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O AFRICANO INDESEJADO, COMBATE AO TRAFICO, SEGURANGA PUBLICA E REFORMA CIVILIZADORA (GRAO-PARA, 1850-1860) José Maia Bezerra Neto’ m 13 de janeiro de 1852, o inspetor do Tesouro do Paré, Manoel E D’Almeida Pinto, oficiou ao presidente da provincia sobre a necessidade de uma tabela de vencimentos dos operiios artifi- ces e serventes do Arsenal de Guerra, convindo que os jomais pagos aos livres fossem superiores aos dos escravos, pois achava importante “animar aquelles a concorrerem ao trabalho e procurar se acabar com a acquisigio dos escravos nas RepartigGes Pablicas, conforme as Dispo- dos Decretos de 25 de junho ¢ 20 de setembro de 1831”; julgan- do set “o mais conveniente ao servigo ter bons operdtios, pagar-lhes bem conforme as suas habilitagdes de que ter escravos com diminutos vencimentos”,! inspetor revivia a legislagao da década de 1830, que excluia os escravos dos servigos dos estabelecimentos publicos, havendo traba- Ihadores livres, perfilhando o espirito da época da aboligdo do trifico de incentivo ao trabalho livre, expresso por legisladores e autoridades piiblicas, que, por meio de “atos legislativos, executivos e administrati- Professor Adjunto da Faculdade de Histiia da Uaiversidade Fedora! do Pas APEP, Secretaria da Presdéncie da Provincia (doravante SPP), Ofcios da Thezouratis do ars (doravante OP), 0 1852, ex. 16, Ofiiom 9, doInspetor Manoel Antonio D Almeida Pinto ao Presidente da Provincia, Dr Fausto Augusto de Aguiar, de 1/01/1852, Aorbia, 44 2019) 171-217 m vos”, tratavam da “exclusio dos escravos de certos servigos, principal- mente piiblicos, ¢ também até do servigo agricola, v. g., nas colénias”” Tanto que, no ano em que Almeida Pinto fez seu oficio ao Presidente do Para, aprovou-se a Lei Geral de 26 de junho de 1852, proibindo o uso de escravos na construgdo ¢ na conservagio da estrada de ferro D. Pe- do I? 0 inspetor era um confiante partidério do trabalho livre, pois di- ia ter “intervindo para que se levasse a effeito a creagao da Companhia dos Menores, que a ser bem administrada, poderd vir a ser de grande utilidade”. Referia-se & Companhia de Aprendizes Menores do Arsenal de Guerra, instalada em 2 de setembro de 1842, com o engajamento de até 50 meninos livres pobres, de 8 a 12 anos. Almeida Pinto também sugerit a ctiagao de um “Corpo de Operatios artifices” no Arsenal de Guerra, tal qual na Corte, pois, s6 assim, se teria de verdade um arsenal na provincia, convindo “que se déem garantias aos operarios livres, a quem se deve proteger mais do que aos escravos Em 13 de fevereito de 1852, Almeida Pinto comunicou ao presi- dente a dificuldade da Thesouratia da Fazenda, adjunta a0 Thesouro Piblico Provincial, de fazer pagar os jomais dos operirios, os soldos dos soldados e dos marinheiros, os proventos dos funcionarios pibli- cos, bem como aos fomnecedores, porque dirigentes de varios érgios descumpriam as formalidades e os prazos previstos pel que, desde a sua recente criagdo, centralizava os pagamentos. O inspe- tor dizia que, dentre as virias conveniéncias de manter os pagamentos em dia, “principalmente quando ha dinheito em cofie”, havia a de reter no servigo a classe dos operitios livres, “na mor parte composta de homens pobres que vivem do seu jomal”, que ndo pagos em dia “des- gostar-se-hao e despedir-se-hio dos servigos dos Arsenaes, preferindo ‘Thesouraria, (Cr. Agostisho Marques Pedigio Maheir, A escraviddo no Brasil ensaio hstrico,jrid co, soctal- I parte e apéadce. Volume Il, Pewépolis:Vozes Brasilia: INL, 1976, p. 90. Ver fambem nota 342 © 344 Sobre a Compania de Menores, ver APEP, SP, Offcios do Arsenal de Gucta do Pats no: 1852-1853, ex. 168, Relatdrio do Arsenal de Guerra ao Presidente da Provincia, Conselhe 10 Sebastito do Rige Barve, asinade pelo bacharel Joaquin Jerénime Barrio, Copii Director intrin, de 1SIL1/18S3, Sobre 38 propostas APL, Ofcio m9 do Insptor Manoel Antonio 1 Almeida Pinto ao Presidente da Provincia m Arosa. 44 BON, 171-217 's obras particulares, e ahi se continua com o reprovado systema de chamar-se os escravos”.* 0 trabalho escravo nao tinha as simpatias do inspetor, tanto que, propondo um “projecto de Instrugdes provisérias para regularisar 0 set- vigo das obras piiblicas”, estabelecera que “Serdo preferidos os Mes- tres, Operdrios e Serventes livres aos escravos para que se precederio annuncios nos jomaes”. Mas, ele parecia sensivel & condigdo dos escra- vos. Em 8 de maio de 1852, sugeriu ao presidente uma gratificagio de 29 réis didrios ao “escravo da Nacdo Antonio Ferreira, empregado no Arsenal de Guerra como servente dos Aprendizes menores”, que rece- bia a “mesquinha gratificagdo” de 6 réis didtios, “ndo se Ihe dando nem ‘a0 menos roupas para vestit-se”, dizendo ser “isso uma injustiga”, que, cortigida, permititia 20 cativo “vestir-se, e aplicar 0 mais no que Ihe parecer mais itil a suavizar sua triste condigio” > Vé-se um graduado servidor piblico ¢ suas preferéncias pelo tra- balho ¢ pelo trabalhador livre, ao menos nas obras ¢ nos servigos pibli- cos, exemplo de como, particularmente na segunda metade do século XIX, uma nova mentalidade, associando a escravidao ao atraso materi- al e moral, aos poucos galgava simpatias, sendo o fim do trafico parte dessa mudanga da opiniao piblica;® pois, se, na época colonial, 0 esera- vo era visto como meio para o desenvolvimento ¢ a prosperidade da coldnia lusa na Amazénia, tal qual no Estado do Brasil,” no século XIX “PER, SPR, OTP, sno 1852, eX. 166, Ofclom 28 do Inpetor Manoel Antonio D Aida Pinto ‘0 Presidente da Provincia, Dr Fausto Augusto de Agia, de 1302/1852. Sobre & ‘raga da Thezourara da Fazenda, ver Offcio do Inspetor Manoel Antonio D'Almesa Pinto ‘a0 Presidente da Provincia, Dr. Fausto Augusto de Aguiar de 20011852. * ABER, SPP, OTP, eno 1852, x. 166, Ofleio m7 do nspetor Manoel Antonio D'Aimeida Pinto ao Presidente da Provinla, Dr Fausto Augusto de Aguiar, de Y7OAI8S2; © Ofcom 110 do Inspetor Manoel Antonio D'Almetda Pinto ao Presidente da Provincia, De. Fausto Augusto de Agar, de 08081852 Sobre oinitopblica no méco, ver Angel ont, lias em movimento: a gerade 1870 ‘na crise do Brai-lgeri, Sho Puls Paz e Ter, 22, Segundo Alonso, a opi plik ra 4 expresso dos anscios eos sentimenos, a vor ds clases propicinas, esta a0 aniverso Socal ds cidadios poradores de dzsitospoicos como vetastes¢ potas eandidatos. CC. Colin M, Maslaclan, "Affican Slave Trade and Economic Development in Amazin, 1700-1800", in Robert Brent Toplin (ed), Slavery and Race Relations in Lat America (contbuions in: Afro-American and African Studies, nui 17, Westport, Connecticu Londzes: Greenwood Press, 1978), pp 112-l4S. Rael Chambouleyro,“Eservos do Aint ‘co equatorial trifico negreio pars 0 estado do Marandfo Pars (eéeulo XVII e inicio do século XVII", Revista Brasileira de Histria, v.26. 52 (2006), pp. 79-118 Aorbia, 44 2019) 171-217 v8 {id seria diferente, tomando-se 0 dito “problema servil”, ineluindo ai o trafico negreiro. Nesse sentido, focando a provincia do Pari, discuto o fim do tré- fico de escravos afticanos na década de 1850, vendo a possivel agdo dos traficantes no Titoral paraense e a necessidade de sua repress como reveladores de outros eixos para se entender 0 combate ao trafi- 0, tais como a preocupagao com a manutengio da ordem e da seguran- 4 piblicas, bem como a adogdo de reformas de caréter civilizador, sen- do o fim do tréfico a mais importante delas. Assim, compartilho, em. larga medida, com o que a historiografia mais recente tem escrito sobre o trafico e as razdes de seu término, lembrando que hum longo debate historiografico sobre o final do trtfico, enfatizando desde o debate parlamentar, a pressio inglesa, a convergéncia de inte- resses das elites agririas e politcas até as perspectivas mais recentes que destacam o papel do controle sobre os eseravos, temores de revolta © afficanizagao.* A historiogr tal qual o livro do iniciada ainda no calor da repressio a0 trafico, mnselheiro, politico liberal e advogado Tito Franco de Almeida, O Brazil e a Inglaterra ou 0 Trafico de Africanos, de 1868, cuja tese defendia que, apesar das pressdes inglesas, coube ao Brasil 0 mérito da aboli¢ao do tréfico, opondo-se aqueles que viam o fim desse comércio ilegal apenas como resultado do ato de forya inglés, através do Bill Aberdeen de 1845, sendo esta a versio briténica da histéria. Por sua vez, Aureliano Céndido Tavares Bastos, politico liberal ¢ advoga- do, em Cartas do Solitirio de 1863, mesmo reconhecendo a importan- cia inglesa para a aboligdo do trafico, diante, muitas vezes, da fraqueza dos governos brasileiros, demonstrou que ndo coubera aos ingleses 0 inicio dessa luta, mas aos norte-americanos e aos franceses durante seus govemos revolucionérios, em fins do século XVIII, ainda que a Ingla- terra, na condigdo de grande poténcia da época, tenha dado o tom ¢ feito CC. Flivio Gomes & Mariana Blanco Rincéa, “Escravidto, Nagdo ¢ Abolijlo no Brasil ¢ ‘Vencruca: noias sobre perspectvas eomparads", Cadeynas do CHDD, ano TV, m. especial (2005), pp. 107-132, ciagae da p 129. Ver também, Roguinaldo Fertira,“Aboicionismo ¢ fim do tafico de escravos em Angola se, XIX", Cadernes CHDD (2008), pp. 159-176, em cespeval ap. 159 ™ Arosa. 44 BON, 171-217 toda a diferenga na solugo da questio; mas, ainda assim, para Tavares Bastos, coube ao Brasil, reabilitando-se junto as na contribuir, nos idos de 1850, para dar fim a esse ““infame comércio”, que tanto maculava a sociedade brasileira. J4 0 advogado, ex-Curador dos africanos livres, Procurador dos Feitos da Fazenda Nacional e poli- tico conservador, Agostinho Marques Perdigio Malheiro, em 4 escra- vidéo no Brasil. Ensaio Hist6rico, Juridico e Social, de 1867, tratou da articipagao inglesa no trifico de escravos africanos até 0 inicio do século XIX, quando passou a combaté-lo como parte de seu jogo politi- co, visando ser senhora dos mares, avocando para si o direito de pol amento dos mares ¢ dos portos. Critico da prepoténcia inglesa a pretex- to de combater o trafic, desrespeitando os principios dos Direitos das Gentes ¢ a soberania brasileira, enfim, os préprios tratados com 0 Bra- sil, Perdigdo Malheiro demonstrou que o trdfico feito “quase que exclu- sivamente por estrangeiros” continuou, apesar da repressao britanica, sendo justamente a mudanga da opiniao piblica brasileira e interacio- nal o fator importante para 0 combate a0 comércio ilegal de africanos, cabendo ao parlamento e ao governo brasileiros decisivo papel na sua extingio.” Quando Tito Franco, Tavares Bastos ¢ Perdigiio Malheiro publi- caram seus livros na década de 1860, a questo do trifico ainda estava em aberto, apesar de jé extinto 0 comércio ilegal de afticanos para 0 Brasil, pois, além do Bill Aberdeen ainda nao ter sido revogado pelo governo inglés, “dois outros aspectos da quest vos continuaram a azedar as relagdes entre a G por mais de uma década depois que o préprio comércio tinha sido supri- mido”,” ou seja, as demandas relativas as indenizagdes reclamadas con- tra a Inglaterra por sua ago naval e policial de combate ao trafico con- ‘ra a marinha mercante brasileira; ¢ o destino dos africanos livres intro- ss civilizadas, do comércio de escra- Bretanha e o Brasil (CE Tito Franco de Almeida, O Bran! ea Inglaterra ou fico de africanas, Rio de Janeiro: ‘Typographia Perseveranga, 1868. Auscliano Candido Tavares Basos. Cartas do solr, [Rio de Jani: 1863, 2” ed, pp. 108-109, 112, 126-129. Perdido Malheio, exert, pp. i, 3-44, 49, 51, 52-57, Sobre esse debate, ver Leslie Bethel, Aboigdo do comércio brasileira de escravos. A Grirtana, 0 Bra! e 0 questo do comenia de ecravoe 1307 1869, Brasilia: Sena Federal, Conse Editorial 2002, pp. 383, 40, 408-408, * CE Bethel, 4 Aboligd, . 427, Aorbia, 44 2019) 171-217 5 duzidos no Brasil, desde a década de 1830, ¢ ilegalmente escravizados. Segundo Bethell, 0 dpice da ter centre Inglaterra ¢ Bra- sil deu-se com a Questo Christie, fato relacionado com os problemas em aberto do combate ao trifico de escravos afticanos." Dai a critica de Petdigdo Malheito a recusa da Inglaterra em pagar as indenizagdes io nas relay por apreensdo de navios julgados més presas pela prépria comissio mista, ‘anglo-brasileira] em Serra Leoa, pretextando que, ndo obstante (ais decisoes, 0 Governo Inglés tinha a convicedo de que esses navios se destinavam a uma empresa ilegal.!” Mas se o direito ou ndo as indenizagdes nao se resolvia, Malheiro, pelo menos, se satisfazia com 0 fato de que a Inglaterra, em novembro de 1865, quando do restabelecimento das relagdes diplométicas entre Brasil e Gra-Bretanha, nao mais renovou sua questo em tomo dos afti- canos livres face a0 Decreto brasileiro de 24 de novembro de 1864, declarando emancipados todos os afticanos livres existentes no Impé- rio, Restava, entdo, a revogagio do Bill Aberdeen, segundo Malheiro, “uma questo, ainda de honra e dignidade da Nacdo [brasileira]”, ato s6 revogado pelo governo inglés em abril de 1869." No século XX, a perspectiva historiogritfica anterior acerca da extingdo do tréfico, postulando um papel importante para 0 governo mondrquico, apesar das pressdes fiscais ¢ diplomiticas © das agdes na- vais inglesas, parecia no caber mais na meméria ¢ na histéria escrita pelos republicanos, ectipsando-a. A historiografia nove razdes econdmicas ¢ politicas, associadas aos interesses das elites agré- rias ¢ politicas brasileiras, como eixo para se pensar a aboligdo do tréfi- co sob peso diplomético do “tacape” da Gra-Bretanha, que assim agiria em defesa dos interesses do capitalismo industrial e de suas colénias produtoras de agicar do Caribe."* Razdes essas, todavia, que estudos mntista buscou (CE Bethel, A Abolipdo, pp. 427-428; 430-431 ® CF. Pendigio Malheito, 4 escraidi,p. 49 (dstagues do autor. ” CF. Perdipio Malheito, 4 escravidi,p. 68. Sobre o Bill Aberdeen, ver Bethel, A Aboigdo, pp. 433-434, « Sobre o debate historigrifico da incompatible do trifcoe dt exeravido com 9 capita Hismo industrial, ver Ferra, “Aboicionisme", pp. 159-160, Consular também Bethel, 4 Abolicae 16 Arosa. 44 BON, 171-217 mais recentes sobre a escravidio, o trfico ¢ o seu fim no Brasil e em outras partes do Atlantico tém posto em questo, atentando para outras possibilidades cognitivas, tal como o “papel dos escravos, como forga de ruptura - real ou imaginada —da ordem social escravista (que) apare- ce como um elemento-chave do contexto que desencadeou 0 fim do trafico”."* Diversos historiadores vém chamando a atengdo em seus es- tudos sobre os mundos da escraviddo, nos quais se inseria o tréfico, pata a situagdo de medo das elites diante da possibilidade de revoltas, escravas sob 0 espectro do hitianismo, bem como 0 temor de uma irreversivel africanizagdo do Brasil, que comprometesse seu potencial como civilizagdo, como razdes suficientemente fortes para se acabar com 0 trifico de cativos africanos, questies, alis, j4 indicadas antes por Leslie Bethell."" Além do mais, o préprio estudo do tréfico no Bra- sil, ja faz alguns anos, deixou de ser quase sempre um capitulo dos trabalhos sobre a escravidao, a excegdo de alguns importantes estudos,"” tormando-se tema de investigagdes especificas de uma historiografia econdmica, social e politica, renovada pelos avangos metodolégicos & tedricos da pesquisa histérica desde ao menos a década de 1980." 5 Cr Feria, “Aboicionismo" p. 159, °* CE, por exzmplo, Robert Slens. "Malungu Ngoma vem: Aficaeobertae descoberta no Bis sia Nelson Aguilas (og), Mosira do redescodrinent: nero de corpo alma (So Pa To: Astciagso Brasil 500 Anos Artes Visas, 2000), pp. 212-288; Sidney Chalo, dela de febril. Cortios spidemiae na Corte imperial, Sto Paulo: Companhia des Lets, 1996; Flivio Gomes, Histrias de qulombolas: mocambos ¢ comunidades de sencalas Rio de Janeiro, séeulo XIX, Ro de Janeiro: Arquivo Nacional, 1994; Flavio Gomes, “Experincias ‘eanstlitca signiicads locas: ideas, temorese nanativas em tome do Hai no Brasil csoravista, Tempo, v. 7,13 2002), pp. 209-246; Dale T Graden, “Ue let a de seg ‘ang pba’ resisténcinexcrva, tenses soci eo fim do trfico interacial de ests ‘Vos pata o Brasil 1835-1856)", Estudos Afo-dsitieos, v.30 (1986), pp. 113-180; Bethel, Aboligdo.Ainds sobre a sndzome do hatanimo, ver Lule Mot, “A revolve dos negros do Hai eo Brasil", Histéria: Quesies & Debates, v3, m4 (1982); ¢ José Maia Bezera Neto, “usados e insubordnados.Protesto e fagas de esravos a Provincia do Grio-Par (1840- 1860)", Topo, v2 (2001), pp. 73-112. Para uma critica dessehistriograia recente, ver Jefe Neodll, "The Abolition ofthe Brazilian Slave Trade in 1880: Historiography, ‘Agency and Statesmanship", Journal of Latin American Studles, . 33 (201), ‘Ver, por exeopo, Bethel, Aboliedo: Robert Conrad, Tambeiros o tric de eserves para «2 Brasil, So Paulo: Brasilens, 1985; Pere Verge, Fluzoe ejluca. Do trie de excraos ‘entre 0 Golfo do Benin «a Bahia de Todos os Santas. Dos séculos XVII a XIX, Salvadr: CComrpio, 1987; Luis Henrique Dias Tavares, Comério proibide de escravos, Sho Paulo Editors Atica, 1988, CC, por exemplo, Manolo Florentino, im casts negras. Una histiia do rafio de eseravos ene a Aiea eo Rio de Janeiro (Séeulos XVIN-XE, So Paulo: Companhia ds Lats, 1997; Aorbia, 44 2019) 171-217 wm Nessa perspectiva, o combate ao tréfico assumia importancia como questio social e politica, que afetava também o Grio-Pard, ainda que 0 ultimo carregamento direto de escravos da Africa para Belém tenha sido em 1834, ndo sendo uma atividade econémica importante para a provincia paraense, tanto que a populagdo cativa africana era bastante pequena, sobressaindo-se a crioula, desde ao menos a década de 1850." Entendo, todavia, que se a auséncia desse trifico revela a incapacidade da provincia em disputar escravos afticanos com outras areas brasile ras junto a0 continente afticano,” incapacidade que parece definitiva com 0 estouro da Cabanagem (1835-1840), néo quer dizer que 0 estudo da repressio a esse “infame negécio” no contexto do Grio-Para, ainda mais sendo uma provincia maritima, seja por si sé desimportante e nada nos possa dizer; reduzir a presenga do trafico $6 ao seu sentido estrita- mente econdmico leva-nos a perder de vista outras histérias em torno nfo s6 de sua auséncia, mas, principalmente, das razdes que o levaram a ser extinto, Nesse sentido, questo pendente desde as primeiras déca- das do século XIX, a extingdo do trifico atlantico de escravos aftica- ‘nme Rodrigues, Oinfame comérco: propostase expriéncas no final do tific de aftica nos para o Brail (1800-1850), Sto Palo: Unicamp, 2000; Jaime Rodrigues, De costa costa. Escravs e tripulantes no tifico negreira(Angola-Rio de Janeiro, 1780-1860), Sto Paulo: Companhia das Levas, 2000; Rogunaldo Fete, “Transforming Atlantic Slaving: ‘Trade, Warfae and Testval Cosel in Angola, 1650-1800" (Tese de Doutorado, Univers: ade da Califenia, 2003). Ver, ainda, José Curio, “Aleohol and Slaves: The Ls Brazilian ‘Alcohol Commerce st Mpinds, Luanda, and Benguela During the Alantie Slave Trade 1480-1830 and is Impact onthe Societies of West Cenil Alia” (ese de Doutorado, Uni- versdade da Celfémi, 1996; bem como Luiz Felipe de Aleneasto, Otro ds vente: a Jformagao do Brat! no Alinco Sul, Sto Paslo: Companhia das Letras, 2000; e Alberto da ‘Costa © Silva, “O Brasil, « Affica € 0 Allatico no ssoulo XIX", in Aguilar, Mostra do redescobrimento, pp. 74-96 ‘Vicente Salles, Ovncgro no Pard, sob o regime da escravidée, Belém: FundagSo Cultural ‘Tancredo Neves, 1986 Sobre o pequeno percent deafieaos, na primeita metad da dca. dda de 1850, Liciana Batista demonstra que nos invenros da rei de Belém aalisads (6% dos escravos eram africans, sendo 94% crouos. Cf. Luciana Marinho Batis, “Demo- ‘afi, familia eesstncia escrova no Grlo-Part (1880-1855) in José Maia Bezerea Neto © Désio Guzman (Orgs), Terra marura. Hstoriografia e Histria Social na Amazénia (Bele: ditora Paka Tatu, 2002), pp. 201-230, patiularmente ap. 215, ‘Ver Maclachlan, “African Slave Tade™ Anda sobre o tifio pars Amazdia st as prime 12 ddeadas do seulo XIX, Anaiza Verpliso e Silva, “O negro no Para A noticia hist fn Carlos Roogue (ong), Antologia da cultura Anazinica, Vo, VI, Antopologia Foelore (Belém: Amazénia Haiydes Cultuais LIDA/AMADA, 1971), pp. 17-33. Ver também José Maia Bezerra Neto, Escravddo negra no Grao-Para, séculas XVIPXIX, Belém: BitoraPaka- ‘Tetu, 2001, 1 Arosa. 44 BON, 171-217 nos, a partir de 1850, se insere no proceso de desconstrugdo da escra- vidio, marcado por suas id: ‘ontinuidades. Compreen- sio essa que compartilho com parte da historiografia, lembrando Maurilio de Gouveia, quando disse ter sido a “lei de 1850 [Lei Eusébio de Queiroz] a primeira e decisiva etapa na histéria da extingdo do cati- veito no Brasil”: o que, alids, ja diziam os sujeitos a época, quando, por exemplo, D, Pedto II respondeu aos emancipadores franceses “du Comité pour I’ Abolition de I’Esclavage”, em 1867, que: “A emancipa- edo dos escravos, conseqiiéncia necesséria da extincgao do trifico, era ‘uma questo de oportunidade”” Impasse que Perdigio Malheiro, defi- niu bem: “O fio de Ariadne era este: extingdo do trdfico © depois a aboligao da prépria escravidao’ uos ou di Todo zelo na repressao ao trafico Em circular reservada aos presidentes de provincia, em 14 de abril de 1852, 0 ministro da justiga Eusébio de Queiroz ponderou que se crian- do “a maior somma de interesses contriios ao trafico”, deviam ser apli- cados “em favor dos habitantes do litoral os mesmos prémios” pagos 205 “apprehensores no mat”. Assim, devia fazer o Presidente do Pari, “especialmente n’aquelles pontos da costa em que os desembarques se possam mais facilmente verificar”, sendo necessério, porém, fazer" muito claramente” que os antir prémios serdo dados unicamente no caso de ser feita a apprehenso no acto do desembarque, ou immedistamente depois, ¢ antes que [os afti- ceanos] possam ser-se confundidos com os eseravos anteriormente exis- tentes, pois da supposisao contrériaresultariam graves inconvenientes:* 2 Ch Mauro de Gouveia, Histéria da escravidio, Kio de laneto: Gréfica Topy LTDA Bato 12,1955, p. 126, Apud Evarsto de Moraes, A escravidio africana no Brasil (Das origens 6 extincedo), $80 Paulo: Companhia Edtora Nacional, 1933, p. 107. Ver também Francisco Luiz Teixeira ‘Vinhosa, “A emancipaggo dos escravos. A podra que podria esmagar D. Peto I", Revista do THGH, ¥. 149, n. 358 (1988), pp. 1-15, CF, Perdigso Mabeio, 4 eseravidan,p 4, [APEP, SPP, Oficios do Ministerio dos NegScios da Justiga (ag adiante OFMNI), ano 1850-1859, ex. 145, Circular revrsa do Minstro © Secretaria de Eade da Justia a0 President da Provincia do Par, de 14I08)1852 Aorbia, 44 2019) 171-217 18 ‘0 que demonstra os limites impostos A repressio do trafico no respeito & propriedade escrava, particularmente em relagdo aos afticanos impor- tados escravizados ilegalmente, apés 7 de novembro de 1831, e antes de 4 de setembro de 1850, 0 que & possivel apreender do discurso de Eusébio de Queiroz na Camara dos Deputados, em 16 de julho de 1852, quando justificando a manutengao da Lei de 7 de novembro de 1831, apesar da aprovagao da Lei de 1850, dizia que cabendo a primeira com- bater o trifico antes de 1850: 6 deixar que a respeito do passado continue sem a menor alteragio a legislagdo existent. (..) Assim deixar subsistr essa legislago para o passado, é anistié-lo; evogé-la para 6 futuro s6.no ato da introduyao ‘dos afticanos), écriar 0 perigo s6 para os introdutores.* Em sua circular reservada, Fusébio de Queiroz determinou, ain- da, que havendo qualquer apreensdo devia o presidente informar-se das circunstancias e decidir se era o caso de se pagar o prémio, relacionan- do as pessoas que o meregam, conforme informagao prestada ao Minis- tério da Justica.”* Esse ministro, ainda em abril de 1852, confidenciou aos presidentes de provincias que Ihe constava organizada ou deve organizar-se brevemente uma associagdo para fazer 0 trifico de A fricanos nos Portos do Brasil, endo ramificagées em Lis- boa, Ilhas dos Agores, Havana, Montevideo e no Império, ¢ que muito provavelmente se serviré em suas especulagdes criminosas das bandei- ras Americana e Sarda, Dai, recomendou “muito particularmente” aos presidentes que dessem “todas as providéncias, com o fim de evitar que tal associago tenha bom éxito em seus intentos, quer se sirva d’aquellas bandeiras, quer de qualquer outra”; prevenindo-os igualmente das suspeitas de que © brigue Pedro II, construido por conta de Thoma da Costa Ramos, “j foi comprado, ou sel-o-hi por essa mesma associago”, sendo necessé- © Ch, Diseuso de Eustbio de Queiroz de 16UT/I8S2, apad Pedigto Mali, eseravidio, pis 2% APLE, Circular reservada do Ministrio © Secretaria de Estado da Justia ao Presidente da Provincia do Pard, de 1081852, 180 Arosa. 44 BON, 171-217 ria redobrada vigilincia a respeito desse navio, “como suspeito de des tinar-se ao trafico de Africanos”.” Thomaz. da Costa Ramos, ao lado de Manoel Pinto da Fonseca e de José Ferraz Corréa, era um dos“ pais abastecedores de negros das provincias do Rio de Janeiro, Bahia ¢ Pernambuco”. Sobre o brigue Pedro II, em 9 de novembro de 1851, Eusébio de Queiroz ja dissera ao Presidente do Paré ter-se iniciado sua constru em 1849, entrando em junho de 1851 no porto de Génova, rebocado por um vapor. Disse, ainda, que o dono do navio, construido rinci- cevidentemente para empregar-se no trifico de Africanos, como que mudou de destino e tratou de dar-lhe outra direegio na construcgio, cespalhando que era para a Marinha Imperial, preparou-o para receber artilharia ¢ pondo-Ihe na popa as armas Brasileiras, deu-Ihe o nome de “D. Pedro II Contou também que, desconfiando set uma dissimulagao, mandou © cénsul do Brasil em Génova examinar o navio, mas seu dono nao per- mmitiu. Assim, era possivel que “esse navio ainda se destine ao trafico de Africanos”, sendo necessaria “a maior vigilincia a respeito d’elle, emba- ragando a sua viagem para qualquer parte sem que seu destino licito seja muito patente e corroborado por uma fianga efficaz”, caso toca ral paraense, sendo descritas as suas “dimensdes principaes”. Em 12 de dezembro, Eusébio de Queiroz alertava que o brigue Pedro II deixou Genova, tocando em Marselha, com destino ao Rio de Janeiro.” © 0 lito- 0 uso de bandeiras de certas nagdes por navios negreiros era também parte das estratégias dos traficantes, pois ficavam sob a prote- edo das leis de paises sem acordos com a Inglaterra, permitindo o direi- to de visita, busca e apreensio miitua de navios suspeitos de tréfico, 2° APER, SPP, OMNI, ano: 1850-1859, cx. 146, Circular reservada do Ministerio e Seeretaria de Estado da Justiga ao Presidente da Provincia do Pard, de 1V04!1852. * Ch Gouveia, Huta da escravido,p. 129. Sobreo poder desss uafcantes, ver Bethel, A Abvoigdo,p. 325,328,330, 387, 388 6 400, * ‘APEP, SPP, OMNI, ao: 1850-1859, ex. 146, Circular reserva do Minitrio e Secretaria ‘de Estado da Justia ao Presidente da Provincia do Para, de 9/1/18; ¢ Ccalar reserva dado Minstro ¢ Secretaria de Estado da Justica ao Presidente da Provincia do Paré, de nanaissi Aorbia, 44 2019) 171-217 181 ainda que tais nagdes proibissem 0 mesmo, O uso de bandeiras estran- geiras por traficantes brasileiros ou residentes no Brasil vinha desde quando 0 governo imperial proibiu o tréfico, no inicio da década de 1830, sendo a primeira opgdo 0 uso do pavilhdo portugués.” Exemplo disto ¢ a corespondéncia reservada de José Ildefonso de Sousa Ramos, ministro da justiga, de 22 de junho de 1852, comunicando ter 0 patacho portugués Paguete de Luanda zarpado do porto do Rio de Janeiro com escalas para a Costa da Afica, j4 que demonstrou empregar-se no co- mércio licito, ainda que houvesse “fundadas suspeitas de que na Costa Africa se arme para 0 trafico, e traga africanos para algum de nossos portos”; daf Sousa Ramos informar os sinais do patacho, recomendan- do ao Presidente do Paré “sobre elle a maior vigillincia, prevenindo-o de que se entrar nos portos dessa Provincia dentro destes seis mezes 0 dito pataxo, deverd logo ser detido para sobre elle proceder-se aos exa- mes necessitios”, Ainda sobre suspeitas envolvendo navios de bandeira portugue- sa, em sua circular reservada de 17 de maio de 1856, 0 ministro José Thomaz Nabuco de Araijo relatou ao presidente da provincia paraense noticias de que, em 9 de margo, saiu do porto de Sio Martinho, na costa norte de Portugal, o patacho Roberto, de propriedade de Miranda Mag- no Femandes, suspeito de empregar-se no trafico de afficanos, “nado sé pela grande quantidade de mantimentos e aguada”, mas “também por ter deixado furtivamente as diguas do referido porto, evitando assim as averiguagdes e pesquizas das autoridades locaes, que desconfiavio do verdadeiro destino desse navio”; pelo que convinha ao presidente dar as suas ordens &s autoridades litordneas, “a fim de que ficassem adver- tidas ¢ vigilantes sobre o destino e o projeto do patacho ‘Roberto’, pro- videnciando sobre sua aprehengiio ¢ perseguigdo dos criminozos”. Anos antes, em 29 de setembro de 1852, 0 ministro Sousa Ramos informara aos presidentes das provincias litordneas que varios navios de bandeira portuguesa e sarda, “sobre os quaes pesdo suspeitas de se destinarem a0 trafico de Africanos”, deixaram o porto da capital da Bahia, uma vez * Ck Betbell, A Aboligdo pp. 121-123, 221 © 326, AER, SPR, OMNI, anor I8SO-18S9, ex. 146, Ofcioresersado do Minitrio e Secretaria de Estado da Justia ao Presidente da Provincia do Par, de 22/06/1852 02 Arosa. 44 BON, 171-217 que se despacharam legitimamente; mas, navegando sob suspeigiio, cum- pria ao Presidente do Pard dar as “ordens mais terminantes”, para que se algum desses navios ai chegasse fosse com rigor examinado “a re peito da sua viagem, carregamento, passageiros, signaes que indicdo 0 emprego no tréfico, devendo qualquer suspeita ser motivo para sua aprehensao ¢ proceso”. Sobre o uso de bandeira sarda ou romana, em 15 de abril de 1853, Sousa Ramos informou ao Presidente do Pard o oficio reservado da Legag2o Imperial em Montevideo ao Ministro dos Estrangeiros de 23 de margo, sobre “suspeitas fundadas de ter sahido daquelle porto [Montevideo] para o trifico na Costa d’Africa, o Brigue Romano Ma- ria, antes Sardo, com o nome de Prudéncia”. © ministro da justiga, en- to, ordenou ao presidente que desse as mais terminantes ordens para que se ndo consinta o desembarque de Africanos nessa Provincia, se por ventura o dito Brigue for tera algum porto della, procedendo-se nesse caso 4 minuciosas indagagées para a sua aprehensio, e prisdo dos individuos que se tornarem suspeitos.” No caso do uso do pavilhao norte-americano por navios que fo- ram ou fingiam ser daquele pais e envolvidos no trifico para o Brasil, esse uso vinha principalmente desde 1838, mas aumentou considera velmente na segunda metade da década de 1840, sendo em 1848, 20%; © em 1850, 50% dos navios negreiros.* Em 9 de feverciro de 1856, Nabuco de Araijo, ministro da justiga, oficiou ao presidente do Para, Rego Barros, que o governo soubera que duas naves norte-americanas viajaram a costa afticana, “entre 0 Cabo Lopes e o Congo para carregar escravos, com destino a Costa do Brasil”; ordenando, entdo, 0 uso de todos os meios disposigao para impedir “qualquer desembarque, que ABER, SPR, OMNI, ano: 1850-1859, ex. 146, Ofcio eservado do Monistrio e Seeetaria de ‘Exado a Iustiga ao Presidente da Provincia do Par, de V7NSII856; e Oficto eservado do ‘Monstirioe Seeretria de Estado da Justiga ao President da Provinea do Pard 291091852. ® APEP, SPP, OMNI, ato: 1850-1859, ex. 145, Ofeio reservado do Minutério e Secretaria de Estado da Justia ao Presidente da Provincia de Par, de 1SIO4/1853. Destagues meus, % CE Bethel, A Aboligdo p. 46, 47, 221 e 24, Ver amibém Dale T, Graden, “0 envolvimento dos Estados Unidos no comérciotanstlintico de esravos para Brasil, 1880-1858", fo Asia, 235 (2007), pp. 935. Aorbia, 44 2019) 171-217 183 se tente n’essa Provincia”, mandando ainda fi fer as “mais rigorosas pesquisas para saber” se, no Paré, se achava D. Francisco Rivarosa, que deveria ser preso e remetido para a Corte “ & disposigdo do Chefe de Policia”. Algum tempo depois, em 17 de outubro de 1857, 0 ministro da Jjustiga, Francisco Diogo Pereira de Vasconcellos, disse que foi infor- mado pelo vice-cénsul brasileiro na Iha da Madeira que, em 2 de se- tembro, se despachou para o Rio de Janeiro o patacho americano WH. Stuart, “de 26 tonelladas e 9 pessoas de tripolagdo, do qual é mestre Dujant”, No entanto, dizia Pereira de Vasconcellos, circulara 0 boato de que antes de ir para o Rio de Janeiro, o W. H. Stuart “ria & Costa @’ Africa sarregar Africanos”; dai recomendava ao presidente do Paré que alertasse 5 autoridades provinciais, “ordenando-Ihes toda a vigilancia no caso de que o referido Patacho procure as éguas dessa Provincia para tentar qualquer desembarque de Africanos”.”* 3s traficantes eram de fato astuciosos e cheios de engenhosidade, tanto que ndo se limitavam a usar apenas as bandeiras de outras nagdes, sejam sarda, portuguesa, norte-americana ou uruguaia, além da brasi- leira, Trocavam de bandeiras ¢ os nomes dos navios, bem como de capi- ties, proprietirios e consignatérios, despachando legalmente seus navi- ‘9s com cargas licitas e legais, ainda que visassem ao comércio negreito. Assim é que, em 19 de setembro de 1853, Nabuco de Aragjo alertou que no Rio da Prata se preparavam dois navios para o tréfico, “sendo hum 0 ‘Enrico’, outr’ora ‘General Garron’, Capito Anténio dos Santos, que navega com bandeira Oriental, ¢ hoje traz a Brazileira, de que he consignatério em Montevideo Francisco Surini, e agente no Rio de Ja- neito Pinto Coimbra”; ¢ o “outro, o ‘Colonizador’, Capitio Manoel Nunes Barboza, antigamente com bandeira dos Estados Unidos, ¢ ago- ra com a Oriental”, que de Montevideo zarpou rumo para os Portos do Sul e Pernambuco “com cargas de animaes”, Nabuco de Aratijo suspei- tava que tais navios viessem ter seus negécios ilicitos no Brasil, dai determinava ao Presidente do Para suas “precisas providéncias para que 5° APEP, SPR, OMNI, anor 1880-1839, ex. 146, Octo reervado do Minitrio © Sooretara de Estado a Iain a0 Presidente ca Provincia do Par, de O9ID!1856; « Oficto sera do ‘Minstrioe Secretaria de Estado da Justiga ao Presidente da Provincia do Para de VIOI8S7 104 Arosa. 44 BON, 171-217 taes navios sejo observados caso demandem qualquer porto dessa Pro- vineia, empregando a maior vigiléncia para que nio realizem s tentos”, agindo com rigor contra os culpados se “infelizmente” houves- ‘algum desembarque de Africanos”.”* Os diversos ministros da justiga preocupavam-se, de fato, com provaveis desembarques ilegais de escravos africanos na costa brasilei- ra, sendo 0 teor de diversas correspondéncias s provinciais a necessidade de rigoroso combate aos traficantes caso de Pereira de Vasconcellos que, na circular reservada de 26 de outubro de 1857 ao presidente do Paré, recomendava que, escutando 0 chefe de policia, ou outras pessoas que possam “inspirar confianga”, fossem empregados nas “localidades dessa Provincia, onde se deva re- cear qualquer desembarque de A fricanos” agentes que informassem “de ‘tudo quanto a esse respeito ocorrer”, cabendo ao presidente Ihe arbitrar “uma gratificagdo rasoavel, ¢ dando mensalmente conta ao Governo Imperial das informagGes, que he forem prestadas”.” A principio, pode parecer inusual o teor da circular reservada do ministro Pereira de Vasconcelos ao presidente do Pard, tal como 0 das outras enviadas pelos demais ocupantes desse ministério, quando se Pensa que o esperado seria ndo haver qualquer possibilidade de trafico atlantico de escravos afticanos nas costas do Para na década de 1850, até porque, desde os anos 30, nessa provincia no havia mais tréfico do litoral paraense do Centro-Sul. O esperado seria desembarques no litoral fluminense, capixaba ou paulista, quando muito em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, areas bem mais préximas; ou, entdo, em Alagoas, regido préxima a Bahia e a Pet- nambuco, provincias ainda importadoras de escravos em razdo da eco- nomiia agucareira, Pelo menos nao esperava encontrar esse tipo de do- cumentagio, pensando ser o combate ao trifico, ainda que tema presen- te na historia brasileira, realidade alheia aos negécios da provincia paraense. Ma ‘mesmo as tentativas de desembarques se direto da Africa, além da distinc cra, sendo a ™” APER, SPR, OMNI, anor IRSO-IR99, ex, 146, Ofcio reserva do Minitério e Secretaria de Estado da Justiga ao Presidente da Provincia do Para, de 191911882, ABLE, SPP, OMNI, ano: 1850-1859, ex. 146, ficiareservado do Ministvi e Secretaria de Estado da Justia ao Presidente da Provincia do Par de 26/10/185. Aorbia, 44 2019) 171-217 18s noutras provincias, como Alagoas ou Pernambuco, assunto nos docu- mentos reservados do Ministério da Justiga ao governo da provincia do Pard.™* Sobre a tentativa de desembarque de africanos na costa penam- ‘bucana, em Serinhaém, em 13 de outubro de 1855, com a conivéncia de autoridades locais, 0 ministro da justiga, Nabuco de Araijo, em corres- pondéncia reservada de 6 de novembro ao presidente do Para demons- trou apreensdo por suspeitar ni ser um fato isolado, 0 que exigia “da parte das autoridades do littoral todo zelo na repressao do trdfico”, recomendando ao presidente que despertasse “toda a vigilincia das di- tas autoridades a este respeito, devendo substituir aquellas que nao ins- pirassem confianga e forem suspeitas de conivéncia ou negligéncia”. presidente devia também propor “quaisquer meios, que se devo em- pregar para effetiva repressao d’esse crime e dependao do Governo Im- perial”. Em seu despacho & margem do oficio do ministro, o presidente Rego Barros 0 dava a conhecer ao chefe de policia, juizes de direito, promotores piblicos e comandantes, inclusive da Guarda Nacional.” ‘A repressio ao desembarque de africanos em Serinhaém ainda evou Nabuco de Araijo a escrever reservadamente ao presidente da Provincia Henrique Beaurepaire Rohan, em 4 de fevereiro de 1856, so- bre a certeza do govemno de que Augusto Cezar de Mesquita, sobrinho de Wandeleok, chefe da Estagdo Naval do Norte, era 0 capitéo do pa- Ihabote apresado com africanos no litoral pernambucano, Suspeitava 0 ministro que Mesquita se tivesse refugiado no Pard, entdo ordenando que fosse “infallivelmente capturado”, se ai aparecesse, autorizando a policia a “prometter um prémio vantajoso por essa prisdo”, que era para © governo da “maior importéncia”. Em 9 de junho de 1856, novamente © ministro recomendou ao presidente do Para seus esforgos para a pri- sto de Mesquita, enviando os sinais deste: altura regular, bela presenga, Sobre temativa de desembarguc em Alagoas sua pronta represso, vr APEP, SPP; OMN), ‘ano: 1880-1859, ex. 146, Ofeo reservado do Minstéro e Secretaria de Estado da ustica ‘ao Presidente da Pronincla do Pard, de OD/OT/I856, Sobre desembarque em Seithatm, ve: 'APEP, SPP, OMNI, ano: IKS0-1859, ex. 145, Ofeloreservudo do Mintrio e Secretaria de stado da Justia ao Presidente da Provincia do Pard, de OS\VIBSS. » APER, SPR, OMNI, ano IRSO-I899, ex. 146, Oficio reersado do Minitrio e Secretaria de Fstado da Justgn co Presidente da Provincia do Pand, de 06/1/1885, Destages mes 106 Arosa. 44 BON, 171-217 olhos eastanhos e vivos, barba cl do falar inglés." © comércio de escravos para Cuba também inquietava as autori- dades brasileiras, jé que traficantes norte-americanos envolvidos nele podiam, associados ou nao a outros contrabandistas, desembarcar afti- canos na costa brasileira."' A proximidade do litoral paraense da regio caribenha podia também ajudar os intentos desses traficantes, até por- que os mundos do Caribe, das Guianas estando conectados de alguma forma. Em 17 de maio de 1854, 0 mit tro Nabuco de Aratijo, em circular reservada ao presidente da provin- cia, achava possivel que os navios “Guerra” e “Trajano”, armados em gtande parte por “hum dos principaes Agentes do contrabando de Afii- canos”, tentassem desembarcar africanos no Brasil. Tais navios, disse 0 ministro baseado no agente consular brasileiro, deixaram a cidade do Porto para conduzir escravos africanos para Havana, segundo se dizia, ‘mas se sabia ser “isso hum estratagema para distrahir as vistas do Go- verno Imperial”, sendo seu destino o Brasil; face isto, devia o presiden- te ordenar que as autoridades provinciais ficassem alertas, o que de fato foi feito. Em 30 de abril de 1859, em circular reservada, 0 Bardo de Muritiba dava outras razdes conjunturais que deviam deixar alertas as autoridades brasileiras, a0 considerar , com idade de 28 a 30 anos, saben- c do Pari ndo se desconheciam, possivel e até provével que os traficantes de negros os queirdo importar de novo no Brasil, aproveitando as presentes circumnstancias em que se attribui a falta de bragos a carestia dos géneros alimenticios, que a pe~ quena lavoura costuma fornecer e mesmo o deperecimento que se vae sentindo na grande. Segundo 0 Bario, devia-se “tudo recear-se do génio emprehen- dedor e aventureiro de alguns Norte-Americanos, que se dedicario a0 © APER, SPP, OMNI, ano: 1850-1859, ex 146, Ofela reseriado do Minto e Secretaria de Estado da Justica ao Presidente da Provincia do Par, de 0402/1856, ¢ Ofcto reservado do Ministerio e Secretaria de Estado da Justia ao Precidente da Provincia do Pard, de 09108 1856, Sobre o esunto, ver Gradcn,“O envolvimento ds Estados Unidos no comérci transit 0 de cscavos" Aorbia, 44 2019) 171-217 17 Trifico de Afticanos para a Ilha de Cuba”, j4 que esses fatores conjun- turais haviam de “acorogoar ¢ mesmo provocar os antigos traficantes, que ainda ndo perderdo as esperangas de renovar suas eriminosas espe- culages e auferir lucros que de algum modo compensdo os perigos que assentlo”, Assim, recomendava que 0 presidente ordenasse toda vigi- lincia das autoridades do litoral, e, se necessirio, “estabelega agentes que vigiem pontos importantes, para que dem informagdes immediatas, sobre qualquer facto que possa indicar tentativa de armamento para 0 tréfico ou desembarque préximo”, exortando o “patriotismo” do presi- dente a confianga nele posta no combate ao tréfico, “para de uma vez, acabar a obra que a Religiio, a civilizagao ¢ o dever exigem e 0 Gover- no Brasileiro to franca ¢ lealmente incitou em 1850." A LI de maio de 1859, 0 Bardo de Muritiba dizia, baseado no ministro dos Estrangeiros, que a marinha britinica apreendera dois na- vios “que se empregavao no Trafico de Africanos”, reiterando ao presi- dente a recomendagdo ja feita na circular de 30 de abril; pois, se os cruzeiros ingleses ainda combatiam tumbeiros em 1859, 0 governo im- perial devia redobrar sua vigiléncia e seu 4nimo no combate ao trafico e aos traficantes reincidentes, nao havendo, aos olhos do Império, luga- res insuspeitos ou infensos & ago desses contrabandistas na costa bra- sileira, Em 8 de outubro 1856, © ministro da justiga Nabuco de Araijo, em missiva reservada, informou a noticia de que no rio Zaire, na Africa Centro-Ocidental, se estava “construindo um palhabote, que deve condu- zir Afficanos para o Brasil” e, embora tivesse como destino os portos de Ihéus ou Canavieiras na provincia da Bahia, alertou que podia buscar algum porto paraense, sendo preciso tomar as “cautellas necessérias para que o crime se ndo effectue ai, e pelo contrario sejdo seus autores capturados para serem punidos na conformidade da lei” © APER, SPR, OMNI, ao: 1850-1859, ex 145, Circular reservada do Ministrio dos Negécioe da Lustiga ao Sx Presidente da Provincia do Pard, de V1V0S/1854; © Circular reserva do Minutério dos Negdelos da Justia ao St Presidente da Provincia do Pard, de 30/08 1850, © APEP, SPP, OMNI, ano: I8S0-I859, ex, 146, Ofelo reserudo do Ministero Seeretaria de Estado da Justiga ao Presidente da Provincia do Par, de 1081889; ¢ Ofte reservado do Minitérioe Secretaria de Estado da Justia ao Preidente da Provincia do Pard, de 0810 1856, 00 Arosa. 44 BON, 171-217 [nas] Aguas d’essa Provincia Em correspondéncia reservada de 1° de maio de 1857, em francés, a Henrique Beaurepaire Rohan, presidente do Para, o cénsul inglés Samuel Vines tratou do boato (Bruit) sobre desembarque de africanos préximo 0 Oiapoque, na costa amapaense, ow ai existir depésito clandestino de estrangeitos de cor, sem cigneia do poder piblico brasileiro. Nessa car- ta, o c6nsul solicitava saber se havia alguma verdade nesse boato, a fim exatas em seu relatério ao governo ingl siderando ser essa uma das atribuigdes de seu consulado, bem como ser do interesse do governo brasileiro averiguar tais fatos.* Apesar da tenso nas relagdes entre Inglaterra e Brasil por conta da questo do trifico negreiro, inclusive afetando o relacionamento entre os agentes consulares britinicos e as autoridades provin« ras, também tencionadas por questdes politico-diplomaticas de colora- ¢40 local, como no caso de mister Vines, cénsul britinico no Pari,” a apreensio desse nilo era infundada, pois jé vinha de alguns anos rumo- res ou noticias de que “ao norte d’essa Provincia (do Pari) existe um depésito de africanos bogaes, a fim de serem d’ahi levados para differentes pontos do Império”, conforme missiva reservada do Minis- tério da Justiga a Presidéncia da Provincia de 30 de agosto de 1851, na qual se ordenava em nome de “Sua Magestade © Imperador proceder is necessérias indagagGes a tal respeito”, dando cont final, mesmo néo havendo mais tréfico direto da Africa para 0 Pard, como em todas as demais provincias maritimas, o litoral pa estava livre de desembarques clandestinos de afficanos por negreiros, com os “traficados” muitas vezes recolhidos em depésitos ocultos, como is brasilei- a0 Ministério,* ‘APEP, SPR, Oficios dos Cinsules, ano: 1451-1859, ex, 162, Ofco particular do Consulad Britnico no Para ao Presidente da Provincia do Pari, de 08/1857 Sobre conte como Sst Vines, em 17/0/1457, oministo Jose Mara da Siva Paranhos ‘comunicou ao presidente provincial «expectativa de que o govero biinicomandasse “et far, como expo, ese sc0 agente" concluindo que seria melhor assim “do que despeido pat fis" APEP, SPP, Ofcios do Minstrio dos Nepécios Estangeirs (dagu adiante OMNE), ‘no; 1850-1859, ox. 147, Ofci reservado do Ministerio dos Negdeios Estrangetes ao Pre dente da Provincia do Para, de 171081851, ADEP, SPR, OMNI, ano: 1850-1859, ex. 145, Ofcioreersado do Ministre Secretaria de “Estado da Justia ao Presidente da Provincia do Pan, de 30/08/85, Aorbia, 44 2019) 171-217 189 parte da estratégia dos traficantes em despistar as autoridades brasilei- ras ¢ a marinha inglesa, atuantes na repressio antitrifico, pois, ainda que distante dos principais ¢ mais importantes mercados importadores de mao de obra escrava africana do centro-sul cafeeiro do Império, ain- da que nao tdo distante assim das dreas agucareiras nordestinas impor- tadoras de escravos africanos, 0 desembarque ilegal de cativos em ou- tros pontos da costa brasileira, como 0 Paré, podia ter algum éxito, por ser esperada uma menor vigitineia, que seria mais forte préxima 20 litoral das principais regides importadoras de escravos. bruit de desembarques clandestinos de africanos na década de 1850 na costa amapaense, entao parte da provincia paraense, ainda que no confirmado, podia ter fundamento, porque muito provavelmente os traficantes sabiam que, construindo depésitos clandestinos para aco- modar africanos apés seu desembarque ilegal na érea do Oiapoque, vi- sando posterior transporte para outros pontos da provincia ou do Impé- rio, podiam contar a seu favor com a situagdo de disputa diplomatica ¢ de tensio politica entre o governo brasileiro e o francés regio, conhecida como Contestado, que, desde meados do século XIX, se tomou por acordo zona neutra. Zona aberta a todo sorte de aventurei- ros ¢ fugitivos livres ou escravos,” servia de refiigio também aos trafi- cantes que, agindo na sombra do Estado brasileiro, talvez esperassem ter a vantagem de ficarem imunes & ago da marinha brasileira e, quem sabe, da inglesa, pois a atuagdo dessas na costa da regido do Contestado podia causar uma reagio francesa em defesa da neutralidade dessa drea. Mas, se essa era a esperanga dos traficantes, os agentes britinicos, como 0 cénsul Vines, ¢ as autoridades brasileiras nao estavam dispos tos a alimenté-la, Nesse caso, alids, a repressto ao trifico pelo governo imperial, enquanto medida de seguranca piblica, ganhava coloragdo local, ainda que de interesse nacional, pois a repressdo agdo dos trafi- em tomo dessa © Sobre © Contestado, ver Francinete do S. Santos Cardoso. “O Contestado Franco-Brsiler: onfioseepeesentagdes, in Femando Arhut de Fits Neves e Maia Roseane Pinto Lima (orgs), Faces da Hstria a Amasdna (Belém: Editor Paka Tau, 2006), pp. 573-625. Ver ‘com énfise nas fagas esravas, Jone Maia Bezera Neto, “Nas teas do Cabo Norte: fugas ‘travis ehislris de iberdade nas fonteias da Amazin Setentrional (aco XIX)", exto apresntado no Simpésio: Tertério e ocupasio da Amaania luso-rasileira(séulos XVIL a [XXD), 52" ICA, Universidad de Sevil, 17-21 de lio de 2006, 180 Arosa. 44 BON, 171-217 cantes na regido do Contestado se somava a outras ages de combate a0 mundo da desordem nessa regio de fronteira e litigio, Nesse contexto, ainda foi que, em 20 e 24 de dezembro de 1858, Manuel de Frias e Vasconcellos, presidente do Para, em dois oficios a José Maria da Silva Paranhos, ministro dos estrangeiros, comunicou “sobre o supposto desembarque de africanos na Guyana Francesa com destino a essa Provincia [do PariJ”. Em resposta reservada de 11 de novembro de 1859, Silva Paranhos informou ter dado conhecimento naquela mesma data a0 ministro da justica sobre o que Ihe comunicou 0 govemante provincial; afinal, embora assunto da pasta ministerial dos estrangeitos, também seria do Ministério da Justiga por ser questo re- lativa ao tréfico de esctavos afticanos e a sua repressao.** Dessa vez, os traficantes preferiam desembarcar os afticanos em territério francés, fazendo-os passar para o lado da fronteira brasileira, mas buscando ti- rar vantagens das disputas territoriais entre as nagdes francesa e brasi- Ieira em tomo do Contestado, ‘A regio do Contestado mio seria a tinica drea da costa paraense a ter visita dos tumbeiros, segundo dentincias e suspeitas ditas na corres- pondéncia reservada da presidéncia da provincia para o Ministério da Justiga. A costa atintica do nordeste paraense parece também ter sido visitada pelos negreiros. Em 6 de setembro de 1859, Joio Lisboa Paranagud, ministro da justiga, acusou o recebimento do oficio reservado do presidente do Pard, de 7 de agosto, “communicando a denuncia que Ihe dera 0 subdelegado de Policia de Cintra relativamente a um barco, suspeito de empregar-se no trifico, que bordejava em frente & aquella Villa, bem como as providéncias dadas (...) para vetificar essa noticia”. Esperava 0 ministro que o presidente “attentando a importéncia que 0 Gove Imperial liga aos factos que respeitdo ao Trafico de Africanos” the desse sem detongas “o resultado dos esforgos louvaveis que tem emprega- dono empenho de conhecer se houve fundamento para aquella denuncia”** ‘APEP, SPP, OMNE, ano: 1850-1859, x. 147, Ofio reserado do Minstrio doe Megdcios Exrangeros aS. Eva. oS: Manuel Frias de Vasconcelos [Presidente de Provincia do Pars 4d IIO1/1889), Neste documento, a eferéncae resumo dos oflcios da presdacia do Pat “© APE, SPP, OMNI, ano: 1880-1859, ex. 146, Ofeio do Ministero dos Nepicios da Justigt ‘20 Sir Presidente da Provincia do Pan, de 061091859, Aorbia, 44 2019) 171-217 191 Cabia mesmo todo zelo das autoridades policiais na vigilincia do litoral atlantico paraense, face & ousadia ¢ & teimosia dos traficantes. Esse foi o sentido da circular reservada do Chefe de Policia do Pari, Jodo Baptista Goncalves Campos, ao delegado de policia de Braganea, no nordeste paraense, em 18 de julho de 1856, quando informou que, em 2 de maio, o brigue “Pensamento” saiu de Tenerife para Benguela, na Africa Centro-Ocidental, e, presumivelmente, destinava-se ao “trafi- co de Africanos”. Daf suas ordens para que 0 delegado tivesse “sob sua vigiléncia esse Navio se demandar algum porto de seo districto; previ- na o desembarque ¢ persiga os criminosos se lograrem effetua-lo”.*” chefe de Policia cumpria 0 que the fora mandado fazer pelo presidente provincial, que agiu conforme ordens do ministro da justiga, Nabuco de Araiijo, ditada em missiva reservada de 25 de junho de 1856, Lendo essa e comparando-a com aquela do chefe de policia do Pari, percebe- se que a segunda reproduz quase que literalmente todo documento do Ministério da Justiga, usando os mesmos termos em suas ordens as au- toridades policiais. Disse entio o ministro ao recomendar ao presidente suas ordens as autoridades locais: “[que elas] tenho sob vigilancia esse navio se demandar algum porto do respectivo districto, e previna o de- sembarque ou persiga os criminosos se lograrem effetual-o”.S" Na repe- tie2o quase literal das palavras do ministro, o chefe de policia ndo dei- xou diividas de que no podia haver outras interpretagdes, falta de cla- reza ou tibieza na execugdo de suas ordens, funcionando, assim, a ca- deia de comando em tom unissonante Noutra vineia estava de fato vi o, & possivel ver que a chefatura de polfcia da pro- lante na repressio ao trifico. Em 8 de agosto de 1856, 0 Ministro dos Estrangeiros, Silva Paranhos, em documento reservado ao presidente do Para, acusou o recebimento de seu oficio confidencial privado, de 16 de julho, que trazia anexa cépia do oficio © APER, Segurange Publica Secretaria de Pollia do Pak (dagui edlante SP/SPPA),Oficios das Delegaciase Subselapacias, ano: 1850.51, I8SS-57, 1859, Circular reverse do Chef Policia do Par, Jodo Baptista Goncalves Campos, ao Sur Delegade de Policia de Braganea, de 0756 [APER, SPP, OMNJ, ano: 1850-1859, ex 145, Crrespondinciareservade do Minstério dos Negéctos da Jusiga ao Snr. Presidente da Provincia do Pand, de 251061856, 192 Arosa. 44 BON, 171-217 do “Chefe de Policia dessa Provincia e [do] auto de exame 4 que se procedeu no Hiate baleciro Americano ~ Eliza Janes ~ do qual hav suspeitas de empregar-se no trifico de Africanos”. Desse fato, 0 presi- dente inteirava o ministro dos estrangeiros por envolver navio norte americano, com a investigagdo, concluindo pelo seu emprego no “trifi- co licito”,* pois nem todo trafico seria ilegal ou ilicito. A prevengiio acer era toa. Alids, em 9 de fevereiro de 1856, o ministro da justiga, Nabuco de Araijo, em documento reservado, disse ao presidente do Paré que duas naves norte-americanas “entrardo em um dos portos da Costa Africa entre 0 Cabo Lopes e Loango para carregar escravos com des- ‘tino & Costa do Brasil”, portanto cumpria ao presidente, por todos os meios a sua disposigao, dos navios norte-americanos, sabe- impedir qualquer desembarque, que se tente n'essa Provineia, e que ‘outro sim mande fazer as mais rigorosas pesquisas para saber se se acha ahi D. Francisco Rivarosa, ao qual deverd mandar prender e remetter para esta Corte disposigdo do Chefe de Policia Jé 0 oficio reservado do Ministério da Justiga ao presidente do Pari, de 17 de outubro de 1857, sobre o tréfico por navios de pavilho americano, era diferente por nao ser uma circular reservada aos presi- dentes de todas as provincias litordncas, o que pode ser visto como uma suposigo vaga em relago ao Para, antes era dirigida a essa provincia, indicando como possibilidade real a tentativa de desembarque de vos afticanos novos na costa paraense. Disse, entdo, o ministro Pereira de Vasconcellos saber, pelo Vice-Cénsul brasileiro na Ilha da Madeira, que, a 2 de setembro de 1856, se despachou rumo ao porto de Belém, 6 Patacho Americano W. H, Stuard, de 26 tonnelladas ¢ 9 pessdas de tripolagdo, do qual é mestre Dujant, tendo citculado dias depois da sahida © boato de que antes de vir para aqui [Brasil] iria 4 Costa d’Alica ccarregar Africanos AER, SPP, OMNE, ano: I8SI-IRS9, cx. 147, Ofcio reserva do Ministri dos Negécioe Estrangeiros aS. Exa 0 Sr. Presidente da Provincia do Pard, de 081081856), Neste Soc: rento,releréncie eo resume dos offi ds presidéncia do Para Aorbia, 44 2019) 171-217 198 Dai, devia o Presidente do Pard dar “conhecimento d’esta 4s autoridades, ordenando-Ihes toda a vigildncia no caso de que o referido Patacho procure as dguas d’essa Provincia para tentar qualquer desembarque de Africanos”.” Nos oficios da Secretaria de Policia ao presidente de provincia, cera praxe o chefe de policia relatar 0 movimento do porto, em especial entrada e a saida de embarcagdes estrangeiras. Afinal, essas eram proi- bidas de navegar pelo Rio Amazonas, s6 aberto & navegacdo estrangeira em 7 de setembro de 1867, sendo ainda o controle sobre os navios ques tio de saide e seguranga piblica, por conta das epidemias que atingiam © império. Com a suspeita de envolvimento de navios de outras bandei- ras no trafico de afticanos, embora por razSes Sbvias agissem na som- bra, aumentou a preocupagao policial com a entrada de naves cujos pavilhdes cram identificados usualmente com o tréfico, tal como os norte- americanos ou os portugueses. Para tanto, era necessario ter a policia os recursos para fazer suas investigagdes, sendo essa a razio do aviso do Ministério da Justiga ao chef: de policia do Para, de 22 de outubro de 1853, quando informou ter o ministério da fazenda autorizado a compra de um escaler para a policia do porto realizar visitas as embarcagdes, dizendo ainda ter & disposigdo da chefatura de policia na Tesouraria da Provincia “a quantia de 1:500$000 [um conto ¢ quinhentos mil réis], que ser aplicada ao pagamento das despesas extra ordindtias e secretas da policia”.* Havia para repress4o ao trafico verba propria na receita da policia secreta, objeto de correspondéncia reservada do Minist da Justiga, a quem prestavam contas de sua aplicagdo os presidentes de provincia. Através dessas prestagdes de contas da policia secreta, per- cebe-se que ela tinha entre as suas tarefas a repressdo ao crime de moe- 5 APER, SPR; OMNI, no: 1850-1859, ex 146, Circular reservada do Ministério dos Negdcioe da Justiga ao Sim Presidente da Provincia do Pard, de 09102/\856; © Ofc reservado do ‘Mnisteio dos Negécios da Justica ao Sw: Presidente da Provincia do Pard, de OT01857 Destaques mous APE, SPP Ofcios da Sesreuria de Policia da Provincia do Pat (dagu aianteSPPP), ano: 1852-1853, ex. 167, Ofteio do Chefe de Policia José Joaquim Pimenta de Magalhdes ao Timo. Eso. Sur Conselheiro Sebastdo do Rego Barros, Presidente da Provincia [0 Pats, {de 23/12/1853, Em anexo, copia do Avito do Ministéo dt Justa a0 Chefe de Pliia da Provincia do Para, de 2/10/1853. 04 Arosa. 44 BON, 171-217 da falsa e ao trafico de escravos afticanos, as duas principais atividades criminosas que afligiam o Império na década de 1850. No combate ao trifico, uma rede policial ¢ de agentes secretos, agindo na sombra em oposi¢do 4 dos traficantes eta ponto de apoio importante na vigiléncia e na prevengdo de possiveis desembarques de afticanos na costa paraense. Era esse 0 sentido da circular reservada do ministro da Justiga, Pereira de Vasconcellos, ao presidente do Pars, de 26 de outubro de 1857, quando the ordenou que ouvindo o Chefe de Policia, ou quaesquer outras pessoas, que lhe possao inspirar confianga, empregue nas locatidades dessa Provincia, onde se deva recear qualquer desembarque de Africanos, agentes seus, que in- formem A V. Exa. de tudo quanto a este respeito ocorrer, arbitrando-Ihes “por esse servigo uma gratificagtio rasoavel e dando mensalmente conta ao Governo Imperial das informagdes, que Ihe fo- rem prestadas”.* Os traficantes desembarcariam africanos bogais no litoral paraense, porque os poderiam despachar legalmente, através da nave- gagdo de cabotagem, entre as provincias brasileiras por conta do traf interprovincial, como sa ou daqui ou como cativos ¢ africanos livres membros da tripulagio desses navi- 05, portando passaportes falsos. Dai, a razdo do documento reservado, de 14 de abril de 1852, do ministro da justiga Euzébio de Queiroz que, tratando do crescido nimero de escravos vindos das provincias do nor- te para a do Rio de Janeiro, face ao alto prego deles nesta provincia,” ¢ fossem escravos di provincia, © Solve o assunto ver APEP, SPR, OMNI, ano: 1850-1859, ex. 146, Circular reservada do Ministéro dos Negocios a Justica ao Sar Presidente a Provincia do Pari de 251091858, {© Ofcia reserva do Minstrio doe Negicios da Justia a0 Sm Presidente da Provincia do Para, de V10/1859; ¢ Circular recersada do Ministerio dos Negécios da ustiga ao Sr Presidente da Provincia do Par, de 1208/1852 % APER, SPR, OMNI, ao: 1850-1859, ex 145, Circular reservada do Ministéio dos Negécios dda Jusica ao Sw: Presidente da Provincia do Para, de 2610/1857 Sobre a aka dos pepos dos escravos,baseado na ralidade da provincia do Rio e Jancir, Goldsmith diz que: “Ente 1850 e 1858 prego subiram em 260%, ou 8 ums taxa mia nual de mais de 17%, A partir da ea final dos anos 70, os pregos Natura regular ‘mente, dentro de uma fata de 67 «95% do pien de 1858, permunevend a 90% do mesmo em 1879." CE. Reymond W. Goldsmith, ravi 1850-1984. Desenvolvimento Financero sob wm Séeulo de Inia, Sto Palo: Fa. Harper & Row do Brasil LidaBamerindus, 1986, p. 34 Aorbia, 44 2019) 171-217 195 dizia existir quem “possa explicar este facto por um modo indirecto de fazer 0 tréfico”, lembrando no ser “incerto que os trafic quecerdo de mandar seus carregamentos para qualquer ponto em que se thes offerega occasidio, com a esperanca de encaminha-los em navios de cabotagem de uma para outra provincia.” Até porque, segundo Euzébio de Queiroz, os traficantes eram homens que nao atendiam “as conseql- Encias de seo crime e sé tratam de entiquecer”, Dai, recomendava ao presidente provincial, visando obstar as maquinagdes desses homens infames, “usar da maior severidade no exame dos pretos que se tiverem de mandar de uma provincia para outra”, considerando que ‘a menor suspeita mesmo insufficiente para determinar um processo criminal deve ser motivo para se negar passaporte ¢ para no acto da visita impedir-se a continuagdo da viagem”, devendo ele dar “suas ordens mais terminan- tes”, para que se “impega o desembarque de pretos, que ndo se mostra- rem muito regularmente despachados” e debaixo “de qualquer suspeita de serem introduzidos illegalmente.”** Em 2 de julho de 1852, 0 Ministério da Justiga, reservadamente, outra vez alertava ao presidente da provincia que, sob o trifico inter- provincial de escravos, se podia “acobertar{-se] 0 trifico de afticanos livres”, cabendo-Ihe ordenar ao chefe de policia que nao concedesse “passaportes a negros escrayos sem que por documento” se “prove de modo incontestavel que os mesmos esctavos, ou sdo nascidos no Brasil, ou foram importados antes da lei de 7 de novembro de 1831”, devendo antes, através de “exame individual, reconhecé vo para quem se requer passaporte”. No tocante ao desembarque de escravos origindrios de outras partes da provincia paraense, 0 ministro recomendava que a policia s6 permitisse o seu livre trdnsito apés ter verificado setem tais cativos os mesmos de que tratam os passaportes, sem “a menor suspeita de terem sido illicitamente importados”. Tais cuidados eram relativos aos escravos comercializados através da nave- gagdo de cabotagem. No caso dos que acompanhavam seus senhores em viagens para 0 seu servigo particular, dizia o ministro que deviam tes no a identidade do escra- 5 APLR, SPR, OMNI, ao: 1850-1859, cx 145, Circular eservada do Ministério dos Negécios dda Justia ao Presidente da Provincia do Par, de 408/185 196 Arosa. 44 BON, 171-217 ser adotadas as medidas de praxe, até entdo aplicadas “para verificago de sua identidade ¢ exame do passaporte”,* até porque a necessidade de coibir os traficantes através da vigilancia nos portos, revista dos na- vios, conferéncia dos passaportes exame fisico dos escravos em trin- sito no devia criar embaragos ao direito de propriedade senhorial de usufiuto de seus escravos, sendo o comércio interprovincial de escra- vos legal, ja que o combate ao trfico negreiro atkintico nao implicava necessariamente combater a escravidio que existia como instituigao, apesar de Ihe ter cortado as raizes. Um maior rigor na fiscalizagao do tréfico interprovincial de es- cravos, inclusive dos que viajavam na companhia de seus proprietatios, no se dava sé por conta do significativo crescimento do comércio na- cional de cativos desde a Lei Euzébio de Queiroz, de 1850; mas tinha sua razio na necessidade de 0 governo dar uma resposta politica as presses diplomaéticas e, principalmente, is ages navais da Inglaterra no litoral e até mesmo em portos ¢ locais do terrtério do Brasil, salva- guardando que o comércio de cabotagem brasileiro, inclusive envol- vendo eseravos desde que no africanos livres, fosse respeitado pela marinha inglesa, que, de fato, deixou de interferir em navios envolvidos com “a transferéncia legitima de escravos de uma parte do Brasil para outta”, apesar dos frequentes protestos do govemo inglés contra “a de- sumanidade do comércio costeito de escravos no Brasil”. © Ministério da Justiga zeloso dos direitos do Brasil na aplicago da legislagdo antitréfico nas Aguas € no solo nacionais, nao sé coibia 0 tréfico ilegal, travestido de interprovincial, mas dificultava aos trafican- tes outros expedientes, como passat os afticanos livres escravizados como tripulantes das embarcagdes. Dai o aviso resetvado de 20 de agosto de 1851, determinando ao presidente do Paré “as convenientes ordens, para 5 APER, SPR, OMNI, ao: 1850-1859, ex. 145, Circular reservada do Ministrio dos Negéctas dda Justia ao Presidente da Provincia do Par de 02/07) 1852. Sié para o Rio de Janez, provincia e Cot, ene 1852-1859, veram do Maranhdo, ear Pemambuco, “nova costs aficana”, 26 62 esravos, emborao mint bitnico no Brasil 'W.D. Chviteinformasse ao seu gover ques paras cidade do Rio de Faneiro, etre 1852 «1862, foram 34,688 eseravosvindos das reyes do Norte do Brasil CE. Bethel, d Abo ao. p23, © CE Botella Abotigdo, pp. 400-401, 822-424 Aorbia, 44 2019) 171-217 197 que na Capitania do Porto dessa Provincia ndo se matriculassem como marinheiros, afticanos, que tiverem menos de trinta ¢ cinco annos de ida- de, ou foram evidentemente importados antes da cessagao do trifico se recomendado “nisto os maiores cuidados ¢ vigillincia”; bem como no dessem “despachos de sahida as embarcagSes em que se encontre qualquer dos signaes de que tratam os differentes paragraphos do art. 32 do Decreto n° 706, de 14 de outubro do anno préximo pretérito, e se verifique alguma das circunstancias das do art, 33 do mesmo Decreto”. Este aviso, entretanto, em 27 de agosto de 1851, foi aditado pelo Minis- tério da Justiga, corrigindo-o ao enfatizar como referéncia a Lei de 1850, a0 invés da legislagdo antitréfico de 1831, recomendando ainda que 0 presidente fizesse “executar 0 referido Aviso com a maior citcunspeceao, a fim de no causar sétios embaragos & navegagdo de cabotagem’ Uma questio de honra e de dever A defesa da soberania ¢ dos direitos da marinha mercante brasileira, face agressiva politica britdnica antitréfico na costa do Brasil, jé nao podia ser mais s6 retérica do govemo brasileiro em seus jogos diplomé- ticos com os ingleses, era preciso ser uma posigo politica legitimada no combate aos traficantes de escravos ¢ & extingdo do comércio ne- greiro atléntico para o Brasil, como se vé em circular reservada, de 17 de junho de 1852 , do ministro da justiga, Sousa Ramos, ao presidente do Pard, quando informou que o governo inglés suspendera “as ordens que havia dado aos seus cruseiros para a visita e a aprehensdo de barcos brasileiros em nossa vista no caso de tréfico de afticanos”, justo porque © governo brasileiro combatia efetivamente 0 tréfico, tanto que, gragas as “medidas adoptadas” e “com tanta firmeza executadas pelo governo imperial”, se devia “essencialmente o lisongeiro estado de progressiva dimminuigo e hoje da quase completa extineso do trafico”, apesar dos esforgos no parlamento inglés em atribuir o fim do trafico aos “mei- os violentos empregados pelo governo britinnico, aos © ABER, SPP, OMNI, apo: 18501859, ox 146, Aviso resereado do Minisiério e Scretaria de ‘Eada da Jusiga ao Presidente da Provincia do Par, de 2008/1851; e Cheular reserva do Manstri e Soeretara de Estado da Justia ao Presidente da Provincia do ard, de 2I08I18S 98 Arosa. 44 BON, 171-217 Nesse contexto, Sousa Ramos dizia ao presidente que todo o rigor era necessario para impedir a volta do tréfico, dada “a necessidade de resta- belecer e confirmar a verdade (..) que 0 Governo do Brasil tem forga bastante (..) para executar as suas leis.” Sousa Ramos preocupava-se com o possivel retomo do trifico, porque os “contrabandistas dominados pela ambigao (...), talvez encherguem na cessago das violéncias do cruseiro inglés um embarago de menos”, animando-se em desembarcar africanos no Brasil, rompendo-se d’esta maneira a marcha progressiva da extinego do con- trabando”; ¢ assim feito, “quanto este sucesso serd desagradével ao Governo Imperial, e quanto terd de prejudicial & honra ¢ aos interesses nacionaes”, dizia, pois, “os inimigos de nossa dignidade acharao pre- texto para justificar a violéncia com que a estrangeitos tém pretendido arrogar a si o direito de fazer a policia de nossos portos”. Toda vigiléin- cia era recomendada ao presidente do Para, enviando ao Ministério da Justiga, em correspondéncia reservada, “minuciosa exposi¢ao de tudo quanto n’essa provincia houver ocorrido e chegar ao conhecimento” da presidéncia, “quer a respeito da effetiva importagdo de afticanos ¢ sua distribuigdo pelo interior, quer mesmo sobre as suspeitas de que ella se tentasse, ou a intente individuo certo e determinado”, ¢ as medidas to- madas; sendo o presidente avisado de que “ainda quando nada tenha ocortido que metega relatar-se”, devia mesmo assim “periodicamente communicar™. ‘inter 0 teor da missiva de Sousa Ramos revela ser a repressdo ao tréfi- co atlantico de escravos uma politica de Estado do império, nao sendo seu teor distinto de diversos documentos reservados de outros Minis- ‘ros da Justiga aos presidentes provinciais. O préprio Sousa Ramos, nomeado Ministro da Justiga em 11 de maio de 1852, em aviso circular reservado, de 12 do mesmo més, comunicava que a mudanga de minis- tro nao significava alteragdo alguma na “direcgdo desta Repartigio”, determinando ao presidente do Paré continuar na “mais rigorosa obser- vncia das ordens ¢ instrugdes expedidas” antes, esforgando-se “na per- © APLR, SPR, OMNJ, ano: I850GIBS9, ex. 146, Circular reservada do Ministérioe Seeretaria «de Estado da Justiga ao Presidente da Provincia do Par, de 11061852. Aorbia, 44 2019) 171-217 199 seguigdo dos criminosos e prineipalmente dos moedeiros falsos e dos traficantes de africanos”, empregando “se possivel maiores esforgos para a completa extincgdo do trifico, pois para o Governo Imperial & esta uma questo de honra e de dever”.* A efetiva repressdo ao trifico, desde a Lei Fusébio de Queiroz, no quer dizer que o governo brasileiro nio o tentou reprimir apés a de 7 de novembro 1831, primeira antitréfico, como se ela fosse s6 para inglés ver. Lembremos, nes © Rio de Janeiro, que houve um aumento no volume de escravos impor- tados no periodo imediatamente anterior & aprovagio da Lei de 7 de novembro de 1831, face a possibilidade de término do trifico, afinal nao estava dado de antemao que ela nao seria executada;* ndo esque- cendo que, na década de 1830, 0 governo regencial fez algumas tentati- vas para coibir 0 tréfico, inclusive com a captura de 6 navios no litoral fluminense, nos anos de 1834 ¢ 1835. Mas, s6 com a Lei de 1850, que no suprimiu a de 1831," a perseguigdo e a extingo do trifico torna- ram-se parte da agenda politica do governo brasileiro, ainda que hou- vesse mudangas ministeriais ou até substituigdes de gabinetes. Na década de 1850, se 0 combate ao trifico se fez imperioso por parte da monarquia em face das ages de busca e apreensio de navios brasileiros, até mesmo em portos do Império pelos cruzeiros ingleses, em virtude do Bill Aberdeen de 1845, o foi tambx opinido publica brasileira no momento em que “o tréfico era universal- mente condenado”.” Afinal, a agdo militar britdnica, além das dificul- dades encontradas no litoral brasileiro para cumprir o Bill Aberdeen, no foi por si sé suficiente para dar cabo do trafico, segundo Bethell, quando diz que apesar do sentido, acerca do tréfico entre a Africa © rnlimero recorde de navios capturados pela marinha britinica e subse lentemente condenados em tribunais maritimos (..), 0 trifico de es- cravos para o Brasil no foi absolutamente esmagado. Ao contririo, “~ APER, SPP, OMNI, ano: I8S0IR59, ex 146, Cleularreservada do Ministerio e Seeretaria ‘de Estado da Justiga ao Presidente da Provincia do Pard, de 1203/1882. Destagues mes (Cr, Florentino, Em costas negra % CE Retell, 4 Aboligdo, pp. 100-101, 103 384.385, © Ck Bothell, A Aboligdo,p. 378, Ver sinda pp. 355, 374-375, 379 6383 200 Arosa. 44 BON, 171-217 durante a segunda metade dos anos quatenta ele efetivamente excedeu todos os niveis anteriores." ‘a a0 trifico, entre 1845 © 1849, 0 mais lucrative em face do aumento da No 4pice da repressio ingle comércio de escravos tornou- demanda por cativos, com © maior volume das exportagbes de café ¢ agticar, tanto que 50.000 a 60.000 escravos afticanos foram importa- dos, sendo a maior parte (2/3) desembarcada no litoral, ao norte € ao sul do Rio de Janeiro, e outra parte no proprio Rio de Janeiro; ao sul de Santos, em Paranagud; ¢ na Bahia, “cujo comércio aumentou regulat- mente durante a segunda metade dos anos quarenta”. Dai, porque 0 ministro Sousa Ramos dissera que o fim das “violéncias” dos eruzado- res ingleses seria “um embarago de menos” aos traficantes, j4 que, se- gundo Bethell, “para cludir o sistema preventivo britinico, o comércio [de escravos] tomou-se mais altamente organizado do que nunca”. E para combater a capacidade organizativa desses negociantes que passa- vam a ser vistos como “contrabandistas”, “criminosos” e traigoeiros inimigos da honra ¢ da dignidade nacional, sé fazendo do seu combate “uma questo de honra e dever”, segundo Sousa Ramos. Dai a repressdo 2o trifico ser um ato de vontade politica do govemo imperial, como resposta crescente pressdo inglesa © & mudanga da opi- nido piblica brasileira em particular, sendo importante uma nova lei antitrifico face as imperfeigdes ¢ a0 descrédito da primeira, ainda que a de 7 de novembro de 1831 fosse base pata a de 4 de setembro de 1850, sendo inclusive citada pelas autoridades, quando do combate ao trifico, tanto que J vimos como 0 Ministério da Justiga instruira 0 presidente do Pari a ordenar 20 chefe de policia que nao se concedessem “‘passaportes @ negros escravos sem que por documento” fosse provado “de modo incontes que (.. foram importados antes da lei de 7 de novembro de 1831”, apesar do cuidado em néo affontar o direito de propriedade senhorial.” Ch Beeld Abotigao,p. 325, CL Bethel, A Abolgdo, pp. 323-324, Ver também p, 325 © 326 Ver Bethel, A Aboligdo, p $30, quando tata da ajo do minstro da justiga Nabuco de Aro ‘jo, em 1854, junto a certo juiz para ndo eumprir ao pé da leva a Lei de 07/11/1831, visto que ‘© governonlo esuria disposi @ mexcr com essa questo, ainda que deciidoe fazer cum a lei Eusebio de Queiroz de 0409/1850. Aorbia, 44 2019) 171-217 201 A repressio ao trifico, como ato de vontade politica, era uma de- monstragdo de forga do govemo imperial, que se traduzia tanto no uso da Marinha de Guerra contra os negreiros, havendo uma estagdo naval no Norte, compreendendo 0 Pari e © Maranhao, ¢ a instalagdo de “tribunais no Rio de Janeiro, em Belém (Pard), Sao Luis (Maranhdo), Recife, Salva- dor ¢ Porto Alegre para julgar as embarcagdes (envolvidas no trafico) capturadas”;” quanto no enquadramento de todo 0 govemo, destacada- mente dos presidentes, chefes de policia e magistrados das provincias, maritimas. O caso do desembarque de afticanos em Serinhaém, em Per- nambuco, em 13 de outubro de 1855, com a conivéncia das autoridades locais ¢ de familias importantes, inclusive 0 presidente ¢ 0 chefe de policia,” deixou ainda mais alerta 0 governo imperial. Lembre-se de que, em 6 de novembro de 1855, 0 ministro Nabuco de Araijo tratando desse caso considerou existir “fundadas apprehensdes de que esse facto nao é isolado”, o que exigia “da parte das autoridades do litoral todo zelo na repressio do trafico”, cobrando ao presidente do Paré “toda a vigilincia das ditas autoridades a este respeito, devendo substituir aquellas que nao inspirarem confianga, ¢ forem suspeitas de connivéncia ou negligéncia”; devendo ainda propor “quaesquer meios, que se devo empregar para effectiva repressdo d’esse crime e dependio do Governo Imperial”.” Antes de Serinhaém, aliés, o governo sancionara a Lei de $ de junho de 1854, “que ampliava os poderes dos tribunais maritimos especiais criados de conformidade com a lei contra 0 comércio de es- cravos de 1850”, saindo o julgamento dos traficantes ¢ seus ctimplices dos jiris locais para os tribunais maritimos."* 7 CE Bethel, 4 Abolio, pp. 386-387. Com a derota do caudiho argentino Ross, em fevers ro de 1852, aavios de guera brosleirs deixaram 0 Rio Prata¢ somarem ns parks do Comercio allintico de eseravos sfcanos, endo 16 navios, 8a vapor, poicionados entre ‘Campos, Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul 3 na Bahia; 3 em Peraminuco © 5no Mars blo. Estes friam parte da Estagto Naval do Nowe. CE p. 415. > Vee Bethel, 4 Aboligaa, p. 420.6 421; ¢ Gouveia, Hsin da escravido, pp. 130-131, que teatado envolvinento de magisrados no cao de Serinhoém, dat punigdesadotadas do contole da maisratira pelo govern itera. [APER, SPP, OMNI, ano: 850-1839, ox. 146, Circular reservade do Minséro eSeertaria cde Estado da Justiga ao Presidente da Provincia do Par, do 08 \W/I8SS. " CE Bethel, 4 Aboicd, p. 419. 202 Arosa. 44 BON, 171-217 Leis, seguranca pitblica, e repressio do trafico de africanos Nao estando mais no govemo, Eusébio de Queiroz em discurso no Par- lamento brasileiro, em 16 de julho de 1852, afirmou que o combate a0 tréfico no devia ser considerado uma questo de partido, mas “uma questio que & inteiramente nacional”. Como tal, disse Queiroz, foi que 0s conservadores no governo extinguiram o tréfico, aproveitando a opor- tunidade para acabar tanto ao reconhecer “a revolugdo que se havia operado nas idéias, na opinido publica do pais”, sendo 0 combate a0 contrabando de africanos uma aspiragdo nacional e nao de governo de um partido. Disse, ainda, que a razdio fundamental para se extinguir 0 tréfico foi o medo das revoltas escravas africanas, principalmente no Centro-Sul, citando os casos de Campos, Valenga c Vassouras, sendo seu fim do uma questio pertinente & ordem ¢ & seguranga piblica, pois sua continuidade representava “um grave perigo contra a nossa segu- ranga interna”, sendo o “conhecimento do perigo que 0 excesso de afti- canos trazia ao pais a causa principal da modificagao que se ia operan- do na opiniao [publica]”.”* Quando Eusébio de Queiroz deixou © ministério, seu sucessor, Sousa Ramos, em oficio reservado, de 17 de maio de 1852, informou ao Presidente do Pard que nada mudou no firme ¢ exato cumprimento das ordens de seu antecessor, visando a “fiel execugdo das Leis, seguranga piiblica, ¢ repressdo do Trifico de Africanos”; esperando que 0 presi- dente “especialmente neste tiltimo ponto [repressao do trifico}” empre- gasse “ainda maior empenho”, “para que de huma vez por cesse esse contrabando, que tanto nos acabrunha e vexa perante a civilizagao do 8 ico visto como ato de vontade de uma mundo”, Sendo o combate ao tré nago soberana ¢ civilizada, Sousa Ramos deixou mais claro ainda a e a seguranga publica, em circular reservada de 17 de junho de 1852. Nesta, mesmo informando que o governo britini- co suspendera “as ordens que havia dado aos seus cruseiros para a visi- ta e aprehensdo de barcos brasileiros em nossas vistas no caso do tréfi- associago entre esse ° Apud Perdigio Malbsito, A escrav, Ascites eto nas p. 201 ¢ 216, Aorbia, 44 2019) 171-217 208 co de escravos”, ordenou a continua perseguigdo aos traficantes, visan- do “effetuar a completa extine éncia social, de civilizagdo, de honra nacional e até de seguranca pii- blica”, j4 que maiores deviam jo do trafico, como medida de conveni- ser 0s esforyos empregados, quando acresce a necessidade de restabele~ cere confirmar a verdade de sua parte de muito aleance, que o Governo do Brasil tem forga bastante para desempenhar suas vistas [buscas na- vais] fazer executar as suas leis." Uma variagdio dessa circular de Sousa Ramos, com a mesma data, a0 Presidente do Rio de Janeiro, foi citada por Dale Graden, quando argumentou que a rebeldia escrava e o seu medo por parte da elite bra- sileira, configurando um problema de seguranga piiblica de ordem in- tema, “influenciaram os funciondrios imperiais a tomarem a decisto de apoiar a aboli¢o completa do trifico de escravos entre a Africa © 0 Brasil”.” Bethell também demonstra que o medo da afticanizagdo da sociedade ¢, mais ainda, de revoltas escravas havia, de certa forma, de sustentago do trifico e de seus agentes, contribuin- do para a sua condenagio pela opinido publica brasileira.” Como jé visto, Eusébio de Queiroz apontou razies assemelhadas, com as quais Perdigdo Malheito concordava, ao analisar, em 1867, 0 contexto que Ievou ao fim do trifico, pois reproduziu a fala de Queiréz. em anexo a sua obra, A Escravidao no Brasil.” No caso da provincia paraense, & possivel ndo s6 seguir essa trha, mas alargar esse caminho, vendo de que forma a repressao ao trifico no Pard também constitu‘a uma ques- tio de seguranca piiblica; caso se considere o contexto da provincia & Epoca, quando 0 combate ao comércio ilegal de cativos, 2 petda de desejo pelo escravo africano, imbricava-se com a preservagdo da ordem e da seguranga piblica no pés-Cabanagem, a partir de 1840, minado as bast sociado & ‘APEP, SPP, OMINJ, ano: 1850-1859, ex. 186, Ofcio reservado do Mnistério dos Negécios sda Justia ao (Presidente da Provincia do Pari, de 17/05/1852. Destaques mes; ¢ Clrelar Yeservada do Ministerio dos Negdcios da Justiga ao Sue, Presidente da Provinela do Pard, de 17/06/1852. Destagues meus. (CF, Graden, “Ua leat de segurang pblies CE Bethel, A Aboligdo, pp. 98, 329-330. C. Penigfo Maeir, 4 eseravidao, pp, 201-222, exo pla 204 Arosa. 44 BON, 171-217 Se quizesse fazer revolugoens nao Ihe faltaria gente ‘Nos primeiros meses de 1840, os tltimos grupos cabanos renderam-se a0 govemno imperial em Luzea, no atual Amazonas, quando “novecen- tos € oitenta Rebeldes, com as competentes armas; capitaneados por Gongalo Jorge do Magalhaens” entregaram-se as autoridades, confor- me oficio da Camara Municipal de Belém, em resposta ao Presidente da Provincia, que noticiara esse fato aos vereadores, em oficio de 7 de maio de 1840."° Bem antes, no entanto, a Cabanagem ja havia iniciado © seu fim, quando 0 iiltimo presidente cabano Eduardo Angelim com seus companheiros “rebeldes” deixaram Belém, que entdo voltou ao dominio do governo da legalidade, em 13 de maio de 1836. A partir dai, com a prisdo de Angelim, algum tempo depois, a Cabanagem continuo, até 1840, resistindo nos sertées amazénicos, mas, sem condigdes dos cabanos reverterem a sua derrota, sendo iniciado 0 processo de restaura- a0 da ordem e da seguranga piblica ou de pacificagao da provincia." Finda a Cabanagem, com cerca de 30 mil mortos, o seu espectro ndo se esmaeceu ao longo da década de 1840 e nas seguintes; o medo de novas cabanagens continuaria rondando as mentes e os coragdes dos partidérios da ordem e da legalidade, assombrando-os. Uma das razies dese medo estava no imagindrio acerca da Cabanagem, como tempo da “anarquia”, da “desordem” e da “malvadeza", o chamado “tempo Cr offio da Chara Municipal do Park ao Presidente da Provincia, These de Maio, 0806! 180, m7, p27, Sobre a Cobanagcm hi sinifictivahistoriografi, ene cles Domingos Antnio Rail, Mo. -nn poltios ou histra des prineipais acontecimentas polices da provincia do Pard des cde o ano de 1821 até 1835, Bele: Ltora da UFPA, 1970, 2 ods, publiada na segunda ‘clade do século XIX. Alim dese do our, ver uma breve contextualizgdo Rstrca © Aiscussdohistorognfia em: José Mala Bezerra Neto, "A Cabanagem: a evolugdo no Pars in Armando Alves Filho, José Alves Sousa Ninior, José Maia Bezera Neto (ors), Pontos de Histria da Amaia, V. 1 (Belém: Eitora Paks: Tats, 2001, 3” edo revista esting), pp. 78-102. Eliana Pereira, “Em tempo cabana eidade mulheres no Paré Imperial, prime ‘made do século XIX” (Diseertagio de Mestado, Pomtfcia Universidade Calica de 0 Paulo, 1999). Luis Balk Pinteir, Visdes da Cabanagem: uma revlta popular © suas re presentagdes na historigrafia, Manaus: Editor Vale, 2001, Magéa Rice, "Do sentido aos Sgniicados da Cabanagem: percusoshistrigrificos", Anais do Arquivo Piblico do Pard, ¥4 2001), pp. 241-271, Magda Ries, “O fim do Grio-Park eo nascimento do Brasil: m0¥ ‘mentos sis, levante edeserges no alvorecer do nove Impéio (808-1880) in Mary Del Priore Flivio Gomes (orgs). Semhores dos rio, Amacinia, margens« histria (Rio de J nei: Elsevier, 2003), pp. 185-195 Aorbia, 44 2019) 171-217 208,

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