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Poorer ne rem eee ce ee eee os ou co Ae ea ene ee Pe ae ee ee Perec re en Pn eRe Pee ee Pe er ene og ea eet te ad ener ee) Pe Reng fran cos expectos da fantasic: Se a Pe ccd en Pee ed err de cn. en ee Seu ee Pen) ee Be ee nos opostes: se seria ynitia somética Fosse uma iriag Bide TUTTE 5p AANINN A Aviso ao leitor Para a consecugio deste trubalho foi utilizada basicamente a Edicao Standard Brasileira das Obras Psicoldgicas Completas de Sigmund Freud, editada pela Imago, de 1974 a 1978. As citapdes pontusis foram nela consultadas e eomparadas com « Edicdo Ele- trénica Brasileira das Obras Psicoldgicas Completas de Sigmund Freud. Algumas vezes, em alguns textos, us citagBes utilizadas se re- ferem a esta iiltima, por considerarmos que ela ¢ a mais adequada. Foi utilizada, também, a Edigfo dos Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente das Obras Psicolsgicas de Sigmund Freud, editada pela Imago de 2004 a 2007 Discordei, aqui, da teacuyo da Imago para uma série de cone ceitos, tendo optado por usar tradugSes divergentes e ndo apenas as referendadas por tradugdes de dicionarios de psicandlise, como tam- bém as jé incorporadas na termninologia psicanalitica atuel, como na Edicdo das Obras Pstcoldgices de Sigmund Freud: Escritos sobre a Psicologia de Inconsciente. Embore mio apontado nas referéncias, ja que as obras referidas estilo editadas em portugués, recorri constantemente & comparagio das edigdes brasileiras da Imago com as edigdes inglesas em: Klein, Melanie, Zhe Writings of Melanie Klein; e em King, Pearl & Steiner, Riccardo (Eds), The Freud-Klein Controversies: 1941-1945. A tradugio da referéncia Spills, Elizabeth Bott et al, The New Dictionary of Kleintan Thought, ainda nfo traduzido para 0 por- ‘ugués, foi feita de modo livre por mim, 10 Maria Luiza Scrosoppl Persicano Para a tradugtio dos termes originais em aleméo, tais como Angst (angistia), Trieb (pulsto), Verdrangung (recalque ou recalea- mento), Verleugnung (recuse), Verwerfung (rejeigio), Unterdrtickung (cepresstio) recorti &s oppies assumidas em Persicano, Maria Luiza Scrosoppi (2004a), A angistia na tritha da pulsao: entre psique e soma, A metapsicologia da angistia c de suas manifestagdes somd- teas. Continuo, assim, optando pela tradugio do termo Trieb por pul- so, em vez de instinto, em discordancia com a tradugfo da Imago. A tradugiio por pulsdo jé esti muito bem fundamentada ¢ reconhe- cida, ¢ 0 conccito de pulsto ja esté incorporado com essa termino- login em nossa lingue, definindo-se em contraste com 0 coneeito de instinto, ‘Também reafirmo que a tradugio correta de Angst~ angustiae, Enge [esteeiteza, epeito] & angistia e nfo anstedade. Insisto por tra- duzir Angst como angistia, sobretudo para textos kleinianos, confor- sme ser tratado no capitulo I desta obra. Por esta mesme razao, em todas as citagdes alusdes aos textos de Sigmund Freud e de Me- Janie Klein, da Imago, opto por usar, em lugar do termo unsiedade, © tery “angst” © termo represstio presente na tradugto de Verdrangung, Imago, nio seré usado neste trabalho, ¢ seré aqui traduzido por calque ou recalcamento”, Resetvo o uso do termo portugues “repres- sio” para o termo alemao Umterdrackung, ou seja, para a ideia de supresstio de afetos e representagdes da Cs. Seguindo os mesmos embasamentos, no Tugar do termo ideia utilizado pela Imago, utilizo o termo “representago” para traduzir Vorstellung. Vorstelten seré treduzido por “ato de coaceber mental mente” ou “imagem”, conforme desenvolvido no capitulo II, fd seré ‘raduzido por “Tss0"; ego € eu serdo usados como sindnimos. la Sumario ficlo, Eliane Michelial Marracet 1 1B Inntrodng8o nee 7 Capitulo T Ler Freud: retomar a angistia na trilha da puso = entre pxique © $0M8 wecsenenn sintcineelS ‘Acngistia na tilba da pul. entre psique e sore ‘A metapsicologia da angistia ¢ de suas manifestagoes somitices.... ‘A queetio da angtstia 0 soma .. 1 O conceite de angistia somatic. gradiente de angistia... Capitulo It Ler Freud com Melanie Klein hoj Inconseiente i Usos do termo fantasia. A possibilidade de susteatisio do fantasiar como o “pensar” em imagens pré-visuais: fantasias primaries somaticas. Fantasia ¢ reelidade psiquica Fantasia da vivéncia de dor Fantasia ¢ filogénese.. a teoria da fantasia Capitulo IN. Implementar a fantasia no pensamento kleiniano 81 Melanie Klein ¢ 0 aprofundamento do conceito de fantasia... $2 A mudanga do conceito de fantasia. 86 42 Maria Luiza Scrosoppi Persicano caso princeps em Freud . Fantasia ¢ realidade psiquica ... Deslizamento do conseito de fantasia: conteido primiio dos processos mnentais 104 ‘A continuidade genética eas fantasias primatias ons TO Tmago somatossensitiva c fantasia somética..... na Fantasia e realizagdio alucinatéria dos impulsos pulsionais, destrutivos.. n7 Capitulo 1V fantasiar mortifero em Klein ¢ 0 fantasiar somstico .... 125 Pulsdo de morte e sadism... eRe TOR Angistia arcaice de aniquilamento, relagto de objeto interno e a formagao do superego arcaico ‘Defesas primitivas contra a pulsto de morte... A posigio esquizoparanoide, a inveja €.0 narcisismo deStrUtiVO .nnnmmnmnnnnmnnnnesnnnne 146 132 140 Capitulo V Da clinica pstcanalitica para uma metapsicologia, do sonko do soma O método de construgao de 2050" 183 153 “Caso” Maria, na espera do seitid© nem acac so 155 Renato, 0 ressurreto: o organismo eomega a pensar na saida da ruina psicdtiea 0. 162 Olimpia, a linguista som pelavras.. 168 Poliana, a mulher do jogo do content .m. oll “Cosa” Wales, da mga & pala, a constrigtio narrative do eu. i Tk Conclusio A fantasia somiiticn ¢ os niveis do fantasiar.. Fantasia somitica: imagos somatossensitivas © angiistia soma Os niveis do fantasia eo gradiente de eixo tpl. Referéncias .. Anexo T 209 223 Prefacio Em sua tese de doutorado em Psicologia Clinica, que hoje pros- pera para esta publicagao, Maria Luiza desenvolveu um trabalho sé- tio, censistente e original, de expressiva envergadura te6rica destacada articulagdo clinica, Professora em curso de formaczo de Psicanalistas ha muitos anos ¢ com longa experiéncia clinica, con- soguiu:twanswitr, de modo claro, as bases de seu raciceinio teérico ¢ os meandros de seu pensamento cliaico. Comprovou hipsteses © ehegou 2 conclusGes significativas em tomo de um complexe obje- to de estudo: a fantasia somitica, Mentificado como o nivel mais ar- caico e primério da fantasia inconsciente, expressa-se cm imagos somatossensitivas fundamentalmente alicergadas na ago da pulsto de morte operante desde o inicio da vida ¢ contando com a agio da ido nareisica paca ser desviada do organismo. Sto escassos os trabalhos académicos que conseguem atingir nivel de exceléncia de modo ase totnarem referéncia cientifica. Este, tno entanto, possui no apenas esta qualidade destacada, come am- plo potencial para tomat-se texto de pesquisa ¢ estudo para profis- sionais clinicos estudiosos da psicundlise. Sua atual publicagto viabilizara para um piiblico maito maior 0 acesso as ideias de Maria Luiza, possibilitando o amplo reconhecimento ¢ consequente conso- lidagdo dos conceitos que desenvolveu. Se as originais nogdes de angustia somdtica ¢ gradiente de an- istia, trabalhadas em sua dissertagdo de mestrado, tiveram sequén- cia em sua tese de doutorado acerca do novo conceito de fantasia 14 Eliane Michelini Marraccini “sontica, este trabalho académico hoje evotui para um livre que de vecd tomar se leitura impcrativa para aqueles que almejam aprofun- Jer o escopo teirico € 08 éeterminartes envolvidos em casos clinicos dle complexa abordagem. Fundarsentalmente pacientes que tém no cozpo um campo privilegindo de expresso, manifestagio © tues, Sevolador da impossibilidadc de processamento simbélico e elabora- do pela via psfquice. "Além do mais, este tivro é um belo ¢ merecido tributo ao pen= samento Kleiniano, que nfo perdeu modemidade e continua a estima lar indimeros seguidores, uma vez contendo ricas ¢ instigantes proposigdes teéricas e perspectivas essenciis para a clinics. Apes ia metapsicologia desenvolvida nesse eacopo tedrico, a autors no Geinou de conternplar¢ erticular conex®es com os meandros da teo~ Sia treudiana, bergo de inimeras ideias em que o pensamento kleiniano vanga, como serd detalhadamente exposto neste profunda pesguir a levacia a efeito por Maria Luiza. Alm de destacar os distintos mo- gnentos evolutivos em ambes as teorias, a autora ainda incorporou dois de alguns dos mais importantes seguidores de Melanie Klein, os quais desenvolveram ¢ fizeram frutficar suns noses inovadorss, Gontribuigdes valiosas para o corpo de conhecimentos psicanaliticos. ‘Nas distingdes que foi estabelecendo enire as teorias frevdiana ¢klciniana, Maria Luiza teve a feliz inspiracdo de referir-se as famosas Controversias que tiveram lugar no mundo psicanalitico centre 1941-1945, esclarecendo em profundidade os embates que cavalviam, Além disto, reviu as criticas sobre a nogto de inato nas concepsées Kleinianas para, muito apropriadamente, retomé-la como Gonhgesmento inconsciente inatamente disponfvel, pronto a ser isparado pela vivencia somética, a qual scré atualizada pele experigneis, aproximando-se, deste modo, & nogio das séries complementares proposta por Freud. Retomou ainda o clissico © ccoenefal texto de Susan Isaacs (1943) sobre @ natureza ¢ fungfo da fantasia, de modo a estabelecer distingbes preciosas para o conceifo inovador de fantasia somatica que desenvolveu. Retomando o original conceito de anguistia somitica, desonvolvido em sus dissertagio de mestrado em vertente freudiana, t: autora fo! arguitetando o conceito inovador de fantasia sometica, peutado pela noglo Kleiniana de fantasia ineonsciente, matéis-prima Pragamassa da reatidade psiquica desde o principio da vide ments) Prefécio 45 Insportante destacar que a pesquisa que levou a cabo se norteou pela onvicgdo de que a nogio de fantasia somatica, além de incorporar ti nogdo ce angiistia somatica, estaria compreendida no arcabougo twérieo das ideias de Melanie Klein, Embora sem ter sido, até ento, Identifieada e norneada, o que se constituiu em importante vislumbre de Maria Luiza. A partir dai, evoluiu para a proposta de distintos nniveis de fantasia, em que a fantasia sometica diz respeite Aquele mais primério e arcaico, Sendo vivido no some, vai compor 0 aue Iientificou como 0 “sonho do soma”, fazendo parte das vivéncias primérias de cada um de nés, que permanecem ativas, embora Inncessiveis & conscigneia sem que haja um trabalho elaborative que posse dar sentido e significado as imagos somatossensitivas (impressbes sensoriais interoceptivas ox proprioceptivas que s¢ Apresentam iscladas ¢ nao relacionadas entre si, pelas quais se descarrega a anguistia somatica) que compoem este fantasiar nomético, a matéria-prima do eu psicossonsético, segundo Maria Luize. Estas imagos somatossensitivas emergem sem serem representadas simbolicamente, e, portanto, sein conseguirem ser ponies om palavras, © estshelecimento de cistntos niveis do fantasiar } precioso para todos os que atuam na elinice, pois ajuda uibstancialmente a identificar as sutilezas da condigdo € dinamice priquices de pacientes dificeis, auxitiando ao menejo séenico ¢ no Teconhecimento do timing interpretative, estendendo-se para além los casos mais complexos que ilustram clinicamente os novos onceitos desenvolvidos por Maria Luiza. ‘Nio so pode deixar de notar sua vasta pritica clinica com pa- clontes graves, em especial aqueles que apresentam sintomas © ma- nifestagdes somtices, o que resultou na reuniao de material elinico texiremamente rico e pertinente ao tema que apresenta. Aliés, como Costuma ocorrer com os clinicos sensiveis, as questdes pelas quais illo levados a produzit investigagdes e pesquises académicas inevi- avelmente emergem de sua propria experiencia clinica. ‘Com alguns cases significativos e embleméticos, Maris Luiza hos demonstrou como é necessirio “sonar com” ¢ a perlir dos pa- colentes, em especial aqueles que se situam em um nivel de estrutu- tmgo psiquica e funcionamento mental exiremamente primitivo, onde hilo ha pensamentos nem palasras, mas onde ndo falta a fantasia, por primiria que possa ser, referindo-se especificamente & fantasia 16 Eliane Michelini Marraccini somética, Destaca a importincia de se eseutar este “sonho do soma”, desvelar o sentido que se encontra na angistia fo primaria~ mente vivida num soma que ainda nio é corpo, uma vez sendo br- giios que ainda nao se uniram de modo a constitufrem um ego somética, como nomeia. Um outro aspecto que se evidencia em scus casos clinicos é como o psicanalista necessite auxiliar 0 paciente a constituir subjetivamente 0 que no foi posstvel nos primérdios da vide mental, mais um importante aspecio da elinica kleiniana, que por intermédio de sua técnica “constr6i” desta forma em andlise. No tra- balho clinico, o psicanalista auxiliaria o paciente ne desconstrigo € reconstrugio das narrativas de historias de fatos deformados ou criados pela fantasia que conduzem a doenca em lugar da satide, este processo sendo identificado por Maria Luiza como “reconstrugoes de historia factual fantasistices na transferéncia”. Finalmente, deve-se enfatizar que esta psicanalista experiente se tornou pesquisadora/autota neste trabalho produzindo um rico rela- to narrative de seu percurse elaborativo, partindo da clinics em di- rego 4 teoria psicanalitica e constituindo uma metapsicologia que avaniga na postulagdo de novos conceitos, promissores para o per- manente avango da psicanélise. Profa, Dra. Eliane Michelini Marraceini Professora e Supervisora do Departamento Formagio em Psicandlise da Instituto Sedes Sapientiae ~ Sao Pavlo Antora de Encontro de mulheres: unta experténcia criativa no meio a vide (Casa do Psic6logo, 2001), Organizadora da coletdnea O Eu ‘em ruina: perda e faléncia psiquica (Primavera Editorial, 2010), Co- ongenizadore da coletinea Limites de Eros (Primavera Editorial, 2012) Introdugao Desde 0 inicio de meu trabatho clinico, em 1970, a clinica me Interpelave a respeito da importincia da questio da angtistia e de suas mnanifestagdes sométicas. Inquietagdes persistentes e continuas me ncompanharam a partir da clinica de pacientes que apresentavam mnifestagdes somAticas que necessitavam ser compreendidas. Em trabalho anterior (Persicano, 20042) emergiu 9 conceito de angustia ssometica,’ com foco em win diélogo com a metapsicologia freudia- tna econémica da angéstia. Identifiquei, em 2004, que # angistia tem varias faves, que se- gue evolutivamente por trithas diversas, psiquicas ¢ somaticas, que fo transmutam ummas nas outres € que so, assim, uma unidade. As (rithas psiquicas da angistia seriam aquelas costumciremente reco- tnhecidas pela psicandlise, mas demonstrei uma trilba somatica da amgistia: uma engastia que se poderia dizer nao s6 se manifestar no soma, mas, sim, que se manifestaria como o priprio soma,? enquanto 1. Neste obra serd usado o itlico sempre que me referir a este concelto Usando 9 expresszo terminoidsica angdstia somstica, 2, O sentido adotado neste trabalho para o termo soma segue 0 adotaco na dlssertac¥o de mestraco. Some & 0 conjunta de tecido do corpo viva, que ‘mantém e transmite 0 germe, que é 0 elemento de perpetuacso da es- Décle; 0 organisma tomade came expressio material, em oposicéo as fungbes etguices. Este sera retomado no capitulo T 18 Maria Lulza Scrosoppl Persicano soma. Ha uma evolugio da angistia em que esta anguistia somdtica seria 0 polo evolutivo mais arcaico da angistia ¢ do psiquismo. Propus ‘um soma-pulsflo, unm soma intensidade pulsional, tomado este soma como representante afetivo, quemtitativo, da pulsao, Um soma-angtis- tia, ¢, portanto, de um soma que pode vir, ou nfo, a se tornar sujeito, Nagucla ocasio cm detive em compteender ¢ em desenvolver metapsicologicamente a questio das manifestagbes somaticas atr vés da obra de Signtund Freud, recorrendo ainda, em alguns momen- 105, as contribuigdies de Jean Laplanche © André Green a respeito da temética da angtstia em Freud. Entretanto, continuei sendo instige- da, pela propria clinica, « continuar pesquisando o tema da anguis- da somdtica, ampliando a metapsicologia, agora para alm da obra freudiana. As conclusdes metapsicol6gicas relativas & conceituagio econdmica de uma anguistia somética me conduziam a interrogar como ficaria esta tltima na teoria psicanalitica da fantasia incons- ciente de Melanie Klein, pois esta se me apresentava sempre de modo peculiar na clinica de pacientes que apresentavam manifesta- goes somaticas. Na verdade, como minke clinica psicanalitica segue sobrema- neira 0 método Kileiniano de acompanhar a trilha da angiistia ¢ da fan- tusia inconseiente, as indagagOes me conduziam a objetivar para este trabalho, jd com 0 cabecal adguirido com a metapsicologia freudia- na, a me debrugar agora sobre 0 que considero ser a metapsicolo- kia kleiniana da fantasia inconsciente, para compreender o lugar da angustia somatica neta. Meu objetivo mais gerel, aqui, éo de retomar e rever o conceito econdmico de angtistia somatica, que segue um referencial freudia- no, agora pela ética da teoria kleiniana da fantasia, visando compor uma elaboragdo das ideias fundamentais deste conceito e problematizé- -las frente 20 novo esquema referencia]. Parece-me que a teoria klei- niane da fentesie ineonsciente de algum modo comporta este conceito de angustia somatica dentro do bojo da teoria da fantasia, sem que Melanie Klein tenia desenvotvido ou mesmo nomeado tal conceito. Dai o interesse em examinar se haveria algum [uger para a fan- tasia inconseiente no conceito de anguistia somatica, que fore, em 2004a, definido economicamente pela descarga pulsional ¢ pelo va- Zio psiquico de representagdes e imagens, enquanto, a0 contriirio, 0 conceito Kleiniano de fentasia inconsciente exige a presenca imagens Introdugao 19 de objeto (imagos) as quais se apresentam indissoluvelmente ligadas A anngiintia, (0 objetivo foi se circunserevendo: testar a eficdcia ¢ a defini- lo do. conceito de angusta somética xo pensumen(o Keiniano e im- lamentd-lo metapsicologicemente dentro de sua teoria da fantasia. ‘Tudo isto me colocou imediatamente na definigdo do objeto de sudo: « fintasia inconsciente no pensamento kleiniano ¢ o lugar da stla somAtice na mesma, ‘Anwim, fui levada a investigar duas hipdteses gorais opostas: jt ‘dofinigao de anguistia somaitica implica auséncia de elaboracio qulca, se seria possivel que a angustia somdtica fosse uma engis- om u presenga da fantasia inconsciente, contrariando 0 pensa- Wénto Kiciniano; ou avaliar se ela seria possivel dentro da teoria da Ninsin inconsciente e se isto viria a significar que a fantasia incon le poxleria chegar a ter um estatuto de somatico. Bin consequéncia destas hipéteses mais gerais, fui levada a in- Igur bipoteses mais espectficas: de a fantasia primirie? ser aquela Iga o soma & psique € de as fantasias primérias poderem sez, ou » composias de angustia somatica, o que poderia dar a esta um ntido, mas sem a elaboragio psiquica como esta € pensada atra- do ponsamento freudiano. Ou ser @ fentasia priméria composta “angistia somética e setem amibas sem sentido para o psiquismo ybebé ou de quem as vivencia. Ou ser a fantasia primaria um es FA expressto fantasia priméria seré utlizade neste trabalho para se refe Hr Ap mois primitivas fantasias, © as fantasias sométicas sero aqul en- Wundider como ae mals arcalcas cestas, que operam desde o ralar d8 ido bebt, A cescrigda feromenclogica destes fentasias & feita com or Hanna Segall (1993), que es denomina de fantasios fsicas matices. Pera ela, estas fantasias a0 descritas como uma idnela tsca, Prefira o terme somatico a fisco, pols este ditime pos- I ume concretude estética, 20 contrario de sama, que indica o vivo LM tras cenoninets uicssomic, pa aycaa a0 concsto do ipuatia somdtica, & angustia somdtica em sus definigdo rnetapsicolégi- fn no 6 pslcossomdtica, A fantasia que pesquiso na angdstia somézice, ho esta, nSe pode scr considerada psicossométice. Psicessométlco RiImplicaria ainca retomar a cvalldede psique e soma, Estes dols temas Hilfe epontedos no capttula TO esclarecimento metapsicclégico do que Ham fantasiae primérias somsticas serd objeto co desenvolvimento 20 Marie Lulza Scrosoppi Persicano lado de angustia somatica ¢, portanto, estas fantasias também sto somiticas. Ou ser a angustia somdtica wm estado sem fantasias se- quer primarias, por ter havido inibigao precoce no fantasiar. Ou to= das estas possibilidades conforme 0 caso estudado. Estas hipéteses gerais conduziram a uma mais especttica a res- peito da possibilidade metapsicolégica de um fantasiar somético. A partir daf, passei a focar nesta hipétese: a me perguntar se, quando a angistia é um fenémeno somético (angustla sometica), a fantasia priméria correspondente poderia ser totalmente somitica, mas isto sem dispensar a exisitneia de imagens nestas fantasias. A hipétese & de que tal fantasia estaria sob a forma de sensorialidades ou ima- gens sensoriais conerlas ligadas & anguistia somatica. A seguit passei a investigar que tipo especifico de imagem estaria presente na figura- bilidade de que é feito este fantasiar, que seria o fantasiar primrio, As intensidades afetivas,* que na angtistia sometica permanc- cem sem sentido representacional, apenas como representantes afe- tivos em descarga, parecem, ern uma leitura kleiniana, acompanhadas de imagens proprioceptivas ¢ interoceptivas do some, nunca sendo totalmente vazia de imagens. Tenho encontrado em minhas evidén- cias clinicas que a fimtasia inconsciente & vazia de imagens visuais © auditivas, mas cheia de imagens pré-visuais, Primeiramente, im- pressdes de sensorialidade exteroceptiva’ pré-visual: impresses ou imagens olfativas (que acorpanham sensegdes olfetivas), imagens gustativas (que acompasinam sensaedes gustativas) ¢ imagens téteis (que acompanham as sensagdes téteis). Mas, sobretudo, as impres- s8es, também no visuais, de sensorielidade interoceptiva’ e proprio~ ceptiva:’ imagens sinestésicas ou musculares (sensagdes de Segundo a concepgHo acondmica de Freud, Intensidades pulsonals (queatum de afeto) provindas de fonte do elemento somiticos 6 Intensk- ives orn de ferte ce eaimuge do mais externa, sebeiodo ou tro, que afer © puiten . A tensertldege extereceptiva & aquola quo entra am cortato com 3 es forthe every vane o mnt anda 5. Acenserialicada interocetive & aque qe entra em centot com ett Imulogbes derivades dos sstemes digestivo, rapist e ercultio. . W'Sensorialiade propracestive € aquele ave entre em contato com es timulagbes dos mdsculos,tanaBes, juntas ic, envolvigas na diseImic nage Sa poco e do movimento d corp. Introdugéo 2 movimento muscular estriado), imagens ow impressGes viscerais & (deumydes de musculatura lisa dos érglos), imagens vestibulares, [mnyors de sensagdes de temperetura ¢ de sonsagdes de dor. Lovarei em conta que Melanie Kiein tem uma proposta de que ‘Qanulisia cscute 0 some através da escuta da angiistia ¢ da fantasia, EConnidcrarei que, para ela, o soma ¢ visto como campo de batalha art © processo do fantasiar, € o Jocus em que as fantasias incons- Jostien se encenam originariamente, Assim, desembocarei na hipé- wo cle se 2 angiistia somdtica 40 percorter 0 soma, 0 transforma ‘oumpo das fantasias inconscientes, ao fixar-se As imagens sen- orinix pré-visuais e pré-auditivas. Investigarci se este soma, que foi B alravessndo c constituido pela angustia somdtica, pode ser designado jgomo yonlhar do soma, um Isso que foi encenado imageticamente. prtir dat, « hipdtese decorrente a ser aqui averiguada de que o Oro fTsico nko existe isoladamente, mas que desde o inicio da vida £5 orgunismo é soma fantasiado, soma inconsciente pritaério Kleinia- Eno, im estado de base do incorsciente primério freudiano, do real lp Inso, prévio ao recalque originario, a hipdtese da existéncia de soma vivo vivenciado como urna série de imagens sensorizis ol- las, gustativas, tteis, sinestésicas e interoveptivas, que dariam a Hnindtio-prima ao fantasiar, ‘Assim, tenho como hipétese fundamental que a anguistia soma- Hen ostaria fxada a imagens sensoriais pré-visuxis ¢ pré-auditivas € us ito seria fantasia priméria somatica. Considerando 0 texto Klei- nlano verificasei a angiistia sondtica na consttuigio de Fantasias in- onscientes primarias e demonstrarci um gradiente de anguistia ‘determinando niveis de complexidade de fantasias. ‘Adotarei como ponto de partida, neste traballo, que @ matéria~ sprima de um “caso” no é um conhecimento ja existente, mas é 0 {ue resiste ao saber, & técnica e & teoria conhecidos pelo analiste e, E portanco, ¢ 0 que surpreende o analiste, promove nele indagagtes e, A partir destas, construgdes meiapsicolégicas. EntZo, na pesquisa em paleanilise temos dois tempos. A partir da clinica, a escrita do “caso” Pd uma construgio narrative, Jé quando, a partir dai, se escreve teo- E tha, consiréi-se metapsicologie. "Aqui, a narrative de “caso” seri tomada como um falar da eli Iilen que nao pretende ser um falar imagindrio do paciente, que ex- olui o analista, mas sim um escrito construfdo pelo analista que 22 Maria Luiza Scrosoppi Persicano este, teoria. Todos 08 pontos de pesquisa metapsicoldgica, serdo tratados pelo método de estabelecer contraposigdes e contrapontos entre a ‘metapsicologia freudiana e kieiniane a respeito dos mesmos, visando

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