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Capitulo P. ara onde tudo isto leva Sécrates? Quanto & Ironia, muito bem: mas seré que Sécrates nfo passa de um desmancha-prazeres brincalhio? Alguém do. pensamento, que gosta de irritar as consciéncias e de amedrontar as cabecas recheadas? E somente Isto o socratismo? Este Incé- modo qué faz ranger nossas certezas, esta proble- matizag#o, esta suspelgio permanente? No, por certo: tudo isto s6 so prim/clas. E se, malé.do que _ s0cnAtes ri Junto, tinha neste dorn{nio. buscad i @ fixado_pela-pr Imeira vez 6 Gib em ie nigoes"” (Arist6teles, Metafisica}. O universal em matéria Moral, pols. Mas o que isto significa? Refa- -’ amos 0 itinerdrio que a isto conduz com um exem. plo tirado do Laques de Plato. A cena se passa num gindsio. Dois pais de boa famflia, Lisfmaco e Melésias, esto desnorteados em face da educagZo dos m que thes fosse dada uma sélida instrug&o cfvica, que eles © mesmos lamentam nao ter recebido, e n3o sabem como arranjar-se. Por isto pedem a dois célebr generals, Nfcias e Laques, que assistam com eles aos exercicios de treinamento de um mestre de | armas, para que lhes déem uma opinido: proporciona © exercicio com armas (“a hoj respostas — se ele sabid Ua importa + .ainda assim ‘era preciso qlee! como Aristételes, catalogasse fria- mente as obras dos filésofos em termos de resultados, como se poderia resumir numa palavra o socratismo? jas_preocupagdes_visavam as coisas uma boa escola de coragem. Laques é de opini Oposta: os exercicios de sal§o jamais fizeram um bom soldado, simplesmente porque jamais tornaram Digitalizado com CamScanner Alceb fades, natureza bi ante corrompida pela ambicéio, |. bravo um covarde. € requer SOCRATES 6 ida pois a arbitragem de Sécrates. Este sol Primeiramente que se esclarega o debate: de que, se fala? Da hoplomaqui sem dividal Claro, responde Sécrates, “mas quando se delibera sobre um remédio para os olhos” é sobre os olhos e nZo sobre o remédio que s2 discute, e é ta dos olhos que nos dirigimos; de maneira geral “quando discutimos acerca de um fim, & este fim 0 objeto da discuss30 e n3o 0 meio subordinado a este fim’’; assim, neste caso, é a alma de vossos filhos e a virtude deles que est4 em questo, ndo 0 exerc{cio com armas que é d aperfeigoé-la. Procurai pois um especi educacéo e nao em armas. Quanto a mim, nao sou icado, “pois nada conheco da questo, e nao sou capaz de distinguir qual dos dois tem razéo, ngo sendo nestas matérias nem inventor nem aluno de um mestre”. Mas, no lugar desta arbitragem, ia de um exame conjunto. Esté combinado, e Nfcias, que conhece bem nosso homem, sabe be.n 0 que esperar: sabe “que seremos forcados, seja qual for o assunto abordado, a nos deixar levar pelo fio da conversa a explicagdes sobre nds mesmos, Nosso género de vida e sobre toda a nossa existént Acrescenta: “espero que, a0 sermos submetidos a esta experi , Nos tornemos mais prudentes se estivermos dispostos... a aprender durante toda a vida e nfo a acreditar que s6 a velhice traz a sabedoria . . . Sabia desde muito tempo que, com Sécrates, nao seriam apenas os jovens os postos em causa, mas também nés mesmos”. O exame nl Digitalizado com CamScanner 66 © UNIVERSAL comega, pois. Sécrates volta ao seu exemplo: é , faz ele admitir, para curar os olhos, conhecer ude que queremos mandé-los adquirir ou recobrar, isto é, a visio. No caso nao é a coragem a virtude que se trata de transmitir? Procuremos pois, primeiramente, definir a coragem. Veremos ent3o qual € o melhor meio para assegurar a presenca dela nos jovens, na medida em que os exercfcios e os estudos podem lograr tal feito. Tenta, pois, Laques, responder & minha questo: o que é a coragem?” Assim acaba o preltidio de todo didlogo socratico: pela questo “‘o que é?’’. Detenhamo-nos um tanto neste ponto crucial. Trés conversdes insens{veis acabam de se operar, e nos fazem passar do bate-papo 4 interrogacdo filoséfica. Primeiro, ter-se-4 reconhecido o efeito da Ironia socrética: passamos da certeza a suspelta e do saber suposto 4 colocacdo em causa de seus pressupostos, Um passo atrés, aparentemente, j4 que, em lugar da resposta que procurdvamos (o que pode a hoplo- maquia?), encontramos uma questéo que n&o procurévamos (o que é a coragem?). Um passo decisivo, na realidade, j4 qye, limitando a pretensdo dos saberes ao colocar o tipo de quest3o que nao podem resolver, realizamos o progresso critico. Pois pensar as cegas no é se enganar (dizer o verda- deiro pelo falso), 0 que nao seria aliés tdo grave: um erro numa soma, basta verificar, e ele se apaga com uma borracha. Mas o mais desastroso serla enganar-se de problema, E assim que querlam que SOCRATES 67 Sécrates resol contra ou a favor da hoplomaquia, e qual dos dois tern raz%0? Mas esta é afinal uma questo tola: prova-o a contradi¢3o insuperdvel dos dois generais. Procurernos 0 “erro de célculo” na argumentagdo deles, nZ0 0 encontraremos: 6 sem duvida verdadeiro que o exercicio das armas 4 uma preparacao necesséria para a vida militar, e n3o menos verdadeiro que ele tenha jamais transformado um medroso... Nada de hesitarao: quando duas opinides parecem igualmente—veross(meis._8_ que_ elas --sfo—iguatmente_falsas; ou melhor, duas_boas regpostas a uma md questo. “Esta questo” que nem suspeitdvamos realiza a segunda transposi¢go: passamos de uma mera qu uest3o de meios a uma reflexdo_sobre o fir © e problema torna-se moral. Saber tomo se pode fazer (para adqui uma formag8o) é vao, se no se interroga primeiramente sobre o que se quer atingir 6 conscientemente onde se quer chegar que se pode interrogar sobre as vias para l4 chegar — e no o inverso, Assim faz © piloto que conduz o navio a porto seguro, assim faz 0 sapateiro que conhece o molde do calcado antes de cortar o couro; assim fazem os artesdos, Nossos mestres, em suas realizacgdes; assim acredita- mos fazer em nossas condutas: até os julzes de Sécrates, por estimarem sua acfo nociva, acharam bom livrar a cidade dela, condenando-o a morte; mas talvez uma reflexdo sobre a Justica lhes tivesse poupado um erro judiciario, 3 Mas 6 a tercelra transposico que condiciona es Digitalizado com CamScanner oa © UNIVERSAL duas outras: a simples formulacio da questo “o que é?".Q_“o que ¢" é para Sécrates o comeco da_sabedoria, pois supde a suspensto provisoria de com os atos e com a linguagem: é propriamente o que se chama refletir no sentido em que o espelho devolve a fonte sua luz. A coisa, 0 ato ou a palavra familiares — demasiado conhecidos — sio repenti- namente postos a distancia, diferidas sua consumagdo ou sua utilizag3o, para serem por fim percebidos. Mas esta suspensdo 6 proviséria e no se trata para Sdcratés de permanecer nela: o “o que 6" é necessério, mas como mero desvio no rumo de uma razéo em ato, Entretanto, dir-se-4, por que atormentarmo-nos com os “o que 6?"; em caso de divida, temos a0 menos os dicionérios, catélogos de respostas acabadas. Mas, a néo ser que o consultemos com relacdo a palavras que jamais tenhamos ouvido, o dicionério somente nos dé aquilo que mais ou menos jd sa- bfamos: ele nos instrul sobre o uso da palavra e nfo sobre a esséncia da coisa. Pois nao é por mania verbalista_ou_purismo_de gramatico_que Sécrates procura o que é a coragem ou _alguma outra_vir- tude: néo 6 para melhor falar, é para bem fazer; para fundar nossa conduta na razio, estabelecendo © invariante que temos de pensar para poder agir racionalmente. Tal é pois o primeiro objetivo socrético: fazer tdbula rasa das certezas irrefletidas para poder se colocar & procura de um valor. Mas esta caga nfo SOCRATES ey se desenvolve sem dificuldades ou mal-entendidos, como 0 prova o que vem a seguir. Laques com efeito néo entende logo assim. A questéo de Sécrates ele se apressa em responder: “Quando um soldado permanece em seu posto e se mantém firme contra © inimigo em vez de fugir, sabe que este homem 6 um bravo.” E, com efeito, quem o negaria? Quem recusaria a este soldado o qualificativo de bravo? Mas ndo se busca qualificar atitudes, busca-se uma esséncia. Nao se procuram bons exemplos de homens corajosos, procura-se saber em que eles o slo. E contra o exemplo de Laques, 0 contra-exemplo de Sécrates: hd por vezes casos, como na cavalaria cita ou na infantaria espartana, em que as necessi- dades tdticas, ou mesmo os ardis estratégicos, obrigam bravos soldados a combater recuando. Sécrates explicita, pois: quer saber o que é a coragem em todos os casos: tanto para a cavalaria quanto Para a infantaria; para os atenienses assim como para todos os gregos @ mesmo para os bérbaros; taiito a coragem do soldado quanto a dos mari- nheiros “expostos aos perigos do mar’; como também “‘aquela que se manifesta na doenca, na pobreza, na vida polftica; aquela que resiste nfo somente aos males e aos temores, mas também as paixSes e aos prazeres”.. Ei: is imeira regra de nossa. caca_aos valores: é preciso _passar-da— multiplicidade dos exemplos de _coragem,—cujas a_uma unidade que vaha universal e absolutamente, isto 6, “o que existe dé idéntico em .tédas estas: Digitalizado com CamScanner 70 O UNIVERSAL manifestagdes”. Desta vez Laques compreendeu a exigéncia légica. Ele propde, j4 mais hesitante: “parece-me que 6 uma certa forca da alma, se consideramos sua natureza em geral”. Eis 0 que € com efeito conforme a regra socrdtica. Entretanto Laques ainda no viu chegar o fim de suas penas. Nao cai ele de um excesso a outro, e a uma imagem demasiado singular no opde uma férmula desta vez demasiado geral? E © que pensa Sécrates, que nota que tal forga, “se se junta 4 loucura’’, torna-se nociva e feia: ora, é uma virtude 0 que procuramos, ndo um vicio. Ent&o retifiquemos e chamemos coragem apenas “A for¢a da alma refletida’. Mas suponhamos um habil especulador que tenha a forga de alma para consentir numa despesa com a previsio refletida de um ganho superior: no dirfamos que ele é corajoso; multo menos ousarfamos quallficar de corajosa 4 firmeza do pal que com conhecimento de causa recilsarla chamar o médico a cabecelra do fiho: dost A Icécla, quando posta a servico de uma | forca de alma inflaxtvel, pode assim. torrié-la millt tna temivel, E inversamente aquele que seni télcii resiste valentemente ao ataque Inimigo nfo é mi corajoso do que alguém que sabe perfeltamente que nada teme? Em outros termos, uma vez que a idéncla consiste em evitar os rlscos, permite ela falar ainda de coragem? Mas ent&o chegamos ao absurdo: a coragem ficaria desta vez do lado da forca de alma irrefletida, ou seja, no valeria mais nada, Tudo esté de ponta-cabeca, nada se SOCRATES n mantém, 0 belo parece feio e o vicio parece virtude. Decididamente, progredimos recuando e as mil provocagdes de Sécrates poderiam até acabar com nossa “forca de alma’. E o Que pensa o infeliz Laques que joga a toalha: é claro, resmunga, que ele sabe (© que é a coragem, sé que nfo chega a exprimir bem © que pensa. Nfcias o reveza, decidido “a colocar sua palavra a servico de seu pensamento”. No caso, é mais da palavra de Sécrates que se trata, j4 que ele recolhe uma opinio que passa por socrdtica (até nos manuais escolares contemporéneos): “‘freqiientemente te ouvi dizer que cada um de nés vale pelo que sabe e nada vale pelo que ignora”. Magn/fico, exclama Sécrates, encantando por receber ligdes de socratismo, e entéo? “Ent8o é claro que se o homem corajoso tem valor, 6 porque 6 um homem que sabe”. Multo bom, e que 6 que elé sabe em particular? Ele possiil, » diz em tom douto Niclas; “o saber das colsas a temer ou & espeiar tanto Ha guerra quarto em todas . Desti vez 6 Laqués que i absiirdo, éxclama élé, a J id 6 um sabdrl Em caso de doenga, quem conhece 0 perigo, senfo 0 médico — mas é 0 doente que deve dar provas de coragem! “E da mesma forma em todas as profissdes, os que as praticam saber Prever os sticessos Ou os fracassos, e nem por Isto s8o bravos.” Néclas capricha: nfo, o médico conhece a doenca e a satide, ele n8o sabe o que se tem a temer em face da vida ou da morte. Entio quem sabe, enerva-se Laques, o adivinho talvez? Haveria Digitalizado com CamScanner 72 © UNIVERSAL, © risco de a discussio se azedar, sem a intervengao de Sécrates. Ele tai i deste saber que definiria a coragem: bem curiosa esta ciéncia que colocas tdo alto que parece difi- cilmente acess{vel ao comum dos mortais, ao passo que a primeira pantera que aparece é chamada corajosa! Distinguo, pontifica Nécias qui de poder ter lido os lexicologia; no confun os corajosos conhecem o perigo, “os temerdrios desprezam-no por ignorancia’’. Assobios de admiragao. Sécrates entretanto ndo estd satisfeito ainda. Seja a coragem, ele, a ciéncia das coisas a temer; ora, “o que inspira temor no é nem o mal passado nem o mal presente, mas o mal futuro, posto que © temor 6 a espera de um mal por vir”. Acordo dos interlocutores. Ora, acrescenta ele, parece que "a ciéncia na diversidade de suas aplicagdes nfo é diferente, conforme se relacione ao passado para saber 0 que ele foi, ao presente para saber 0 que ele é, ou ao futuro para saber como ele sa realizard da maneira mais favordvel, mas que ela 6 sempre idéntica a si mesma”. O agricultor, por exemplo, se pode fazer previsdes razodvels acerca da colhelta 6 porque sabe que dadas as mesmas condigSes, as coisas foram sempre assim. Que seria — outro exemplo — de um médico que emitisse um prognés- tico assim formulado: em todos os casos passados tal doenga sempre foi fatal; mas no caso presente estou razoavelmente otimista? Um charlat&o, talvez, n3o urn médico. Logo, j4 que “a mesma cléncia SOCRATES 73 se aplica as mesmas coisas tanto no futuro quanto em qualquer outra época’, é forcoso conclulr que, se a coragem é ciéncla, “ela n3d 6 somente a cléncia do que se tem a temer e de seu contrarlo; pois ela nfo diz respeito apenas aos bens e males do futuro, mas também aqueles do presente, do passado e de todos os tempos, em todas as circunstancias, como as demais ciéncias”. Sem outro remédio a nao ser engolir isto, Niclas aprova, estupefato por n3o reconhecer a sua obra: ele procurava uma virtude modestinha e bem delimitada, e ei-lo em face da “ciéncia absoluta dos, bens e dos males”. Investi- igava-se serenemente a coragem @ eis que acorrem atrés dela a sabedoria, a justica, a piedade e assim por diante: é preciso, com efelto, que seja também sdbio, justo e piedoso “este homem que, em relac3o aos deuses e aos homens, seria o Unico a reconhecer com prudéncia o que 6 temf{vel e o que nao 6, & encontrar todos os bens, sabendo a maneira correta de se comportar diante deles”. Procurava-se um va.or e eis af o Valor. “E forgoso reconhecer, Nicias, que no descobrimos a verdadeira natureza da coragem.” .O ultimo bal%o esvaziou. S6 resta aos dols generais se atribufrem mutuamente a respon- sabilidade por este m/sero resultado. Sécrates hes reergue por uma Ultima vez o moral: a gente volta a falar nisto amanha, Final da conversa e decepedo do leitor, habituado a que as comédias terminem por um “happy-end”. Todos estes esforcos e aborrecimentos a troco de nada, -diré ele. Compreende subitamente quanto be ee Digitalizado com CamScanner 74 © UNIVERSAL Sécrates pdde se indispor com muitos de seus inter- locutores; eis que quase partilharia a opinigo dos seus ju(zes: nao serve para nada este Sécrates, um argumentador tagarela que fica procurando picuinhas e coloca tudo de ponta-cabeca; um provocador que faz género, mas nada tem a propor. Que dizer em sua defesa? Que, de fato, o ritmo do didlogo ¢ lento e freqiientemente tortuoso (e muito mais do que nosso resumo linear poderia suge- rir); mas, afinal, esses atenienses tinham tempo... Que, de fato, o didlogo n&o fornece a resposta esperada ...mas, enfim, deve-se ligar tanto para as respostas, ser tio dvido de resultados utilizéveis? Assim mesmo a insatisfag3o permanece: decid: damente estes filésofos séo quando muito uns tagarelas . . . Entdo, sejamos melhores advogados; mostremos que tudo isto nao foi a troco de nada — e que 0 socratismo 6 capaz, também, de resultados. Primeiramente saudemos em Sécrates um dos primeiros l6gicos. Aristételes, 0 maior de todos, nZo se enganou ao ver nele “9 inventor do raciocinio indutivo” (Metafrsica). Para saber 0 que 6 a coragem, quer dizer, para poder estabelecer um conceito, é preciso passar dos casos particulares a idéia geral: é corajoso resistir a0 inimigo, e afrontar o mar tempestuoso, e saber enfrentar a doenca, @ saber suportar o sofrimento, € assim por diante... Mas este primeiro passo doe... ,@--+5 deve se trans- formar em nem..., nem..., por ser @ coragem em geral 0 que procuramos: nem isto, nem aquilo SOCRATES. 6 em particular. Ao_nos abstrairmos assim _das parti- cularidades de cada sitia¢ao concreta, para conservar ‘apenas o que elastém em comum, chegamos a0 con ra mente a reconhecer que € circular esta concha, @ este vaso, e esta roda, antes de saber que o circulo é “o conjunto de pontos eqiidistantes de um mesmo ponto” — e que nao é, pois, nem esta concha da qual n8o tem o brilho, nem este vaso do qual nao tem a cor, nem esta roda da qual nao possui as imperfeigbes, nem mesmo este cfrculo tragado no quadro, espesso e grosseiro, do qual nao tem necessariamente o didmetro. Mas por que temos necessidade do conceito, por que é preciso induzir? A realidade (as realidades, deverfamos dizer) nao tica e mais complexa? Nao vale mai ser corajoso, agora e aqui, na hora deste perigo, do que saber em abstrato o que é a coragem em geral? Sim, sem duvida, mas acontece que, para Sécrates, nao se pode saber uma coisa sem ter feito a experiéncia da outra: em todo caso, n3o_se_poderd agir racio- nalmente enquanto_permanecermas prisioneiros das Gpiniées particulars. Pois o conceito Unico tem ao menos uma superioridade sobre a multiplicidade de casos particulares: 6 isento de contradigdes. Ora, as contradigGes a respeito do circulo podem perturbar © espirito, mas sempre saimos delas: a falta de ter forcosamente um matemético & mao, acabamos por encontrar um compasso. Mas a contradi¢go a respeito dos valores é pior, primeiramente nos seus efeitos: nfo somente ela embaraca, mas também Digitalizado com CamScanner 76 © UNIVERSAL, paralisa a ag80; de fato, ela é mortal. Corajosa ou no a aco dos generais atenienses na batalha das Arginusas? Sdcrates se lembra ainda deste debate agitado na _Assembléia: os seis est8o mortos. E a justiga, entio? Em nome do que é justo e injusto, “os homens est8o suficientemente em desacordo para se baterem por iste e para se matarem uns aos outros... eu o sei muito bem’ relembra esta testemunha das guerras civis jat3o, Primeiro Alcebiades). E 0 préprio Sécrates nao morreré em virtude das contradigdes de seu juri, incapaz inguir 0 piedoso do {mpio? Logo, em moral precisamos, mais do que alhures, de_um_arbitro invarlante, imparcial, acima das opinides particulares —e este arbitro é 0 conceito. Pouco importa que & salba ou nao formulélo, o importante é que possamos pensé-lo para aplicé-lo; a0 menos como © artesio charreteiro que, sem saber definir 0 circulo com a precisio do matemético, sabe a0 menos seguir sempre o mesmo padr&o para fabricar suas rodas: como 0 carro poderia rodar? Légico puro, Sécrates? Longe disto: 0 conceito, para ele, é apenas a ferra- menta do artesio, um instrumento de medida eficaz. e ele restabelece a paz em casa: como jos_os casos de Pois no fundo Sécrates esté pouco ligando para © conceito de coragem enquanto tal, e por isso 0 didlogo parece inacabado. Qual poderia ser a continuagao, é facil induzir. Pois o que Sécrates SOCRATES 7 hoje fez com Laques a respeito da coragem, ontem Socrates fez com Cérmide a respeito da sabedoria, @ amanhi o far com Eutidemo a respeito da justica, @ um outro dia com Eutifron a respeito da piedade, e com algum outro a respeito da temperanca, e assim por diante... £, pois, com os atenienses em geral, 0 que induzir? Que @ coragem, a temperanca sdo virtudes, mas que 2 geral n3o é nem a coragem, nem 2 justica, nem a temperanca... Lembremo-nos do Laques coragem é invaridvel, é ciéncia, mas se é ciéncia, 0 continente 6 demasiado grande para o contetdo. E impossivel agir corajosamente sem saber o que é a justica, e & impossivel que uma aco piedosa seja feia; mais geralmente, uma ac3o boa é sempre conforme a razao. As virtudes nao sao mais multiplas do que os atos corajosos sdo contraditorios. As is sare para além dé suas couduzir_racionalmente, e_esta_maneira_tem valor universal: if Pois bem, dir-se-é, tudo isto € muito bonito. Mas por que seria bem agir bem? Uma pequena desonestidade de passagem, uma pequena cobardia de soldado furtada a atenc&o do general, tudo isto por vezes faz bem, tudo isto por vezes vale mais. Erro, diz Sécrates: um mal jamais pode ser Util, uma falta n8o pode tornar alguém feliz. Paradoxo? E de fato paradoxo no sentido legitimo do ter pois vai de encontro as opinides recebidas: “mui Digitalizado com CamScanner as © UNIVERSAL, gente obteve proveito cometendo injustica, graves injusti¢as e outros no tiveram vantagem, creio, realizando ag®es justas”, faz-lhe notar o Jovem Alcebfades (Plato, Primeiro Alcebsades), que se empenhara logo em experimentar, com delfcia, as “prosperidades do. vicio”. Mas S6crates nao larga a presa: af ainda, enganamo-nos por nao induzir corretamente; vemos apenas nossa pequena vantagem, Corremos atrés de nossa pequena compensagao particular, n3o temos em vista o conjunto, nem nosso bem em geral, nem o bem do homem na sua dimens’o universal. A cada momento, conforme cada impulso, colhemos o que nos parece valer para nés, aqui e agora: um desejo aqui, uma satisfacéo ali, o nariz enterrado neles, sem jamais levantar os olhos. Atrés de que corremos todos a: as cegas? Que tém de comum todos estes desejos particulares, miultiplos e contraditérios? Qual é o conceito universal que poderfamos estabelecer pela razio por trds deste mossico de tendéncias, cadtico e irrefletido? Aquilo_que_va/e_absolutamente_e_em todos os cas6s: 6 Bain; ‘noutros_ terimos,_a, ide. do_homem. Assim o paralelismo é completo: por “ trés de cada provelto particular a indugdo taclorial ~ percebé ridsso Bem supremo, assim como por ‘trds~ de cada ato que vale ela percebe um valor, é por trés de cada virtude, a Virtude, Alids, como poderia ser de outra maneira? Como poderia haver dois valores humanos absolutos (felicidade e virtude) opostos? Como aquilo que vale para todos (o Bem) nao valeria para cada um (seu bem)? A raz%o nfo SOCRATES 79 6 una? Induzindo assim do desejado ao desejdvel, realiza-se pois a Gltima reconciliagio do homem consigo mesmo. Tanto a felicidade quanto a virtude sfo mesmo iéncia para Sécrates, Nicias nio estava errado. [Socrates] dizia que a justica e todas as outras virtudes se confundem com a ciénc 7 pois as acdes justas e todas as acSes virtuosas s30 belas e boas, Ora, aquele que conhece o belo e o bem ndo saberia escolher outra coisa, e aquele que ndo os conhece nfo pode praticd-los” (Xenofonte, Memorabilia). Mas isto nao significa que tais coisas so ncia disto ou daquilo como interpretava a contra-senso Nicias e tantos outros depois dele. No, a nfo é cléncia do hotret'e se confunde com a felicidade- Expliquemo-nos: uma vez que cada um procura © bem, ninguém pode querer conscientemente o mal. Fazer mal é, pois, cometer um erro acerca de seu préprio objetivo — e fazer bem é antes de tudo saber o que é para o homemo bem. O libertino Prisioneito de seus gozos, o tirano sem fé nem lei que se perde no arbitrério, nfo sabem 0 que querem: mals loucos do que Maus, nocivos porque ignorantes. Acreditam-se senhores e so escravos: do momento, do capricho, de seu Préprio desregramento — e do particular, mais uma vez. Ser senhor é antes de tudo ser senhor de si, conhecer-se a si mesmo e aquilo que se quer enquanto homem: é pois saber © que vale sempre e para todos, e que o homem Digitalizado com CamScanner 80 © UNIVERSAL, € raz3o. Quem acredita perder nesta troca, quem cré que esta pequenina vantagem ao alcance da mo vale mais que um Bem longinquo, é um mau especulador: é apenas um estouvado que sé encontra bens mutilados em lugar da felicidade que busca. Balougados pela inconsténcia de seus desejos sem razdo para levé-los a porto seguro, o libertino e o tirano esto perdidos, inconscientes do que neces- sitam. E, a falta de ser seu capitdo, 0 socratismo ndo é nada sen3o esta voz que quer reconcilid-los consigo mesmos: que vossa alma tome o leme, serei vossa bussola. Este Ultimo aspecto é talvez o mais discutivel do socratismo a nossos olhos, ou ao menos O mais fora de moda, para nés que aprendemos a trocar dos “infortunios da virtude”’, e para quem bem fazer e fazer o bem sdo dificilmente sinénimos. Mas 0 ponto aparentemente fraco do socratismo 6 0 ponto aparentemente forte de Sécrates, J4 o dissemos, fgo é um te6rico puro, é um artesfo da moral: lembremo-nos, ele nao escreve; e, Se fala muito, isserta pouco. A Hipias que lhe censurava 0 laco- nismo, ele respondia: “n&o notaste que nJo cesso de fazer ver 0 que me parece ser justo? . A falta do discurso, eu o faco ver por meus atos” (Xeno- fonte, Memorabilia). rova_crucial_da_equacio idade=Virtude, verdadeita quadratura culo, é Sécrates, “ao mesmo tempo perfeitamen' virtuosa_e feliz”, como 0 descreve por Tim Xeno- fonte. Ele vai & vem, vive a vida da praga do mer- cado e fala com quem quer que apareca; escutam SOCRATES a sua exortaggo moral porque o saber irrepreens{vel. Se prega, é pelo exemplo. A melhor prova de que a virtude € ciéncia, 20s olhos dos seus conter neos, é que Sécrates a pratica; ¢ a melhor prova de que todas as virtudes s40 uma, ¢ que ele as retine. Quantos aliés s6 viram do socratismo o préprio Sécrates? Havia para eles algo a entender além desta perfeita adequac3o de seus atos 4s suas palavras, esta proximidade a si mesmo que o distan- ciava das coisas? Pensa-se que ele tenha podido fasci- nar os jovens de seu tempo se se tivesse contentado com 0 conceito? Teriam feito de um escrevinhador um {dolo? Mas este acordo is e_sua_mensagem_a eles foi_dado aint Famente por sua morte. Digitalizado com CamScanner Capitulo 5 a morte oO mais célebre dos silogismos (0 bé-a-b4 da I6gica) se enuncia assim: Todos os homens s&o mortais, Ora, Sécrates é um homem, Logo Sécrates é mortal. Mas Sécrates teria morrido somente por ser mortal ? Curiosa esta insisténcia, j4 notada por Valéry, do exempio escolar em querer que Sécrates tenha morrido apenas por ser um homem; como se, para retomarmos a imagem de Plato, tivesse sido em virtude do movimento de seus misculos e da configuragéio de seus ossos que ele fora parar na prisio. Socrates, nd-lo dizem, desviou-se das pesquisas flsicas que lhe ensinavam apenas esta causalidade amesquinhada. Desviemo-nos por nossa vez, do logicismo estreito em direc8o dahistériae, seguindo-o, busquemos para a sua morte causas morals: por que se quis que Sécrates morresse? Primeiramente os fatos: em marco de 399 .C., we SOCRATES 83 um jovem poeta insignificante de nome Meletos deposita nas mdos do arconte-rei a seguinte queixa: “Sécrates 6 culpado de no reconhecer como deuses os douses da Cidade e de rela introduzir novos; culpado de corromper 2 juventude. jolicitada ¢ a morte.” A lei ateniense reconhecia de fato a todo cidadao o direito de acusar um outro sob juramento. Mas no caso 0 distinto Meletos é apenas um testa-de-ferro; a quelxa foi redigida pelo orador Licon, e ambos so teleguiados por um mais poderoso, Anito: um dos chefes populistas da restauragdo da democracia, provavelmente no assaz seguro do éxito da queixa para ousar nela imiscuir de imediato seu nome. Nao acreditemos todavia que 0 ato de acusacao & feito sob medida para Sécrates: o texto é quase a chave-mestra que servia para se livrarem dos inte- lectuals incOmodos, aquela que |é fora usada contra Anaxdgoras ou alguns Sofistas. A acusacdo de impiedade em particular, a mais grave de todas em relaglo a constituiggo ateniense, no deve ser necessarlamente tomada ao pé da letra: dizia-se ““mpio” como dir-se-ia atualmente ‘“dissidente”. N§o fagamos também de Anito um “monstro sedento de sangue” ou sequer um bruto limitado: é um homem de aco, com conviceGes talvez abruptas, mas muito sinceramente vinculado as instituigdes democréticas e & obra de restauracdo nacional. Entfo, por que este processo? in{clo inimizades pessoais. Houve provavelmente nol Era outrora a explicaco aventada: até o século XIX, eee TY Digitalizado com CamScanner equioz a seduaso se ezjuos| ‘awuj6e1 O e110 ‘eineeoue sasnap 50 e11U0D ,,o1UOWIAP,, 12S 0 @ suaROf so esuo9 soyjar so eBof ‘eyladsas epeu anb sa}e109S sjemoajaqul o 9 :juawepedjsayue opeub\sap F350 opedno o ‘sleuoj2|peu3 sJesOU! saseq se auj-19A}Onap oysno apues6 e esnooid as Opuenb a sajuapaoaid wis eoiojoap! 2 jel18}eW asiio eWIN ap Jes asua|uaye opeis3 0 anb wa O,UOWOW WN «,,oRSTaRqE, ap Spee e@ 4a] osioaid 9 ,,apnyuarn{ ep ogddnusoo,, ejnu94 ep spay 4od ‘TeNFSSEyUTIUe Osse0078 Wn Opn} ap saque 10} saye2s995 ap ossadoid o sew ‘sajueuW ~aayap aquawujarenoid we10y so9;3)j0d soayou! se1s “uexianb as anb ap Wey sope| slop so wanb ap sew ‘opined JanbjenD_ Woo _as-TeysWordod —opesnoar einey enb sjanbe 10d sedan elseAap enb 9 eulsaul |s 3p e12ey epepig e enb ezedull] apues ep ongyeldxa ‘Spoq :eQwiaw ep seBede elyanb eja anb soluqWap soyjan sas enenfuoo seuary ‘saye:99g 41BuNe oy “epeuinue nies seuary lenb ep ‘e11)215 @ ogdipadxa esonsesap ejad janpsuod “$01 ajuaujeuly 2 jeossed epeyies euin ap eIsiA Ws o\dnp oGof opuazey ‘ean ep aaidp ou sobjuul SO ahua 2s-opuelbnyas ‘apepardu ap sauijio snas ap estieo 40d ‘e19ewMUOD 40d a}40W e OpeuApUoD ‘sojnd ~fusse was ossaimuane ‘opdiquie ejad ep\dwioiso9 seu! aqueyiig ezaimeu ‘sapeyqaojy onfyquie eyesowep © @ senjid , o1uuinBues,, eyes00IS11e 0 :soWxgud sn anua opejuoa weiney apepig ep sedesisap Se s0yjau weredijuosiad anb suawicy slop so Opmeigos ‘opie|q owsaw a ‘auojouaxX ‘apIWPD 1,Se1e101S112,, SUNB[e seyuiAno sayuada slew snas se saivuoos agua eyun aja anb apepsan J Zjeuls WO sajue Os! ea Ogu ‘Jeuolseu ogdelji9u09e1 e a jelaB elsjue e Jewiejooid ap eseqeoe as anb wa osidaid oyuawow aisou ‘a opijied wnyuau e opel; esa ogU saye499S 0jUe}as UZ ‘O]-g19 e 4eAa] elapod OUy ap apepl| -euosiad Wy 20913)J0d Ossado.d Win OgjUa 104 ‘sod!AJO soyjno sop elsiioodiy epejsewap was enedjonued $a}e@109g ‘Ope| 04}NO Jod ‘owsjayoucW Op ososapod -0po} a Jopelso snag op epeu Wa} oeU ‘jeossad a ayuejnquie ‘sayes99S ap ,,cJuQWap,, OUaNbad o :epey -4eosep Jas anap asaygdiy e sey ‘owlsjueed op sags -siadns sejad opinBasiad oaJUN snap op o — osob)\a4 ossaooid WN O}SIU WRJIA SOgISIIO sasopeyUaLU0D suNB)y ‘opijgs sew obje epjanp was ejAey ‘sjeossad sejaianb sep a sasooues sop wigje ered sey ‘onod op O1p9 o slene apie) sjew e|4anap anb esopianp ayuab eqn sienb so azua ‘oojP490s O]ND4j9 Op e!DUaN|JU! ® gos opeysa zan ewnBje elaey apmuenn{ ep ayied 20q ewn ‘ep ajuaweldoud ,ogssiw,, e nounp anb Souk @1UJA SO ajueINp :We}apo1 oO anb so sopor ap 4ezIp apod as ogu owsaw o ‘eysueW Was aoaiede bad ee @s anb sowajuaosainy “seploajaqeysa eoeeay ee cae soasis was 9 oeU H "yout ene op sees teu ous fopsobeaea eS eouto0 ou “anb j1ysso1an 9 evo Wa “sojuadooUOD Sn@s ap eWINJA opis 2 “81d “Uleno1d 0 sore) sol eeu 9S ANB sapuar SEW ‘sale109g ap ‘imynsai sou opeig 2S-OPUeI} ‘eLIOISIH ep eys) aLUOW Vv Digitalizado com CamScanner 86 A MORTE educacgio de antanho. A se voltava tanto mais facilm ~ 8 opinigo popular estar s_Ver_nele um_palrador teacdo antiintelectualista lente para Sécrates quanto ha muito Preparada para a ferocidade demagégica ‘© de todos Aristéfanes) ‘inha to F © apresentava como um — Sofistiqueiro_perigoso. E pois como Sofista que o acusam: podem os bons burgueses distinguir as sutilezas dos debates que dilaceram os cfrculos intelectuais? Aos olhos deles todos estes faladores devem ser metidos no mesmo saco. Multiplos motivos justificam pols o Processo: a histéria 0 explica suficientemente bem, ao menos pelas suas circunstdncias. J4 o mesmo nio se pode dizer do seu desfecho e da morte, que nada tornava necessdrios. a Voltemos aos fatos. O processo se inicla dianté de um juri popular sorteado: os Ju(zes sSo -601. 0 trio de acusadores fala primeiro: este lembra os fatos, aquele insiste na influéncia pernicio: Sécrates, aquele outro, mostra sua elimiriactio, medida de salubridade piiblica. Toca 4 Séctutes® falar. Infelizmente ele no cedeu as pressbes de seus amigos e recusou-se a preparar sua defesa ou_mi d compé-la por um advogado profissional Socrates desconfia até © fim da escrita. Ele fala, pois, mas em lugar de recorrer ao poder persuasivo dos discursos codificados aos quais o pdblico esté habituado (sua habilidade dialética Iho permitia), e que lhe teria facilmente granjeado a simpatia dos Jufzes, ele se obstina no seu método de exame moral _ Ae 0atode a } SF dented SOCRATES’ 87 e Ironiza a acusa¢ao; em surna, reincide; mais ainda, vé com ligeireza a quieixd, no entanto gravfssima, ridiculariza os acusadores;. no entanto poderosos, até mesmo a pretender dar ligdes de moral e de civismo ao jdri, no entanto soberano. E no momento em que se esperava — era o hdbito — que ele suplicasse a0 juri a cleméncia, ei-lo que ainda fanfarrona e se recusa a rebaixar-se, Todavia, é apenas por 281 votos (contra 220) que Sécrates é declarado culpado; ele se espanta, alids, com esta fraca maioria, quando se abre a segunda parte do processo consagrada 4 pena:o juri devia fixé-la depois da avaliaggo contraditéria das duas partes. Em vez de mostrar sua boa vontade ao propor pelo menos uma pesada multa, declara tranqiiila- mente que deseja, como castigo, as honras que a patria faz a seus herdls: seria o Ginlco tratamento qué - Julga compativel com sud cofduta, E s6 pela insistén- cia de seus arilgos die igere firalmente Uma: damente ele zomba * 2, Sorte, éstd lancada, sed 1a."A ‘Sasso 6 silgpenisad 2 - Do processo & condenacio, jada esta preestabe-" lecido; da mesma forma, da sentenca 4 execucao muitos desvios ainda eram possfveis, Quis mesmo o acaso que, por razSes de calendarlo religioso, Sécrates se beneficiasse de uma espera de trinta dias na prisio, Digitalizado com CamScanner QL Up “omarpersp ¥- ‘WeBesuaul ens ze} enb ej10W y) “ens ep [0} © :e]e} e10W ejad souNysOo SO JeUNOja) @S _OWOD “esSenjnaiqos an 2 Osjoeld euy-e1y ‘saNeJ0sa synb epeu anb ogiejq ep esau Ounosqo 0 OUWCD BLOISIY EP Ogx9Ij011] E OPELUOIS! essesdap Wag e118} No ‘seu sep seiopesued sousnbad soxno soque, ap oyewyuoUR Op Opjes BI4e} OU esenb sajB109g fequajoyynsuy es@ “eOSOII5 ENS EPA ens ap e197} ‘epeu (0}1:058 BABY OBU :ZaAJe OsseOBIY “OME]Y ap OBsELI0 fejueb e aidwes eyed @s-nowso, @ epjseyuco wag Fase e ‘oys| 40d ‘noxjap sjod ‘opjjues winu ‘osseang 2eyOuap No suejUN}A ejUOI) “e|DUPIs|p ejad Oys06 nas Ojnwins oe Opuerd| & aysOW e aie ayiOW e OpueZ|uoL) “OuWsaw Js ap e0480e e|UOJ! OpNyaigos sey “epua| ens Wa jeUeg OSD LUN JeUJ0} ap oJUOd eB novOAGId aja jenb e ‘ayuawesauiid aysos ep ejuos “en/UgL) “Opus e1-25-41q “sales09g ap eossad e sessede.yin B1sepod Ogu eise ‘aJOW eyS8U OP!}Uas WN Je/jUODUa OysND Opo] e osiseid assoy ag “ed1zjj0d Ogxajjol eNs ap elspeW apepIQ e 2 OyOSo)y O anua opew -MSUGD OIDIQAIP Op Bey ‘aus Op aLJOW e PsBI0YO syewel ofeig o1doid Q ‘sofiwe snas ap sewilsBp| Se @ JayjnW ens ap segdezuae] se Wplap sajes99g anb og ep oyseh win woo 9 :eo1pyed souew epuye 9 213 ‘Jenguednsuy ouprseq winyuau ‘ajua0u] oO 4\nBasiad e sopediugous yey) Op soujajeneg soliquios © ~~ 4od opipin gjduiog wunyu enbes eojBpn g wou | a}ow e1S3 “opiney ay | a tt ‘oyynul opuenb eyep ¥ o 68 sdivu Eyeped anb eviasiy ep | BWP) “OpeIsy O ayue sjemo9|a\U) sop a}.105 e aiqos NO eLOISIH & aigos jesaG ops) ewnyuau ejap sen ‘nb py ogu :epeu exjubis ou ‘$091j9SO}1} sewia}sis sepues6 sop e00d9 e aige a ewsaw js B1gos seu} ap $820]489 sep e00d9 e e1120Ua anb ‘aj1oU! eysa slog "sa1e109g ap |8xopesed e969) eu waq opejsewiap anasosul as ‘enbiod ‘e149)s|}4 ep 22/59) @ edeosa ayiow eng *,,aqes wenbuju,, :zIp aja owoD gwzje ou ewe ens ap BjougnjAasgos BU eypasy *,Opisanb enno ewn 9 0389, :2/p aja OWOD Za}iOW e aula, Ogu ofIUR “ajau sowasayuod enb ajuez4) @ eynbuen edioy ® Woo ‘ojeup ‘ajuawelges enujjuC aja :epeu Woo edwos ogu'se}e1995 sew ‘esnjdns ewn souaw oe no ‘eBny euin agdns o}pyains 0 sjog ‘esneo ens ap ezaysn{ B aysajjuewW ojd)j449es Mas anb eled odeyjepieysa woo wiejouy as anb sersipnq saBuow so owoco No ‘apepsaqi exnjosqe ens senoid eyed ayiow e Ogsayjoose nb apiey sew sojnogs sunbje soo191s3 SoiqgS sop ajanbep edueyjauias e ‘OIpjoins 104 Ogu opny ap uesade ‘opn gnovew as aja ogy 1 B4NDIJ9 & seuary NOd0} aja “eynd]9 @ oWsaw Is e Nap anb aja joj ‘seuayy 10} Ogu 24840 elanb saje400g,, :zeoidsiad oysiu epure 8s-BSOW *,,OJaUIYoI|Od,, ap eAe\eN oO anb “ayoszialN d8y0W e@ novoAoId $a}e499G ‘eduajuas e wea1jdxa SeIGUBISUNDAIO SB 9S ‘ossad01d O nolesep seuary 9% ‘anb 40d ‘ogdeunsqo eysa anb dod ‘ogyu3 “ajap oped rBJBqWasap as edjaueWL danbyenb ap wejia, ‘soyjo so OPEu9a, WeL1a, selopesnoe SOpeujunayap stew snas 4eIXO @1ed opeyanoide say el4apod aja ‘sienb so SLUOW Vv 83 Digitalizado com CamScanner Indicacao de Leitura Os fildsofos talvez sejam criangas crescidas. Ciu- mentos de sua linhagem, necessitam crer num Sécrates-pai-espiritual, ultimo dos Sdbios exéticos, e primeiro dos nossos filésofos; um Sécrates porta. bandeira, justiceiro perseguido, pensador intran- sigente, moralista radical. Que maior caugdo de sua propria importancia do que dizerem-se seus herdeiros? Este Sécrates sonhado, é preciso procurar destruf-lo? Quem o poderia? O mito ou a lenda sfo de qualquer forma mais tenazes do que a historia, quando as fontes sdo suspeitas de jé terem sido fabuladas. Fascinados como muitos ou irritados como alguns, deixemos a pessoa com sua morte e o siléncio, 0 verdadeiro Sécrates, queremos dizer o Sécrates vivo, é a personagem, e antes de tudo a de Plat&o: tio mais presente que este velho teimoso que bebeu a cicuta e t&o mais provocante que qualquer outra paréfrase. SOCRATES a1 Ler Platdo, pois. Qual? Pri dos logos de juventude” consagrados 2 fazer reviver 0 homem e a reabilitar a imagem. Podemos de fato adotar a hipdtese mais comumente admitida: partindo do desejo de recriar senfo a letra 20 meno! 0 espfrito do socratismo, PlatZo ts iramente aquele dito 0 filos6fico”’, para desenvolver suas préprias hae antes de abandonar em suas obras finais um que se tornara demasiado estreito para suas Ultimas interrogagdes metaf(sicas. Ler-se-4 entZo para comegar a Apologia de Sécrates, que relata as minutas do processo; se bem que Plato se mostre af provavelmente mais historiedor do que repérter, ela nao é talvez mais travestida do que aquela atri- bufda a Xenofonte, 4 qual se poderd entretanto compard-la, O epis6dio da prisio e da fuga que no aconteceu € restitufdo pelo Criton. Em troca, 6 preciso saber que nas imortais paginas do Fédon Que evocam sua derradeira conversa antes da morte @ sobre ela, o memorialista deixou definitivamente lugar para o filésofo: as consideracdes que Plato coloca na boca do mestre saem diretamente de sua Prépria filosofia. Limitar-se-4 pois num primelro momento a estas conversas livres, que se acreditari freqilentemente inacabadas, a estas comédias filos6fi- cas de que o Laques nos deu o exemplo: L/sias (sobre 8 amizade), Cérmides (sobre a sabedoria), H (pias Maior (sobre a beleza) ou Menor (sobre a mentira), 0 Primeiro Alcebfades (sobre a conduta do politico), Eutifron (sobre a piedade) . . . Aos quais poder/amos Digitalizado com CamScanner 92 A INDICACAO DE LeITURA ras, Menon, Gorgias, Fedro e naturalm Banquete... oO testemunho de Xenofonte, durante muito tempo considerado mais confiével, é vez por outra posto em causa pelos historiadores, A leitura das Memo. rabilia 6 entretanto necesséria. Encontraremos o texto no volume Sdcrates da colegio “Os Pensadores (Abril Cultural, S30 Paulo, 1972), junto as duas “Apologias” (a de Platio e a atribuida a Xenofonte) e as Nuvens de Aristofanes. Esta feroz carga anti- socratica, outrora rejeitada unanimemente pela tradigo humanista, obteve depois direito atenco dos investigadores do socratismo. E preciso em todo caso [é-la sem esp(rito inquisidor para dela rir sem preconccitos. Quem quiser ver como Sécrates continuou a inspirar a reflexdo filos6fica moderna, pode ler as paginas que Ihe consagrou Hegel nas suas Lipdes sobre a Histéria da Filosofia (tradug30 francesa, tomo 2, Editora Vrin, Paris, 1971); ou aquelas tiradas por Nietzsche 4 sua maneira no “Problema de Sécrates” (in Creptisculo dos Idolos, volume Nietzsche da colegio “Os Pensadores”, Abr Cultural, S. Paulo, 1974). Aquele que definitiva- mente decepcionado por esses retratos e esses ensaios contraditérios desejar um enfoque moderno mais amplo que estas poucas paginas, pode se voltar para Socrate et les Petits Socratiques de Jean SOCRATES 93 Humbert (Paris, PUF, 1967). Quem quiser entrar com espirito de investigador nos meandros do “problema de Sécrates”, pode comegar pela tese assim chamada de V. M. de Magalhaes-Vilhena (Paris, PUF, 1952). A margem de Socrates pode-se desejar situé-lo melhor no seu tempo: A Cidade Grega de G. Glotz (DIFEL, Sao Paulo-Rio, 1980) permite familiarizar-se com o funcionamento das instituigdes: Atenas:-a Histéria de uma Democracia, de C. Mossé (editora Universidade de Brasilia, cole¢do “Pensamento , 1979) dé uma idéia de sua evolugao politica. Pode-se também desejar reencon- trar Sécrates penetrando nesta atitude estranha e intempestiva que é a ironia: assinalemos as andlises delicadas e minuciosas de V. Jankélévitch (L’/ronine, Flammarion, cole¢%o Champs, Paris, 1964). Enfim se, fatigado de tantas palavras coladas a0 seu siléncio, se deseja entretanto continuar a ouvir Sécrates, por que n&o escutar o drama sinfonico de Erik Satie, Socrate (1918), que talvez tenha Proposto o comentério mais despojado? = Digitalizado com CamScanner Sécrates no Seu Tempo | (As datas marcadas com * séo duvidosas) 508 — Reformas de Clistenes que marcam o advento da democracia. 490-479 — Guerras médicas: a Grécia triunfa sobre a Pérsia. 490-456 — Tragédias de Esquilo. 470° — Nascimento de Sécrates 469-405 — Tragédias de Séfocles. 461 — Infcio do papel de Péricles em Atenas. 460-425 ; — Obra de Herédoto, o “pai da Histéria”. 450-406 — Tragédias de Eur{pedes. 444 — Nascimento de Antistenes. um dos orincinais SOCRATES 95, diselpulos da Sécrates, 432 do “ffsico” into Sherates pro- vavelmente Sécrates participa do carco de Potidéia como simples soldado. 430 — Nascimento de Xenofonta. 429 — Epidemia de peste e morte de Péricies. 427 - — Nascimento de Platdo. 424 — Inicio da composicao da obra histérica de Tucidedes. Sécrates participa da derrota ante os tebanos, em Delion. As salva Alcebfades. 423 — As Nuves de Aristéfanes: Sécrates é mostrado nela como um “ffsico” fantasioso e um sofista subversivo. 422 — Sdcrates participa da batalha diante de Anfibole na Tracia, 420° — Crise interior de Sécrates (“oréculo de Delfos) e inicio da “missd0”. 415° — Casamento de Sécrates com Xantipa, de quem terd trés fithos. Exilio de Alceb/ades, antigo Se Digitalizado com CamScanner SOCRATES No SEU TEMPO Ouvinte de Sécrates: . 411888 naPérsia, ** "efugtase em Espairta, =P Fi sofista Prowsgc Pada, exilio e@ morte do ti S. ' i de Melos, dita, C ee © exilio de Diggoras 406 , — Sécrates “pritano” 86 @ contra todos, a ju julgar em blos da batalha das Arginusas aed na Assembiéia, opée-se 404 — Derrota definitiva de Atenas ante a coalisto liderada por Esparta; fim do império ateniense. Instalag3o proviséria dos Trinta Tiranos: Sécra- tes recusa-se a obedecer a eles, 403 — Restauragio diffcll da democracla e “reconcl- Mago geral””. 399 — Processo e morte de Sécrates. —* Primeiros didlogos de Platao. 308 Panfleto anti-socratico de Pol/crates: “Acusagio de Sécrates”. bilia e —* Xenofonte responde com as Memoral talvez com uma Apologia de Sécrates. 387 PlatSo funda em Atenas 2 primeira escola filoséfica — a Academia. Biografia Nasceu em 1950, na Franca, Formou-se na Ecole Normale Supérieure, onde também leclonou, apés ter obtido a agré- gation em Filosofia. Velo para o Brasil em 1980, para ensinar Filosofia Antiga, na USP, no quadro dos acordos de cooperaco cultural com a Franga. Escreveu, além de vérios artigos, um livro sobre Lucrécio, Publicado na Franca: Logique de L’élément (Paris, PUF, 1981), Digitalizado com CamScanner

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