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Bornal: CONTO: PENSAMENTOS E VISÕES DE UM DECAPITADO (de Antoine Wiertz)

Antoine Wiertz (1806 - 1865) foi um pintor belga bastante conhecido em sua
época, hoje esquecido, pintou quadros no estilo clássico; também pintou quadros
com temas de horror, sombrios, o mesmo tema usado nesse seu conto, em que
busca responder a pergunta então bastante popular há época, quando a
guilhotina decepava milhares de cabeças de prisioneiros políticos e criminosos
comuns nas praças da França e da Bélgica: Uma cabeça decepada teria a
capacidade de pensar por alguns segundos depois de separada do tronco? Abaixo,

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Com vocês o conto:

PENSAMENTOS E VISÕES DE UM DECAPITADO


Tríptico: Primeiro minuto, segundo minuto, terceiro minuto
Há pouco ainda rolaram algumas cabeças do cadafalso. Nessa oportunidade
ocorreu ao artista a ideia de pesquisar o problema: a cabeça teria a capacidade de
pensar por alguns segundos depois de separada do tronco?
Eis o relato dessa pesquisa. Em companhia do Sr. ... e do Sr. D., magnetopata
especializado, tive acesso ao cadafalso; lá solicitei ao Sr. D. estabelecer contato
entre mim e a cabeça cortada, por intermédio de novos procedimentos que lhe
pareciam adequados. O Sr. D. concordou. Fez alguns preparativos e então
esperamos, não sem emoção, a queda de uma cabeça humana.

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Assim que chegou o momento fatal, caiu a terrível lâmina, fazendo


estremecer toda a armação e rolar a cabeça do julgado pelo horrível saco
vermelho.
Ficamos com o cabelo em pé, mas não tivemos mais tempo para nos afastar.
O Sr. D. me segurou pela mão (eu estava sob a sua influência magnética) levou-
me até à cabeça em convulsões e me perguntou: O que está sentindo? O que está
vendo? A emoção me impedia de responder na hora. Mas logo depois gritei, com
extremo pavor: Horrível! A cabeça pensa! Agora estava querendo me livrar do que
inevitavelmente iria acontecer, mas era como se um pesadelo me segurasse. A
cabeça do executado enxergava, pensava, e sofria. Quanto tempo durou? Três
minutos, como me disseram. O executado deve ter pensado: trezentos anos.
O que sofre quem é executado assim não pode ser reproduzido pela
linguagem humana. Aqui me limito a relatar as respostas que dei a todas as
perguntas, enquanto eu, por assim dizer, estava me identificando com a cabeça
cortada.

Primeiro minuto: sobre o cadafalso


Eis as respostas: Um ruído inconcebível rugia em sua cabeça. O ruído do
machado que se abaixa. – O delinqüente acredita que foi atingido pelo raio, não
pelo machado. – Estranho, aqui debaixo do cadafalso está a cabeça no chão,
pensando que ainda está em cima; acredita que ainda faz parte do corpo, e ainda
está esperando o golpe que a deve separar.

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Um sufoco horrível. – Respiração, impossível. – É uma mão não-humana,


sobrenatural, desabando como uma montanha sobre a cabeça e o pescoço. De
onde vem essa mão horrenda e inumana? A vítima, resignada, a identifica nesse
momento: púrpura e armelino roçam os dedos.
Sofrimentos mais atrozes estão por suceder.

Segundo minuto: debaixo do cadafalso


A pressão transformou-se em corte. Somente agora o executado toma
conhecimento de sua situação. – Com os olhos mede a distância que separa a
cabeça do corpo, e reflete: a minha cabeça está cortada.
O delírio aumenta freneticamente. Parece ao executado que sua cabeça está
pegando fogo e girando em torno de si mesma... E nesse frenesi, um pensamento
inconcebível, tresvariado, indizível, apodera-se do cérebro moribundo: Será
possível? O homem decapitado ainda tem esperança. Todo o sangue que lhe ficou
pulsa mais rapidamente pelas veias e agarra-se à esperança.
Chega o momento em que o executado pensa que está estendendo as mãos
crispadas, trêmulas, em direção à cabeça. É o instinto que nos faz tapar com a
mão a ferida aberta. Isso se dá com o intuito, o horroroso intuito de recolocar a
cabeça em cima do tronco, para guardar mais um pouco de sangue, mais um
pouco de vida... Os olhos do torturado reviram-se nas órbitas sangrentas... o
corpo torna-se rijo como granito...
É a morte...

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Não, ainda não.

Terceiro minuto: na eternidade


Ainda não é a morte. A cabeça continua pensando, e sofrendo. Sofre o fogo
que queima, sofre o punhal que estraçalha, sofre o veneno que convulsiona, sofre
nos membros que são serrados, sofre nas entranhas que são arrancadas, sofre na
carne que é cortada e moída, sofre nos ossos que são fervidos devagar em óleo
quente. Todos esses sofrimentos juntos não chegam a dar uma idéia do que se
passa com o executado.
Nesse momento, um pensamento o faz estarrecer:
Já está morto e deverá continuar a sofrer assim? Talvez por toda a
eternidade?...

Porém, a existência humana lhe escapa; aos poucos lhe parece confundir-se
com a noite; de leve ainda passa uma névoa, mas ela também enfraquece e se
esvanece; escuridão total... O decapitado está morto.

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