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Livro Filosofia Da Ciênciao À Publicação
Livro Filosofia Da Ciênciao À Publicação
da filosofia
à publicação
Gilson Luiz Volpato
Ciência:
da filosofia
à publicação
6a edição
São Paulo, SP
Cultura Acadêmica
2013
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Ciência: da filosofia à publicação
Copyright @ Gilson Luiz Volpato, 2013
www.gilsonvolpato.com.br
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-7983-282-6
CDD 001.42
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HOMENAGEM PÓSTUMA
DEDICO este livro à educação brasileira. Aquela educação que me permitiu ingressar
numa universidade pública de bom nível. Aquela educação que me fez fascinar-me pelas
trilhas da ciência. Aquela escola pública na qual, muitas vezes, aprendi nos livros de
meus próprios professores. Aquela educação valorizada e competente. A educação
brasileira do ensino primário, ginasial e colegial, que vivi até o ano de 1974. Essa
mesma... a educação pública do ensino fundamental e médio que vi morrer, sucateada
por idéias medíocres e de ganância lucrativa. A educação brasileira que tivemos, de
excelência, e que poucos, mas poderosos, quiseram que não sobrevivesse. Se hoje somos
um país com educação pública sucateada não é porque não tivemos a competência de
construir a excelência, mas simplesmente porque ela foi assassinada por interesses não
educacionais.
Se hoje lhes escrevo este livro, é porque nasci no momento ainda certo, quando o
pobre podia receber estudo pré-universitário de primeira linha. E faço esta homenagem
porque os jovens precisam saber que houve um tempo em que nossa educação básica e
fundamental pública e gratuita era a excelência, mas foi sucateada, assassinada. Esse foi,
sem dúvida, o pior crime cometido contra nossa nação.
Será que, em breve, terei que homenagear também a universidade pública brasileira?
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AGRADECIMENTOS
SOBRE O AUTOR
Para que os leitores conheçam um pouco mais sobre os motivos que me levaram a
escrever este livro, tenho que reportar sobre minha ida à ciência. Na vida pré-
universitária já tinha o sonho de ser cientista, sem mesmo saber exatamente o que isso
significava. Tinha o sonho de construir leis gerais, teorias... construir o saber novo.
Fascinavam-me os animais e eu duvidava que mesmo aqueles pequenos animais de
jardim, com os quais eu passava horas brincando, pudessem ser apenas autômatos. Essa
inquietação, mais as disciplinas de Biologia e Psicologia no colegial1, me firmaram o
desejo de estudar o comportamento animal. Felizmente era um curso oferecido pela
Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu (FCMBB), cidade na qual eu
residia e, portanto, um curso possível de ser feito por alguém de classe média baixa.
Entrei na FCMBB que, no ano seguinte, se tornou, sob os protestos de alunos, docentes
e discentes, a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, a UNESP.
Minha preocupação com a ciência e o comportamento animal me conduziu à busca
por estágios. Numa ocasião, procurei um professor da área Zoológica para fazer estágio,
pois tinha coletado em minha casa alguns dados sobre o comportamento de abelhas e
precisava de orientação. Para minha surpresa, esse professor ignorou meus “achados” e
me propôs colocar porções de água com açúcar próximo à colmeia para ver como as
abelhas iam àquele local. Disse, inclusive, que eu deveria ir afastando essa fonte de
alimentos e que as abelhas marcariam os locais sem se perder dele. Ora, ele me
propunha a ver algo que já se conhecia. Isso me desmotivou completamente, o que já
revelava minha paixão pelo novo, pelo inusitado, característica importante para quem se
aventura na Ciência. Felizmente, um ano mais tarde conheci o Dr. Katsumasa Hoshino,
um exímio educador e cientista
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Na versão moderna, Ensino Médio.
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e, talvez por ser psicólogo, conduzia muito bem a formação de um novato. Foi aí que
iniciei minha formação científica. Foi também aí que tive meus primeiros contatos com
a Filosofia, a Ciência, o estudo do comportamento animal... e de tudo isso me orgulho
muito. Fiquei sob essa orientação durante os últimos anos de minha graduação e toda
minha pós-graduação. Mas um mestre será sempre um mestre!
Certa vez, na volta para casa, o prof. Hoshino me disse que eu era um dos poucos de
seus estagiários que tinha interesses gerais. Eu não entendi se isso era bom ou ruim.
Parte deste livro nasce de minha intenção, ou pretensão, de mostrar algumas portas
para o caminho da ciência àqueles que, porventura, não sejam ou não tenham sido
agraciados com uma orientação adequada. De fato, o que discuto neste livro é o mínimo
que deveria ser contemplado numa boa orientação de Iniciação Científica e Pós-
graduação.
Minha busca por leis gerais me conduziu a acreditar, no início dos anos 80, que a
ciência deveria ser internacional. Isso balizou minhas publicações. Eram em inglês e
sempre priorizei o alcance internacional dos periódicos. Isso foi feito na pura crença
sobre o fazer ciência, pois ainda não chegavam até nós as pressões por publicações,
muito menos pela qualidade do periódico ou citações de nossos artigos. Era um ato de
fé, uma questão de amor à ciência na sua vertente geral e internacional. Meus estudos
sobre filosofia da ciência reforçavam esse caminho.
Minha batalha pelas publicações de boa qualidade foi marcada por muitos insucessos,
mas felizmente por alguns sucessos que me sustentaram nesse objetivo. As publicações
internacionais foram feitas com meus estagiários, que mais tinham a aprender do que
ensinar. Foi uma batalha dura e só mais recentemente, a partir de 2003, iniciei
publicações internacionais junto com cientistas destacados. E foi o suor desse
aprendizado, aliado à minha constante vontade de ensinar, que me colocaram no
caminho dos cursos sobre redação científica.
O primeiro curso formal sobre este assunto foi em nível de extensão universitária, em
1986, para alunos de graduação, uma empreitada que dividi com a Dra. Maria Lúcia
Negreiros Fransozo. Depois disso se seguiram outros cursos e, na pós-graduação, minha
primeira disciplina foi em 1989, junto ao Centro de Aquicultura da Unesp, em
Jaboticabal, SP. Havia apenas 4 alunos (um era meu doutorando) e as aulas eram
ministradas quinzenalmente às sextas-feiras. No ano seguinte, o número de alunos foi 8
e no próximo 22. A partir daí, a quantidade de alunos se manteve sempre crescente.
De meados da década de 90 até o final dessa década, a questão da publicação
científica se tornou parte integrante da carreira científica. Após a virada do século, isso
foi reforçado e continua num crescente que, conforme discuto neste livro, felizmente
tem acompanhado a evolução filosófica na ciência, com critérios cada vez mais pautados
pela qualidade e não pela quantidade.
Em 1998, já com grande demanda para ministrar cursos e workshops sobre redação
científica internacional, procurei reduzir essa pressão publicando meu primeiro livro... aí
nascia o Ciência: da filosofia à publicação. A partir daí, a carência da sociedade
científica brasileira sobre este tema, nas três grandes áreas do saber, me impulsionou
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cada vez mais para esta apaixonante missão de formação de cientistas, por meio de uma
avalanche de palestras, cursos, debates, e-mails e mais livros e, finalmente, a Internet.
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www.gilsonvolpato.com.br – Em 1 ano, recebeu cerca de 40 mil visitas
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@gilsonvolpato
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É uma felicidade poder entregar-lhes a sexta edição do meu primeiro livro, o Ciência:
da filosofia à publicação. Este livro nasceu da vontade de ensinar os passos necessários
para se formar um cientista.
O Brasil se depara com uma encruzilhada. Seremos independentes apenas se
conseguirmos um discurso superior para com o restante do mundo. A globalização torna
esse processo mais urgente. Como este país maravilhoso poderia conseguir tal
independência? A ciência e a educação são, sem dúvida, um caminho genuíno. Não
conheço qualquer país desenvolvido onde não haja ciência e educação de boa qualidade.
É o pano de fundo necessário. Mais ainda: não há tecnologia de ponta se não houver
conhecimento de ponta... e é a ciência que produz esse conhecimento, é a educação que
possibilita essa ciência.
Nós, porém, nos perdemos nas raízes de nossa cultura, de nossa formação. As regras
da ciência internacional são ditadas pelos países mais fortes; seguem seus vieses
culturais. Entrar nessa luta significa seguir essas regras. É uma luta de culturas. Na
ciência temos que ser objetivos, diretos e lógicos, mas esse não é o nosso pano de fundo.
O brasileiro é prolixo, vem de formação prolixa. A ciência não admite jeitinhos,
improvisações, superficialidades, mas esse também não é o pano de fundo de nossa
sociedade. Entrar na ciência internacional requer mais, muito mais. Querem
internacionalizar a ciência, mas não internacionalizam a administração da ciência nem a
seriedade e competência governamental. Nossa tarefa requer uma conversão de postura.
Essa é a nossa dificuldade. Não é o inglês, é o pensamento.
Nossa sociedade parece estar tomando o rumo errado. Temos uma pós-graduação que
não forma cientistas, apenas doutores, seres especializados em produzir teses e artigos. E
basta fazer a tese para receber o título. Temos um grupo de coordenadores mais
preocupados com a Capes do que
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com a ciência. Temos nomes importantes fazendo diagnósticos equivocados, mas sendo
ouvidos e conduzindo milhões. Temos uma educação universitária sendo assassinada em
nome da democracia, da inclusão e da demagogia. Temos uma sociedade de ilusão, do
faz de conta, um país das aparências. Não precisa ser, basta parecer. Basta produzirmos
números, a qualidade não importa.
Minha andança pelo cenário científico brasileiro é vasta. Iniciei essa minha jornada
no ensino da ciência e da redação científica nos idos de 1986, há 26 anos. Meu primeiro
livro nessa área, nascido em 1998, já surgia na ingênua expectativa de que pudesse
reduzir as viagens para cursos e palestras, pois estavam se tornando muito numerosas.
Nos últimos 10 anos esse número tem sido imenso para uma única pessoa, algo em torno
de 60 a 80 por ano nas instituições públicas, com uma agenda que se fecha com quase
um ano de antecedência. Nessa demanda e contato, falo e converso com milhares de
cientistas e simpatizantes a cada ano. Vejo seus problemas, suas angústias, suas falhas,
seus sonhos e seus potenciais, seus olhos brilharem e chorarem. É uma riqueza
insubstituível. A amostragem é ampla, do interior dos estados mais pobres até as
universidades mais nobres de nosso país. Do menos experiente ao orientador expert.
Essa base é forte. Ela bate duro aqui dentro e me diz: as propostas de correção para
nossa sociedade científica estão no caminho errado. Democratizar a qualidade científica
é uma meta que o Brasil não pode ignorar. Os números devem refletir qualidade.
Queremos mágica, queremos qualidade sem investir em qualidade. Queremos uma
comunidade de cientistas de nível internacional sem darmos a base necessária. Vejam o
que ocorre no esporte olímpico brasileiro; o gene é brasileiro, mas a formação
geralmente é obtida num país desenvolvido. E querem repetir isso na ciência. Mas essa
fórmula, além de irresponsável e incompetente, é paliativa. Nossa sociedade precisa
respirar ciência, respirar ensino de qualidade, respirar cultura. O produto será
conseqüência.
Como produzir um percentual de cientistas de alto nível digno do tamanho de nossa
população? Não pode ser um processo casual. Dinheiro temos, falta-nos direção.
Vontade temos, faltam-nos oportunidades. Mas, falta algo mais... faltam mentes
brilhantes, desafiadoras, empreendedoras, que saibam conduzir este processo.
Precisamos de medidas competentes, de pararmos de tapar o sol com a peneira. Não
vamos criar essa sociedade apenas abrindo as portas das universidades. Isso só destruirá
o que ainda resta de ensino público de qualidade em nosso país. Temos que entender que
junto com essa abertura de portas deve vir, inexoravelmente, um ataque maciço,
restaurador e transformador na educação de base, a pré-universitária. Sem isso, todo o
restante é demagógico, apenas para produzir robôs da ciência e números para os donos
do mundo.
Neste livro me debruço a ensinar a ciência que acredito. Não há fórmulas mágicas
para que passemos a publicar em revistas internacionais de alto nível, nem para que
nossas revistas científicas passem a dominar o cenário internacional. Mas há um
caminho sério, não demagógico e competente. Ciência forte pode produzir pesquisa
forte; e esta pode se desdobrar em publicações de alto nível. Se isso é conseguido,
teremos matéria-prima (conhecimento e pessoas) insubstituível e necessária para a
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construção de um país de primeiro mundo. Plantar isso não é fácil, mas é urgente e
necessário. A visão atual não quer plantar um pé de jequitibá, mas quer visualizar sua
beleza e descansar à sua sombra. O futuro não é mágico; precisa ser construído. Se não
plantarmos os jequitibás hoje, eles não darão a beleza e o esplendor de sua existência
daqui a alguns séculos. É necessário plantar para além
de seus olhos, para aqueles que não conheceremos. É esse o mundo que temos que
construir. É essa a ciência que temos que almejar, pois dela brotam os frutos de uma
sociedade justa, inteligente, competente e feliz. E é o fazer desse mundo que inaugura
um mundo presente e real já noutra direção.
A primeira parte deste livro aborda a Filosofia, pois é a arte maior, o pano de fundo
daquilo que fazemos. É esse refletir que nos dá vida e nos faz entender a própria vida. A
segunda parte trata da ciência, da formação do cientista. Primeiro um diagnóstico do
quadro, em que mostro como deformar um cientista. Nos capítulos seguintes, me
debruço na tarefa do fazer ciência. E concluo com um último capítulo sobre como
formar um cientista. Essa é a proposta do livro, desde sua primeira edição, mas
temperada por um mundo de informações e experiências que espero trazer, a cada nova
edição: um tempero especial para uma receita milenar.
Gilson Volpato
Setembro de 2012
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PRIMEIRAS PALAVRAS
Mas o que é fazer ciência? Por que apenas alguns se destacam enquanto outros
desistem? Qual o caminho? Certamente são perguntas cujas respostas, se existem, não
são simples nem completas.
A atividade científica pode ser comparada à atividade de um músico que compõe para
uma orquestra. Ele deve coordenar uma série de instrumentos para que soem de forma
harmoniosa. Um som nunca é certo ou errado, apenas adequado ou não, dada a intenção
no momento da composição. Os instrumentos têm suas especificidades, mas há um
objetivo que os une (a música em apresentação). O sentimento do compositor necessita
ser interpretado. O som produzido não é inerte, pois afeta sentimentos, processos
humanos, pode mudar uma história. A música é escrita objetivamente numa partitura,
mas interpretada com subjetividade.
E o cientista? Neste livro mostro a validade do paralelo. Adiantarei apenas alguns
aspectos gerais. O cientista rege uma série de atividades (técnicas, perguntas, palestras,
dados coletados, testes estatísticos, redações, pressupostos filosóficos, formação de
pessoas, ensino, divulgação de achados, atividades administrativas etc.) que, no
conjunto, compõem a atividade científica. Como na música, cada som é fundamental,
mas no momento certo. Os excessos podem soar inadequados. Na orquestra, não se deve
priorizar os violinos em detrimento do triângulo, pois suas qualidades são insubstituíveis
em determinados momentos. Da mesma forma, não se relega as questões filosóficas,
nem se valoriza sobremaneira as potencialidades estatísticas. Tudo tem uma função que,
devidamente integrada, promove a ação dos grandes mestres.
Mas como encontrar o equilíbrio? O compositor não sabe tocar todos os instrumentos
que usa. Quem toca os instrumentos não necessariamente compõe melodias. Mas para
compor uma música (letra, melodia, acompanhamento, arranjos) é necessário conhecer a
essência das partes, suas potencialidades e funções.
É essa visão holística de ciência que se perde com a produção em massa propiciada
por uma desenfreada corrida de rankings. Nossa pós-graduação tem primado a formar,
em sua vasta maioria, técnicos especializados que, com suas visões estreitas e poderes
crescentes, tiram a beleza da ciência, da descoberta, transformando-a numa atividade
essencialmente técnica. E o culpado não é a ciência, mas a prática científica inadequada.
Este livro não livrará nossa ciência desse problema. A intenção é bem mais modesta.
É mostrar aos cientistas alguns equívocos e crenças científicas, além das potencialidades
lógicas da ciência (o que nos leva a uma atividade bem mais humilde) e as ligações
inexoráveis entre a prática científica e o pano de fundo filosófico e social. É nesse
universo que o desafio a entrar. Muitos precisarão de coragem para romper pré-
conceitos e experimentar uma nova reflexão, uma nova prática.
Toda atividade científica reflete, queiramos ou não, uma posição teórica. O problema
ocorre quando o cientista não percebe tais ligações, alienando-se nos escombros da
prática da pesquisa. É por essa razão que este livro aborda primeiramente as bases
filosóficas da ciência,
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PARTE 1
DA FILOSOFIA À CIÊNCIA
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O que segue foi bastante baseado na excelente obra de Bryan Magee (2001). Esse autor é filósofo e
se destaca pela forma simples e precisa com que divulga a filosofia da ciência. Acrescentei a esse pano de
fundo maior, outras informações, muitas delas vindas, ou entendidas, a partir de Atkinson (2011),
Blackburn (2008), Feitosa (2004), Oliva (2003), Ronan (1987 – 4 volumes), Franca (1978) e Russell
(1977 – 4 volumes).
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O INÍCIO
Séc. VI a IV a.C. – PRÉ-SOCRÁTICOS
A filosofia surge quando o homem começa a querer entender o mundo por meio da
razão. Isso significa que ele usa seu raciocínio (razão) para explicar o mundo. Mais do
que isso, ele procura não se valer de abordagens teístas (religiosas, onde Deus é o
elemento que usamos para explicar as coisas), da autoridade6, da revelação (mitológica
ou religiosa) e da tradição (sabe-se que é assim, costuma-se explicar dessa forma, os
antecedentes assim explicavam). Ela surge na Ásia, mas só depois chega a Atenas, o
berço mais reconhecido da filosofia ocidental. Os pré-socráticos eram teorizadores
ousados. Buscavam levar às últimas instâncias o raciocínio sobre as coisas. A ênfase era
no entendimento do mundo, e não do homem (a partir de Sócrates, essências do homem
entram nessa discussão).
Tales de Mileto – Havia um único elemento que compunha tudo do mundo. Esse
elemento era a água. Tudo é feito de água.
Anaximandro (Séc. VI a.C.) – A Terra tem forma cilíndrica (nós ficamos no lado plano
do cilindro; ou seja, a Terra é plana, que era a informação mais corriqueira que se
tinha sobre o planeta) e flutua no espaço (possivelmente uma forma de se entender o
céu e o movimento dos astros e estrelas).
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Resumido em Volpato (2011).
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Um argumento de autoridade (= argumentam ad verecundiam ou argumentum magister dixit) é o uso
da respeitabilidade de quem fala como elemento fortalecedor daquilo que se diz. Na ciência moderna,
resquício disso é visto quando se atribui verdade a uma informação simplesmente porque ela foi expressa
por um “especialista”. Se quem fala tem algum atributo muito bom, então o que ele fala deve ser verdade.
Trata-se de uma falácia lógica. Um derivado dessa falácia é quando a autoridade é atribuída a coisas
inanimadas (por ex., a uma revista científica de renome: se está nela, então deve ser verdade).
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Pitágoras (Séc. VI a.C.) – Busca explicar o mundo por meio da matemática. De sua
abordagem, busca-se encontrar relações matemáticas entre as partes do mundo.
Acredita-se que tenha sido o criador da palavra Filosofia. Deu o significado usado
atualmente à palavra Teoria e aplicou a palavra Cosmo para se referir a Universo.
Acreditava na reencarnação.
Parmênides (Séc. V a.C.) – Discípulo de Xenófanes. Assumia que tudo que existe deve
ter sempre existido. Ou seja, rejeita o conceito de ter havido algum “nada”. Assim, o
mundo é algo monolítico (plenum, um bloco) e as mudanças são transformações
dentro desse bloco – um sistema fechado, imutável em seu conjunto (mudam-se
partes e relações, mas não o conjunto, o bloco monolítico). Esses conceitos foram
debatidos mais tarde, no século XX, por Einstein e Popper.
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Seria um precursor da abordagem dialética e da dinâmica?
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A explicação teleológica baseia-se em finalidades. O vapor pode ser uma finalidade da água frente à
temperatura; o coração bate com a finalidade de impulsionar o sangue; a mão existe para que possamos
pegar. Numa visão contrária, a temperatura faz a água evaporar (o vapor é conseqüência); pelo fato de o
coração bater, o sangue é impulsionado; pegamos as coisas porque temos mão.
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Discípulo de Sócrates. É o primeiro filósofo cujas idéias têm registros escritos. Sua
filosofia dominou a Europa por 6 ou 7 séculos. Ocupa-se do homem e do mundo (uma
junção de objetos de interesse entre os pré-socráticos e Sócrates). Para entender esse
universo, considera fundamental o uso da matemática e da física.
Concorda com Sócrates que devemos pensar por conta própria (nada é óbvio, tudo é
sujeito a questionamento). É precursor do racionalismo (séc. XVII e XVIII) na
concepção sobre
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Via com muito bons olhos as críticas, ao contrário do que existe hoje, em particular em algumas
sociedades, como no Brasil. Veja que aqui muitas pessoas iniciam uma crítica dizendo que “não é crítica
não...”; isso ocorre porque a crítica não é bem vista. Mas Sócrates alimentava a crítica como algo bom
para o “bem pensar”. Na ciência, oficialmente, a crítica é bem vista... mas apenas oficialmente. Na
universidade brasileira, a crítica é tratada como em qualquer outro setor de nossa sociedade.
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Sua casa era chamada “Academia”, possivelmente de onde se originou o sentido de academia para
os dias de hoje. Era o local onde adultos aprendiam (ensino superior).
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como entender o mundo. Para ele, havia dois mundos: um concreto, sensível, e outro
ideal, abstrato, do qual as coisas que temos em nosso mundo são meras cópias (imagens
imperfeitas). Assumia que esse mundo abstrato tem uma ordem perfeita, que pode ser
lida pela matemática. Esse mundo ideal eqüivale à nossa alma e é composto de formas
perfeitas e imutáveis, consideradas divinas. O mundo que podemos apreender está
sempre em transformação, sendo decadente e imperfeito.
Note que na visão de Platão esse mundo imaterial, ideal, não existia como
conseqüência da crença num deus; ele era concebido a partir de uma argumentação
filosófica racional. Seu discurso não necessitava da existência de deuses. Ele é
fundamentalmente um racionalista; considera o ser humano dotado de intelecto, que
governa a paixão e a vontade. Ou seja, tudo é subordinado à razão.
Considera a arte uma forma de enfatizar o mundo por meio de nossos sentidos (em
oposição às idéias, à razão). Por isso considera que o artista nos desvia de nossa vocação
principal, que é o conhecimento do mundo das idéias.
Esse mundo ideal é sumarizado no Mito da Caverna. Imagine uma caverna que
contém prisioneiros acorrentados que olham para o lado oposto ao da entrada. Eles não
vêem o que se passa lá fora. Porém, as coisas que passam pela entrada da caverna
produzem sombras na parede à frente dos prisioneiros. A partir delas buscam interpretar
o que existe lá fora. Lá fora é a realidade que, para Platão, seria o mundo das idéias. O
que o nosso sentido nos mostra (as sombras) é enganoso. Se um desses prisioneiros
escapa e tem contato com a realidade lá fora, mesmo que retorne à caverna não
conseguirá convencer os demais a respeito do que viu. Não conseguirá convencê-los de
que o que vêem não corresponde à realidade. Será, no mínimo, ignorado por eles ou, no
máximo, morto por eles, que os considerariam um louco.
Até aqui vimos que a filosofia era fundamentalmente racionalista, ou seja, entendia-
se o mundo a partir do pensamento, sem sermos contaminados pelas enganosas
experiências vindas de nossos órgãos sensoriais. Aristóteles inicia o pensamento
empirista, que origina a Ciência no séc. XVII. Ele considerava que nossas experiências
sensíveis (vinda dos órgãos sensoriais) são relevantes e devem ser usadas para
entendermos o mundo. No século seguinte, Kant concilia em sua abordagem o
pensamento de Platão (racionalista) e Aristóteles (empirista).
Aos 17 anos, iniciou seus estudos na Academia de Platão. Rejeitou os dois mundos
de Platão. Acreditava apenas no mundo que vivemos e vivenciamos. O que estiver fora
de nossa experiência não é nada para nós. Fora da experiência vagamos para a conversa
vazia. Descarta as formas ideais de Platão. É o prelúdio da necessidade da experiência
sensível (empirismo) para a construção do conhecimento (veja Francis Bacon adiante).
Diz que não devemos aceitar explicações que neguem nossas experiências. O
entendimento dessas experiências é a causa final de nossas investigações. E precursor do
pensamento empirista (séc. XVII e XVIII).
Investigou sobre Lógica, Física, Ciência Política, Economia, Psicologia, Metafísica,
Meteorologia, Retórica e Ética. Definiu vários termos (energia, dinâmica, indução,
demonstração, substância, atributo, essência, propriedade, acidente, categoria, tópico,
proposição e universal). Sistematizou a lógica, definindo formas válidas de inferência
(lógica Aristotélica).
Pergunta-se sobre o que é ser. Conclui que as coisas possuem uma parte material
(estrutura) e uma parte imaterial (forma). A forma diferencia as coisas materiais. Para
ele, a forma é algo deste mundo e não algo de outro mundo, como se referia Platão.
Considera que a forma é a causa de algo ser o que é. Divide o conceito de forma em
quatro tipos complementares de causa (razões): a) causa material, que é a estrutura
íntima e básica da “coisa11“ (do que é feita); é necessária, mas não suficiente, pois a
“coisa” é maior que sua estrutura; b) causa eficiente, que cria a “coisa”; c) causa formal,
que é o modelo mental que nos permite reconhecer a “coisa” como aquilo que ela é. É o
que dá à “coisa” a forma pela qual é identificada; d) causa final é a razão última para a
existência da “coisa”, o que levou o executor (causa eficiente) a construir a “coisa” até
seu formato final. Essas concepções são prelúdios do pensar sobre as relações de causa e
efeito (veja VII-10).
Para Aristóteles, a verdadeira essência de qualquer coisa é sua função e não sua
constituição material: por exemplo, a essência da caneta é o escrever; do ouvido, ouvir
etc.
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Usei a palavra “coisa” para referir-me tanto a elementos inanimados (uma estátua) ou um ser vivo,
humano ou não.
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Foi discípulo de Aristóteles. Sua maior importância não está na criação de uma
concepção sobre o mundo ou o homem, mas por ter usado seu poder para também
divulgar a filosofia grega em cada lugar que conquistava. Esse mundo fora da Grécia,
conhecido como mundo helenístico, durou cerca de 300 anos. No Egito, batizou com seu
nome a cidade de Alexandria, sendo o principal centro cultural do mundo antigo até a
conquista pelo império Romano, no séc. I a.C. Com a morte de Alexandre Magno,
surgem muitas disputas políticas, que caracterizam 4 novas escolas de pensamento: os
cínicos, os céticos, os epicuristas e os estoicos.
CINISMO
CETICISMO
Pirro (~365 – 270 a.C.) – Seu ceticismo é também chamado de pirrorismo. Como
soldado de Alexandre Magno, percorreu muitos povos, com pensamentos e crenças
diferentes. Isso deve tê-lo levado ao ceticismo: via povos com pensamentos muito
diferentes sobre as mesmas coisas.
Tímon (320 – 230 a.C.) – Discípulo de Pirro, sustentou esse ceticismo com argumentos
intelectuais.
EPICURISMO
Epicuro (~341 – 270 a.C.) – Sua abordagem buscava libertar as pessoas do medo da
morte e da vida. Contrariava a vida que buscava a glória, a fama e pregavam uma
vida incógnita. Aceitava que os átomos eram eternos e indestrutíveis (atomismo =
átomo + espaço), com movimentos imprevisíveis e nenhuma combinação que dure
para sempre (ou seja, objetos físicos são efêmeros). Considerava o homem um
conjunto de átomos. Diz que não devemos temer a morte porque enquanto existimos
não há morte e, quando morremos, não mais existimos. Foge da questão dos deuses;
considera-os num patamar muito distante, e que eles não querem se envolver nos
nossos problemas. Sua visão de “morte final” se contrapõe ao cristianismo que
aparece mais tarde. Como decorrência de sua filosofia – aceitar que nada há além da
morte; devemos aproveitar ao máximo nossa vida... a felicidade é aqui. Os epicuristas
constituíam uma sociedade aberta, com aceitação de mulheres e escravos. Essa
filosofia se assemelha muito com o humanismo científico e liberal do séc. XX.
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ESTOICISMO
Foi fundado por Zenão de Cício12 (334 – 262 a.C). O estoicismo durou cerca de 500
anos como movimento organizado. Devido às conquistas de Alexandre Magno, o
movimento dos estoicos faz com que a filosofia grega se torne internacional. O
estoicismo admitia filósofos independentemente de classes sociais, desde escravos
(Epicteto) até imperadores (Marco Aurélio). O pensamento central do estoicismo é que
não há autoridade superior à da razão. Ou seja, o mundo que nos chega (natureza) é tudo
o que existe e essa natureza é governada por princípios racionais. Consideram que Deus
é esse espírito de racionalidade que inclui natureza e homem. Assim, colocam Deus no
mundo e não fora dele. Consideram que com a morte nos dissolvemos e retornamos à
natureza.
PENSAMENTO CRISTÃO
Como o cristianismo não era uma filosofia, mas um produto histórico (Deus criou o
mundo, enviou seu filho, há registros históricos etc), esse pensamento fez com que o
platonismo fosse incorporado à visão de mundo cristã, sem contradizê-la. Qualquer
coisa que pudesse contradizer o pensamento cristão era considerada heresia. Os dois
mundos de Platão alicerçavam bem o cristianismo. Ao contrário do que pregava a igreja,
Sto. Agostinho defendia que a intervenção de Deus é necessária para nossa salvação
(assumia a predestinação). Assim, Deus escolhe os condenados. Esse pensamento
justificou muita matança dos considerados hereges que ocorreu em nome
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Não confundir com o pré-socrático.
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Atualmente Argélia, norte da África.
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Maniqueísmo se refere ao pensamento que considera que no mundo as coisas estão entre o bem e o
mal, o bom e o ruim, o certo e o errado.
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Cláudio Ptolomeu15 era um astrônomo grego que viveu na Alexandria. Coloca a Terra
como o centro do universo. Autor do primeiro tratado sistemático de astronomia,
acreditava que a Terra é uma esfera pendendo solta no espaço, sendo o centro do
universo, com os planetas e estrelas girando ao seu redor em amplos círculos (Sistema
Ptolomaico).
Durante a idade média, quando a igreja procurava conciliar as filosofias com sua
doutrina, essa explicação foi bem aceita: Deus fez o mundo para estar no centro de tudo;
criou o homem à sua imagem e semelhança, e no céu criou o paraíso para onde as almas
vão após a morte do corpo. Embora esse quadro fosse simples e justificado pelo que se
via (a Terra imóvel e estrelas e planetas se movendo), a matemática exigida para
sustentá-lo era muito complicada.
FILOSOFIA MEDIEVAL
Até aqui, a filosofia ocidental era dominada pelo império Romano. Com sua queda, a
civilização grega, helenística e romana sucumbem, sendo sucedidas pela Idade das
Trevas e a tentativa de conciliar Platão, Aristóteles e o Cristianismo. As civilizações
romanas foram tomadas por forças pagas, freqüentemente em guerras entre si. Enquanto
isso ocorria na Europa, 600 a 1000 d.C, outras civilizações do mundo se desenvolviam
com fases áureas culturais no Islã, China e Japão.
O contato cultural entre a Europa e o mundo islâmico (Séc. XII e XIII) foi
fundamental para o desenvolvimento intelectual europeu, pois resgatou a literatura
perdida na Idade das Trevas. A invasão dos bárbaros não chegou à Irlanda, de forma que
muitos literatos e eruditos se refugiaram lá. Entre os séculos VI e VIII, a Irlanda foi um
posto avançado de civilização.
Neste período houve grandes debates sobre as provas da existência de Deus, quais
sejam:
15
Em latim, Claudius Ptolomaeus.
■
29
Atualmente, o consenso entre os filósofos é que a existência de Deus não pode ser
provada. Isso não significa que ele não exista, mas apenas que sua existência não pode
ser provada nem racionalmente e nem empiricamente.
Uma constante na filosofia medieval foi o debate entre realistas e nominalistas. Os
realistas fundamentavam-se no mundo ideal de Platão; esse mundo existe, mas o que
vemos e vivenciamos são cópias imperfeitas dele. Aristóteles e os nominalistas negavam
esse mundo de idéias universais de Platão; para eles, os “universais” são nomes úteis
para certas características, mas não são uma cofta em si.
O debate entre realistas e nominalistas buscava saber o quanto essências universais
(por ex., conceituais) existiam de fato ou não. O mundo das idéias de Platão existia de
fato? Esse debate ganhou força neste período, em parte porque tinha implicações para
questões religiosas, como a natureza da Trindade.
João Estoco Erigia – foi o único filósofo importante na Idade das Trevas.
Considerando que Deus é correto e o raciocínio correto deve levar a conclusões corretas,
então não deve haver conflito entre razão e revelação divina. Seriam formas diferentes
para se chegar à mesma conclusão. Assim, procurou demonstrar racionalmente a fé.
Usava uma argumentação neoplatônica, na tradição de Santo Agostinho, porém mais
rígido que este. Por exemplo, se Deus é incognoscível, então Deus não poderia conhecer
a si próprio. Mais tarde, essa idéia foi generalizada por Kant, incluindo Deus e os seres
humanos.
■
30
Ibn Sina, conhecido no mundo europeu por Avicena, é o principal filósofo árabe.
Concluiu que a mente tem existência própria e independente do corpo; assim, a morte do
corpo não resulta na morte da mente. Isso feria a crença muçulmana ortodoxa, que
aceitava que o indivíduo – corpo, mente e alma – ressuscitava após a morte.
A convicção de Avicena não vinha da experiência sensível, mas do raciocínio.
Imaginava que um ser suspenso no ar, sem sentir seu corpo, existisse apenas como
mente. Mesmo que essa mente imaginasse um membro de seu corpo, esse membro seria
externo a essa mente. Com isso, defendia uma filosofia dualista (corpo e mente).
RENASCIMENTO MEDIEVAL
O século XIII marca o início do renascimento medieval. Rogério Bacon foi um dos
primeiros professores em Oxford. Acreditava numa ciência unificada baseada na
matemática, mas incluindo observações e experimentos (chegou a fazer estudo original
em óptica). Cresce então a importância da observação prática na busca da verdade
empírica.
Ocupou posição de destaque na mente dos católicos romanos, pois em 1879 o papa
Leão XIII recomendou sua filosofia como modelo para o pensamento católico. Isso só
perdeu força quando o concilio Vaticano II, 1962-1964, abrandou essa importância.
16
Povo de uma lenda germânica.
■
31
Levou a cabo algumas das críticas de Duns Escoto17. Desenvolveu uma abordagem
empirista abrangente. Seguiu-se a ele uma escola importantíssima representada por
Locke, Berkeley e Hume. A natureza não precisa de ordem nem regularidade. Apenas a
observação, a experiência e, posteriormente, o raciocínio podem dar uma base confiável
para o conhecimento da natureza. Sua tese mais conhecida é que entre explicações para
um fenômeno, a mais complicada tem mais chance de estar errada (Princípio da
Parcimônia). Devemos supor apenas o mínimo... as entidades não devem ser supostas
desnecessariamente (ver hipóteses ad hoc em 11-10). Einstein elaborou isso de forma
brilhante: “Tudo deve ser tornado o mais simples possível, mas não mais simples que
isso”.
A novidade na ciência moderna foi sua insistência em testar as teorias por confronto
direto com a realidade (observação e mensuração dos dados). Antes disso as teorias
eram testadas por meio de discussão e debates.
17
Duns Escoto (~1266 – 1308) era escocês. Estudou em Oxford. Na questão fé e razão, foi contra as
idéias de São Tomás de Aquino. Considerava que apenas pela razão se poderia entender as questões da fé
e que a filosofia deveria ser autônoma em relação à teologia.
■
32
A ligação que Maquiavel pode ter com a ciência é que busca fazer relatos objetivos,
no caso, voltados para a política. Assim, descreve como os mecanismos políticos eram
na prática. O termo maquiavélico ficou consagrado por indicar coisas perversas, imorais,
para as quais os fins justificam os meios. Porém, isso brota da constatação empírica das
práticas humanas no exercício da política.
Aos 23 anos era membro do Parlamento inglês na época da rainha Elisabete I e do rei
Jaime I. Chegou a Grão-chanceler, Barão e Visconde. Por aceitar suborno, foi deposto
de todos os seus cargos e passou o resto da vida escrevendo sobre filosofia, mas seus
principais livros foram publicados a partir de seus 36 anos.
Foi educado em Cambridge, onde desenvolveu hostilidade a Aristóteles. Tentou
instituir cátedras da nova ciência em Oxford e Cambridge, mas não conseguiu. Porém,
Carlos II (neto de Jaime I) fundou a Royal Society em 1662 e a maioria de seus
membros era baiconiana, e considerava Bacon o patrono intelectual da sociedade.
Newton e Danvin reconheceram a influência de Bacon sobre seus pensamentos. Foi uma
influência grande, tanto na Inglaterra quanto na França.
Bacon é reconhecido como o primeiro pensador a assumir que o conhecimento daria
ao homem poder sobre a natureza, promovendo avanço inimaginável no progresso
humano. Porém, considerava que ninguém, até então, havia se ocupado disso de forma
apropriada. Ele criticava tanto os racionalistas quanto os empíricos. Os primeiros por
falta de contato com a realidade; os outros porque não sabiam o que fazer com os dados
que coletavam. Assim, criou um método para a obtenção de conhecimento confiável e
útil, que foi a primeira forma sistematizada da ciência empírica.
Seu Método preconizava que devemos observar e registrar fatos (coletar dados,
evidências empíricas), o máximo possível. Como a subjetividade humana podia
atrapalhar essas observações, os dados deveriam preferencialmente ser coletados por
várias pessoas (o que todos vêem é mais objetivo e real). Dessa postura, defendia a
importância das sociedades científicas e faculdades. Alertava sobre o cuidado necessário
para não impor idéias sobre os fatos. Era a busca de fatos “objetivos”. A partir desses
dados, podemos identificar regularidades, padrões, conexões causais, que nos fornecerão
leis naturais. Bacon já chamava a atenção para a importância dos exemplos contrários,
porque assumia que somos levados a ver o que acreditamos. Embora a forte ênfase aos
dados “contrários” seja dada no século XX por Sir Karl Popper, a preocupação de Bacon
era com a qualidade dos dados, pois ele achava que dados confiáveis sustentavam as
idéias a ponto de construirmos leis científicas com caráter de “verdades” (veja mais em
II-8 e II-11).
A partir da constatação de dados iniciais, elaboravam-se hipóteses. O passo seguinte
era testá-las pelo “experimento crítico”. Se a hipótese é confirmada, então teremos
descoberto uma lei, da qual podemos deduzir fatos particulares (predições). Segue,
portanto, um processo indutivo (dos fatos particulares à hipótese) e um dedutivo (da lei
geral às predições particulares). Essa formulação teve uma influência imensa na ciência
do século XVII ao XX. Essa visão só foi superada no século XX quando Einstein e
Popper introduziram uma nova atitude científica.
Em resumo, Francis Bacon separou sistematicamente a ciência da metafísica18. Viu
que as explicações científicas eram essencialmente causais e não em termos de
18
A ciência construindo idéias a partir de fatos (base empírica) e a metafísica não tendo a necessidade
dessa base empírica.
■
34
19
Em 1616, essa condenação foi feita de forma privada; em 1633 foi condenado em público.
■
36
20
Pierre Gassendi (1592-1655), filósofo e matemático francês, combateu a filosofia escolástica e
também a nova filosofia cartesiana. Era contra a noção de idéia inata, admitindo que toda idéia vem da
experiência empírica de nossos sentidos. Posicionou-se contra o dogmatismo daqueles que achavam
possuir o conhecimento definitivo das coisas. Defende a pesquisa experimental e o método indutivo.
21
O termo apetite se refere a afinidade, afiliação, aproximação.
■
37
Era inglês. Num único ano, entre 23 e 24 anos de idade, analisou corretamente as
propriedades constituintes da luz, inventou o cálculo e formulou e discerniu a lei da
gravitação. Revisou e corrigiu Kepler e Galileu. Por exemplo23, reformulou as três leis
de Kepler sobre o movimento planetário, que seriam as leis do movimento de Newton, e
construiu um sistema de física matemática que permitiu traçar um quadro completo e
preciso sobre o sistema solar.
Esse tipo de investigação era chamado de Filosofia Natural. Era uma tentativa de
entender os mecanismos da natureza. A palavra filosofia aparece porque nessa época
ainda não havia distinção entre Filosofia e Ciência, o que só ocorreria no século XVIII.
Os estudos de Newton comprovavam, quase 2 mil anos após, a intuição de Pitágoras
de que o universo material era passível de explicação matemática; ou seja, os fenômenos
físicos são sujeitos a leis discerníveis pelos seres humanos e exprimíveis em equações.
Ou seja, se conhecermos as condições de um sistema físico, podemos prever seu estado
em qualquer tempo futuro. Isso significava que o homem podia predizer o futuro;
havíamos domado o universo. Esse
22
Expressão já usada por Tomás de Aquino, no século XIII.
23
Publicado no livro Principia, em 1687.
■
38
24
Período em que as máquinas suplantam a mão de obra humana. Iniciou-se na Inglaterra no séc.
XVIII. Trouxe uma série de transformações sociais; por exemplo, o capitalismo tornou-se o sistema
econômico predominante. Considera-se hoje que vivemos três eras: a agricultura, a industrial e,
atualmente, a da informação (comunicação).
■
39
teoria pode ser desafiada. Essa visão o colocava contestando certezas e costumes da
época, o que lhe rendeu uma série de problemas.
Voltaire é precursor do pensamento liberalista. Para a ciência, sua influência está no
reconhecimento de que o conhecimento que construímos é provisório (algo bem
explorado por Karl Popper no séc. XX).
25
A conexão é dada pelo mecanismo, que é o meio pelo qual a causa (ou agente interferente) provoca
o efeito (veja VII-10).
■
40
O RACIONALISMO
26
Pronuncie “Renê Decarte”.
27
No argumento dedutivo, se as premissas são verdadeiras e a conexão lógica é válida (usado muito da
teoria dos conjuntos), a conclusão é verdadeira. Essa força vem de que a conclusão não diz muito mais do
que o conteúdo das premissas. Ao contrário, no argumento indutivo, a conclusão ultrapassa muito o
conteúdo das premissas; há maior alcance, mas as conclusões só podem ser probabilísticas.
■
41
a) Podemos confiar nas provas que vêm de nossos sentidos (órgãos sensoriais) ?
Não podemos confiar nisso cegamente. Veja que os seres humanos conseguem captar,
por seus órgãos sensoriais, parte da natureza. Note que a noite nos é escura, mas é
colorida para insetos noturnos cujos órgãos sensoriais captam radiações que não
conseguimos perceber. Da mesma forma, já pensou como pode ser o mundo perceptual
de um peixe elétrico, que percebe o mundo externo principalmente em termos de
alterações de campo eletromagnético? Esses exemplos não foram usados por Descartes,
mas ressaltam a problemática na qual estava imerso.
b) Como podemos saber, ao certo, se o que pensamos é sonho ou realidade?
Vivemos esta realidade ou tudo não passa de um grande sonho ou delírio?
c) Descartes questionava se esses erros e ilusões em nossa mente poderiam ser
impostos por algum “espírito superior” para nos iludir. Desse questionamento, elaborou
sua frase famosa: cogito ergo sum (traduzido como “Penso, logo existo”28), ou seja,
podemos duvidar de tudo, mas o fato de duvidarmos já nos mostra que existimos.
Descartes admitia que uma coisa não pode criar algo maior que ela. Esse raciocínio é
coerente com a abordagem da lógica dedutiva, que parte de premissas maiores para
concluir aspectos mais restritos (o oposto do empirismo). Partindo dessa admissão, dizia
que se podemos pensar num ser perfeito, então esse ser perfeito deve existir; esse ser
perfeito criou uma consciência dele mesmo dentro de nós (por isso podemos imaginá-
lo). Com isso, Descartes conclui que podemos ter certeza das coisas, inclusive fora da
matemática, pela razão e não pelas nossas experiências sensíveis (órgãos dos sentidos).
Assim, descarta os céticos e os empíricos.
O chamado Dualismo Cartesiano nada mais é do que admitir que o mundo é
composto de mente e matéria, que caracteriza o modo ocidental de ver o mundo. Essa
visão tem implicações práticas importantes. Por exemplo, ela serve para justificar a
visão religiosa que separa o homem (com corpo e alma) dos animais (apenas corpo).
Com isso, dá margem a um pensamento de que os animais são máquinas que não sentem
e não sofrem, o que possibilita que os homens os tratem sem os devidos cuidados. Isso
foi reforçado pela visão religiosa que coloca o homem como a imagem de Deus e o
centro do universo29. A visão dualista cartesiana é criticada, principalmente por Spinoza
e Schopenhauer. No século XX essa discordância aumenta, embora alguns pensadores
ainda concordem com ele.
De todos os filósofos antecedentes, Descartes foi o que mais nos indicou que a
certeza estava ao alcance do ser humano por meio do método racional (pelo pensamento
mais que pela observação). Basicamente, os pré-socráticos se ocupavam do que existe,
tentando saber do que era
28
Segundo Bryan Magee (2001), uma tradução um tanto equivocada, não apropriada. Porém, o sentido
geral dessa frase é mostrar que a única certeza que podemos ter é que existimos e isso vem da percepção
racional que temos.
29
Veja mais detalhes desse debate na atualidade sobre o bem-estar animal em Volpato et al. (2007).
■
42
30
Há certa polêmica sobre a invenção do cálculo infinitesimal por Newton ou Leibniz; é provável que
ambos tenham chegado a esse cálculo de forma independente.
■
43
EM RESUMO
31
Paul Karl Feyerabend (Viena, 13/01/1924 – Zurique (Genolier), 11/02/1994).
32
Natureza inclui o homem, seus pensamentos e relações sociais.
■
44
Referência
Obras Consultadas
Literatura Complementar
Asimov 1.1993. Cronologia das ciências e das descobertas. Editora Civilização Brasileira S.A.
Balchin J. 2008. Os 100 cientistas que mudaram o mundo. Editora Madras.
Bréhier É. 1977. História da filosofia, v. 1-7. Editora Mestre Jou.
Chalmers AF. 1994. A fabricação da ciência. Editora Unesp.
Chalmers AF. 2000. O que é ciência afinal? Editora Brasiliense.
Gaardner J. 2000. O Mundo de Sofia. Editora Companhia das Letras.
Giles TR. 1993. Dicionário de filosofia: termos e filósofos. Editora Pedagógica e Universitária
Ltda..
■
45
Haven K. 2008. As 100 Maiores Descobertas Científicas de Todos os Tempos. 2a ed. Ediouro.
Horgan J. 1998. O Fim da Ciência – uma discussão sobre os limites do conhecimento científico.
Companhia das Letras.
Japiassu H. 2007. Como nasceu a filosofia moderna; e as razões da filosofia. Editora Imago.
Magee B. 1973. As idéias de Popper. Editora Cultrix.
Montanelli I, Gervaso R. 1967. Idade média: treva ou luz? Editora Ibrasa.
Oliveira J, Garcez L. 2002. Explicando a Arte. Ediouro.
Omnès R. 1996. Filosofia da ciência contemporânea. Editora Unesp.
Paim A. 1974. História das Idéias Filosóficas no Brasil. Edusp.
Price DS. 1976. A Ciência desde a Babilônia. Série O Homem e a Ciência, vol. 2. Editora
Itatiaia, Edusp.
Sciacca ME 1968. História da filosofia. Editora Mestre Tou.
Strathern P. 1999. São Tomás de Aquino em 90 minutos. Jorge Zahar Editor.
Volpato GL. 2007. Bases teóricas para redação científica. Editora Cultura Acadêmica, Editora
Scripta. Woodford S. 1983. A arte de ver a arte. Zahar Editores.
■
46
PARTE 2
DO ERRO À FORMAÇÃO
■
47
CAPÍTULO I
A Deformação de Cientistas
33
Processo de reestruturação da União Soviética introduzido por Gorbachev, em 1985.
34
Mikhail Serguéievich Gorbachev (nascido em Stavropol, cidade do sudoeste da Rússia, em
02/03/1931) – foi secretário geral do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, entre 1985
e 1991.
35
É evidente que ele pode ter se esquecido de como se diz “researcher” e lhe veio à mente apenas a
palavra “scientist” – mas isso nunca saberei.
■
49
Há diversas formas para se evitar que uma pessoa se torne um cientista. Aqui me
aterei àquelas menos evidentes e presentes em sistemas que se dizem formadores de
cientistas.
Elas decorrem de visões equivocadas sobre o que é ser um cientista. Assim, esses
equívocos tiram o aluno dos trilhos da ciência, ao mesmo tempo em que seus
promotores bradam estar formando cientistas. Essa é a conseqüência comum de qualquer
atitude humana que não examine profundamente os pressupostos teóricos subjacentes
aos atos. É exatamente por isso que neste livro examino a formação de cientistas a partir
de sua inevitável base teórica.
Um cientista é uma pessoa curiosa, crítica com o que percebe e empreendedora para
conseguir as respostas à suas indagações. Na atualidade, deve também ser ávido por
inserir suas conclusões na comunidade científica, fazendo com que essa comunidade
aceite e use essas conclusões. Esse perfil exige habilidades e desejos que não podem ser
apagados desde a tenra formação da criança até a emancipação do cientista já adulto.
36
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
37
Veja http://www.fapesp.br/sumula - item 7.
■
50
nas questões seguintes deste capítulo, o quadro é triste e usar esse cenário como
critério de avaliação curricular é incorporar tais equívocos. Isso ainda leva a outro
problema quando notas ou reprovações impedem os alunos de concorrer ou manter
suas bolsas. Ao aluno reprovado nos anos iniciais da graduação sobra o desestímulo
na continuidade dos estudos. Uma sensação de inevitabilidade futura decorrente de
um deslize passado. Dar a chance de recuperação, particularmente numa fase inicial
da formação, talvez seja o melhor estímulo que uma mente brilhante precise. Mais
ainda, os critérios de avaliação na graduação variam enorme-mente entre os docentes,
seja entre disciplinas, cursos e instituições.
d) Solicitar equívocos na redação dos projetos. Quando uma agência exige certos
formatos redacionais nos projetos, o solicitante deve optar por segui-los, ou não
solicitar o fomento. Assim, esses formatos têm força formadora impositiva. Vou citar
4 exemplos, pois outros serão visíveis ao longo do livro. Estimular prolixidade,
solicitando e aplaudindo projetos longos, incute na cabeça do aprendiz que isso faz
parte da comunicação científica. Mas quem perambula pela ciência internacional sabe
que é exatamente o oposto. Escreve demais quem não sabe exatamente o que quer
dizer, porque se soubesse escreveria apenas o essencial e necessário para se fazer
entender. Outro equivoco é a exigência de hipótese. O recurso metodológico de usar
hipótese é uma das importantes ferramentas do cientista, mas não é a única forma de
fazer ciência. Há problemas cujas respostas não requerem hipótese e podem gerar
pesquisas de altíssimo nível (veja VII-10), publicadas em revistas tão boas quanto
Science e Nature. Ao ignorar as pesquisas sem hipótese, priva-se a chance de que
essas perguntas sejam respondidas. Isso decorre de uma incompreensão da lógica
básica do processo científico por parte dos responsáveis pelo fomento, muitas vezes
facilitada pela tendência superficial de falar de ciência a partir da experiência de sua
própria área38. Se a agência exige que o projeto de pesquisa separe a Introdução e a
Justificativa em tópicos distintos, incute outro erro. Muitos alunos levam anos para
entender o equívoco dessa exigência e ficam perambulando na ciência de baixo nível
38
A melhor forma de saber o que é padrão na ciência é olhar o que é comum a várias áreas,
entendendo que os vieses de área são distorções culturais do processo científico. Quando há vícios
característicos de sua área, não pense que ela está acima das demais; possivelmente esteja bem abaixo.
■
51
enquanto incorporam isso aos seus manuscritos. Em qualquer lugar do mundo (talvez
não em alguns setores do Brasil), a Introdução é o lugar onde situamos o problema
que originou
■
52
39
No caso de textos sobre a pesquisa já realizada (por ex., artigos, teses), pode-se substituir o objetivo
pela conclusão (veja X-16 para detalhes).
40
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes.
■
53
pesquisa e para ensino (leia-se, ensino de graduação – leia-se, ainda, não ensino
formador de cientista). Uma alegação comum é dizer que a pesquisa atrapalha o
ensino; ou que o ensino atrapalha a pesquisa41. Conseguem separar duas atividades
intrinsecamente imbricadas!
À medida que as instituições são oficiais e têm poder, seus atos marcam e gravam
profundamente a vida dos formandos, estejam eles em qualquer nível. Assim, uma
imposição de formulário ou um requisito para avaliação curricular impõem
subliminarmente conceitos sobre ciência. Dada a posição dessas instituições, esses
equívocos chegam como “verdades”, cujos prejuízos posteriores podem ser
imensuráveis.
Devemos lembrar que nossos cientistas estão, cada dia mais, concorrendo com os
melhores do mundo, pois deste país se espera uma potência em nível internacional. Mas
o desempenho é mais que a própria formação do cientista; requer também estrutura
administrativa e investimento compatíveis. Enquanto gastamos duros meses para reparar
um equipamento enfrentando burocracia e incompetência administrativa, nossos
concorrentes de países desenvolvidos resolvem o mesmo problema em poucas semanas,
ou dias.
Assim, buscar independência científica é mais do que formar cientistas; é dar a eles
condições adequadas de trabalho.
41
Se a pesquisa atrapalha o ensino, então a melhor formação de alunos está nas escolas particulares;
mais ainda, quanto mais se produz cientificamente, pior deve ser o ensino de nossas instituições. Você
acha isso verdade?
■
55
c) Não usando a sala de aula para ensinar postura científica. A postura científica
requer qualidades como as apresentadas em 1-1, V-8 e XII-2. Essas qualidades devem
ser estimuladas e vivenciadas pelas pessoas o mais precocemente possível. Ao não
estimulá-las, reforçam-se padrões de conduta e comportamento que afastam o
indivíduo do perfil científico. Note que a maioria dos alunos passa muito tempo em
sala de aula, num sistema que enfatiza a excelência do professor. O que acha que
ficará na cabeça desse aprendiz?
e) Fazendo provas e discussões que não exigem raciocínio. Para o aluno, a prova
reflete o que deveria saber segundo a opinião do professor e, portanto, o que de mais
nobre se quis ensinar naquela disciplina. Quando a prova é medíocre, força-se o olhar
do aluno para os aspectos medíocres da disciplina. Incute nele que o volume de
informações é mais importante do que saber criticá-las e aplicá-las. Hoje vivemos a
era da comunicação e da informação e sabemos que o enfoque mudou: informações
existem aos montes... faltam mentes que consigam trabalhá-las. O cientista vive
exatamente esse dilema. Milhares de artigos são publicados mensalmente... quais ler?
O que fazer com eles? Essa é a questão. A informação científica pode ser encontrada
num livro, num artigo, numa página da Internet. Mas saber o que fazer com elas é
função dos cientistas. Veja a redação de um artigo de revisão: requer conhecimento
■
56
42
Infelizmente, no Brasil várias agências importantes acham que a revisão é um trabalho de segunda
categoria (algumas sequer as aceitam ou investem em revistas do tipo Annual Reviews). Contrariamente,
nos melhores periódicos do mundo as revisões são escritas por experts e as revistas dedicadas a esse perfil
possuem altíssimo fator de impacto. De outro lado, as revisões da literatura presentes nas teses no Brasil,
ou publicadas em periódicos regionais, não ultrapassam o nível da compilação e da mesmice.
■
57
43
TCC = Trabalho de Conclusão de Curso.
■
58
Lembre-se que a vida profissional que está em jogo é a do aluno. Se ele relegar seu
sucesso a outros poderá se dar mal. É melhor cuidar dos próprios interesses.
b) Achando que é vítima da vida e o mundo lhe deve favores. Não se faça de coitado.
Ou você luta por você ou dependerá sempre da sorte de alguém querer lhe dar
presentes. Uma postura empreendedora aprende com o passado e sai à luta para
mudar o presente e o futuro. Se você é pobre, não vai resolver culpar o sistema. Se
tem alguma complicação de saúde, enfrente-a ou conviva com ela. Faça o seu
máximo. Se acha que tem azar, comece a refletir sobre o que é “azar”; parece algo
mais relacionado à falta de visão de oportunidade e falta de preparo para quando a
oportunidade chega. Lembre-se, você merece ser um
44
No início, chamado de Programa Especial de Treinamento. Atualmente significa Programa de
Estudo Tutorial. Fui o idealizador do primeiro grupo PET da Unesp de Botucatu, em 1988 – PET em
Ciências Biológicas. Minha proposta PET lembra em muito minha proposta de formação de cientistas
mostrada em Volpato (2001), que visa a formação geral do cientista.
■
60
profissional competente como outros e é desse profissional que seu país precisa.
Levante-se e vá à luta. Conhecer suas limitações é fundamental, pois o coloca da
forma certa na sua própria história.
c) Não sendo ambicioso. Você não deve se contentar com qualquer formação. Você e
seu país merecem o melhor. Contente-se com o que conseguir, mas sempre que houver
chance de progredir, progrida. Quando não se é ambicioso, parasse antes, deixam-se
passar oportunidades importantes. Desperdiçam-se tempo e chances. Por que o outro
pode e você não?
f) Evitando conversas com outras pessoas. Cada pessoa é um mundo. Não seja
preconceituoso... cada um sempre pode lhe acrescentar algo. Tente conhecer e não se
impor. Essa postura lhe permite sempre crescer, com novas idéias e entendendo que o
mundo pode ser bem maior do que parece. Nem sempre boas dicas ou idéias vêm dos
especialistas das mesmas áreas. Converse com pessoas diferentes, de fora de seu
círculo. Do contrário, reverberará sobre seus limites. Há pessoas que passam a vida
universitária sempre ao lado dos mesmos, sem chances de beberem de outras fontes.
g) Não sendo autodidata. Se quer algo, vá atrás. Não espere que outros façam isso
por você, pois certamente as coisas excelentes não lhe chegarão. Para aprender algo,
45
Não é minha esta alusão, mas não conheço a fonte.
■
61
deve gostar de buscar conhecimento novo, aquele que não há em lugar algum e você
o inscreverá no grande livro da humanidade.
Referências
Dennett DC. 2002. Como cometer erros. p. 151-158. In: Brockman J, Matson K (eds.). As coisas
são assim: pequeno repertório científico das coisas que nos cercam. Companhia das Letras.
Volpato GL. 2001. Ciência: da filosofia à publicação. 3a ed. Funep/Unesp.
Volpato GL. 2009. Administração da vida científica. Cultura Acadêmica.
Literatura Complementar
CAPÍTULO II
Ciência
A ciência é uma das formas de o homem abordar o universo. Portanto, para uma
melhor compreensão do seu significado, é necessário conhecermos as demais formas
existentes e como elas se relacionam entre si.
Considero cinco formas pelas quais o ser humano aborda o universo: ciência,
filosofia, religião, arte e loucura. Suas principais características são mostradas na
Tabela 1 e explicadas em seguida.
■
64
46
Esta divisão é bem ilustrada na Parte 1 (Da Filosofia à Ciência) deste livro.
■
65
concreto e observável. Assim, na ciência são aceitos apenas os enunciados teóricos que
podem ser sustentados empiricamente. Mesmo que o objeto de estudo não seja, de fato,
observável, a postura do cientista é a de buscar elementos para a confrontação dos
enunciados com fatos concretos do mundo que observa. Ao estudar, por exemplo, a
origem dos seres vivos (que jamais poderá ser vista), o cientista busca sustentação em
elementos observáveis, mesmo que indiretos, como a reconstrução do cenário primitivo,
a produção laboratorial de DNA a partir de elementos mais simples etc. É essa
abordagem uma das características marcantes da ciência. É por isso que nos textos
científicos há um capítulo denominado “Resultados” (parte da base empírica) e outro
“Material e Métodos47“ (veja Volpato 2007). É evidente que o cientista racionaliza sobre
os fatos, mas sempre havendo fatos.
Outras duas características da abordagem científica são: uso do discurso lógico e
reconhecimento de que o conhecimento é provisório. Porém, nem sempre a ciência
reconheceu sua incapacidade de identificar a verdade (veja Parte 1 e II-8), sendo essa
postura adotada mais sistematicamente a partir do século XX e, assim mesmo, por
poucos cientistas, apesar da evolução do conhecimento nessa área (veja séc. XVII e
XVIII na Parte 1 deste livro). Tal fato deve-se provavelmente ao distanciamento que
muitos cientistas mais práticos mantêm em relação à reflexão filosófica.
A filosofia também admite a incapacidade do ser humano para ter consciência de
verdades, embora nem sempre tenha sido assim (veja a Parte I e II-8 e II-11), e também
usa o discurso lógico. Porém, ao contrário da ciência, não se preocupa necessariamente
em contrapor seu universo teórico com o mundo físico (embora alguns filósofos mais
antigos já usassem tais contraposições – por ex., Aristóteles, Rogério Bacon, Guilherme
de Occam e Maquiavel). Ou seja, ciência e filosofia se distinguem pelo método de
estudo: em particular, a valorização que dão à confrontação das idéias com a base
empírica. Assim, um texto filosófico não precisa ter Material e Métodos nem
Resultados, embora possa se valer de tais dados.
Para falar de religião, inicialmente defino-a como toda postura que procura
explicações por meio de entidades imateriais divinas e, num certo sentido, governantes
do mundo. Assim, os diversos tipos de cristianismo, islamismo, induísmo, judaísmo,
umbandismo são religiões. O elemento básico que os congrega é essa crença nas
entidades imateriais. A religião ocupa-se do mundo físico e metafísico, pode usar a
lógica no discurso e procura explicar os fenômenos do universo. Porém, diferentemente
da ciência e da filosofia, cada doutrina religiosa admite como condição sine qua non a
verdade sobre seus respectivos deuses ou dogmas. Essa condição é crucial e tem
implicação importante. A abordagem religiosa admite que o homem consiga conhecer e
ter consciência dessa verdade (por ex., Deus existe). Uma verdade que transcende o
47
É irrelevante discutir se esse capítulo deveria ser intitulado “Material e Métodos”, ou “Materiais e
Métodos”, ou “Métodos”, ou ainda “Procedimentos”, ou quem sabe “Estratégicas e Técnicas”, ou
qualquer outro derivado. O mundo científico internacional, que melhor espelha o comportamento do
cientista neste aspecto, revela que cada corpo editorial opta por uma forma, todas justificáveis, ou
injustificáveis, como queiram, mas que o sentido de todas elas é sempre o mesmo e todos sabemos qual é
(veja X-11).
■
66
tempo. Esse ponto é fundamental, pois se essa verdade for eliminada, a religião
desaparece. Ao contrário, no caso da ciência e da filosofia, a negação de teorias e
paradigmas não elimina essas duas formas de ver o mundo. Mesmo que na ciência e na
■
67
48
Podemos admitir que o princípio da parcimônia permita pendermos mais para o lado do ateu. Ou
seja, esse princípio estabelece que devemos aceitar uma hipótese mais complexa apenas após termos
eliminado hipóteses mais simples. No caso, incluir um elemento novo (Deus) no sistema é tornar o
sistema mais complexo; o mais simples seria explicar esse sistema com os elementos que todos, sem
controvérsias, aceitam existir. Porém, esse princípio é apenas uma ferramenta metodológica estratégica
útil para encurtar caminho na busca de soluções (pois nada garante que as explicações mais simples sejam
as verdadeiras em todos os casos), mas não uma ferramenta que dispõe sobre verdades. Portanto, aplicá-la
neste caso não é apropriado.
49
A interpretação considerando se foi Deus ou algum delírio dependerá do ponto de vista de quem
fizer a interpretação, e não dos fatos presentes.
50
Isto não nega que algumas correntes artísticas possam agir dessa forma, mas de longe não
representam a essência de toda a atividade artística.
■
68
51
Mais comum na época moderna, mas que, do ponto de vista da lógica das abordagens, é
extremamente coerente com a atividade de qualquer artista contemporâneo.
■
69
52
Veja, por exemplo, a evolução da situação da Arte de Rua (Pixo, Sticker – adesivos –, Lambe-
Lambe), em particular o debate entre os grafiteiros e os responsáveis pela bienal de Arte, em São Paulo,
edição de 2008 – a manifestação de uma grafiteira do Rio Grande do Sul resultou em sua prisão por 53
dias... Em 2010, São Paulo realiza a bienal de grafites e pichações, se destacando no mundo pela inserção
dessa forma de comunicação na Arte. Veja também a inserção de certos estilos musicais como Arte,
anteriormente não aceitos como atividade artística por alguns críticos ou dominantes. Enfim, tudo isso
mostra que o conceito do que se considere estético na Arte varia no tempo e espaço.
53
Philippe Pinei (França: Saint André, 20/04/1745 – Paris, 25/10/1826). Considerado por muitos como
o pai da Psiquiatria.
54
Michel Foucault (França: Poitiers, 15/10/1926 – Paris, 25/06/1984). Contrário ao Existencialismo de
Sartre e ao Humanismo. Mesmo contra sua vontade, acaba sendo associado à visão estruturalista. No
início de sua vida acadêmica discorre sobre a doença mental e a loucura.
55
Veja o excelente trabalho da psiquiatra junguiana Nise da Silveira (Maceió, 15/02/1905 – Rio de
Janeiro, 30/10/1999), parte sobre a Arte de seus pacientes.
■
70
■
71
Vários estudiosos tentaram estabelecer o que seria o método científico (veja II-2 e II-
4). Todos apresentaram visões particulares, incompletas ou não consensuais. Na
contramão dessas tentativas, Feyerabend (1993) admite que não existe um método
científico único. Segundo ele, há várias e
■
73
diversificadas formas que cientistas usaram para construir conhecimento científico. Ele
admite que é um verdadeiro “vale-tudo”. Apesar disso, algumas atitudes como o
controle de variáveis (para que a base empírica tenha validade em alguns casos), o
princípio da parcimônia e o teste de hipótese são freqüentemente usadas na ciência,
embora longe de serem regras rígidas de conduta (veja II-3). Dessas, o controle de
variáveis é essencial para se investigar relações entre elementos da natureza.
Em resumo, ciência é a forma humana de construir e aceitar generalizações acerca do
universo sustentadas em bases empíricas, valendo-se de um método (mais ou menos
variável), do discurso lógico e admitindo que essas generalizações são conjeturais
(podem ser derrubadas no futuro).
Por razões históricas, no entanto, podemos ter num trabalho uma mescla de
abordagens, por ex., a científica e a filosófica. Nesse quadro, é comum que o cientista
use o suporte empírico para validar conclusões, mas que também teça generalizações
sem essa base, fornecendo suas impressões (logicamente conduzidas) do problema. Há
revistas que aceitam o uso dessas duas abordagens. Mas, se o veículo for estritamente
científico, sem o cunho filosófico, o autor não conseguirá espaço, tendo que se restringir
apenas ao que pode dizer a partir da base empírica56.
Pela influência filosófica, pode ocorrer que alguns autores da ciência qualitativa usem
as opiniões de certos autores como “verdades”, a partir das quais constroem
conhecimento. Esse tipo de citação (o que o autor disse, mas não demonstrou) não é
válido na ciência, pois opiniões são diferentes de demonstrações57 (estas requerem
evidências empíricas fortes). Na filosofia, o que os outros filósofos falam é importante, e
eles não precisam de base empírica para demonstrar suas afirmações; basta a
argumentação lógica.
56
Isto é especialmente válido se você não é um cientista renomado. Esta contradição aceita o
argumento da autoridade, num universo em que formalmente esse argumento não é válido.
57
Não uso o termo demonstração no sentido matemático. Refiro-me apenas à validação de idéias a
partir de evidências universais... serão sempre provisórias, na concepção de Karl Popper (veja II-8, II-9 e
11-11).
■
74
58
Note como muitas pessoas da área científica têm receio em dizer que são cientistas... dizem que são
pesquisadores. Por quê?
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75
59
O mesmo raciocínio é valido quando estudamos interações multivariadas, em que mais de duas
variáveis interagem.
60
Esta é a base do falseacionismo de Karl Popper (veja II-9), mas, no caso de hipóteses mais gerais,
pode apenas representar o falseacionismo ingênuo (II-9 e Lakatos e Musgrave 1979).
■
76
Não, as coisas não são diferentes na área de Ciências Humanas. Desde que seja
ciência, é tudo igual. As conclusões emergem da análise dos fatos (estes podem vir de
metodologias quantitativas ou qualitativas - veja VII-3). Se isso é igual, o que seria
diferente?
São comuns alegações de que nas ciências humanas “as coisas são diferentes”. Por
isso, vou me ater com mais detalhe a esta questão. Temos que considerar que um viés
em várias disciplinas das ciências humanas é a consideração do ser humano como algo
muito diferente das demais formas de seres vivos. Em outras áreas a interpretação não é
bem assim. Abaixo mostro alguns argumentos que indicam maior dificuldade de
investigar animais não humanos.
A maior complexidade dos fenômenos que envolvem seres humanos é apenas
aparente. Quando estudamos o comportamento de um organismo não humano, digamos
um cachorro, uma ave ou um peixe, muito se enganam os que pensam que se tratam
apenas de “comportamentos geneticamente determinados, condicionamentos e reflexos”.
Há todo um mundo desses animais,
■
77
grande parte do qual sequer temos idéia. Note que para uma mariposa a noite é colorida.
Os peixes percebem estímulos que não imaginamos (imagine como seria perceber o
mundo por meio principalmente de alterações em campos eletromagnéticos, como
ocorre com os vários peixes elétricos). Algumas aves percebem variações de pressão de
que não temos idéia e se orientam por elas. O campo acústico também é muito diferente
entre o ser humano e outros animais. Enfim, estudar esses organismos é tentar entender
um mundo completamente diferente, sem poder raciocinar como os nossos elementos ou
conversar diretamente com eles. Isso é muito complexo e difícil. Veja que os primatas,
golfinhos e elefantes sabem que eles são eles: distinguem-se dos demais. Ou seja, têm
consciência de sua própria existência e de sua diferenciação enquanto sujeito (não
precisamos aceitar isso em termos humanos, pois eles não são humanos). Do contrário,
não se reconheceriam num espelho (veja Plotnik et al. 2006). Esses autores sugerem que
haja uma evolução convergente, possivelmente relacionada à complexidade social e
capacidade de cooperação. Segundo eles, essa distinção aumentada entre o “eu” e o
“outro” pode permear as tendências altruísticas compartilhadas por esses animais de
grandes cérebros.
No caso dos estudos sobre a sociedade humana, aparentemente há mais variáveis
envolvidas, mas é pura ilusão. Apenas conhecemos mais essas possibilidades e as
consideramos. Se marcianos, cuja vida fosse baseada em princípios e mecanismos
completamente diferentes dos nossos, chegassem à Terra para nos estudar,
possivelmente nos estudariam como o fariam com qualquer outro mamífero (talvez com
comportamentos mais sofisticados, mas apenas isso, sem a inclusão de elucubrações
epistemológicas, psicológicas e sociológicas).
Em resumo, o que quero mostrar é que a idéia de que a ciência na área das Ciências
Humanas é diferente pode vir de uma história que sempre considerou o homem como
um ser diferente. Trata-se de um retrocesso epistemológico ao antropocentrismo e ao
antropomorfismo já pregado pelo cristianismo há muito tempo.
É natural o homem se colocar no centro das coisas. Hoje ficamos abismados com as
idéias de Ptolomeu colocando a Terra no centro do universo. O método científico é
aplicado nas ciências humanas da mesma forma como em outras áreas. Seriam as
relações aí mais complexas que aquelas existentes nos estudos de ecologia, que se ligam
a todas as variáveis do sistema, incluindo até a participação humana? Certamente não.
Há ferramentas epistemológicas que fornecem ao homem meios para tais investigações.
As barreiras que se criam para tais usos são, muitas vezes, produto de preconceitos
arraigados numa longa história vinda de debates filosóficos. Em alguns casos essa
história rompeu esses preconceitos; em outros, reforçou-os.
Minhas respostas às perguntas II-1, II-2, II-3, II-4, II-6 subsidiam melhor esta
questão. Trata-se de um tema que requer uma visão bem geral do problema. Quando
falamos de seres humanos, não podemos negligenciar os avanços sobre esses
organismos. Quando se estuda sociedades de animais não humanos, também não se deve
negligenciar os conhecimentos das sociedades humanas.
■
78
essa classificação com desdém, está-se criando uma postura seletiva e preconceituosa.
Por exemplo, quando dizemos que tal coisa é reducionismo, ou que é inatismo, ou
positivismo, ou holismo, ou pós-moderno, ou eclesiástico... seja o que for, muitas dessas
divisões revelam uma forma autoritária de se contrapor a algo. Se uma visão tem erros,
eles devem ser evidenciados. Não basta classificá-la e assumir que tal classificação é
equivocada, porque normalmente temos ainda várias dessas classificações com
seguidores em nossa ciência contemporânea... afinal, quem tem razão? A única coisa
que se consegue com essas discriminações é a suposição de que o nosso ponto de vista
está correto e, portanto, qualquer categoria que não seja pertinente à nossa estará errada.
Na realidade, quanto menos conhecemos de um assunto, mais palpites prováveis
aparecem. Quando o conhecimento é mais sólido, menos palpites podem ser aceitos.
Embora a divisão das posturas humanas em caixinhas do saber (como dizia meu
orientador) possa ser importante como estratégia de estudo, ela não significa que o
mundo seja reduzido a uma ou poucas dessas caixinhas. Há divergências entre
pensadores como Platão e Aristóteles (Magee 2001), Freud e Jung (Jung 1998), Newton
e Einstein (Einstein e Infeld 1980), Popper e Kuhn (Lakatos e Musgrave 1979), mas
cada uma dessas abordagens resultou em correntes de pensamento com representantes
sérios na ciência atual. Assim, não podemos acreditar que a verdade fique apenas em
uma de cada divergência. Inicialmente teríamos que imaginar que o mundo que nos
cerca cabe na mente humana, ao menos no sentido de que as impressões que captamos
do mundo são suficientes para que dele façamos um panorama adequado.
A humildade em reconhecer nossa pequena participação nesse processo é um
primeiro grande passo. Somos e seremos eternamente limitados. Enquanto alguma
corrente de pensamento não for sumariamente descartada, não poderemos dizer que está
errada, sem que esbarremos na possibilidade de estar apenas olhando o mundo de outro
ângulo. Quando a derrubamos como explicação válida para o conhecimento humano
(por ex., a explicação pela mitologia, a visão de que a Terra era achatada, ou que era o
centro do sistema solar, ou mesmo do universo), todos concordam e essa passa ser uma
percepção humana mais geral, mas, mesmo assim, longe de consideramos uma verdade
que se mantenha além da percepção humana.
Portanto, ciência é ciência; a distinção genuína está entre ciência bem construída
daquela mal elaborada. O que ocorre, por razões históricas, é que a abordagem filosófica
vem sendo usada conjuntamente à científica (uma sem dar relevância à base empírica -
racionalismo - e a outra fundada no empirismo). Isso não é um problema, mas tem que
ficar claro que há uma distinção, principalmente quando conversamos com pessoas de
diferentes formações, ou quando escolhemos revistas para nossas publicações. O que
ressalto é que a metodologia científica funciona perfeitamente bem nas Ciências
Humanas, assim como nas demais.
■
80
A ciência natural61 estuda o mundo natural. Já apresentei em II-1 uma breve descrição
do que seja esse mundo natural. Assim, ele é tudo o que existe de real. Porém, as
classificações clássicas muitas vezes partem de equívocos.
A divisão clássica considera que as ciências naturais estudam o mundo natural, a
natureza, enquanto que as ciências sociais e as humanas estudam o comportamento e a
sociedade humana. Ou seja, de início já se coloca o homem fora da natureza. Essa visão
antropocêntrica, que coloca o homem no centro das coisas, é arcaica e não condiz com
os conhecimentos científicos sobre a biologia das espécies (aceitemos ou não, o ser
humano é uma espécie, pertencente ao Reino Animalia). Além disso, o mundo é
composto tanto de formas vivas como não vivas e, nesse sentido, o homem pertence às
formas vivas. Falar em natureza não é apenas falar em água, rochas, animais não
humanos, vegetais e outras formas de vida, clima etc. É também falar do homem, da sua
psique e da sociedade humana, incluindo as ferramentas tecnológicas. Afinal, se a
construção de uma abelha (a colmeia) é parte da natureza, por que o carro não o seria?
Esta minha abordagem considera como natural tudo o que existe no mundo, inclusive o
homem e suas produções. Se partíssemos de outro referencial, um antropocêntrico, então
as produções humanas ficariam fora do mundo natural. Mas neste segundo referencial
possivelmente teríamos que desconfiar de nossa existência como ser natural. Uma visão
religiosa pode colocar o homem como o filho de Deus, diferente em princípio das
demais coisas existentes na Terra, e reforçaria essa visão antropocêntrica. A ciência
natural estuda, a seu modo, o mundo natural, humano ou não. Colocar o homem em
outro patamar é retornar à época da Santa Inquisição.
A ciência formal, por outro lado, é diferente. Ela não estuda um sujeito
eminentemente presente no mundo natural. Ela estuda uma linguagem, uma forma de se
abordar o mundo natural. Temos aí a matemática e a lógica. Elas explicam relações que
existem no mundo natural. São duas formas de se “ler” o mundo. Partem de
conhecimento que deve ser aceito, a partir dos quais são deduzidos outros
conhecimentos. Por exemplo, o conhecimento matemático inicia com “se x é verdadeiro,
então...”. Essa condicional mostra que todo o discurso seguinte depende dessa condição
inicial. Mas não é igual à religião, onde o discurso posterior a essa premissa inicial não é
demonstrado, mas continua no mundo da fé. No caso da matemática, a idéia inicial pode
ser uma condicional não demonstrada, mas na seqüência as comprovações são
universais; ou seja, são concluídas por quaisquer outros cientistas... não depende
puramente da vontade.
Podemos considerar lógica e matemática como linguagem que lê o mundo natural.
Sabemos que outras espécies animais também têm conceitos lógicos (igual, diferente,
contém, está contido, maior, menor, pertence etc.) e conseguem contar certas unidades
(matemática). Não quero considerá-las como construtoras de lógica e matemática, mas
61
Excluído o referencial antropocêntrico, fico me perguntando o que seria artificial?
■
81
que o assunto dessas disciplinas parece transcender o homem. Porém, sua forma de
estudo é muito diferente daquele da ciência empírica.
■
82
Mesmo que estudos empíricos possam ser feitos para avaliar deduções matemáticas,
incoerências entre a prática e a teoria não serviriam para negar a teoria, mas rejeitariam a
prática como imperfeita. Essa característica das ciências formais as tornam diferentes.
62
Por parcela significativa não me refiro numericamente, mas àquela parcela que faz a diferença; e
dela que, muitas vezes, o conhecimento vai aos livros textos e à comunidade não científica.
■
83
Talvez isso não soe muito científico, mas lembre-se que situações similares ocorrem
em qualquer outro setor da comunidade humana. As coisas não são em si, mas
dependem de como são mostradas e vistas.
É importante considerar esse aspecto do conhecimento científico – a aceitação por
parcela expressiva da comunidade científica. Sem essa aceitação, conclusões científicas
importantes permanecem desconhecidas, sem utilidade na construção de novos
conhecimentos. Não basta pesquisar, é necessário publicar; mas não basta publicar, é
necessário convencer!
Nesta questão, me refiro à verdade como uma constatação consciente de algo que não
questionamos e confiamos que não mudará, ao menos em tempo suficiente para que a
aceitemos como “a verdade”. Essa questão da verdade está presente na atividade de
qualquer cientista; afinal, ele busca construir conhecimento novo. Ela aparece na
demarcação entre ciência e religião (veja II-l e II-16); é crucial na construção e
expressão de conclusões. Ela é o pano de fundo que nos guia para sabermos até onde
avançar nas conclusões e saber o que é uma conclusão e o que é uma sugestão quando
redigimos o item conclusões (veja item IX-2 e X-8).
O consenso popular sobre a verdade refere-se à exatidão das afirmações. Para isso, é
necessário admitir que exista a verdade. No caso da ciência natural, admitir que exista
um mundo real. Descartes63 chega a essa conclusão por meio de um raciocínio lógico-
matemático (veja Parte 1). Ele é capaz de criticar essa existência. Portanto, se há critica,
ele pensa. Se pensa, deve necessariamente existir. Essa sua lógica simples é muito
importante64. Mas, quando falamos em verdade, precisamos conhecer o gabarito real
para compararmos se nossas idéias correspondem à verdade. E aí voltamos ao ponto de
partida! Para sabermos se o que temos é verdadeiro precisamos conhecer a verdade!
Conforme visto na Parte 1 deste livro e nas questões II-1, II-3 e II-11, historicamente
o ser humano discutiu muito sobre como atingir a verdade. Quando a ciência empírica
surgiu, a confrontação de enunciados teóricos com fatos fortaleceu os enunciados
teóricos que se mantiveram frente aos testes empíricos (é a realidade corroborando
idéias). A construção de tecnologias também reforça que algumas verdades tenham sido
atingidas. Ou seja, saímos das especulações lógicas e temos agora referenciais do mundo
real: se um avião voa, é sinal de que algumas idéias de base para sua construção são
verdadeiras. Esse pragmatismo reforça as teorias e fortalece a ciência. Porém, ele não é
decisivo, visto que idéias equivocadas podem
63
René Descartes (La Haye en Touraine, 31/11/1596 – Estocolmo, 11/02/1650).
64
Veja também a obra do filósofo irlandês George Berkeley (Condado de Kilkenny, 12/03/1685 –
Oxford, 14/01/1753).
■
84
65
É evidente que a limitação lógica é também epistemológica, mas uso esses dois termos para
diferenciar uma questão menos controlável (lógica) de outra mais facilmente perceptível (pressupostos
teóricos).
■
85
que tenha base empírica, ou que possa ser testado empiricamente, não considerará, ou
terá restrições, para aceitar conclusões racionalistas66 (veja II-1). Da mesma forma, se a
experiência pessoal não tem valor para a demonstração de um conhecimento científico,
as idéias religiosas passam a ser fantasias. Mas, se a fé é um requisito importante, muitas
explicações científicas se tornam sem sentido. A alternativa de considerar conhecimento
válido como aquele advindo da imbricação das formas de abordagem (filosófica,
científica, religiosa, artística e louca) não resolve. Nada garante essa verdade, exceto
nossa crença de que o mundo é o somatório dessas formas; mais ainda, pressupõe-se que
os aparatos humanos de constatação do mundo são suficientes para sua construção.
Embora Kant tenha ressaltado como nossas concepções interferem na forma como
apreendemos os fatos do mundo, mesmo os mais “concretos” (veja Parte 1 e II-1),
Duhem foi um dos primeiros epistemólogos a mostrar que as proposições científicas
dependem da teoria; ou seja, que as observações são impregnadas de conceitos (baseado
em Zahar 1997).
Sobre essa terceira barreira é instrutivo ler o capítulo III de Chalmers (2000). Esse
autor mostra de forma muito clara como considerar que os dados não determinam nossas
idéias, mas nossas idéias impregnam os dados que captamos. Olhamos sempre parte da
realidade, e essa percepção é determinada pelas nossas pré-concepções. Por exemplo, ao
olharmos um agrupamento de animais, podemos nos atentar para a relação
interindividual, para a locomoção do grupo, para aspectos morfológicos dos indivíduos,
para os sons emitidos, ou mesmo para o volume de carne que representam etc, tudo isso
condicionado à nossa formação anterior. Outro exemplo ocorre freqüentemente nas
defesas de tese ou dissertação. É comum os examinadores analisarem os textos com
prisma muito fechado em suas respectivas especialidades. Assim, se há na banca
examinadora um fisiologista, um psicólogo, um ecologista, um matemático, um
educador... cada um reclamará que faltou alguma coisa relativa à sua especialidade. Mas
o estudo é um só... o que muda é o prisma de abordagem!
A verdade científica possui um complicador a mais. Ela exige assumirmos que
existam regularidades subjacentes aos fenômenos naturais. Partindo disso, o objetivo dos
cientistas é conhecer essas regularidades, pois assim terá condições de predizer eventos
futuros. A prática científica também reforça essa interpretação. Quando um médico
receita um remédio a seu paciente, está pondo em prática a idéia de que os sucessos
anteriores na prescrição daquele medicamento justificam seu sucesso futuro, mesmo que
aplicado a outro paciente. Essa postura existe; porém, há uma margem de erro67. Receita
o medicamento quando julga que tal erro é demasiado pequeno. De fato, é uma análise
custo-benefício: possibilidade de erro x risco da não medicação. Na prática, no entanto,
muitas pessoas usam os conhecimentos científicos como verdades e se esquecem das
possibilidades de erro (Oreskes et al. 1994).
66
Apenas o uso do raciocínio (razão) é suficiente para entender o mundo.
67
É comum nas bulas de remédios alertas dizendo que até o momento não foram encontradas
contraindicações... o que significa: você pode ser a primeira!
■
86
68
David Hume (Edimburgo, 7/05/1711 - Edimburgo, 25/08/1776).
69
Na ciência natural (veja II-6), basicamente buscamos duas coisas: entender as regularidades dos
fenômenos naturais, o que é feito por indução, elaborando generalizações com caráter preditivo; ou
entender eventos passados (por ex., buscar evidências históricas para dizer quem foi o responsável por
certo evento histórico).
■
87
negação não dependerá de casos futuros, uma vez que o evento negador já ocorreu e os
casos futuros confirmadores não mudam essa negação.
■
88
Popper ainda faz outra crítica à indução. Ele simplesmente não aceita que possamos
olhar algo sem uma teoria70 prévia. Se pedirmos a alguém para observar um cão,
certamente ele observará coisas diferentes de outro observador, embora algumas delas
possam ser iguais entre eles. Isso ocorre porque cada um olha o mundo por uma ótica
pré-determinada. Essas duas críticas à indução levam Popper a propor o método
dedutivo como a única alternativa válida para a ciência.
O recurso à base inata inicial do conhecimento já foi evocado. O indivíduo nasce com
algum conhecimento inato e, a partir daí, tudo o que capta já tem um pressuposto (uma
teoria anterior). A validade de tal base inata já foi matéria de muito debate. Por exemplo,
o problema nature/nurture71 nos estudos comportamentais debate o quanto os
comportamentos são inatos ou aprendidos. Numa visão oposta, os behavioristas radicais
e empiristas assumiam que o indivíduo nascia como uma tabula rasa (denominação
usada por Santo Tomás de Aquino e também por John Locke – veja Parte 1), sem
qualquer conceito prévio e tudo era adquirido gradativamente ao longo de sua vida.
Independentemente da geração inicial de algum conhecimento (inata ou adquirida),
parece certo que o conhecimento do cabedal de um indivíduo interfere na forma como
olha e interpreta as coisas do mundo. Nesse sentido, as hipóteses seriam sempre
anteriores às observações. Porém, parece-me extremamente óbvio que um fato novo
(uma experiência vinda de fora, como um resultado inesperado numa pesquisa
científica) pode ser elemento para insights que culminem com uma nova teoria. Neste
sentido, embora os pré-conceitos afetem o como vemos a experiência empírica sensível,
essa base empírica também pode determinar nossos conceitos.
Numa abordagem mais recente, Jaynes (2003)72 desfere severa critica à abordagem de
Popper sobre a indução, reforçando a visão de Stove (1982, visto em Jaynes 2003) que
coloca Hume, Popper e pensadores da mesma linha sob o rótulo de irracionalistas.
Obviamente um termo provocativo, pois ao menos Popper defendia duramente o
pensamento racional e objetivo.
No sentido de Popper, uma teoria estaria sendo testada contra um número finito de
alternativas (Jaynes 2003). Mas Jaynes (2003) considera que a inferência Bayesiana
determina a plausibilidade de uma hipótese (e não seu status absoluto) em relação a um
conjunto finito e bem definido de alternativas. Esse crítico inclui que a função da
indução não é produzir conclusões verdadeiras, mas nos indicar quais predições73 são
mais fortes a partir das hipóteses e dados disponíveis.
70
Neste caso teoria significa qualquer ordenação teórica que guie nosso conhecimento.
71
O termos nature versus nurture foi cunhado, no sentido moderno, por Francis Galton (16/02/1822 -
17/01/1911) (previamente usado por Shakespeare em The Tempest). Era primo de Charles Darwin e
também foi o criador do conceito de correlação; foi o primeiro a aplicar métodos estatísticos para
comparar diferenças entre seres humanos e introduziu o uso de questionários para pesquisas descritivas
em comunidades humanas (surveys).
72
Meu conhecimento das idéias de Jaynes vieram pela observação do Dr. Paul G. Kinas, da FURG,
RS, que me forneceu parte do material sobre a crítica às idéias de Popper sobre a indução.
73
Uma predição é uma derivativa de uma hipótese (ou teoria); na ciência empírica, indica algo que
deva ocorrer no mundo empírico caso a hipótese esteja correta.
■
89
A corroboração de uma teoria por dados futuros nos dá maior confiança sobre as
hipóteses que levaram a essa teoria (Jaynes 2003). Se isso se mantém por muito tempo,
com muitos dados
■
90
corroborando a teoria, acreditaremos nela a ponto de considerá-la uma lei (veja II-10). A
confirmação não nos diz nada novo, apenas nos dá mais confiança sobre o que já
sabíamos. Mas a real contribuição da indução é quando as predições se mostram erradas
ou incompletas, o que nos dá dicas para aprimorarmos esse conhecimento. Podemos
também determinar conseqüências de teorias que consideramos falsas; isso ajuda quando
buscamos examinar conseqüências de nossa teoria favorita, mas não sabemos o que
procurar. Neste caso, podemos considerá-las válidas (mesmo que não acreditemos nisso)
para supor suas predições e, a partir delas, dizer algo também sobre a nossa teoria
predileta. Na visão probabilística Bayesiana, atribuímos a uma hipótese uma
probabilidade de ela ser verdadeira, mas na visão frequentista, testamos a hipótese (certa
ou errada).
De fato, a crítica de Jaynes (2003) faz sentido no contexto prático da ciência. A
ciência usa o método empírico. Os dados são coletados para avaliarmos hipóteses,
predições de hipóteses. Mas note que essas hipóteses devem ter um caráter
probabilístico. Uma preocupação básica do método científico é considerar a experiência
empírica para se concluir sobre as idéias. Isso mostra a força da indução na construção
do conhecimento. Um exame das publicações científicas da atualidade mostra que
fazemos exatamente isso, independente de área do conhecimento.
Embora os resultados não produzam verdades, constroem conhecimento
fundamentado na base empírica e sustentado com o que se tem no momento, sem a
pretensão de que seja uma verdade que transcenda o tempo. Os cientistas, por
ingenuamente acreditarem no poder confirmatório da indução, ainda permanecem
procurando confirmar suas hipóteses. Isso se reflete também nas revistas científicas
quando tornam mais difícil a publicação de artigos que negam hipótese74. No capítulo
VII, sobre planejamento da pesquisa, ficará mais claro este aspecto.
Até aqui vimos que a busca da verdade é muito problemática. De um lado, as
limitações humanas ao conhecer o universo. De outro, a incapacidade metodológica de
se conseguir verdade nas induções que construam generalizações de caráter preditivo. O
que nos resta?
Em resumo, não temos condições de garantir se as conclusões científicas são
verdadeiras nem por quanto tempo se sustentarão como verdade. Podemos apenas dizer
sobre sua adequação frente ao conhecimento da época, uma decisão relativista. Veja as
implicações disto na definição que apresento para conhecimento científico em II-7.
Infelizmente, essas problemáticas sobre a indução e a verdade científica permanecem
desconhecidas da maioria dos cientistas, levando a duas posições mais comuns: ou
sustentam a verdade de suas generalizações pelas comprovações cabais obtidas de
amostras; ou, por medo de errar, atrelam enfaticamente as conclusões às condições do
trabalho: “considerando as condições metodológicas deste estudo e os resultados aqui
74
Numa banca de doutorado em universidade pública brasileira renomada, constatei uma professora
eminente instruir o aluno a identificar as conclusões de seu estudo e, sem seguida, colocá-las como
hipótese no objetivo do trabalho. É absurdo, e desvio de conduta ética, sustentado pelo medo em negar
hipóteses.
■
91
II-10 O que são hipótese, tese, teoria, lei, hipótese ad hoc, predição, argumento,
falácia, postulado, dogma e mito?75
A hipótese é uma resposta a uma pergunta, mas que ainda não foi testada. Portanto, é
sempre uma afirmativa. Quando é testada, sua corroboração ou sua negação se
transformam na conclusão. Para que seja uma hipótese científica, ela deve ter condições
de ser negada. Ou seja, é necessário que alguma condição derivada da hipótese possa
negá-la caso ocorra. Se isso não existir, ela não é científica.
Examine a hipótese “Deus existe”. Veja que não há nenhum derivado lógico dela que,
se ocorrer, permita negar essa hipótese. Em outras palavras, que fato poderia negar essa
hipótese? Assim, ela não é científica nos moldes da ciência empírica. Isso não a exclui
como tema para discussão filosófica, ou mesmo crença.
Agora, retorne à discussão sobre o conceito de verdade (item II-8). Se as
generalizações científicas são provisórias, os sentidos correntes de hipótese, tese, teoria
e lei tendem a se aproximar. A alternativa que uso é diferenciar esses termos não pelo
seu conteúdo de verdade (pois seria impossível), mas pelo alcance empírico (grau de
generalidade) e pelo fato de terem sido ou não testados. Alcance empírico refere-se aos
elementos do mundo físico aos quais a generalização diz respeito. A Tabela 2 resume
essa proposta, partindo-se da visão clássica.
Os fatos são considerados no nível real, sendo diretamente observados. Esse nível não
se confunde com verdade, mas é aceito como real para os especialistas da área. Pode ser,
por exemplo, mensuração de um íon (que não se vê, mas cuja existência é aceita),
respostas a um questionário, contagem de número de células, ou número de indivíduos,
enfim, qualquer variável operacional (veja VI-3). Note que nem sempre alguém externo
ao círculo científico reconhecerá algo como um fato. Veja quando um especialista
examina uma radiografia ou as imagens de um ultrassom. Esse especialista vê coisas que
o não especialista não vê. É o acordo de área que assume certas coisas como fato,
embora em geral os fatos sejam bem universais.
Ao contrário do fato, considerado real pela comunidade científica, os outros
elementos (como hipótese e lei na Tabela 2) estão no nível abstrato, das idéias. Nesse
nível conceituai, podemos distinguir aqueles que foram confrontados com a realidade
dos fatos (testados) daqueles que ainda não o foram, separando aqui hipótese e tese de
teoria e lei. A diferenciação entre hipótese e tese não é feita pela necessidade de teste,
mas a partir de uma análise relativa entre duas proposições: a hipótese é mais específica
e “subalterna” à tese. Os testes das hipóteses possibilitam julgamento sobre a validade
da tese. Em outras palavras, a tese é testada pelo teste empírico da(s) hipótese(s)
subjacente(s).
A teoria, por outro lado, é uma explanação mais geral, cujas teses subjacentes já
foram testadas em algum nível. Ou seja, a teoria é um conhecimento explicativo de certa
forma já consolidado, mas eternamente provisório. Com essa noção, quero abandonar o
uso do termo lei na ciência, pois este só terá sentido se assumirmos que ele se diferencie
75
Para esta temática, sugiro ler Bickenbach & Davies (1997). Para o conceito de paradigma, veja II-11
e V-9.
■
93
Argumento dedutivo
Esquema de raciocínio
(Peixes) Є (Vertebrados) Є (sentir dor), ou
Vertebrado = Sentir dor
Peixes = Vertebrado
logo, Peixes = Sentir dor
Argumento indutivo
O que é fantástico no argumento lógico é que, se sua construção não envolve falácias
(erros lógicos de raciocínio76), todos concluem a mesma coisa. Se eu lhes disser que
todos os homens são mortais e que Sócrates é homem, todos concluirão que Sócrates é
mortal. Considerando que o conhecimento científico requer que os pares aceitem as
idéias (veja II-7), o raciocínio lógico é uma potente ferramenta.
Os postulados são proposições (princípios ou fatos) que se admite sem
demonstração. São pontos de partida que, em certos momentos, são essenciais para se
construir um arcabouço teórico. O dogma é também admitido sem demonstração, mas é
aceito como uma verdade absoluta impossível de ser modificada no futuro. Indiscutível!
É intransigente e não aceita refutação. O mito também se apresenta como explicação
dogmática, pois se busca sua afirmação mesmo com fatos contrários (os fatos cedem ao
mito e não o contrário – sempre se busca acrescentar algo ao mito a fim de mantê-lo,
mesmo frente a dados que o contradizem – é uma matéria de fé). O mito é uma fábula
sobre a natureza.
76
Dois exemplos de falácia: 1) Todas as aves que voam têm asas; os pingüins são aves e têm asas;
logo, os pingüins voam. 2) A frase a seguir está errada; a afirmação anterior não é verdadeira.
■
97
Costumo usar a estrutura de paradigmas proposta por Kuhn para aplicá-la a casos
mais específicos77. Explico melhor. Veja em sua especialidade quais são as noções
teóricas que você assume a priori; ou seja, numa postura paradigmática. Ela tem o
mesmo efeito dos grandes paradigmas. Encontrar outras explicações implica lidar,
embora num universo mais restrito, com os mesmos problemas da mudança
77
Possivelmente Kuhn vire-se no túmulo ao saber disto, mas a analogia lógica estrutural me parece
perfeitamente válida.
■
101
A dicotomia entre ciência básica e ciência aplicada, tão comum nos corredores da
ciência, é infundada e produto de interpretações equivocadas do que seja ciência. Da
forma como essa dicotomia é colocada, presume-se, em primeira instância, que existam
duas ciências: a básica e a aplicada. Por extensão desse conceito, deveríamos admitir
que existam duas formas científicas de se construir conhecimento, a básica e a aplicada.
Esse equívoco ocorre porque essa definição se baseia no produto final e não no
mecanismo para gerar conhecimento. E ciência é uma forma de gerar conhecimento e
interpretar o mundo (veja II-1). Na ciência produzimos conhecimento que pode ser
aplicado imediatamente (ciência aplicada) ou não (ciência básica). A diferença entre o
conhecimento básico e o aplicado não está na forma de construção (ciência), mas na sua
correspondência social: serve para agora ou não.
Podemos, então, distinguir claramente dois níveis de conhecimento: a) conhecimento
sem aplicação prática imediata e b) conhecimento que trata de questões práticas
imediatas, com chance de construir tecnologia. A tecnologia em si é o produto da
aplicação do conhecimento científico. Muitos chamam o primeiro de ciência básica e o
segundo de ciência direcionada. Esses dois qualificadores (básica e direcionada) são
também equivocados, pois a ciência dita básica também é direcionada por outros
conhecimentos e para determinadas teorias. Essa questão só existe quando resolvemos
avaliar o conhecimento pelas suas conseqüências práticas. É evidente que a ciência deve
atuar nos problemas sociais a curto e médio prazo, mas é também evidente que a busca
por conhecimento não deve se limitar a isso, pois do contrário nunca enveredaríamos por
caminhos novos. Deixar a mente vasculhar as curiosidades humanas sempre foi um bom
tempero nessa
■
102
■
103
questão. É evidente que o bom senso deve dimensionar o quanto, num dado momento,
devemos investir mais em pesquisas de aplicação imediatista ou não. Conseguir o bom
tempero é tarefa dos bons gestores e administradores.
Seja qual for o enfoque do seu trabalho, o importante é que construa ciência de bom
nível. Não se constrói um país livre e independente apenas com ciência “básica”,
tampouco só com ciência “aplicada”. O comum é um vai e vem entre os conhecimentos
aplicáveis e os não aplicáveis no momento. O importante é que a ciência seja de bom
nível e devemos mirar nisso durante a formação de nossos cientistas. Do contrário,
nossas tecnologias não funcionarão perfeitamente, e o salto quantitativo que o país vem
dando na ciência internacional será apenas uma construção vazia com grande chance de
sucumbir.
Lembremos que o descobridor do raio laser não saiba exatamente para que ele
serviria. Da mesma forma, Mendel mostrou os mecanismos genéticos sem
possivelmente ter noção do que estava criando. A própria teoria da seleção natural, de
Charles Darwin, é hoje usada na Epistemologia (veja teoria epistemológica
evolucionária – Popper 1972)
Uma implicação atual dessa dicotomia é a preferência que muitas agências de
fomento à ciência têm dado às pesquisas de cunho aplicado. Fazendo uma analogia com
uma indústria, imagine que ela deve possuir matéria-prima para fornecer seu produto.
Caso se preocupe demasiadamente com o produto, poderá se esquecer da matéria-prima
e aí o produto se esgota. No caso da ciência, a matéria-prima é o conhecimento e o
produto, as soluções tecnológicas resultantes. O que usamos são esses produtos que
resolvem nossos problemas. Mas se um país investir maciçamente apenas nas atividades
que resolvem problemas atuais, poderá se dar mal no futuro. Problemas novos podem
surgir, para os quais novas soluções precisarão de novos conhecimentos.
Costumo tratar esta questão com o seguinte exemplo: imagine que um tipo de lavoura
importante para nossa alimentação começa a morrer. Sem dúvida, parar essa mortalidade
é fundamental. Mas como fazer isso se não sabemos o que está causando essa
mortalidade? Depois de algumas observações, descobrimos que se trata de um inseto,
pois sempre que ele está presente a lavoura começa a definhar. Descobrimos até que o
tal inseto é conhecido como Nebulsosus marginalis. Mas agora vem o problema: nada
sabemos sobre ele. Num primeiro momento usamos o que conhecemos sobre outros
insetos para resolver a questão, mas logo percebemos que isso não funciona com o N.
marginalis.
O drama todo fica maior quando olhamos para a literatura e consultamos especialistas
e descobrimos que ninguém conhece os hábitos desse inseto. O caminho natural é
buscarmos rapidamente conhecê-lo: seu hábito alimentar, reprodução, ciclo de vida,
preferências climáticas etc. Mas todos sabemos que isso pode durar alguns anos antes
que possamos controlá-lo sem destruir o restante do ambiente (ou seja, não vale matar o
doente, ou explodir a terra, para eliminar o vírus, a bactéria ou o parasita). Ficamos
desanimados ou desesperados!
■
104
Mas eis que surge uma notícia surpreendente. Um pesquisador (Dr. Curio Osos) de
um país pouco conhecido havia estudado muito sobre a vida do N. marginalis. Ufa,
salvos pelo gongo!
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105
Temos agora um volume de conhecimento que nos levará rapidamente ao controle desse
inseto diferente de seus parentes.
O que decorre dessa estória é que quando o Dr. Osos estudou esse inseto, a questão
da praga talvez nem tivesse ainda sido levantada. Ele estudou porque achou interessante.
Porém, no momento em que surgiu o problema na lavoura, rapidamente esse corpo de
conhecimento passou do mundo básico para o mundo extremamente aplicado. E assim é
a ciência. Importância social depende do contexto, do momento.
É evidente que um país não tem condições de financiar todas as elucubrações dos
cientistas na fé de que poderão ser úteis no futuro. Porém, também não pode bloquear
certas pesquisas “malucas” porque elas poderão fazer a diferença no futuro. Os
administradores estão, geralmente, pensando em investir no que é prioritário, naquilo
que tem baixa possibilidade de erro. Essa não é postura de um empreendedor.
Investir em mesmice também atrapalha. Quanto mais o país é retrógrado em
conceitos sobre ciência, mas fará pesquisa arcaica e menos investirá nas idéias
inovadoras (não importa o quanto alardeiem estar envolvidas com a causa da inovação).
Temos, em nosso país, costume de investir em mesmices e medo de investir no risco.
Pesquisa de risco fica na gaveta, tanto por parte de alguns cientistas, quanto por parte de
financiadores. Note que não é uma questão apenas dos financiadores, mas muitas vezes
dos pares que dão o parecer técnico à proposta de pesquisa. Portanto, a mudança teria
que ser mais geral entre os cientistas.
Ressalto outro aspecto para tirar a impressão de que, ao final, o que importa é aquilo
que gere tecnologia, mesmo que em longo prazo. A tecnologia nos ajuda a resolver
problemas. Porém, o ser humano se depara também com problemas de outra natureza,
cuja solução também lhes é extremante importante, mesmo que não signifique presença
de tecnologia. Indagações e inquietações sobre as coisas podem gerar perguntas
perturbadoras. Alguns se perguntam de onde viemos ou o que somos neste universo.
Perguntas existenciais, em vários formatos, merecem respostas. Pesquisas nesse sentido
podem não gerar lucro, podem não resultar em tecnologia, mas são importantes. É
também genuíno querer conhecer os seres que nos cercam, pelo puro prazer de conhecê-
los e nos espantar com suas formas diferentes de vida e soluções de problemas.
Enfim, a ciência se presta a tudo isso. Essa é a conseqüência da fascinante evolução
de nosso sistema nervoso, que nos premia com ideais fantásticas, inclusive com a
criação da ciência, umas das brilhantes formas de se ver o mundo. Talvez por isso
mesmo seja uma das únicas a gerar tecnologia.
■
106
Por que temos que tornar a vida um inferno, quando poderíamos nos ajudar? O pano
de fundo de tudo isso é o sistema altamente competitivo em que vivemos? Tenho minhas
dúvidas. O caráter das pessoas parece o problema principal. Poderíamos competir com
outra intenção.
78
Toda a culpa não deve recair à nossa colonização, mas certamente esse processo explica parte de
nossas condutas. A colonização vem com o intuito de levar riquezas para o país de origem. Além disso, a
própria Lei de Degredo, que fez com que muitos condenados em Portugal fossem extraditados para o
Brasil, colaborou para a constituição de uma sociedade baseada em oportunismo, imoralidade e safadeza.
■
107
Acredito muito no poder da educação. Ensine desde cedo o amor, e terá o amor.
Ensine a deslealdade, e criará seu próprio inferno. Se criamos, fomentamos ou
estimulamos a ignorância, a arrogância e a deslealdade, hoje somos vítimas delas.
Qualquer governo que não invista, de forma maciça, na educação de sua população é
demagógico ou profundamente equivocado. Esse é o único caminho para qualquer
sociedade... por que não seria para a nossa? Enquanto a moral e a ética não se tornarem
referenciais básicos no nosso dia a dia, estaremos longe de qualquer mudança
significativa.
O que mostro aqui é que o direcionamento para as pesquisas aplicadas é uma decisão
particular do cientista, não uma imposição da ciência. A ciência é uma estratégia
humana para construir conhecimento. E conhecimento não serve apenas para resolver
problemas práticos. Aliás, nem sempre um estudo com implicações práticas se inicia
dessa forma.
A questão básica é: para que serve a ciência? Parece-me bastante natural
imaginarmos que a ciência, assim como qualquer outra atividade humana (arte, política,
comércio, trabalho, turismo, religião, filosofia, esporte etc), deva ser direcionada para
tonar o ser humano mais feliz. As relações humanas são complexas e nem sempre a
felicidade criada para alguns se compatibiliza com a felicidade de outros, o que se
desdobra em relações sociais complexas. Mas ainda acho genuíno e válido insistirmos
que o objetivo da ciência é aumentar e manter a felicidade das pessoas.
Como conseguir felicidade? Precisamos mais que boa saúde, embora ela seja
importante. Precisamos mais que dinheiro, embora ele também ajude. Precisamos mais
que bens materiais, embora eles também nos satisfaçam.
O surgimento da ciência não veio de uma necessidade médica ou econômica, mas da
inquietação humana diante dos problemas existenciais. A busca por um conhecimento
mais seguro, mais aceitável foi, muito possivelmente, o principal estopim para se
encontrar o método científico. Vimos em II-1 como as inquietações existenciais
direcionaram as discussões filosóficas. Lógico que elas também foram temperadas por
questões práticas, mas estas não foram o cerne da questão. Vejam que a máxima de
Descartes (Penso, logo existo) estava muito além de questões médicas ou econômicas. A
preocupação dos empiristas e dos racionalistas era também uma preocupação em
conseguir uma “ferramenta” que nos desse um raciocínio, um conhecimento adequado.
Francis Bacon, ao criar a raiz da ciência moderna, tinha essa mesma preocupação. O
próprio nascimento da Filosofia relaciona-se com a preocupação com o entendimento do
mundo (inicialmente, sua composição). O entendimento do universo também permeou
muitos filósofos na história do conhecimento humano.
É a partir do estabelecimento de uma metodologia voltada para os fatos concretos,
mas ainda preocupada em criar conhecimento confiável, que a tecnologia resultante
desse conhecimento ganha força. Antes disso, em vários momentos vimos pensadores se
atrelando ao poder dominante, reflexo de uma necessidade social, mas não intelectual.
■
108
■
109
É evidente que a tecnologia depende da ciência e não o inverso. Hoje essa afirmação
pode assustar alguns, pois não se fala em ciência sem se pensar em equipamentos e
outros produtos tecnológicos usados nas investigações científicas. Porém, esse uso da
tecnologia não é uma dependência na essência, mas apenas uma expansão tecnológica
que nos amplia a qualidade da base empírica. Os procedimentos lógicos básicos (o
método científico) de construção do conhecimento continuam os mesmos.
Com essa ressalva, voltemos à questão inicial. A ciência é uma ferramenta humana
que lhe dá conhecimento confiável (veja II-2 e II-3). Que esse conhecimento deva ser
voltado aos interesses humanos não tenho dúvida. A questão é saber quais são esses
interesses. Hoje vivemos uma sociedade tecnológica altamente competitiva. É natural
que isso desvie e atraia a atenção de todo empreendimento humano, inclusive a ciência.
Entendo isso como um acontecimento histórico, mas não como um norteamento
filosófico. Será que o ser humano perdeu o interesse em saber de onde viemos, para
onde estamos indo, se estamos sós ou não no universo, qual o significado de tudo à
nossa volta, há uma razão maior para a complexa vida humana, o que é a mente?
Outra forma de abordar esta questão é considerando a gênese das produções
tecnológicas. Uma pesquisa aplicada, como é concebida hoje, visa a resolver um
problema prático claramente delimitado e conhecido. Por exemplo, podemos fazer
pesquisa para melhorar a qualidade do ensino, para reduzir o risco de uma epidemia,
para otimizar o uso de combustíveis para motores, para facilitar as construções civis,
para acelerar e melhor qualificar nossa comunicação etc. O problema é claro e, partindo
dele, investigamos as lacunas do conhecimento e oferecemos respostas que se tornarão
(ou diretamente propiciarão) a própria tecnologia.
Mas que dizer da pesquisa que deseja conhecer como vivem certos animais que não
possuem interesse econômico (não são pragas, nocivos nem comestíveis), como é a
dinâmica social de certas tribos indígenas, qual a galáxia mais distante da nossa (mesmo
sabendo que possivelmente nunca chegaremos lá), por que alguns animais são tão
coloridos, o que é a mancha de Júpiter, como resolver o enigma da corrida entre Aquiles
e a tartaruga (proposto por Zenão de Eleia), dentre outras? Num mundo tecnológico, o
que não resolve questões práticas é visto com desdém. Parece que toda a atividade
humana deve ser voltada para engraxar esse sistema.
Essa problemática entra na ciência à medida que os projetos relevantes passam a ser
apenas aqueles que apresentam uma aplicação eminente. E o discurso se reveste do
paradigma democrático e social, ganhando ainda mais força. Se a sociedade financia a
pesquisa, nada mais justo que o resultado da pesquisa seja revertido para essa sociedade.
Uma forma capitalista de tratar as coisas, baseado no investir para obter retorno. O pior
é que esta abordagem algumas vezes prioriza o retorno tecnológico, nem sempre em
termos de esclarecimento de dúvidas existenciais, ou simplesmente do prazer de se
conhecer mais sobre o nosso mundo.
■
110
79
Diz-se daquelas pesquisas que mesmo sem clara expectativa de construção de uma tecnologia, estão
voltadas para um problema prático de interesse; ou seja, estão direcionadas para esse problema.
■
111
conhecimento que, mais tarde, se mostrou altamente tecnológico. Veja que o monge
Gregory Mendel estava possivelmente preocupado apenas em entender um fenômeno
biológico, que eram as relações entre características das plantas (no caso ervilhas) na
descendência. O fato de a ervilha ser comestível talvez tenha sido mero acaso. O
desdobramento de suas descobertas no fortalecimento e direcionamento da genética
também não podia ser previsto nessa ocasião. O mesmo se pode dizer hoje das pesquisas
que recebem o Ig Nobel80?
O fato é que podemos manter a ciência como uma atividade de descoberta das
curiosidades humanas, ou direcioná-la estritamente para as questões aplicadas que, na
atualidade, significam as engajadas na manutenção de nosso sistema tecnológico e
econômico. De um lado satisfazemos curiosidades, de outro resolvemos problemas
práticos de sobrevivência. Coloco de forma bem dividida nesses dois blocos para
reforçar que eles existem. É lógico e salutar que a opção não recaia em apenas um deles.
Sem dúvida, todas as questões levantadas pelo ser humano são genuínas e merecem
investigação. Até mesmo saber se há vida após a morte, mesmo que as ferramentas
científicas ainda não sejam suficientes para nos dar esse tipo de resposta.
No filme Contact, a Dra. Eleanor “Ellie” Arroway (interpretada por Jodie Foster) se
dirige a uma Fundação que financia projetos para pedir apoio em sua pesquisa que
investiga contatos com vidas inteligentes em outros planetas. Após apresentar sua
proposta aos técnicos, recebe a seguinte resposta: “Bela apresentação Dra. Arroway.
Mas, embora nossa Fundação financie projetos experimentais, devemos confessar que
sua proposta não parece ciência, mas sim ficção científica”. Frente a isso, e já sendo sua
última esperança, ela desabafa:”[...] é loucura [...] é birutice. Quer ouvir outras
birutices?” E dispara uma pequena lista: avião, quebra da barreira de som, ida à lua,
energia atômica, missão para Marte. Ela pede a eles um pouco de visão, uma percepção
geral das coisas.
É essa percepção estreita que está dando um caráter imediatista para a ciência nos
dias de hoje. Isso se reflete na alocação de verba para pesquisa e algumas áreas são
claramente prejudicadas porque não conseguem fornecer o tipo de resposta tecnológica
imediata que as agências de fomento vislumbram. Mas isso geralmente é uma
característica da área, no momento histórico em que se encontra, e não ciência
desinteressante ou infundada.
A visão capitalista da ciência a coloca como uma atividade que deve retribuir
benfeitorias para a sociedade, mas prioriza as benfeitorias práticas, aplicadas, de forma a
resolver problemas ditos relevantes. Nesse sistema, as pesquisas que atendem a esse
quesito são favorecidas com financiamentos, enquanto outras ficam ignoradas.
80
O mote do Ig Nobel Prize é: “Research that makes people laugh and then think” (www.
http://improbable.com/ ig/). Por exemplo, dois prêmios de 2011 foram: Is a sigh “just a sigh”? Sighs as
emotional signals and responses to a difficult task – (Teigeni, 2008) e Beetles on the bottle: male
buprestids mistake stubbies forfemales (Coleoptera) – (Gwynne & Rentz, 1983).
■
112
Preocupação constante de muitas pessoas são os efeitos maléficos que podem advir
da aplicação de certos conhecimentos científicos. Por exemplo, as destruições por
bomba atômica, as poluições pela indústria, as mortes acidentais nos transportes etc.
Esses efeitos não decorrem do conhecimento, mas da forma como o homem o utiliza.
Atribuir a culpa à tecnologia derivada de ciência eximiria a responsabilidade da
ciência e do cientista? Lógico que não! Porém, em muitos casos é impossível prever o
desdobramento tecnológico e prejudicial que determinado conhecimento pode trazer à
sociedade. Além disso, muitas vezes há prejuízos e vantagens decorrentes das
descobertas e, privando-se do conhecimento, priva-se também das vantagens decorrentes
dele.
O conhecimento científico é amoral, mas o cientista não. Antes de tudo, o cientista é
um cidadão. Cabe a ele lutar para a boa aplicação do conhecimento gerado.
A ciência está aí. A tecnologia também. O que faremos com isso depende de nós. Se
o conhecimento que produziu a bomba atômica já matou muita gente, também já curou
muitas pessoas. Se a produção de carros já matou muitas pessoas, também já salvou
várias. O que leva a matar ou curar, prejudicar ou ajudar, está além da tecnologia ou do
seu conhecimento de suporte; está na participação moral e política de cada cidadão.
Nesta sociedade científica de “publicadores de papers”, o que ainda falta é um
investimento mais forte na formação ética e moral. A pós-graduação deveria se envergar
nessa tarefa, mas aparentemente não o está fazendo com a intensidade necessária81.
Numa sociedade inteligente, a produção de conhecimento deve vir acompanhada de
exemplos práticos. Enquanto no Brasil as universidades continuarem repetindo82 os
erros de nossos políticos, não vejo qualquer chance de mudança séria.
Inicialmente, considere a distinção que fiz (II-1) entre ciência e religião. Assim, o
religioso considera que tem consciência sobre, no mínimo, uma verdade absoluta: Deus
(ou forma similar)
81
Hoje, com exceções, as pós-graduações são voltadas estritamente aos critérios Capes. E tais critérios
atendem mais à competitividade do que à formação científica. Formamos toneladas de pesquisadores e
raros cientistas e educadores. Certamente um sistema falido. Note que as defesas de tese julgam a pesquisa
e raramente o aluno, mas é ele que recebe o título.
82
Muitos que criticam nossos políticos fazem exatamente a mesma coisa em seu pequeno nicho
(atribuindo isso à política universitária). A moral transcende o campo de atuação!
■
113
existe83. Se Deus não existir, o discurso religioso desaparece. Por exemplo, se não há
espírito, não há espiritismo! Se não há Cristo, não há cristianismo!
Ao contrário, o cientista admite que nossas certezas têm caráter provisório. Mesmo
que diga um enunciado verdadeiro, não tem como saber se, de fato, é verdadeiro (II-8),
no sentido de uma verdade que transcende o tempo. Além disso, o cientista só considera
discursos baseados em evidências que possam ser universais (obtidas por quaisquer
pessoas, desde que obedecidas certas condições descritas).
Essas divergências são complexas. O cientista considera que todo seu conhecimento é
provisório e aceita as evidências universais. No caso do religioso, considera-se que ele
detém ao menos um conhecimento não provisório (que transcende o tempo) e que ele
aceita se basear na experiência pessoal. Todo x Nem Todo! Universal x Pessoal! Se um
religioso lhe disser que conversou com Deus, só nos resta aceitar enquanto uma
experiência dele. Se dissermos que isso não pode ter acontecido, estaremos impondo
nossa verdade sobre a dele, o que pressupõe que detemos esse tipo de verdade. E se
Deus existir e, de fato, tiver conversado com ele? Neste caso a questão recai no que
consideramos como experiência válida para construção do conhecimento. O pensamento
científico não consegue negar a experiência do religioso, mas também não consegue
aproveitá-la para elaborar conhecimento.
Neste dilema, uma postura científica apenas assume que a hipótese “Deus existe”, ou
“Deus não existe”, não é científica, pois não temos como imaginar situação factual
(empírica) que a negaria.
A convivência com essa dicotomia, no entanto, não é epistemologicamente fácil, pois
implica aceitação de premissas contraditórias (todo x nem todo e universal x pessoal).
Se assumirmos como necessária a coerência entre nossos pressupostos teóricos, então
não poderemos ser, ao mesmo tempo, cientistas e religiosos tentando discorrer sobre o
mesmo mundo. Se, por outro lado, admitirmos a incoerência como um processo normal
e humano, então podemos naturalmente ser cientistas e religiosos.
O que devemos evitar neste dilema é a tentativa de mostrar a validade de uma
proposta sobre a outra simplesmente pela maior aceitação social de uma delas. O drama
de Galileu Galilei frente à inquisição religiosa cristã justifica esta questão. As posturas
de Santo Agostinho e Tomás de Aquino servem de base para esse casamento entre
ciência e religião. Hoje a dominação científica ainda faz com que alguns discursos
religiosos procurem colocar o arcabouço científico para maior aceitação social de sua
crença.
83
Costumo dizer que a única pessoa a ter certeza absoluta da verdade sobre a vida pós-morte (que tem
implicações sobre a crença em Deus) é o ateu (embora eu considere o ateísmo um ato de fé): se Deus não
existir, o ateu passou a vida com essa verdade e, após morrer, tudo termina, tendo encontrado a verdade
em vida; por outro lado, se Deus existir, saberá ao morrer.
■
114
Referências
Literatura Complementar
i
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■
118
CAPÍTULO III
Publicação Científica
84
Se lhe disserem que na Discussão você deve comparar seus achados com a literatura, não acredite.
Lá você apresenta seu discurso. Nesse discurso poderá, em alguns lugares, usar a literatura, mas a essência
do texto da Discussão não é essa comparação... é a explicitação e defesa de seu discurso.
■
119
Apenas por uma questão de ordenação das idéias, farei a distinção seguinte. As
revistas científicas são aquelas que divulgam conhecimento científico primário. Ou seja,
divulgam pela primeira vez aquele conhecimento. A revista científica requer um crivo
prévio à publicação, representado pela análise anônima do trabalho por cientistas
especialistas na área do artigo. Esse processo dá credibilidade ao conhecimento que é
aceito para ser publicado. Quanto mais reconhecida é a revista, mais se assume que esse
crivo é forte e acredita-se que os trabalhos ali
■
120
publicados têm menor chance de erros. Lógico que nem sempre é assim, mas em termos
gerais isso funciona bem.
O sistema descrito acima requer que o texto seja escrito com linguagem científica, o
que implica que para o cidadão não cientista as palavras do texto não sejam de todo
conhecidas, as análises sejam fechadas (tanto as estatísticas quanto as qualitativas), as
representações gráficas estranhas, a literatura de suporte inacessível e a argumentação
pesada. O texto científico está geralmente no idioma inglês, o que representa mais uma
barreira. Nesse universo entram as revistas de divulgação.
Elas se baseiam em pesquisas publicadas nas revistas científicas e as divulgam com
uma linguagem sem jargões científicos, dirigidas ao público não científico85. Elas
representam a transposição entre o círculo científico e o não científico. Esse papel
também é desempenhado por alguns jornais (impressos, na Internet ou mesmo no rádio
ou televisão). Porém, nas revistas de divulgação científica o cuidado é maior para que a
reportagem seja fiel ao conteúdo do trabalho científico original. Dentro do jornalismo,
temos o jornalismo científico, que forma jornalistas que se especializam em
determinadas áreas para melhor entenderem o conteúdo e os jargões do trabalho
científico (ou de uma entrevista com um cientista), que será sua fonte primária de
informação.
Desde que a informação seja transmitida com exatidão, seu conteúdo é tão válido
quanto aquele da publicação original. Porém, os cientistas evitam usar tais fontes para
seus textos, visto que a chance de surgirem erros ou imprecisões acerca das informações
contidas no artigo original não é desprezível. Além disso, às vezes a informação pode vir
de alguma revista científica de pior escalão, o que complica ainda mais a credibilidade.
Assim, recorrer à fonte original (primária) da informação reduz a possibilidade de
equívocos.
85
Algumas vezes se enquadram neste público cientistas de outras áreas. Para um médico poderá ser
intransponível a leitura de um artigo de física publicado, por exemplo, na revista Living Reviews in
Relativity. Seria mais bem compreendido se aparecesse uma reportagem desse artigo na revista Pesquisa
Papesp ou Ciência Hoje.
■
121
Note que nesta definição estou considerando a revista como um veículo internacional,
que serve à comunidade internacional (que só pode ser composta de pessoas de vários
países). Do contrário, é regional (seja de um ou de alguns países).
Uma característica importante da revista internacional é que emprega idioma
internacional, que na ciência é o inglês (veja III-9). Do contrário, não teria como atingir
a abrangência internacional necessária. Mas notem que na atualidade há uma verdadeira
inflação de revistas científicas em inglês. Os cientistas recebem hoje por e-mail
“convites” de várias revistas para submeterem seus artigos. Quando olhamos mais
cuidadosamente, são revistas que ainda não estão nas melhores bases de dados
internacionais (por ex., WoS86). Com essa estratégia, é bem provável que essas revistas
publiquem artigos de cientistas de vários países, mas mesmo assim não seriam
internacionais porque não seriam, possivelmente, citadas de forma ampla por cientistas
de vários países.
Em apoio a esta classificação temos o índice de internacionalização, publicado por
Kosmulski (2010). Ele indica o perfil da revista (do cientista ou de uma instituição) em
função de quantos países ela atinge. Veja detalhes em IV-9.
86
Veja Web of Science, uma base que faz parte do ISI.
87
Fator de Impacto = n° citações recebidas num período/nº de artigos publicados nesse período. As
citações são dos mesmos trabalhos que aparecem no denominador. Citações ocorridas no período, mas
referentes a artigos publicados antes do período especificado não entram nessa fórmula. O período
classicamente usado é de 2 anos; mais recentemente aparece também o FI para 5 anos... mas poderíamos
ter para qualquer período estabelecido. Para detalhes, veja IV-9.
■
122
se tornando mais agressivas e entrando no JCR, o uso do FI para o Qualis foi facilitado.
Em meados de 2008, o novo Qualis (que classifica as revistas em Al, A2, BI, B2, B3,
B4, B5 e C) introduziu o referencial do FI de forma mais incisiva. Atualmente, ele passa
a ser necessário para classificações acima de certo nível, mas sua maior influência é nos
níveis a partir de B2 até Al. Com isso, o Qualis introduz gradativamente o FI, que tem
como desdobramento cultuar nos autores e editores brasileiros a noção de publicação
internacional, mostrando o caminho para nossas revistas. Acredito que em alguns anos
(talvez 10) possamos estar usando critérios internacionais para as revistas científicas na
pós-graduação, sem termos que criar mecanismos de proteção à safra brasileira.
Porém, sem ignorar esse caminho das classificações das revistas científicas no Brasil,
mas procurando contribuir com o autor mais ousado, lhes apresento uma forma lógica e
mais universal de classificação, considerando 4 níveis88.
Nível R2: são restritas a uma região dentro de um país, ou mesmo a uma instituição.
Não têm impacto na sociedade científica. Incluem revistas iniciantes ou
aquelas que não conseguiram assento na ciência nacional.
Nível I1: são conhecidas por várias especialidades. Transcendem uma área.
Conseguem isso por dois mecanismos, não excludentes: publicam artigos
de várias áreas e/ ou artigos com temas de interesse geral (por ex., saúde
humana). Ex: Science, Nature, PNAS, PLoS ONE.
88
A classificação que apresento é lógica e, portanto, pode ser usada em outros universos. Por exemplo,
podemos classificar as revistas de divulgação científica neste mesmo critério. Como exemplo, Scientific
American seria I1, Ciência Hoje e Pesquisa Fapesp seriam R1.
■
123
As revistas podem ter vários formatos. Temos revistas exclusivamente impressas (são
raras, mas eram a totalidade até meados de década de 90). Atualmente o formato mais
comum são as revistas eletrônicas (que ficam em websites na Internet) com versões em
papel. Gradativamente, revistas essencialmente eletrônicas surgem e acredito estarão
predominando dentro de 10 anos.
A maioria das revistas possui uma capa, onde identificam as principais chamadas do
interior daquele fascículo. O corpo da revista pode conter vários itens, como Editorial,
Cartas ao Editor (Letters to the Editor), comentários (Comments), Errata, Notícias
(News), Artigos (Reviews89, Short Communications, Full Papers). Antigamente as
revistas incluíam até obituário de pessoas de destaque. Dessas possibilidades, as mais
comuns e consistentes são: Editorial e Artigos.
Numa revista científica, o formato dos artigos (principalmente Full Papers) varia em
função de costumes de áreas ou, mais recentemente, pela pressão por se conseguir
espaço num ambiente altamente flexível e competitivo (a Internet). Porém, há um
formato mais comum e veremos que é assim exatamente porque segue a base geral da
construção do conhecimento científico.
Na Figura 1 indico a estrutura básica da pesquisa (segunda coluna a partir da
esquerda), diferenciando a parte intelectual da operacional (primeira coluna). Na terceira
coluna (em cinza) está a divisão de um artigo científico comumente encontrado nas
revistas científicas. E na última coluna da direita mostro que padrões de atividade
representam cada etapa anterior.
89
Não apresentam dados empíricos originais; baseiam-se no que já foi publicado, mas elaboram
conclusões inéditas.
■
124
90
Introdução, Métodos, Resultados e Discussão.
■
125
91
Mantida e editada pelo Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos da UNESP –
CEVAP. Iniciada em 1995, sempre em inglês, tinha periodicidade semestral e era distribuída em disquetes
de 3,5”. A partir de 1998, além de CD-Rom, integrou a SciELO e passou a ser acessível via Internet. Em
2003 expandiu o escopo para as Doenças Tropicais, passando a ser denominada The Journal of Venomous
Animais and Toxins including Tropical Diseases (JVATiTD - ISSN 1678-9199). Em 2004 passa a
periodicidade quadrimestral e exclusivamente online (www.jvat.org.br). A partir de 2005 se tornou
trimestral e, em 2006, entrou para o Science Citation Index Expanded (ISI - Web of Knowlegde - Thomson
Reuters *) e para o Scopus * (Elsevier). Em 2010 integra a Base de Dados EBSCO.
92
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.
93
Assista ao vídeo em www.articleofthefuture.com/
■
126
A editora americana Public Library Science94 também é inovadora. Sua revista mais
famosa é a PLoS ONE, que iniciou publicações em 2006 e já conta com mais de 28 mil
artigos publicados. A PLoS ONE publica dezenas de artigos por dia (com taxa de
aceitação de manuscritos < 10%). Cada artigo publicado pode receber comentários dos
leitores. Esses comentários são divididos em temas (relativos a partes do artigo) e no
texto do artigo ficam numerações nos locais onde cada leitor inseriu algum comentário.
Clicando nesse número o leitor acessa o comentário, podendo qualquer pessoa incluir
mais comentários. Essa já é uma dinâmica comum em blogs e jornais não científicos e
que chega ao meio científico.
É difícil prever o caminho que esses formatos tomarão, mas é fácil saber que será no
sentido de dar maior visibilidade a cada artigo, bem como permitir uma maior
participação dos leitores. Mais ainda, caminham para facilitar a vida do leitor. Se
antigamente o leitor ia atrás da revista, atualmente ele vai direto ao artigo. A revista vem
depois, como um elemento de qualificação (embora isso não seja inequívoco).
94
Editada pela Public Library Science, São Francisco, CA, USA. O Fator de Impacto da PLoS ONE
em 2010 foi 4,411 para dois anos e 4,610 em 5 anos, com o Immediacy Index = 0,515 (veja IV-9). Essa
editora publica as seguintes revistas: PLoS ONE, PLoS Biologogy, PLoS Computational Biology, PLoS
Genetics, PLoS Medicine, Neglected Tropical Diseases e PLoS Pathogens.
■
127
Toda publicação envolve um custo e alguém deve pagá-lo. O que é pago provoca
reflexão sobre o custo-benefício. Se o autor tem que pagar para publicar, pensará se
aquela revista merece esse esforço. Se é grátis, submete qualquer coisa a qualquer lugar.
Caso a qualidade de sua ciência seja fraca, corre o risco de pagar para publicar em
revista ruim. Porém, o mais comum é que revistas sem prestígio não cobrem, pois do
contrário ficarão sem artigos. Mas essa não é uma regra linear nem simples. Não dá para
dizer sobre a qualidade de uma revista simplesmente pelo fato de cobrar ou não
pagamento para publicação.
Os motivos usuais de cobrança para autores são o pagamento para submeter o
manuscrito (em poucas revistas), o pagamento para publicar caso o artigo seja aceito
(mais comum; geralmente acima de 1.000,00 dólares) e o pagamento para baixar o
artigo (muito mais comum; geralmente em torno de 30,00 dólares). Em alguns casos a
cobrança é indireta, por ex., assinantes da revista ou membro de associação não pagam
para publicar, mas pagam anuidade. Note que nesse universo é raro que o corpo editorial
de uma revista pague ao revisor anônimo (o comum é que seja anônimo e sem
remuneração).
A grande polêmica neste início de 2012 teve como foco a editora científica holandesa
Elsevier, a maior do mundo. O movimento partiu do Dr. Tyler Neylon, um matemático
que abandonou a Academia e é dono de uma pequena empresa em New York. O apoio
que a Elsevier dá a projetos de lei em discussão nos Estados Unidos sobre custos para
liberação do conhecimento científico fermentou o debate. Esse matemático disse em
entrevista ao Jornal “Folha de São Paulo”95 que fica impossível fazer pesquisa e ter que
pagar taxas consideráveis por artigo (se precisar de 100 artigos para escrever um
manuscrito, gastará cerca de US$ 4.000; se quiser assinar uma revista, o preço médio é
US$ 22 mil). E note que algumas editoras exigem que se assine um pacote de revistas,
obrigando os leitores a pagarem mesmo por aquelas que não usarão. Dr. Neylon fez um
abaixo assinado, que ganhou grande repercussão na mídia internacional, em que os
cientistas assinantes assumem que não publicarão em revistas da Elsevier, nem aceitarão
convites para serem editores ou revisores dessa editora.
A situação descrita acima traz à tona uma problemática antiga que é a do custo para
liberação de informação. Há países que não conseguem comprar várias revistas e,
portanto, ficam defasados. O próprio Tyler Neylon considera a alternativa da editora
Public Library Science razoável. Ela disponibiliza seus artigos gratuitamente, mas cobra
do autor o custo da publicação. Segundo Neylon, isso é melhor porque você paga por
um artigo que foi aceito e não para iniciar uma pesquisa. Ele diz que os cientistas que
circulam a ciência de melhor nível possuem suportes financeiros para esse tipo de
pagamento, de forma que o próprio fomento à pesquisa se responsabiliza por custear tais
artigos. Essa alternativa apenas transfere o problema, porque hoje mesmo revistas sem
muito prestígio cobram para publicação. Basta que a revista tenha um
95
www.folha.com, 17/02/12; 12:03 h.
■
128
■
129
público suficiente e garantido (como ocorre com algumas revistas regionais – nível R2,
descritas em III-5), para a cobrança se tornar viável. Há também autores que não
conseguem publicar em revistas melhores e, portanto, ficam reféns dessas revistas
medianas (pagam para publicar mal).
Ao que me parece, se quisermos democratizar o conhecimento científico, então cada
governo deve arcar com os custos em seu próprio país. Escrevi “... as a philosophical
matter, scientific knowledge should be available to everyone in the scientific community
regardless of economic condition. Considering this aim, one practical possibility relies
on altruistic investments from governments to support free access to scientific literature
to every scientist in the world. The necessary return on the investments is expected to
come from the benefits science may provide to humankind.” (Volpato 2004).
Os gastos seriam proporcionais ao número de revistas que cada país possui e que
pode ser resolvido internamente. No Brasil, por exemplo, já fazemos isso. A maioria das
revistas é gratuita e a plataforma SciELO tem essa filosofia do acesso livre. Embora
gratuitas, geralmente são sustentadas por instituições governamentais de fomento ou
universidades e institutos de pesquisa; ou seja, verba pública.
96
Exceto em revistas sobre gramática de uma nacionalidade. Porém, mesmo aqui poderá impedir ou
dificultar estudos comparativos entre idiomas. O que quero reforçar é que a necessidade de um idioma
regional na revista é muito mais exceção do que regra e jamais é permeado pelo idioma do sujeito de
estudo.
■
130
Mesmo que a revista não tenha todos esses quesitos, é importante que esteja
caminhando em direção a eles. Sem isso, não se pode esperar muita coisa dela; passa a
ser apenas um meio de administrar ociosidades.
Muitas áreas possuem indexadores próprios, onde os especialistas fazem suas buscas.
Apesar disso, a base de dados Web of Science (WoS) ganha destaque sobre todas elas. O
motivo principal disso é que a WoS está na WoK (Web of Knowledge), a mesma
instituição que calcula o fator de impacto das revistas (veja IV-9). Nesse sentido, se a
revista não está nesse indexador, não tem fator de impacto. Enquanto vivemos a
supremacia desse índice, essa realidade ainda direciona a WoS como o indexador que
faz a diferença para as revistas. Quando outros índices forem igualmente considerados,
então o quadro será outro e possivelmente os indexadores mais específicos ganharão
mais força.
A revista científica deve dar grande visibilidade ao seu artigo. Os leitores não
precisam assinar a revista, mas ler seu artigo. Nesse sentido, serviços de métrica das
citações de autores devem incluir as revistas almejadas. Estar fora disso significa não
participar do debate científico. Na mão contrária à da WoK e Scopus, métricas
científicas gratuitas estão sendo disponibilizadas por empresas poderosas como Google e
Microsoft. Em reportagem na revista Nature, Butler (2011) cita que essas duas empresas
lançaram ferramenta gratuita que permite aos cientistas analisarem estatísticas de
citações, visualizarem redes de pesquisadores e os principais campos de pesquisa. Esta
possibilidade, segundo Butler, dá oportunidade a quem não quiser usar as métricas das
bases de dados WoS (da Reuters) ou Scopus (Elsevier). Uma delas é o Scholar Google,
criado em 2004, que em 2011 lançou o Google Scholar Citations (GSC). A outra
ferramenta lançada foi a Microsoft Academic Search (MAS) em 2009.
Independentemente de uma análise dessas duas ferramentas, fica claro que a métrica em
ciência tem despertado o interesse, por razões variadas, de várias pessoas. Fica difícil
prever os desdobramentos disso, mas parece-me que reforçam o valor das citações na
construção do conhecimento científico, apesar de algumas restrições naturais.
■
131
Com bases nos 4 níveis das revistas científicas (veja III-5), e por tudo o que defendo
neste livro, você tem referenciais suficientes para perceber que a ciência é internacional
e que você deve participar desse debate. A temática toda deste livro lhe dá orientações
para conseguir publicar nessas revistas (II e 12). Uma delas é que a definição deste nível
deve preceder a escolha do projeto a ser realizado (veja VII-1).
Mesmo estando no nível certo, o passo decisivo é a escolha acertada da revista: ela
permite que seu manuscrito seja analisado de forma correta e dá visibilidade ao seu
artigo, caso seja publicado. Mas como fazer essa escolha correta?
Infelizmente, no Brasil ainda não temos uma cultura de cursos para revisores. Temos
alguns cursos, mas os revisores, que são os cientistas em geral, muitas vezes se acham
suficientemente instruídos para revisar um manuscrito em sua especialidade. Com isso,
incutem seus próprios erros nos jovens cientistas que se aventuram nas revistas mais
fracas.
Do ponto de vista lógico, dois aspectos devem ser avaliados num manuscrito: a forma
e o conteúdo. A forma não se refere às normas da revista, pois isso é copy and paste!
Trata-se de seguir uma estrutura lógica de pensamento e também obedecer ao estilo
científico na redação.
A análise de conteúdo é prioritária e é ela que pode negar o manuscrito. A forma, por
outro lado, embora seja passível de correção, pode estar tão ruim que leva à negação do
manuscrito, impedindo sua análise de conteúdo. Mais ainda, o descumprimento a
algumas normas (por ex., número de palavras) pode inviabilizar a própria submissão. Na
análise dos manuscritos, os elementos mais comumente analisados são:
98
http://arbs.biblioteca.unesp.br/index.php/arbs/index
■
135
1. O objetivo é relevante? (ele é importante e havia motivos lógicos para que fosse
escolhido?)
2. A Introdução contextualiza o problema investigado e fundamenta a proposta de
pesquisa? Há excesso de informações?
3. A metodologia é robusta (delineamento e técnicas específicas) e coerente com o
objetivo da pesquisa?
4. Os resultados são confiáveis, evidentes e necessários para o objetivo e conclusão
do estudo?
5. A discussão fundamenta fortemente as conclusões obtidas?
6. O trabalho tem informações sobrando, ou faltando?
7. Há conclusões fracas ou especulações?
8. As referências importantes foram consideradas?
O tempo médio é muito variável entre revistas, mas é possível expressar uma noção
geral. Coloco o tempo de 3 meses como um referencial razoável. Há revistas que pagam
para os revisores, de forma que os prazos dados aos revisores são cumpridos. Mas a
regra é que seja um serviço voluntário, em nome da ciência. Porém, revistas de boa
qualidade possuem revisores que são cientistas proeminentes da ciência internacional.
Em geral essas pessoas são sérias e cumprem seus compromissos, ou não aceitam emitir
parecer quando vêem que não conseguirão atender ao prazo. Além disso, em revistas
conceituadas o cientista se sente lisonjeado pela deferência ao seu nome e procura fazer
tudo no devido prazo. Quando a revista é pouco reconhecida tem menos chance de
conseguir esse empenho do revisor.
Uma análise que pode ser feita é sobre as datas de submissão e aceitação (algumas
incluem as resubmissões) dos artigos publicados na revista. Dessa análise pode-se ter
certa idéia da velocidade de análise dos manuscritos e sua edição na revista. Seja como
for, revistas boas (veja III-5) são geralmente rápidas, porém, nem toda revista rápida é
boa.
Para editores de revistas pouco prestigiadas, uma estratégia consiste em enviar cada
manuscrito para análise de vários revisores (digamos 6), dando-lhes o prazo de 30 dias.
Se dois atenderem ao prazo, emite-se a decisão editorial. E os outros? Quando
responderem, apenas agradeça (afinal, estão atrasados). Se perceber alguma informação
relevante, poderá incluí-la no seguimento do debate, caso haja. A credibilidade de uma
revista passa pela sua velocidade de análise dos manuscritos.
■
137
Para uma resposta correta, você precisa primeiro entender cada crítica. E para isso
precisa ser um cientista bem preparado. A maioria dos revisores de revistas do nível
internacional faz a crítica de forma sucinta, nem sempre didática, e espera que você
entenda as razões. Se entender corretamente o “âmago” da crítica, então terá condições
de responder adequadamente.
Alguns revisores querem que o autor faça outro trabalho e se distanciam do seu
manuscrito. Nesse caso, mostre claramente qual era sua intenção e porque ela é
suficientemente importante. Cuidado na interpretação dessa crítica, porque às vezes o
revisor lhe sugere outros objetivos exatamente por considerar que o que você fez não
tem relevância científica.
Nunca destrate o revisor, mas também não mostre fraqueza. Se ele foi ríspido com
você, trate-o na mesma altura, sem se tornar grosseiro. Se ele foi grosseiro, trate-o de
forma rígida, mas não seja grosseiro. É nesse tratamento que você deve se impor, sem
perder a linha. Nunca perca a chance de elevar o nível de uma conversa.
Como somos de um país considerado subdesenvolvido (em desenvolvimento na
melhor das alternativas), revisores de países ricos podem ser mais agressivos conosco.
Não se intimide. Enfrente como uma discussão científica. Mostre sua argumentação.
Lembre que o debate deve ser lógico, baseado em fatos e na lógica da ciência.
No debate com os revisores, lembre-se que a decisão é sempre do editor. Considere-o
como juiz do processo e recorra a ele quando achar que alguma questão está emperrada.
Algumas vezes poderá solicitar que outro revisor analise seu manuscrito. A consideração
do editor dependerá da argumentação apresentada nessa solicitação.
■
138
Quando a maioria das revistas era exclusivamente impressa, ao se perceber erro num
artigo publicado não restava alternativa senão a publicação de alguma errata; mas o
artigo continuava existindo. Com as revistas eletrônicas, essa situação mudou. Os
editores podem ser advertidos pelos leitores de que algum trabalho publicado está
cientificamente errado ou com resultados inventados ou “roubados”. A partir daí,
desdobra-se um processo para avaliação. Confirmando-se o erro do artigo, no formato
eletrônico o texto permanece publicado, mas inclui-se uma clara indicação de que a
revista o retira porque estava errado. Uma forma comum é colocar tarja vermelha em
cada página do artigo com a palavra retracted.
Um artigo que tenha sido rejeitado pela revista após publicação não deverá ser
considerado em revisões e mesmo avaliações de desempenho posteriores. Porém, o
quanto isso já está ocorrendo em todas as bases de dados ainda não é bem claro.
O corpo editorial, com seu processo de seleção de artigos por pares (peer review),
atua como nosso grande professor nas questões de ciência e redação científica. Essa é
uma nobre função de todas as revistas. No entanto, quando cometem equívocos nas
análises e interpretações, incutem ou mantêm erros na comunidade científica.
Um erro conceitual premente que nos afasta da ciência internacional é achar que
nossas revistas são feitas para brasileiros. Elas são feitas para cientistas, independente de
nacionalidade. Nesse sentido, devem publicar artigos em inglês e ser amplamente
divulgadas na comunidade científica internacional. Se a revista não está na WoK, terá
pouca chance de obter participação de cientistas internacionais de relevância, como
autores, revisores e/ou editores. Portanto, esse parece um primeiro caminho (ao menos
enquanto continua a supremacia dessa instituição – veja IV-8).
■
139
Estando nessa base de dados, a tarefa é conquistar o mundo internacional, mesmo tendo
baixo fator de impacto (o que é comum no início).
Culturalmente, o brasileiro busca resolver os problemas por meio do famoso
“jeitinho”. Cuidado, na ciência de bom nível esse não é o caminho. Como dizia meu
orientador, “improvisa quem não sabe fazer direito”. Vamos enfrentar os problemas com
competência. Assim, se quiser aumentar o fator de impacto de sua revista, faça isso sem
buscar citações a qualquer preço. Vise aumentar qualidade e visibilidade dos artigos que
publica99. Com isso a citação deve melhorar. Sei que existe um preconceito latente
contra países como o nosso, mas essa é a luta. Cabe aos editores estar nos principais
congressos internacionais de sua área, serem pessoas reconhecidas internacionalmente
em sua especialidade e, com essa competência, atrair olhares para “sua” revista. O peso
da instituição que apoia a publicação também é outro elemento que pode auxiliar.
Mais importante de tudo, escolha com rigor artigos que façam a diferença. São eles
que levarão a revista para cima. Sei que, por equívoco conceitual, algumas bases de
dados exigem certo número de artigos e certa periodicidade, o que pode pressionar os
editores a aceitar manuscritos ruins apenas para atender a esses critérios. Uma
alternativa é ignorar essas bases. Se não for possível, uma alternativa, não excludente, é
desligar-se dos sistemas de fechamento de volumes para a publicação. Publique os
artigos à medida que são aprovados e, quando chegar no tamanho que considera
adequado para um volume, ou fascículo, feche-o e comece outro. Mas como fica a
versão impressa? Ora, você dará um jeito, mesmo porque raramente será lida ou
procurada. O que existe está em pdf ou HTML na Internet.
Assim, pontualmente, vejo que os editores auxiliam as nossas revistas das seguintes
formas:
E o autor, como pode ajudar nossas revistas? Entendo que há duas possibilidades
honestas e viáveis. A primeira aplicável ao autor que ainda não está consagrado no
cenário internacional. A segunda para aquele que tem reconhecimento incontestável no
exterior.
Um autor sem competência científica reconhecida internacionalmente dificilmente
ajudará nossa revista por meio de seus estudos. É ele quem precisa de ajuda e é a revista
que poderá ajudá-lo. Assim, nessa fase é preferível que esse autor dirija suas publicações
para o cenário internacional (que podem incluir revistas brasileiras, desde que atendam
ao critério de internacionalização – veja III-4 e IV-9). E nessa jornada ele ajuda as
revistas brasileiras caso não se esqueça de citar os
99
Lembre-se que o fator de impacto mede da eficiência do corpo editorial (veja IV-10).
■
140
■
141
bons artigos que estão nas revistas brasileiras. Não se trata de apologia para a citação de
artigos de revista nacionais, mas da divulgação honesta daquilo que temos de bom. É
comum que o brasileiro evite citar colegas do próprio país, reflexo de uma cultura
dominada por países mais fortes. Se a luta no cenário internacional já é difícil, com esse
autopreconceito fica mais difícil ainda.
Se advogamos que os brasileiros têm artigos de boa qualidade, por que não citá-los
em nossos discursos científicos? Lógico que para isso devem estar em inglês e em bom
nível de apresentação e disponibilidade ao público. Portanto, autores brasileiros podem
publicar em revistas do exterior, desde que de boa qualidade e incluindo, sempre que
uma análise honesta permitir, artigos de brasileiros ou artigos publicados em revistas
brasileiras.
Outra situação em que nossos autores podem ajudar as revistas brasileiras é quando
eles conquistam posição de relevância internacional em suas áreas. Com seu nome
reconhecido internacionalmente, deveriam publicar alguns artigos nas revistas
brasileiras, conferindo maior destaque à revista nacional no exterior. O que muitas vezes
ocorre, no entanto, é que esses autores consagrados enviam para nossas revistas apenas
seus artigos de pior qualidade. Defendo fortemente que os autores capazes de ajudar
nossas revistas por meio de seus artigos são aqueles que já romperam a barreira da
necessidade curricular; aqueles em que alguns artigos a mais não farão diferença (veja o
relato sobre o Dr. Larry Dill em IV-7).
As duas formas de contribuição propostas aqui são honestas e eficientes. Fora elas,
não adianta ficar forçando nossos autores a nos citarem (isso cria a ilusão de um alto
fator de impacto, mas não revela mais que a festa brasileira fechada no próprio
umbigo100). Vamos à luta, vamos mostrar ao mundo que temos competência científica.
Referências
100
Como diz Caetano Veloso, em Dom de iludir: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
■
142
Literatura Complementar
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■
144
CAPÍTULO IV
A ciência é uma atividade cuja realização envolve gastos financeiros. Mas não é só
isso. Quando investigamos organismos, humanos ou não, geralmente temos aí um custo
de bem-estar, ou às vezes até da vida nas formas não humanas. Esse custo já é, per se,
motivo para que queiramos saber se nossa atividade está sendo bem conduzida.
Acrescento a isso a implicação do conhecimento científico. Se relevante, como se
apregoa na boa prática científica, será usado por cientistas fora de nossa área e pelo
público não científico. Espera-se que tenha um desdobramento, aplicado ou não (veja II-
12, II-13 e II-14). Portanto, deve ser bem feito. Eis outra razão para monitorarmos a
qualidade dessa ciência desenvolvida.
■
145
o A avaliação deve ser vinculada à base ética e moral das condutas que estão
sendo avaliadas. Assim, não basta mostrar que fez algo relevante, é necessário
que isso tenha sido obtido de forma honesta. Este quesito é suficiente para
destruir qualquer currículo, não importa a altura que tenha.
101
Isto não significa, em hipótese alguma, adotar a máxima de que os fins justificam os meios. É outra
coisa!
102
Já vi em universidades pessoas proporem que se considere tudo, pois reflete o perfil mais geral do
indivíduo. Mas reflete também o quanto ficou rodando sem conseguir nada de mais importante e
consistente. Soube de professor que sugeriu que se computasse inclusive indicação de suplência em
bancas para pontuação na avaliação da atividade acadêmica. Daqui a pouco vamos pontuar os e-mails de
famosos que recebemos.
■
146
financeiro admite o viés econômico como critério de qualidade. Por isso ainda
estamos nos restringindo mais à avaliação dentro do círculo acadêmico. No caso
de avaliação de instituições, avaliar sua qualidade fora da ciência já conta com
alguns indicadores interessantes e viáveis.
Fazer ciência empírica significa explicar coisas do mundo natural, por meio de
evidências empíricas. Uma vez que o cientista tenha certa explicação, com base em suas
evidências, é natural que ele procure comunicar esses achados para seus pares, que são
outros cientistas interessados no mesmo tema. Essa comunicação é feita por meio da
publicação do trabalho numa revista científica (veja III-3 e III-4) ou, mais raramente, em
livros. Na maioria das áreas os conhecimentos em livros apenas sintetizam ou
congregam conhecimentos divulgados nas revistas científicas.
Ao fazer uma pesquisa, o cientista precisa idealizá-la e planejá-la, o que requer que
use parte do conhecimento disponível na literatura científica. Além disso, após obter
seus resultados, procurará interpretá-los e colocá-los num contexto teórico mais amplo,
o que também requer os conhecimentos disponíveis. E assim que a informação de uma
publicação científica entra no trabalho de um autor. Ao usar essa informação ele cita a
fonte primária em que ela foi publicada. É a isso que nos referimos quando falamos em
citação. Ou seja, há uma conexão, seja na idealização da pesquisa ou na interpretação
final dos dados, entre o que já está publicado e aquilo que está por vir.
É evidente que, ao menos em princípio, os cientistas usem as informações que
aceitam; ou que critiquem aquelas que acham merecedoras de crítica. É nesse ambiente
que
■
148
a citação que um cientista faz de uma informação (por ex., um artigo) se conecta com
outros conhecimentos na ciência. Assim, não ser citado significa que você está sendo
ignorado pelos seus pares.
Os mais otimistas podem alegar que não são citados porque estão muito à frente de
sua comunidade. Embora possa ser verdade, uma análise ponderada da situação deve ser
feita, porque, se houve engano, toda uma carreira poderá ser perdida na irrelevância e
prepotência.
Nas últimas décadas a Internet trouxe a facilidade de rastreamento do conhecimento
publicado entre as demais publicações. Em algumas bases de dados o autor é avisado
por e-mail cada vez que um de seus artigos é citado em alguma publicação. Mais ainda,
ao entrar na base de dados e investigar o perfil de determinado autor, pode-se conhecer
cada um de seus artigos e quantas citações cada um deles recebeu, bem como quem
foram as pessoas que os citaram e em quais artigos estão referidos.
Essa facilidade incrementou o uso de alguns indicadores de desempenho científico,
bem como estimulou o surgimento de outros indicadores (veja IV-9). O principal ponto
positivo das citações é que elas representam quase que uma “votação” sobre o trabalho
dos pares. Não se trata de uma decisão de grupo restrito, mas da sua comunidade
acadêmica. Saber trabalhar com os vieses dessa comunidade é também tarefa do
cientista.
No entanto, algumas críticas persistem sobre o uso das citações na avaliação da
qualidade científica. De um lado, há citações tendenciosas entre amigos e grupos
estabelecidos, o que pode ser solucionado conforme o volume de citações aumenta
vertiginosamente. Outra crítica é que a citação não elimina o problema das autorias
fraudulentas, de forma que um indivíduo pode ser muito citado porque participa, de
forma fraudulenta, de muitos artigos por ano. Esse é um problema real, mas novamente
o problema não é da citação e sim da autoria fraudulenta que se espelha na citação.
Critica-se também alegando que a citação pode ser muito diferente quando aparece
numa revista de prestígio (por ex., Nature ou Science) ou numa revista regional menos
conhecida. Esta critica, no entanto, traz uma enorme confusão sobre o papel da citação.
Confunde “uso do conhecimento” (que é medido pela citação, independente do veículo)
com “visibilidade do conhecimento” (que é maior quando a citação ocorre em revistas
de maior prestígio). Essa distinção é fundamental. A citação indica “uso” imediato e não
“visibilidade”. Se um cientista citou o artigo A na Science e outro citou o artigo B numa
revista regional, para cada citação, o conhecimento publicado (em A e em B) foi usado
na construção de um único artigo. Assim, A foi igual a B em termos de uso. Lógico que
se espera que o artigo citado na Science seja mais visto em função disso e atraia mais
citações no futuro; mas pode não atrair. Ou seja, a expectativa precisa ser confirmada
com citações reais. Portanto, o papel crucial da citação deve recair no seu uso imediato e
não na expectativa futura. Podemos ainda indagar que o artigo na Science tenha uma
contribuição mais interessante à ciência do que aquele na revista regional, mas isso
depende de uma avaliação de conteúdo, ou novamente na expectativa trazida pela
soberania da Science.
■
149
Se ouvir que a pressão por publicação tem levado os cientistas a cometerem fraudes
(invenção de resultados, roubo de idéias e resultados, autorias fraudulentas etc), não
acredite! O que leva à fraude é o caráter moral103 da pessoa. A pressão pode testar a
força desse caráter, mas só isso. Alguns cedem rapidamente, outros são mais resistentes,
e alguns são sumariamente inflexíveis com as questões morais. Certamente esse desvio
não será apenas na pesquisa científica, mas também na administração, nas aulas, na sua
participação social enquanto cidadão.
Se a pressão por publicação levasse à fraude científica, então teríamos que admitir
que a pobreza levaria ao roubo. Mas isso não é verdade. Sabemos de muitos pobres que
não roubam; e muitos ricos que roubam como opção de vida.
No dia a dia, por falta de uma reflexão mais profunda, ou uma moral mais sólida, o
indivíduo pode ser levado a entrar na roda-viva das fraudes que aumentam a
produtividade. Mas isso não as justifica. É fraude, ato imoral, de qualquer forma. O que
temos que fazer para reduzir esses quadros é tornar a discussão ética mais presente na
vida dos cientistas, bem como valorizarmos as reflexões filosóficas como elementos
importantes de conduta. O que me espanta não é ver as raposas velhas cometendo
fraudes, mas os jovens que se iniciam na ciência reproduzirem tais práticas.
IV-5 Por que há tanta diferença entre áreas no processo de avaliação das revistas e
dos cientistas brasileiros?
103
Refiro-me à moral mais que à ética. A ética é um conjunto de princípios acordado por certo grupo.
Os presidiários têm sua ética, da mesma forma como os políticos e os cientistas e qualquer outro grupo
humano. Portanto, ter ética não significa que ela seja uma boa ética. O que dará o adjetivo “bom” ou
“ruim” serão outros referenciais, que aqui chamo de morais. Entre os cientistas há alguns acordos éticos
sobre quais atitudes seriam morais ou imorais. No fundo, quero dizer que é fácil sabermos o que é certo e
o que é errado na ciência. Use a base lógica e histórica da ciência para entender esses referenciais.
■
150
Assim, essas diferenças entre áreas não decorrem de lógica, mas das histórias de cada
uma delas. A lógica científica, em seus aspectos gerais (veja II-1, II-3 e VII-10), é a
mesma.
Resumidamente, a história que conto em Volpato (2011) mostra que foi criado no
Brasil o conceito de ciência nacional, que ficou isolada do mundo. Isso foi mais forte
nas áreas que tratavam de “coisas brasileiras”, como agrárias, saúde, educação etc. Com
esse fechamento, as áreas foram desenvolvendo costumes, vícios que se mantinham
dentro de uma cultura bairrista. As áreas mais básicas sempre perambularam pelo
mundo da ciência internacional.
A grande revolução que ocorreu nesse sistema iniciou-se no final da década de 90,
mas se catalisou no final da primeira década do século atual, devido à adoção, pela
Capes, de critérios internacionais de avaliação. Mesmo sendo critérios criticáveis, eles
despojavam a simples enumeração de artigos e ressaltavam a necessidade de se olhar
para a qualidade das produções. A Capes não inventou isso, apenas nos colocou no meio
do mundo. Lógico que trouxe muita revolta, mas menos porque os critérios eram errados
e mais porque esses critérios significavam mudança no status quo de vários cientistas,
por outra ótica, conceituados. O que dizer de cientistas considerados no melhor patamar
brasileiro conseguidos com 99% da produção científica publicada em revista em que
esse próprio cientista era editor chefe? Fosse um caso isolado, não seria ressaltado. Mas
o perfil de publicação em periódicos de baixo escalão só sobrevivia quando apenas o
número de publicações importava. Foi nesse ponto que ocorreu a grande reviravolta.
Essa triste história nos explica um pouco as raízes mais recentes de diversas áreas.
Mesmo dentro de uma mesma grande área (biológicas, humanas ou exatas), temos
variações consideráveis. Óbvio que não podemos misturar áreas de pesquisa quando
fazemos avaliações. Cada uma deve ser avaliada dentro de seu referencial. Uma análise
no JCR do ISI mostra que as áreas componentes da Science Edition têm muito mais
revistas que aquelas da Social Sciences Edition. Além disso, o perfil de fator de impacto
delas também é bem diferente. Em momento algum isso significa diferença de qualidade
entre as áreas, mas perfil diferente. Umas citam mais, outras menos. A diferença
qualitativa que interessa é em relação ao impacto internacional e à consideração que a
própria área faz da ciência desenvolvida.
Uma das falhas cruciais num sistema de avaliação é a tentativa de julgar coisas
diferentes a partir de um mesmo referencial. Esse talvez seja o principal motivo que leve
órgãos avaliadores a personalizar referenciais de avaliação. Porém, note que essa
personalização pode ter duas vertentes. Ou ela é feita para evitar distorções genuínas, ou
apenas para manter status quo em áreas que se negam a crescer além de restritos
referenciais nacionais. Conhecendo nossa história, e tendo-a acompanhado criticamente
por 26 anos, acredito que as duas coisas acontecem no Brasil.
■
151
Inicialmente analiso a base teórica para esta questão. Depois vou à prática.
O cientista faz pesquisa para descobrir coisas novas. Cada vez que descobre alguma,
sente-se impelido a contá-la a seus colegas. Se essa descoberta é interessante, seus
colegas não apenas a aplaudem, mas começam a usá-la em seus sistemas de raciocínio.
Isso faz todo o sentido. Por isso surgiram as publicações (inicialmente em livros e
posteriormente priorizando artigos); por isso temos que publicar em lugares que deixam
nosso texto visível; por isso temos que escrever bem; por isso temos que saber a
repercussão de nossos achados na comunidade. Por isso defini conhecimento científico
atrelado à aceitação da idéia na comunidade científica (veja II-7). Acredito que esta
história já está mais do que clara para você, que leu o capítulo II, em que tratei das bases
da ciência.
A ciência implica uma rede de conhecimentos que se substancia (ciência normal) e se
modifica (ciência revolucionária) ao longo do tempo (veja 11-11). Participar dessa rede
significa colocar nela conhecimento próprio. Isso exige que o grupo de especialistas que
cuida de cada pedaço dessa rede permita tal participação. Ou seja, não basta gerar o
conhecimento, ele deve entrar nessa rede. As duas coisas são igualmente difíceis: criar o
novo conhecimento e fazê-lo ser aceito na comunidade.
Na tarefa de construir a rede de conhecimento da ciência, os cientistas incluem suas
informações novas e, mais que isso, as conectam com a literatura existente. Essa
conexão cumpre as seguintes necessidades: a) fornecer base para se idealizar a pesquisa
(citações em Introduction e Methods num artigo); b) validar os resultados obtidos (em
Methods e Discussion); c) somar informações aos resultados apresentados para sustentar
conclusões mais amplas (em Discussion).
Agora vamos à prática. Como medir essa participação de nosso conhecimento na
nossa comunidade científica? Como a discussão científica se dá prioritariamente por
meio da publicação de artigos, me limito a esse universo, mas vários aspectos são
extrapoláveis a outras formas de divulgação do conhecimento.
Cada vez que algum cientista usar algo de seu trabalho, isso só ficará registrado se
esse cientista citar o seu estudo. As citações que aparecem no texto refletem o uso que
estão fazendo de suas contribuições. Mesmo que a citação seja uma crítica ao seu
trabalho, ele foi importante o suficiente para merecer ser criticado. A ausência de
participação no debate ocorre apenas quando nossos estudos não aparecem nesse meio,
são ignorados. E veja que não temos como saber quantos cientistas não encontraram
nosso estudo, ou não entenderam, ou o consideraram desprezível, ou mesmo usufruíram
daquele conhecimento sem publicar esse discurso. Tudo isso está fora de nossa
possibilidade de avaliação. Mas quando seu trabalho é citado num texto científico, sem
dúvida ele passou a fazer parte da rede de conhecimento. É lógico que essa participação
pode ser mais ou menos importante – voltarei a isso daqui a pouco.
■
152
Embora não haja nada errado com a citação como base teórica para se avaliar a
participação do cientista no meio científico, há problemas práticos que precisam ser
discutidos. Um deles é a autocitação, que comentarei em mais detalhes em IV-3, IV-7 e
IV-9. Outro, mais complexo, é a citação fraudulenta – aquela que privilegia amigos;
além da citação alienada, o autor foi citado simplesmente porque estava ali naquela hora.
Conforme argumentei em IV-4, e argumentarei em X-29, fraude é tema ético e moral.
Mas vamos examinar as citações entendendo que fraudes ocorrerão. Primeiramente,
quero comparar a citação como um processo genuíno de eleição democrática. Para votar
é preciso publicar, para ser votado é preciso publicar; isso define o público participante.
Trabalhos mais votados, fraude à parte, mostra que foi mais reconhecido, ou mais
considerado (mesmo que criticado), pela comunidade científica. Esse é um quadro que
confronta a avaliação por meio de grupos seletos de pessoas, geralmente não escolhidas
por critérios puramente científicos. O que lhe parece mais genuíno: ser avaliado por um
comitê de meia dúzia ou pela comunidade científica a quem seu trabalho é dirigido? E
me refiro a uma avaliação dentro da academia; portanto, feita por cientistas (veja III-3).
Em qualquer sistema de votos há problemas, não tenha dúvida disso. Ou será que os
melhores políticos são sempre os escolhidos? As pessoas votam nos candidatos famosos,
nos que lhes prometem algo em troca, nos que encontram casualmente, naquele que lhe
foi indicado por terceiros etc. Isso é natural, embora tenha problemas. Quanto mais essas
pessoas são politicamente instruídas, melhor fica o sistema de votos.
O mesmo ocorre na citação. Os motivos que fazem os autores escolherem os artigos
que citam vão além do conteúdo específico. Em alguns casos o artigo é tão inovador que
não há substituto. Mas, na maioria das vezes, o autor escolhe alguns por motivos
diversos, como, por exemplo: a) facilidade de ter acesso à íntegra do texto; b) qualidade
da revista; c) conhecimento sobre o grupo de pesquisa; d) nacionalidade dos autores do
texto; e) clareza da exposição no artigo; f) idéias sustentadas por dados e metodologia
fortes; g) indicação durante o peer review. Seja qual for a razão, muitas delas podem
indicar qualidade científica, mas algumas podem significar apenas contatos e amizades.
Esse é o ambiente e, até o momento, não temos nada melhor. Lógico que uma seleção
mais criteriosa ajudaria para sabermos quais trabalhos devem ser citados; mas ainda
esbarraríamos com problemas de ordem técnica, tanto na definição dos critérios quanto
na operacionalização da avaliação num espectro de centenas ou milhares de citações
sobre trabalhos de um único autor.
Em resumo, defendo que a citação ainda é um bom critério para avaliar a qualidade
científica de um pesquisador. Se não é citado, certamente não está ajudando no grande
debate. Se é citado, isso pode ser medido com certa objetividade. Lógico que todas as
citações, independentemente do motivo, entram com o mesmo peso, quando, na
realidade, não têm. Mas haveria alternativa?
■
153
104
O estudo pertence à Thomson Scientific e foi preparado por Marie E. McVeigh, gerente de
desenvolvimento de produto dessa empresa.
105
Artigos publicados na revista A citando outros artigos também publicados na revista A. Ou seja, as
citações da revista A vêm de artigos publicados nela mesma.
■
154
■
155
não é o caminho. Temos que lutar e estabelecer estratégias para que outros nos citem,
por reconhecimento e competência de nossa produção científica. Assim, o caminho sério
é um só: melhorar a ciência que produzimos e a divulgação dessa ciência. Sem isso, não
vejo alternativa mais honesta e genuína. Na Figura 2 mostro a distribuição das taxas das
autocitações que foram computadas para o fator de impacto de 2011 (Fonte: JCR-ISI)
das revistas brasileiras da Science Edition. Observe que ainda temos uma taxa elevada
de autocitações sustentando nossos índices, mas o cenário é otimista, porque 54,2% de
nossas revistas contemplam até 20%106 de autocitações. Como vimos, uma taxa
considerada um limite aceitável de autocitações, mas cerca de 70% delas incluíram mais
de 10% de autocitações. A internacionalização da atividade científica é um requisito
necessário, até mesmo uma política nacional, já possuindo, inclusive, forma de ser
medida (veja o índice de internacionalização em IV-9).
106
Nossas taxas iguais a zero (em 6 revistas) estão associadas a baixíssimas taxas de citação e podem
ter sido influenciadas por esse perfil.
■
156
107
A classificação em grandes áreas, Biológicas, Exatas e Humanas é apenas uma aproximação, pois
em vários casos uma área pode contemplar mais de uma dessas grandes áreas (por ex., Telecomunicação,
Química, Educação, Psicologia etc). Em função disso, veja que algumas áreas aparecem tanto na Science
Edition quanto na Social Sciences Edition. Acredito que mesmo com as várias particularidades, esta lista
dê uma noção clara para você perceber o perfil dessas duas Edições do JCR. Em termos gerais, a Social
Sciences Edition tende mais para a área de Humanas e a Science Edition para as Biológicas e Exatas.
■
158
Longe de conhecer as razões exatas desse fenômeno de 2009, procuro apresentar uma
história a que muitos têm se referido como fenômeno Scopus (Fig. 6). O JCR pertence
ao ISI, uma empresa norte-americana que detém os direitos autorais para o cálculo do
Fator de Impacto das revistas (criaram esse Fator na década de 60). Em 2004 chega à
Internet a Scopus, uma base similar à WoK (e WoS), criado pela empresa concorrente
Elsevier.
A política na Scopus foi incluir várias revistas, num processo seletivo bem menos
rígido que aquele do ISI (enquanto o JCR incorporava cerca de 6 mil títulos de revistas,
a Scopus apresentava mais de 15 mil títulos). É evidente que esse maior número de
revistas da Scopus tinha o potencial de dar maior visibilidade às pesquisas dos cientistas,
particularmente daqueles que publicavam em revistas que não faziam parte do JCR. É
possível que se tenha travado aí certa concorrência (menos ciência, mais comércio) entre
ISI e Scopus. Coincidentemente ou não, após 2004 o tema “revistas regionais” passou a
ser mais comum e aceitável no ISI. Se esses passos levam o ISI a absorver mais revistas,
acho ótimo, pois em minha opinião os indexadores criam um crivo desnecessário108 ao
108
Note que os critérios de indexação apenas mais recentemente têm considerado com mais ênfase as
citações; anteriormente questões formais e estruturais das revistas tinham um peso muito maior.
■
160
debate científico, quando o crivo real deveria vir dos revisores, editores e leitores. Essa
competição ISI-Scopus teria facilitado a entrada de várias revistas no ISI-JCR.
De outro lado, a CAPES percebe o processo de globalização que se inicia na década
de 90 e entende que a internacionalização da pós-graduação (entenda-se, naquele
momento, da pesquisa científica) era imperativa. Com isso, inclui, cada vez mais,
requisitos de avaliação internacional na pós-graduação, o que inicia um processo de
migração de várias áreas da ciência nacional para a ciência internacional. Essa mudança
arrasta consigo as revistas científicas do Brasil. Nesse cenário, todos os fatores confluem
para uma mesma direção, a da internacionalização da ciência brasileira
■
161
(da pesquisa e das revistas científicas). Esse fenômeno, se real, parece refletir no
aumento do número de revistas brasileiras no JCR a partir de 2009 (facilitação + busca
pelos editores). O tempo para uma revista ser submetida e aceita no JCR é algo em torno
de 3 a 4 anos (a Scopus iniciou em 2004). Além disso, em 2008 a Capes fez uma
alteração drástica na classificação Qualis das revistas (válida a partir de 2007), ligando
os níveis das revistas ao Fator de Impacto; ou seja, somente as revistas brasileiras
avaliadas pelo JCR obteriam bons desempenhos Qualis. Isso impulsiona mais ainda
nossos editores em busca do JCR e, por competência, muitos conseguem.
Fator de Impacto
O fator de impacto (FI) é um índice que pondera a procura que os cientistas de uma
área estão tendo por artigos de determinado periódico em relação ao volume de artigos
que esse periódico publica109. Ele foi idealizado por Garfield, na década de 60 no século
passado, sendo publicado anualmente pelo Institute for Scientific Information (ISI), que
o divulga pelo Journal Citation Reports (JCR), os quais atualmente pertencem à
empresa Americana Reuters. Seu uso na avaliação da qualidade científica começou a
ficar amplamente conhecido pelos cientistas a partir do final da década de 90,
possivelmente como conseqüência da globalização e das facilidades da Internet nesse
processo. Para exemplificar seu cálculo, imagine que queiramos saber qual é o fator de
impacto de determinado periódico para o ano de 2012. O cálculo é da seguinte forma:
N° de citações em 2012
_____________________________________________________
FI =
Nº de artigos publicados em 2010 e 2011
109
Note que é uma medida de eficiência (veja IV-10).
■
162
A consideração de um período de 2 anos (no ex., 2010 e 2011) não tem razões
lógicas, mas a prática mostrou que é um referencial condizente com a maioria das áreas.
Mesmo assim, como a velocidade de publicação pode ser muito mais lenta em algumas
áreas (principalmente devido a especificidades metodológicas), a partir de 2007 o ISI-
JCR tem divulgado também o FI para o período de 5 anos; ou seja, pondera-se o número
de citação num ano (ex., 2012) pelo período de publicação de 5 anos (ex., artigos de
2007 a 2011). Há também o Immediacy Index, que computa o número de citações
dividido pelo número de artigos publicados, todos num mesmo ano.
Um lado positivo do FI é que a avaliação não é feita por um comitê “super
poderoso”110, mas é produto da resposta que a comunidade científica dá aos artigos da
revista em análise. É similar a uma votação (aliás, qualquer índice que use a “citação”
como indicador de qualidade pressupõe isso). Como toda votação, tem seus problemas,
mas me parece mais genuíno que outras ingerências conceituais. Isso impõe ao cientista
que sua atividade não mais considere apenas o trabalho em si, mas a relação com sua
comunidade científica (no mínimo) (veja II-7).
Conforme o FI foi sendo mais divulgado no mundo científico, críticas começaram a
surgir. Em minha opinião, a maioria dessas críticas é infundada e reflete apenas o
descompasso entre os cientistas e a realidade da divulgação científica que requer
impacto entre os pares. Se de um lado muitas dessas críticas emergiram, de outro pouco
se evoluiu para se detectar erros do fazer ciência para se melhorar qualitativamente essa
atividade no mundo. Abaixo examino algumas das críticas.
O FI não indica o alcance geográfico do estudo: uma revista pode ter fator de impacto
alto apenas com citações de autores e revistas de seu próprio país. Ou seja, não indica
a internacionalização (abrangência) da revista (veja adiante). É evidente que este
problema seria percebido em algum momento, particularmente quando revistas
regionais (veja III-5) passassem a ter fator de impacto igual ao de revistas
internacionais (veja III-4) numa mesma área no JCR. No caso do Brasil, a revista de
maior FI na Social Sciences Edition é a Revista de Saúde Pública, com FI = 1,328,
que é similar à Public Health (FI = 1,350), sendo que esta última publica artigos de
mais países comparativamente à primeira. Na Science Edition, por ex., veja a
excelente revista brasileira Brazilian Journal of Medicai and Biological Research
com FI2011 = 1,129, um valor similar ao Scandivavian Journal of Clinical &
Laboratory Investigation, com FI = 1,156, mas a revista do exterior possui mais
artigos de outros países, indicando maior internacionalização. Portanto, analise o FI
juntamente com o índice hi (internacionalização), descrito por Kosmulski (2012)
(explicado adiante).
Tabela 3. Efeito das autocitações famosas (ordenadas pelo FI) no fator de impacto (FI)
de revistas científicas
Os valores obtidos podem não corresponder à realidade: alguns editores têm procurado
alegar, inclusive em publicações, que há erros nos cálculos fornecidos pelo ISI. Neste
aspecto, acho que o debate atualmente pode ser considerado público e acredito que
erros dessa natureza sejam mínimos, por entender que a instituição procure zelar pela
qualidade de seu trabalho. Mesmo assim, tal crítica não recai sobre o FI, mas sobre
possíveis erros, ou mesmo manipulações de terceiros. Além disso, critica-se também
que a política sobre quais artigos são considerados (fullpapers, short
communications, review, letters etc.) não é clara, o que também não recai sobre o FI,
mas sobre a empresa que o calcula. É muito importante distinguirmos a crítica ao
conceito daquela à sua operação ou uso inadequado.
É restrito às revistas do ISI: novamente uma crítica que não atinge o conceito do FI,
mas seu uso. Como ele é produto registrado do ISI, não pode ser calculado por outra
instituição. Isso, sem dúvida, restringe os cálculos às revistas que estão nessa base de
dados. Este aspecto toma maiores proporções quando revistas passam a ser avaliadas
por esse critério, uma vez que nem todas têm FI divulgado pelo ISI e, por isso, as
revistas se esforçam para pertencer ao ISI-JCR. Esse é um problema para o meio
acadêmico, mas que tem sido solucionado gradativamente com um maior número de
revistas nessa base; porém, ainda aquém do desejado. Por ora, o que podemos fazer é
comparar apenas as revistas que estão
■
165
Número de revistas na área: Numa rápida olhada no JCR, fiz uma amostragem aleatória
por sorteio (~14% do universo total na Science Edition) e obtive um forte indicativo
de ausência de correlação entre o número de revistas na área e a mediana do FI nessa
mesma área (Fig. 7). O mesmo ocorreu quando correlacionei o FI com o maior valor
de FI da área e também com o menor FI (Fig. 7). Isso faz sentido, porque o FI não
está relacionado com o número de citações, mas com a relação entre citações e
artigos publicados.
111
Note que o sistema Qualis faz exatamente isso.
■
166
O FI depende do número de referências em cada artigo: embora a citação deva ser feita
em função de sua necessidade lógica no texto, na prática vemos que há áreas com
mais citações por artigo do que outras. Isso pode ser decorrente do próprio fluxo de
publicações na área ou mesmo por costume. Assumindo este raciocínio, pode-se
esperar que em algumas áreas o número de citações seja sistematicamente maior que
em outras. Se isso ocorre, o FI das áreas com menor fluxo de citações no texto poderá
ser menor. Novamente, trata-se de uma restrição sobre o uso do FI; ou seja, não
podemos comparar revistas de áreas com perfis muito diferentes em termos de
número de referências/artigo. Porém, tenho muita convicção de que este problema é
muito mais exceção do que regra. Se numa área as citações são poucas porque há
poucos artigos, então o denominador no cálculo do FI (número de artigos) também
seria reduzido, influenciando pouco o FI. Um teste desta hipótese de restrição ao FI
deve ser feito, mesmo que trabalhoso (a plataforma do ISI não é amigável quanto ao
fornecimento de dados).
Citação depende da revista onde aparece: vejam IV-3. Basicamente, supõe-se que uma
citação ocorrida em revista de prestígio deva contar mais que uma citação em revista
menos conhecida. Se o foco é a visualização, isso é verdade. Mas se centramos no
uso imediato do conhecimento, em ambos os casos (revista de prestígio ou
desconhecida) houve a participação da citação na construção de um artigo científico.
Assim, a citação em periódico científico indica “uso” do conhecimento, enquanto que
a ponderação dessa citação pelo prestígio da revista que a cita indica “possibilidade”
futura de “uso”. O que interessa para o conhecimento científico é o “uso” (veja II-7,
IX-2, IX-11 e, especialmente, Fig. 21 no item IX-10).
Em resumo, considero o FI uma medida válida dentro de seus limites. O que não
podemos fazer é querer que ele indique mais do que é permitido e, nesse sentido, seu uso
para comparações de revistas deve ser cauteloso. Por outro lado, muita crítica ao FI pode
advir da vontade de uma ciência mais acanhada se defender num cenário que, devido à
globalização, exige participação e qualidade internacional, recaindo sobre a questão da
citação.
Quando a Capes utiliza o FI na avaliação dos periódicos, o problema não é o FI, mas
o fato de ser restrito a um grupo de revistas (uma vez que só é calculado e divulgado
pela empresa JCR-ISI) e pelo fato de as áreas da Capes incluírem perfis de ciência muito
diferentes entre si, embora as avaliações fiquem interiorizadas nessas áreas.
Índice h
Este índice foi descrito em 2005 por Hirsch e busca ponderar o número de
publicações pela qualidade em termos de citações. Esse conceito é interessante, porque
apenas artigos com certo número de citações passam a ser considerados. Ou seja, a
citação é o ponto de definição de qualidade, cujo índice valoriza indivíduos que possuem
maior número de artigos com tal qualidade.
Na prática, ele pode ser calculado como expresso na Tabela 4 (Volpato 2008):
a) Faça uma lista com os artigos e as respectivas citações recebidas por artigo até o
momento, ordenando esses artigos do mais citado até o menos citado.
Exemplo:
O índice h é divulgado pelo ISI (WoS, citation reports) e pela Scopus (Citation
Tracker) e pode ser obtido para o perfil de um cientista, de uma revista ou de uma
instituição. Como as revistas indexadas nesses dois sites não são exatamente as mesmas,
há alguma diferença nos resultados.
Cuidado ao avaliar o índice h de algum cientista, pois deve se certificar de que todos
os artigos que foram listados são, de fato, desse autor, e não de um homônimo. Do
contrário, o índice pode ser superestimado. Cientistas renomados internacionalmente
geralmente apresentam índice h acima de 30 e dos mais famosos, incluindo aqueles com
prêmios Nobel, o índice é acima de 100.
Uma correção interessante ao índice h é o quociente m (Hirsch 2005), em que o valor
h é dividido pelo número de anos desde a primeira publicação do autor. Com o
quociente m, fica mais razoável comparar desempenho entre cientistas com tempos
diferentes de atuação. O índice h dá maior peso aos cientistas mais velhos, uma vez que
com o passar dos anos é esperado que se aumente o número de citações de cada artigo
publicado.
O número de citações que um autor recebe ao longo de sua carreira científica reflete o
uso que a comunidade científica faz de seu trabalho, para fundamentação ou crítica.
Evidentemente, a taxa de citação reflete também o comportamento da área em termos de
publicação (veja comentários sobre o FI). Nas áreas em que as taxas de publicação são
altas, esse índice será também alto para os cientistas que participam dessa atividade de
publicação. Portanto, assim como o FI, o índice h deve ser utilizado numa mesma área.
■
169
Este índice é bem mais recente e, certamente, não agradará aos que ainda apostam na
ciência regional. Ele é uma pequena modificação do índice h e, por isso, é referido como
hi (índice h de internacionalização). Ele foi descrito por Kosmulski em 2010.
O hi indica quantos países citaram determinado autor (revista ou instituição), usando
os referenciais do índice h. Assim, ele pode ser obtido como o índice h expresso na
Tabela 4. Você deve substituir a coluna “artigos” por países. A partir daí, liste todos os
países que citaram o rol de artigos em análise (de um autor, de uma revista ou de uma
instituição), indicando quantas citações ocorreram a partir de cada país. Com isso,
calcule o hi da mesma forma que o índice h. O hi indica, por exemplo, que determinado
autor foi citado por hi países ao menos hi vezes. Se o hi for 15, isso indica que o autor
em análise foi citado pelo menos 15 vezes em 15 países. Se for 25, ele é citado ao menos
25 vezes em 25 países e assim sucessivamente.
O hi fornece um elemento fundamental para distinguir a ciência internacional da
ciência regional, medindo o grau de abrangência da ciência que se pratica. Considerando
que, conceitu-almente, não existe ciência regional ou nacional, então ele mede nossa
habilidade para produzir ciência.
Uma análise das revistas nacionais por meio do hi subsidiaria muito a comparação de
nossas revistas. No entanto, acredito que a forte pressão para atender às revistas caseiras
não permita ainda esse uso. Assim, ressalto que a ferramenta existe, necessitando apenas
da vontade política, e teórica, para usá-la.
Como nota de precaução, vale lembrar que o uso de qualquer valor numérico para
expressar qualidade corre risco de distorções. Mas isso não significa que os índices
devam ser ignorados. Eles são úteis. O problema é o uso desses índices. Assim, o uso
adequado de um índice de qualidade requer que os usuários façam as devidas
ponderações. Pesquisas da moda, ou economicamente interessantes, podem levar a altos
índices de citação. Artigos bem redigidos podem melhorar em muito a qualidade
aparente da pesquisa realizada. Portanto, o ambiente da avaliação da qualidade científica
ainda está envolto por problemas práticos, mas gradativamente vemos que os índices
supostos estão, cada vez mais, tentando medir o impacto que os trabalhos causam na
comunidade científica, quantificando isso a partir de respostas dos próprios cientistas
(citações).
O problema é quando a Capes está à nossa frente e ficamos desesperados para atender
aos seus critérios. Acredito que, mesmo com muitos equívocos, a Capes vislumbra que o
país cresça cientificamente. Atualmente, isso significa acertar os rumos para a ciência
internacional (veja a exigência de internacionalização para os cursos notas 6 e 7). Então,
vemos que o caminho é para o óbvio e não para algo estranho.
O curioso é insistirmos em fazer uma ciência regional (veja III-4). São erros
conceituais que colocam a Capes como o grande terror de muitos orientadores. Óbvio
que alguns a vêem com terror, devido aos equívocos que essa coordenação incorpora em
alguns momentos. Por exemplo, em algumas áreas uma publicação medíocre pode ter o
mesmo peso de uma publicação de alto nível. Mas neste caso meu conselho é que você
insista na qualidade, pois ela ainda lhe dará maior conforto.
Os indícios a seguir justificam esse meu otimismo em relação à qualidade científica.
Quando os coordenadores se dizem assustados e “pegos de surpresa” pelas medidas da
Capes, eu imagino o quanto estão fora da realidade. Basta uma olhada no que ocorre no
universo da publicação científica e o caminho fica claro. É fácil prever o que ocorrerá
daqui a 5 ou 10 anos. Tenha certeza que não voltaremos ao estágio reconfortante de 15
anos atrás, quando as publicações medíocres garantiam qualidade a cursos igualmente
medíocres.
Uma rápida olhada sobre o que tem ocorrido na avaliação científica nos últimos 30
anos mostra um cenário animador (caminhamos em direção aos preceitos filosóficos do
fazer ciência). De um lado, a avaliação científica passou de uma análise quantitativa das
publicações para análises quantitativas do impacto que elas têm na comunidade
científica. Isso pode ser visto por índices como FI, índice h, índice de
internacionalização, relação entre número de citações/número de artigos, ponderações
sobre as autocitações, entre outros.
Eu tenho proposto que a evolução da análise da comunicação científica siga em
direção à análise da eficiência.
Primeiramente, vamos entender o que é eficiência. Na Física, eficiência é w/energia;
ou seja, é a relação entre o trabalho executado e a energia necessária para realizar esse
trabalho. Assim, um sistema eficiente realiza certo trabalho com a necessidade de menor
energia.
Tenho extrapolado esse conhecimento para a análise da atividade científica. Em
nosso caso, o trabalho realizado seria o impacto atingido na sociedade científica. Ou
seja, escrevemos um artigo para divulgar nossas conclusões e esperamos que elas sejam
aceitas e usadas pela comunidade científica112. A citação de nosso trabalho pela
comunidade científica revela essa aceitação, mesmo que seja como assunto a ser
criticado (mereceu, ao menos, ser criticado... mas foi aceita inicialmente por editores e
revisores, o que mostra não ser algo tão absurdo).
112
É evidente que podemos esperar que esse efeito na sociedade acadêmica transborde para a
sociedade não científica, com conseqüências positivas; porém, isso não pode ser um imperativo quando
pensamos em avaliação da qualidade científica, porque o desdobramento pode vir muito tardiamente
quando a investigação trata de aspectos básicos da ciência.
■
171
113
Evidentemente, podemos extrapolar para além de artigos, incluindo outras publicações científicas
válidas.
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172
114
Esta medida, que coloca algumas revistas nacionais em nível muito acima do que de fato estão, não
nos ajuda. Trata-se de uma medida conciliatória que retardará em muito nossa busca por excelência.
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173
de citações. Porém, ele despenca vertiginosamente quando se avalia sua eficiência, que é
dada pela análise de citações/artigos (Fig. 9). Isso significa que estamos publicando
muito para emplacar pouco.
Considerando que pesquisa gera custo (financeiro ou não), deveríamos atentar
urgentemente para essa tendência brasileira. Estamos gastando muito com ciência, mas
estamos ainda muito acanhados na conversão desse esforço em conhecimento científico
(veja II-7). Veja que o Brasil está à frente da Suíça em termos de número de artigos
publicados (valores brutos não corrigidos por número de cientistas ou tamanho da
população). Mas note que a Suíça é a primeira em termos de eficiência científica (Fig.
9). Se considerarmos que muitas das citações recebidas pelos artigos de brasileiros são
endógenas, proveniente principalmente de brasileiros (autocitações no cenário entre
países), o quadro fica ainda mais triste ao revelar a pouca voz científica que temos no
mundo. Essa análise vem das citações recebidas por nossa ciência e não dos serviços de
marketing que faz com que o Brasil apareça bem cotado, inclusive com destaques em
revistas de prestígio. Temos que analisar a realidade e não o “reality show” da ciência.
Quando olhamos outros setores vemos também certa ineficiência do Brasil. Pessoas
que vão às universidade de países ditos do primeiro mundo geralmente se deparam com
o seguinte cenário: eles ficam menos tempo na universidade, mas produzem muito mais.
Ao analisarmos o número de horas que os graduandos passam assistindo aulas
expositivas em países como Alemanha, França, Inglaterra e Estados Unidos, vemos que
nesses países isso fica entre 8 a 14 horas por semana, enquanto que no Brasil isso
remonta a mais de 30 horas semanais. Seriam nossos alunos duas vezes melhores que
aqueles desses países desenvolvidos? Ou olhamos para a eficiência, ou nosso cenário
futuro estará ainda mais dificultado. Aprendi que para curar uma doença precisamos,
inicialmente, de um diagnóstico correto. Enquanto taparmos o sol com a peneira,
continuaremos investindo muito para produzirmos pouco. Ineficiência em país pobre é
irresponsabilidade social.
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174
Figura 8. Produção científica avaliada por força bruta. Note que o Brasil está entre os
20 primeiros países. Dados obtidos no sciencwatch.com.
■
175
Qualidade do corpo de revisores: ela é fundamental. São eles que emitem decisões,
principalmente sobre a qualidade de conteúdo do artigo. A decisão final é do editor,
mas baseado nas opiniões dos revisores do manuscrito. Cientistas de ótima qualidade
no meio científico têm condições e experiência para realizar boas análises de
manuscritos. Se não o fazem por desprezo ou falta de tempo, isso é outra questão. As
revistas de baixa qualidade ou desconhecidas geralmente atraem artigos de autores
mais inexperientes ou de baixa qualidade. Com isso, os manuscritos possuem erros
primários, o que não agradaria aos revisores mais conceituados. Embora esses
revisores devessem atuar como educadores para ensinar os autores por meio das
sugestões nos manuscritos, o que ocorre é que geralmente se ausentam da tarefa de
análise de manuscritos de baixa qualidade. Com isso, os revisores mais críticos e com
maior experiência na área se concentram nas revistas de melhor qualidade. Mesmo
que essa situação seja criticável, ela é real e precisa ser claramente expressa. Assim,
avaliar o perfil do corpo de revisores permite saber, mesmo que indiretamente, a
respeitabilidade que o periódico tem frente a esses profissionais.
Perfil dos editores: Raramente editores inexperientes na ciência conseguirão impor uma
qualidade internacional de alto nível ao periódico. Lembremos que os editores são os
juízes do processo de seleção de artigos. Há casos em que o editor nunca publicou um
artigo sequer no exterior (mas é editor de periódico nacional). Ora, como poderá
estabelecer um perfil internacional para essa revista? É como padre dando conselhos
sobre casamento! Nesse sentido, a qualidade curricular dos editores é importante por
mostrar que têm experiência naquilo de que a revista necessita.
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177
Qualidade dos autores: este é outro critério importante de qualidade. Avalie o perfil
curricular dos autores que têm publicado no periódico em análise e poderá perceber
se é uma valorização
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178
Qualidade do conteúdo dos artigos: esta é uma análise mais difícil de ser feita, mas é
importante. Pode ser feita por amostragem aleatória. Eu costumo dizer que a
qualidade de um periódico não é medida pelos melhores artigos publicados, mas sim
pelo de pior qualidade, pois ele indica o nível mínimo do crivo seletivo que a revista
consegue impingir na análise de manuscritos. Uma simples análise do conteúdo dos
artigos de um único fascículo já é muito reveladora e não é tão dispendiosa. Essa
análise deve ser restrita à lógica do artigo, no sentido de mostrar se as conclusões,
como estão expressas, são válidas ou não.
Citação dos artigos pela comunidade da área: é um critério muito bom (veja base
conceituai em II-7). É bastante objetivo para ser quantificado e reflete a opinião da
comunidade da área do periódico. Ou seja, quem dá a “nota” são os próprios
cientistas daquela área. Porém, algumas ressalvas devem ser feitas antes que usemos
erroneamente este conceito (veja as ressalvas ao fator de impacto em IV-9). No caso
de revistas, nunca compare periódicos de diferentes áreas. Considere também a
classificação das revistas apresentadas em III-5. Neste caso, periódicos internacionais
mais gerais não devem ser comparados com aqueles de uma especialidade.
Qualidade formal dos artigos: além do conteúdo, a revista deve ser formalmente bem
apresentada. Evidentemente, o critério formal é inferior ao de conteúdo, pois de nada
vale uma revista com excelente layout e detalhes técnicos de formatação e
sistematização do texto, se o conteúdo científico é pobre. Mas para o leitor é
importante ler um texto com poucos erros, num visual atrativo e convidativo para a
■
179
Versão online: na atualidade, qualquer periódico que não esteja na forma eletrônica já
está defasado. Muitos editores, assustados com a rápida mudança conceituai na
confecção dos periódicos, mantêm a forma dupla: eletrônica e impressa. Este é
apenas um período transitório e, à medida que o meio digital ganha estabilidade de
preservação do material, as formas em papel vão desaparecendo... e nossas árvores
agradecem!
115
Pertence ao ISI, Institute for Scientific Information, e é publicado pela Thomson Scientific. Requer
assinatura. Pode ser acessado de universidades públicas brasileiras. Disponível em
http://www.isiwebofknowledge.com/
116
É publicado pela Elsevier. Requer assinatura. Pode ser acessado de universidades públicas
brasileiras. Disponível em http://www.scopus.com/scopus/home.url
■
181
Divulgação da lista de revisores: primeiramente, ressalve que não basta constar quem
são os revisores; é necessário que estejam atuando como revisores. Como referido no
bloco acima, o que importa é a qualidade do corpo de revisores e não a divulgação ou
não de seus nomes. Se isso fosse um critério importante de qualidade, certamente
seria a prática mais usual nas melhores revistas do mundo. Além disso, publicar o
nome dos revisores pode ferir o critério de anonimato, pois dá uma dica aos autores
para saber quem avaliou seu estudo.
Referências
■
182
Hirsch JE. 2005. An index to quantify an individuais scientific research output. PNAS
102:16569-72.
Kosmulski M. 2010. Hirsch-type index for international recognition. J Informetr 4(3):
351-7.
■
183
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Editora.
Volpato GL. 2008. Publicação científica. 3ª ed. Cultura Acadêmica.
Volpato GL. 2011. Para entendermos um pouco o drama brasileiro de publicação.pdf
disponível em www.gilsonvolpato.com.br (item Publicação Científica, seção
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Sokal A, Bricmont J. 1999. Imposturas intelectuais: o abuso da ciência pelos filósofos
pós-modernos. Editora Record.
■
184
CAPÍTULO V
Criação
São essas questões que nos remetem à busca de boas idéias. Nossa comunidade
merece algo interessante! Como conseqüência, o sistema de avaliação científica (veja
III-14 e III-15) premiará o grau de novidade dos artigos à medida que esses têm mais
chance de ser bastante citados e comentados pela comunidade científica.
Primeiramente, devo esclarecer o que entendo por uma boa idéia. Pelas questões
discutidas em II-8, fica claro que não há pretensão de se referir a boa idéia no sentido de
verdade. No sentido que procuro dar, boa idéia significa uma alternativa que soluciona
eficazmente (da melhor forma disponível) uma questão. Frente a questões sem resposta
conhecida (comum nas fronteiras do conhecimento), geralmente essas idéias quebram
expectativas. Aliás, a quebra de expectativa pode gerar um fato cômico (examine a
estrutura lógica das piadas) ou uma boa idéia.
Quando um biólogo descobre uma nova espécie, sem dúvida trata-se de um feito
prodigioso de sua mente, pois necessitou concluir sobre o fato de ser uma espécie nova.
Porém, alguma sorte o acompanhou nessa jornada, pois necessitou ter encontrado
exemplares adequados. Este é um caso de novidade que requer também a sorte de se
encontrar o fato.
Num aspecto diferente está a descoberta de como colocar um ovo em pé, ou a peça
seguinte na montagem de um quebra cabeça. Os elementos estão ali, mas a alternativa
(como colocá-las) necessita maiores reflexões. Como encontrar a saída? Qual é a boa
idéia?. No final do último século, a diversidade animal era, como atualmente, um fato
notório. Apesar disso, a conclusão sobre o processo gerador de tal diversidade coube a
poucos cientistas, muitos deles personalizados na figura de Charles Darwin com a teoria
da evolução (seleção natural). O que difere essa idéia daquela referida no parágrafo
anterior é que aqui os elementos materiais estão presentes a todos os investigadores, mas
somente alguns conseguem descobrir uma ordenação adequada. Nesse caso não depende
de encontrar um novo elemento do ambiente físico. É óbvio que esse tipo de
conhecimento depende da própria evolução do conhecimento humano (em termos de
informações), mas apenas alguns desenvolveram os elementos cognitivos necessários e
estão historicamente instalados no lugar e momento certos para fazer a síntese adequada.
Vou frisar alguns exemplos que me impressionaram, mas longe de serem os melhores
vasculhados entre os milhares existentes. O primeiro deles é o clips. Trata-se de dobrar
um material rígido em certa forma que se torna um utensílio muito prático e usado. Não
é o material que faz a diferença, mas a sua forma.
Outro exemplo, comentado em diversos cursos, mostra que uma indústria de pastas
de dente estava tentando resolver o problema de alguns tubos de pasta serem embalados
sem possuir pasta eu seu interior. A medida que os direitos dos consumidores passaram
a ser mais respeitados pela legislação, esse problema de distribuição de alguns tubos de
pasta de dente vazios tornou-se uma preocupação real para as empresas. Frente a isso, a
empresa contratou engenheiros que conseguiram construir um equipamento que pesava
os tubos de pasta de dentes enquanto corriam na esteira. Quando o peso era abaixo de
um limite, o sistema parava a esteira e o tubo era retirado por sistema mecânico. Era um
sistema caro, mas valia a pena. Embora os resultados tenham mostrado que o problema
desapareceu, esse sistema não foi implantado pelos operadores que cuidavam dos tubos
de pasta de dentes. Seria mágica? Constatou-se que esses operadores resolveram fazer as
coisas do jeito deles. Colocaram ao lado da esteira um ventilador: cada vez que um tubo
vazio passava, erra arrastado pelo vento e saía da esteira. Uma medida que envolveu ver
o problema de outra ótica... portanto, uma boa idéia.
No caso abaixo, diga que número deve aparecer para completar a seqüência lógica
representada pelos números abaixo:
A solução deste enigma envolve pensar de forma diferente. Isso é necessário para se
ter uma boa idéia. Nem sempre as soluções mais óbvias são as melhores. Se você insistir
em fazer contas com esses números (o que pareceria óbvio uma vez que são números),
nunca encontrará a solução. Deverá pensar no nome dos números. Essa é a mudança de
visão, uma condição necessária para quem pretende pensar diferente, ter uma boa idéia.
Note que todos os números estão em seqüência crescente e todos começam com a letra
d. Qual é o próximo número que começa com d? Ele está bem distante, mas será fácil
encontrá-lo.
Alguns pesquisadores fizeram a seguinte pergunta: será que os elefantes africanos
sabem que eles são eles? Ou seja, têm uma noção do “eu”? Aparentemente uma
pergunta para quem não tem o que fazer! Mas não é bem assim. Da literatura científica
sabe-se que a capacidade de autor-reconhecimento, e de identificar o “outro”, é uma
característica associada à existência de um alto grau de sociabilização e da exibição de
comportamentos de ajuda. Conhecer tal característica num grupo de animais nos dá
referenciais importantes para nos guiar no tratamento desses animais. Essa
■
188
■
189
sistema que coloque os itens à venda para sua livre escolha (lojas online, lojas de
roupas etc). A distribuição dos alimentos facilita que você pegue itens e, mais ao
final, descubra itens apetitosos que terão que ser somados aos já existentes no prato.
Enfim, a fórmula é simples: dê chance de escolha para o cliente no momento em que
ele estiver motivado a comer... e ele comerá em excesso. Além disso, o ambiente já
conta com sua alimentação rápida, para receber novos clientes. Do ponto de vista de
estrutura de idéia, ela é boa; mas não significa que precisemos concordar. Compare-a
com as vendas em restaurantes à la carte, assim como comparei as mercearias aos
supermercados.
No caso das empresas, elas fazem testes dos mais variados para selecionar pessoas
mais adequadas para o perfil desejado. Ou seja, meios de seleção das habilidades
necessárias a um cientista existem. Faltam meios e, talvez, vontade de usá-las.
A opção por formar uma quantidade imensa de pesquisadores na expectativa de que
alguns sejam de excelência é perversa demais com aqueles que têm o sonho alimentado,
mas não conseguem os postos desejados. Como sistema oficial de formação de
cientistas, a escola (de pré-universidade até a pós-graduação) deveria ter essa função
como seu mais alto requisito para os casos que se apliquem à ciência. Infelizmente, essa
meta é ainda incipiente no Brasil.
Não existe fórmula para se ter uma boa idéia, mas conhecer os obstáculos para se ter
uma boa idéia pode ajudar muito. Donald R. Keough foi presidente da Coca-Cola e, na
ocasião, ao ser convidado para ministrar uma palestra sobre como ser bem sucedido nos
negócios, respondeu que não saberia; mas poderia falar sobre como fracassar nos
negócios (Keough 2010).
Para uma mente inteligente e motivada, conhecer os caminhos do fracasso auxilia
muito. Se é impossível ditarmos os passos para se tornar um cientista, podemos dizer
com mais facilidade o que tira o indivíduo desse caminho. Lógico que é sempre uma
questão complexa e que não poderá ser reduzida a uma fórmula, mas quanto mais
informações tivermos sobre o que atrapalha, melhor.
Barber (1961) já expunha motivos que levam os cientistas a negar idéias
interessantes. Ele mostra motivos da resistência dos cientistas a novas idéias. Esse autor
cita Beveridge (1959), que assinala que “there is in ali ofus a psychological tendency to
resist new ideas”. Ele também chama a atenção para o fato de Francis Bacon (veja Parte
1) sugerir que várias idéias preconcebidas afetam nosso pensamento, particularmente em
relação à inovação.
Em 2007, eu resumi alguns fatores enganosos que levam os cientistas a descartar
algumas idéias. São elas: crença no apoio estatístico e matemático (o que não tem esse
apoio é descartado), crença nas técnicas sofisticadas (só é bom o que requer metodologia
complexa e geralmente cara), crença na produção tecnológica (estudos que geram
tecnologia ou que têm aplicação prática em curto prazo são melhores), crença nos
especialistas (só eles sabem o que é bom e novo), crença na estabilidade do
conhecimento (o que está bem estabelecido não deve ser questionado), crença nas
eternas impossibilidades (tudo é difícil de ser tentado... então é melhor fazer o trivial) e
o papel da revisão da literatura (veja V-14).
Ao longo deste capítulo pretendo dar uma visão mais abrangente sobre o que nos
atrapalha. Por ora é importante ficar atento às armadilhas que nos rodeiam, muitas delas
vindas de crenças infundadas adquiridas ao longo de nossa formação. Tudo o que o
impeça de pensar de forma livre e independente, bem como arriscar no inusitado, o
afastará da chance de criar algo novo. E pesquisa sem novidade não interessa.
■
192
Você não precisa fazer uma pesquisa com novidade para a Nature ou Science a cada
projeto. Mas deve procurar inovar em cada projeto. Ele tem que ter algo diferente, que
mostre à sua comunidade científica que você pensou de forma muito diferente dos seus
pares. Falta de percepção disso dentro de sua própria área é um problema comum que
prejudica nossos cientistas.
Portanto, uma sugestão: leia um pouco de tudo, mas leia! Não tenha medo de pensar
maluquices, mas não se convença delas apenas por serem maluquices. Estou falando do
contexto da descoberta (veja X-2), um ambiente para surgirem idéias promissoras para
serem testadas.
V-6 É importante conhecermos outras áreas, ou devemos nos especializar cada vez
mais?
O cientista precisa ver problemas antigos com novos olhos. Nessa leitura tudo é
válido. Buscar referenciais em outras áreas é muito importante. Na área biológica, é
comum as pessoas se basearem em fenômenos num grupo taxonômico (por ex.,
humanos) para investigarem em outros animais. Analogias
■
194
estudo deu errado, porque não correspondeu ao esperado. Ora, se é assim, por que fazer
um estudo?
■
196
O cientista deve ser uma pessoa empreendedora. Ele está construindo conhecimento e
essa construção passa por muitos dos problemas envolvidos no empresariado, cuja
necessidade de empreendedorismo não é novidade. Abaixo listo 10 características de um
empreendedor, inspiradas em curso do Sebrae117, mostrando como se aplicam ao
cientista.
a) Espírito criativo e pesquisador: sem idéia nova não se faz ciência, pois esta
objetiva construir conhecimento novo. Ser pesquisador significa, neste contexto,
ser ativo na busca por novas soluções, teóricas ou práticas. A novidade de um
artigo científico é a primeira característica observada por editores de periódicos
internacionais de bom nível. É a partir dessa idéia que decorre o planejamento do
estudo, direcionando a obtenção de evidências (resultados) para a argumentação
em defesa das conclusões.
d) Exigência de qualidade e eficiência: qualidade é não fazer pela metade, não fazer
de qualquer jeito, não dar um “jeitinho”. Eficiência é fazer bem, com pouco (veja
IV-10). O cientista empreendedor é ousado, não se contenta com qualquer
coisa... visa à excelência. Um cientista que não seja assim estará sempre
produzindo conhecimentos obsoletos, idéias sem novidades.
117
Sebrae = Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.
118
Todo projeto deve atingir o objetivo. E o objetivo de qualquer projeto científico é basicamente:
descrever algo ou testar alguma hipótese. Portanto, o projeto deve permitir que algo seja descrito (mas não
saberemos inicialmente qual será a descrição) e/ou que a relação entre duas ou mais variáveis (hipótese)
seja testada (se a hipótese será corroborada ou falseada é outra questão). É nesse sentido que todo projeto
deve alcançar seu objetivo e é por isso que se podem direcionar verbas gigantescas apenas a partir de
análise do projeto e da experiência do proponente.
■
199
e) Paixão pelo que faz: seja qual for sua atividade, faça com paixão. Os
empreendedores são apaixonados pelas atividades que realizam; por isso se
envolvem nelas. E isso os faz fazer melhor. É esse envolvimento que faz com
que seu subconsciente continue atento às problemáticas, mesmo quando realizam
outras atividades, o que lhes aumenta a chance de conseguir novas conexões,
novas idéias.
f) Foco: exatamente por saber onde quer chegar, ele se concentra em seu foco (às
vezes obstinado) e, como conseqüência, tem mais chance de atingir os objetivos.
Assim, consegue distinguir mais facilmente quais as atividades importantes em
sua vida, levando-o a ter mais foco em tudo o que faz.
h) Aprendizado constante: não tem medo de errar e sabe tirar proveito de erros.
j) Autoconfiança: ele tem convicção de que vencerá, que conseguirá. Entra nas
empreitadas com a confiança de que saberá fazer o necessário e suficiente. Seus
sucessos contribuem para aumentar essa confiança; mas suas derrotas também,
porque ele sabe aprender com os erros (item h) e se imagina vencedor (item i).
l) É proativo: age para modificar a realidade, sem reclamar dos problemas e não se
acha vítima da vida. Sabe que seu desempenho futuro depende de sua ação e não
fica parado. Se o presente deve ser mudado, ele o mudará para aquilo que
considera melhor.
■
200
V-9 Como o debate entre Thomas Kuhn e Karl Popper nos auxilia a ter boas
idéias?
Como cientistas, mas não filósofos, somos usuários da filosofia. Parecemos parasitas,
mas parte da filosofia se presta para que outros usem seus ensinamentos. Assim, usarei
conhecimentos referentes a paradigmas, com as devidas proporções. Entendo que
Thomas Kuhn tenha se referido a um panorama muito geral para os paradigmas, mas sua
estrutura básica é simples e pode nos ajudar a entender melhor nosso dia a dia na prática
da ciência.
Basicamente, Kuhn nos diz que temos idéias gerais que norteiam nosso mundo
interpretativo do universo (veja II-11). Mais ainda, que a substituição de nossas teorias
prediletas está mais ligada a mudanças nessas “idéias gerais” do que a testes das teorias.
Ou seja, essas “idéias”, que são os paradigmas, mudam e, com elas, mudam também as
teorias que aceitávamos e novas teorias passam a ser aceitas.
Esse ambiente psicológico e sociológico é um pano de fundo importante na
construção do conhecimento. Na ciência empírica, esses elementos tendenciosos
persistem por mais que se queira eliminá-los. O julgar humano é permeado por
concepções. No caso, nossas idéias guiam como interpretamos outras idéias e fatos.
Karl Popper, por outro lado, defende que os dados obtidos têm grande participação na
substituição de teorias. Essa é uma das dicotomias principais entre Kuhn e Popper sobre
a forma como as teorias são substituídas na ciência. Um reforça o “clima” de idéias e
conhecimentos, enquanto o outro reforça a base empírica. Seja como for, só vejo as duas
posturas como mutuamente excludentes caso busquemos reduzir o universo da
concorrência entre teorias a uma única explicação. É bem plausível que as duas coisas
ocorram. Os cientistas são alimentados pelos dados, mas também guiados pelas
transformações paradigmáticas da época. O que ofereço abaixo é a incorporação dessas
duas idéias para o cotidiano do cientista.
Basta substituirmos o termo paradigma por teoria ou qualquer outro conhecimento
aceito pelo cientista de forma “paradigmática”; ou seja, de forma a ser concebido como
uma “verdade” que não se questiona no momento. Veja, em sua especialidade, quais são
os conhecimentos que você trata dessa forma. O passo seguinte consiste em ter a
coragem de desafiar esses “conhecimentos estáveis”. Imagine: isto não poderia estar
errado? Permita-se criticar o que parece estável. E se estiver errado, o que deve mudar?
E como reconstruir as explicações sob uma nova ótica?
Mesmo que temporariamente e para exercício de pensamento, quando você assume
que certo conhecimento pode estar errado, buscará outra forma de considerar as coisas.
Outra explicação poderá significar um jeito novo de ver coisas antigas.
Mas lembre-se que você não precisa ser o criador de uma nova idéia. Poderá fazer
ciência revolucionária (nos termos adaptados de Kuhn) apostando numa idéia nova, já
proposta, mas que a comunidade científica não está valorizando devidamente.
■
201
É evidente que questionar o que está estável pode lhe trazer apenas dores de cabeça.
Não ha certeza do sucesso da nova idéia, enquanto a comunidade investe na idéia já
aceita. Você será a ovelha desgarrada. Mas o simples fato de questionar algo estável não
garante que esteja no caminho certo. Poderá estar exatamente apostando no lado errado.
O que lhe dará a convicção de que deve continuar é a sua intuição (veja V-7 e V-10).
Uma vez que se convença de que a nova idéia é promissora, entra em cenário Karl
Popper. Seja crítico e busque derrubar essa idéia. Mas cuidado, pois poderá usar
conceitos da idéia antiga para testar a nova idéia, o que podem ser condições
mutuamente exclusivas. Ou seja, para a nova proposta talvez você precise de novas
abordagens, novos testes, novas ferramentas. Mas em alguns casos não.
O importante é certificar-se de que está entrando precocemente no novo “paradigma”.
Não está apenas reforçando algo amplamente aceito em sua comunidade. A idéia
original pode não ser sua, mas você poderá ser um promotor dessa idéia. Seja como for,
pensando algo realmente novo, ou apostando no “novo ignorado”, seja pioneiro.
Muito menos do que uma visão técnica pressupõe. Quando você aposta numa idéia, é
porque conseguiu visualizar um panorama cuja projeção o leva a acreditar que essa idéia
funciona. Para escolher um projeto de pesquisa que o guiará durante certo tempo de suas
atividades, você precisa fazer essa projeção e saber o quão inovador ele pode ser. É
evidente que coisas inovadoras geralmente têm poucas evidências, pois elas estão aí para
serem construídas.
Se a idéia é realmente nova, você sentirá que ela é boa apenas a partir de resquícios
de informações que pareçam conduzir à adequação dessa idéia. Vejamos uma
possibilidade119. Trata-se de estudo feito com lebistes (um peixe bem pequeno e comum
em muitos aquários ornamentais).
Os autores desse estudo testaram se os lebistes machos, que se acasalam
freqüentemente, preferem se acasalar com fêmeas com as quais já copularam
(familiares) ou se preferem aquelas com as quais nunca copularam (não familiares).
Viram a preferência medindo o tempo que os machos despendem cortejando as fêmeas.
Observaram que os machos que vivem em rios largos e grandes não distinguem esses
dois perfis de fêmeas e se acasalam com ambos, indistintamente. Porém, os machos que
vivem em rios estreitos ou em poças temporárias de pequenos volumes diferenciam
essas fêmeas e preferem copular com aquelas que não haviam copulado antes. No artigo,
os autores concluem que essa capacidade do macho de distinguir as fêmeas e a opção
que fazem para cópula é um comportamento que aumenta o fluxo gênico na população.
119
Baseado em Kelley et al (1999).
■
202
Note que eles observam tempo de cortejamento e concluem sobre fluxo gênico.
Aparentemente, um grande salto que alguns autores resistem em aceitar. Mas notem que
esse estudo está publicado na revista Nature, o que lhe dá certa credibilidade. O que
validaria esse salto, do cortejamento ao fluxo gênico?
Considerando a teoria da seleção natural120, proles com maior variabilidade genética
têm maiores chances de enfrentar um ambiente instável (mesmo que algumas formas
pereçam, haverá outras variantes que podem sobreviver). Se toda a prole for muito
homogênea, uma variação ambiental brusca pode extinguir essa prole. O mesmo vale
para uma população121, formada de várias proles, ou uma espécie, com várias
populações. Assim, há vantagens adaptativas em se ter variabilidade genética. É fácil
perceber que quando o macho acasala com várias fêmeas, a variabilidade genética do
conjunto de sua prole é maior.
Outro ponto importante é que no rio grande a probabilidade de o macho encontrar a
mesma fêmea é baixa. No rio estreito, ou nas poças pequenas, essa chance é grande, isto
é, considerando que certa fêmea já foi escolhida uma vez, terá chance maior de ser
escolhida novamente.
Veja que todo o raciocínio acima não usou muitos dados, mas se baseou em idéias
bem estabelecidas (seleção natural, probabilidade) para apostar numa conseqüência
altamente esperada. Lógico que isso requer que alguém faça as medições necessárias
para certificar que o fluxo gênico aumenta nas populações de lebistes em que os machos
escolhem fêmeas não familiares para se acasalar. Mas note que nossa expectativa de que
isso não ocorra é mínima e, nesse caso, apostamos que será assim. Como os
fundamentos são fortes, um público maior aceita essa argumentação e, por isso, foi
publicado.
Com isso quero mostrar que a coerência explicativa (para concluir algo ou para
apostar numa nova idéia) é o que dá sustentação para o cientista apostar numa idéia com
menos dados. No caso de um projeto novo (e não conclusão de um estudo), a aposta vem
exatamente de se considerar que informações convergem para mostrar que esse projeto é
promissor. Não há fórmulas para encontrar a boa idéia, mas há coisas que atrapalham. A
crença de que precisamos de muitos dados para elaborar uma conclusão certamente é
uma delas. Mas a falta de dados pode levá-lo ao desastre total. Sua intuição falará mais
forte. Ela vem de várias informações que você possui, consciente ou inconscientemente.
Trata-se de uma operação cerebral que sua lógica consciente não identifica... você sente.
120
Grosseiramente, várias formas sofrem uma pressão seletiva, à qual apenas algumas sobrevivem. É
um processo de triagem, em que a pressão seletiva é o agente que limita a sobrevivência de uns. Essa
seleção ocorre naturalmente na vida dos organismos vivos. Exemplos de pressão seletiva: elevação
térmica brusca, déficit de oxigênio num ambiente, chegada de alguns predadores, falta de alimento,
poluição etc.
121
População, neste caso, é o conjunto de indivíduos de mesma espécie e que vivem num ambiente que
lhes propicia reproduzirem-se entre si.
■
203
Caso abandone uma pesquisa com essa justificativa, terá que admitir que qualquer
primeiro estudo nasce por geração espontânea. É evidente que alguém tem que fazer o
primeiro. Portanto, não tenha medo de fazer algo que ninguém fez e com literatura
escassa.
Se não encontra na literatura informações metodológicas para realizar o estudo,
possivelmente terá que criá-las. Se não possui dados para comparar e validar seu estudo,
certamente terá que reforçar suas técnicas e dizer que os resultados e conclusões são os
que você obteve (esse é o primeiro). A comunidade científica se encarregará de fazer
pesquisas similares que reforçarão ou negarão o seu estudo.
Há orientadores que chegam a desaconselhar alunos a investigarem determinado
assunto porque não há literatura. É um conselho equivocado. O que determinará se você
deve ou não fazer essa pesquisa é o quanto ela lhe parece necessária e suas condições de
realizá-la com nível de qualidade satisfatório. Todo fim teve um começo!
Como comentado acima (V-12), a idéia do projeto tem que se apoiar em metodologia
robusta. Portanto, de nada vale uma idéia interessante com um fraco procedimento de
investigação. Acreditando que tem uma boa idéia no projeto, invista pesadamente na
metodologia, que não significa ser cara ou complexa; significa que seja eficiente e
suficiente para a idéia proposta (veja VII-5).
Geralmente é feita consultando-se os índices, que são obras que listam publicações
científicas, incluindo referências completas, resumos e, muitas vezes, o texto completo
ou link para o site onde
122
Um erro presente em nossas agências de fomento ou de publicação é considerar o artigo de revisão
como uma contribuição não original. Isso pressupõe que concebem a revisão como uma compilação de
artigos publicados. Mas não é isso, pois as revisões devem trazer contribuições originais, baseadas em
dados já publicados. No CNPq, por ex., não se financia revistas exclusivas de revisão por considerarem
que não são artigos originais! Sorte que as Annual Reviews são do exterior.
■
205
a obra está disponível. Atualmente, esses índices (base de dados) estão na Internet e as
facilidades de busca são muitas, podendo incluir buscas por palavras (no título, no
resumo ou no texto todo), por autores, países, tipo de publicação etc. Embora alguns
desses sites sejam de acesso livre, a maioria é restrita aos assinantes, que incluem as
universidades públicas brasileiras.
O indexador mais conhecido internacionalmente é, sem dúvida, o Web of Science123
(WoS), do ISI (Institute for Scientific Information), pertencente à Thomson Reuters. Em
2012 estão catalogadas 11.224 revistas no JCR (Science Edition = 8.281revistas e Social
Sciences Edition = 2.943 revistas). É essa instituição (ISI) que calcula o famoso “fator
de impacto” (veja IV-9) das revistas científicas. O concorrente internacional mais
prestigiado do ISI é a Scopus124, uma iniciativa da Elsevier.
No Brasil, alguns sites permitem acesso a revistas científicas. Um deles é o Portal da
Capes125, o qual possui links para outros sites importantes e lista várias revistas
científicas importantes, incluindo acesso à homepage das revistas e descrições do perfil
de cada uma (incluindo fator de impacto, quando pertencentes ao ISI). Há também o
portal da metodologia SciELO126, que é um portal restrito a revistas da América Latina e
do Caribe, com disponibilidade gratuita de artigos na íntegra e acesso às homepages das
revistas. Inclui também alguns indicadores de acessibilidade aos artigos. Bases para
revisão bibliográfica podem ser acessadas a partir do portal do CNPq127 e da Capes128.
Com base nos objetivos da pesquisa, selecione palavras que revelem a essência de
seus objetivos. Essas serão suas palavras-chave. Então, cruze-as (agrupe-as) de acordo
com a lógica de sua pesquisa. Esses tipos lógicos de estudo são resumidos abaixo e mais
detalhados em VII-10. Note ainda que poderá fazer essa pesquisa em todo o artigo, ou
especificando algumas de suas partes (título ou resumo). Basicamente, as buscas usam
lógica Booleana simples, com operadores como AND, OR e NOT. Com AND todos os
termos colocados devem estar presentes no artigo para que ele seja selecionado;
portanto, esse operador restringe a busca a artigos que contenham os termos que indicou.
Com OR basta que um dos termos esteja no artigo e ele será selecionado; assim, esse
operador amplia sua busca e é importante quando se tem sinônimos ou termos
equivalentes para o mesmo “objeto” (por ex., criança e infantil; gravidez e gestação). O
operador NOT exclui um termo a partir de um conjunto que contenha outro (por ex.,
diabetes NOT gestantes). Além disso, muitos
123
www.wokinfo.com [em seguida, selecione Product Access e, depois, Web of Knowledge)
124
http://www.scopus.com/scopus/home.url
125
www.periodicos.capes.gov.br
126
www.scielo.br
127
www.cnpq.br
128
www.capes.gov.br
■
206
sites de busca permitem que se indiquem palavras derivadas de uma raiz por um
símbolo, geralmente o asterisco (*). Esse recurso também amplia a busca, recuperando
termos correlatas. Neste último caso, ficaria: aggres*, que contempla aggression,
aggressive, aggressiveness etc.
A seguir, apresento recomendações sobre como fazer sua revisão bibliográfica,
conforme o tipo de pesquisa (veja VII-10).
Pesquisa de Associação sem Interferência: testa hipótese em que se supõe que duas
ou mais variáveis estão relacionadas (associadas) entre si, mas que uma(s) não
interfere(m) na(s) outra(s). Considere o objetivo genérico: testar se há associação
entre certa etnia e a baixa resistência a bebida alcoólica. Note que não é a etnia que
provoca a baixa resistência ao álcool, mas alguma coisa (perfil genético) que
determina a própria etnia e fatores associados a ela impedem a produção de certas
enzimas que catalisam a metabolização de álcool. Ou seja, uma causa comum leva
a dois efeitos distintos que, por essa razão, se associam entre si (etnia e baixa
resistência ao álcool), mas um não interfere no outro. Para a revisão bibliográfica
não se esqueça da natureza lógica de sua pesquisa. Assim, não basta buscar artigos
sobre alcoolismo; também não é suficiente procurar artigos sobre a etnia que está
avaliando. É necessário cruzar essas duas variáveis entre si.
Pesquisa com interferência (ou causa e efeito129) entre variáveis: difere do caso
anterior porque uma das variáveis (independente) afeta direta ou indiretamente a
outra; ou seja,
129
Interferência pode ser qualquer ação de uma variável sobre outra, modificando-a de alguma forma.
Usa-se o termo “modulação” quando uma variável afeta algo que está em desenvolvimento. Por exemplo,
a temperatura ambiente modula (molda) nosso apetite, mas não o causa (uma causa do aumento do apetite
pode ser a redução de glicose no plasma). Da mesma forma, nossos pensamentos podem “modular” nossa
■
207
atividade cardíaca, mas os batimentos cardíacos são causados por ondas elétricas que se iniciam no nódulo
sinoatrial (uma região no coração).
■
208
Além das recomendações acima, tenha clareza do que quer encontrar e conheça as
bases importantes na sua área. Embora WoS e Scopus sejam bases obrigatórias de
consulta, lembre-se de que há bases específicas de sua área. Além disso, conheça os
recursos de busca em cada base (minimamente, saber usar os operadores booleanos e
conhecer os campos de busca, que são importantes, tanto para o levantamento inicial
quanto para seu refinamento, ainda antes de partir para a leitura de títulos e resumos).
Na seleção de termos para busca, especialmente nas bases multidisciplinares, lembrar-se
de associar termos sinônimos a outros específicos do contexto de sua pesquisa ou área
de conhecimento. Por exemplo, o termo desenvolvimento pode estar ligado a contexto
econômico, de sustentabilidade, da criança, do tumor; não se atentar a isso levará à
obtenção de muitos artigos que, de fato, não lhe interessam e apenas poluem a revisão.
Para evitar isso, use vocabulários controlados (padrões em cada área), mas esse recurso
nem sempre está disponível nas bases e/ou é conhecido pelos usuários da informação.
Buscar apoio de bibliotecários pode ser uma ótima solução e fonte de aprendizado. Os
tutoriais de ajuda (Help) das bases de dados devem também ser consultados.
■
209
Pressupondo que seu levantamento tenha sido adequado, caso o resultado tenha sido
um volume grande de textos, o que não é incomum, esse material deve ser triado para a
leitura. Convém estabelecer critérios bem claros de inclusão e exclusão do material
obtido, seja em função do tipo de publicação, tipo de estudo, técnica utilizada etc.
Inicialmente essa seleção deve ser feita de acordo com o assunto de cada texto, obtido
do título e resumo. Observe, dessa prática, a relevância que um título pode ter, pois
determina se o trabalho será ou não selecionado pelo leitor. Para reduzir sua chance de
ler um artigo e constatar, ao final, que o conteúdo não pode ser aproveitado, aconselho
priorizar aqueles publicados em revistas de renome internacional130 (veja III-4).
Selecionado pelo título, agora é importante ler os resumos, ou ao menos os objetivos
(no resumo ou na Introdução – geralmente no final) e as conclusões (geralmente no final
do Resumo), para decidir se o texto deve ser lido ou descartado de sua pesquisa.
Referências
Asimov 1.1993. Cronologia das ciências e das descobertas. Editora Civilização Brasileira S.A.
Barber B. 1961. Resistance by scientists to scientific discovery. Science 134: 596-602.
Beveridge WIB. 1981. Sementes da descoberta científica. Edusp.
Kelley JL, Graves JA, Magurran AE. 1999. Familiarity breeds contempt in guppies. Nature
401:661-2.
Keough DR. 2010.10 mandamentos para fracassar nos negócios. Editora Sextante.
Moore P. 2008. Ciência: pequeno livro das grandes idéias. Editora Principis.
Plotnik JM, de Waal FBM, Reiss D. 2006. Self-recognition in an Asian elephant. PNAS 103(45):
17053-17057.
Volpato GL. 2007. Ciência: da filosofia à publicação. 5a ed. Editora Cultura Acadêmica, Editora
Scripta.
Volpato GL. 2010. Dicas para redação científica. 3a ed. Editora Cultura Acadêmica.
130
Os motivos são simples: muitos querem publicar artigos em revistas de boa qualidade; portanto, há
grande competição nessas revistas, o que diminui a possibilidade de publicação de artigos de má
qualidade. Nas revistas de baixa qualidade, a preocupação em obter artigos suficientes para garantir cada
volume da revista é real e pode levar a uma redução do nível crítico de seleção para aceite de artigos. A
qualidade do corpo de assessores também pode ajudar na qualidade da revista. Além disso, os trabalhos de
boa qualidade são escolhidos pelos cientistas para serem submetidos às melhores revistas.
■
210
Volpato GL, Barreto RE. 2011. Estatística sem dor!!! Editora Best Writing.
Literatura Complementar
CAPÍTULO VI
Objetivo
Primeiro, o que são variáveis? Em nosso enfoque, uma variável é toda e qualquer
coisa que possa ser abordada pelo método empírico. Veja exemplos a seguir nesta
questão.
Muitos livros de metodologia poluem sua mente com várias classificações de
variáveis. Serei mais simples e focado. Apresentarei três classificações de variáveis,131
independentes, e que são guiadas por requisitos lógicos que nos ajudam a definir a
pesquisa e o texto científico.
131
No item VII-20 incluo outra forma (variáveis contínuas ou discretas), mas têm função na estatística
e não necessariamente na lógica da pesquisa ou da redação.
■
217
Você pode dizer, por exemplo, que neste estudo está interessado em testar se o
envelhecimento (variável independente) afeta as relações sociais (variável
dependente). Poderia, ao contrário, estudar se as relações sociais (variável
independente) afetam o envelhecimento (variável dependente).
1) como é X? [descrição de X]
2) que fatores afetam X? [busca por agentes interferentes]
3) como esses fatores afetam X? [busca por mecanismos]
4) que fatores causam X? [causas e não modulações – veja VII-10]
5) o que X afeta? [busca por efeitos]
6) o que X causa? [busca por efeitos]
7) como X se desenvolve no tempo? [buscas pela história]
8) que tecnologias decorrem de X? [busca por aplicação]
você começou a pesquisa a partir de um projeto que lhe caiu no colo, prontinho... pense
que já lhe furtaram a chance de vivenciar essa parte fundamental para a formação do
cientista. Tente recuperá-la propondo outras pesquisas ao longo de sua carreira.
Considere os três tipos lógicos de pesquisa abaixo (veja detalhes dos tipos lógicos em
VII-10).
Pesquisa de associação, que testa a hipótese de que duas ou mais variáveis estão
associadas entre si, mas que não há interferência entre elas. Neste caso, a associação
vem da existência de alguma variável que interfere ao mesmo tempo nas variáveis
que se quer estudar. Note que nesta pesquisa não se pretende saber o que causa essa
associação, mas apenas se duas ou mais variáveis se associam entre si.
Voltemos à questão. A lógica de sua pesquisa exige uma de três coisas: a) descrição
de algo; b) teste de associação e c) teste de associação e elaboração de mecanismo
(pressupõe interferência). É essa lógica que deve estar expressa claramente no objetivo
de seu estudo. Sem isso, o objetivo é vago. Veja os dois exemplos abaixo.
Este objetivo implica que você terá uma amostra composta por meninos e meninas,
mas fará uma pesquisa descritiva. Portanto, os resultados não serão comparados entre
meninos e meninas, mas descritos no total da amostra.
■
223
Neste objetivo, supomos que o desempenho escolar esteja associado com o gênero
dos alunos, mas não se supõe que o gênero afete esse desempenho. Neste caso, a relação
de associação (sem interferência) é uma hipótese estruturalmente difícil de ser
construída, pois teríamos que imaginar uma condição que leve a determinar o gênero do
indivíduo e, ao mesmo tempo e independentemente, aja em seu desempenho escolar. Ao
que parece, trata-se de um fenômeno de interferência, como pressupõe o objetivo 3.
No caso desta última hipótese, pressupõe-se que o fato de ser menino ou menina faz
diferença no desempenho escolar. Se isso é pensado, então se admite que haja algum(ns)
mecanismo(s) que explique(m) essa ação. Pode-se imaginar que o tratamento dado às
meninas e aos meninos em casa, ou a forma como os educadores vêem esses dois
gêneros, levem a posturas que facilitem ou dificultem o aprendizado. Nesse caso, o
desvendar desses elementos seria a consumação do mecanismo caso houvesse diferença
de desempenho entre esses dois sexos (há associação do maior desempenho a algum dos
gêneros). Caso não haja essa associação, a hipótese de interferência é negada.
Tenho sugerido que o cientista deve “enxergar” seu objetivo. O que significa isso?
Ele deve mostrar esquematicamente seu objetivo para não ter dúvidas sobre as
suposições lógicas que faz. Uso de palavreado rebuscado e impreciso é uma das
principais formas de tornar o objetivo obscuro e, portanto, não dar o norteamento
necessário para a pesquisa (veja VI-2). Uma forma de testar essa clareza é construir
esquemas que expressem seu objetivo. Coloque as variáveis em caixas e conecte as
caixas com setas (→ indica que o que vem antes afeta o que vem depois; Û indica que
ambos estão associados entre si, mas sem haver interferência entre eles; ↑ e ↓ indicam
aumento e redução, respectivamente). Assim, veja alguns objetivos abaixo e seus
esquemas.
■
224
pessoas. As pessoas sadias são sua comparação (controle, referencial). Poderia ainda
pensar que as sadias são o foco; nesse caso, as doentes seriam o controle. Outro exemplo
é quando estudamos o nível educacional da população em países
■
227
De posse das especificações da Tabela 6, fica claro que seus objetivos específicos
devem ter a mesma estrutura do objetivo geral, mas trocando as variáveis teóricas pelas
operacionais. Assim, se sua pesquisa é de interferência, continuará a ser de interferência,
independentemente de ser objetivo geral ou específico. Os exemplos seriam:
o testar se a renda per capta da família favorece a nota em provas do aluno na escola.
o testar se o grau de instrução dos pais favorece a nota em provas do aluno na escola.
o testar se o número de eletrodomésticos no lar favorece a nota em provas do aluno
na escola.
Outra variante que pode ser incluída no objetivo específico é a explicitação do que se
olhará diretamente, ao invés do conceito “favorece”, que também é uma inferência. Uma
solução seria explicitar assim:
Note que a sugestão acima apenas nos remete à base teórica sobre o fazer ciência
(veja II-1). Estamos indo aos fatos “concretos” (base empírica) para elucidarmos
conceitos. Atingindo nossos objetivos específicos, que são factuais, podemos concluir
sobre o objetivo teórico.
O que não devemos fazer é colocar no objetivo específico passos metodológicos
como se fossem receituários de conduta. Por exemplo, segundo minha sugestão seriam
inadequados os seguintes objetivos:
Referências
Pretty J et al. 2010. The top 100 questions of importance to the future of global agriculture. Int J
Agr Sustam 219-236.
Volpato GL. 2007. Bases teóricas para redação científica. Editora Cultura Acadêmica, Editora
Scripta.
Literatura Complementar
Castro AA, Saconato H, Guidugli F, Clark OAC. 2002. Curso de revisão sistemática e
metanálise [Online]. São Paulo: LED-DJS/UNIFESP. Disponível em:
http://www.virtual.epm.br/cursos/metanálise.
Costa C. 2005. Filosofia da mente. Jorge Zahar Editor.
Forthofer RN, Lee ES. 1995. Introduction to biostatistics: a guide to design, analysis, and
discovery. Academic Press.
Hailman JP, Karen BS. 2006. Planning, proposing, and presenting science effectively: a guide
for graduate students and researchers in the behavioral sciences and biology. Cambridge
University Press.
Harvard Business Review. 2002. Empreendedorismo e estratégia. Editora Campus.
Horgan J. 2006. O fim da ciência. Editora Schwarcz Ltda..
Hunter JC. 2004. O monge e o executivo; uma história sobre a essência da liderança. Editora
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Hurley PJ. 2008. A concise introduction to logic. 10a ed. Wadsworth, Cengage Learning.
Kida T. 2007. Não acredite em tudo o que você pensa; os 6 erros básicos que cometemos
quando pensamos. Editora Campus.
Magee B. 1973. As idéias de Popper. Editora Cultrix.
Miller S. 1977. Planejamento experimental e estatística. Zahar Editores.
Poincaré H. 1984. A ciência e a hipótese. Editora Universidade de Brasília.
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Spencer J. 2002. Quem mexeu no meu queijo? 33a ed. Editora Record.
Sokal RR, Rohlf FJ. 1995. Biometry: the principles and practice of statistics in biological
research. W. H. Freeman and Co.
Volpato GL. 2010. Dicas para redação científica. 3a ed. Editora Cultura Acadêmica.
Volpato GL. 2011. Método lógico para redação científica. Editora Best Writing.
■
232
CAPÍTULO VII
Planejamento da Pesquisa
1º Passo: escolha o nível da revista que pretende publicar (veja o nível das revistas
em III-5, ou pode ser mais específico – mas não escolha a revista, apenas o
nível).
2º Passo: examine artigos de revistas desse nível, na área de sua pesquisa. Há uma
restrição importante: evite artigos de autores consagrados ou autores de países
consagrados. Esses
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233
autores têm facilitadores que nós, muitas vezes, não temos. Esta observação
retrata o ambiente de preconceito em que somos analisados. Ele existe, mas deve
ser enfrentado com competência. De preferência, examine artigos de brasileiros
(sem coautorias internacionais consagradas) publicados nessas revistas. Com
certeza os artigos desses autores passaram pelo mesmo crivo rígido ao qual seu
manuscrito será submetido.
5º Passo: Agora, e somente agora, escolha o projeto que desenvolverá para atingir o
nível de revista pretendido. Note que esta proposta é puramente
administrativa e educacional. Ela lhe ensina, a partir da prática em sua
especialidade, o que é qualidade científica e, mais ainda, lhe ensina a
planejar a pesquisa pensando aonde deseja chegar. Não se trata de fazer
uma pesquisa e depois sair à busca de revistas para ver em qual
conseguirá publicar. A proposta é outra: veja onde deseja depositar sua
pesquisa, aprenda os requisitos necessários para atingir esse nível e
planeje uma pesquisa condizente.
uma dessas abordagens não é premissa válida para sustentar sua opção irrestrita por uma
delas. Além disso, lembre-se que muitas pesquisas usam abordagens quali e quanti num
mesmo estudo.
Embora alguns possam imaginar que o grau de generalização das conclusões seja
diferente entre essas duas abordagens, isso não é verdade. Em todos os casos estamos
fazendo ciência natural, que pressupõe construir explicações gerais sobre os fenômenos
naturais.
Muitos alunos decidem ser cientistas tendo como definição prévia a pesquisa de
campo ou de laboratório. Chegam a escolher orientadores em função desse tipo de
abordagem. Em casos extremos, chegam a um menosprezo recíproco. Todas essas
atitudes refletem a inadequada formação do cientista; em particular, sua estreita visão do
método científico.
Precisamos, inicialmente, conhecer as vantagens e desvantagens de cada tipo de
estudo (campo e laboratório) para o processo da pesquisa científica.
Os estudos de laboratório têm a vantagem de permitir um controle bastante rígido
das variáveis que afetam o fenômeno em estudo. Assim, garantem a manipulação mais
precisa da variável investigada e, portanto, permitem inferências mais detalhadas. Além
disso, o estudo de aspectos internos dos organismos é geralmente muito mais adequado
no laboratório. Apesar dessas vantagens, as situações em laboratório nunca reproduzirão
exatamente a situação da natureza, por mais cuidadosa que seja a montagem do estudo.
Essa limitação deve ser compreendida, pois negligência a esse fato leva o cientista a
extrapolações muitas vezes infundadas ou precipitadas.
Os estudos de campo ganham força por permitirem estudar um fenômeno natural
numa situação natural. Esses estudos são feitos em situação na qual todas as variáveis
estão presentes. A presença desse todo, que é o aspecto positivo num dado contexto,
limita uma análise mais detalhada sobre a importância relativa de cada fator presente
nessa situação global. Nesse caso, análises de correlação e associação contribuem para
se discriminar o efeito de cada fator (veja VII-10, VII-11 e VII-12). No caso da saúde
pública, por exemplo, há vários métodos que procuram indicar o quanto alguma
característica (por ex., gênero, peso corporal, idade, condições climáticas) pode ter
interferido num certo fenômeno (por ex., propensão a certo tipo de doença ou chance de
ocorrer alguma epidemia). É óbvio que nos estudos de campo também podemos
controlar variáveis, mas geralmente são grandes as limitações.
Do exposto acima, fica claro que a conduta mais adequada contempla ambas as
abordagens, os estudos de campo e os de laboratório. No entanto, quem definirá a maior
adequação do desenvolvimento do estudo no campo ou no laboratório será o objetivo da
pesquisa, e não o preconceito do cientista. Se desejarmos investigar o período do ano em
que ocorre maior crescimento de determinada espécie de organismo, o mais adequado
será adotarmos estudos de campo, onde os indivíduos estarão sob ação de vários fatores
que podem oscilar ao longo do ano. Se, por outro lado,
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238
■
239
projeção uma mancha que, obviamente, sobressaiu no tecido projetado. Essa mancha foi
interpretada como parte patológica do tecido. Somente no slide seguinte ele percebeu
que se tratava de uma mancha na tela. A genialidade desse professor o fez rir da
situação, felizmente! Mas isso mostra como o fato observado é, em si, insuficiente para
nos dizer do que se trata. Da mesma forma, pessoas treinadas a estudar o comportamento
reprodutivo podem rapidamente interpretar determinadas interações sociais como
tentativas de cópula, enquanto outros podem vê-las como brigas. O que nos chega ao
sentido é apenas o que nosso sistema sensorial consegue captar e da forma como
consegue fazê-lo, nada mais! O universo que pretendemos conhecer é muito mais rico
do que o nosso precário aparato sensorial pode apreender. Essa barreira também impede
que os dados nos indiquem claramente como as coisas são.
Outro aspecto a considerar é que, num sentido mais prático, a ocorrência de alguns
fatos direciona a interpretação do cientista. Por exemplo, ao realizar observações sobre a
reprodução em grupos de peixes, pode repentinamente notar que não apenas um animal
do grupo se acasalou com as fêmeas, mas outros também o fizeram. Essa constatação
pode agora direcionar o pensamento do cientista na interpretação da dinâmica da
reprodução em grupo nessa espécie. Mesmo que se admita que cada fato observado foi
permeado por teorias anteriores, não se destrói a importância que esse fato inesperado
teve no direcionamento teórico do cientista. Nesse caso mais grosseiro, podemos dizer
que a observação auxiliou a teoria, particularmente pelo caráter inusitado do fato
surgido.
Em resumo, dadas as ressalvas apresentadas acima, podemos considerar os métodos
dedutivo e o indutivo como estratégias mais amplas na aquisição do conhecimento,
enquanto que as outras formas que direcionam a coleta de dados específicos seriam as
técnicas.
Essa divisão tem levado alguns cientistas a questionarem se devemos nomear no
artigo a seção no formato Material e Métodos, ou ainda Métodos. Trata-se de uma
discussão inócua, pois o mesmo termo pode ser usado com sentido diferente [veja, por
exemplo, as palavras ursa (animal) e ursa (constelação); dado (peça de jogo) e dado
(verbo dar); burrinho (diminutivo do animal burro) e burrinho (bomba do freio
hidráulico de automóveis)]. Como evitar a confusão? O contexto não deixa dúvida.
Assim, quando lemos a palavra Método num discurso sobre a lógica científica, devemos
pensar nos métodos dedutivo e indutivo. Mas se ele aparece como parte de um texto
científico (principalmente na área empírica), certamente estará englobando também as
técnicas. Não considerar isso é ater-se a um perfeccionismo lingüístico que já não faz
mais sentido.
algumas áreas, técnicas caras são necessárias, mas isso não é definido pela área, mas
pela pergunta que se quer responder. Nunca será uma definição geral e
■
243
irrestrita entre áreas. Por isso, nunca deve ser usada para qualificar cientistas, mesmo
dentro de uma área132 (pois técnicas mais simples podem resultar em conclusões
fantásticas).
O importante é estarmos atentos para não investirmos mais na sofisticação
tecnológica da metodologia do que na sofisticação intelectual das conclusões. Um
exemplo é a utilização de uma balança analítica (4 ou mais dígitos decimais) para
avaliação do crescimento anual de peixes. O que nos mostra que esse uso é uma
sofisticação desnecessária é o fato de a variação de peso durante o crescimento anual ser
de uma magnitude grande o suficiente para fazer com que a informação contida a partir
da parte decimal da medida seja insignificante. Em resumo, a adequação da sofisticação
instrumental depende do comportamento do parâmetro que nos propomos a medir. Tal
sofisticação não recai apenas nas técnicas caras. Pode significar um questionário
complexo e extenso (cerca de 120 questões) para saber qual a intenção das pessoas no
momento da compra dos produtos em shopping centers. Muitas vezes a complexidade
metodológica apenas reflete o pensamento difuso do cientista, sua crença na qualidade
baseada em quantidade, ou mera vaidade.
Apesar do exposto acima, há sofisticações técnicas que facilitam a aceitação do
trabalho pela comunidade científica. Isso ocorre por causa dos paradigmas tecnológicos
(veja II-11, item c). São crenças que oscilam ao longo do tempo, como modismos, mas
que são fortes o suficiente para direcionar a prática da pesquisa. Por exemplo, as
técnicas estatísticas, tão comuns hoje em dia, sequer tinham espaço no início do século
XX. Nessa época não se misturava biologia com matemática (veja Volpato 2007).
Atualmente, um paradigma muito forte na maioria das áreas biológicas e exatas é a
aceitação apenas dos resultados quantitativos embasados estatisticamente. Como esses,
há paradigmas em termos de técnicas específicas de dosagens, uso de computadores e
filmagens na análise comportamental, entre outros.
Os paradigmas tecnológicos geralmente forçam a sofisticação técnica da pesquisa e é
necessário um grande empenho para reverter esse quadro. Porém, na história da ciência,
a simplicidade tecnológica muitas vezes revelou soluções geniais. Apesar dessa
dicotomia (simplicidade x sofisticação), cada problema específico investigado (o
objetivo da pesquisa) possui elementos que nos permitem indicar o melhor caminho. É
fundamental que não ocorra uma busca por simplicidade ou por sofisticação a priori;
mas que o objetivo da pesquisa defina os meios. A crítica deve ser objetiva o suficiente
para se evitar preconceitos em relação aos dois lados.
132
Pode haver exceções, como algumas linhas de pesquisa sobre aceleração de partículas, atividades
cerebrais, bioquímica, análises geológicas etc. Mas são exceções.
■
244
“To consult the statistician after an experiment is finished is often merely to ask him
to conduct a post-mortem examination. He can perhaps say what the experiment died
of.”
[Ronald Aylmer Fisher]
Mendel decorreu grandemente da resistência que os cientistas tinham naquela época pela
utilização da matemática em assuntos de biologia. Mais tarde, gradativamente a
matemática foi sendo mais aceita como ferramenta importante à biologia. Algumas
revistas (por ex., a Biometrika) começaram a ser o reduto daqueles poucos cientistas que
se aventuravam a usar a matemática em estudos biológicos (veja detalhes em Volpato
2007). Provavelmente, o desenvolvimento de vários outros setores contribuiu para que a
biologia fosse absorvendo a contribuição que a estatística podia oferecer.
Atualmente vivemos o oposto da situação experimentada por Mendel. O uso de
demonstrações estatísticas nos trabalhos científicos é quase uma imposição. Anos atrás,
um editor de revista de impacto internacional declarou que negava artigos sem análise
estatística, sem enviá-los aos revisores. Isso representa o outro extremo da atitude, em
cerca de um século! Grande parte disso se deve à aparente objetividade que a estatística
trouxe ao cientista. Porém, essa objetividade é mais crença que realidade (Volpato
2007). Os lucros metodológicos do uso da estatística devem ter sido também grandes, o
que ajudou a reforçar tal uso. A concepção matemática do mundo nas sociedades,
particularmente nas capitalistas, e a grande difusão da linguagem computacional
também devem ter influído na forma de abordagem das pessoas, fazendo com que o uso
da estatística, como meio de se ver o mundo, não fosse só aceito, mas também
endeusado.
Além das limitações de um uso rígido da estatística nos estudos da ciência natural
(veja IX-5), várias situações revelam que nem sempre a estatística é a melhor forma de
se considerar uma questão biológica. É óbvio que auxilia muito quando tentamos
descrever, por exemplo, tendências centrais de amostras ou populações. Mas nem
sempre é isso que procuramos. Há casos particulares em que a estatística não auxilia. O
eclipse previsto pela teoria de Einstein, e mais tarde observado, é um caso único e que
não requer análise estatística; porém, sua importância à ciência é inquestionável.
Devemos lembrar que, no teste de nossas hipóteses, podemos nos confrontar com
situações em que a ocorrência de um caso pode ser definitiva para derrubar a idéia.
Não só os casos particulares, mas muitas vezes a análise visual não deixa margem de
dúvida e ela poderia ser suficiente. Nesses casos, dizer a probabilidade de erro (por
exemplo, 0,00001%) não ajuda muito, mas reflete nossa subserviência à necessidade do
aval estatístico.
Assim como a estatística, o bom senso também é um recurso de análise e não pode
ser desconsiderado. O objetivo final é a construção coerente e adequada de
conhecimento. Se as probabilidades estatísticas garantissem maior estabilidade do
conhecimento, então poderíamos dizer que caminhamos rumo à verdade. Mas não é isso
que ocorre. Não menosprezo toda contribuição trazida pela estatística (enquanto técnica)
à ciência, pois muitas idéias só puderam ser testadas com os recursos estatísticos. O mal
não é a infiltração da estatística, mas sim sua má compreensão, superestimando-a.
Vejamos um exemplo simples. Fazemos 50 observações em cada uma de duas
espécies de camarões de água doce para testar se ocorre canibalismo. No final das
observações, verificamos que em uma das espécies não ocorreu canibalismo e que na
outra ocorreu um único caso. Ou seja, estamos comparando as ocorrências de 0% e 2%,
■
246
algo aparentemente muito semelhante. Porém, o bom senso nos permite concluir que
nessa segunda espécie existe comportamento canibal, enquanto
■
247
que esses dados não sustentam tal afirmação para a primeira espécie. E nenhuma
estatística foi usada! É apenas um exemplo, mas resume muitas situações comuns na
prática da pesquisa.
De qualquer forma, apesar das considerações acima, veja que o trabalho científico
empírico deverá ser sustentado por dados claramente aceitos pela comunidade científica.
A melhor forma de mostrar diferenças e igualdades entre esses dados é por meio de
testes estatísticos de hipótese. Com raras exceções, o artigo científico deve ter dados
estatisticamente validados e fortes o suficiente para corroborarem as conclusões, caso se
pretenda publicar em periódico de boa qualidade. Se você tem ferramenta estatística
para tomar decisão sobre números, desprezá-la mostra confiança nos seus “olhos” mais
que na ciência estatística. Parte da “medicina baseada em evidência” vem dessa
constatação: o quanto acreditamos em nossas experiências ou nos fatos científicos!
Assim, dizer que duas médias são diferentes apenas com base na variação matemática de
seus valores (por ex., dizer que uma média é 20% maior que a outra e, portanto, temos
que considerar esse “efeito”) ignora os cálculos de probabilidade que levaram a essas
diferenças, assumindo-a como verdade. Nesse caso o teste estatístico é imperativo. O
mesmo vale para comparações de freqüências e expressões de correlação.
O estudo piloto é um ensaio prévio, feito com poucas réplicas para o cientista ver as
respostas reais e decidir se serão necessárias adaptações na metodologia. Isso ocorre nas
situações em que não dispomos de muita experiência com as técnicas ou processos
abordados. Nos campos em que dispomos de maior experiência, não necessitamos dos
estudos pilotos, pois temos melhores condições para prever o andamento da pesquisa. Às
vezes, no entanto, esse suposto conhecimento pode trazer resultados desconcertantes.
Procuro olhar os estudos pela sua lógica. Não me restrinjo a uma área e busco
adequar--me a qualquer investigação nas três grandes áreas do saber: Exatas, Humanas e
Biológicas. Trato da lógica da pesquisa mais do que do formato metodológico.
Por que priorizar a lógica? Porque ela é a raiz universal do pensamento. Ela rege a
metodologia, e não o inverso. Seu entendimento lhe dá a mais fantástica ferramenta para
entender o mundo e agir nele. Com o entendimento da lógica básica das pesquisas, você
entenderá, inclusive, as
■
248
classificações metodológicas133 que são tão freqüentes em algumas áreas. Mais ainda,
poderá perceber nessas classificações o que faz sentido e o que é puro artefato. Por isso
optei pelo recurso à lógica.
Com essa base, podemos dividir quaisquer estudos de base empírica em três tipos
lógicos (três abordagens lógicas). E o que é mais importante, desses três tipos
conseguimos entender toda a estrutura da pesquisa, bem como estruturar o discurso
dessa pesquisa, seja escrito ou falado. Porém, deve ficar claro que a qualidade e a
importância da pesquisa não decorrem da lógica dela. Qualquer que seja sua lógica, a
pesquisa poderá ser excelente ou não. Assim, esses três tipos lógicos de pesquisa
perambulam pela ciência de altíssimo nível, e também pela de baixo escalão. Vejamos
os três tipos lógicos de pesquisa.
1. Pesquisas Descritivas
Quando temos hipótese, temos que considerar de que tipo ela é. Toda hipótese
relaciona duas ou mais variáveis. Como as implicações lógicas na hipótese independem
do número de variáveis, usarei o exemplo mais simples: a relação entre apenas duas
variáveis. Do ponto de vista lógico, temos apenas duas relações entre as variáveis:
associação entre variáveis que não se interferem mutuamente e associação decorrente da
interferência de uma variável sobre a outra.
O termo associação é aqui usado no sentido genérico, significando a correspondência
entre o comportamento de duas ou mais variáveis. Se há associação entre variáveis,
podemos dizer que é possível prever o comportamento de uma em função do
comportamento da outra.
133
Descritivos, analíticos, relato de casos, série de casos, transversal, longitudinal, coorte, condicional,
caso-controle, observacional, de intervenção, entre outros.
134
Lembramos que variável é, neste conceito, qualquer coisa que podemos estudar a partir de
evidência empírica. Veja o conceito de variáveis operacionais em VI-3 e isto ficará mais claro.
135
Veja a definição de hipótese em II-10.
■
249
A existência de associação entre variáveis sem que uma interfira na outra decorre do
fato de que essas variáveis são determinadas por uma mesma variável. Esses requisitos
lógicos estão esquematizados na Figura 11.
Figura 11. Relações lógicas entre variáveis numa hipótese. A e B estão associados entre
si porque ambos são determinados por um mesmo fator (X). Como X determina A e B,
ele interfere nessas duas variáveis e, mais ainda, X está associado a A e também a B. Ou
seja, interferência implica em associação, mas nem toda associação
Vamos aos exemplos. Existe uma alta associação entre o aumento no consumo de
bebidas alcoólicas (A) e o aumento no número de igrejas (B). Embora a ação de uma
variável sobre a outra possa não existir, elas se correlacionam por existir um terceiro
fator (X) que é a causa, ou agente interferente, dessas duas variáveis, sincronizando-as e,
portanto, determinando a associação. No caso, esse fator é o crescimento populacional
(X): maior a população, maior será o consumo de bebidas alcoólicas e também o número
de igrejas para atender a essa população aumentada.
Da mesma forma, no estudo de Oliveira et al. (2010) os dados são insuficientes para
se diferenciar o tipo de associação (com ou sem interferência entre as variáveis) e tal
situação é claramente expressa por eles na conclusão do estudo. Tenha em mente o
esquema da Figura 11. Esses autores investigaram quase 12 mil pessoas e encontraram
uma associação negativa entre escovação de dentes (relatado pelas pessoas) e problemas
cardiovasculares. Se essa associação é causai (interferência; X e A ou X e B na Fig. 11),
então devemos aconselhar as pessoas a escovarem os dentes mais freqüentemente; se é
apenas uma associação (A e B), essa recomendação não faz sentido, mas a regularidade
na escovação de dentes é uma informação que auxilia na estimativa do risco de
problema cardiovascular do paciente (indica, mas não causa). Veja como os autores
expressaram essa situação no British Medical Journal:
■
250
Nesta afirmação eles mostram que a associação negativa que encontraram entre
escovação de dentes e doenças cardiovasculares pode ser decorrente de uma relação de
interferência (causal),
■
251
onde a escovação reduz o risco dessas doenças, ou ser apenas uma associação uma vez
que essas duas variáveis sejam determinadas por uma terceira.
Esses autores completam dizendo “... use of a simple measure of self reported
toothbrushing could be a useful and cost effective marker of future health risk...”. Aqui
usam o conceito de marcador de risco, que com base na associação, permite que
“olhando” uma variável, possamos prever a outra.
A título hipotético, posso imaginar as duas situações lógicas desse estudo. Pode haver
uma relação causal (interferência) uma vez que algumas bactérias presentes na boca das
pessoas são também detectadas no tecido cardíaco, sendo, então, a boca a via de entrada
desses microorganismos; assim, aumentar a higienização da boca pode reduzir os riscos
de doenças cardiovasculares. Mas posso também explicar uma associação sem
interferência entres essas variáveis (escovação dos dentes e doenças cardiovasculares).
Imaginemos que a variável determinante (X na Fig. 11) seja o cuidado com a saúde.
Assim, esse cuidado pode incluir maior higienização da boca (escovação, variável A) e,
ao mesmo tempo, um estilo de vida saudável com prática regular de exercícios físicos e
uma alimentação saudável que, por sua vez, reduzem o risco das doenças
cardiovasculares. Note que neste segundo caso, não adianta indicar um aumento na
escovação dos dentes.
Vamos a um contraexemplo. Uma pesquisa identificou associação positiva entre o
relato dos autores sobre o quanto escrevem bem em inglês (A na Fig. 11) e a qualidade
de suas publicações (B). Basicamente, autores que dizem escrever bem em inglês
publicam em revistas de boa qualidade, enquanto que aqueles que dizem não escrever
bem em inglês publicam em revistas de pior qualidade. Segundo o que temos discutido,
essa associação pode decorrer de um efeito de A sobre B ou do fato de ambas serem
determinadas por outro fator (X). Se A interfere sobre B, então devemos aconselhar
esses autores a melhorar sua escrita em inglês, pois isso melhoraria a qualidade de suas
publicações. Mas há uma precipitação nisso, pois pode se tratar apenas de uma
associação e, nesse caso, alterar A (redação em inglês) não afetaria B (nível da
publicação). Antes que isso seja resolvido, não podemos apostar numa única direção
(veja no caso anterior, da escovação de dentes, como os autores foram prudentes).
Se há essas duas possibilidades, então deve haver um fator X. Qual seria? Uma
sugestão válida, entre outras, é que X seja o perfil da área. Áreas nacionais menos
impactantes internacionalmente (por ex., Saúde Pública, Educação, Agrárias etc.)
permitem, ainda, que o cientista se desenvolva sem ter habilidade de redação em inglês,
ao mesmo tempo em que permitem publicações em revistas regionais de menor
qualidade. Por outro lado, em áreas mais impactantes internacionalmente (por ex.,
Fisiologia, Imunologia, Física, Farmacologia, Bioquímica, Química etc), o indivíduo
não consegue literatura de bom nível em revistas nacionais e deverá participar
ativamente de congressos internacionais, fazer estágios no exterior em países da main
stream, manter correspondência com autores do exterior e outras atividades que, no
conjunto, exigem um nível razoável de compreensão e redação em inglês. Fora desse
padrão, dificilmente o indivíduo conseguirá, sequer, emprego. Assim, esta análise revela
uma alternativa que, antes de ser testada, não permite tomarmos uma decisão sobre o
■
252
que está determinando a associação relatada. É esse tipo de cautela e análise que
raramente escapa numa revista internacional de alto nível, mas freqüentemente não é
considerada em revistas e meios mais fracos da ciência.
■
253
Havendo efeito de uma variável sobre outra, podem ocorrer dois casos: a variável
causa é a causa primária (inicial) do fenômeno, ou ela apenas afeta (modula) um
processo que já ocorre.
Vejamos alguns exemplos de causas iniciais. Impulsos nervosos do nódulo
sinoatrial136 causam o surgimento dos batimentos cardíacos no homem. O chute causa o
movimento da bola em direção ao gol. Vírus ou bactéria podem causar uma doença. O
hormônio adrenocorticotrófico causa a liberação de hormônios do córtex da glândula
adrenal. A quebra da turbina causa a queda do avião. O insulto causa a briga. Como são
causas iniciais, caso sejam também variáveis necessárias, a retirada delas anula a outra
variável. Note que mesmo que sejam questões complexas, como o caso do “insulto”, em
que outros fatores estejam interferindo, podemos definir uma ou algumas como as
variáveis que iniciaram o processo.
No caso da modulação, o processo se desenvolve e a variável interferente apenas o
afeta (aumenta, diminui ou abole). Ou seja, a variável dependente ocorre mesmo na
ausência da variável independente em estudo, sendo apenas modificada pela ação dela
(veja VI-7). No caso do batimento cardíaco, o estresse, um susto, ou mesmo a
deficiência de oxigênio ambiental são exemplos de variáveis que modulam a atividade
cardíaca. Ou seja, modulam (aceleram ou diminuem) essa atividade, mas se não
estiverem presentes o coração continuará batendo. Ao contrário, considerando-se o
exemplo do chute a gol, apresentado no item acima, sem o chute a bola não iria ao gol
da forma como foi com o chute.
As associações podem ser vistas por meio de correlações ou outras comparações entre
os comportamentos das variáveis. Esta distinção não se relaciona ao fato de haver ou
não interferência entre as variáveis. Quando temos variáveis que podemos quantificar, é
fácil o uso de correlações, que podem ser expressas em gráficos e fórmulas de
correlação. Vejamos esse conceito.
Duas variáveis podem se correlacionar positivamente ou diretamente (mesmo sentido
de variação para ambas), ou negativamente ou inversamente (sentidos inversos entre
elas). Essas correlações podem ser lineares (expressas por uma reta) ou não lineares
(como as geométricas, exponenciais, quadráticas etc). Elas podem se referir a apenas
duas variáveis se correlacionando (simples) ou mais de duas (multivariada). Pode-se
também correlacionar um conjunto de variáveis (por ex., variáveis que indicam “poder
aquisitivo”) e outro conjunto de variáveis (por ex., variáveis que indicam “bem-estar”),
neste caso chamada correlação canônica (um tipo de correlação multivariada).
136
Estou considerando uma causa única por questões didáticas. Podemos considerar também o nódulo
atrioventricular, que mantém o batimento cardíaco quando o nódulo sinoatrial falha. Nesse caso, o
importante é sabermos que há um fenômeno (controle do batimento cardíaco, seja por uma ou duas
regiões) que ocorrerá ou não em dependência da causa. Isso é muito diferente da modulação.
■
254
Uma forma de se medir a correlação é pelo coeficiente de correlação (r), que varia de
-1 a +1, havendo correlação quanto mais próximo esse valor for de -1 (negativa) ou +1
(positiva); a correlação reduz conforme esses valores se aproximam de zero, que é o
137
Note que se a correlação não existir, não devemos fazer a regressão, mesmo que o programa
computacional permita.
■
255
Figura 13. Associação entre problemas lombares e tempo diário despendido sentado
assistindo TV. Valores médios (± dp) de 50 indivíduos em cada caso139.
138
Caso tivéssemos menos itens de intensidade (por ex., não x sim ou fraco x forte), estudos de
correlação não seriam convenientes, pois com poucos pontos geralmente se determina uma reta ou alguma
outra expressão de curva.
139
Dados e situação fictícios, apenas para exemplificação do conceito.
■
257
Admitindo que exista diferença entre as médias, vemos uma forte associação positiva
entre o aumento do número de horas em frente à TV e a gravidade dos problemas
lombares. Note
■
258
140
Nos estudos de interferência podemos ter casos em que o conjunto de variáveis interfere numa outra
variável, de forma que apenas uma variável, embora interferente, não afete (sozinha) a variável efeito.
Neste caso, é o conjunto que determina o efeito e não cada uma das variáveis; portanto, alterando-se o
conjunto altera-se o efeito. Ex.: vários fatores que, no conjunto, levam a uma doença.
■
262
Neste caso, as letras minúsculas serão os resultados que você obterá, cuja comparação
entre as condições “com” e “sem” permitirá avaliar quais características (primeira
coluna) possuem esse papel preditivo da doença. Devemos acrescentar o número de
indivíduos que serão investigados e se isso será feito por meio de análise de prontuários
(dados já existentes) ou por entrevista direta aos indivíduos. Esta última distinção tem
sido motivo de muito debate na área de saúde, considerando-se que os dados obtidos
diretamente são mais confiáveis para alicerçar a conclusão nesse tipo de estudo. No
entanto, do ponto de vista lógico, a questão é bem mais simples: desde que você acredite
que os dados são válidos (sejam eles coletados diretamente ou não), eles podem ser
usados.
Note que o esboço acima mostrou o delineamento do estudo, mesmo que detalhes
dele não tenham sido incluídos. Por exemplo, não dissemos quais características serão
investigadas. Lógico que se investigarmos as características erradas, a pesquisa estará
errada. Assim, essas informações são importantes e complementam o esqueleto lógico
mostrado acima. Um exemplo seria o esquematizado a seguir.
Com esse quadro detalhado, o delineamento da pesquisa está completo. Ela pode ser
entendida e, então, podemos discutir os detalhes.
Imagine outro objetivo: testar se o tipo de combustível (álcool, gasolina) interfere na
durabilidade dos motores flex automotivos. Este objetivo pressupõe que o tipo de
combustível predominante atuando num mesmo motor (flex) possa interferir na sua
durabilidade. O teste dessa hipótese poderia ser delineado da seguinte forma:
■
264
Note que teríamos que testar vários motores flex com cada tipo de combustível.
Mesmo que cada motor possa trabalhar com os dois combustíveis, a pergunta inicial é se
o tipo de combustível usado continuamente no mesmo motor interfere na durabilidade
desse motor. A comparação entre x e y nos possibilitaria testar a hipótese do estudo.
Considere, agora, o delineamento abaixo para a mesma questão geral.
O grupo controle é todo aquele que controla alguma coisa. Nos estudos descritivos
(veja VII-10), não há grupo141 controle, pois não há a intenção de qualquer tipo de
comparação, apenas uma caracterização (descrição) da variável. Nos estudos de
associação, não temos efetivamente um controle como é considerado nos termos
clássicos, embora a noção de controle exista. Nos estudos de associação com
interferência há necessariamente a presença de grupos controles; para saber que algo
interferiu, precisamos, no mínimo, saber como era a situação sem essa variável
interferente. Assim, veja o delineamento abaixo, que pretende testar a hipótese de que o
barulho inibe a reprodução de certo organismo.
141
Uso o termo grupo no mesmo sentido de tratamento ou condição num delineamento de pesquisa.
142
Note que o objetivo de qualquer pesquisa empírica será ou a descrição de algo, ou o teste de uma
hipótese. Assim, se é descritivo, deverá descrever; se testa hipótese, deverá ser suficiente para testá-la. O
fato de a hipótese ter sido corroborada ou falseada não é relevante para o delineamento. Assim, todo
delineamento deve permitir que se atinja o objetivo da pesquisa.
143
Esses sinais serão as variáveis operacionais (veja VI-3). Podem envolver análise quantitativa ou
qualitativa, mas em ambos os casos representam base empírica a partir da qual o cientista elaborará suas
conclusões.
■
267
de mutagênese. Para certificar-se de que o efeito foi dessa droga, como no caso anterior,
deverá ter um controle (indivíduos sem droga). Novamente, se os indícios de
mutagênese ocorrerem apenas nos indivíduos que receberam a droga, e não naqueles
sem a droga, terá subsídios do efeito muta-gênico da droga. Mas pode ocorrer de não
haver indícios de mutagênese em nenhum dos grupos (com ou sem droga). Você
concluiria que a droga não tem efeito mutagênico?
Para isso serve a metodologia científica, para tentar reduzir nossas chances de erro de
pensamento. Assim, no caso da suposta droga mutagênica permaneceria uma dúvida
quando nenhum sinal de mutagênese fosse encontrado. Os sinais de fato não existem
porque a droga não tem efeito mutagênico, ou os pesquisadores não conseguiram
detectar adequadamente esses sinais? Para descartar essa última possibilidade, é
necessário provar que se os sinais de mutagênese estivessem presentes os pesquisadores
os detectariam. Assim, é necessário incluir um controle positivo.
O controle positivo é um tipo de controle no qual você induz uma resposta esperada.
No caso, esse grupo receberia uma droga sabidamente indutora de mutagênese, cujos
indícios devem aparecer necessariamente. Quando os dados forem coletados, os
pesquisadores devem relatar mutagênese nesse grupo. Caso não relatem, então a coleta
de dados fica desacreditada e o estudo deve ser melhorado (a técnica de coleta de
indícios de mutagênese deve ser aprimorada). Caso nesse controle positivo a mutagênese
seja detectada, mas não nos outros grupos (controle sem droga e grupo com droga),
então pode-se dizer que a droga não induziu mutagênese.
Como visto acima, temos aqui dois tipos de controle: o controle positivo (que faz
aparecer uma resposta esperada) e o controle negativo (sem a variável experimental e no
qual a resposta esperada não deve ocorrer).
Outra variação importante do controle é o grupo SHAM. É restrita a organismos
vivos, pois controla estresse. Imagine que sua pergunta agora seja se existe participação
de certa estrutura interna do organismo numa certa função. Por exemplo, saber se a
glândula sinus dos crustáceos exerce alguma ação sobre a atividade locomotora desses
animais.
Basicamente, você deverá medir a locomoção (variável dependente) em condições de
variação da variável independente (glândula sinus). Ou seja, no delineamento mais
básico, considerará animais com glândula sinus e animais sem glândula sinus (visto que
não é uma glândula de influência vital e, portanto, pode ser retirada). Poderá também
optar por outro delineamento, em que registrará a locomoção nos mesmos animais, antes
e após a retirada da glândula sinus. Seja como for, o fato é que comparará a atividade
locomotora nas situações com e sem glândula sinus (sendo ou não nos mesmos animais).
Qualquer resultado que você obtenha carregará consigo a dúvida sobre se o efeito (ou
ausência dele) decorreu da glândula sinus ou do estresse provocado (cirurgia) pela
retirada dessa glândula. Conseguir uma situação sem esse estresse é impossível (note
que nos exemplos anteriores, tínhamos uma situação sem a presença evidente de agentes
interferentes). Assim, a solução é incluirmos um grupo onde os animais recebem apenas
o estresse, mas a glândula não é retirada. Esse tipo de intervenção que não se completa
com a alteração da variável experimental (no caso, o
■
268
glândula sinus) é chamada de controle SHAM. Vamos assumir que a glândula sinus, de
fato, reduza a locomoção. Veja, então, o que poderia ocorrer e como interpretar cada
caso.
É evidente que apenas a cirurgia (SHAM) pode também ter um efeito na locomoção,
aumentado-a (por ex., nível 7) ou reduzindo-a (nível 3). Mas consegue-se distinguir o
efeito proveniente da manipulação (SHAM) e aquele da ausência da glândula sinus
(experimental). Assim, podemos concluir que a glândula sinus reduz a atividade
locomotora nesses animais. Caso a manipulação SHAM seja tão forte (= 12) quanto
algum possível efeito da glândula sinus (= 12), esse efeito da glândula será encoberto e a
conclusão deve ser mais cautelosa: o efeito da glândula não supera aquele da
intervenção e, portanto, estudos com maior controle do efeito do estresse de cirurgia
devem ser realizados. Mas note que o controle SHAM permite ao cientista posicionar-se
conclusivamente sobre seu estudo (mostrar um efeito ou duvidar do resultado).
Outra forma de controle é o uso de placebo. Basicamente, alguma coisa dada ao
organismo, mas cuja essência da variável de teste não está presente. No caso de drogas,
em que é amplamente usado, seria a administração do veículo que conduz a droga (por
ex., pílula de farinha ou açúcar). Assim, podemos ter um grupo com a pílula com a
droga e outro com a pílula sem a droga (esta última seria o placebo). Ele controla efeitos
que o veículo da variável em teste poderia ter sobre o organismo. Controla também a
subjetividade do indivíduo (no caso de humanos) que, ao receber algum medicamento,
pode achar que ficou curado e, de fato, algumas enfermidades de origem psicológica
podem ser eliminadas. No caso da homeopatia, por exemplo, uma das críticas mais
fortes é que carece de estudos com placebo.
Outro local onde o conceito de controle aparece, de forma pouco convencional, é nos
estudos de associação, com ou sem interferência, quando resultados da variável teste são
comparados entre si. Se seu estudo produzir um gráfico de correlação entre variáveis,
note que os dados servem de referenciais entre si. Se o dado da direita estiver acima do
dado da esquerda, somos inclinados a falar sobre um aumento da resposta de uma
variável em função da outra. Os gráficos das Figuras 12A e 13 (veja VII-11) servem
para esta ilustração.
Na Figura 12A, à medida que os pontos da direita se distanciam abaixo dos pontos da
esquerda, podemos pensar numa associação (correlação negativa). Essa associação é
percebida apenas porque temos referenciais. Assim, não deixa de ser um controle,
embora ele apenas sirva de referencial. Sabemos que o fenômeno indica correlação
negativa porque comparamos cada ponto com outros pontos referenciais. A partir disso
concluímos sobre a correlação.
■
269
Na Figura 13, a situação é similar, mas agora com tratamentos ao invés de pontos
isolados. Os níveis de tempo assistindo TV servem, cada um, de referência aos demais.
Não deixa de ser um controle (maior x menor). Não se costuma chamá-los de controle,
porque não estão diretamente controlando algo, mas do ponto de vista lógico a questão
envolvida é a mesma que nos outros grupos. Um tem o tempo maior e o outro o tempo
menor. Portanto, olhamos um em relação ao outro (seu controle).
Considerando-se a metodologia científica pelo lado da lógica, entro agora em mais
um controle. Aquele que controla a subjetividade do pesquisador. Infelizmente, os
cientistas têm reforçado muito os estudos que confirmam hipóteses (veja II-9 e II-11).
Com isso, ficam felizes quando os dados corroboram suas hipóteses e tristes quando as
negam. Nesse ambiente psicológico, é natural que algumas situações que negam o que o
cientista deseja obter estejam sob a influência psicológica que procura negá-la. E isso
não é nem desonestidade intelectual... trata-se de um fenômeno subjetivo a que todos
estamos sujeitos. Assim, a alternativa é conseguir procedimentos que neutralizem essa
subjetividade.
Uma alternativa são os estudos com duplo cego. Ou seja, o indivíduo que coleta os
dados, não sabe de onde eles proveem. E aqueles que sabem a origem dos dados, não os
coletam. Assim, por esse duplo cego (ambos não vêem) elimina-se a possibilidade de a
pessoa conduzir o resultado segundo sua intenção, mesmo que inconsciente.
144
Por exemplo, peso de algum órgão interno que envolve o sacrifício do animal ou planta, peso seco
de estrutura vital (por ex., raiz ou carcaça de animais), entre outras.
■
270
básico consistirá na comparação dos valores de, por exemplo, tempo de reação, em duas
situações: a) sem o medicamento e b) com o medicamento. Neste caso, podemos
igualmente trabalhar com grupos independentes (num tratamento as pessoas tomam o
medicamento e em outro as pessoas não o tomam, ou tomam um placebo), ou com
grupos dependentes (as mesmas pessoas são avaliadas antes e após tomarem o
medicamento). Como escolher?
Na realidade, as duas possibilidades podem ser feitas. O que nos auxilia para
determinar a mais adequada é nosso conhecimento sobre a variável dependente (no caso,
a reação das pessoas a algum estímulo). Se essa reação variar muito entre os indivíduos
num mesmo tratamento (por ex., condição sem o medicamento), poderá camuflar
diferenças significativas em relação ao outro grupo (com medicamento). Nesse caso,
devemos optar por grupos dependentes, ou seja, os mesmos sujeitos avaliados nos dois
momentos (antes e após o medicamento). Vejamos o exemplo da Tabela 9.
Para análise desses dados, veja VII-20. Assim, se usamos diferentes pessoas em cada
momento (antes e após o medicamento), o teste adequado (t independente) mostra um
valor calculado de t = 1,19 (p = 0,26) e, portanto, devemos concluir que o medicamento
não foi suficiente para alterar o tempo de reação a estímulos externos. Isso ocorre
porque, a despeito da diferença entre as médias (71,9 x 90,6), há uma grande
variabilidade dos dados em torno de cada média (veja os coeficientes de variação).
145
O CV é a relação entre o desvio padrão e a média; ou seja, ele indica quantos por cento o desvio
padrão (dp) significa em relação à média. É obtido como produto de uma regra de três: CV =
(dp.l00)/média.
■
271
Porém, se esses mesmos resultados fossem provenientes dos mesmos animais para
cada condição (antes e após o medicamento), o teste adequado seria o teste t dependente,
que nos revelaria um valor de t = 6,93 (p = 0,001), que indica que o medicamento
alterou a reação das pessoas (como a média após o medicamento é maior, então dizemos
que o medicamento aumentou o tempo de reação ao estímulo).
Duas avaliações antagônicas: com qual ficar? Houve uma grande variação (veja o
coeficiente de variação) dos dados na primeira condição (sem medicamento), o que pode
ter camuflado a detecção da diferença entre os dois grupos. Assim, se usarmos o
procedimento adequado para casos com grande variação dos dados numa mesma
condição (amostras dependentes), o tempo de reação de cada pessoa após o
medicamento poderá ser corrigido pelo seu próprio tempo antes do medicamento, nesse
caso usando teste que considera amostras dependentes entre si. Isso permite que melhor
evidenciemos o efeito da variável independente (medicamento) sobre o parâmetro em
estudo (reação à estimulação externa). O teste t dependente, assim como outros testes146
para condição de dependência (amostras repetidas) entre os dados, considera a variação
dentro de cada par de dados (após - antes em cada indivíduo). Dos dados apresentados
neste exemplo, fica claro que todas as pessoas aumentaram o tempo de reação à
estimulação, o que é relevante também do ponto de vista biológico. Fica ainda evidente
que a opção por usar os mesmos indivíduos ou não pode determinar a direção da
conclusão do estudo.
Porém, a situação pode ser mais complexa. Alguns autores colocam restrição à
decisão acima. A argumentação é a de que o uso de delineamentos com os mesmos
indivíduos sob diferentes condições da variável independente “força” a possibilidade
para encontrarmos diferenças significativas estatisticamente. Vejamos essa situação.
Imagine que você quer saber se a reação dos indivíduos varia em função do horário
do dia. Para isso, observará essa reação nos mesmos indivíduos em dois horários, às
9:00 h e às 16:00 h de um mesmo dia. Esse delineamento com dependência auxilia a
detectar pequenas variações, uma vez que cada dado é corrigido no mesmo indivíduo. E
é exatamente por isso que se suspeita que esse delineamento force a detecção de
diferenças. Se, por outro lado, você investigar indivíduos diferentes, uns pela manhã e
outros à tarde, e encontrar respostas diferentes, a “crença” de que o efeito do horário
existe aumenta (afinal, foi obtida em diferentes indivíduos representantes de uma mesma
população). Nesse caso, se os dados variam muito, sua alternativa será aumentar o
número de réplicas para reduzir o coeficiente de variação dentro de uma mesma variável
independente.
146
Por exemplo, ANOVA para medidas repetidas.
■
272
Num delineamento ideal a respeito do efeito de uma variável sobre outra, todas as
condições deveriam ser controladas e apenas uma variar entre os grupos experimentais.
Como isso é impossível, o que fazemos é distribuir as variáveis que não conseguimos
controlar entre os grupos que vamos comparar. Essa distribuição deve ser ao acaso, para
se evitar que os resultados obtidos sejam produtos de um viés decorrente dessa
distribuição. Vejamos um exemplo.
Ao testarmos o efeito do peso corporal de camundongos sobre a agressividade desses
animais, podemos querer testar que os animais grandes sejam os mais agressivos. Essa
pesquisa pode ser desenvolvida considerando-se dois grupos: a) camundongos pequenos
e b) camundongos grandes. Porém, se os camundongos grandes forem também os
adultos e os pequenos os imaturos, fica impossível discernir se algum possível efeito
decorreu do peso ou da maturidade. Assim, uma possibilidade seria trabalhar com
camundongos maduros e de diferentes tamanhos (adultos maiores e adultos menores).
Nesse mesmo exemplo, podemos supor que haja tendência inata (genética) sobre a
agressividade. Esta, porém, se existe, não é fácil de ser determinada para se constituir os
grupos de estudo. Nesse caso, devemos distribuir ao acaso os animais imaturos entre as
duas condições (usando um grande número de réplicas; veja VII-15 e IX-5). Esse
procedimento pressupõe que, caso haja efeito da variável genética, esse efeito será
distribuído casualmente entre os grupos. Ou seja, os fatores genéticos que determinam
maior agressividade e os que determinam menor agressividade estariam, cada um, em
diferentes indivíduos e esses indivíduos seriam distribuídos aleatoriamente em cada
grupo de estudo, distribuindo essa possível fonte de erro “igualmente” entre os
tratamentos (tamanho menor e tamanho maior). Assim, se a condição genética for um
fator preponderante sobre a agressividade, ela estará igualmente presente entre os grupos
e, portanto, os resultados tenderão a mostrar mesma taxa de agressão em função do
tamanho. Se, por outro lado, o tamanho tiver alguma influência importante, esta poderá
aparecer entre os grupos; ou seja, se houver diferença de agressividade entre os grupos,
esta não poderá ser atribuída à condição genética (pois foi aleatorizada), mas à diferença
de peso entre os animais.
Um terceiro caso ocorre quando a variável indesejada pode ser identificada após a
fase de coleta de dados. Digamos que o grau de maturidade sexual, expresso em termos
de desenvolvimento gonadal ou produção de hormônio sexual, seja uma das possíveis
variáveis interferentes na agressividade dos animais. Nesse caso, mesmo distribuindo os
indivíduos ao acaso entre os grupos, podemos reforçar nossa conclusão avaliando essa
condição (grau de maturidade) a posteriori. Para isso, basta examinarmos os resultados
de agressão em função dos valores obtidos sobre a “maturidade” (nível hormonal ou
desenvolvimento das gônadas). Se, de fato, essa maturidade influenciar a agressividade,
detectaremos uma associação das respostas de agressão com as condições de
maturidade. Nesse caso, permanece a dúvida sobre a variável importante na
determinação da agressividade: tamanho e/ou grau de maturidade. Mesmo assim,
■
273
saberemos que a maturidade deve ter algum papel. Porém, se não houve associação
significativa entre essas variáveis, podemos concluir que o grau de maturidade não
■
274
foi preponderante nos resultados e, então, retornar à análise considerando o peso dos
indivíduos. Análises estatísticas podem nos dizer o peso de cada uma dessas variáveis
(peso e grau de maturidade) na agressividade.
Por causa das variáveis indesejadas, e devido às dificuldades em controlá-las, é que
realizamos grupos controles, nos quais distribuímos essas variáveis e, assim, garantimos
a variação de apenas uma delas (a variável desejada para teste) (veja VII-14).
Se desejar saber se algum fator interferente contaminou seus resultados, também pode
usar este mesmo princípio. Digamos que em seu estudo você precisou retirar sangue de
alguns animais. O resultado obtido seria afetado pelo procedimento de retirada de
sangue? Embora para isso a maioria das pessoas procure padronizar esse procedimento
de retirada de sangue, na prática isso pode ser impossível (pequenas variações podem
ocorrer entre cada indivíduo amostrado). Assim, metodologicamente, o ideal seria que
registrássemos detalhes do procedimento realizado em cada indivíduo (por ex., tempo
para retirada do sangue, volume de sangue retirado, número de tentativas para obter o
sangue etc. – seriam variáveis “indesejáveis”, pois representam erro técnico). Ao final
do estudo, teste seus resultados em relação a essas variáveis. Poderia fazer, por exemplo,
testes de correlação entre as respostas e as variáveis indesejáveis – se houver correlação
significativa, seus resultados podem ser explicados pelas variáveis indesejáveis e,
portanto, não poderá atribuí-los à variável em teste. Se, por outro lado, não houver
correlação entre elas, assume-se que elas não explicam as diferenças obtidas e, nesse
caso, poderá voltar a atenção às suas variáveis experimentais em teste.
Do exemplo acima, você pode extrapolar a situação para cada caso em que haja
variáveis potenciais interferentes. Basta registrá-las e buscar, a posteriori, saber se elas
sozinhas explicariam as respostas obtidas. Como é uma questão lógica, assim como
tantas outras abordadas neste livro, vale para qualquer área do conhecimento.
animais ficam, número de animais por local, idade e tamanho dos animais,
procedimentos de manipulação dos animais etc.). Porém, não basta estudar uma vaca em
cada um dos tratamentos. Por quê? Porque mesmo as vacas sendo “iguais”, cada vaca
tem sua individualidade e pode haver diferenças entre elas147. Para saber se uma possível
diferença de resposta de produção do leite decorreu do tratamento (presença ou ausência
de música) ou de outras condições do indivíduo, você precisa ter mais indivíduos em
cada tratamento. Se houver um efeito do tratamento (música), então você verá que o
conjunto de respostas dos indivíduos de um tratamento, mesmo com variações entre
eles, será diferente do conjunto de respostas dos indivíduos do outro tratamento, também
incluindo aí as variações individuais. Esse conjunto de indivíduos num tratamento é a
amostra desse tratamento. Ela representa a população de vacas Nelore. Assim, o que
ocorrer com essa amostra (se devidamente representativa das vacas Nelore) será
entendido como válido para todas as vacas Nelore, até que se prove o contrário.
Se seu estudo é descritivo, terá apenas uma amostra que representa o “todo”
(população) que você deseja conhecer. Se for uma pesquisa que testa hipótese de
associação entre variáveis, muito freqüentemente terá uma amostra, na qual avaliará
duas ou mais variáveis buscando identificar associações entre elas. Se for pesquisa com
teste de hipótese de associação com interferência entre variáveis, poderá ter duas ou
mais amostras (uma para cada tratamento), avaliando a variável de estudo em cada uma
delas. Mas neste último caso poderá também ter apenas uma única amostra, na qual a
variável dependente será examinada numa situação antes e numa situação após a
interferência de alguma outra variável. Em todas essas pesquisas, as amostras serão
compostas por certo número de indivíduos. A determinação correta desse número
(tamanho da amostra ou número de réplicas) é fundamental e é a questão do item
seguinte.
Esta é uma das dúvidas mais comuns entre os pesquisadores. Inicialmente, vou lhes
mostrar alguns fatores que influenciam a amostragem. Ao final desta questão, forneço
uma regra prática para estabelecer o tamanho amostrai em seu estudo; uma regra que
considera conjuntamente todos os fatores envolvidos nesse processo.
147
A variação de respostas de casos dentro de uma mesma condição de estudo (por ex., tratamento)
não decorre apenas de variações dos indivíduos, mas podem decorrer também de variações nas condições
impostas a esses indivíduos (por ex., algumas características físicas do local onde estão podem não ser
exatamente iguais às do outro tratamento). Portanto, as variações são resultantes da interação entre
variações nas condições do tratamento e as variações individuais.
■
276
al. estudar vários filhotes de um mesmo casal pode levar a conclusões condicionadas
às características genéticas desses pais, o que pode não representar
adequadamente o perfil genético da população. A conclusão pode representar
apenas os filhos daqueles pais e não os filhos de indivíduos daquela população.
Na amostragem, a crença mais comum é que 50 réplicas são preferíveis a 10, visto
que 50 exemplares representam mais a população para a qual se aplica a inferência. De
fato, esse raciocínio tem acolhida, mas apenas quando o tamanho da população for finito
e relativamente pequeno. Numa população com 500 indivíduos, 50 e 10 representam,
respectivamente, 10% e 2%. Mas, em geral, as populações são numericamente muito
maiores, o que torna esses percentuais desprezíveis. Veja que uma população geralmente
é composta de indivíduos passados, presentes e futuros. Assim, amostra com 10 ou 500
réplicas, em relação a uma população muito numerosa (alguns milhões de indivíduos),
têm probabilidades de representatividade próximas a zero. Essa representatividade
numérica não é, então, a melhor justificativa para aumentarmos o tamanho da amostra.
Outra questão é que as pesquisas com maior número de réplicas são mais confiáveis
porque as probabilidades de erro obtidas no teste estatístico também ficam mais
confiáveis. Isso é parcialmente válido. Vejamos um lado da questão. Dois estudos
conduzidos, respectivamente, com 5 e 50 réplicas, sendo que cada um demonstra algum
efeito ao nível de p < 0,05, têm a mesma probabilidade de erro na conclusão! Isso ocorre
porque os valores críticos para a estatística calculada (t, F, c2 etc.) aumentam à medida
que o número de réplicas (grau de liberdade) diminui. Por exemplo, num teste t de
Student para grupos independentes, admitindo-se o nível crítico a 5%, o valor crítico da
estatística é 2,048 para 15 réplicas (grau de liberdade = 28), ao passo que esse valor sobe
para 2,776 se usarmos 3 réplicas (grau de liberdade = 4), e para 4,303 se usarmos 2
réplicas. Assim, se as conclusões com diferentes números de réplicas indicam efeito ao
nível de 5%, então a probabilidade desse tipo de erro é a mesma, independentemente do
número de réplicas.
Não podemos nos esquecer, no entanto, que, aumentando o rigor para aceitarmos a
diferença significativa, aumentamos nossa chance de aceitarmos erroneamente a
igualdade. Ou seja, quanto mais somos rígidos para aceitar que A ≠ B, menos rígidos
somos em aceitar que A = B, e vice-versa. Esses erros são inevitáveis. Vejamos um
exemplo jurídico. Ao emitir uma sentença, o juiz está inevitavelmente sujeito a um dos
seguintes erros: condenar um inocente (erro tipo I ou a) ou absolver um culpado (erro
tipo II ou b). E quanto mais se procura reduzir um tipo de erro, mais aumenta o outro,
pois são inversamente proporcionais.
Na prática cotidiana, o cientista atenta muito para um tipo de erro, procurando reduzir
a aceitação de uma diferença equivocada. Assim, dá pouca importância ao outro erro.
Fruto dessa problemática, muitas revistas tornam mais difícil a publicação de artigos em
que haja negação da hipótese de trabalho (aquela que supõe diferença entre os grupos).
Há assessores que chamam isso de
■
279
■
280
“Welcome to the Journal of Articles in Support of the Null Hypothesis. In the past
other journals and reviewers have exhibited a bias against articles that did not reject the
null hypothesis. We seek to change that by offering an outlet for experiments that do not
reach the traditional significance levels (p < .05). Thus, reducing the file drawer
problem, and reducing the bias in psychological literature. Without such a resource
researchers could be wasting their time examining empirical questions that have
already been examined. We collect these articles and provide them to the scientific
community free of cost.”148
Num dos artigos dessa revista, Chris Aberson (2002) apresenta formas alternativas de
análise de dados, argumentando que para negar uma hipótese (rejeitamos H0) devemos
mostrar os dados de forma estatisticamente mais detalhada do que quando a aceitamos.
De fato, é mais fácil mostrar um evento que ocorre do que algo que não ocorre. Veja
como é muito mais difícil mostrar que uma pessoa não está na cidade do que apresentar
evidências de que ela está. Se alguém a vir, ela está na cidade. Mas se um conjunto de
pessoas não a vir, não significa que ela não esteja na cidade.
Recentemente, surgiu o Journal of Errology149, que pretende dar espaço ao cientista
para divulgação daquilo que não deu certo (hipótese errada, metodologia equivocada,
pressupostos enganosos etc). Ou seja, mais um tentativa para valorizar o erro, esse
equívoco que é natural na vida de qualquer cientista. Portanto, a revista visa a aproveitar
o que pode haver de bom nas experiências mal sucedidas.
148
http://www.jasnh.com/
149
Revista de Errologia – http://bioflukes.com/All/bioflukes
■
281
d. Redução da variância
Para uma dada variável, os indivíduos de uma população não mostram os mesmos
valores. Considerando isso, é natural que uma população apresente uma variabilidade
(variância) entre os dados. Essa variância é natural, pois é uma das características
intrínsecas da população. Ela existe, queiramos ou não. Porém, à medida que
trabalhamos com amostras da população, essa variação dificilmente é igual à da
população. De fato, essa variação resulta de variáveis interferentes que não conseguimos
controlar (veja VII-14). Por exemplo, se analisarmos a freqüência cardíaca de homens
com idade de 50 anos completos, em repouso, estando no quinto dia de férias do
trabalho, casados, pertencentes ao mesmo perfil profissional etc, certamente
encontraremos uma variação nos resultados entre os indivíduos. Isso significa que há
outras variáveis que levaram a essas diferenças, mas que não puderam ser controladas.
Se tudo fosse rígida e hermeticamente controlado, todos os indivíduos deveriam
apresentar a mesma freqüência cardíaca. Numa população, cada indivíduo está numa
condição única (social, psicológica, fisiológica etc), o que torna a variabilidade uma
característica da população. Se examinarmos todos os indivíduos da população, então
saberemos exatamente qual é essa variabilidade. A Figura 14 ilustra essa representação e
mostra como a variabilidade se altera conforme aumentamos o tamanho de nossa
amostra (N° de réplicas).
■
282
Baixa variação dos dados numa mesma condição é importante para testarmos as
diferenças entre duas ou mais condições experimentais. Quando duas amostras são
consideradas estatisticamente iguais entre si, olhamos imediatamente para as variações
em torno das médias, principalmente em estudos com grupos independentes: se forem
baixas, confiamos na decisão estatística; se forem altas, duvidamos dessa decisão.
Assim, o caminho adequado é melhorar os dados. Para isso, temos que aumentar o
número de réplicas até que a variabilidade atinja valores compatíveis com o que se tem
obtido na literatura150. Podemos também aumentar a precisão151 na coleta de dados.
e. Dificuldades metodológicas
Embora possa haver motivos para aumentar o número de réplicas (amostra) numa
pesquisa, as dificuldades metodológicas para fazê-lo são uma barreira natural e real. Há
estudos nos quais cada dado coletado é caríssimo, ou mesmo envolve o tratamento de
vários indivíduos até se conseguir a resposta
150
Caso seu estudo seja o primeiro, então poderá concluir com o que tem. Mesmo assim, seria
interessante olhar a flutuação da variabilidade dos dados em torno da média conforme aumenta o número
de réplicas – procure parar quando houver certa estabilização dessa variabilidade em função do aumento
do número de réplicas.
151
A precisão indica baixa variação dos resultados quando obtidos numa mesma situação.
■
283
■
284
desejada (por ex., alguns tipos de cirurgia cuja sobrevivência pós-cirúrgica é baixa). Em
casos com dificuldades dessa ordem, devemos fazer uma relação custo-benefício entre a
redução da variação obtida pelo aumento do número de réplicas e o custo (financeiro,
operacional ou de bem-estar) decorrente desse aumento. Além disso, a natureza do
objetivo influi no tamanho amostral. Alguns casos únicos são suficientes para dizer que
algo existe (por ex., descoberta de algum fóssil pode ser determinante para provar que
indivíduos daquele grupo existiam em determinada época do período geológico). Assim,
é comum encontrarmos trabalhos científicos com amostra com milhares de
indivíduos152, outros com apenas três ou quatro réplicas por condição153 (por ex., estudos
com organismos ou situações restritas), ou mesmo estudos com um único caso (por ex.,
animais de zoológico154, descrições de caso na área médica155 e fatos físicos cujo
exemplo clássico é o papel da observação de um eclipse na predição da teoria de
Einstein).
f. Valorização da vida
Outro aspecto relevante sobre a questão do número de réplicas numa pesquisa que
envolve organismos vivos é a valorização da vida. Há comitês de ética que estabelecem
códigos de ética para a experimentação animal (incluindo os seres humanos156), ou
mesmo zelam pelo seu cumprimento, de forma a se evitar ao máximo o sofrimento ou a
matança desnecessária. Nesse particular, se um trabalho pode ser feito com cinco
réplicas, não deve ser feito com 10! Muitas revistas científicas internacionais usam o
cumprimento a tais códigos como pré-requisito indispensável para a aceitação dos
artigos submetidos à publicação. Considerando que as justificativas objetivas que temos
para estabelecer o número de réplicas numa pesquisa indicam sempre o número mínimo,
a valorização da vida dos organismos pode evitar desperdícios e sofrimentos
desnecessários.
De forma semelhante ao descrito em VII-1, siga os seguintes passos157:
152
Oliveira et al. (2010), com 11.869 indivíduos considerados para análise (vários foram excluídos
para melhor homogeneização da amostra).
153
Em Plotnik et al. (2006), apenas 3 elefantes foram estudados, dos quais apenas 1 apresentou a
resposta esperada.
154
Maia & Volpato (2012) estudaram apenas duas onças, uma mãe e uma filha; uma não é réplica da
outra.
155
Tavacoli et al. (2009). Com base num único caso, os autores afirmam que o vírus do carrapato pode
ser a causa de encefalite fatal em veados. Ray et al. (2012) acrescentaram um único caso descrito uma
revisão da literatura.
156
Embora na prática muitas áreas se refiram a animal sem incluir os seres humanos, até que se prove
o contrário o ser humano é um animal. Ele é apenas mais uma espécie entre tantas outras, mas não é, por
exemplo, um vegetal.
157
Baseado em Volpato (2008).
■
285
1 – examine artigos atuais em sua área de atuação, e que lidem com as varáveis de
sua pesquisa; esses artigos devem estar publicados em revistas compatíveis com
o nível onde você pretende publicar seu estudo;
■
286
3 – veja nesses artigos qual o tamanho das amostras. Esses valores lhe darão um
referencial adequado.
Note que esses artigos publicados resumem os problemas reais subjacentes à escolha
do tamanho amostrai, como segue:
Figura 15. Chave dicotômica para escolha de teste estatístico considerando distribuição
dos valores e estrutura do delineamento do estudo.
Na sua essência, o projeto deve mostrar claramente o que será estudado, incluindo as
razões que justificam esse objetivo, e como será realizado o estudo. A primeira parte fica
na Introdução e a segunda no Planejamento da Pesquisa. No conjunto, as seguintes
informações devem ser especificadas no projeto de pesquisa:
Introdução
Planejamento da Pesquisa
158
As predições de uma hipótese são os fatos que se espera ocorrer (detectar) caso a hipótese seja
correta. Se nossa hipótese preconiza que o aumento da densidade populacional exacerba a agressividade
intraespecífica em determinada espécie, então uma predição seria que os animais mantidos na maior
densidade populacional exibirão maior número de confrontos entre si, comparados aos que estão nas
menores densidades.
■
291
em negação da proposta). Note que todo objetivo de pesquisa deve ser atingido. O que
ocorre é que as pessoas se enganam quando escrevem o objetivo da pesquisa.
Considerando os três tipos lógicos de pesquisa (veja VII-10), seu objetivo será
basicamente descrever algo ou testar associação entre duas ou mais variáveis. No
primeiro caso, o projeto deve garantir que se consiga descrever o que se pretende. No
segundo caso, o projeto deve mostrar que será possível testar essa hipótese de associação
(ou testando-se correlações ou comparando-se médias, medianas, freqüências ou
proporções). Portanto, nessa fase já é possível prever a qualidade da publicação a ser
conseguida, a qual decorre da validade do objetivo e da robustez metodológica. Por essa
razão que uma agência pode direcionar quantias significativas de dinheiro a um projeto
que ainda não possui os dados coletados.
Partindo da estrutura lógica mínima necessária descrita acima, a estrutura formal mais
geral de um projeto pode incluir159:
o Capa:
o al. Título
o a2. Autor(es)
o a3. Instituição(ões) de afiliação do(s) autor(es)
o a4. Local de realização da pesquisa (se diferente do item anterior)
o a5. Tipo de solicitação (bolsa de Mestrado, Auxílio, Edital etc.)
o a6. Mês e ano
o Planejamento da pesquisa
159
A estrutura de um projeto de pesquisa é geralmente definida pela instituição à qual se dirige (por
ex., CNPq, Capes, Fapesp etc). Em alguns casos, no entanto, não há um modelo pré-estabelecido e cabe ao
cientista organizar seu projeto.
■
292
■
293
o Referências
Referências
Aberson C. 2002. Interpreting null results: improving presentation and conclusions with
confidence intervals. JASNH 1(3): 36-42.
Oliveira C de, Watt R, Hamer M. 2010. Toothbrushing, inflammation, and risk of cardiovascular
disease: results from Scottish Health Survey. British Medicai Journal 340: c2451.
Ray S, Kundu S, Goswami M, Maitra S. 2012. Tropical pulmonary eosinophilia misdiagnosed as
military tuberculosis: a case report and literature review. Parasitology International 61(2):
381-4.
160
Apesar disso, defendo que mesmo o relatório deveria ser na forma de artigo, sem necessidade de
mostrar todos os dados. Além de agilizar a publicação dos dados, esta proposta é coerente com os
objetivos da ciência. De nada vale o quanto você trabalhou, mas sim a qualidade de suas conclusões.
Portanto, várias tabelas com dados que não levam a muita coisa só atestam seu esforço; mas são as
conclusões primorosas e interessantes que mostram que você trabalhou corretamente. Se hoje os cientistas
analisam as conclusões com base nos resultados dos artigos, porque nos relatórios deveríamos incluir
muito mais dados? Seriam os relatórios melhores que os artigos científicos publicados?
■
294
Literatura Complementar
Aber JM, Papavero N. 1991. Teoria intuitiva dos conjuntos. Editora McGraw-Hill.
Alves AC. 2011. Lógica, pensamento formal e argumentação. 5a ed. Editora Quartier Latin.
Aranha MLA, Martins MHP. 2003. Filosofando: introdução à filosofia. Editora Moderna.
Barbosa C. 2011. A tríade do tempo. Sextante.
Baronett S. 2009. Lógica, uma introdução voltada para as ciências. Editora Bookman.
Beveridge WIB. 1981. Sementes da descoberta científica. Edusp.
Bickenbach JE, Davies JM. 1997. Good reasons for better arguments; an introduction to the
skills and values of critical thinking. Broadview Press.
Carraher DW. 1999. Senso crítico. Editora Pioneira.
Castro AA, Saconato H, Guidugli F, Clark OAC. 2002. Curso de revisão sistemática e
metanálise [Online]. São Paulo: LED-DIS/UNIFESP. Disponível em:
http://www.virtual.epm.br/cursos/metanálise.
Feyerabend PK. 1993. Against method. 3a ed. Editora Verso.
Figueiredo NMA (Org.). 2004. Método e metodologia na pesquisa científica. Editora Difusão.
Forthofer RN, Lee ES. 1995. Introduction to biostatistics: a guide to design, analysis, and
discovery. Academic Press.
Hailman JP, Karen BS. 2006. Planning, proposing, and presenting science effectively: a guide
for graduate students and researchers in the behavioral sciences and biology. Cambridge
University Press.
Harvard Business Review. 2002. Empreendedorismo e estratégia. Editora Campus.
Hurley PJ. 2008. A concise introduction to logic. 10a ed. Editora Cengage Learning.
Kaplan A. 1972. A conduta na pesquisa. Edusp.
■
295
CAPÍTULO VIII
Coleta de Dados
A pesquisa científica é uma atividade cujas partes estão de tal forma entrelaçadas
entre si que não se pode dizer qual delas é a mais importante. Falha em uma delas pode
significar o fim de todo o estudo. É importante conhecermos o papel e a importância de
cada parte para entendermos claramente porque não é adequada a busca da parte
principal.
Uma pergunta equivocada pode levar a uma resposta equivocada. Da mesma forma,
uma pergunta irrelevante leva a uma conclusão irrelevante. Não se esqueça de que ao
elaborarmos uma pergunta restringimos os objetivos. Por isso, o interesse sobre a
pergunta inicial é fundamental para que seu artigo seja aceito em periódico de boa
qualidade científica internacional.
■
297
2. A elaboração do objetivo
3. O planejamento da pesquisa
4. A coleta de dados
A análise dos dados é tão importante quando a qualidade com que foram obtidos. Se
empregar uma estatística errada, o restante já será fantasia. Da mesma forma, se
interpretar erroneamente os resultados (incluindo os efeitos que detectou na análise
estatística ou qualitativa), não será aceito. Lembre-se de que os resultados de um estudo
podem ser interpretados de mais de uma forma. Entre as evidências (resultados do
estudo) e a conclusão, há a cabecinha do cientista, a qual é contaminada com teorias,
pressupostos, preconceitos etc. Um trabalho científico é o discurso do cientista, com
base nas evidências (metodologia, resultados e informações da literatura) de que dispõe,
indicando como as interpreta.
■
298
6. A publicação do trabalho
Um trabalho científico não publicado é como uma aula não ministrada, ou uma musa
não conquistada... vira platônico! É necessário mostrar para a comunidade científica
suas idéias, por meio da publicação. Publicar em revista pouco reconhecida ou pouco
disseminada também não ajuda, pois o trabalho não será visto ou considerado. Imagine
que a qualidade da publicação deve ser proporcional ao que você considera da qualidade
da pesquisa que fez. Se você publica mal, é porque considera que fez algo muito ruim.
Ela é seu espelho. Pense assim e procurará crescer a cada novo projeto.
Numa análise geral dos seis itens apontados, fica claro que não se pode falar qual
etapa é a mais importante, porque cada uma delas é essencial. É o mesmo que dizer qual
é o órgão mais importante: o coração, o cérebro, os pulmões ou o fígado? A retirada de
qualquer um deles leva à morte!
não ciência.
■
300
Ainda hoje há cientistas que preferem anotar seus dados em cadernos de laboratório.
Mas a maioria já migrou para registros eletrônicos. Seja qual for o caso, evitar ou
minimizar a chance de perdê-los é fundamental.
No caso do papel, manter cópias (fotocópias) em outro local (imagine que seu
laboratório pode pegar fogo) é uma medida interessante. Não descartamos que as
páginas sejam escaneadas esporadicamente e mantidas em arquivos eletrônicos, em
outra sala ou mesmo nas “nuvens”.
A preservação é necessária. A criatividade de como fazê-la é sua. Pense em todas as
possibilidades e invista em boa preservação de dados de uma forma diretamente
proporcional ao quanto representam para você e à dificuldade em reconstruí-los.
Referência
Volpato GL, Fernandes MO. 1994. Social control of growth in fish. Brazilian Journal of
Medical and Biological Research 27: 797-810.
Literatura Complementar
Beveridge WIB. 1981. Sementes da descoberta científica. Edusp. Carraher DW. 1999. Senso
crítico. Editora Pioneira.
Castro AA, Saconato H, Guidugli F, Clark OAC. 2002. Curso de revisão sistemática e
metanálise [Online]. São Paulo: LED-DIS/UNIFESP. Disponível em:
http://www.virtual.epm.br/cursos/metanálise.
Figueiredo NMA (org.). 2004. Método e metodologia na pesquisa científica. Editora Difusão.
Forthofer RN, Lee ES. 1995. Introduction to biostatistics: a guide to design, analysis, and
discovery. Academic Press.
Hailman JP, Karen BS. 2006. Planning, proposing, and presenting science effectively: a guide
for graduate students and researchers in the behavioral sciences and biology. Cambridge
University Press.
Kaplan A. 1972. A conduta na pesquisa. Edusp.
■
302
CAPÍTULO IX
Há aqui duas questões importantes. Uma considera o quanto confiamos nos dados
obtidos. A outra é sobre a interpretação que fazemos de dados confiáveis.
Há vários dados que podem ser obtidos pela leitura em aparelhos, o que diminui
muito a possibilidade de distorção por parte do cientista. São assim, por exemplo,
medidas cujos aparelhos mostram os valores em mostradores digitais. Quando os valores
digitais mostrados oscilam, ou são mostrados por ponteiros, a leitura dos resultados
depende cada vez mais do controle do experimentador, aumentando a chance de
distorção dos dados. Esse é um viés real e os procedimentos experimentais são
idealizados na tentativa de superar esse problema.
Num procedimento duplo cego, quem coleta os resultados não sabe a que tratamento
cada dado pertence. Assim, a probabilidade de erro se torna aleatória e fica difícil
atribuir a esse erro as possíveis diferenças entre os tratamentos. Por outro lado, a pessoa
que sabe a que tratamento pertence cada amostra não fará leitura dos dados. Ou seja,
cada um é “cego” para uma coisa. Há também o triplo cego, onde um indivíduo monta o
experimento, outro conhece os códigos que pareiam os dados com as condições em teste
e um terceiro indivíduo analisa dos dados.
■
304
161
Originalmente publicado em 1935.
■
305
■
306
Todos separam resultados de conclusão. Todos concordam que são coisas diferentes.
Todos respondem a esta questão. Porém, os equívocos são enormes.
Segundo a crença indutivista, a conclusão está num nível teórico e o resultado no
nível factual. Mas isso é ilusório! (veja II-9)
O cálculo da média numa amostra já é uma abstração! Nossa amostra não é a média;
e essa média não é o conjunto de dados. Trata-se apenas de uma inferência em relação à
amostra. Há pressupostos teóricos corroborando a forma como calculamos a média. Há
também outras formas de estabelecermos a tendência central da amostra, como pela
mediana ou pela moda. Ou seja, a média, ou outras medidas de tendência central, não
são fatos objetivos indicadores dessa tendência. São abstrações.
Da mesma forma, ao estabelecermos a equação matemática que descreve a relação
entre duas variáveis, estamos generalizando a partir dos dados coletados. A curva
descrita por essa equação estabelece um enorme número de pontos correlacionados, os
quais não foram de fato observados, mas são supostos a partir dos dados observados.
É óbvio que as generalizações podem ser aumentadas e se tornam cada vez mais
distantes do dado coletado. Mesmo esses dados não estão isentos de teoria, seja teoria
observacional ou tecnológica (veja II-9). Por exemplo, um medidor de pH requer de seu
usuário a crença de que os números indicados no mostrador sejam, de fato, logaritmos
da concentração do íon hidrogênio. Esse usuário transporta tal problema para a crença na
atividade científica que aprovou tal aparelho. Mesmo essa atividade científica, no
entanto, acredita nas leis da eletricidade, da química, cuja natureza teórica é
extremamente ampla. Em resumo, a teoria parece mais presente na vida do cientista do
que ele geralmente imagina!
Mesmo que os fatos concretos estejam impregnados por teoria, há uma distinção
quantitativa nessa impregnação entre os fatos que trabalhamos: uns parecem mais
próximos do concreto e outros mais distantes. E esse é um bom critério para
distinguirmos resultado de conclusão. Novamente uma decisão relativa. E isso é
auxiliado pelo objetivo do trabalho. Vejamos dois exemplos.
Digamos que, ao investigar a relação entre peso do corpo (X) e ingestão de alimentos
(Y) numa dada espécie, obtivemos o que se apresenta na Figura 17. Isso é resultado ou
conclusão?
■
307
Figura 17. Correlação e regressão linear entre peso corporal (X) e ingestão de alimentos
(Y). Os pontos representam os valores obtidos no estudo e a reta a abstração que reduz
os pontos a essa reta, indicando um processo contínuo na relação entre X e Y.
Todos hão de convir que esse tipo de gráfico é comumente apresentado nos
resultados de um trabalho científico. Mas vou lhes mostrar que pode não ser bem assim.
Se o objetivo é saber se existe correlação entre essas duas variáveis (X e Y), ou qual tipo
de correlação existe, a reta de regressão desses pontos é, sem dúvida, a conclusão a que
chegamos. Podemos chamar os pontos (coordenadas) de resultado e a reta (Y= A + BX)
de conclusão. Mas nunca o contrário. Jamais os resultados podem estar num nível de
abstração acima daquele da conclusão.
Continuando, digamos agora que o objetivo da pesquisa tenha sido estudar o efeito do
sexo na relação X-Y mostrada na Figura 17. Podemos ilustrar essa situação com o
gráfico da Figura 18.
Figura 18. Regressão linear entre peso corporal (X) e ingestão de alimentos (Y),
indicando diferença em função do sexo dos animais.
■
308
Fica claro que C4 é mais geral que C3, esta mais geral que C2 e C2 mais geral que
C1.0 que é resultado e o que é conclusão nesse exemplo? As afirmações C4, C3 e C2
são claramente teóricas e gerais. Nesse caso, Cl pode ser assumida como conclusão ou
resultado (a preferência é do cientista!). A apresentação dos pontos presentes na reta
pode ser facilmente assumida como resultado. As equações da reta (Cl) são
generalizações como visto anteriormente, mas podem ser consideradas conclusões na
Figura 17, enquanto que na Figura 18 poderiam ser apresentadas como resultados, de
forma a dar mais ênfase nas conclusões mais gerais. Excesso de conclusões produz um
texto mais difícil de ser tornado claro, onde o leitor tem maior chance de se confundir
sobre quais são as principais conclusões, particularmente quando o autor não é muito
experiente.
Mais um exemplo para eliminar dúvidas... ou intransigências intelectuais. O valor de
1,67 m ± 0,15 m representa uma média e seu respectivo desvio padrão. Isso é resultado
ou conclusão? Todos aceitam que seja resultado. Mas nem aqui a questão é simples.
Pode ser conclusão. Imaginem um estudo que objetiva exclusivamente saber qual é a
estatura média do brasileiro. Qual seria a conclusão desse estudo? É óbvio que a
conclusão seria um valor de tendência central (sempre seguido de uma ou mais
representações da variabilidade).
De tudo isso, fica patente que a conclusão está num nível teórico acima do resultado,
mas que num escalonamento entre vários níveis o cientista pode escolher o ponto de
corte. Ilustra também que o referencial para distinguirmos resultado de conclusão é o
objetivo da pesquisa.
Veja o exemplo abaixo, relativo a alunos do ensino fundamental (5a a 8a séries) em
escola pública brasileira, extraído de Tagliacollo et al. (2010).
cachorro dentro da sala. Porém, se por uma das frestas você visualizar um cachorro, não
hesitará em dizer que esse animal está no interior da sala.
A estatística pode ser comparada a esse exemplo. Ela é uma fresta (ferramenta) que
lhe permite olhar para o interior das amostras e populações que examina. Quando
encontrar algum efeito, dirá que ele existe e que pode ser detectado a partir de tal fresta
(ou seja, que é visível a partir dos dados coletados de determinada maneira e analisados
com determinado teste e pressuposto estatístico). Por outras frestas você não o
perceberá.
Na escolha dos testes estatísticos e nos referenciais do poder do teste de hipótese,
muitos cientistas buscam trabalhar com testes potentes para evitar erros. Triste ilusão.
Na estatística, quanto mais se “aperta” de um lado, mais se “afrouxa” de outro162. Ou
seja, se seu teste é muito rígido, diminui a chance de encontrar um efeito que não exista,
mas aumenta a chance de dizer que um efeito existente não existe. Se usar um teste
menos rígido, aumenta a chance de encontrar efeitos que não existam. Seja como for, a
crença no teste rígido não resolve.
Nesse sentido, você deve considerar a estatística como uma ferramenta que, se usada
adequadamente, pode ser muito útil. Ela nos ajuda ao dizer a probabilidade de erro que
temos ao aceitarmos algum efeito (associação ou interferência), ou mesmo para
caracterizar um conjunto de dados (pesquisa descritiva) (veja VII-10).
Antes do advento da estatística, a ciência era praticada e construía um conjunto de
conhecimento válido. Portanto, a estatística não é condição necessária para a ciência.
Sem ela, os cientistas se baseavam em resultados evidentes, cuja existência não colocava
dúvida sobre os fenômenos evidenciados (veja o conceito de conhecimento científico,
em II-7). O que a estatística fez nesse quadro?
Com a ferramenta estatística, diferenças nem tão evidentes puderam ser consideradas
como base forte para sustentar conclusões. Ou seja, fenômenos anteriormente não
detectados, passam agora a ser creditados pela ferramenta estatística. Assim, muito mais
efeitos passam a ser descritos após a inclusão da estatística na ciência. Como referido no
início desta questão, crença obstinada na força estatística e no viés do teste rígido pode
agir ao contrário; isto é, impedir que detectemos certos fenômenos que só seriam
visíveis com testes mais “brandos”.
Como vimos, a estatística é uma ferramenta. Se devidamente usada, contribui; se
usada erroneamente, atrapalha.
162
Faça um paralelo com instrumentos de óptica. Um telescópio (teste rígido) lhe permite ver
fenômenos que não são observados com uma lupa simples; mas a lupa também identifica fenômenos que
não vemos com os telescópios.
■
311
Esses casos ressaltam o fato de que se o nível crítico for 5%, assumiremos um efeito
na variável independente apenas nos casos b e c. Ou seja, o caso b parecerá mais
próximo de c do que de a.
Uma prática interessante que se intensificou na década de 90, sendo agora muito mais
comum, é a eliminação do valor crítico e adoção do valor mínimo que indica algum
efeito. Cabe ao cientista, com sua experiência (subjetiva!), aceitar ou não esse nível de
erro ou considerar os valores como iguais entre si. Porém, esse palpite do
experimentador pode ser mais bem embasado em alguns casos. Podemos realizar numa
pesquisa uma série de estudos nos quais testamos o efeito de algumas variáveis sobre um
determinado fenômeno. Por exemplo, podemos testar o efeito de várias espécies de
plantas daninhas sobre o desenvolvimento de uma determinada planta de interesse
comercial. No exemplo a seguir, o resultado do diâmetro do caule de eucalipto aos 21
dias após o início do experimento foi comparado em situações de cultivo com plantas
daninhas e sem essas plantas. Cada comparação forneceu um valor de p, que são
apresentados na Tabela 10 (adaptado de Souza 1994).
Nos casos em que lidamos com poucas comparações (por ex., apenas duas médias),
obtemos apenas um valor crítico e o nosso referencial podem ser estudos similares
desenvolvidos ou o bom senso, considerando-se a magnitude das variáveis interferentes
que não podem ser controladas nesse tipo de pesquisa. Não havendo nada claramente
estabelecido, use o costumeiro 5% ou 1%.
Seja como for, o aval último das decisões do autor será dado pela comunidade
científica. Na medida em que as diferenças que o autor considerou relevantes forem
aceitas pela comunidade, por meio de citações, é porque sua decisão foi adequada. Na
verdade, haverá sempre uma comunidade para fazer julgamentos anônimos, muito mais
relevantes que aqueles dos assessores das revistas, porém talvez menos impeditivos.
IX-6 O que fazer com os dados que mostram apenas tendência à significância?
As hipóteses não são formuladas para serem confirmadas, pois esta é uma tarefa
impossível quando são enunciados de natureza geral (veja II-8 e II-9). O objetivo do
cientista é descrever uma situação (sem expectativas prévias, sem hipótese) ou testar
hipótese e concluir sobre sua corroboração ou refutação. Dizer que algo não ocorre de
determinada maneira (como na negação da hipótese experimental) é também muito
importante. De fato, a elaboração da hipótese requer uma argumentação mostrando sua
plausibilidade, ou seja, de que é razoavelmente uma boa explicação para a pergunta que
procuramos responder. Porém, a hipótese precisa ser testada. A argumentação de sua
plausibilidade só indica que vamos testá-la prioritariamente a outras hipóteses possíveis
e ainda não testadas. Assim, a demonstração de sua inadequação evitará que outros
enveredem pelo mesmo caminho; a impossibilidade de derrubá-la fará com que a
usemos como explicação científica até que se prove o contrário. O importante num
estudo científico é que a hipótese seja adequadamente testada.
Em resumo, não se avalia a qualidade de um trabalho científico em termos de se a
hipótese foi confirmada ou não; mas sim pela validade da hipótese proposta e pela
qualidade do teste ao qual foi submetida.
Porém, o cientista não deve se contentar em saber que uma hipótese negada também
tem seu valor. Deve saber qual orientação deve dar à sua pesquisa a partir daí. Vejamos
um exemplo na Física dos gases e, posteriormente, um exemplo aplicado à Biologia163.
163
Exemplos extraídos de Volpato (2007).
■
317
No prosseguimento dos testes, podemos encontrar que água com soluto não ferve a
100 °C no nível do mar. Se adotarmos a postura apresentada acima, alteraremos a
hipótese para:
Outros testes podem mostrar que esse último enunciado só é válido se os testes forem
feitos em recipientes abertos. Novamente, podemos manter nossa conclusão, alterando-a
para:
A água testada no dia tal, em seu laboratório, sob certas condições muito especiais,
ferveu a 100 °C.
Essa atitude contraria o esperado para quem almeja atingir o objetivo da ciência, que
é exatamente o oposto: elaborar conclusões cada vez mais gerais (veja II-l). Ao manter
as generalizações pelas condutas acima, o pesquisador está restringindo o alcance
empírico delas, ou seja, cada vez mais passam a descrever um menor universo empírico
(fala-se cada vez mais de “algumas águas”,
■
318
populacional (condição controle). Esse fato mostra que a generalização inicial não se
aplica a todos os indivíduos na condição de alta densidade populacional. Ou seja, que
essa generalização não é irrestritamente válida.
É muito comum, nesses casos, os cientistas se contentarem em concluir que a alta
densidade populacional reduz o crescimento médio dos peixes. Ao fazerem assim, no
entanto, estão restringindo o alcance empírico da generalização inicial e, agora, se
referem apenas ao crescimento médio e não ao crescimento individual. Nesse trabalho,
nos propusemos a encontrar uma generalização mais ampla que explicasse porque
alguns peixes não têm seu crescimento reduzido, enquanto a maioria cresce menos em
decorrência da alta densidade populacional. Isso foi conseguido a partir de uma análise
da literatura publicada (revisão da literatura), de onde concluímos que o agrupamento
afeta de forma diferente o crescimento dos peixes quando os indivíduos são
hierarquicamente dominantes ou submissos no grupo: dominantes crescem como se
estivessem no isolamento; submissos crescem menos ou perdem peso, pois sofrem
estresse pelos ataques que recebem dos dominantes. Assim, o crescimento é modulado
pelo nível e tipo de estresse desses animais, o que explica porque o agrupamento reduz o
crescimento médio (a maioria dos animais apanha de uma minoria que são os
dominantes) e também porque alguns crescem a taxas altas (os dominantes, que não
sofrem de forma muito intensa com a interação social). Com isso, explicamos todos os
crescimentos observados.
Na Introdução desse estudo (Volpato e Fernandes 1994), a argumentação parte da
noção exposta por Popper, o que exemplifica como a filosofia da ciência pode ser usada
para situações cotidianas dos cientistas e não apenas para as grandes teorias.
IX-8 O que fazer quando os dados são muito discrepantes daqueles obtidos na
mesma condição de estudo?
Inicialmente devemos lembrar que a forma mais comum de análise de dados procura
visualizar um conjunto (população) a partir de análise de um subconjunto (amostra).
Portanto, a primeira tarefa é conseguir visualizar essa amostra. E é nessa tarefa que os
dados discrepantes atrapalham. Por serem muito diferentes, criam uma ilusão quando
tentamos sintetizar essa amostra, por exemplo, quando calculamos a média. Como
resolver isso (aquele dado discrepante que atrapalha a vida do cientista)?
Imagine que numa determinada espécie animal esteja sendo testada a associação entre
coloração do corpo e ganho de peso164. Os valores de ganho de peso referentes a
determinado período de crescimento são mostrados na Tabela 11. Como a distribuição
desses dados passa pelo teste de normalidade (por ex., teste de Kolmogorov-Smirnov,
com KS = 0,15 e 0,24,
164
Assume-se que haja apenas associação, sem interferência de uma variável sobre a outra; algum
fator deve interferir independentemente na cor do corpo de no ganho de peso (por ex., estresse).
■
320
Tabela 11. Ganho de peso (g) associado à coloração corporal no peixe tilápia-do-nilo.
Animal Coloração do corpo
Clara Escura
1 18,6 18,2
2 24,2 11,5
3 18,7 14,3
4 26,5 21,6
5 22,5 17,6
6 16,8 31,2
7 21,2 14,0
8 15,5 16,4
9 23,3 16,6
10 23,8 12,5
Média 21,1 17,4
d.p. 3,6 5,7
Dados individuais de 20 animais mantidos em isolamento social, sendo 10 animais em
cada condição de cor do corpo.
A análise estatística desses dados revela que se assumirmos que as médias são
diferentes, temos que aceitá-la com p = 0,0966 (~9,7% de erro em indicar esse efeito).
Pelo critério mais usual (veja IX-5), diríamos que não há diferença entre elas; ou seja,
que o ganho de peso não está associado à coloração do corpo desses animais. No
entanto, observamos que na condição de coloração escura do corpo, a réplica n° 6 (=
31,2) parece muito discrepante dos demais dados. Como conseqüência, esse dado impõe
maior variabilidade a essa amostra, o que reduz a chance de se encontrar diferença entre
as amostras (cor clara x cor escura). Seria válido excluirmos esse dado discrepante? Ou
devemos aceitar a ausência de associação entre ganho de peso e cor do corpo?
Uma primeira análise deve examinar se esse valor (31,2) não decorre de erro
técnico166. Eliminada essa possibilidade, temos que considerá-lo um dado natural. Cabe
agora decidirmos se esse dado natural é um dado discrepante (outlier). Outliers são
valores da amostra que estão muito longe da média. Um critério para identificá-los é
165
Regra prática: eleve ao quadrado o desvio padrão das duas amostras e divida o maior valor pelo
menor. A razão resultante é o valor F. Na regra prática, se for acima de 4,0, as variâncias são
heterocedásticas e o teste precisa contemplar isso, ou recomenda-se estatística não paramétrica.
166
Note como é importante, durante a coleta de dados, registrarmos o que ocorre com o estudo, pois
essas anotações podem nos dar referenciais para excluirmos dados devido à maior possibilidade de
decorrerem de erros técnicos. Quando não temos esse registro, ou eles não indicam erro técnico, temos
que aceitar que todos os dados são naturais.
■
321
avaliando se estão fora dos limites estabelecidos pela média ± 2 vezes167 o desvio
padrão, conforme Tukey (1977). A discrepância do outlier é, em última instância,
inversamente proporcional à probabilidade de o dado ocorrer na população.
167
Na realidade, o valor é 1,96, mas na prática usa-se 2.
■
322
No caso da Tabela 11, para a coloração escura temos: 17,4 ± 2 x 5,7, que dá os
limites de 6,0 e 28,8. Então, a réplica n° 6 dos peixes de coloração escura é um outlier, o
que nos possibilita retirá-la da análise estatística. Na amostra dos animais com corpo
claro os limites são 14,0 e 28,3, que indica ausência de outliers.
Retirado o outlier, a nova média calculada é 15,9 ± 3,1168, que pode ser assumida
como diferente da média da outra condição (clara) com erro de 0,0035 (-0,35% de erro
em aceitar o efeito). Adotando esse procedimento, o valor do outlier deve
necessariamente ser apresentado nos Resultados (veja Fig. 19).
A exclusão do outlier possibilitou maior confiança ao cientista para aceitar a
diferença entre as médias comparadas. Ou seja, impediu que aceitasse erroneamente a
igualdade entre as médias e, portanto, a ausência de associação entre coloração do corpo
e ganho de peso. É necessário, no entanto, que conheçamos porque tal procedimento é
correto.
Ao representarmos uma amostra pela sua média e desvio padrão, devemos estar
atentos para que essa representação reflita o perfil da amostra. No caso da amostra da
condição coloração escura, a representação pela média obtida das 10 réplicas
(incluindo-se o outlier) é mais ilusória que a representação que considera o conceito de
outlier. Se aplicarmos a estratégia do outlier, dizemos que há um conjunto de dados
próximos (baixo desvio padrão: 3,1; coeficiente de variação = 19,8%) ao valor 15,9
(média) e um dado discrepante (31,2). Sem a exclusão do outlier, no entanto, o alto
desvio padrão (5,7; coeficiente de variação = 32,7) implica grande variedade dos dados
ao redor da média; ou seja, a imprecisão é maior.
Graficamente, essa idéia pode ser representada como na Figura 19. Fica claro que a
representação que inclui o outlier na elaboração da média (B) corresponde menos à
realidade da amostra do que quando excluímos esse valor e apresentamos a nova média
e o valor do outlier (C). Por isso o valor de outlier deve ser incluído no trabalho, mas
retirado da análise.
168
Neste caso, não surge um novo outlier.
■
323
IX-9 Que cuidados tomar para se concluir sobre correlação entre variáveis?
Vamos nos ater às correlações lineares, que são mais claramente vistas pelo cientista,
mas o conceito geral se aplica também às correlações multivariadas. Os valores obtidos
em cada par de dados são plotados em gráficos, como exemplificado na Figura 20.
Numa primeira análise, avaliamos se existe correlação entre esses pontos. Uma vez
que exista, podemos traçar a equação que representa esse fenômeno (por ex., equação da
reta – veja Fig. 17 e 18 em IX-2). Nesse caso, estamos fazendo a regressão. Ou seja, se
há correlação169 entre
169
A aceitação da existência de correlação geralmente é feita a partir do valor de r (coeficiente de
correlação), ao qual se aplica um teste estatístico. No entanto, é importante olhar o coeficiente de
determinação (R2, obtido elevando-se r ao quadrado), que indica o quanto (R2 x 100 = %) essa reta/curva
explica os pontos.
■
324
construção dos gráficos. Com isso, elaboram tabela com os valores de r e seus
respectivos valores de significância (P), a partir dos quais elaboram suas conclusões. É
bom lembrarmos que, uma vez introduzidos os dados nos programas computacionais de
estatística, alguma coisa sai como resultado. A participação do cientista é imprescindível
para decidir o que deve e o que não deve usar.
Um último ponto a considerar é a decisão sobre se a correlação indica interferência
entre as variáveis ou apenas associação. Veja em VII-10 as considerações sobre isso.
■
326
Há basicamente dois motivos para se relacionar os dados do seu estudo com aqueles
desenvolvidos por outros cientistas. O primeiro refere-se à importância de mostrar que
nossos dados estão adequados. Essa demonstração é necessária, pois são esses dados que
dão suporte às conclusões. Por meio de comparações mostramos que nossos resultados
estão dentro de valores esperados pelo conhecimento já consagrado pela publicação e
relativo a outras espécies ou condições de estudo. Por exemplo, se desejamos testar o
efeito da idade na acuidade visual das pessoas, uma informação importante é mostrar
que as medidas de acuidade visual que fizemos estão adequadas às que têm sido
relatadas por outros autores (por exemplo, comparando-se valores obtidos em condições
similares).
O segundo motivo é o desejo de ver onde e como nossas conclusões se “encaixam”
no conhecimento existente. Então, não apenas comparamos, para conformar ou
contrapor, mas somamos nossos dados aos da literatura para elaborarmos conclusões
mais gerais. Dessa comparação poderá, inclusive, emergir idéias novas que, apenas com
os resultados que coletamos, jamais seriam obtidas. Esquematicamente, representamos
como na Figura 21.
A conclusão 4, por sua vez, é a mais ampla de todas, pois engloba todos os resultados
apresentados e os produzidos e obtidos na sua revisão da literatura.
Basicamente, quando você analisa seus dados e obtém conclusões, deverá fazer duas
coisas:
E são esses dois pontos que devem ser evidenciados na Discussão de um texto
científico. Sem eles, seu estudo não tem interesse para a comunidade científica. Devem
também ser incluídos na Cover Letter ao submeter o manuscrito para publicação.
IX-11 Até que ponto é possível avançar nas generalizações durante a elaboração
das conclusões?
Temos que distinguir uma hipótese não testada de uma conclusão (veja 11-10 e IX-2).
A primeira ainda não foi colocada a teste. A segunda deriva de uma hipótese já testada,
que foi corroborada ou não pelos resultados empíricos. É claramente um status diferente.
Embora não signifique mais ou menos verdade (veja II-8), a conclusão nos é
psicologicamente mais aceitável como resposta a uma pergunta.
Entre as conclusões, podemos identificar graus de generalidade (Fig. 21, item IX-10).
É comum que a diferença decorra do alcance empírico da generalização. Por exemplo,
concluir sobre mamíferos é mais restrito que concluir sobre vertebrados (que incluem
mamíferos e outros animais) e mais geral que concluir sobre bovinos (que é um tipo de
mamífero).
Seja como for, devemos discriminar as generalizações mais amplas das mais
específicas. Este é o primeiro passo para buscarmos compreender o alcance dessas
generalizações; ou seja, quando elas se distanciam dos dados empíricos e passam a ser
chamadas de especulações, possibilidades etc. Como disse, o critério não é lógico, é
psicológico! O bom senso não deixará dúvidas.
No caso das publicações, quanto mais desconhecidos somos, mais os revisores
forçam para que nossas conclusões fiquem restritas aos dados coletados, reduzindo o
alcance de nosso estudo. À medida que nos tornamos mais conhecidos, a comunidade de
revisores e editores científicos das revistas internacionais passa a confiar mais em nossos
palpites e podemos ter nossas generalizações mais amplas aceitas. Veja, por exemplo,
que podemos falar mais quando somos convidados a escrever um artigo de revisão do
que quando submetemos espontaneamente tais artigos para uma revista.
A prática de publicação em periódicos de boa qualidade internacional é um dos meios
eficazes, porém doloroso, para aprendermos os limites de nossa generalização. Na sua
área específica, com as problemáticas e condições de seus estudos, terá pessoas
gabaritadas dizendo-lhe até onde ir. Receberá críticas por se limitar aos dados e também
será criticado por se distanciar muito deles. A medida certa será aprendida na sua
especificidade de área. Esse é o melhor caminho. Mesmo assim, deixo algumas dicas.
Seu estudo deve ter alguma conclusão sólida, embasada claramente em seus
resultados. Isso sustenta o seu texto. A partir daí, algumas conclusões podem ser
adicionadas se fortemente embasadas em literatura do bom nível ou se logicamente
deduzidas (esperadas) das demonstrações de seus dados. Por exemplo, seus resultados
mostram algum efeito (A interfere com B). Como conseqüência, a pergunta que fica é o
mecanismo pelo qual A interfere em B. Se esse mecanismo não é claro, limite-se a dizer
que sua determinação deve ser assunto de estudos futuros (não são necessariamente seus
estudos170, mas espera-se que a comunidade científica se envergue nessa tarefa).
170
Alguns pesquisadores menos gabaritados buscam com essas afirmações garantir prioridade nas
pesquisas futuras. Buscam, ingenuamente, delimitar território para que outros não investiguem o que estão
pesquisando. Primeiro, isso não pode ser garantido... quem concluir e publicar primeiro passa a ser o dono
a conclusão. Segundo, foge do espírito científico, que espera que a comunidade científica consiga o mais
rapidamente possível encontrar as soluções para problemas importantes. Sua contribuição pode ser o
ponto de partida para isso, que será resolvido por outro cientista.
■
329
Sempre que você começar a discutir muita coisa na base do “é possível que...” ou
“quem sabe se...” pode ter certeza que será negado. Se for alguma possibilidade, fale
pouco, uma ou duas frases apenas. Veja se aquilo que você discute vem dos seus dados
ou de suas curiosidades; neste último caso, exclua do texto.
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■
332
CAPÍTULO X
Redação Científica171
As diferenças que encontramos entre esses textos não são diferenças reais... são
apenas expressão de equívocos teóricos de quem os constrói, e que, muitas vezes,
orientam suas construções. A alegação de que nesses textos o aluno deve exercitar seu
raciocínio, podendo escrever bastante para mostrar tudo o que aprendeu, é
completamente anacrônica. Nos dias de hoje ela apenas tira o aluno do foco e lhe incute
conceitos errados sobre a construção de um texto científico. Quando termina seu
trabalho, muito provavelmente repetirá esses equívocos no artigo que deverá escrever e,
certamente, será negado em revista de boa qualidade, ou conseguirá publicar apenas em
revistas desqualificadas. Nos dois casos temos prejuízo para esse profissional.
Embora antigamente se considerasse que uma dissertação poderia ser uma exposição
teórica e crítica sobre os dados publicados por outros cientistas (como uma revisão
crítica), na prática esses textos se transformaram em sínteses acríticas sobre o que existe
na literatura, uma
171
Por alguma razão, todos os que publicam alguma coisa se sentem no direito de dar palpites sobre o
tema Redação Científica. Frente a isso, preparei um antídoto... escrevi o Pérolas da Redação Científica
(Volpato 2010b), para desmascarar as atrocidades que a cada dia afastam nossos jovens cientistas de um
desempenho competente. Imunize-se!
■
333
construção desnecessária para a ciência de alto nível. Com o advento de uma pós-
graduação mais formalizada, essas dissertações foram se transformando em estudos
empíricos, restringindo-se apenas pela duração. Como o tempo para sua conclusão é
mais curto que o de um doutoramento, começou a ser diferenciado do doutorado pela
extensão do texto e pelo volume de resultados. Num ambiente de ciência fraca, tais
conceitos proliferaram muito rapidamente.
Eu diria que atualmente esse equívoco da extensão (tamanho do estudo) ainda é
muito usado para distinguir dissertação de mestrado de uma tese de doutoramento. Mas
não acho que essa discussão seja relevante na atualidade, visto que a qualidade da
publicação científica está se tornando prioridade, mesmo nas áreas em que a publicação
de livros era o principal critério.
Seja como for, uma coisa parece certa: sendo um texto científico, deverá apresentar
um problema e sua solução, usando para isso a base empírica (advinda de dados
originais ou não). No caso da tese, fica estranho não defender alguma tese. Afinal, na
conclusão da pós-graduação o aluno defende uma tese de doutoramento, embora muitos
apenas defendam um texto científico no qual nem sabem identificar a tese que
defendem.
Atualmente, está se tornando cada vez mais comum que as dissertações e teses, bem
como os trabalhos de conclusão de curso, sejam apresentados em formato de artigos
(manuscritos submetidos ou artigos publicados). Isso é coerente com as mudanças na
pós-graduação. Já em 1991, encabeçando a reestruturação de um programa de pós-
graduação de minha universidade, incentivamos oficialmente que as teses pudessem ser
apresentadas no formato de artigos científicos. Em 1996, quando uma de minhas alunas
de mestrado defendeu sua dissertação em formato de artigo, incluí um prólogo dizendo
que o texto era curto porque acreditávamos que a aluna deveria aprender o estilo
científico produzindo textos sintéticos e com conclusões de boa qualidade. Nesse
prólogo, acrescentei que a aluna conhecia muito mais do que o texto espelhava e que
caberia à banca examinadora argui-la para constatar seu cabedal de conhecimento. A
aluna foi aprovada com conceito máximo e sua tese publicada em periódico de
reconhecido padrão internacional (veja Giaquinto e Volpato 1997).
nossa descrição deve ser aceita. Se temos uma hipótese, a argumentação visa mostrar a
adequação ou não do teste dessa hipótese.
Basicamente, temos elementos (informações) que nos levam a estabelecer um
objetivo. A partir dele, criamos uma condição que nos leva a coletar dados (base
empírica que confrontará nossa idéia), a partir dos quais elaboramos conclusões. Ou
seja, pensamos, buscamos evidências e concluímos. Muito simples e perfeitamente
ajustado à proposta empírica de construção do conhecimento (veja Parte 1 e II-l).
O contexto da descoberta é representado na Introdução do estudo. O contexto da
justificação é composto do Material e Métodos, Resultados, Discussão e Conclusão.
Com esses dois contextos em mente, vejamos agora a lógica interna de cada um
deles. Tenho defendido que devemos tratá-los como um argumento lógico.
Um argumento lógico, dedutivo ou indutivo, é composto de duas partes: as premissas
e a conclusão. Ele tem duas exigências172: não pode haver premissas desnecessárias nem
faltar premissas necessárias. Ou seja, ele é justo, exato, sintético. Vejamos o seguinte
exemplo.
Portanto,
Conclusão: Este organismo é uma planta.
O que é fantástico nisso é que a partir das premissas as pessoas chegam à mesma
conclusão. Ou seja, basta lê-las para que todas concluam a mesma coisa. Se você
constrói um texto com essa estrutura, seus leitores chegarão às suas conclusões porque
são lógicas! Mas isso deve ser feito de forma sintética. Veja abaixo.
Portanto,
Conclusão: Sócrates é homem.
172
No argumento, temos duas questões; a relação lógica válida entre as premissas e a verdade de
conteúdo das premissas. Premissas com conteúdos falsos podem levar a conclusão verdadeira (por ex.,
todos os gatos voam; os pássaros são gatos; portanto, os pássaros voam). No argumento científico, temos
que examinar as duas coisas, a validade das premissas (conteúdo) e a conexão lógica entre elas, para
sustentar a conclusão.
■
335
A inclusão de uma premissa desnecessária não faz parte do discurso. Note que ao
tratar seu texto como um argumento lógico, tudo o que não participa como uma
premissa deve ser excluído do texto.
Assim, o contexto da descoberta apresenta-se como um argumento lógico. As
informações da Introdução são as premissas que levam ao objetivo de sua pesquisa, que
é a conclusão desse argumento. Assim, considerando tais e tais premissas,
necessariamente temos que propor tal objetivo. Nem mais nem menos. Use isto como
referencial. Quando tiver dúvidas sobre a inclusão de alguma informação na Introdução,
pergunte-se: é uma premissa necessária? Se sim, fica; se não, deve ser excluída.
No contexto da justificação, o argumento básico é o seguinte.
Não há premissa sobrando nem faltando. Como no caso da Introdução, essa estrutura
lhe permite construir um argumento enxuto, sintético, mas completo. Essa é a regra na
ciência internacional.
Sem fugir da estrutura lógica acima (X-2), o texto científico apresenta o formato mais
tradicional (veja detalhes em Volpato 2011):
Introdução
Métodos
Resultados
Discussão
■
336
Essa estrutura básica pode ter variações, mas que não podem contrariar a lógica
básica descrita na questão anterior (X-2). Essas variações visam, geralmente, dar maior
visibilidade do conteúdo do artigo ao leitor. Veja os exemplos abaixo173.
Introdução
Resultados
Discussão
Métodos
Introdução
Delineamento
Resultados
Discussão
Métodos
Introdução
Métodos
Resultados e Discussão
As estruturas acima não ferem a lógica científica. Embora possa parecer estranho que
o item Métodos seja apresentado ao final em duas dessas opções, quando isso é feito a
noção básica do delineamento (veja VII-13) deve ser garantida ao leitor antes dos
Resultados, pois do contrário ele não entenderá o estudo. Essa noção pode ser dada na
Introdução, após o objetivo, ou no início dos Resultados. Note que as principais
mudanças referem-se aos Métodos. Esse item não é lido pela maioria dos leitores de
áreas correlatas, que delegam a adequação metodológica à análise feita pelos pares da
assessoria científica da revista (esses leitores acreditam na qualidade da revista). Apenas
os especialistas lerão com muita atenção o Material e Métodos. Essa percepção é
também evidente nas revistas que disponibilizam um texto resumido (por ex., Science e
Nature) e os materiais mais complexos e extensos (que visam satisfazer os especialistas
da área) ficam disponíveis em links (material suplementar). O texto é apresentado para
dois públicos: os especialistas e os leitores de áreas correlatas174.
173
Há casos em que temos Introdução, Desenvolvimento e Conclusões. É muito comum na filosofia,
para a qual a base empírica não é um requisito. Mas algumas áreas qualitativas usam também essa
estrutura; porém, necessariamente se baseiam em resultados (qualitativos). Nesse caso, o
Desenvolvimento inclui a apresentação dos resultados e a Discussão. O nome desenvolvimento talvez seja
uma herança da filosofia, já que a pesquisa qualitativa tem grande influência da área de humanidades e
esta da filosofia.
174
Note que o conceito de ciência e pesquisa multidisciplinar sustenta essas opções. Qualquer pesquisa
publicada poderá ser necessária a cientistas de outras áreas, de forma que os textos devem ser inteligíveis
também para leitores que não conhecem detalhes de sua área, mesmo sendo cientistas. Esta percepção, já
comum nos periódicos de alto nível, tem profundas implicações para a redação científica.
■
337
Esta é uma pergunta freqüente e que, na dúvida, leva os autores a prolongadas coletas
de dados. O primeiro aspecto importante é saber se o material que temos é suficiente
para constituir um artigo completo (full paper), ou um artigo curto (short ou brief
communication), ou se ainda necessitamos de mais dados. É uma questão crucial! É a
qualidade de nossas conclusões que garante ou não a aceitação do manuscrito, pois os
aspectos formais podem ser facilmente corrigidos. Não há uma regra rígida que defina se
o volume de dados é ou não suficiente para o tipo de publicação que almejamos. Porém,
vou sugerir critérios para norteá-lo nessa questão.
Primeiramente, o autor deve ter clareza de qual é o objetivo da pesquisa (veja VI-7).
Com ele em mente, fica fácil determinar o delineamento da pesquisa (veja VII-13). A
partir dos dados coletados, não deve haver dúvidas se o objetivo foi atingido. Ou seja, se
o objetivo era descrever algo, ele deve ter sido descrito de forma confiável; se era testar
uma hipótese, ela deve ser sido testada convenientemente.
Às vezes, o planejamento não foi elaborado ou conduzido de forma adequada e, ao
final, o cientista tem uma série de dados e não sabe se os divide ou não em vários
artigos. Alguns buscam coletar o máximo de dados possível e depois ver o que consegue
extrair deles175. Mesmo nesses casos, a referência última continua sendo o objetivo da
pesquisa. Os dados de um artigo completo devem ser suficientes para responder
adequadamente, no mínimo, à indagação do objetivo da pesquisa. Se há um discurso
coerente (objetivo, metodologia, resultados e conclusão – veja X-2), e esse corpo é
relevante do ponto de vista científico, então há um artigo completo. O artigo soluciona
ao menos um problema.
Observe o esquema apresentado na questão IX-10 (Fig. 21). Os dados desse trabalho
hipotético são usados para construção de conclusões específicas, das quais se elaboram
conclusões mais gerais. Como pode ser visto (Fig. 21, item IX-10), foi possível chegar a
uma única conclusão mais geral, a conclusão 4, que engloba todos os resultados do
trabalho e dados da literatura. Essa conclusão foi possível graças a um dado da literatura
(literatura 2) e da conclusão 3. Ou seja, a conclusão 3 poderia ter sido o objetivo da
pesquisa, pois ela depende necessariamente de resultados desse estudo. Por exemplo,
sem o resultado 3, a conclusão 3 não ocorreria. O trabalho poderia ter sido concluído ao
175
Esta metodologia é ineficiente e inconseqüente, pois geralmente coletam-se muito mais dados do
que o necessário. No exterior é também chamada de Fishing Expediction.
■
338
nível da conclusão 3. Mas ele avança e extrai uma conclusão 4. Assim, sugiro que o
artigo deva ter, com ou sem conclusões intermediárias, ao menos uma conclusão que
englobe todos os dados coletados. Com isso, você terá atingido o objetivo da pesquisa,
mas poderá ultrapassá-lo. Caso fosse impossível a elaboração da conclusão 3, teríamos
apenas as conclusões 1 e 2. Assim, ficaria difícil apresentá-las como partes num único
artigo. O que as ligaria? Pareceria uma colcha de retalhos176. É preferível, nesse caso,
deixar cada conclusão num artigo. Porém, é mais elegante que todos os dados de um
artigo, mais as informações da literatura, constituam, em última análise, uma única
conclusão, mais abrangente. Com isso, o trabalho ganha coerência interna e mais
conteúdo científico.
Vale ressaltar aqui as atitudes que visam dividir ao máximo os artigos, de forma a
ampliar o número de publicações. Essa conduta, conhecida como produção em salame
(onde se fatia um todo coerente) é muitas vezes motivada (mas não justificada) por
gerenciamentos científicos que prezam pelo número de publicações, e é adotada por
mentes carreiristas e equivocadas. Ela ignora que as contribuições relevantes não
dependem do número de páginas e tampouco do número de artigos. A história da ciência
mostra isso. As grandes conclusões, num sentido revolucionário de conhecimento (veja
V-9), geralmente não dependem de volumes! É óbvio que não significa pouco trabalho
do cientista, pois geralmente decorrem de anos de reflexão e estudo numa dada área. A
busca por maior número de publicações pode levar os indivíduos a pesquisar questões de
solução simples, com resultados rápidos e seguros, e condicioná-los a publicar em
revistas regionais (veja III-5), garantindo assim uma linha a mais no currículo, mas
geralmente quase nada para a ciência. Veja o caminho que toma a avaliação da atividade
científica (IV-10) e poderá julgar se é mesmo esse o caminho para se melhorar o
currículo.
176
Ou como melhor me foi sugerido... Frankenstein, com junção estranha das partes, visto que uma
colcha de retalhos ainda poder ser bonita!
■
339
Passo 2 – Apresente oralmente seu trabalho, várias vezes antes de iniciar a redação
(sugestão, 2 vezes ao dia, 15 min cada vez, durante 5 dias). Para isso, siga
o outline (passo 5), podendo modificá-lo conforme encontre pontos
falhos. Ao se expressar oralmente, perceberá falhas de raciocínio e pontos
que carecem de melhor fundamentação. Além disso, conectará as
informações e você ficará, cada vez mais, impregnado com a idéia exata
do seu próprio estudo.
Passo 3 – Agora escolha a revista para publicação e examine artigos dessa revista
para ter uma noção do ambiente onde pretende entrar (geralmente isso já
é conhecido para os que estão há algum tempo na área).
Passo 4 – Junte toda informação que considera necessária para a redação. Pode
juntar todas elas numa única pasta de arquivos em seu computador.
Prepare-se para escrever o texto em regime de imersão (uma manhã e
uma tarde de um mesmo dia são suficientes para um artigo177).
Passo 5 – Tenha em mente o outline do artigo a escrever. Uma sugestão é que cada
tópico do outline corresponda a um parágrafo do item a ser redigido
(Introdução, M&M, Resultados e Discussão). Ele equivale à planta de
uma casa... é melhor corrigir a planta do que reformar a casa.
Passo 6 – Redija as partes do texto (não espere a musa inspiradora, pois ela não está
sendo avaliada e pode se atrasar – sente-se e escreva!). Escreva com suas
próprias palavras, transcrevendo sua apresentação oral que, nesta fase, já
deve estar bem clara. Para isso, siga rigidamente a seqüência lógica
mostrada na questão X-6.
Passo 7 – Com o texto escrito, agora retorne à literatura pertinente que você já leu
em algum momento enquanto conduzia seu estudo. Não precisa reler
tudo, apenas passe por ela buscando informações que preencham as
lacunas que persistem em seu texto. Ache as informações que melhor
fundamentam o que você escreveu. É esse vai e vem que fortalece e
sustenta a fundamentação de seu texto. Isso ocorre porque agora você tem
a estrutura de seu discurso e, quando lê qualquer literatura, as
informações fazem sentido em relação ao seu texto e têm endereço certo.
177
Se precisar de mais, não desanime... é normal. O objetivo último é chegar no limite de 1 dia,
geralmente necessitando de mais alguns dias para revisões. Para a tese, o referencial é: deixe uma semana
para apresentação oral (passo 2), uma semana para redação e três semanas para revisões... pronto, acabou.
■
340
Passo 9 – Cheque agora os aspectos de estilo (veja X-27). Analise cada parágrafo e
veja a forma mais elegante e sintética de apresentá-lo.
Passo 10 – Descanse do texto. Quanto mais você olha para ele, menos problemas
consegue ver. Quanto tempo? Alguns dias, se possível. Digamos uma
semana. Depois disso poderá retornar ao texto como se ele não fosse
seu... e aí conseguirá ver coisas que antes não conseguia perceber. Se não
tiver esse tempo, deixe o tempo que puder, mesmo que seja apenas meia
hora. O importante é não ficar pensando no texto enquanto se afasta dele.
Passo 12 – Somente agora, que já esgotou suas possibilidades, peça críticas aos
colegas. Dois cuidados a tomar: escolha colegas inteligentes e combine
prazo para eles avaliarem seu texto (o que é combinado não é caro e pode
ser cobrado).
Passo 13 – Avalie as críticas de seus colegas e faça os ajustes que julgar pertinentes.
Lembre-se de que você é o autor do texto e, portanto, detém a decisão
final.
Passo 14 – Coloque nas normas da revista. Sim, isso mesmo... é agora que você
olhará para as normas. Vou lhe provar isso no passo 15. Note que neste
passo você tem um texto que considera publicável e o ajustará para
qualquer revista que precisar. Tendo um bom conteúdo, o resto são
detalhes.
Passo 15 – Submeta imediatamente. Não perca tempo. Fez estes 14 passos anteriores
para lhe dar convicção de que o texto está bom e pode ser submetido...
portanto, submeta! Note que ao submetê-lo, está retornando ao passo 12.
Quem o criticará agora serão os revisores e editores da revista. Quando
eles apresentarem essas críticas, volte para o passo 13 e reavalie tudo. Se
julgar que não será possível publicar nessa revista, muito possivelmente
poderá submeter a outra revista, o que exigirá que volte para o passo 14.
Essa rotina se repetirá até que aconteça uma de duas coisas: ou publica,
ou desiste.
■
341
■
342
Reveja o passo 3 da questão X-5. Você até pode redigir o Resumo no final, mas já
nesta fase deve ter o artigo na “cabeça”.
2° Redija as conclusões
Mesmo que não seja um tópico de seu artigo, escreva as conclusões num papel e
deixe-o próximo de você para consultá-las quando alguma dúvida lhe ocorrer. Cada
conclusão deve ser expressa numa única frase, sem se preocupar com a estrutura do
argumento da justificação nesse momento. Por exemplo: “Considerando-se as
diferenças significativas entre os grupos, os animais na coloração mais clara
apresentam maior taxa de ingestão de alimento” deve ser substituído por “A
coloração mais clara aumenta a taxa de ingestão de alimentos”.
3º Selecione os resultados
Inicialmente, considere que há 4 formas para apresentação dos resultados, das quais 3
são mais comuns. São elas: figuras, tabelas, texto e vídeos/sons. Escolha apenas uma
dessas formas para cada resultado, sendo que figuras, tabelas e vídeos/sons devem ser
também citados no texto. A escolha de como apresentar cada resultado não é aleatória,
não depende da área e nem do tipo de variável... depende do discurso que você
estruturou. Apresento a seguir, 4 critérios para ajudá-lo a decidir sobre a forma de
apresentação dos seus resultados. Evito fazer uma chave dicotômica para não lhe privar
da criatividade, que pode tornar seu texto uma obra prima. Avalie cada critério e use-os
como preferir em cada caso. Não há regras, mas lógica e arte.
Critério 1 – Use a lógica do discurso (veja VII-10). Se os dados são numéricos e sua
pesquisa é descritiva, a melhor forma é apresentá-los como tabela, pois
neste caso os valores “reais” são relevantes. Ao se descrever
numericamente algo, os valores são importantes. Se for pesquisa
descritiva, mas com expressão de dados em fotos, então serão expressos
em figura que contenha as fotos. Se for pesquisa qualitativa, os trechos
essenciais poderão ser transcritos no próprio texto, ou evidenciados numa
tabela178. Por outro lado, se você testar hipótese, estará avaliando
associação. Ela pode ser avaliada tanto por testes de correlação quanto
por comparação de médias/medianas entre tratamentos. Nos dois casos
avaliamos associação: a relação entre valores de X e Y, num gráfico
cartesiano, por exemplo, e a associação de certas intensidades de resposta
com certos tratamentos. Para se perceber relações, a melhor forma é por
meio de figuras. Os números exatos não interessam, mas a relação entre
eles. Ao se repetir os estudos, valores diferentes podem ocorrer, mas
espera--se que as mesmas relações sejam mantidas. Se certo tratamento
resultou em resposta mais alta, mesmo com outros valores esse tratamento
deve ser, ainda, o de resposta mais alta.
Com o advento de versões online das revistas, o uso de cores não tem custo
diferencial e muitos começam a abusar dessa possibilidade. Lembre-se que figuras
coloridas são bonitas, mas podem representar problemas. Primeiro, em revistas
impressas significam um custo alto, geralmente para os autores. Segundo, lembre-se que
há leitores daltônicos; se usá-las, acompanhe-as de outros indicativos. Em alguns casos,
é inevitável recorrer a cores, como no caso de fotos de lâminas de histologia ou algum
preparado laboratorial, ou mesmo quando se investigam cores de estruturas.
6º Escreva a Discussão
Agora é o momento de escrever a Discussão de seu estudo. Para redigi-la, usará suas
evidências, que são seus resultados, sua metodologia e informações da literatura.
Apenas nesta fase suas conclusões estão claramente enunciadas e fundamentadas.
Lembrando que os dados da literatura estão disponíveis a todo momento, é evidente
que poderia também redigir a Introdução do trabalho. Mas há uma razão lógica para
que escreva agora a
■
345
7º Escreva a Introdução
Inclua apenas o necessário para o leitor entender o problema que originou a pesquisa
e a fundamentação que justifica seu objetivo. Não inclua históricos e verborreias de
sua “Revisão da Literatura”. Se gostou muito de um texto de revisão, guarde com
você e leia-o todo dia ao acordar. Pode até recitá-lo aos colegas, mas desapegue-se
dele na redação de seu artigo.
8º Escreva o Resumo
9º Escreva o Título
Agora que já tem o texto pronto, inclusive seu resumo, pode dar nome a ele. Dirija-se
principalmente para a conclusão do estudo, pois se espera que ela seja a grande
novidade. Assim, enalteça essa novidade, pois será ela que atrairá a atenção dos
leitores para seu texto. Novamente, pense como leitor: num levantamento
bibliográfico, selecionamos artigos de interesse a partir da leitura do título.
Em plena segunda década do século XXI ainda há pessoas que defendam que há uma
relação métrica entre as partes do texto! A métrica é conseqüência da lógica do texto.
Portanto, ao desenvolver a lógica, esqueça a métrica.
Eu costumo dizer que cada parte do texto tem uma medida extremamente exata: nem
mais nem menos que o necessário e suficiente para sustentar as razões dessa parte.
Atenção:
ser prolixo é fácil, o difícil é ser sintético! Linguagem científica não é sinônimo de
linguagem rebuscada, mas confusão mental deve ser sinônimo de texto rebuscado!
Introdução e Discussão
Material e Métodos
Como descreve o que foi feito, é redigido no passado. Só use presente se estiver se
referindo a alguma técnica, ou conhecimento, presente na literatura. Se estiver se
referindo a algum evento passado, use tempo verbal no passado. No caso de redação de
projeto, obviamente cabe o tempo futuro, pois ainda será feito.
Resultados
Conclusões
Há duas abordagens possíveis. Se você usou uma amostra para concluir a respeito de
uma população, então use o presente. Você encontrou uma resposta no passado e, por
causa disso, concluiu que o fenômeno permaneça no presente. Se você pretende falar
sobre algum evento passado, sem generalizar sobre ele no passado, presente e futuro,
então conclua no passado. Por exemplo, se fez um estudo retrospectivo para concluir
sobre a possível causa de uma epidemia, então conclua que as possíveis causas dessa
epidemia foram... Você não quer generalizar para epidemias dessa natureza, mas falar de
um evento passado.
■
348
Use a primeira pessoa (plural se com mais de um autor; singular se apenas um autor)
do que o impessoal. Note que os resultados não determinam as conclusões, mas nós
interpretamos os resultados. Essa interpretação é pessoal. Se a comunidade científica
aceitá-la, se torna conhecimento científico (vide II-7).
Ao usar o impessoal, principalmente na conclusão, estará sendo prepotente por dizer
que a partir dos resultados conclui-se x e y. Ora, se os dados são insuficientes para
determinar as conclusões, ao dizer que isso independe do sujeito (forma impessoal),
estará afirmando que qualquer um que olhar esses resultados concluirá o mesmo que
você. Isso é prepotência e incoerência epistemológica e lógica!
Em alguns casos, poderá usar algum elemento do estudo como sujeito da oração. Por
exemplo, no Material e Métodos, poderá dizer que “Os animais foram distribuídos
aleatoriamente entre os 3 tratamentos”. É impessoal, mas é diferente de dizer que
“Distribuiu-se os animais aleatoriamente entre os três tratamentos”, que reforça mais a
impessoalidade. Ao dizer “Os animais foram distribuídos...”, não importa muito quem
os distribuiu, mas foram possivelmente os executores do trabalho. Ao dizer “Distribuiu-
se...” fica implícito que os agentes (autores) desapareceram. Por outro lado, nesse local
não precisa dizer que “Nós distribuímos os animais...”.
Os valores dos parâmetros de sangue em função da idade dos pacientes estão expressos
na Figura 1.
Expressando dessa forma, você não informou muita coisa. Veja como os dados da
Figura 1 o auxiliam em sua Discussão e expresse exatamente isso. Caso você queira
concluir que a idade não afetou os valores hematológicos, então seria melhor expressar:
Note que essa frase diz que os parâmetros hematológicos em função da idade estão na
Figura 1 e, com base nela, você constatou a ausência de efeito da idade nesse parâmetro.
A informação é mais completa e sintética179.
Outro tipo de erro é quando o autor repete no texto valores expressos numa tabela ou
figura. Outra variante desse erro é mostrar os mesmos dados em figura e tabela. Cada
resultado deve ser apresentado uma única vez no item Resultados. Portanto, escolha a
melhor forma e, no texto, apenas enfatize aquilo que usará em seu discurso na
Discussão. Veja os critérios para decisão sobre a forma de apresentação dos resultados
em X-6 (item 4). O leitor deve saber sua ênfase a partir dos resultados, podendo aceitá-la
ou não.
179
Quando destacamos várias informações de uma figura mais complexa em um parágrafo mais longo,
pela falta de pontualidade da informação, podemos iniciar o parágrafo apenas indicando a figura (Os
dados de xy estão na Fig. 1) e, no contexto, deixamos claro que tudo o que foi dito nesse parágrafo está
nessa figura.
■
350
O que pode ser feito é enfatizar alguns valores de uma tabela no texto. Com isso você
auxilia o leitor a decidir o que, do conteúdo de uma tabela, é mais importante. Nesse
caso, você pode até recorrer a aproximações. Por exemplo, se na tabela aparecem
valores percentuais de 59,7 e 15,8, você pode se referir a eles no texto como “cerca de
60% e 16%” (ou ainda 60% e 15%, para arredondar na escala de 5). A ênfase dependerá
do que se quer mostrar. Mas o importante é notar que você faça algo que seja razoável e
aceito por qualquer leitor.
Nesta parte, o procedimento usado na coleta de dados deve ser descrito para permitir
que o estudo seja replicável. Essa é uma condição essencial na ciência e da qual deriva a
importância deste tópico. Resultados e, consequentemente, conclusões que só foram
obtidos por determinados pesquisadores não são reconhecidos cientificamente. Apesar
disso, a possibilidade de se repetir uma pesquisa, a partir das descrições contidas num
artigo, está freqüentemente aquém do desejado. Isso decorre de omissões, geralmente
acidentais. A descrição inadequada também dificulta que o trabalho seja submetido a
uma análise crítica.
Embora não haja regras rígidas de composição, uma sugestão didática de seqüência
adequada procura conduzir o leitor da informação mais geral até a mais específica. Do
contrário, ele teria dificuldade de entender cada informação.
180
Não coloque o nome do laboratório. Isso é desnecessário, deselegante e atesta contra sua
capacidade intelectual na ciência. Se precisar agradecer a quem lhe emprestou o laboratório, faça isso no
item Agradecimentos. O nome do laboratório em nada contribui para sustentar suas conclusões. Portanto,
é uma premissa desnecessária (veja X-2).
■
351
quem você estudou. Se a pesquisa for com seres humanos, inclua aqui as indicações
de que esses indivíduos foram esclarecidos sobre a pesquisa e consentiram participar
dela voluntariamente.
2 - Delineamento da Pesquisa
3 - Procedimentos Específicos
181
Note que nem tudo o que você registra é resultado. Se você medir valores de sua variável
independente (por ex., temperatura média mensal), ela não se transforma em resultado. Se você medir
valores para caracterizar seu sujeito de estudo (por ex., idade, sexo, altura, peso, nacionalidade etc), esses
dados não são resultados, mas caracterização do Sujeito e devem logicamente aparecer no Material e
Métodos.
■
353
Na Discussão você irá mostrar aos leitores o como das evidências que apresentou
(Métodos, Resultados e literatura) chegou às conclusões do trabalho. Assim, como o
nome diz, é um ambiente de discussão. Você discute com um leitor hipotético.
Apresenta a estrutura lógica de seu discurso para validar as conclusões que você aceitou
antes de iniciar a redação do artigo (veja X-5).
Não se prenda a regrinhas ou rotinas, mesmo que induzidas por revistas de alto nível.
Quando essas rotinas são apresentadas, elas não indicam regras rígidas. Elas citam itens
que podem ser incluídos, mas é a lógica do seu texto que lhe dará referenciais para saber
o que deve e o que não deve incluir, bem como em qual seqüência apresentar.
Se você sabe conversar, saberá apresentar a Discussão. Se você seguiu a
recomendação de apresentar oralmente o outline e a essência da Discussão (veja X-5),
então não terá muita dificuldade para redigir a Discussão. Mas, se ficar ouvindo
conversa fiada daqueles que dizem que você tem que comparar todos os seus dados com
a literatura, então só um milagre o colocará no caminho da ciência internacional.
Na Discussão, o autor necessita validar seus dados e suas conclusões, fazendo com
que o leitor aceite suas conclusões. Note que não é uma Discussão Fofoca182. A
estruturação do conhecimento, do nível mais restrito às conclusões mais gerais, serve de
base para a orientação da discussão.
Na estrutura macro da Discussão, uma forma interessante é iniciar com a(s)
conclusão(ões) principal(is) do estudo, sem justificá-la(s), mas incisivamente mostrando
que foi a isso que se chegou no estudo. Depois disso, o texto segue com as justificativas
indicadas abaixo para, finalmente, terminar com um parágrafo conclusivo.
Cito abaixo o início de uma Discussão (Cohen et al. 2010). Você se sentiria motivado
em ler esse estudo?
The study has several limitations. The number of participants was too few for
generalisations to the wider population, and the sample may not be representative of
the residents of all long-term core facilities. Larger samples are needed to conduct
more sophisticated analysis.
182
Desde a década de 90 tenho chamado de Discussão Fofoca aquela que se limita a comparar dados
com a literatura. Por exemplo, você encontrou um valor de 7,8 e começa a compará-lo com fulano, que
obteve 7,2, beltrano, que reporta 8,3, e sicrano, com valor de 7,5. Ora, isso é fofoca. O que se quer a partir
daí? Uma comparação desse tipo só é razoável para validar seus dados e deve ser usada como ponto de
partida e não como fim em si mesma.
■
354
Veja uma Discussão que inicia com o que foi feito, mas não com onde se chegou
(Held et al. 2012).
Veja agora duas Discussões que iniciam com parágrafo que inclui as principais
conclusões.
Exemplo 1
Instruction has an effect on achievement outcomes (5), but the quality of the
instruction observed in classrooms is highly variable (20). The present results showed
that teacher quality is an environmental moderator of the unique genetic variance
associated with reading achievement, demonstrating the direct influence of teacher
quality on reading outcomes in children.
[Taylor et al. 2010]
Exemplo 2
This analysis shows that the prominence of the journal where an article is published,
measured by its impact factor, is positively correlated to the number of citations that the
article will gather over time. Because identical articles published in different journals
were compared, the characteristics of the articles themselves (be it quality of writing,
scientific originality, or repute of the authors) could not have explained the observed
differences. Hence, these results reflect pure journal-related bias in citation counts.
[Perneger 2010]
Qual dos três perfis de Discussão você se sentiria mais motivado a ler, obviamente
sem incluir o seu interesse pelo assunto?
Outro aspecto importante na Discussão é a validação dos seus resultados. Para isso,
pode ser necessário validar primeiramente sua metodologia ou técnica usada. Uma
forma comum é mostrar que você usou técnicas que vem sendo usadas por outros
autores (publicadas em revistas de boa qualidade internacional). Se a técnica já é
consagrada, então pule esta etapa. Se quiser validar seu delineamento, argumente com o
leitor mostrando porque os tratamentos controle foram necessários, por exemplo. Para
completar a fundamentação dos resultados obtidos, mostre que os valores
■
355
Uma vez que tenha elaborado as conclusões, é possível que, em alguns casos, você
possa se aventurar a fazer algumas sugestões ou recomendações. Isso é mais freqüente
em áreas mais aplicadas. Não se furte de fazer tais recomendações, mas esteja certo que
elas decorram necessariamente de conclusões sólidas. Veja, por exemplo, num estudo
que desenvolvi (Volpato et al. 2009) numa represa hidrelétrica: investigamos o
comportamento de peixes numa “escada”184 colocada para esses animais subirem até a
parte de cima do rio (ultrapassando a represa) para continuar sua migração para a
reprodução, mais próximo à cabeceira do rio. Vimos que a arquitetura dessa “escada”
seleciona previamente os indivíduos que tentam ultrapassá-la. Assim, tendo concluído
que há essa seleção artificial e que isso decorre da altura dos degraus da escada, então
recomendamos que essas escadas tenham degraus mais baixos, o que permitiria a
passagem de mais peixes. Como o objetivo dessas escadas é solucionar o impedimento
que as barreiras das hidroelétricas impõem aos peixes migra-dores, a existência de
seleção artificial é um paradoxo. Mesmo sem testarmos se essa seleção afeta o perfil da
população reprodutora na região acima da barreira, a sugestão é razoável e pôde ser
incluída.
183
Dica fornecida nos cursos da Scripta Editora (www.oficinascripta.com.br).
184
Trata-se de um conjunto de “piscinas”, agrupadas como degraus de uma escada, onde os peixes são
atraídos a nadarem em sentido contrário à correnteza (um comportamento inato na época reprodutiva de
migração), o que os leva a saltarem, podendo atingir o degrau de cima.
■
356
It is not yet clear whether humans are able to learn while they are sleeping [1,2].
Here we show that full-term human newborns can be taught to discriminate between
similar vowel sounds when they are fast asleep.
[Cheour et al. 2002]
■
357
Uma dica interessante para saber se sua Introdução está boa é pedir que algum
cientista (inteligente) da área leia sua Introdução, mas tendo retirado dela o objetivo, ou
seja, a conclusão do argumento lógico. Se, após ler seu texto, esse cientista conseguir
dizer exatamente qual é o objetivo de seu estudo, a argumentação da Introdução está
ótima. Se ele errar, não adianta explicar... reescreva!
Erro comum na construção de Introdução é quando o autor descreve vários estudos
sobre as variáveis investigadas, às vezes até inclui detalhes sobre o organismo ou região
investigada e, em seguida, apresenta o objetivo do estudo. Ora, qualquer estudo está
centrado em um de três aspectos: descrição, associação ou relação de interferência entre
variáveis. Se esses aspectos não foram devidamente justificados na Introdução, a
essência do estudo não foi fundamentada! Assim, você apresenta a essência lógica de
seu objetivo, indicando a novidade de seu estudo, como resumido a seguir.
Pesquisa Descritiva
Por que pretende fazer ou fez185 essa descrição? É necessário dizer porque é
importante descrever essa variável e mostrar que ela ainda não foi descrita.
Caso já tenha sido descrita, sua novidade poderá ser a técnica de descrição. Ou seja, a
variável já foi descrita, mas você a descreveu com técnica que apresenta certas
vantagens.
Pode ser, ainda, que já tenha sido descrita, e com a técnica mais moderna existente,
mas a novidade está no contexto. Pode ter sido descrita em europeus, mas não em
brasileiros. Mostre porque conhecer em brasileiros é um acréscimo importante e poderá
justificar essa descrição. Às vezes foi investigado em mamíferos, mas nunca em peixes,
ou em rochas vulcânicas, mas não nas não vulcânicas, em adolescentes, mas não em
crianças etc.
Pesquisa de associação
185
No projeto, você ainda não fez a pesquisa e, portanto, dirá o que pretende fazer. No artigo você já
executou a pesquisa e mostrará o que fez.
■
358
tipo de associação (positiva, negativa, linear, curvilínea etc), tem que justificar porque
espera esse tipo.
Neste caso, você deve deixar claro porque espera que haja esse efeito. E se deu algum
sentido para o efeito (aumenta, diminui, abole, acelera etc.), então é obrigatório justificar
porque espera que a ação seja nesse sentido.
186
O teor desta resposta é também válido para a construção de TCC, dissertação, tese ou artigo
científico.
■
359
Nas áreas de Ecologia (Todd et al. 2007) e de Biologia Marinha (Todd et al. 2010)
25% das citações em artigos são inapropriadas. Conhecer esses erros é instrutivo.
Sem suporte (6,0%): a informação não dá suporte, ou até contradiz, o que se quer
sustentar.
187
Você deve escrever, com suas palavras, a informação que encontrou na literatura, indicando qual
foi essa literatura. Não precisa, nem é comum, transcrever o texto citado. A transcrição literal, quando
ocorrer, deve estar entre aspas e com a inclusão da página de onde foi retirada, além da referência à obra
(por ex., Smith, 2012, p. 323). Essa transcrição literal deve ter um motivo especial e estar bem encaixada
no seu texto, pois do contrário você deveria ter apresentado apenas a idéia do autor, com suas palavras.
188
As questões aqui tratadas referem-se às citações que ocorrem dentro do texto. Os cuidados com a
forma de referir cada trabalho no item Referências, ou mesmo o formato dentro do texto (autor, ano; autor
ano; numeração etc), também mostram o zelo dos autores, mas são direcionados pelas normas da revista.
Trata-se apenas de segui-las. O problema é que nem todos seguem essas normas, o que nos permite
duvidar se os autores foram, da mesma forma, não cuidadosos com os dados da pesquisa. Uma boa ajuda
vem de softwares que acertam esses detalhes segundo a norma de várias revistas (por ex., o EndNote).
■
360
Citação vazia (7,6%)189: o autor citado não é a fonte da informação, mas apenas o
texto onde consta a informação, que é de outro autor. É comum no caso de citação de
revisões. Cita-se o autor da revisão, quando se quer citar alguma informação
específica de outro autor, citado na revisão. Se citar o autor da revisão, cite a
contribuição nova da revisão e não informações que ele utilizou na revisão que você
leu (veja adiante – citação indireta).
Além desses, há alguns alertas que devem ficar claros190 e são mostrados abaixo.
Embora todas informem claramente que foi Silva (2011) o autor da idéia de que a
agressão depende de níveis hormonais, a última frase deve ser escolhida. Ela é mais
sintética e não perde qualquer elemento de conteúdo e informação. Note que a inclusão
do nome do autor dentro da frase, como nos dois primeiros casos, nada acrescenta de
substancial. Que uma ou outra frase tenha esse formato menos econômico, pode ser
aceitável, mas não deve ser rotina no texto.
Outro erro ocorre com a inserção da citação em relação a um parágrafo. Onde deve
ficar o autor, na primeira ou na última frase? Veja estes dois parágrafos.
Silva (2011) mostrou que a agressão depende de níveis hormonais. Esse efeito
depende da época do ano. No verão, a ação hormonal na agressão é muito mais
intensa.
189
Também chamada de lazy author syndrome (Gavras 2002).
190
As revistas não mostram essas noções, mas você deve conhecê-las. Os exemplos usados a seguir
são fictícios.
■
361
Veja que nesses dois casos, em momento algum há indicativo claro de que as três
informações são de Silva (2011). O que sabemos, com certeza, é que no primeiro
parágrafo a primeira frase é de Silva (2011); no segundo parágrafo a certeza é apenas
que a última frase é desse autor.
Uma forma de solucionar esse impasse é redigir de tal forma que não fique dúvida
que as três informações são de Silva (2011). Veja abaixo.
A agressão depende de níveis hormonais (Silva 2011). No entanto, esse autor observa
que esse efeito depende da época do ano, sendo mais intenso no verão.
No parágrafo acima não resta dúvida de que as três informações vieram de Silva
(2011). Lembre-se que faz parte do estilo científico construir frases sem dupla
interpretação.
3. Informação indireta
Ocorre quando temos muitos autores sustentando uma mesma informação. Qual
escolher?
O excesso de citações não deixa seu texto mais forte; ao contrário, o enfraquece.
Atualmente as revistas limitam o número máximo de referências num artigo (mas não o
mínimo). Excesso deve ser sempre excluído. Cite apenas o necessário e de boa
qualidade, pois é o suporte da informação. No texto acima você poderia citar apenas a
mais recente (Witerman et al. 2012). Então, ficaria:
Caso a revista de publicação do trabalho de Witerman et al. (2012) seja bem inferior
que aquela onde Menna-Barreto (2008) apresenta seus dados, prefira esta segunda. Ou
seja, perder alguns anos da referência se justifica quando a revista é de boa qualidade.
Só inclua a citação mais antiga se ela for a primeira referência da informação e esse
histórico for relevante. Mas nesse caso, inclua também uma citação mais recente para
deixar claro que essa informação, embora publicada há muito tempo, continua válida.
Ficaria:
A máxima acima está errada. Corrija-a assim: se não é seu, nem de todos, é de
alguém... cite! Veja um exemplo em que a citação é desnecessária:
Caso você apresente várias informações numa frase, se incluir ao final uma série de
citações, isso significa apenas que cada uma delas indicou todas as informações da frase.
Caso as informações (os processos) sejam cada uma de um autor, então deverá deixar
isso claro.
Se um autor se referir a mais de um processo, ele pode ser incluído duas vezes, uma
na frente de cada processo que representa.
■
363
Não sei o motivo de as pessoas ainda não terem percebido esta diferenciação lógica
entre os resumos. Há basicamente duas situações claramente distintas.
Há resumos atrás dos quais não há nada, exceto um enorme vazio. O leitor chega a
eles e não há nada depois disso. São os resumos publicados em anais de congresso.
Houve atrás deles um painel (pôster) ou uma apresentação oral que, encerrado o evento,
não existe mais.
Há resumos que, depois deles, há um texto completo sobre o assunto. São os resumos
de TCC, dissertações, teses, artigos e livros.
É evidente que não precisamos ser muito espertos para perceber que as estruturas
desses dois tipos de Resumo não são iguais. No primeiro caso, em que há um vazio após
o resumo, ele deve ser mais completo, pois é um fim em si mesmo. Deve ser
autossustentável. Aqui cabe perfeitamente o Resumo Estruturado, ou algo equivalente.
Este tipo de resumo é uma miniatura do trabalho principal. Ele basicamente resume cada
parte do trabalho (Introdução, Métodos, Resultados e Discussão). No formato
estruturado, ele apresenta essas informações divididas em tópicos. Um formato seria191:
O Resumo Criativo é o que está se tornando mais comum. Ele apenas remete o leitor
para dentro do texto principal. Mas fazer isso não é fácil. Suas regras também não são
simples. É preciso
191
Veja também mais detalhes em XI-2
■
364
que o autor seja também criativo. E para ser criativo em ciência, temos que conhecer
muito bem a estrutura lógica de nosso discurso, pois do contrário poderemos mexer no
que não devemos.
As regras para o Resumo Criativo são:
o limite-se ao essencial;
o qualquer parte do trabalho pode ser inserida;
o a seqüência para apresentar as informações é livre;
o deve ser curto e comunicar rapidamente a informação.
Ele deve comunicar brevemente a parte mais interessante do estudo. Com isso, vai
direto ao âmago da questão. Considere-o como uma expansão do Título. O leitor
descobre seu artigo pelo Título e, ao passar pelo Resumo, não pode se aborrecer.
Portanto, atraia-o para dentro do texto. Para isso, deverá saber exatamente qual é o
diferencial de seu texto, qual a sua grande novidade.
Os itens incluídos no Resumo Criativo são de livre escolha. Cabe a você escolher o
que colocar. Não precisa apresentar o objetivo, mas pode apresentá-lo; não há
necessidade de incluir metodologia, mas pode incluí-la; não precisa colocar resultados;
mas pode incluir os principais. Você decide. A informação mais freqüentemente
presente é a conclusão, pois é a novidade de seu estudo (portanto, por que escondê-la?).
Como apresentar essas informações? Use a seqüência que achar melhor. Pode
começar com a metodologia, ou com a conclusão, ou ainda com resultados ou com o
objetivo. Enfim, você é livre.
Por fim, deve ser curto. Quão curto? Não há regras, mas sugiro não mais que 100
palavras. Algumas revistas exigem Resumo de 3 linhas. Enfim, um curto texto para o
qual o leitor olhe e não desista de ler.
Em síntese, faça um texto curto, que mostre o que há de novidade no seu estudo e
seja convidativo para o leitor. Lembre-se de escrevê-lo para um leitor que não seja de
sua especialidade, usando palavras simples.
Muitas vezes esse Resumo Criativo pode ser também o primeiro parágrafo da
Introdução de seu artigo (logo de início já diz ao leitor o que fez e aonde chegou). Esse é
o caminho que a redação científica está trilhando na era da comunicação.
■
365
O Título deve atrair a atenção do leitor. Lembre-se que o leitor faz uma busca de
artigos geralmente por palavras-chave. A partir daí, ele seleciona aqueles que lhe
interessam. É para essa seleção que o Título é fundamental; se seu artigo é preterido
nessa fase, ele deixa de existir para esse leitor.
Na elaboração do Título não há regras, embora alguns costumes ajudem e outros
atrapalhem. A frente falaremos de norteadores para a construção de um Título de bom
nível, mas a função exata do Título não deve ser esquecida para lhe guiar nessa tarefa
artística. Você não pode contrariar costumes, tampouco a lógica científica.
Lembre-se da função do título (veja X-22) e procure ser criativo, sem contrariar
preceitos lógicos da ciência. A seguir indico três características que um título deve ter.
Em seguida, mostro alguns equívocos comuns na construção de títulos. Note que a
ciência visa conceitos; assim, priorize as variáveis teóricas (veja VI-3), exceto se a
operacional for sua grande novidade. Mais ainda, a ciência busca generalizações, e cada
vez mais abrangentes. Dê esse perfil ao seu estudo e o concentre no título.
Características de um Título192
1 – Curto
Quão curto deve ser o título? Nem mais nem menos que o necessário. Corte toda
palavra em excesso. Limite-se ao essencial. Cada informação incluída no título deve ser
estritamente necessária. Alguns costumes nos levam a fazer títulos longos; por exemplo:
192
Vale para TCC, dissertação, tese e artigo. O grau de generalidade pode variar de acordo com o
conteúdo e extensão do trabalho.
■
366
o prolixidade na redação. Por exemplo, usar por meio de ao invés de por; provoca
aumento ao invés de aumenta, Estudo sobre, quando é evidente que é um estudo
etc;
o redação na ordem inversa. Sempre que escrever uma afirmação na ordem direta
(Sujeito, verbo, complemento), ela ficará mais curta; além disso, não coloca o
efeito antes da causa! Assim, ao invés de “Saúde afetada pelo estado
emocional”, prefira “Estado emocional afeta a saúde”.
Ele não pode ser enganoso. Imagine que sua pesquisa mostrou que a vitamina C
reduz a proliferação de células cancerígenas. A partir daí, um Título “Vitamina C cura
câncer” é muito enganoso. Ou dizer que um antitérmico cura a doença que provocou a
febre. Ou, ainda, generalizar mais que o possível, como “Multipartidarismo político
dificulta debates profundos”, o que pode ser uma condição específica de alguns países e
culturas. Outro exemplo: “Ensino universitário público garante melhor qualidade de
ensino”, o que também pode ser válido num país, mas não em outros, ou mesmo
depender do momento histórico.
3 – Compreensível
Se o leitor não entender o título, o trabalho não será lido. Lembre-se que o
especialista sempre entenderá. Considere que os não especialistas podem representar
maior número de leitores. Lembre-se também das pesquisas multidisciplinares, nas quais
pessoas de várias formações poderão necessitar de seu estudo. Use palavras simples, que
■
367
mais pessoas entendam. Se você não consegue traduzir em palavras simples os conceitos
complexos que estudou, tenha certeza que o problema está em você e não na ciência.
Imagine como você
■
368
explicaria sua pesquisa para um leigo ou mesmo para um aluno do ensino fundamental
ou médio. Isso o ajudará a pensar de forma simples.
Evite acrônimos no título, bem como outros termos de definição muito específica. Por
exemplo:
Colocação de vírgulas
A vírgula dá uma pausa na leitura. Ela não pode pausar uma idéia não completa.
Portanto, não devemos incluir vírgula entre sujeito e verbo.
A vírgula pode ser usada para destacar informações adicionais que são incluídas no
meio da frase. Embora esse uso seja gramaticalmente correto (um aposto entre sujeito e
verbo), ele pode tornar a frase longa e de difícil entendimento. Esse tipo de problema é
muito comum na área de Humanas, em que os autores fazem frases muito longas
decorrentes desse viés. Quanto mais informações você coloca entre o sujeito e o verbo,
mais difícil fica para o leitor entender a frase.
Veja como o excesso de informação entre o sujeito e o verbo torna a frase mais difícil
de ser entendida. No trecho abaixo (Harnad 2004; p. 237), o primeiro grifo é o sujeito e
o segundo é o verbo.
... this variant, taking a cuefrom some ofthe developments and goings-on on both
the Internet and Network TV chat-shows, plans to publicly post submitted papers
unreferred on the Web...
Um último caso a ser considerado são aquelas vírgulas que separam um trecho que
estabelece as circunstâncias (modo, tempo, local etc.) na qual a idéia principal ocorre.
Veja os dois exemplos abaixo:
Segundo Malcolm, a redação científica deve ser treinada desde cedo. (A vírgula
separa a afirmação e o autor. Essa afirmação depende do autor citado).
Há pessoas que costumam fazer cópias sem observarem atentamente toda a estrutura
da frase. É comum pesquisadores verem estruturas como a do último exemplo acima e, a
partir daí, generalizarem que sempre haverá vírgula após autor e ano. Aí, quando o autor
e o ano passam a ser o sujeito da oração, erram! Por exemplo, Malcolm (1969) diz que a
redação científica deve ser treinada desde cedo. Nesse caso, a citação do autor é o
sujeito da oração e, portanto, não pode haver vírgula entre ele e o verbo (diz). Isso é
válido para a língua portuguesa e também para a inglesa.
Prolixidade
O estilo científico exige brevidade. Ninguém tem tempo sobrando. Como está escrito,
não precisa repetir. Na oratória, por outro lado, repetição pode ser fundamental para que
o ouvinte não perca o fio da meada.
Por que fazermos o leitor ler 4.000 palavras, se poderia receber a mesma mensagem
lendo 3.000? É uma questão de respeito ao leitor.
Lembro-me do caso de um professor que, ao ser criticado pelos assessores de um
periódico internacional por wordy expressions (prolixidade), resolveu direcionar suas
pesquisas para as revistas nacionais, alegando que não aceitava descrever
superficialmente os processos que investigava. Ora, prolixidade não significa descrição
minuciosa. Significa uso excessivo de palavras para dizer a mesma
■
372
coisa que se diria com menos palavras. Uma descrição pode ser minuciosa, com
economia de palavras, sem ferir o entendimento das idéias. Um texto pode ter 10.000
palavras e não ser prolixo. Outro pode conter 100 palavras e ser muito prolixo se poderia
ser escrito com 30!
Conjunções
As conjunções são palavras ou expressões que, como o nome sugere, ligam idéias
(numa mesma frase, entre frases ou entre parágrafos). Há cerca de 30 tipos, cada um
indicando uma forma específica de ligação (veja conjunção em dicionários da língua
portuguesa). É necessário atentar para o tipo de ligação que desejamos e, então, escolher
a conjunção adequada. Abaixo apresento algumas das conjunções mais comuns e seus
respectivos significados.
Imagine duas idéias, A e B, apresentadas na seqüência A * B e separadas por
conjunção. (A e B podem estar contidas em uma frase, ou cada uma pode ser uma frase
ou um parágrafo).
Alternativa (ou, ora, já, quer): A ou B (se A ocorre, B não ocorrerá). Ou vai, ou
racha. A política educacional ou é bem intencionada, ou não. Iremos coletar os animais,
quer chova, quer faça sol.
Causal (porque, pois, porquanto, já que, visto que): A causa B. Ele voltou cedo, pois
a cerveja acabou logo.
Concessiva (embora, conquanto, ainda que, posto que, mesmo que): B é contrário à
ação de A, mas não consegue impedir que tal ação ocorra. Irá chover, embora eu não
deseje.
Condicional (se, caso, contanto que, salvo se, dado que): B é uma condição para que
ocorra A. Haverá justiça, se o egoísmo não prevalecer.
Consecutiva (que, de forma que, de sorte que, tal que): B indica uma conseqüência
de A. Era tão metódico que não percebeu o óbvio!
Proporcional (à medida que, à proporção que, ao passo que, quanto mais): B indica
um fato realizado simultaneamente (ou associado) a A. O ânimo daquele povo foi
diminuindo à medida que as promessas não se concretizavam.
Divisão de parágrafos
Gomes (1967) mostrou que existe grande dependência entre o estado emocional e a
aprendizagem.
Ilky (1971) defende que os processos cognitivos estão imbricados aos emocionais.
Guerreiro (1974) estudou as relações entre capacidade de aprendizagem e estresse,
concluindo que apenas em certos níveis o estresse auxilia a aprendizagem.
■
375
Pelos parágrafos acima, fica claro que são frases estanques, mesmo que conexas. Elas
mostram total despreparo do autor e, com certeza, sua falta de participação na ciência
internacional. Devemos juntá-las para fundamentar algo que o autor pretende
demonstrar. Muitas pessoas imaginam que juntando várias frases desse tipo estão
fazendo com competência uma revisão da literatura. Ilusão! Para juntá-las, use a técnica
do “e daí?”, apresentada em X-13.
Esse ou Este?
Esse ou este? Isso ou isto? Desse ou deste? Nesse ou neste? Aprendemos uma regra
muito simples na escola: quando estiver perto, usa-se st (isto, este...); quando estiver
longe, usa-se ss (isso, esse...). Mas isso é apenas parte da história.
O ss é também usado para designar algo no passado, dito anteriormente. Quando se
usa o st, o objeto a que nos referimos deve vir à frente ou ser parte integrante da ação.
Por exemplo:
O meu cão saiu correndo e quase foi atropelado. Esse cão é mesmo levado!
Usei esse cão, pois me refiro ao cão dito anteriormente. Veja a frase seguinte.
Usei este livro, pois falo do livro que você está lendo neste instante; usei isso, pois
falo de algo dito anteriormente, ser gostoso. Quando o texto de projeto ou artigo se
referir ao que está escrevendo no momento, use st (o objetivo deste estudo foi...). Se usar
st em outra condição, especifique à frente sobre o que se refere. Veja no exemplo fictício
abaixo como o uso errado de este e esse pode mudar radicalmente o sentido do texto.
Gonçalves (2012) sugere que eventos cognitivos possam afetar as atividades
reprodutivas dos animais. Assim, este/esse estudo avalia a participação de elementos
cognitivos na determinação do comportamento reprodutivo em peixes.
Se usar este no início da segunda frase, estará se referindo ao seu artigo. Ou seja,
baseado na informação de Gonçalves (2012), a frase seguinte propõe o que será feito no
seu estudo. Se, por outro lado, usar esse, certamente a frase estará incluindo mais
informações sobre o trabalho de Gonçalves.
Exatidão terminológica
Devemos estar atentos para o significado exato das palavras. Para isso, nada melhor
que consultarmos dicionários. Veja alguns exemplos.
■
376
Observe que ao usar uma palavra de forma bem precisa e exata, você torna seu texto
mais conciso. Veja este exemplo:
“Uma vez que usamos técnicas que medem exatamente o que se propõem a medir.”
pode ser substituído por “Uma vez que usamos técnicas fidedignas...”
AGENTE → EFEITO
EFEITO → AGENTE
Frente a expressões freqüentes como was studied, was used, is shown etc, há
inclusive quem diga que a forma passiva (voz passiva) compõe o estilo de redação em
inglês, ou mesmo o estilo científico. Grande equívoco! Em primeiro lugar, algo mais
freqüente não é necessariamente melhor ou correto. Em segundo, nas revistas de alto
nível e que extrapolam uma única especialidade (por ex., Science e Nature etc), a regra
mais freqüente é a redação na voz ativa (ordem direta).
Redações na forma passiva invertem o sentido natural dos fatos na medida em que
colocam o efeito antes da causa. Por exemplo, você tropeça e cai, ou primeiro cai para
depois tropeçar? Essa inversão dificulta a compreensão do texto. Evidentemente, uma ou
outra frase na forma passiva não prejudica o leitor, mas o excesso atrapalha.
Uma última dica: há pessoas que sugerem ler o texto em voz alta, pois assim ficam
perceptíveis certos equívocos. Acho que vale a pena tentar.
193
Por esta razão publicamos o Estatística sem dor!!! (Volpato e Barreto 2011), uma tentativa de
libertar o pesquisador, dando-lhe a chance de buscar assessoria estatística apenas nos casos mais
complexos.
194
Infelizmente, embora não totalmente generalizável, a maioria das empresas de Ghost Writers não
visa libertação do cliente, mas sua dependência constante do sistema comercial.
■
379
Completo este pensamento dizendo que, ao longo deste livro, e outros de minha
autoria, procuro mostrar que o problema da redação científica não é de redação...
começa com a ciência. Ciência fraca leva a pesquisa fraca, a qual só pode ser convertida
em publicação fraca. Se quisermos melhorar a ciência de nosso país, não há outra
fórmula. Os cursos de redação científica precisam começar a ensinar ciência, depois
pesquisa e, finalmente, estruturação lógica do texto e a redação propriamente dita.
Dizer que estão ensinando redação em inglês é engodo. Os erros são muitos nesta
área e continuo me assustando com a resposta da sociedade científica a esse quadro.
Pessoas diferenciadas facilmente se convencem de que ensinando inglês nossas
publicações melhorariam. Isso não existe e há um erro lógico na base dessa proposta
(explicitada em Volpato 2010). Assusta mais ainda quando um editor do exterior fala
que por trás de um texto com inglês precário não pode haver ciência sólida! Isso não tem
base lógica! Na época da “guerra fria” entre Rússia e o mundo capitalista, a Rússia
colocou foguete na lua... e os estudos não eram escritos em inglês.
Há outro engodo nessa história: achar que alguém vai aprender redação científica em
inglês num curso de 2 ou 3 dias. Você pode morar 5 anos nos Estados Unidos e não
saberá escrever elegantemente em inglês. Afinal, há quanto tempo moramos no Brasil...
e como é nossa redação em português?
A cultura brasileira ainda adora as fórmulas mágicas (a estadosunidense também).
Que bom seria se elas existissem na redação científica. Mas não existem. Temos que
formar pessoas competentes, com discursos lógicos perfeitos e estratégias de
comunicação igualmente perfeitas. O autor do artigo deve ser autor da forma de
expressão, ao menos nos requisitos lógicos de sua argumentação e fundamentação.
Delegar isso é inconcebível. O que pode ser delegado é a forma redacional, mantendo-se
o conteúdo e a seqüência de idéias. O cientista que abre mão disso abre mão de sua
capacidade de raciocínio e comunicação sobre suas descobertas e idéias.
Preâmbulo
Se você acredita que a pressão por publicação leva à autoria fraudulenta, repense.
Isso não tem sentido lógico. O que leva à autoria fraudulenta é a corrupção moral e ética
do indivíduo, nada mais. Conheço pessoas que preferem ser “improdutivas” a ser autores
fraudulentos. Não é uma questão técnica, é moral.
Os critérios técnicos de definição de autoria serão esclarecidos aqui. O problema
maior é que muitos buscam critérios que validam suas práticas. Minha proposta, como
tudo o que tenho proposto na redação científica, se baseia no Método Lógico (Volpato
2011a,b), que desenvolvi ao
■
380
longo de 26 anos. Ela não inventa critérios, mas evidencia aqueles que brotam da lógica
subjacente ao processo de fazer ciência. Assim, a seguir mostrarei a conexão entre os
critérios rechaçados, bem como o critério proposto, e a lógica da ciência.
O Critério de autoria
Segundo Maddox, um autor should at least be able to give a brief talk at a public
meeting on the substance of what has been reported in writing. He or she would be
forgiven if some of the questions raised in the discussion required the presence ofa
colleague specialized in one or other of the specialized techniques involved, but not for
failing to describe the antecedents of the work or to give a coherent account of the result
and its importance.
Dr. Larry Dill, um cientista canadense de grande eficiência científica, propõe que o
trabalho seja dividido em três partes: a concepção da pesquisa (objetivos e
delineamento), a coleta de dados e a construção de conclusões. Segundo ele, o autor
deve participar, ao menos, de duas dessas etapas.
Coletar dados
Pertencer ao grupo
Corrigir o texto
Uma distinção possível de se incluir no artigo é quando dois ou mais autores querem
frisar que suas participações na autoria tiveram o mesmo peso. Isso pode ser feito por
meio de uma nota, que pode vir tanto no item Agradecimentos (Acknowledgements)
(veja Gontijo et al. 2003) quanto na primeira página (veja Barreto et al. 2007).
Apesar da falta de padronização universal, uma coisa é certa: estabeleça o quadro de
autores e os critérios antes de iniciar o trabalho. Isso evitará muitos problemas.
■
383
X-31 Quais os riscos em se pontuar currículos por meio da seqüência dos autores?
Como visto até aqui, os critérios de autoria já são complicados e as fraudes não
parecem poucas. Em relação à seqüência dos autores, a situação é ainda mais dramática
e controversa. Nesse universo, querer usar seqüência de autoria para definir
participações mais ou menos importantes num estudo incorre no erro da ignorância e da
prepotência; a ignorância sobre a situação das definições dessas posições e a arrogância
por julgar que “seu” critério é universal.
Há setores de órgãos de fomento que pontuam apenas os artigos nos quais o cientista
em análise é primeiro ou segundo autor. De onde tiram isso? O que se percebe é que
alguém cria o conceito e, possivelmente numa posição de Semi-Deus, acredita que essa
regra é universal a ponto de usá-la como critério de distribuição de dinheiro e status
junto à agência.
A menos que tenhamos algum critério universal, qualquer tentativa de pontuar
diferentemente o primeiro autor, ou o último, ou ainda o autor de correspondência
incorrerá no erro da ignorância e prepotência. Isso vale para análises de currículo em
quaisquer ambientes, desde agência de fomentos até bancas de concurso.
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■
386
CAPÍTULO XI
Divulgação em Congressos
O congresso científico é onde seus pares se reúnem. Geralmente são anuais, mas
alguns são bienais. Portanto, é evidente que sua participação é importante. Mas note que
eu escrevi “participação”.
Num congresso você conhece profissionais importantes de sua área, assiste a
palestras e minicursos interessantes e tem chance de discutir seus trabalhos e idéias com
públicos variados. É possível que não consiga se reunir com algumas dessas pessoas a
menos que esteja no congresso. Essa é a vantagem de ir a um congresso. Com o tempo,
começa a ser conhecido na área e, por ser conhecido, poderá ser lembrado. Desde que
mantenha um trabalho honesto e de boa qualidade, o desdobramento só pode ser uma
infiltração competente em sua sociedade científica. É por isso que as agências financiam
sua viagem!
Apesar dessa nobre função, é ainda freqüente que muitas pessoas busquem os
congressos como meio de passeio e encontros com amigos. Não há mal que passeiem e
se divirtam; o problema é quando isso passa a ser a essência da participação. Note
também que geralmente os congressos são localizados em cidades turísticas e bonitas,
sendo um atrativo. Cada participante paga a inscrição, o que dá sustentação ao
congresso, de forma que quanto mais inscritos, melhor. Essa não é a única razão,
■
388
195
Também chamado de Painel.
■
389
Título
Curto e em linguagem simples para pessoas de áreas correlatas. Letras grandes para
serem lidas de longa distância.
Autores
Instituições e e-mail
Apoio financeiro
Objetivo
Se possível, esquematize-o. Se for escrito, que seja com o mínimo de palavras (por
ex., não precisa escrever o clássico “o objetivo deste estudo foi”).
Delineamento
Faça um esquema que permita ao público entender o que você fez. Não precisa
incluir detalhes técnicos, apenas o delineamento (veja VII-13). Pense na lógica de sua
pesquisa e centre-se para passar essa informação.
Resultados
Conclusões
Como viu, não precisa escrever Discussão. Afinal, o que você foi fazer lá... levar o
pôster? Não, sua função ali é discutir com seu público. Portanto, inclua apenas as
conclusões. Liste-as de forma destacada.
■
391
Dentre os vários cuidados que devemos ter na comunicação científica oral, ressalto:
Sonoridade e ritmo
Fale pausadamente, conversando com a platéia. Dê tempo para que ela reflita sobre o
que você disse, como num diálogo. Varie a voz para dar ênfase a certos pontos do
discurso e não deixá-lo monótono. Fale com a certeza de que todos o ouvem com
clareza. Fale frases completas, sem “comer” o final das palavras e da frase. Fale com
convicção. Mas não seja monótono, jamais!
Se tiver um microfone, lembre-se que seu controle do público fica mais fácil. A
qualquer momento sua voz se impõe. Mas cheque se o microfone não está aberto
quando realizar comentários em paralelo. Cuide também para que a altura de sua voz
não oscile demais e nem que sons de sopro sejam freqüentes ao longo das frases. Com o
tempo tratará o microfone como um velho amigo.
Olhar indiscreto
Olhe para cada um do público. Como fazer isso? É simples, se a sala tiver
profundidade maior que a largura e se você não estiver colado à primeira fila, olhe para
cerca de 50 cm acima das cabeças das pessoas sentadas na última fila. Não fixe o olhar
num ponto, mas corra o olhar no eixo horizontal dessa medida. Se a sala é muito
comprida, não se esqueça de olhar os indivíduos do meio e da frente, sempre
percorrendo na linha horizontal. Isso dá a sensação de que você olha cada um,
individualmente. Jamais se concentre numa única pessoa, por mais bonita e atenciosa
que seja!
Manutenção da atenção
Recursos não são a oitava maravilha do mundo e, portanto, só devem ser usados
quando verdadeiramente representarem a melhor opção para comunicação de
determinado assunto. Infelizmente, muitas pessoas acham que os recursos, pelo impacto
tecnológico que representam, são, sem dúvida, a melhor forma de apresentação. Há
situações em que, de fato, são muito úteis; mas há momentos em que uma lousa ou
mesmo uma simples apresentação oral contemplam mais adequadamente a
comunicação. Quando recorrer a imagens, mesmo que desenhadas na lousa, elas
geralmente devem ser simples, sem muitos detalhes que possam desviar a atenção do
ouvinte.
O fator tempo
Como sua apresentação é o produto que você fornece a seus clientes (espectadores),
então deverá zelar pela sua qualidade em todos os aspectos. Assim, é uma questão de
respeito ao outro (e não antipatia) iniciarmos e encerrarmos nossas apresentações no
horário previamente combinado. Afinal, ninguém tem tempo sobrando para ficar numa
sala esperando pelo atraso de outros. Os horários são estabelecidos para que as pessoas
planejem adequadamente suas atividades. Uma atividade que não segue o planejado
pode interferir em outra. Isso é muito comum em congressos, nos quais as pessoas
iniciam as apresentações com vários minutos de atraso, expõem em tempo maior que o
previamente estabelecido e, com isso, impedem que sua platéia veja outras
apresentações, ou prejudicam o período destinado à discussão com a platéia, ou mesmo
invadem um período em que as pessoas se confraternizam com os colegas. De qualquer
forma, é uma intromissão indesejada na intimidade do espectador. Não temos esse
direito! O pior é que geralmente as exposições extensas são produto da falta de
objetividade do apresentador, visto que teve oportunidade para adequar o conteúdo da
apresentação ao tempo que lhe foi destinado. Além disso, na maioria dos casos, o que
nos fica das apresentações longas é que foi uma palestra de alguém que começou a falar
e não sabia mais quando parar.
Mesmo que o tempo previamente estabelecido não seja ultrapassado, é importante
que não seja muito longo. Apresentações que duram mais de 45 min freqüentemente
causam cansaço na platéia. Observe, por exemplo, a quantidade de recursos usados em
filmes para prender a atenção dos espectadores por cerca de 80 a 120 min. Mas note que
o cientista não tem todos esses recursos cinematográficos!
Embora existam exceções às críticas apresentadas acima, elas não podem ser o ponto
norteador, particularmente daqueles que se iniciam na atividade de comunicação
científica. Lembre-se que muitas vezes somos conhecidos pelas nossas esporádicas
apresentações, e não pelo trabalho cotidiano de pesquisa que realizamos: basta uma
apresentação equivocada para destruirmos anos de estudo e dedicação.
■
393
A linguagem corporal
O medo de errar
O que fazer quando cometemos equívocos? O que fazer quando percebemos um erro
no momento da exposição? Situações como essas não são freqüentes, mas podem
ocorrer. O fundamental é ter segurança suficiente para admitir os erros para a platéia,
caso contrário pode passar uma idéia de segurança e certeza que não condiz com o
discurso científico (veja II-l). Algumas vezes, particularmente com platéias muito
jovens, tais atitudes podem gerar desconfiança sobre a capacidade do orador. Mas essa é
uma lição que deve ser ensinada a todos, embora nem todos possam aprendê-la na
mesma ocasião.
A profundidade da apresentação
196
Exposto na primeira orelha do livro de Volpato e Barreto (2011).
■
395
Inclusão de vídeos, desde que curtos (poucos minutos) e de boa qualidade, podem
ajudar e tiram a monotonia de um único orador. De todos os recursos, o uso de slides no
PowerPoint é o mais usado e de fácil aplicação. Vejamos uma forma de melhorar esse
tipo de apresentação.
Um dos medos de todo apresentador, particularmente no início da carreira, é que o
assunto a ser comunicado termine antes do tempo máximo da apresentação. Você tem 1
h hora para falar e com 30 min acabou tudo o que preparou! Embora eu não veja
grandes problemas que isso aconteça, passa a ser mais uma fonte de complicação para a
preparação da apresentação. Devido a esse medo, é muito comum que se preparem as
apresentações com excesso de conteúdo. Ou seja, prepara-se uma palestra de 90 min
que será ministrada em 45 ou 60 min.
Quando essa palestra é preparada com uma seqüência simples de slides no
PowerPoint, a necessidade de avançar rapidamente alguns slides destrói totalmente a
apresentação. O apresentador passa rapidamente por slides devido à falta de tempo. Ou
seja, está tornando público seu atestado de falha no preparo e apresentação da palestra.
Para evitar isso, um recurso interessante é não tornar sua exposição uma seqüência fixa
de slides. Para isso, o uso de hiperlinks é fundamental.
Usando o PowerPoint, quando você coloca no slide algum texto, figura ou forma,
poderá ligá-lo a algum outro arquivo (via hiperlink). Ou seja, ao escrever uma palavra
qualquer (por ex., Ciência), ela aparece dentro de uma caixa (invisível). Selecionando
essa caixa, pressione agora o mouse com o botão da direita. Com isso, abre uma janela
com algumas opções, sendo uma delas “hiperlink...”. Ao clicar no hiperlink, abre-se
outra janela com opções para você escolher arquivos, endereços da Internet ou um slide
de sua própria apresentação. Essa escolha significa que, quando seu slide estiver em
“modo apresentação”, ao clicar na palavra “Ciência” o programa abre o link que você
escolheu (arquivo, endereço da Internet ou slide de sua apresentação) e o executa.
Quando essa execução terminar (por ex., um filme ou um arquivo com série de 5 slides),
o programa retorna normalmente ao seu slide principal, onde estava a palavra que você
clicou (Ciência) e você continua sua apresentação.
Vamos examinar como isso ajuda. Digamos que queremos falar os seguintes tópicos,
nessa seqüência:
o O que é Ciência?
o Diferença entre Ciência Natural e Ciência Formal
o O que é a base empírica na Ciência Natural?
o Como essa estrutura afeta o texto científico?
Digamos que para cada um desses tópicos você preparou 5 slides para auxiliar na sua
exposição. Então, você pode montar essa apresentação num único arquivo, com a
seguinte estrutura.
■
396
o O que é Ciência?
o Slide 1
o Slide 2
o Slide 3
o Slide 1
o Slide 2
o Slide 3
o Etc...
Com essa seqüência de slides, poderá facilmente incorrer no erro apontado no início,
pois para chegar no slide 3 do último tópico terá que percorrer todos os slides
intermediários até lá. Vamos usar o sistema de hiperlinks.
Faça um arquivo para cada grupo de 3 slides; um para “o que é Ciência”, outro para
“Diferença entre Ciência Natural e Ciência Formal” e assim por diante. Chamarei esses
arquivos de “arquivos de apoio” (cada um inclui seus respectivos três slides). Agora
faça um arquivo que conste apenas seus tópicos principais, assim:
o O que é Ciência?
o Diferença entre Ciência Natural e Ciência Formal
o O que é a base empírica na Ciência Natural?
o Como essa estrutura afeta o texto científico?
Chamarei esse arquivo dos tópicos principais de “arquivo mestre”. Nesse arquivo
mestre, faça no primeiro texto (O que é Ciência) o hiperlink ligando-o ao arquivo de
apoio (3 slides) correspondente. Faça isso com os outros três textos. O que ocorre
agora?
Qual a vantagem deste sistema? É simples, você pode entrar nos arquivos de apoio,
ou não. Com isso, poderá falar sobre os temas do arquivo mestre com mais (entrando no
arquivo de apoio) ou menos tempo. Além disso, se teclar Esc na apresentação do slide 2
do arquivo de apoio, retornará imediatamente à apresentação do arquivo mestre. A
platéia não saberá se você pulou um arquivo de apoio ou slides dele. Esse sistema pode
ser complexado, criando arquivos de apoio em itens e subitens à sua vontade. Basta
apenas criatividade.
Uma derivação desse sistema pode ser usada para pular slides no arquivo mestre.
Você pode colocar um desenho num canto do arquivo mestre, como se fosse apenas um
enfeite, mas que está com hiperlink para conduzi-lo a dois slides à frente. Assim,
dependendo da necessidade, poderá pular slides sem que a platéia perceba. Ou seja,
você controla o quanto falará em cada apresentação e terá sempre como terminar na
hora certa.
Outra variante dessa estratégia é a construção do slide mestre com itens, de forma
que cada slide possua mais de um item. Por exemplo:
Arquivo Mestre
Slide 1
Slide 2
Slide 3
Ciência e Tecnologia
Revistas Científicas
Revistas de Divulgação Científica
Academia x Público não Científico
Faça agora, em cada um desses três slides, uma “animação personalizada” em cada
um desses tópicos, de forma que eles apareçam na tela quando você clicar o mouse.
Com isso, ao abrir o slide 1, o tópico “Abordagens sobre o mundo natural” pode
aparecer de imediato, ou aparecer apenas
■
398
quando você clicar (essa opção não faz diferença no momento). Você pode falar sobre
ele, recorrendo ou não ao hiperlink desse tópico (como visto anteriormente). Agora você
pode decidir por dois caminhos: ir para tópico seguinte desse slide (O que é Ciência) ou
ir para o próximo slide (e os ouvintes não saberão que havia os outros dois tópicos do
slide 1). Para fazer esse salto para o próximo slide, sem completar os tópicos do slide
que está sendo apresentado, faça um hiperlink. Por exemplo, o hiperlink poderá estar
num desenho dentro do slide mestre (por ex., um no slide 1, outro no slide 2 etc.) ou
mesmo como um sinal invisível.
Para criar o sinal invisível, você pode simplesmente colocar um desenho (retângulo)
sem bordas e sem preenchimento de fundo. Faça nesse desenho o hiperlink para onde
deseja ser conduzido. No modo apresentação, esse retângulo não aparece, mas você
sabe que ele existe em certa região padronizada de seu slide mestre. Quando passar o
cursor por ela, a indicação de hiperlink aparece. Você pode usá-lo ou não. Ele pode
conduzi-lo a um slide mais à frente no arquivo mestre, ou mesmo a algum arquivo de
apoio. Com isso, sua apresentação fica com recursos que lhe permite falar, por exemplo,
por 2 h, ou em apenas 30 min. E toda essa variação de tempo sem que a platéia perceba
que você pulou algo.
Imagine o efeito disso numa aula de concurso público. Acaba o problema de faltar
assunto, ou mesmo de terminar antes do prazo. Você tem o perfeito controle de sua
apresentação. E a preparação das aulas fica muito mais simples. Veja esta estratégia.
Você prepara apenas os slides de apoio. Faça vários arquivos, cada um mais
específico possível. Ou seja, ao invés de fazer um arquivo que aborde um tema mais
complexo, faça um arquivo para cada conceito relevante. Com esse conjunto de
arquivos de apoio para preparar determinada aula ou palestra, sua tarefa será apenas a
de construir o arquivo mestre e fazer os hiperlinks aos arquivos de apoio
correspondentes.
Além do exposto acima, você pode criar muitas estratégias para apresentações. Note
que cada recurso de informática, mesmo que seja simples, deve ser explorado ao
máximo, aumentando sua eficiência. Outra vantagem de trabalhar com os arquivos de
apoio e hiperlinks é que, ao perceber falha num arquivo de apoio, ao corrigi-la, estará
corrigida para qualquer arquivo mestre (apresentação) que a utilize.
Mas, atenção, este sistema de hiperlink exige precauções. Note que você deve
controlar a apresentação, pois você sabe onde estão os links e sabe quando deve usá-los,
ou não. Assim, você deve ficar próximo ao computador, ou usar um mouse sem fio
(para este uso, treine bastante antes). Outro cuidado é que você leve todos os seus
arquivos num laptop, ou mesmo num pendrive. Se copiar todos os seus arquivos num
computador da sala de apresentação, certifique-se que os links não foram perdidos.
Certifique-se, também, de que seus arquivos foram devidamente excluídos dessa
máquina ao final, porque roubo de apresentações ainda é muito comum. E só quem foi
roubado sabe o peso que isso tem.
Cabem agora três comentários sobre a construção de cada slide. A escolha das letras,
o número de palavras em cada slide e o contraste entre fundo e letras.
■
399
Não use letras pequenas e de baixa definição. Sugestão: não use letras rebuscadas
(Chiller), nem com linhas finas e grossas (Andalus), pois na apresentação ficam difíceis
de serem lidas (nem todo projetar tem a definição que você gostaria). Prefira letras bem
definidas (Arial). Não use tamanho menor que 28 (depende da fonte, mas com fonte
Arial, o tamanho 28 lhe dá uma referência).
Nunca coloque excesso de palavras. Escolhendo a letra recomendada acima, já estará
impedido de escrever muito. No slide você coloca palavras de apoio ao ouvinte, mas
você conversará com ele. Nunca use o slide para colocar textos que você não tenha
memorizado. Se não sabe, não fale. Lembre-se de que toda apresentação com suporte de
informática deve se sustentar também sem esse apoio. Imagine que o projetor quebrou,
ou que há falta de energia. Caso essas panes não possam ser resolvidas, você terá que
apresentar sua aula ou palestra sem os recursos. Portanto, deve saber e ter memorizado
todo o conteúdo. Use o slide apenas como suporte. É evidente que alguns efeitos
tornariam sua palestra mais elucidativa e agradável, por isso é importante também ser
um excelente orador, conquistando a platéia com seu discurso.
Outro cuidado importante na apresentação PowerPoint é evitar que as luzes da
projeção atrapalhem. Uma forma interessante é usar fundo claro e letras escuras em
apresentações em ambientes relativamente claros; fundo escuro e letras claras em locais
bastante escuros para projeção. O fundo claro num ambiente escuro é muito agressivo
aos olhos da platéia, que ficará cansada mais rapidamente.
Erro do Combinado Não é Caro – Zele para deixar todas as condições bem claras no
momento do convite. Fique sempre à disposição para prestar esclarecimentos. De
preferência, combine por e-mail.
Erro do Convite Possível – Se convidou, é porque essa pessoa era sua melhor opção.
Caso tenha sido sua 2a, 3a ou 4a opção, guarde isso com você. Afinal, dadas as suas
possibilidades reais, sua 4a opção se transformou obrigatoriamente em Ia opção.
Erro da Fama e Atenção – Se convidou mais de uma pessoa para um mesmo evento
(por ex., mesa redonda ou grupo de minicursos ou palestras), não privilegie alguns
em detrimento de outros. Todos eles são importantes para seu evento, mesmo que
alguns convidados sejam mais famosos.
■
400
Uma forma de se transgredir a esta regra é disponibilizar salas melhores para os mais
famosos e salas mais modestas, com equipamentos mais precários, aos da casa ou
menos famosos. É comum cometer o erro da Fama e Atenção quando, num evento,
embora haja várias palestras, ou minicursos, apenas alguns são destacados na página
principal do evento. Isso não significa destacar uma conferência de abertura, pois ela
já é um destaque e será proferida por alguém de destaque. O erro é destacar dentre
atividades que, em princípio, teriam o mesmo peso.
Erro do Custo Desviado – Trata-se de pedir que o convidado pague por suas
despesas. Ora, se ele é convidado, ele deve ser importante para o evento (sem ele, o
evento não ocorreria, ou não teria o mesmo brilho). Exigir que o convidado pague
suas despesas é absurdo. Apesar disso, essa é a regra em muitos eventos
internacionais197. O mérito é receber o convite e, portanto, as pessoas se esforçarão
por aceitar o convite. Pessoas mais experientes, geralmente, já têm dinheiro de
projetos para esse fim. Mas isso só é válido no caso de congressos muito famosos e
regulares. No Brasil essa ainda não é a regra e o organizador deve possuir os meios
para financiar a vinda dos convidados. Ao arcar com esse ônus, você deve fazer
pagamentos que valorizem o convidado. Temos a visão típica de subdesenvolvido,
pois na administração do dinheiro público somos geralmente tratados como bandidos
até que se prove o contrário. Isso dificulta o uso do dinheiro e, algumas vezes, nos
coloca em situações constrangedoras frente aos convidados. Mais ainda, note que a
sofisticação da recepção (nível de hotel, de alimentação, transporte etc.) varia muito
em função das áreas. Enquanto em algumas você pode pagar um lanche na cantina,
ou mesmo na rodoviária, em outras espera-se, no mínimo, um hotel 5 estrelas e
demais atividades condizentes. Assim, se convidar alguém que seja fora de sua área,
veja bem o padrão da área do convidado. Independentemente de área, conforme o
nível do palestrante, ele poderá estar habituado a certo nível de condições. Use o
nível mais alto de um convidado para balizar o tratamento com todos os convidados
desse evento198. A situação é simples: se vai fazer um evento, faça direito. Se não for
possível, então não faça.
197
Não me refiro aos vários eventos internacionais, muitos deles chineses, que apareceram mais
recentemente. Você, um mero desconhecido, recebe convite para proferir uma palestra num evento
internacional. Pela sua posição, isso o enaltece e sobe à cabeça! Mas o convite lhe diz que, por ser
convidado, não terá que pagar a inscrição no evento, mas que as outras despesas (passagens, hospedagem
e alimentação) ficam por sua conta. Ora, aí é fácil fazer evento. Não caia nesse conto. Apesar disso, sei
que muitos acabam indo e, ao final, incluem no currículo a palestra internacional que ministraram... mas
não incluem a que custo! Você pode nos enganar, mas ao colocar a cabeça no travesseiro, saberá que é
uma grande farsa.
198
Por acaso você já viveu a situação de que alguns (às vezes os que vem do exterior) ficam no hotel 5
estrelas e os brasileiros, ou os menos famosos, ficam nos hoteizinhos ao redor?
■
401
Erro de Bem-estar – esmere-se para que o local do evento seja agradável a todos,
inclusive ao expositor. Disponibilize água ao palestrante (que não seja gelada para
não prejudicar a fala). Cuide para que ele tenha um coffee break (algumas vezes, na
tentativa de atender, nesse horário, alguns dos ouvintes, acaba sem tempo hábil para
esse suporte). Uma forma interessante é dar ao convidado um coffee break
individualizado, mas sem tolher sua chance de alguma interação com os ouvintes.
Afinal, poderá ser uma das poucas oportunidades que esse público terá para alguma
conversa com esse convidado.
Erro de Amparo – Nunca deixe o ministrante sozinho, podendo lhe parecer que ele
está meio “perdido”. Acompanhe-o, ou providencie alguém para fazer isso. Mas
tenha a sensibilidade para perceber quando isso está muito invasivo.
■
402
Ser convidado para um evento é, sem dúvida, motivo de alegria e satisfação. Você
foi escolhido entre vários. Seu trabalho está sendo respeitado e considerado. Assim,
trate muito bem tanto quem lhe convidou quanto o público ali presente. Lembre-se de
que quem lhe convidou teve um trabalho imenso para tornar sua vinda possível (convide
alguém e verá como o que parece simples se torna complicado, particularmente em
nosso país). Posso alertá-lo quanto a alguns pontos importantes nessa relação.
d) Não seja prepotente, você já foi destacado ao ser convidado. Mas não precisa
usar falsa modéstia. Seja natural, como você é. Elegância não faz mal a
ninguém.
f) Leve sempre novidades. Os ouvintes não querem ouvir mesmices. Se não tem
novidades, não deveria ter aceitado o convite.
Literatura Complementar
Alves AC. 2011. Lógica, pensamento formal e argumentação. 5a ed. Editora Quartier Latin.
Aber JM, Papavero N. 1991. Teoria intuitiva dos conjuntos. Editora McGraw-Hill.
Aranha MLA, Martins MHP. 2003. Filosofando: introdução à filosofia. Editora Moderna.
Barbosa RLL (org.). 2004. Trajetórias e perspectivas da formação de educadores. Editora
Unesp.
Baronett S. 2009. Lógica, uma introdução voltada para as ciências. Editora Bookman.
Bickenbach JE, Davies JM. 1997. Good reasons for better arguments; an introduction to the
skills and values of critical thinking. Broadview Press.
Budden AE, Tregenza T, Aarssen LW, Koricheva J, Leimu R, Lortie CJ. 2008. Double-blind
review favours increased representation of female authors. TRENDS in Ecology and
Evolution 23(l):4-6.
Carraher DW. 1999. Senso crítico. Editora Pioneira.
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Editora da PUC.
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Covey SR. 2005. Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes. Editora Best Seller.
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Day RA. 2006. How to write and publish a scientific paper. The Oryx Press.
Epstein I. 2002. Divulgação científica; 96 verbetes. Editora Pontes.
Genett DM. 2008. O poder de delegar. 6ª ed. Editora BestSeller.
Giambiagi F, Porto C (org.). 2011. 2022: propostas para um Brasil melhor no ano do
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Gladwell M. 2008. Fora de série: outliers. Editora Sextante.
Gontijo S. 2004. O livro de ouro da comunicação. Editora Ediouro.
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Hook EB. 2007. Prematuridade na descoberta científica; sobre resistência e negligência.
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Khun TS. 1962. The structure of scientific revolutions. The University of Chigaco Press.
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404
Kida T. 2007. Não acredite em tudo o que você pensa; os 6 erros básicos que cometemos
quando pensamos. Editora Campus.
Lakatos I, Musgrave A (orgs.). 1979. A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. Edusp.
Llosa MV. 2006. Cartas a um jovem escritor: toda vida merece um livro. Editora Elsevier.
O Estado de São Paulo. 1997. Manual de redação e estilo. Org. e ed. por Martins E. O Estado
de São Paulo.
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Polito R. 1988. Gestos e postura para falar melhor. Editora Saraiva.
Prigogine I. 1996. O fim das certezas. Editora Unesp.
Rodrigues E. 2008. Histórias impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores. Editora
Planta.
Russell B. 1975. Meu desenvolvimento filosófico. Zahar Editores.
Russell B. 1979. O impacto da ciência na sociedade. Zahar Editores.
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Sokal A, Bricmont J. 1999. Imposturas intelectuais: o abuso da ciência pelos filósofos pós-
modernos. Editora Record.
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Volpato GL. 2010. Dicas para redação científica. 3ª ed. Editora Cultura Acadêmica.
Volpato GL. 2011. Método lógico para redação científica. Editora Best Writing.
Watts DJ. 2011. Tudo é óbvio: desde que você saiba a resposta. Editora Paz e Terra.
■
405
CAPÍTULO XII
A Formação de Cientistas
O Brasil não é um país de ciência. Mesmo que nos anos mais recentes a ciência tenha
ganhado mais espaço, isso é ainda muito incipiente e, aparentemente, guiado mais pela
aparência do que pela essência. Precisamos acreditar na ciência como meio
transformador da nação, do homem e do mundo. Fazer esse investimento é o mesmo
que investir na educação básica do povo como elemento de transformação. Como não
investimos solidamente na educação básica, também não investimos pesadamente em
ciência.
Aqui vale uma ressalva. Investir em ciência e em educação não é criar escolas e abrir
vagas. É levar os sistemas educacionais à excelência (numa comparação internacional) e
torná-los acessíveis. Do contrário, uma disponibilização do ensino de forma acelerada,
sem planejamento, contribuirá, ano a ano, para o naufrágio desse próprio sistema199.
No passado, as classes economicamente mais privilegiadas transferiram seus filhos
da escola pública (ensino fundamental e médio200 de excelente nível) para a privada.
Isso catalisou uma catástrofe ainda maior para o ensino público pré-universitário,
chegando aos níveis de hoje.
No setor universitário, vemos que a migração também existe, mas não para nosso
setor privado, que está, com raras exceções, bem aquém do setor público. Transferem-se
para boas universidades do exterior. Em 2009, cerca de 24 mil brasileiros estavam
estudando em universidades no exterior, a maioria em universidades; em 2010 houve
aumento de 15% nesse número201. Seja como for, o Brasil não é um país de ciência e
tampouco de educação. Sem elas, a independência e autonomia do país não
sobreviverão. Portanto, esse é o desafio. Formar cientistas é um pedaço desse quadro
mais geral. Não pode haver desenvolvimento sério, sustentável e independente sem um
povo mais educado e cientistas competentes.
A ciência gerada resolve problemas, presentes ou futuros. Ela é uma ferramenta
fundamental para nossa espécie. A evolução do método científico mostra que esse
pensamento minimiza as chances de erro. Com isso, temos um sistema que nos dá maior
conhecimento do mundo natural. Isso se reflete no nosso controle sobre esse mundo.
Conhecimento parcial, ou equivocado, coloca em risco nossa própria espécie.
Teoricamente, um corpo de conhecimentos sólidos deveria dar diretrizes para os
governos. Veja que antigamente vários reis se apoiaram no saber de seu grupo de apoio.
Hoje isso
199
Veja um exemplo em nosso país. Embora todos sejamos solidários à idéia de ensino superior de
ótima qualidade a todos os brasileiros, se isso não é feito de forma programada, ninguém terá ensino
qualificado. Não basta abrir as portas da universidade e receber pessoas... é imperativo que se zele para
que a qualidade do ensino não seja deteriorada pelo crescente número de alunos (o que envolve investir
em professores, pessoal de suporte e estrutura das universidades).
200
Antigamente, curso primário (1ª à 4ª séries), ginásio (5ª à 8ª séries) e colegial (3 anos equivalentes
ao ensino médio atual).
201
Revista Veja. http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/o-caminho-rumo-as-melhores-
universidades-do-planeta
■
407
está meio estranho, pois os apoios são constituídos pelo sistema de barganha econômica
entre grupos restritos. Não ter conhecimento já é ruim; tê-lo e não usá-lo é a mais pura
ignorância202.
Em conclusão, formar cientistas é dar base e referencial para decisões da nação. É
gerar conhecimento, tanto no nível técnico quanto para a compreensão mais profunda
das dúvidas humanas.
Um Perfil Básico
Considerando o que um cientista deve fazer, fica fácil perceber que deverá ter boas
habilidades nas seguintes características:
a) criatividade – deve saber fazer perguntas; saber questionar o que está estável;
não se conformar com o que vê; pensar alternativas fora dos padrões
convencionais.
d) autodidatismo – tem que ter motor de arranque, não pode achar que o
conhecimento vem da boca dos outros; deve ir atrás do conhecimento, pesquisar,
ler, aprender, conhecer, estudar.
202
Uma visita às discussões sobre o novo código florestal brasileiro pode nos dar alguns insights sobre
este tema.
■
408
Os traços acima descritos não garantem bom desempenho científico. Ou seja, tê-los é
condição necessária, mas não suficiente. O perfil apresentado mostra envolvimento
intelectual com o problema investigado e substrato rico para a busca de respostas
ousadas.
Apesar de tudo isso, algumas dessas características podem também levar o cientista
ao desastre total. A independência intelectual pode se transformar em obstinação pela
própria idéia. A ambição pode colocar a busca pelo conhecimento em segundo plano.
Esses pontos têm que ser analisados com cautela.
Uma novidade científica, vista num esquema conceituai inadequado, pode ser
considerada equivocada. Às vezes é necessário alterar nosso esquema conceituai para
compreendermos a genialidade de uma idéia. Mendel e Darwin não foram aceitos pela
comunidade científica senão muitos anos depois de divulgarem suas idéias. Ou seja, não
lhes faltou desmotivação externa, mas
■
409
foi a independência intelectual que lhes garantiu insistir. Por outro lado, essa
persistência pode ser intransigente e manter um equívoco do cientista. Isso mostra
claramente que a independência intelectual, por si só, é insuficiente para um cientista e
só é eficaz quando existe, de fato, uma boa idéia (veja V-7). Mas como saber?
A ambição é importante, pois o cientista luta pelo reconhecimento de suas idéias.
Afinal, na comunidade científica os dados não falam por si! As estratégias de marketing
auxiliam mais do que a ingênua crença na objetividade científica pode crer (veja
Timpane 1995). Em contrapartida, essa ambição pode levar o cientista a cometer
fraudes, conscientemente ou não, a fim de manter suas idéias. Pode também
menosprezar importantes dados falseadores de sua idéia e, assim, retardar maiores
progressos científicos (veja LX-1).
A dedicação extrema, se conduzida para a ultraespecialização, pode mais cegar do
que clarear as idéias do cientista. Além disso, pode acarretar desestabilização da vida
particular do indivíduo, o que pode trazer desajustes psicológicos e sociais que o
destruirão.
O Perfil Empresarial
203
As características foram obtidas do Sebrae... as interpretações e exposições são do autor deste livro.
■
410
1 – Consegue transformar as idéias em realidade. Veja que boas idéias são comuns
a muitas pessoas, mas apenas as empreendedoras as transformam em atos
concretos. Na ciência, não basta ter uma boa idéia; o cientista precisa testá-la
empiricamente, publicar o que fez e conseguir aceitação pela comunidade
científica; se possível, dar passos para uma transformação social decorrente
dessa idéia, embora nem todas as idéias convirjam para isso em curto ou médio
espaço de tempo.
2 – Tem paixão pelo que faz. E isto faz toda a diferença. Quem gosta do que faz, faz
bem. Veja a frase de Confúcio: “Escolha um trabalho que você ame e não terá
de trabalhar um único dia em sua vida”. Quem ama se envolve... quem se
envolve vai mais fundo nas questões de um tema, dedica maior esforço ao
assunto e sente prazer quando descobre novidades sobre ele. Se considerarmos
que nessa fase de paixão por determinado problema ficamos com nosso
inconsciente voltado para ele, mesmo quando conscientemente nos desligamos
do problema, as informações que recebemos ao executarmos outras atividades
acabam por alimentar esse sistema inconsciente, podendo gerar insights
fantásticos. Um insight sobre uma questão profissional surge enquanto
relaxamos assistindo a um filme ou uma peça de teatro, possivelmente por
estarmos envolvidos no problema, embora não conscientes dele durante o
relaxamento.
3 – Tem foco. Sabe onde deve ir e não fica perdido diante de alternativas. Um
empreendedor escolhe uma entre várias alternativas e não fica pensando naquilo
que ficou para trás.
4 – Sabe perfeitamente o que quer e o que faz. E se esforça sempre para aumentar
esse conhecimento. Tem clareza do que é e do que quer ser. Quanto mais esses
norteadores lhe são claros, mais pode decidir sobre o que fazer e o quanto se
dedicar a cada coisa.
5 – É persistente. Pela sua obstinação pelos seus objetivos e desejos, persiste no seu
caminho. Não desiste por qualquer obstáculo. Sabe que a vitória depende
também dessa persistência.
6 – Não tem fracassos. O empreendedor usa os fracassos como forma de
aprendizagem para enfrentar novos desafios, aprende com eles; assim, mesmo
quando fracassa está crescendo.
7 – É muito autoconfiante. Acredita na sua própria capacidade porque tem obstinação
pelo desafio e não tem medo de errar (item 6). Acredita que vencerá. Como é
pessoa bem informada, disposta a lutar, sem medo de errar, acaba tendo
autoconfiança.
8 – Imagina-se vencedor. Por ter clareza sobre o que quer, não ter medo de errar e
ser autoconfiante... acredita que vencerá. Essa crença o impulsiona para frente.
Faz bom uso da imaginação e imagina-se sempre um vencedor.
9 – Tem sempre visão de vários cenários à frente. Como confia que consegue fazer
as coisas e superar obstáculos, rapidamente muda de alternativas quando algo dá
errado. Ele sabe que para todo problema existe uma solução e ele a encontrará.
Se não tiver essa confiança, no primeiro tropeço começa se achar incapaz.
■
411
10 – Não se acha vitima da vida. Problemas todos têm. A diferença está naqueles que
fazem algo para modificar a realidade. Não esperam que as coisas caiam do
céu... vai buscadas. E proativo. Ficar explicando os erros não os corrige... é
apenas uma tentativa de se proteger para não ter que aceitar que o erro foi seu,
de sua responsabilidade.
Aceito que todos os seres humanos podem vir a ser excelentes cientistas. Porém, a
trajetória de vida de cada cidadão lhe impõe uma estrutura própria de ser, que
certamente aumenta ou diminui ao longo de sua vida a possibilidade de se tornar um
cientista204. São detalhes aparentemente mínimos, mas que marcam profundamente a
formação do indivíduo. E essa trajetória não é linear. Indivíduos criados em ambientes
autoritários não necessariamente se tornam adultos autoritários. O tipo de escola que
freqüentaram, suas experiências com o mundo físico, suas influências religiosas, suas
possibilidades ou não de trabalhar enquanto adolescentes, os tipos de presente que
ganharam, os estímulos que receberam por apresentarem atitudes inovadoras etc. são
fatores que, em conjunto, influem na formação da postara conceituai das pessoas. Não
há como prever o que serão, mas certamente, na época de cursarem universidade, essas
qualidades já estão bem marcadas. Assim, mesmo que todos possam ser cientistas, a
partir de certo momento nem todos terão as mesmas facilidades de se tornarem bons
cientistas. O mesmo ocorre com qualquer profissão que exija perfis claros e específicos.
Por exemplo, vale para um jogador de futebol, um tenista, um pianista, um cantor, um
artista plástico etc.
No caso do cientista, como a questão é mais intelectual do que prática, ela se torna
mais delicada. Não se trata dos cientistas serem mais inteligentes ou não... eles apenas
dominam recursos lógicos e epistemológicos com maior propriedade. Inteligência é
outra coisa, que pode ser vista na habilidade para resolver problemas, incluindo aqueles
subjacentes na inteligência emocional (o como coadunar questões práticas com anseios
emocionais).
Na questão XII-2 apresentei os traços de personalidade comuns aos eminentes
cientistas, o que é coerente com esta noção de que o dia a dia de formação do indivíduo
pode construir um perfil psicológico mais compatível ou não com os requisitos para a
atividade científica. Embora todos possam potencialmente ser cientistas, depois de viver
parte significativa da vida o perfil das pessoas pode apresentar certas limitações para a
carreira científica. Mas esta abordagem implica também que é importante estudar e
buscar ser um cientista. Não o será por decreto e, menos ainda, por influência dos
deuses.
204
Isto vale para qualquer habilidade, não apenas a ciência. Embora possam aludir que as tendências
genéticas são importantes para algumas habilidades profissionais, prefiro evitar o fatalismo genético. No
caso do cientista, são tantas as confluências de habilidades, e tão complexas cada uma, que a influência
social certamente é predominante. Veja que o mesmo acontece nas Artes. Fala-se em dons. Mas sabemos
que a estimulação na infância e adolescência tem papel relevante nisso. Por que o mesmo não ocorreria na
ciência? Veja as qualidades relevantes para o cientista (XII-2) e examine se elas não dependem da
formação social do indivíduo!
■
412
205
Nascido em Kempten, na Alemanha, em 05/07/1904. Morreu em 03/02/2005, em Bedford, nos
Estados Unidos da América.
■
413
206
O maior crime que se fez à sociedade brasileira foi o desmantelamento do ensino público pré-
universitário. Enquanto ricos e pobres estudavam nas mesmas escolas e classes, a qualidade era zelada.
Quando os mais abastados financeiramente buscaram seu refúgio, a escola pública foi destruída,
esquecida, menosprezada... e com ela os alunos menos privilegiados na sociedade. Esse crime não foi
acidental e é, em minha opinião, o maior crime que se cometeu em nossa sociedade.
■
414
Na universidade resta muito pouco para fazer. O indivíduo está quase pronto
(felizmente há um quase). Seu gosto e capacidade intelectual para a ciência estão
praticamente definidos. Apesar disso, na fase de adolescência, o indivíduo está num
momento muito propício para aceitar idéias novas contrapostas ao conhecimento mais
ortodoxo. Isso pode ser aproveitado, mas o trabalho não é fácil. Por outro lado, questões
técnicas podem ser ensinadas aos montes... mas a cabeça de um cientista não se forma
pelo ensino das técnicas!
mentes técnicas poderão orquestrar um processo tão difícil quanto uma sociedade de
pensadores, crítica e ousada? O desastre parece eminente.
Quando em bancas de defesa de tese, muitas vezes pergunto ao futuro doutor o que
significa ser um Doutor (um PhD). E nenhum consegue responder. Limitam-se, no
máximo, a dizer das habilidades técnicas e do conhecimento profundo de uma
especialidade. Isso sugere que questões mais gerais não estão sendo priorizadas com a
devida ênfase na pós-graduação.
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Este programa de Ambiente Formador está previsto para iniciar as atividades em breve. Visitem
www.gilsonvolpato.com.br para informações.
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Referências
Literatura Complementar
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