo n.º 845/96», in: Revista de Legislação e de Jurisprudência,
ano 130.º, Junho/Julho 1997, pp. 48 e ss., esp.te pp. 82 e s.), da existência de uma reserva
política do Executivo face aos poderes da Assembleia da República («Anotação ao Acór-
dão do Tribunal Constitucional n.º 24/98 — Processo n.º 621/97», in: Revista de Legisla-
ção e de Jurisprudência, n.os 3887/3888, ano 131.º, Julho/Julho 1998, pp. 50 e ss., esp.te
pp. 91 e ss.).
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çou ex professo (2). Naturalmente que não podemos perder de vista esta realidade,
que, aliás, interfere igualmente na inter-acção entre o nível constitucional e o
nível administrativo, quer sob a óptica da abertura do sistema a novos esquemas
regulativos (supra-nacionais e mesmo extra-estaduais), quer sob a perspectiva
do surgimento de um constitucionalismo global ou um pluralismo constitu-
cional (3): recorde-se, pois, que qualquer alusão ao problema da constituciona-
lidade implica hoje uma mobilização da «teoria da interconstitucionalidade»,
a qual “estuda as relações interconstitucionais de concorrência, convergência,
justaposição e conflitos de várias constituições e de vários poderes constituintes
no mesmo espaço político” (4). No mesmo sentido concorre também a pro-
gressiva «des-nacionalização» do Direito Administrativo (5) e a ultrapassagem
da nota da nacionalidade como característica deste ramo jurídico, em direcção
à respectiva europeização e internacionalização (6).
Sem esquecermos este cenário — pano de fundo de qualquer incursão
hodierna nas temáticas jus-publicistas — importa, neste momento, e socor-
rendo-nos da mobilização de uma das tendências recentes do Direito Público
(2)
Cf., v. g., Gomes CANOTILHO/Suzana Tavares da SILVA, «Metódica Multinível:
Spill-Over Effects e Interpretação Conforme o Direito da União Europeia», in: Revista de
Legislação e de Jurisprudência, ano 138.º, Março/Abril 2009, pp. 182 e ss.; Gomes CANO-
TILHO/Jónatas MACHADO, «Metódica Multinível: Acordos Internacionais do Estado Portu-
guês com Comunidades Religiosas», in: Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 139.º,
Maio/Junho 2010, pp. 254 e ss. (embora, no caso, além de uma questão de «internorma-
tividade constitucional e internacional», se tenha em consideração também um problema
de «interjusfundamentalidade» — op. cit., p. 258).
(3)
Na acepção de ANTHONY/AUBY/MORISON/ZWART, «Values in Global Admin-
istrative Law: Introduction to the Collection», in: ANTHONY/AUBY/MORISON/ZWART (eds.),
Values in Global Administrative Law, Hart Publishing, Oxford/Portland, 2011, pp. 8 e s.
Sobre o constitucionalismo global, cf. também já Gomes CANOTILHO, Direito…, cit.,
pp. 1369 e ss.
(4)
Gomes CANOTILHO, “Brancosos” e Interconstitucionalidade — Itinerários dos
Discursos sobre a Historicidade Constitucional, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, p. 266,
louvando-se em Paulo RANGEL, «Uma Teoria da Interconstitucionalidade (Pluralismo e
Constituição no Pensamento de Francisco Lucas Pires)», in: Themis, n.º 2, ano I, 2000,
pp. 127 e ss.
(5)
CASSESE, «Tendenze e Problemi del Diritto Amministrativo», in: Rivista Trimes-
trale di Diritto Pubblico, n.º 4, 2004, p. 902.
(6)
Para a contraposição entre nacionalidade e europeização/internacionalização, cf.
CASSESE, «Le Trasformazioni del Diritto Amministrativo dal XIX al XXI Secolo», in: Rivista
Trimestrale di Diritto Pubblico, n.º 1, 2002, pp. 31 e 34.
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(7)
Recortando o conceito de «Constituição administrativa», cf. Vital MOREIRA,
«Constituição e Direito Administrativo (A “Constituição Administrativa” Portuguesa)», in:
Ab Uno Ad Omnes, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 1141.
(8)
A fórmula «direito de restos» (ou «direito residual») deve-se a Gomes CANOTI-
LHO, “Brancosos”…, cit., pp. 185 e 256, aludindo, no quadro da polissemia que a expressão
encerra, a um «direito do resto do Estado», «direito do resto do nacionalismo jurídico»,
«direito dos restos da auto-regulação» e «direito dos restos da regionalização».
(9)
LEE («Race, Sex, and Rulemaking: Administrative Constitutionalism and the
Workplace, 1960 to the Present», in: Virginia Law Review, vol. 96, 2010, pp. 801, 806
e s.) sugere justamente que o punctum saliens do administrative constitutionalism não reside
na afirmação da subordinação administrativa à Constituição, funcionando esta como limite
(negativo) da actuação da Administração, mas antes na autonomia da interpretação e da
implementação administrativas da Constituição e no modo como estas duas tarefas se
reflectem na ideia do government by Constitution.
(10)
Cf. FISHER/HARDING, The Precautionary Principle and Administrative Constitu-
tionalism: The Development of Frameworks for Applying the Precautionary Principle, Univer-
sity of Oxford — Faculty of Law Legal Studies Research Paper Series n.º 31, Oxford, 2006
(http://papers.ssrn.com/Abstract=908644), p. 8. V. também FISHER, «Food Safety Crises
as Crises in Administrative Constitutionalism», in: Health Matrix — Journal of Law
Medicine, vol. 20, 2010, pp. 60 e s.
(11)
Cf. FISHER, Risk Regulation and Administrative Constitutionalism, reimp., Hart
Publishing, Oxford/Portland, 2010, p. 37.
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(12)
No contexto da reflexão sobre o sentido do administrative constitutionalism,
FISHER (Risk…, cit., p. 26) refere-se ainda à “relação simbiótica entre o Direito Administra-
tivo, a Administração Pública e os problemas que a Administração Pública coloca”.
(13)
Atente-se, paradigmaticamente, nas Miranda rules, que consistem nas quatro
advertências a formular pelos órgãos policiais aquando da detenção de suspeitos. Tal desig-
nação remonta ao Acórdão «Miranda v. Arizona», de 13.06.1966 (in: United States Reports,
vol. 384, 1966, pp. 436 e ss., esp.te pp. 443 e s., 478 e ss.), onde o Tribunal, invocando a
necessidade de uma conduta (constitucionalmente) exemplar por parte dos poderes públi-
cos, chamou a atenção para a necessidade de fazer valer os direitos fundamentais perante
actuações demasiado zelosas dos órgãos policiais, em total consonância com a vitalidade da
Constituição. Importa, todavia, assinalar, a este propósito, que as designadas Miranda rules,
embora formuladas pela Supreme Court, tinham na sua base práticas já seguidas pelo FBI
(cf. a transcrição das perguntas dirigidas, pelo Solicitor General, ao Director do FBI e as
respectivas respostas a pp. 484 e ss.)
(14)
Embora com origem em jurisprudência anterior, o avoidance canon aparece
formulado com maior detenção na Declaração de Voto do Justice BRANDEIS (proferida no
âmbito do Acórdão da Supreme Court «Ashwander v. Tennessee Valley Authority», de
17.02.1936, in: United States Reports, vol. 297, 1936, pp. 346 e s.), que o sintetiza em sete
proposições: (i) o Tribunal não se pronunciará sobre a constitucionalidade de uma lei em
processos onde não exista um verdadeiro conflito entre as partes; (ii) o Tribunal não ante-
cipará qualquer questão de constitucionalidade, antes de apreciar a necessidade de a decidir;
(iii) o Tribunal não formulará uma regra constitucional mais ampla que a requerida para
a decisão do caso concreto; (iv) o Tribunal não se pronunciará sobre a questão de consti-
tucionalidade suscitada, se for possível decidir o caso com outro fundamento; (v) o Tribu-
nal não se pronunciará sobre a validade de uma norma que não ofende a esfera jurídica
daquele que invoca a inconstitucionalidade; (vi) o Tribunal não se pronunciará sobre a
constitucionalidade de uma norma antes de verificar quais os benefícios ou as vantagens
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que a sua decisão produz no caso concreto; (vii) quando for suscitada a questão da validade
de uma norma (constante de um acto do Congresso), e ainda que existam sérias dúvidas
sobre a respectiva constitucionalidade, o Tribunal averiguará antes se não é possível efectuar
uma «construção da norma» (em suma, uma interpretação da norma) que evite a incons-
titucionalidade.
Sobre os complexos raciocínios emergentes da utilização deste cânone, cf. VITARELLI,
«Constitutional Avoidance Step Zero», in: The Yale Law Journal, vol. 119, 2010, pp. 837
e ss. Em geral, sobre a constitutional avoidance doctrine, cf. as sínteses de JELLUM, Mastering
Statutory Interpretation, Carolina Academic Press, Durham, 2008, pp. 77 e ss., 235 e ss.
(em termos de sistematização interpretativa, a Autora localiza esta doutrina no momento
da avaliação dos motivos para evitar, dentro dos sentidos possíveis da letra do statutory
instrument, o mais corrente, preferindo-lhe outro — cf. também op. cit., p. 259), e de
RODGERS, United States Constitutional Law: An Introduction, McFarland, Jefferson, 2011,
p. 93. Perspectivando a utilização da constitutional avoidance quer no plano do poder
judicial, quer ao nível da Administração, cf. MORRISON, «Constitutional Avoidance in the
Executive Branch», in: Columbia Law Review, n.º 6, vol. 106, Outubro 2006, pp. 1189
e ss., em especial, pp. 1202 e ss., e 1217 e ss., respectivamente. A mobilização do avoidance
canon situa-se no contexto (mais amplo) da “fuga” (sobretudo, jurisdicional) às questões
constitucionais na decisão dos casos concretos — alvo de críticas já no direito norte-ame-
ricano: v. GOELZHAUSER, «Avoiding Constitutional Cases», in: American Politics Research,
n.º 3, vol. 39, 2011, pp. 483 e ss.
(15)
Atente-se, v. g., na situação subjacente ao Acórdão «Zadvyvas v. Davis», de
28.06.2001 (in: United States Reports, vol. 533, 2001, pp. 678 e ss.). Em causa estava a
detenção de um cidadão estrangeiro (Kestutis Zadvydas) — filho de pais lituanos, nascido
num campo de deslocados alemão e casado com uma cidadã da República Dominicana —
a aguardar deportação (desde 1994); uma vez que, por diversos motivos, nem a Lituânia,
nem a Alemanha, nem a República Dominicana aceitaram a deportação de Zadvyvas para
os respectivos territórios nacionais, o Governo manteve-o detido para além do prazo de
noventa dias contemplado pelo legislador e, com toda a probabilidade, assim ficaria inde-
finidamente. Em situação idêntica se encontrava Kim Ho Ma (detido deste 1998), cidadão
do Cambodja (cujo processo foi decidido em apenso ao anterior). A questão de constitu-
cionalidade reside na interpretação da lei (Post-removal-period detention statute), na parte
em que prevê que, após o decurso daquele prazo, o Governo pode (may) continuar a deter
um estrangeiro que se mantenha em território estadunidense ou libertá-lo sob vigilância.
Invocando o cânone da constitutional avoidance (pp. 689 e s.), a Supreme Court entendeu
que aquela disposição, embora admita a detenção dos cidadãos estrangeiros para lá dos
noventa dias, não permita uma detenção por um período indefinido; ao não interpretar
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(18)
Cf. MORRISON, «Constitutional Avoidance…», cit., pp. 1226 e s., concebendo
certas utilizações do cânone da constitutional avoidance como mecanismos para implemen-
tar normas e valores constitucionais e, inclusivamente, como uma forma de controlo da
constitucionalidade de actos do Congresso. V. também METZGER, «Ordinary Administra-
tive Law…», cit., pp. 497 e 524.
(19)
BARKOW («Institutional Design and the Policing of Prosecutors: Lessons from
Administrative Law», in: Stanford Law Review, vol. 61, 2009, pp. 888 e ss.) aponta como
exemplo as condições do exercício do poder sancionatório pelas agências, e do modo como
as mesmas procuram concretizar o princípio da imparcialidade e a due process clause, numa
perspectiva concomitantemente organizatória e normativa. A importância da internal law
of Administration (permeabilizada pelas ideias de checks and balances e da internal respon-
sability) neste contexto apresenta-se como uma percepção que remonta já ao início do
século XIX — v. MARSHAW, «Reluctant Nationalists: Federal Administration and Adminis-
trative Law in the Republican Era, 1801-1829», in: The Yale Law Journal, vol. 116, 2007,
pp. 1737 e s.
(20)
Atente-se no caso descrito por LEE («Race…», cit., pp. 800 e s., 811 e ss., 870
e ss.), relativamente à actuação da Federal Communications Commission (FCC) que, na
sequência de posições que vinha propugnando desde os anos ’60, passou, a partir de 1977,
a denegar licenças às estações que adoptassem práticas de emprego discriminatórias (nome-
adamente, em função da raça ou do sexo), defendendo que a Quinta Emenda a obrigava
a exigir o respeito pelo igualdade no acesso ao emprego — posição que, sob certos aspectos,
contrariava a jurisprudência da Supreme Court sobre a affirmative action.
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(21)
O administrative constitutionalism e o popular constitutionalism comungam da
característica de ambos consubstanciarem forma de extra-court constitutionalism. Cf., v. g.,
LEE, «Race…», cit., pp. 807 e ss. (que alude ainda a uma terceira: o departmentalism, que
aborda o problema da implementação constitucional no âmbito das relações entre Congresso
e Presidente).
(22)
Cf. a síntese de POZEN, «Judicial Elections as Popular Constitutionalism», in:
Columbia Law Review, vol. 110, 2010, pp. 2048 e s., 2053 e ss. Adoptando uma perspec-
tiva muito crítica, v. CHEMERINSKI, «In Defense of Judicial Review: The Perils of Popular
Constitutionalism», in: University of Illinois Law Review, n.º 3, 2004, pp. 674 e ss.
Dos escritos doutrinais sobre a matéria decorre uma realidade insusceptível de trans-
posição integral para o direito português. Com efeito, toda a construção teórica pressuposta
por esta corrente assenta, em termos algo paradoxais, quer na ausência de reflexão crítica
sobre as interpretações da Constituição efectuadas pelos tribunais, em especial, pela Supreme
Court (à qual acaba por pertencer o poder de “dizer a Constituição”), quer no facto de as
(mais relevantes) decisões judiciais proferidas em sede de judicial review espelharem, em
regra, as posições político-sociais dominantes da época.
(23)
Assim, TUSHNET, Taking the Constitution Away from the Courts, Princeton
University Press, Princeton, 1999, p. 199.
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(24)
Sobre as perplexidades da noção de povo (mormente a propósito do confronto
entre o populus e a plebs), cf. Luís Menezes do VALE, Racionamento e Racionalização no
Acesso à Saúde: Contributo Para uma Perspectiva Jurídico-Constitucional, polic., Coimbra,
2007 (versão revista para publicação e consultada por gentileza do Autor, a quem agrade-
cemos), Parte II, Capítulo 2, n.º V, ponto 5, nota 854 (pp. 298 e s.).
(25)
Cf. PETTYS, «Popular Constitutionalism and Relaxing the Dead Hand: Can the
People Be Trusted?», in: Washington University Law Review, vol. 86, 2008, pp. 339 e ss., 321,
e 354, n. 191. Na identificação dos problemas do popular constitutionalism, o Autor adopta,
porém, uma perspectiva oposta à subjacente ao texto: não se trata de apresentar deficiências
do movimento, mas de corrigir imperfeições do pensamento — assim sucede, v. g., com a
desconfiança relativamente aos cidadãos para a concretização das normas constitucionais, com
fundamento na sua não preparação e na inerente emotividade das massas, que o Autor, na
senda de Unger, apelida como o dirty little secret das democracias (op. cit., pp. 339 e 341).
(26)
V. TUSHNET, Taking the Constitution…, cit., pp. 154 e ss., esp.te pp. 163 e ss.
(27)
Assim, POZEN, «Judicial Elections…», cit., pp. 2049 e s. Numa reflexão crítica,
mas ainda sob a óptica do popular constitutionalism e num diálogo com o último Autor, cf.
MANSKER/DEVINS, «Do Judicial Elections Facilitate Popular Constitutionalism; Can They?»,
in: Columbia Law Review, vol. 111, 2011, pp. 27 e ss.
(28)
Em sentido próximo, cf. METZER, «Ordinary Administrative Law…», cit.,
pp. 529 e s. A propósito da ênfase colocada na promoção da intervenção dos cidadãos nas
decisões administrativas (alcançada, por vezes, através de um procedimento deliberativo
consensual e dialógico, mais adequado para dar resposta à complexidade e à flexibilidade
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especial, pelos magistrados) (32), contra os quais se rebelava Barbosa de Melo (33),
mas, pelo contrário, a defesa, com este nosso Professor, da inexistência de «orá-
culos da coisa jurídica» (cumprindo a todos a «função jurídica»), ou, com
Häberle, de uma «sociedade aberta dos intérpretes da Constituição» (que abrange,
indubitavelmente, todos os órgãos que desempenham funções estaduais) (34)
— “um pluralismo de intérpretes, aberto e racionalmente crítico” que assoma com
uma essencialidade premente no cenário actual da interconstitucionalidade (35).
Também aqui tem pleno cabimento a ideia de que “quem «vive» a norma
também a (co-)interpreta (mitinterpretiert)” (36) e não podem restar dúvidas de
que as autoridades administrativas vivem a Constituição. Esta concepção encerra
agora a virtualidade de permitir a aproximação da Lei Fundamental à Adminis-
tração Pública, promovendo a ideia de que existe uma mobilização policêntrica
da Constituição (37), que ultrapassa os tribunais, mas atinge todos os poderes
públicos. Neste sentido, a subordinação à Constituição volve-se numa realiza-
ção simultânea e incindível do interesse público e dos valores constitucionais (38),
promovendo a responsabilização administrativa pela satisfação de ambos.
(32)
Aliás, e nas palavras de CASSESE («Il Sorriso del Gatto, Ovvero dei Metodi nello
Studio del Diritto Pubblico», in: Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, n.º 3, 2006, p. 597),
“o direito não é monopólio dos juristas”.
(33)
V. Barbosa de MELO, Sobre o Problema da Competência para Assentar, polic.,
Coimbra, 1988, p. 7.
(34)
Trata-se do conhecido título da obra de HÄBERLE, «Die Offene Gesellschaft…»,
cit., pp. 155 e ss. (esp.te pp. 160, 162, salientando o Autor que o juiz constitucional não
está sozinho na tarefa de interpretação da Constituição — p. 172), mas sem defendermos
todas as consequências dogmáticas que decorrem da posição do Autor. Sobre o «pluralismo
de intérpretes», com alguma contenção, cf. também Gomes CANOTILHO, «Direito Consti-
tucional de Conflitos e Protecção de Direitos Fundamentais», in: Revista de Legislação e de
Jurisprudência, ano 125.º, 1992, pp. 35 e s.
(35)
Cf. Gomes CANOTILHO, “Brancosos”…, cit., p. 279.
(36)
HÄBERLE, «Die Offene Gesellschaft…», cit., p. 156.
(37)
A doutrina americana alude, em sentido similar, a uma «interpretação consti-
tucional policêntrica» (policentric constitutional interpretation), numa tentativa de superação
do absolutidade inerente a uma visão literal do aforismo segundo o qual “the Constitution
is what courts say it is”. Cf. POST/SIEGEL, «Legislative Constitutionalism and Section Five
Power: Policentric Interpretation of the Family and Medical Leave Act», in: The Yale Law
Journal, vol. 112, 1943, pp. 1943 e ss., esp.te pp. 2020 e ss.
(38)
Poderá estar aqui em causa a «Administração interpretativa do interesse público»
[“interpretierende” (Gemeinwohl-)Verwaltung] a que se refere HÄBERLE, «Die Öffene Gesells-
chaft…», p. 173.
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(39)
Como acentua METZGER (Ordinary Administrative Law…, cit., p. 521), “as agências
administrativas são hoje os decisores primários (primary decisionmakers) do governo federal”.
(40)
Cf. Gomes CANOTILHO/Suzana Tavares da SILVA, «Metódica…», cit., p. 191.
(41)
V. Gomes CANOTILHO, «Estado Adjectivado e Teoria da Constituição», in:
Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, vol. 3, 2003, pp. 455 e ss. Cf.
também Gomes CANOTILHO, O Tempo…, cit., p. 23, e “Brancosos”…, cit., pp. 131 e s.
(recorde-se a expressiva fórmula: “diz-me o adjectivo do Estado e eu dir-te-ei que Estado
tens ou queres” — op. cit., p. 132).
(42)
Constituem estas duas problemáticas a que o Direito das Políticas Públicas
procura dar resposta — cf. Maria da Glória GARCIA, Direito das Políticas Públicas, Almedina,
Coimbra, 2009, p. 124.
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(43)
Assim, SCHMIDT-ASSMANN, «Cuestiones Fundamentales sobre la Reforma de la
Teoria General del Derecho Administrativo. Necessidad de la Innovación y Presupuestos
Metodológicos», in: J. BARNES (ed.), Innovación y Reforma en el Derecho Administrativo,
Global Law Press, Sevilla, 2006, pp. 56 e s., enfatizando a relevância dogmática e a função
capital desempenhada pelos instrumentos regulamentares.
(44)
Reflectindo sobre estas preocupações, no contexto do direito norte-americano
e do administrative constitutionalism, a propósito de um caso concreto (relativo aos poderes
delegados pelo Congresso na Food and Drug Administration — cf. o Acórdão «FDA v. Brown
& Williamson Tobacco Corp.», de 21.03.2000, in: United States Reports, vol. 120, 2000,
pp. 529 e ss.), v. FISHER, «Food…», cit., pp. 66 e ss.
(45)
Alguma doutrina defende, a este propósito, que o respeito pelas normas cons-
titucionais se deveria configurar como uma das condições da delegação, que fixariam uma
espécie de «amarras constitucionais» (constitutional strings, constitutional constraints). Cf.
METZGER, «Privatization as Delegation», in: Columbia Law Review, vol. 103, 2003, pp. 1400
e s., e «Ordinary Administrative Law…», cit., p. 522. Sobre a vinculação constitucional
das entidades privadas, cf., entre nós, por todos, Pedro GONÇALVES, Entidades Privadas com
Poderes Públicos, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 1038 e ss.
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(46)
METZGER, «Privatization…», cit., pp. 1400 e ss. (denotando uma preocupação
marcante com a protecção dos direitos fundamentais), e «Ordinary Administrative Law…»,
cit., p. 522.
(47)
ROSENBLOOM/PIOTROWSKI, «Outsourcing the Constitution and Administrative
Law Norms», in: American Review of Public Administration, n.º 2, vol. 35, Junho 2005,
pp. 103 e ss., ainda que a exposição dos Autores extravase, em certos pontos, o sentido que
pretendemos conferir à expressão, na medida em que aponta para além da submissão
constitucional de entidades privadas que, ao abrigo de uma delegação, exercem funções
públicas, sugerindo, no que tange à vinculação por direitos fundamentais, uma aproxima-
ção ao problema da designada «eficácia externa» ou «eficácia em relação a terceiros» (Drit-
twirkung).
(48)
Louvando-se nesta ideia, no contexto da vinculação de entidades privadas (que
não exercem funções administrativas) pelos direitos, liberdades e garantias, cf. Gomes
CANOTILHO, Direito…, cit., p. 1294.
(49)
Sobre a state action doctrine, cf. a síntese de GRAGLIA, «State Action: Constitu-
tional Phoenix», in: Washington University Law Quarterly, n.º 3, vol. 67, 1989, pp. 777
e ss. No que tange à compreensão como state actors das entidades privadas que exercem,
por delegação, poderes públicos, v. ROSENBLOOM/PIOTROWSKI, «Outsourcing the Consti-
tution…», cit., pp. 111 e ss., com vários exemplos jurisprudenciais e não jurisprudenciais.
(50)
E, se quisermos persistir na metáfora, é da fixação de simples linhas que se trata,
pois que, em regra, as Constituições não impõem um modo de organização administrativo,
mas consentem “estilos arquitectónicos” diversos de «boa administração». Cf. FISHER,
Risk…, cit., p. 24.
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(51)
Realçando a necessidade de ultrapassar a visão redutora importada das behavio-
ral theories of management para o agere administrativo, através da redescoberta dos princípios,
cf. MOE/GILMOUR, «Rediscovering Principles of Public Administration: The Neglected
Foundation of Public Law», in: Public Administration Review, n.º 2, vol. 55, Março/Abril
1995, pp. 135 e ss.
(52)
Gomes CANOTILHO, «Princípios: Entre a Sabedoria e a Aprendizagem», in:
Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXXXII, 2006, p. 4.
(53)
Assim, Castanheira NEVES, «Fontes do Direito», in: Digesta. Escritos acerca do
Direito, do Pensamento Jurídico, da sua Metodologia e Outros, vol. 2.º, Coimbra Editora,
Coimbra, 1995, pp. 65 e ss., e «A Unidade do Sistema Jurídico: O Seu Problema e o Seu
Sentido», in: Digesta…, cit., pp. 174 e ss.; Fernando José BRONZE, Lições de Introdução ao
Direito, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 629.
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(54)
Cf. ANTHONY/AUBY/MORISON/ZWART, «Values…», cit., p. 3.
(55)
Gomes CANOTILHO, “Brancosos”…, cit., p. 159.
(56)
Gomes CANOTILHO, “Brancosos”…, cit., pp. 331 e ss., referindo-se aos “novos
princípios do Estado de direito democrático”, expressivamente configurados como uma
“nova camada de princípios em fase de acreção geológica” (op. cit., p. 333).
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(57)
Cf. BADURA, «Arten der Verfassungsrechtssätze», in: ISENSEE/KIRCHOF, Handbuch
des Staatsrechts, vol. VII, Müller, Heidelberg, 1992, p. 53.
(58)
Jorge MIRANDA/Rui MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, tomo III,
Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 558.
(59)
Sobre o princípio do Estado de direito e os subprincípios concretizadores, cf.,
por todos, Gomes CANOTILHO, Direito…, cit., pp. 256 e ss.
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402 Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho
(60)
A noção de «princípio positivo» aqui equacionada possui um sentido restrito,
incluindo na sua intensio os princípios que, em simultâneo, se apresentam como contin-
gentes e positivos, i.e., que se revelam “sensíveis» à intenção político-jurídica ou ético-social
integrante” e que o direito se vê compelido a objectivar, para afastar caminhos alternativos
igualmente viáveis. Nestes termos, Aroso LINHARES, Teoria do Direito — Sumários Desen-
volvidos: Capítulo III — O Jurisprudencialismo, polic., Coimbra, s.d., pp. 11, 12 e 13.
(61)
Colhemos a distinção (segundo o critério da posição ocupada no sistema jurí-
dico) entre princípios transpositivos, suprapositivos e positivos em Castanheira NEVES,
«Fontes…», cit., pp. 66 e s., e «A Unidade…», cit., pp. 175 e ss. (efectuando, em ambos
os casos, uma tipologia de níveis entre princípios, mas ainda não adoptando as designações
seguidas no texto) e Metodologia Jurídica — Problemas Fundamentais, Studia Iuridica 1,
Boletim da Faculdade de Direito/Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 155, e A Crise Actual
da Filosofia do Direito no Contexto da Crise Global da Filosofia, Studia Iuridica 72, Boletim
da Faculdade de Direito/Coimbra Editora, Coimbra, 2003, p. 108. Cf. também Fernando
José BRONZE, Lições…, cit., pp. 632 e ss.; Aroso LINHARES, Introdução ao Direito — Sumá-
rios Desenvolvidos, polic., Coimbra, s.d., pp. 100 e ss.
(62)
ARGYRIADES, «Good Governance, Professionalism, Ethics and Responsibility»,
in: International Review of Administrative Sciences, n.º 2, vol. 72, 2006, p. 166.
(63)
H OFFMANN -R IEM («Eigenständigkeit des Verwaltungsrechts», in: H OFF -
MANN-RIEM/SCHMIDT-ASSMANN/VOSSKUHLE, Grundlagen des Verwaltungsrechts, vol. I,
München, 2006, p. 649) entende justamente que a “Klugheit” des Verwaltungshandelns se
encontra sustentada, inter alia, pelos standards ético-profissionais. Cf. também PITSCHAS,
«Maßstäbe des Verwaltungshandelns», in: HOFFMANN-RIEM/SCHMIDT-ASSMANN/VOS-
SKUHLE, Grundlagen des Verwaltungsrechts, vol. II, Beck, München, 2008, pp. 1596 e s.
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O Administrative Constitutionalism: Resgatar a Constituição… 403
(64)
A criatividade, enquanto capacidade de inovação e de decisão para lá das regras
e procedimentos existentes, constitui um dos designados «valores pós-burocráticos» — cf.
SALMINEN, «Accountability, Values and Ethical Principles of Public Service: The Views of
Finnish Legislators», in: International Review of Administrative Sciences, n.º 2, vol. 72, 2006,
p. 179.
(65)
Assim, ARGYRIADES, «Good Governance…», cit., p. 167.
(66)
PITSCHAS, «Maßstäbe…», cit., pp. 1594 e s.
(67)
Sobre a ética administrativa, cf., v. g., a síntese de COOPER, «Big Questions in
Administrative Ethics: A Need for Focused, Collaborative Effort», in: Public Administration
Review, n.º 4, vol. 64, Julho/Agosto 2004, pp. 395 e ss., com amplas referências doutrinais.
Não se trata de uma preocupação recente no âmbito da Ciência da Administração, pois
que conhece antecedentes na própria construção do burocrata weberiano (no Beamte).
Contudo, as exigências actualmente impostas aos profissionais da Administração Pública
revelam-se bem diversas das colocadas ao funcionário no início do século XX (o mesmo
sucedendo com as novas formas de administrar, marcadas pela construção de parcerias
público-privadas e pela concorrência), não se compadecendo com a cega aplicação de regras,
mas também não permitindo ignorar a necessária permeabilização da organização adminis-
trativa a determinados valores. A própria refundação da ética administrativa — ocorrida
no dealbar dos anos 80 do século XX e em que foram pioneiros Rohr (Ethics for Bureaucrats:
An Essay on Law and Values, 1.ª ed. de 1978), Cooper (The Responsible Administrator: An
Approach to the Ethics of the Administrative Role, 1.ª ed. de 1982) e Frederickson («The
Recovery of Civism in Public Administration», publicado em 1982) — revela-se inadequada
(pelo menos, em parte) para responder aos desafios da actual Administração, o que leva a
doutrina a tentar equacionar uma nova ética administrativa, recompreendida através de
outros valores. V. STENSÖTA, «The Conditions of Care: Reframing the Debate About
Public Sector Ethics», in: Public Administration Review, n.º 2, vol. 70, Março/Abril 2010,
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404 Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho
pp. 295 e s. O apelo à ética na Administração começa também a ganhar uma voz signifi-
cativa na Alemanha — cf., por todos, PITSCHAS, «Maßstäbe…», cit., pp. 1592 e s.
(68)
Cf. GRAAF/WAL, «Managing Conflicting Public Values: Governing with Integrity
and Effectiveness», in: American Review of Public Administration, n.º 6, vol. 40, Novem-
bro 2010, p. 625, aludindo à necessidade de gerir as tensões entre os valores públicos
potencialmente conflituantes (managing tensions between potentially conflicting public values)
— entre os quais elegem a juridicidade, a integridade, a democracia e a eficiência — como
objectivo da good governance.
(69)
HOOD/LODGE, The Politics of Public Service Bargains, Oxford University Press,
Oxford, 2006, pp. 6 e ss., fazendo remontar o fenómeno (Op. cit., pp. 4 e s.) às relações
entre os políticos eleitos (aos quais cabe definir uma policy) e os profissionais da diploma-
cia (aos quais se encontra cometida a tarefa da condução das negociações internacionais à
luz das políticas delineadas pelos primeiros). Cf. também HONDEGHEM, «Changing Pub-
lic Service Bargains for Top Officials», in: Public Policy and Administration, vol. 26, 2011,
pp. 159 e ss., onde a Autora sintetiza ainda as várias formas de public service bargains.
(70)
Se, como assinalava já Gomes CANOTILHO («O Direito…», cit., p. 711), a
democraticidade do Estado varia no mesmo sentido em que os cidadãos dispõem de «sabe-
res» e «competências» — o Autor alude, expressivamente ao Estado de saberes e de compe-
tências —, também se não deve ignorar que a detenção de skills e aptidões deve começar
no seio do próprio Estado (lato sensu), e, como tal, dos servidores públicos, só assim se
logrando ultrapassar a burocratização e a prossecução de obscuros, invisíveis ou presumíveis
“interesses da administração” (Gomes CANOTILHO, últ. op. cit., p. 715).
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O Administrative Constitutionalism: Resgatar a Constituição… 405
(71)
Para esta mesma ideia alerta BADURA, «Arten…», cit., p. 40.
(72)
POST/SIEGEL, «Legislative Constitutionalism…», cit., p. 2022.
(73)
Uma das ilações que BADURA («Arten…», cit., pp. 40 e s.) retira da diferente
vinculação (unterschiedliche Steuerung) da Constituição relativamente às funções estaduais
reside na interferência mediadora que a lei exerce quanto às funções administrativa e jurisdi-
cional (ressalvando, quanto a esta, os momentos inerentes à Justiça Constitucional).
(74)
Algo que a jurisprudência norte-americana vedava às autoridades administrati-
vas, ao abrigo do Acórdão «Marbury v. Madison» (que reservaria, em exclusivo, aos tribunais,
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406 Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho
o poder para interpretar as normas) e que SUNSTEIN («The Executive’s Power…», cit.,
p. 2584) traduzia na imagem de que tal resultava de se não admitir que as fossem as rapo-
sas a guardar os galinheiros; o punctum saliens reside, como também acentua o Autor, em
determinar quem são as raposas.
(75)
Gomes CANOTILHO, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra
Editora, Coimbra, 1982, p. 406.
(76)
Cf. também Gomes CANOTILHO/Vital MOREIRA, Constituição da República
Portuguesa Anotada, 4.ª ed., vol. II, Almedina, Coimbra, 2010, p. 797, anotação VI ao
artigo 266.º, referindo-se, condensadamente, às “medidas materiais da juridicidade admi-
nistrativa”.
(77)
OSSENBÜHL, «Normenkontrolle durch die Verwaltung», in: Die Verwaltung, n.º 2,
1969, 396.
(78)
Assim, Paulo OTERO, O Poder…, cit., p. 567. Em sentido algo diverso, Blanco
de MORAIS (Justiça…, tomo II, cit., pp. 338 e s.) alude apenas a uma “preferência meramente
indicativa da interpretação conforme, sobre uma qualquer solução de inconstitucionalidade”.
Cf. também Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 411/99, de 29 de Junho (in:
Diário da República, II Série, n.º 59, 10.03.2000, p. 4754), onde expressamente se reconhece
a imposição à Administração (in casu, a Caixa Geral de Aposentações) do dever de inter-
pretar uma norma em conformidade com as exigências constitucionais.
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O Administrative Constitutionalism: Resgatar a Constituição… 407
(79)
Trata-se de um aspecto (por vezes) ignorado pela própria jurisprudência. Cf.,
v. g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.09.2009, P. 220/05, que, sob
a epígrafe «Os Princípios Normativos São Parâmetros de Vinculação do Regulamento?»,
anotámos em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 80, Março/Abril 2010, pp. 50 e ss.
(80)
Cf., por todos, Vieira de ANDRADE, «O Ordenamento Jurídico Administrativo
Português», in: Contencioso Administrativo, Livraria Cruz, Braga, 1986, p. 47, e O Dever
da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, Coimbra, 2007, p. 373.
(81)
V. também Gomes CANOTILHO/Vital MOREIRA, Constituição…, cit., p. 798,
anotação VII ao artigo 266.º
(82)
Neste sentido, também já Afonso QUEIRÓ, «Teoria dos Regulamentos», in:
Estudos de Direito Público, vol. II, tomo I, Acta Universitatis Conimbrigensis, Coimbra,
2000, p. 240.
(83)
Cf., v. g., o caso subjacente ao Acórdão do STA, de 30.01.2007, P. 310/2006,
onde o legislador permitia que a Administração emitisse determinadas normas regulamen-
tares “nos casos em que se justifique a adaptação dos regimes”.
(84)
Foi justamente a percepção de que assumia diversidade a relação dos (vários
tipos de) regulamentos com a lei fundamentadora (o grau de vinculação à lei) que condu-
ziu à classificação doutrinal entre regulamentos executivos, complementares ou indepen-
dentes: observando a questão sob o prisma oposto, concluímos que tal classificação não
corresponde senão à existência de menos ou mais faculdades discricionárias legislativamente
concedidas no exercício do poder regulamentar.
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408 Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho
pelos actores administrativos que tenha em vista a promoção dos valores cons-
titucionais representa uma mais efectiva defesa da Constituição que a efectuada
(sempre a posteriori) pelos tribunais (85). Como lembra Gomes Canotilho (86),
cabe aos textos constitucionais “estabelecer as premissas materiais fundantes
das políticas públicas num Estado e numa sociedade que se pretendem continuar
a chamar de direito, democráticos e sociais”.
Esta actividade de implementação de políticas públicas entronca na assi-
nalada ideia da previsão de novas tarefas para as autoridades administrativas.
Tais tarefas — embora, naturalmente, também realizadas pela actividade indi-
vidual e concreta da Administração (decision-making power) — projecta-se com
especial relevo no plano da actuação normativa da Administração, quer na
vertente de planificação (planning), quer ao nível da emanação de normas
regulamentares (rule-making).
(85)
Assim, METZGER, «Ordinary Administrative Law…», cit., pp. 528 e s.
(86)
Gomes CANOTILHO, Constituição…, cit., p. XXX.
(87)
Sobre esta matéria, cf. os desenvolvimentos dogmáticos de Paulo OTERO, Lega-
lidade e Administração Pública, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 733 e ss. Cf. também Paulo
OTERO, O Poder de Substituição em Direito Administrativo, vol. II, Lex, Lisboa, 1995,
pp. 571 e ss., sobre o «princípio da constitucionalidade positiva».
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O Administrative Constitutionalism: Resgatar a Constituição… 409
(88)
Neste sentido, Afonso QUEIRÓ, «Teoria…», cit., pp. 223 e s.; Sérvulo CORREIA,
Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, Coimbra, 1987,
p. 252; Luís Cabral de MONCADA, Lei e Regulamento, Coimbra Editora, Coimbra, 2002,
pp. 1046 e s. (Autor que defende o carácter meramente declarativo — que não constitutivo
— das autorizações legais para a emissão de regulamentos executivos pelo Governo, dada
justamente a existência de uma habilitação constitucional geral para o efeito que torna
dispensável ou desnecessária uma intervenção do legislador ordinário).
(89)
Cf. Afonso QUEIRÓ, «Teoria…», cit., pp. 227 e s.; Vieira de ANDRADE, «O Orde-
namento…», cit., p. 67. V. também Sérvulo CORREIA, Noções de Direito Administrativo,
vol. I, Editora Danúbio, Lisboa, 1982, pp. 107 e ss., e Legalidade…, cit., pp. 205 e ss.,
esp.te p. 235.
Diversamente, v. Gomes CANOTILHO/Vital MOREIRA, Constituição…, vol. II, cit.,
p. 73, anotação XXVIII ao artigo 112.º, defendendo que a alínea g) do artigo 199.º da
Constituição não pode fundamentar um poder regulamentar independente do Governo,
dado o seu carácter genérico, o qual não se revela susceptível de, por si só, envolver o
exercício de determinada competência ou a utilização de determinados instrumentos ou
formas constitucionais. Também em sentido contrário, v. Manuel Afonso VAZ, Lei…, cit.,
pp. 489 e ss.; FREITAS DO AMARAL, Curso…, vol. II, cit., p. 160).
(90)
V. PAULO OTERO, O Poder…, cit., pp. 568 e 573.
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410 Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho
(91)
Problemática para a qual também já alerta Gomes CANOTILHO, Direito…, cit.,
pp. 941 e s.
Em termos monográficos, e entre nós, A. Salgado de MATOS, A Fiscalização Adminis-
trativa da Constitucionalidade, Almedina, Coimbra, 2004; numa perspectiva jus-comparís-
tica, Ana Cláudia GOMES, O Poder de Rejeição de Leis Inconstitucionais pela Autoridade
Administrativa no Direito Português e no Direito Brasileiro, Sergio Antonio Fabris Editor,
Porto Alegre, 2002 (com prefácio de Gomes CANOTILHO).
(92)
Entendendo também que a posição maioritária da doutrina se inclina no sentido
de que a Administração pode apreciar a constitucionalidade das leis, v. Vieira de ANDRADE,
Os Direitos…, cit., p. 201. Cf. ainda Paulo OTERO, O Poder…, cit., p. 565. Para uma
consideração crítica dos argumentos que afastam a competência de fiscalização e perfilhando
igualmente a respectiva admissibilidade, cf. A. Salgado de MATOS, A Fiscalização…, cit.,
pp. 163 e ss.
Em sentido diverso, parece inclinar-se BLANCO DE MORAIS (As Leis Reforçadas, Coim-
bra Editora, Coimbra, 1998, pp. 232 e s.), que defende não poder a autoridade adminis-
trativa formular juízos acerca dos parâmetros que a vinculam e, por conseguinte, juízos
relativos à apreciação da constitucionalidade ou legalidade das leis.
(93)
Gomes CANOTILHO, Direito…, cit., p. 444.
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O Administrative Constitutionalism: Resgatar a Constituição… 411
(94)
O problema da capacidade dos public officials para apreciar todas as implicações
de uma dada norma constitucional foi igualmente debatido na doutrina constitucional
norte-americana: cf., v. g., TUSHNET, Taking the Constitution…, cit., pp. 54 e ss. (ainda
que, subsequentemente, a análise do Autor incida precipuamente sobre os membros do
Congresso).
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412 Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho
(95)
Pode criticar-se o emprego da expressão «conteúdo essencial» referindo-se quer
a direitos, liberdades e garantias, quer a direitos económicos sociais e culturais. É que
relativamente a estes últimos deverá falar-se em conteúdo mínimo. Cf. Vieira de ANDRADE,
Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 4.ª ed., Almedina, Coimbra,
2009, p. 389.
(96)
Ainda no âmbito do n.º 2 do artigo 133.º do CPA, a doutrina aponta outros
exemplos de actos administrativos inconstitucionais. Cf. Dinamene de FREITAS, O Acto
Administrativo Inconstitucional (Delimitação do Conceito e Subsídio para um Contencioso
Constitucional dos Actos Administrativos), Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp. 240 e ss.;
neste sentido, a Autora acentua que “todos [os] actos administrativos podem, e devem, ser
submetidos a um crivo de constitucionalidade” (op. cit., p. 45).
(97)
Gomes CANOTILHO, Direito…, cit., p. 941.
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414 Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho
(98)
Sobre a designação «acção de amparo», cf. Carla Amado GOMES, «Pretexto…»,
cit., p. 545, n. 11, na senda de Wladimir BRITO, «O Amparo Constitucional», in: Direito
e Cidadania, n.º 7, ano III, Julho/Outubro 1999, p. 26.
(99)
V., por exemplo, artigo 41, n.º 2, da Ley Orgánica del Tribunal Constitucional
(Ley 2/1979, de 3 de Outubro), sobre o recurso de amparo, ou o artigo 93, § 1 (4a), da
Grundgesetz, sobre a Verfassungsbeschwerde.
(100)
GOMES CANOTILHO, Direito …, cit., pp. 940 e s. V. também GOMES CANO-
TILHO, «Para uma Teoria Pluralística da Jurisdição Constitucional no Estado Constitucional
Democrático Português», in: Revista do Ministério Público, ano 9.º, n.os 33/34, Janeiro/Junho
1988, pp. 23 e ss.
(101)
Não está em causa saber se o acto administrativo é ou não inválido. A invalidade
do acto há-de ter-se por verificada, por falta de pressuposto abstracto, uma vez efectuado
um juízo positivo de inconstitucionalidade da norma pelo tribunal administrativo.
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O Administrative Constitutionalism: Resgatar a Constituição… 415
(102)
Cf. artigo 109.º, n.º 1, do CPTA; v. também o n.º 2, que confere a esta acção
um objectivo ainda mais amplo, permitindo ao tribunal suprir ainda uma actuação da
Administração no que concerne à repressão de condutas violadoras de direitos, liberdades
e garantias perpetradas por particulares.
(103)
Cf. as intervenções dos Deputados Vital MOREIRA e José MAGALHÃES, emitidas
aquando da análise das propostas de aditamento do n.º 5 ao artigo 20.º, in: Diário da
Assembleia da República, II-RC, n.º 19, 11.09.1996, pp. 446 e ss.; v. ainda Gomes CANO-
TILHO, Direito…, cit., pp. 499 e s.
(104)
Cf. também Casalta NABAIS, «Os Direitos Fundamentais na Jurisprudência do
Tribunal Constitucional», in: Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXV, 1989, pp. 62 e ss.;
Vieira de ANDRADE, «A Fiscalização da Constitucionalidade das ‘Normas Privadas’ pelo
Tribunal Constitucional», in: Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 133.º, n.º 3921,
Abril 2001, p. 362, Autor que acentua ter o próprio processo de fiscalização da constitu-
cionalidade de normas uma vocação de tutela de direitos fundamentais, propugnando, nessa
medida, a necessidade de compreensão do conceito de norma por forma a abranger “quais-
quer normas jurídicas vinculativas” pertencentes ou reconhecidas pelo ordenamento jurídico
vigente, dispensando a necessidade do exercício de um poder jurídico-público.
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416 Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho
(105)
Convém acentuar ainda que também os actos administrativos constantes de
diploma legislativos podem ser considerados «normas» para efeitos de controlo da consti-
tucionalidade, desde que se possam considerar incluídos dentro do «conceito funcional»
(que não meramente material) de norma forjado pela jurisprudência constitucional. A Jus-
tiça Administrativa analisará da validade do acto administrativo, com abstracção da sua
forma, enquanto a fiscalização da constitucionalidade incidirá sobre o preceito legislativo,
com independência do seu conteúdo materialmente administrativo. Assim, Gomes CANO-
TILHO/Vital MOREIRA, Constituição…, cit., p. 832, anotação XXIV ao artigo 268.º V. tam-
bém Alves CORREIA, Direito Constitucional: A Justiça Constitucional, Almedina, Coimbra,
2001, p. 77. Na jurisprudência, cf., v. g., Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 157/88,
de 7 de Julho (in: Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 12.º, 1988, p. 118) e 382/92,
de 8 de Julho (in: Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 22.º, 1992, p. 131).
(106)
Nestes termos, CASSESE, «Tendenze…», cit., pp. 902, 907 e s.
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O Administrative Constitutionalism: Resgatar a Constituição… 417
(107)
GINSBURG, On the Constitutional Character of Administrative Law, in: http://
www.law.yale.edu/documents/pdf/CompAdminLaw/Tom_Ginsburg_CompAdLaw_paper.
pdf(Abril 2011), p. 2.
(108)
Atente-se, porém, que, como sublinha BADURA («Arten…», cit., p. 41), as
modalidades e a intensidade da vinculação dos poderes públicos à Lei Fundamental também
variarão consoante o tipo de normas constitucionais em causa (maxime, quando se trata de
normas que fixam tarefas — Aufgabennormen), as quais se apresentam variáveis dentro de
um espectro que vai desde as «normas de impulso» (Anstoß-Norm) às «injunções constitu-
cionais» (Verfassungsbefehl).
(109)
Cf., sobre esta matéria, KLEMENT, Verantwortung (Funktion und Legitimation
eines Begriffs im Öffentlichen Recht), Mohr Siebeck, Tübingen, 2006, pp. 12 e ss.
(110)
Ainda que a capacidade de prestação das normas jurídicas (desde logo, das nor-
mas constitucionais) também fique sujeita a novos desafios — cf. Gomes CANOTILHO,
«O Estado Garantidor: Claros-Escuros de um Conceito», in: Avelãs NUNES/Miranda COU-
TINHO, O Direito e o Futuro — O Futuro do Direito, Almedina, Coimbra, 2008, pp. 575 e s.
(111)
Assim também KLEMENT, Verantwortung…, cit., p. 19.
(112)
Para a autonomia da função administrativa chamava já a atenção PETERS, Die
Verwaltung als eigenständige Staatsgewalt, Scherpe Verlag, Krefel, 1965.
(113)
Sobre os limites ao dirigismo constitucional, cf., a propósito das políticas públi-
cas de direitos fundamentais, Gomes CANOTILHO, “Brancosos”…, cit., pp. 124 e s.
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418 Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho
(114)
Gomes CANOTILHO, “Brancosos”…, cit., pp. 121 e s., 125 e ss.
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