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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ


INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DA AMAZÔNIA
MESTRADO EM HISTÓRIA

ANA CAROLINA TRINDADE CRAVO

“Haja Cacêtes!; Haja páo!”


A Sociedade Libertadora de Benevides: abolicionistas, escravos e
colonos na luta contra a escravidão (1881-1888)

Belém
2014
2

ANA CAROLINA TRINDADE CRAVO

“Haja Cacêtes!; Haja páo!”


A Sociedade Libertadora de Benevides: abolicionistas, escravos e
colonos na luta contra a escravidão (1881-1888)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História Social da Amazônia da
Universidade Federal do Pará como exigência
para a obtenção do título de Mestre em
História Social. Sob a orientação do Professor
Doutor José Maia Bezerra Neto
(PPGHIST/FAHIS/UFPA).

Belém
2014
3

ANA CAROLINA TRINDADE CRAVO

“Haja Cacêtes!; Haja páo!”


A Sociedade Libertadora de Benevides: abolicionistas, escravos e
colonos na luta contra a escravidão (1881-1888)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História Social da Amazônia da
Universidade Federal do Pará como exigência
para a obtenção do título de Mestre em
História Social.

Banca de Defesa: ________/_________/2014.


Banca Examinadora:

__________________________________________
Professor Doutor José Maia Bezerra Neto – Orientador
(Membro – FAHIS/PPGHIST/UFPA)

___________________________________________
Professor Doutor Ricardo Tadeu Caires Silva
(Membro – UNESPAR/PPIFOR)

___________________________________________
Professor Doutor Francivaldo Alves Nunes
(Membro – FAHIS/PPGHIST/UFPA)

___________________________________________
Professor Doutor José Alves de Souza Junior
(Membro – FAHIS/PPGHIST/ UFPA)
4

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


(Biblioteca de Pós-Graduação do IFCH/UFPA, Belém-PA)

Cravo, Ana Carolina Trindade


“Haja cacêtes!; haja páo!” A Sociedade Libertadora de Benevides: abolicionistas,
escravos e colonos na luta contra a escravidão (1881-1888) / Ana Carolina Cravo. - 2014.

Orientador (a): José Maia Bezerra Neto


Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, Belém, 2014.

1. Escravos - Emancipação - Pará, 1881-1888. 2. Escravos fugitivos - Pará. 3.


Abolicionistas - Pará. 4. Sociedade Libertadora de Benevides (PA). Pará - História, 1881-
1888. I. Título.

CDD - 22. ed. 326.8098115


5

À
Carmem Neves e Odacil Cravo.
Meus formadores; meus exemplos; meus
amores; meu porto seguro.
6

“(...) Aos novos historiadores do processo


abolicionista no Brasil resta agora o desafio de
construir uma visão mais equilibrada das
relações entre as ações dos escravos e a dos
abolicionistas, sem perder de vista a lição
marxista de que as pessoas fazem a sua própria
história, porém sob circunstâncias diretamente
herdadas do passado(...)”
Célia Maria Marinho de Azevedo (2003)
7

AGRADECIMENTOS

Agradecer sempre foi o momento mais tenso para mim em todo meu percurso
acadêmico, não pelo fato de ser má agradecida, muito pelo contrário, reconheço a
contribuição de cada pessoa que me ajudou durante o mestrado. No entanto, fico receosa de
esquecer quem quer que fosse e por isso, caso o nome de alguém não esteja aqui escrito, saiba
que sua ajuda resultou neste trabalho. Antes de começar o discurso gostaria de fazer um
agradecimento especial ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), pelo financiamento através da concessão da bolsa de estudos. Sem este apoio
financeiro teria sido muito difícil levar a cabo a pesquisa e construir a presente dissertação, eis
que num piscar de olhos foram-se dois anos...
Agradeço primeiramente ao meu orientador José Maia Bezerra Neto que demonstrou
ser um poço de paciência e compreensão, já que vem acompanhando toda minha trajetória
desde a graduação, sendo um meticuloso leitor dos meus trabalhos fazendo sempre excelentes
contribuições para sua melhora. Soube trazer-me novamente aos rumos da pesquisa toda vez
que eu desencaminhei e desacorçoei do meu objeto, por quaisquer que fossem os motivos.
Sempre foi muito exigente e amável, até mesmo nos momentos de cobrança que não foram
poucos, apontou-me a direção e abriu meu horizonte para que eu pudesse caminhar sozinha;
pessoa por quem nutro respeito e admiração.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia que
sempre estiveram disponíveis para retirar quaisquer dúvidas que me ocorressem, dedico
registro especial ao professor Maurício Costa, pois, o artigo requerido como avaliação final
durante a sua disciplina resultou na publicação “Foragida, e acoitada por uma Sociedade que
se diz abolicionista”: O Caso de Severa e a Sociedade Libertadora de Benevides (Grão-Pará,
1884), pela Revista Estudos Amazônicos em 2013.
Aos professores Josenildo de Jesus Pereira pelas contribuições a este trabalho e a José
Alves Junior pela presença na banca de defesa e valiosas intervenções no momento da
qualificação que proporcionaram significativas mudanças nesta dissertação. Ao professor
Ricardo Tadeu Caires Silva pela presença na banca de defesa e também por ter ampliando
minha visão acerca da minha pesquisa, após a leitura de sua tese de doutorado. A Francivaldo
Alves Nunes também pela presença na banca defesa, bem como, pelo norte que sua
dissertação de mestrado deu a minha pesquisa, sem esquecer as valiosas contribuições dadas
ainda quando esteve em minha defesa de graduação que possibilitou o aprofundamento do
tema no mestrado.
8

Agradeço também aos meus pais que mesmo sem terem a exata noção do que significa
o mestrado para mim, nunca deixaram de dar estímulo e força para que eu alcançasse o meu
objetivo, principalmente nos momentos mais difíceis. A minha irmã Ana Carla Cravo por
sempre lembrar que sou mais competente do que imagino ser, e por ter me dado de presente
as minhas três maiores motivações, meus amados sobrinhos Caio, Caike e Clei Cravo. A
Adriano Sidrim pela companhia, paciência e amor dedicado a mim por todos esses anos.
Aos meus amigos de graduação, de bar e da vida pelas muitas risadas e saídas
descontraídas. Aos companheiros de mestrado Yure Lee Almeida, Raí Nonato, Tamyris
Monteiro, David Durval, Deise Silva pelos alegres momentos que tivemos nesses dois anos, a
presença de vocês a meu lado tornou a dureza do mestrado mais agradável, até mesmo quando
o “Sr Yure” resolvia fazer grandes perguntas ás 11h50 da manhã, momento este em que a
coletividade era tomada por um sentimento “killer.” Em particular a Jerusa Miranda e João
Augusto Neto pelo compartilhamento não só da mesma casa (ap. das loiras), mas pelas
infinitas crises que tivemos quando não sabíamos mais o que escrever, ler, pesquisar ou
pensar sobre nossas pesquisas. Dividimos nossas angústias, problemas e dificuldades sempre
procurando ajudar uns aos outros, nossa convivência nem sempre foi pacífica, é claro, no
entanto, o que levo de mais importante são as nossas vivências.
Devo a Felipe Moraes por ter me ensinado todos os “paranauês” quando da minha
inscrição no mestrado, quando estava completamente perdida sobre o que fazer com toda a
paciência e doçura que a sua barba lhe guarda. Agradeço carinhosamente ao meu amigo e
correligionário da História da Escravidão, o cearense Eylo Fagner que acreditou no potencial
da minha pesquisa ainda na graduação quando nos conhecemos, disponibilizando além do seu
tempo (que é muito corrido por sinal) deu-me importantes contribuições sobre como
direcionar a pesquisa e sugestões de leituras sobre o abolicionismo no Ceará. Você ainda me
deve aquele artigo...
Não posso deixar de agradecer a imprescindível ajuda dos estagiários do Centro de
Memória da Amazônia pela atenção ao curso da pesquisa. Aos funcionários do Arquivo
Público e da Biblioteca Pública Arthur Vianna. Agradeço ainda a todos o carinhoso
tratamento que recebi no Arquivo Público do Estado do Ceará, em especial ao estagiário João
Paulo que me deu importantes dicas de fontes, além da sua disponibilidade durante a minha
estada no Ceará. Outro agradecimento importante a se fazer, deve-se aos funcionários da
Biblioteca Pública do Estado do Ceará Menezes Pimentel pela dedicação e atenção com que
me acolheram e agilizaram as fontes necessárias a minha pesquisa, em especial a Srª
Gertrudes Sales e seu esposo.
9

Àqueles que duvidaram da qualidade da minha pesquisa e competência pessoal para


desenvolver um trabalho acadêmico, agradeço muitíssimo, eis aqui o resultado. Dissertação
pronta; esse é o momento certo para eventuais críticas.
10

SUMÁRIO
RESUMO .............................................................................................................................. XII
ABSTRACT ......................................................................................................................... XIII
RESUMEN .......................................................................................................................... XIV
LISTA DE FIGURAS ........................................................................................................... XV
LISTA DE SIGLAS ............................................................................................................. XVI
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................. XVII

CAPÍTULO I:“Os filhos da soberba metropole do abolicionismo”: Abolicionismo e a colônia


cearense de Benevides ............................................................................................................ 21
1. Á Guisa de introdução ................................................................................................. 21
2. O 25 de março e a colônia Benevides ......................................................................... 26
3. “Horrah por Benevides!”: 30 de março de 1884 ......................................................... 28
4. “A abolição vae começar pela colonia Benevides”: Repercussões na imprensa
cearense ....................................................................................................................... 37
5. A teia de relações da SLB .......................................................................................... 41

CAPÍTULO II: Escravos em fuga, colonos e a Sociedade Libertadora de Benevides ........... 48


1. “Escravos fugidos acoutão-se Colonia Benevides” .................................................... 48
2. Trabalho e moradia: Escravos, colonos e a SLB ......................................................... 52
3. Um quilombo abolicionista?! ...................................................................................... 59

CAPÍTULO III: “Devo empregar força?”: Repressão e resistência em Benevides ................ 68


1. Iniciando com os conflitos de Agosto ......................................................................... 68
2. Desordens ou Motim? ................................................................................................. 72
3. A Hermenêutica do processo ...................................................................................... 74
4. Manobras jurídicas na defesa do abolicionismo ......................................................... 81
5. Reprima-se! Pelo bem da justiça e tranquilidade social ............................................. 89
6. E no fim a sentença... Crime de resistência? ............................................................... 93

CAPÍTULO IV: “A Terra da Liberdade”: História e Memória do abolicionismo em Benevides


................................................................................................................................................ 101
1. 1884-1984: Iniciando com o Centenário da libertação .............................................101
2. O Povo simples e bom de Benevides ........................................................................ 108
3. Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial ............................................................... 113

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 121


11

FIGURAS .............................................................................................................................. 122


FONTES ................................................................................................................................ 138
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 141
ANEXOS .............................................................................................................................. 148
12
XII

RESUMO
Essa dissertação analisa as ações abolicionistas praticadas pela Sociedade Libertadora de
Benevides, uma sociedade que atuou na colônia agrícola de Nossa Senhora do Carmo de
Benevides composta em sua maioria por migrantes cearenses. Em 30 de março de 1884, anos
antes de promulgada a Lei Áurea, essa localidade resolve libertar-se da mão de obra escrava
corroborando para o aumento das fugas escravas em direção à colônia, fato este que vinha se
dando desde o início da década de 1880. A crescente presença de escravos fugidos no núcleo
acarretou na insatisfação dos senhores de escravos da região, que passaram a requerer junto às
autoridades provinciais uma medida que solucionasse a questão. Ocasionando conflitos, forte
repressão policial e vigilância constante a colônia. Procura-se demonstrar ainda as conexões
abolicionistas existentes entre os membros da Sociedade Libertadora de Benevides e membros
de associações e sociedades abolicionistas, tanto da província do Ceará quanto a do Grão-
Pará. E perceber quais as implicações que essa rede relacional interprovíncias resultou no
modo de ação da sociedade abolicionista em Benevides e sua relação com escravos e colonos.

Palavras-chave: Movimento abolicionista; Escravos e colonos; Grão-Pará e Ceará;


Benevides.
13
XIII

ABSTRACT
This dissertation analyzes the actions taken by the Sociedade Libertadora de Benevides, a
society that worked in agricultural colony of the Nossa Senhora do Carmo de Benevides
composed mostly of Ceará migrants. On March 30th, 1884, years before the Lei Áurea
enacted, this locality decided to free himself from the slave labor corroborating to the increase
in slave escapes corroborating the increase in slave escapes toward the colony, fact that was
already happening since the beginning of the 80s. The growing presence of escaped slaves in
the nucleus resulted in dissatisfaction of slaveholders in the region, which now require from
the provincial authorities a measure that would address the issue. Causing conflicts, heavy
police repression and constant monitoring the colony. It seeks to demonstrate the existing
abolitionist connections between members of the Sociedade Libertadora de Benevides and
members of associations and abolitionist societies, of the province of Ceará and the Grão-
Pará. And realize what implications this interprovincial relational network resulted in the
mode of action of abolitionist society in Benevides and its relation to slaves and settlers.

Keywords: Abolitionist Movement; Slaves and Settlers; Grão-Pará and Ceará; Benevides.
14
XIV

RESUMEN
Esa disertación analiza las acciones abolicionistas practicadas por la Sociedad Libertadora de
Benevides, una sociedad que actuó en la colonia agrícola de Nossa Senhora do Carmo de
Benevides compuesta en su mayoría por migrantes cearenses. En 30 de marzo de 1884, años
antes de la promulgada Ley Áurea, esa localidad resuelve libertarse de la mano de obra
esclava corroborando para el aumento de las fugas esclavas en dirección a la colonia, hecho
este que venía dándose desde el inicio de la década de 1880. La creciente presencia de
esclavos huidos en el núcleo acarreó en la insatisfacción de los señores esclavos de la región,
que pasaron a requerir junto a las autoridades provinciales una medida que solucionase la
cuestión. Ocasionando conflictos, fuerte represión policial y vigilancia constante a la colonia.
Procurase demostrar aún las conexiones abolicionistas existentes entre los miembros de la
Sociedad Libertadora de Benevides y miembros de asociaciones y sociedades abolicionistas,
tanto de la provincia de Ceará cuanto a la de Grão-Pará. Y percibir cuales las implicaciones
que esa red relacional interprovinciales resultó en el modo de acción de la sociedad
abolicionista en Benevides y su relación con esclavos y colonos.

Palabras claves: Movimiento abolicionista; Esclavos y colonos; Grão-Pará y Ceará;


Benevides.
15
XV

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Monumento em alusão a 30 de março de 1884


Figura 2 – Bandeira do Município de Benevides
Figura 3 – Mapa da colônia Benevides, 1876. Elaborado por Louis Flanteau e Charles
Wasman.
Figura 4 – A estação e a colônia de Benevides.
Figura 5 – Mapa demonstrando a distância de Benevides em relação a Belém.
Figura 6 – Mapa da colônia agrícola de Benevides
Figura 7 – Jornal A Vida Paraense retratando a libertação dos escravos em Benevides.
Figura 8 – Praça da Liberdade em Benevides.
Figura 9 – Praça da Liberdade em Benevides
Figura 10 – Capa do Álbum Histórico de Benevides “Terra da Liberdade.”
Figura 11 – Apresentação do Álbum Histórico de Benevides “Terra da Liberdade.”
Figura 12 – Imagens da solenidade do Centenário da Libertação.
Figura 13 – Telegrama enviado pela Sociedade Libertadora de Benevides a D. Pedro II
informando sobre a libertação dos escravos.
Figura 14 – Descrição da ata de instalação da Sociedade Libertadora de Benevides.
Figura 15 – Capa do Auto Crime de Resistência e Arrombamento de cadeia contra José
Ferreira Braga e outros.
Figura 16 – Ata da libertação dos escravos de Benevides.
16
XVI

LISTA DE SIGLAS

ACMB – Arquivo da Câmara Municipal de Belém

APEC – Arquivo Público do Estado do Ceará

APEP – Arquivo Público do Estado do Pará

BPAV – Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur Vianna

CMA – Centro de Memória da Amazônia

CMB – Cúria Metropolitana de Belém

SLB – Sociedade Libertadora de Benevides


17
XVII

APRESENTAÇÃO

O século XIX no Império Brasileiro foi marcado por inúmeras conquistas no campo
jurídico desde as suas primeiras décadas no que se referem à resolução da escravidão, tais
mudanças herdeiras de transformações no campo intelectual e cultural, principalmente,
decorrentes dos ideais Iluministas e Liberais do século anterior. Essas alterações denotaram
avanço na medida em que se procurou programar leis visando o retardamento e mais
timidamente o fim da escravidão, as pressões externas também foram importantes para que o
andamento desse processo não estancasse, as ações do movimento abolicionista francês e
inglês contribuíram com o deslanchar do abolicionismo no brasileiro. Esse comprometimento
com a causa da abolição mesmo tendo uma atuação ainda tímida, moderada e legalista
praticado por longo tempo no Império permitiu a promulgação de leis destinada a solucionar a
questão assim a primeira delas foi em 1831 ao determinar a fim do tráfico de africanos ao
território brasileiro. No entanto, o fim buscado não foi alcançado, pois, o governo brasileiro
fazia vistas grossas ao considerável aumento do tráfico nesse período a fim de salvaguardar os
interesses econômicos dos grupos ligados ao poder.
A crescente pressão inglesa em torno do descumprimento das normas por parte do
Império brasileiro causou uma crise diplomática, resolvida a contra gosto pelo Brasil através
da promulgação de outra lei estabelecendo novamente o fim do tráfico de negros em 1850,
mais conhecido como Lei Eusébio de Queiroz, a partir dela pode-se perceber a considerável
diminuição da entrada de escravos nos portos brasileiros até cessar completamente. Mas,
devido às mudanças no pensamento e comportamento mundial referente à questão da
escravidão agora vista como sinônimo de atraso e incivilidade, dessa forma nações que
mantinham o sistema escravista em voga era relacionado como representantes da barbárie,
atrasadas econômica e culturalmente, indignas de constarem entre as “nações civilizadas” e
livres da mão de obra escrava por considerá-las degradantes. Assim a necessidade de
encontrar meios efetivos que eliminassem o trabalho escravo em solo brasileiro foi sendo
tomada pelo Parlamento, procurando sempre manter a tranquilidade da ordem social e
manutenção do direito a propriedade ferimento minimamente os proprietários de escravos.
No que se refere à relação simbiótica entre escravidão e liberalismo Alfredo Bosi1
aponta que seria lembra a compreensão das ressignificações que a sociedade brasileira fez
sobre tais conceitos no XIX. No que entende as articulações da ideologia liberal lado a lado

1
BOSI, Alfredo. “A Escravidão entre dois Liberalismos”. Revista Estudos Avançados. Vol. 2. nº 3. São Paulo,
1988. P. 4-39.
18
XVIII

com a prática escravista no período imperial deve ser observado sob o ponto de vista do
pensamento da classe política dominante “que se impôs nos anos da Independência e
trabalhou pela consolidação do novo Império entre 1831 e 1860 aproximadamente.” 2 Não
estando completamente pronta para aceitar (ou não interessando) a ideia de um liberalismo
desvinculado do trabalho servil, fenômeno que será destaque apenas nas décadas finais do
Império brasileiro a partir de um maior contato com o ideal republicano permeado por
características positivas comteanas, verá na manutenção da escravidão um empecilho e
desenvolvimento da jovem nação brasileira.
Nesse sentido, o Brasil independente procura preservar e revigorar o escravismo ao
desconsiderar a questão na constituição e na instalação de uma monarquia encabeçada por um
luso, o que para Carlos Lessa 3 a experiência brasileira sob esses ângulos “fornece um exemplo
pedagógico, pois entre a institucionalização do Estado Nacional e o delineamento da nação
como território e povo, transcorreu-se quase um século.”4 Com as mudanças ocorridas ao
longo do Império José Maia Bezerra Neto5 demonstra a o desenvolvimento da apropriação
pelo movimento abolicionista do discurso nacionalista, com o fim de libertarem a nação da
escravidão e assim torná-la apta a estar entre as demais nações civilizadas e prósperas.
Conferindo desse modo legitimidade ao movimento uma vez que “que lutar pela libertação
dos escravos seria completar a obra inacabada dos fundadores da pátria brasileira,
emancipando o solo brasileiro da última herança do domínio colonial português.”6
Ao direcionarem a discussão sobre o tema buscava-se esvaziar as ações escravas que
fomentaram tais discussões e ao mesmo tempo apaziguar os ânimos de abolicionistas e
cativos, Eduardo Spiller Pena 7 salienta que os debates foram intensos no Parlamento devido à
crescente pressão interna e externa para que fosse resolvida a questão da liberdade escrava,
fatores esses que culminou na promulgação da Lei Rio Branco de 28 de setembro de 1871,
mais conhecida como Lei do Ventre Livre que libertou o ventre escravo entre outras
deliberações que proporcionaram mais meios de requerer sua liberdade por meio legal. No
entanto, o clima de contestação não refreou por muito tempo, pois com o adentrar dos anos
1880 o Império vê-se as voltas de uma radicalização do movimento abolicionista de Norte a

2
BOSI. Op. Cit. P.4. 1988.
3
LESSA, Carlos. “Nação e nacionalismo a partir da experiência brasileira.” Revista Estudos Avançados. Vol. 22.
nº 62. São Paulo, 2008. P. 237-256.
4
LESSA. Op. Cit. P. 238. 2008.
5
BEZERRA NETO, José Maia. “A segunda independência. Emancipadores, abolicionistas e as emancipações do
Brasil”. Revista Almanack. nº 2. Guarulhos, 2011. P. 87-100.
6
BEZERRA NETO. P. 92. 2011.
7
PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial. Jurisconsultos, escravidão e a lei de 1871. Campinas, São
Paulo: Editora da UNICAMP, Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 2001.
19
XIX

Sul, através dos planos de ação das associações e sociedades abolicionistas e aumento das
fugas escravas.
Nesse contexto, merece destaque o movimento abolicionista da província do Ceará
que através da Sociedade Cearense Libertadora conseguiu libertar os escravos daquela região
fato este que animou as demais províncias vizinhas, entre elas, o Amazonas e o Grão-Pará. As
repercussões das libertações ocorridas no solo cearense fizeram-se sentir tanto em Manaus
quanto em Belém, que em seguida procuraram promover a libertação dos escravos em seus
territórios um fator muito importante para que se dessem continuidade a esses planos de ação
foram as conexões abolicionistas existentes entre os membros das associações e sociedades
abolicionistas nas três províncias. No Grão-Pará a atuação da Sociedade Libertadora de
Benevides, criada, instalada e composta por cearenses em sua grande maioria possibilitou o
agenciamento, acoutamento e direcionamento dos escravos em fuga na região de Belém,
causando desorganização na força de trabalho escrava e consequentemente descontentamento
por parte dos senhores, ocasionando a repressão pelas forças públicas.
No capítulo I tratar-se-á da libertação dos escravos na colônia de Nossa Senhora do
Carmo de Benevides, composta em sua maioria por cearenses e sua repercussão na imprensa
paraense e cearense. Bem como, perceber como a libertação dos escravos no Ceará
influenciou a promoção do evento libertador na colônia cearense, analisa-se também como a
migração cearense àquela localidade foi importante no desenrola do movimento abolicionista
de Benevides. E por fim, destacar as conexões abolicionistas existentes entre os membros da
Sociedade Libertadora de Benevides e o abolicionismo de Belém e do Ceará, através das
relações pessoais, amizade e solidariedade.
No capítulo II a discussão girará em torno das fugas escravas, devido ao status de livre
da mão de obra escrava que o núcleo agrícola toma para si e as implicações que a presença
desses escravos causará a sociedade local. Serão tratados também como se davam as relações
entre colonos e escravos, colonos, escravos e a Sociedade Libertadora, as redes de
solidariedade e afeto entre esses sujeitos sociais, a utilização da mão de obra escrava fugida
que chegava a colônia e das práticas abolicionistas e radicalidade da sociedade abolicionista
atuante em Benevides.
O capítulo III traz como proposta a análise da repressão e resistência do movimento
abolicionista de Benevides a partir do auto crime realizado na localidade, após o
arrombamento de cadeia promovidos pelos escravos acoutados na colônia e por colonos
contrários a ação da autoridade policial, visando retirar uma escrava que havia sido presa
horas antes do conflito. Observando as visões de colonos, autoridades policiais e províncias
20
XX

em torno da configuração de Benevides como sendo um reduto de escravos fugidos e como se


devia agir frente a essa questão, foca-se a discussão também acerca das manobras jurídicas e
atuação dos operadores da lei comprometidos com a causa abolicionista para que os membros
da Sociedade Libertadora de Benevides não sofressem maiores sanções penais frente ao caso.
O capítulo IV procura tratar da história da memória do abolicionismo no hoje
município de Benevides, os jogos de interesses e as disputas políticas envolvendo a efeméride
de 30 de março de 1884. E perceber como a libertação dos escravos na ex-colônia tornou-se
um importante símbolo de identidade benevidense, configurando a representação desses feitos
em todos os lugares da cidade desde a bandeira da cidade até a construção de monumentos em
alusão a posição tomada em favor da liberdade escrava. E visando denotar lugar de destaque
na história do Estado do Pará, as autoridades públicas do município pleitearam junto a
Assembleia Legislativa do Estado o reconhecimento de Benevides como sendo a “Terra da
Liberdade”, e assim qualificado para ser Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Estado
do Pará.
21

CAPÍTULO I

“Os filhos da soberba metropole do abolicionismo”:


Abolicionismo e a colônia cearense de Benevides
1. Á Guisa de introdução

Em 13 de junho de 1875 foi criado através da Lei Imperial nº 837 de 19 de abril do


mesmo ano, o núcleo agrícola de Nossa Senhora do Carmo de Benevides em meio à política
de colonização da Região Bragantina pelo então Presidente de Província do Grão-Pará
Francisco Maria de Sá e Benevides, como demonstra Francivaldo Alves Nunes 8 em sua
dissertação de mestrado. O autor analisa o processo de colonização 9 neste núcleo agrícola que
foi designado primeiramente para receber braços estrangeiros passando em pouco tempo
devido a inúmeros problemas estruturais que não serão tratados aqui, por não ser o foco desta
pesquisa, a receber mão de obra nacional. Francivaldo Nunes demonstra que desde a chegada
dos cearenses ao núcleo a relação com as autoridades provinciais não foram sempre
tranquilas, primeiramente por não quererem estes últimos lançar-se na colonização nacional
por considerá-la inferior aos migrantes estrangeiros.
Segundo, a questão em torno dos títulos definitivos de terra era dada
preferencialmente aos colonos estrangeiros em detrimento aos nacionais, tinha-se ainda o
descontentamento provincial em torno dos onerosos gastos com a manutenção da colônia e na
intenção de diminuir tais despesas implantou-se uma política de cortes ao fornecimento de
alimentação e verbas aos colonos. Tais medidas foram contribuindo para que o clima de
descontentamento se tornasse insuportável, ao ponto em que conflitos entre as autoridades
policiais e colonos deixassem de serem apenas conjecturas. Sem contar que do ponto de vista
provincial somente deviam ser atendidos em suas reclamações os colonos que “tivessem dado
prova de espírito de trabalho e tivessem, efetivamente, iniciado o cultivo em seus lotes, uma
vez que, a Comissão [de Colonização] entendia que pelo período de estada no núcleo já era
tempo suficiente para executar alguns trabalhos que demonstrasse a intenção dos colonos em
desenvolver a atividade agrícola.” 10
Terceiro, as mudanças ocorridas na direção da colônia Benevides saindo das mãos do
engenheiro Martinho Domiense Pinto Braga para Henrique Costard e logo depois, Antônio
8
NUNES, Francivaldo Alves. A SEMENTE DA COLONIZAÇÃO: Um estudo sobre a Colônia Agrícola de
Benevides (Pará, 1870-1889). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Pará. 2008.
9
Para mais informações sobre o processo de colonização na Região Bragantina, confira: LACERDA, Franciane
Gama. Migrantes cearenses no Pará. Faces da Sobrevivência (1889-1916). Belém: Editora Açaí, 2010.
10
NUNES. Op. Cit. P.88. 2008.
22

Bernadino Jorge Sobrinho e o decorrente acirramento nas políticas de corte de verbas do


socorro público destinado à colônia, fomentaram as insatisfações entre os colonos e as
autoridades. Tal situação de desavença no núcleo, pois, os colonos chegaram a ameaçar
invadir a capital para cobrar pessoalmente junto ao governo público as verbas deles retiradas,
assim, frente a esta possibilidade de um levante “à administração provincial resolveu pedir
auxílio ao governo imperial solicitando o envio de tropas para combater uma possível invasão
a capital.”11 Vê-se que o panorama de desordem que os “sediciosos de Benevides”
implantaram junto as autoridades provinciais foram grandes os suficientes para que se
mantivessem constante vigilância, sobre o núcleo e seus moradores denotando um clima
propício a insubordinação e radicalidade. Fator este que pode ser observado ao longo das
práticas da sociedade abolicionista atuante na localidade, a Sociedade Libertadora de
Benevides (SLB) atuou em favor da libertação, acoutamento e agenciamento da mão escrava
que em fuga dirigia-se ao núcleo principalmente após terem declarado como livre da
escravidão o território da colônia. Questão que será tratada na imprensa local sob vários
ângulos, devido o compartilhamento de ações e ideias dos membros da SLB com o
movimento abolicionista cearense.
Segundo a redação do jornal paraense ligado a causa abolicionista em Belém, o Diário
de Notícias12 a província do Grão-Pará foi uma das primeiras da região Norte a lidar com a
questão da liberdade cativa, os “homens de bem” buscavam uma libertação lenta e gradual,
pois, se acreditava que ao agir dessa maneira não se colocaria em risco a ordem social e o
direito de propriedade tão caro naquela sociedade, quanto à liberdade escrava. Giovanna
Barbosa Aranha13 em trabalho sobre a influência das libertações no Amazonas e Ceará na
província paraense, afirma que mesmo tendo saído na frente no que concerne a resolução da
Questão Servil o movimento abolicionista paraense foi aos poucos perdendo força e foco,
acordando somente quando da declaração da abolição dos escravos na província cearense. Os
abolicionistas paraenses, ao mesmo tempo em que congratulavam o Ceará e o Amazonas –
que também declarou seu território livre da mancha da escravidão antes do Grão-Pará –,
pareciam não deixar de sentir certo desapontamento por não terem sido a primeira província a
libertar seus escravos. Afinal, segundo a visão dos abolicionistas do Diário de Notícias nada

11
Idem. Ibidem. P. 155. 2008.
12
O periódico Diário de Notícias (1880-1898) foi fundado por Costa & Campbell, teve ao longo de sua vida
vários redatores e proprietários, tendo sido redigido por Felipe José de Lima e Frederico Augusto da Gama e
Costa. Entre os anos 1896-97 circulou com o subtítulo “Órgão do Partido Republicano Democrata”, seu primeiro
número saiu em 26/02/1880. Confira: Jornais Paraoaras. Catálogo. BPAV
13
ARANHA, Giovana Barbosa. “Ondas Abolicionistas:” Repercussão das libertações das províncias do Ceará
e Amazonas na província do Grão-Pará. 1881-1888. Monografia. Universidade Federal do Pará. 1997.
23

mais justo para uma província que se considerava a vanguarda da campanha abolicionista. O
trecho que segue demonstra claramente o sentimento partilhado por parte dos abolicionistas
paraenses ao verem seu “sonho perdido”:
Sabes porque tive inveja?
Por não ter sido este magnanimo movimento por theatro a nossa
opulente e prospera provincia, ou antes a Liverpol Brasileira... 14

Com isso, percebe-se na imprensa simpática a causa da abolição a necessidade de


reavivar um movimento que a seu ver parecia estar definhando e, portanto, se deveria agir o
quão logo para entrar no rol das pioneiras, e assim não perder lugar de destaque dentro do
movimento abolicionista:
Sigamos o exemplo sublime dos cearenses acceitemos o auxilio de
todos... mas a ninguém cedamos a gloria de tornar livre a nossa cara
provincia!15
Não temos a vanguarda no grande prélio humanitario, como tanto era
o nosso dever, pois bem, não sejamos o ultimo a seguir o exemplo...16
Afinal, desde o início da década de 1880 o movimento abolicionista atuante na província do
Ceará mostrava-se com um posicionamento mais firme frente à mão de obra escrava,
principalmente após a criação da Sociedade Cearense Libertadora. Seguindo essa linha a
imprensa paraense procurou suscitar a atenção dos abolicionistas de Belém, pois, “em
nenhuma Provincia do Imperio o movimento abolicionista tem tomado tão grande
desenvolvimento como no Ceará.”17
Dessa forma, o movimento abolicionista cearense deu novo ânimo aos abolicionistas
do Pará com tendências menos legalistas, geralmente ligados à redação do Diário de Notícias,
sentindo assim a necessidade de seguir o modelo da província vizinha. Como podemos ver
abaixo:
O sr. Paulino de Brito, por parte do Club abolicionista Patroni, fez
entrega da carta de liberdade a um escravo e o sr. Sussuarana tambem
libertou a um seu escravo, entregando a carta depois de recitar o
mesmo sr. um[a] bem inspirada poesia.
Assignada, por todas as pessoas presentes, uma manifestação dirigida
á camara municipal da Fortaleza, foi encerrada a sessão magna, para
ter lugar um lunch, que prolongou-se até 3 horas da madrugada.18
Nesse sentido, a propaganda abolicionista cearense encontrou um cenário com boas
condições de disseminação, pelo fato de que nos idos de 1880, as sociedades abolicionistas

14
Diário de Notícias. Viva o Ceará. 26/04/1883. P.2.
15
Diário de Notícias. Eia! Paraenses. Solicitados. 24/05/1884. P.3.
16
Diário de Notícias. Revista Jornalística. 27/03/1884. Grifo Meu.
17
Diário de Notícias. Movimento abolicionista. Editorial. 03/08/1881. P.1.
18
Diário de Notícias. Festa da Liberdade. 26/05/1883. P.2.
24

tornaram-se mais presentes e ativas no sentido de inventar novas práticas culturais 19. Sendo
que nas províncias do Grão-Pará e do Ceará, além da atuação das sociedades e associações
ocorreu também à disseminação dessas novas ideias através da literatura e da imprensa 20, no
caso cearense, Carlos Caxilé 21 e Eylo Rodrigues22 concordam no que diz respeito à Sociedade
Cearense Libertadora, ter sido a mais importante entre as associações do gênero que atuaram
no Ceará. Conquanto, conseguiu congregar em torno de si, além de um periódico (O
Libertador) “jornalistas, poetas e intelectuais diversos. Muitos desses estavam diretamente
ligados e comprometidos com um setor burguês, atuante no ramo comerciário, e constituíam
uma geração “bacharelesca.”” 23 Fato que não necessariamente coloca os membros da
libertadora cearense como sendo “os cavaleiros da esperança”, tal qual qualifica Raimundo
Girão24 e nem como simples propagadores em causa própria na visão de Gleudson Passos25,
Caxilé analisa a questão ao meio termo revelando uma complexidade que foge a uma visão
pontual.
Nesse panorama efervescente os membros das sociedades abolicionistas no Ceará
procuravam por mudanças que fizessem a sociedade cearense alcançar o padrão europeu de
civilidade, o que destacaria o Ceará no âmbito do Império se não com recursos em dinheiro,
pelo menos com ideias de progresso e práticas humanitárias, a exemplo do que seria a
Abolição. Assim filha de uma burguesia emergente, a intelectualidade cearense apropria-se
dos pressupostos do evolucionismo, com o qual atribui ao povo cearense a ideia de força e a
experiência da resistência às intempéries como as secas. Era importante àquela geração entrar
em contato com as “teorias do progresso” para que pudesse superar as limitações infligidas
por condições naturais ou humanas.
No campo simbólico os termos forte, moderno e emancipado eram palavras-chave
para acessar o conteúdo semântico-discursivo adjacente à subjetividade daquela classe
emergente.

19
Para melhor detalhamento dessa questão confira: ALONSO, Ângela. “A Teatralização da política: A
propaganda abolicionista.” Seminário Temático Sociologia, História e Política. Programa de Pós-Graduação em
Sociologia, USP. P. 1-32. 2010b.; _______. “Associativismo avant la lettre – as sociedades pela abolição da
escravidão no Brasil oitocentista.” Revista Sociologias, ano 13, nº 28. P. 166-199. Set/Dez 2011.
20
LIMA, Helder Lameira de. O Poder da Pena e do Discurso: Os Jornalistas e os Legisladores Paraenses no
Movimento Abolicionista em Belém (1870-1888). Monografia. Universidade Federal do Pará. 1999.
21
CAXILÉ, Carlos Rafael Vieira. Olhar para além das efemérides: ser liberto na província do Ceará.
Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2005.
22
RODRIGUES, Eylo Fagner Silva. As Ambiguidades de um abolicionismo radical. A Sociedade Cearense
Libertadora. Entre o mito e a História Social (1880-1884). Monografia. Universidade Federal do Ceará. 2007.
23
Idem. Ibidem. P.11.
24
GIRÃO, Raimundo. A Abolição no Ceará. 4ª Ed. Fortaleza: Prefeitura Municipal de Maracanaú, 1988.
25
CARDOSO, Gleudson Passos. As Repúblicas das Letras Cearenses: Literatura, Imprensa e Política (1873-
1904). Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2000.
25

Por fim, unindo-se à idéia de forte, resistente ao meio físico-natural, e


moderno, por conhecer as leis da evolução e estar concatenado com os
valores da civilização, à enunciação derradeira sobrecaiu ao termo
emancipado. Este foi o maior suporte discursivo das elites
fortalezenses, de um modo geral (...).26
Sujeitar-se à tradição significaria nesse contexto admitir a permanência da força estagnadora
do atraso, das relações senhoriais que o Brasil conhecia de há muito e que em nada
combinavam com os princípios de civilização a ser alcançado pelo “inelutável progresso.” A
construção idealista em torno do povo cearense através do movimento abolicionista dessa
província fez com que fosse incorporada ao imaginário abolicionista, a ideia de humanismo
intrínseco ao cearense.
Assim, a continuidade da escravidão naqueles tempos denotaria a total incivilidade
brasileira, sinônimo de vergonha e desonra frente sociedades civilizadas “daí que a sua
continuidade e, pior ainda, a sua defesa, seria considerada a “aberração do patriotismo.””27
Sendo portanto, o abolicionismo um movimento patriótico catalisador da materialização da
vontade nacional, na visão de Bezerra Neto, o que por sua vez dá-nos a entender as relações
entre o abolicionismo cearense e o paraense denotando esse comprometimento nacionalista
em solucionar o problema que impedia o acesso do Brasil aos louros do progresso.
No plano internacional Joaquim Nabuco tece relações entre abolicionistas de vários
países ao redor do mundo com o fim de chamar a atenção e ganhar o maior apoio possível à
causa abolicionista brasileira, que só ganharia força pelas ruas com o adentrar dos anos de
1880. Para Ângela Alonso 28 “Nabuco foi um construtor de vínculos entre o movimento
abolicionista brasileiro e a rede abolicionista transnacional ainda ativa no final do século
XIX”29, que do seu ponto de vista contribuiu em grande parte com a aceitação e popularização
do movimento abolicionista em fins do Império na medida em que pode atuar nas intersecções
da arena política brasileira: o parlamento e a rua. Mesmo que na maior parte do tempo tenha
ele se encontrado fora do território nacional por ter conseguido, com efeito, atuar “como
ponte entre a velha política aristocrática do parlamento e a nova política das ruas, baseada na
mobilização popular.”30
Frente a essas mudanças no contexto histórico ao longo do Império, a mobilização
abolicionista de caráter mais amplo organizando seu ativismo em associações, escritos e

26
RODRIGUES. Op. Cit. P. 15. Apud CARDOSO. Op. Cit. P. 51.
27
BEZERRA NETO. Op. Cit. 2011.
28
ALONSO, Ângela. “O abolicionista cosmopolita: Joaquim Nabuco e a rede abolicionista transnacional.”
Revista Novos Estudos (88). Novembro-2010. P. 55-70.
29
Idem. Ibidem. P. 56.
30
Idem. Ibidem. P.59.
26

eventos antiescravistas. Procurou-se tecer relações cada vez maiores com o fim de dar mais
força ao movimento, e assim abranger um número mais amplo de adeptos à causa servil,
investindo em manobras diversas para alcançar o seu objetivo, principalmente após o
enrijecimento da repressão imperial ao movimento abolicionista a partir de 1884.
Além de manter as estratégias de mobilização anti-escravistas já em
uso, os abolicionistas investiram em novas, emprestando das
experiências abolicionistas estrangeiras. Fizeram escolhas no interior
desse repertório constrangidos pela tradição política local e pelas
variações das oportunidades políticas. 31
Ver-se-á que essa ideia de pertencimento a determinada sociedade ou povo, fez com
que se insistisse na existência de diferenças entre cearenses e paraenses na colônia agrícola de
Nossa Senhora do Carmo de Benevides no Grão-Pará. Pois, esse mesmo sentimento
nacionalista colaborativo a permanência da escravidão negra serviria como discurso para que
em fins do século XIX os abolicionistas lutassem pela libertação dos escravos, entre elas a
Sociedade Libertadora de Benevides.

2. O 25 de março e a colônia de Benevides

Tendo o movimento abolicionista crescido na década de 1880 por todo Império, os


abolicionistas do Ceará tomam “para si” a responsabilidade de fazer a libertação escrava e
através de várias associações, sendo a mais prestigiosa delas a Sociedade Cearense
Libertadora, promovem a partir de seus membros uma campanha em toda a província em
conluio com as demais associações e sociedades de menor porte a propagação do discurso
libertador. Fato que culminou na libertação dos escravos naquela província em 25 de março
de 1884, acontecimento que levou certo alarde aos defensores da continuidade escrava e ao
mesmo tempo demonstrou ao movimento abolicionista que era possível alcançar seus
objetivos apesar das intempéries.
As notícias do que ocorriam no Ceará eram veiculados nos principais periódicos de
Belém tantos os de caráter abolicionista quanto os mais conservadores 32 demonstrando como
andava a situação da libertação dos escravos daquela província, antenados com as constantes
notícias que chegavam quase que diariamente do Ceará alguns abolicionistas chamavam a
atenção da sociedade paraense para o que ocorria na província irmã. Incentivando a aceitação
da mesma ideia e prática tais quais sucediam em Fortaleza e a imprensa abolicionista em

31
ALONSO. P. 7. 2010b.
32
Confira: ARANHA. Op. Cit. 1997.
27

Belém, representada pelo Diário de Notícias procurava convencer seus leitores dos benefícios
de se lançar a essa proposta libertadora.
Com isso, percebe-se na imprensa paraense e principalmente no Diário de Notícias
essa necessidade de reavivamento do movimento abolicionista paraense que a seu ver parecia
estar definhando e que tão logo dever-se-ia atentar para se equiparar ao Ceará, visando não
perder lugar de destaque dentro do movimento abolicionista para isso era necessário que
“sigamos o exemplo sublime dos cearenses.” 33 A libertação dos escravos em Fortaleza a 25 de
março de 1884, foi importante na medida em que fez “renascer” os brios abolicionistas do
Grão-Pará, segundo a redação do Diário de Notícias, pois já não se tinha a “vanguarda no
34
grande prélio humanitario, como tanto era o nosso dever” era importante não perder-se
muito tempo para que não corressem o risco de serem os últimos a engendrar tais medidas.
Assim após a notícia do início das libertações no Ceará desde o ano anterior a colônia
agrícola de Nossa Senhora do Carmo de Benevides, povoada quase que inteiramente por
colonos cearenses organizaram comemorações em homenagem ao ocorrido, tendo sido eles
anunciados na imprensa.
Correram animadissimos os festejos do dia 24, promovidos pela
colonia cearense a fim de commemorarem a data jubilosa da
redempção da capital do Ceará. (…)35
Percebe-se uma inteiração por parte dos moradores de Benevides aos assuntos que se
davam na província cearense, devido à proximidade da colônia com Belém e
consequentemente com as notícias sobre o Ceará publicadas na imprensa entrando em contato
com as ideias advindas de sua terra natal, ocorrendo um intercâmbio de ideias entre o Ceará e
Benevides. Além do que a Sociedade Libertadora de Benevides oficialmente criada em 30 de
março de 1884, era composta principalmente por pessoas da colônia, mas também por nomes
ligados ao movimento abolicionista de Belém como os senhores Dr. Domingos Olympio
Braga Cavalcante, Dr. Bemvindo Gurgel do Amaral e Dr. Pedro de Moraes Bittencourt,
ambos advogados que atuavam junto a libertação de escravos. Bem como, a participação de
pessoas com certa influência no Ceará como o senhor Francisco Alves Barreira Cravo, vice-
presidente da dita associação e sempre que possível passava uma temporada em sua província
natal, sendo que lá também tinha ligações com o movimento abolicionista.

33
Diário de Notícias. Eia! Paraenses. Solicitados. 24/05/1884. P.3.
34
Diário de Notícias. Revista Jornalística. 27/03/1884. Grifo Meu.
35
Diário de Notícias. Festa da Liberdade. 26/05/1883. P.2.
28

Em vista disso, quando Fortaleza é declarada livre em 1884, cinco dias após o
acontecimento os membros da sociedade abolicionista em Benevides promovem a libertação
de seu território em homenagem à sua província de origem.
A Libertação de Benevides
A colonia cearense que prepondera no núcleo de Benevides, animada
pelo movimento abolicionista de sua provincia natal, que hoje dá o
ultimo golpe na escravidão, e pelo andamento que nota na via-ferrea
de Bragança, pretende declarar livres todos os escravos alli existentes,
no dia 30 d’este mêz. (...)36
Seguindo os passos do movimento abolicionista cearense os membros da Libertadora
de Benevides procuraram manter assim os laços com sua terra natal, embora seja importante
deixar claro que o movimento abolicionista de Benevides através da SLB poderia estar agindo
por interesses próprios e não como uma mera reprodução, mesmo que tivessem conhecimento
das ações de outras sociedades no Ceará.

3. “Horrah por Benevides!”: 30 de março de 1884

As comemorações em torno da libertação dos escravos do Ceará em 25 de março


mexeram com os ânimos da colônia cearense erradicada no Grão-Pará, no que alguns de seus
colonos através da SLB promoveram festejos visando homenagear o movimento abolicionista
de sua terra natal, libertando o território em que viviam da “mancha da escravidão.” Tal
acontecimento virou notícia na imprensa paraense naqueles tempos, como pode ser visto no
trecho abaixo:
A data de 30 de março marca uma nova phase na historia d’esta
provincia, Benevides declarou-se livre!
Para assistir a essa festa, que esteve explendida, seguiram d’aqui o sr.
presidente da provincia, diversos cavalheiros e alguns representantes
da imprensa.
Ao meio dia, e sob a presidencia do sr. dr. Pinto Braga, teve lugar a
abertura da sessão solemne da sociedade abolicionista da localidade
orando o sr. dr. Domingos Olympio, por parte da mesma sociedade.
(…) Foram depois entregues seis cartas de liberdade aos ultimos
escravos que tinha a colonia.
A banda de muzica do 15º batalhão de infantaria dava maior realce á
festa, tocando as mais harmoniosas peças de seu repertorio. (…)
A’ noite houve baile, reinando sempre a maior animação.
Foi assim que Benevides celebrou a sua redempção, foi assim que
numa das localidades desta rica provincia os seus habitantes
festejavam a mais esplendida victoria dos tempos hodiernos: a
liberdade de seus irmãos.

36
Diário de Notícias. A Libertação de Benevides. 25/03/1884. P.2. Grifo Meu.
29

Horrah por Benevides!37


Percebe-se, na tira acima a concorrência para se participar dos festejos da libertação na
colônia cearense tal qual havia ocorrido em Fortaleza onde pessoas ilustres de diversos
campos da sociedade e mesmo o próprio presidente da província Dr. Sátyro Dias compareceu
para prestigiar o evento da libertadora cearense. Outro fato notório é a presença do 15º
batalhão de infantaria que havia sido realocado da província do Ceará para o Grão-Pará, com
o fim de refrear seu envolvimento com membros da Sociedade Cearense Libertadora em
ações que impediam o embarque e fugas de escravos naquela cidade, vê-se que a tentativa de
afastá-los do “foco abolicionista” não surtiu o efeito desejado haja vista terem encontrado na
província paraense um núcleo majoritariamente habitado por cearenses e que mantinham
relações identitárias e abolicionistas com o Ceará. No entanto, essa medida não se fez muito
eficaz porque ao chegar à província paraense o 15º Batalhão manteve-se ligado ao movimento
abolicionista e assim, promoveu a criação do Club Militar Abolicionista, e participou como
pode ser visto de eventos envolvendo a liberdade escrava como o que se deu em Benevides
em 30 de março, frustrando os planos do presidente de província que substituiu Sátyro Dias
ao procurar afastá-los do movimento abolicionista.
Mesmo os periódicos mais conservadores como a Constituição38 festejaram em suas
páginas aquele acontecimento que marcou “uma nova phase na historia” da província. No
entanto, sutis diferenças surgem no modo da divulgação deste evento de acordo com a linha
de pensamento do jornal podem ser observadas:
Os habitantes d’essa localidade [Benevides] resolveram libertal-a, e
para isso conferem amanhã as cartas de manumissão aos poucos
escravos que lá existem.
Segundo o programa dos festejos, devem assistir ás festas os Exms.
Srs. Bispo Diocesano, presidente da provincia, representantes da
imprensa e muitos outros cidadãos.
O procedimento dos habitantes de Benevides é digno de ser imitado.
Trabalhe[m] todos á sombra da lei pela grande causa da abolição, e
cedo, muito cedo, o Pará estará completamente livre.
Viva Benevides!39
O referido jornal notoriamente conservador destaca que os efeitos da libertação escrava na
província deveriam ser encaminhados “á sombra da lei”, para que não fossem ameaçados a
propriedade e segurança pública, tal qual foram promovidas no Ceará segundo a visão do

37
A Constituição. Liberdade em Benevides. 01/04/1884. P.1. Grifo Meu.
38
O periódico A Constituição (1874-1886) era de publicação vespertina, Órgão do Partido Conservador. Seu
proprietário era o Cônego Manuel José de Siqueira Mendes. Confira: Jornais Paraoaras. Catálogo. BPAV.
39
A Constituição. A Redempção de Benevides. 29/03/1884. P.2. Grifo Meu.
30

periódico também conservador o Cearense. O mesmo evento foi noticiado de modo diferente
pelo Liberal do Pará40:
A sociedade emancipadora de Benevides convida a todas as
associações litterarias emancipadoras e beneficentes para a festa
redentora que terá logar em Benevides para solemnisar a libertação de
todos os escravos existentes no territorio da colonia. (restante
ilegível) 41

Vê-se que o discurso empregado pelo Liberal do Pará difere da Constituição ao deixar
de expor uma posição mais conservadora, no entanto, ao adjetivar a SLB como sendo
emancipadora, já nos dá ideia de que não era totalmente consonante com a linha mais radical
do movimento abolicionista. Pois, tem-se que o termo emancipador está diretamente ligado a
um raio de ações mais legalista, portanto mais voltado a uma libertação gradual da mão de
obra escrava. Vemos que a “sociedade emancipadora de Benevides” promoveu as
comemorações que se deram no dia 30 de março de 1884, e que parte da sociedade paraense
participou dessa solenidade.
Alceste Pinheiro42 faz uma discussão em torno das repercussões que se deram com a
libertação dos escravos no Ceará na imprensa católica, utilizando como foco de pesquisa o
jornal Apóstolo demonstrando as mudanças ocorridas no pensamento da Igreja Católica no
que se referiu à situação escrava 43. O que nos ajuda a compreender a presença do Bispo
Diocesano da província paraense nas comemorações em Benevides, além do que é importante
levar em consideração o ato político por trás desse evento, pois, mesmo que não concordasse
plenamente com as ideias envolvidas em torno das festividades era importante manter-se “as
vistas” neste que seria um excelente palco político. Aproveitando a presença do chefe de
governo e seus correligionários na ocasião.
Tendo essa difusão pela imprensa local de um caráter mais “ordeiro” o movimento
abolicionista de Benevides através da SLB obteve elogios e felicitações, no entanto a situação

40
O Periódico o Liberal do Pará (1869-1889) tinha circulação diária e era Órgão do Partido Liberal, propriedade
de Antônio Manuel Monteiro. Teve sua publicação suspensa por um tempo, voltando a circular sob a redação de
José Antônio Ernesto Pará-assu, substituiu o Jornal Amazonas saindo de circulação logo após 1889. Voltando a
ativa somente em 1890 com o codinome O Democrata. Confira: Jornais Paraoaras. Catálogo. BPAV.
41
O Liberal do Pará. Emancipação de Benevides. 29/03/1884. P.2.
42
PINHEIRO, Alceste. “A emancipação escrava no Ceará em um jornal católico.” Anais Eletrônicos do 8º
Encontro Nacional de História da Mídia. Disponível em: www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/8o-
encontro-2011-
1/artigos/A%20emancipacao%20dos%20escravos%20no%20Ceara%20em%20um%20jornal%20catolico.pdf/at
_download/file0catolico.pdf/at_download/file. P.53-60. 2011.
43
Para mais informações sobre o assunto, confira: CAMPOS, Eduardo. Imprensa Abolicionista, Igreja, Escravos
e Senhores. (Estudos). Disponível em: www.eduardocampos.jor.br/_.../e16.pdf.; PEREIRA, Carla Mendonça.
Abolição e Catolicismo. A Participação da Igreja Católica na extinção da escravidão no Brasil. Dissertação de
Mestrado. Universidade Federal Fluminense. 2011. Disponível em: www.historia.uff.br/stricto/td/1487.pdf.;
31

mudou de viés a partir do momento em que as ações da libertadora benevidense passaram a


representar perigo aos interesses do governo provincial e senhores de escravos, como será
visto mais a frente. As notícias veiculadas na imprensa em torno das festividades em
Benevides demonstram como a sociedade paraense, ou pelo menos, aquela porção envolvida
e/ou entusiasmada com a causa da abolição não obstante estivessem presentes os senhores
Bispo Diocesano e o próprio Presidente da Província Visconde de Maracajú denotando
credibilidade e legitimidade aquela prática.
No entanto, ainda sobre uma mudança na forma de agir da Sociedade Libertadora de
Benevides infiro que essa posição mais ativa beirando a radicalidade tomada por seus
membros não devesse ter iniciado desde o princípio do movimento abolicionista benevidense,
pois, acredito que o tempo de vida da libertadora advém desde pelo menos 1881 44 ou, se
existia esse viés não seria partilhado por todos, fato que teria dado forma ao evento de 30 de
março de 1884, ocorrendo de forma que “garantisse a ordem e o direito na provincia.” Outro
ponto a ser levado em consideração em torno da pré-existência da SLB antes da sua instalação
é a publicação no jornal cearense o Libertador de uma notícia informando “que os cearenses
residentes na colonia Benevides tratam de fundar uma Sociedade Libertadora, filial á da
capital [Sociedade Cearense Libertadora]”45, durante uma das muitas passagens pelo Ceará de
Francisco Alves Barreira Cravo “seu amigo e consórcio libertador”, segundo os redatores
daquele jornal.
Aberta a sessão pelo sr. dr. Pinto Braga, na qualidade de presidente da
Sociedade Libertadora de Benevides, foi dada a palavra ao sr. dr.
Domingos Olympio, secretario da mesma sociedade. O orador
extremece de alegria diante da festa que alli tem lugar, e que, pequena
e modesta como é, não póde passar d’um immenso combate, que vae
travar-se entre os obreiros do progresso e os poucos que querem a
abolição do elemento servil.
O Ceará tambem começou o movimento abolicionista pela reunião de
seis ou dez moços, que mãos (sic) tarde conseguiram revolucionar
toda a população, conquistando palmo a palmo o terreno hoje livre da
metrópole do abolicionismo. (...)
A redacção da Provincia do Pará estará ao lado da propaganda
abolicionista, mas da propaganda que não consulta conveniência,
propagada na imprensa, no seio da assembléa provincial, perante o
poder judiciário, para com o arbitramento legal abrigar áquelles que
forem victimas da especulação. (...) O orador termina saudando os
habitantes da colonia Benevides, em cujo sólo não mais cottejará o

44
Durante a pesquisa na Biblioteca Pública de Benevides foi encontrado uma pequena compilação onde dava a
informação, de que a SLB teria sido criada em 1881 e não em 1884.
45
O Libertador. Do Norte. 21/09/83. P.3.
32

suor do escravo, sendo suas palavras finaes cobertas estrondosos


applausos.46
Nota-se que ocorre uma reconfiguração na visão sobre o nordestino, antes mal vistos
por serem perigosos e perturbadores da ordem47, e a partir daquele momento exemplos a
serem seguidos após promoverem a libertação do seu território uma parcela da imprensa e
seus representantes procuraram apropriarem-se da imagem do evento na colônia cearense.
Assim a partir dessas comemorações a colônia agrícola de Benevides foi aos poucos se
tornando a “Terra da Liberdade” no Grão-Pará, servindo dessa forma aos interesses imediatos
de abolicionistas pretensiosos para obter um status diferenciado entre as demais províncias
por redimir da escravidão seu território antes mesmo de serem libertados os escravos do
império, tal qual havia feito o Ceará. Olhando por esse prisma a imagem que se revela da
libertação dos escravos de Benevides, promovido pela sociedade abolicionista do núcleo – a
Sociedade Libertadora de Benevides – é a de que ocorreu de forma que não alterassem a
ordem e o direito de propriedade. E assim ocorreu:
Foram entregues as seguintes cartas de liberdade (…) sendo as quatro
primeiras sem onus alguns, e as duas ultimas sob condição de
servirem os libertandos durante dous annos, com que teve em vista a
ex-proprietaria conserval-os em sua companhia algum tempo, por
serem os mesmos libertando muito novos: Mauricio, de 20 annos e
Quiteria, de 24, pertencentes a Pinto Braga; Florencia, de 26 annos,
pertencente a D. Thereza Crhistina Pinto Braga; Gonçalo; de 40
annos, Macario, de 20 e Luiz de14, pertencentes a D. Maria José de
Mesquita e seus filhos.48

É interessante como a imprensa paraense mais propensa a lidar com a resolução do


trabalho servil, denota o significado daquele evento libertador na colônia cearense como
sendo um fato importante contra os “retardatarios do progresso”, e o início de uma caminhada
dos “defensores da causa da civilisação” na luta pela liberdade escrava na província.
A colonia de Benevides representa um ponto imperceptível do sólo em
que tem de ferir-se o combate entre os retardatarios do progresso e os
defensores da causa da civilisação. Se é grande, se é gigantesca a
festa que se desdobra a seus olhos, não é menor o compromisso que o
povo paraense ora contrahe, não somente com o Brazil, mas com o
mundo culto, que nos contemplará com maior anciedade.
Por mais insuperáveis que pareçam as difficuldades a vencer, uma vez
liberta a colonia Benevides, aquelles que combatem pela egualdade
legal, que procuram arrancar ás garras do barbarismo de remotos

46
A Província do Pará. A extincção do elemento servil no Pará. 04/04/1884. Apud Álbum Histórico de
Benevides “Terra da Liberdade.” Páginas não numeradas. Grifo Meu
47
Sobre essa questão confira: NUNES. Op. Cit. 2008.
48
A Província do Pará. As cartas de liberdade. 04/04/1884. P. 2. Grifo Meu.
33

seculos a effigie da liberdade, não tem o direito de recuar, não podem


dizer-se vencido; (...)49
Percebe-se no trecho acima do jornal A Província do Pará, a relação semântica
proposta por Bezerra Neto50 entre as palavras liberdade, independência e também
civilização/progresso colocando o movimento abolicionista, bem como a colônia cearense de
Benevides, através de seus atos em prol da liberdade escrava como “defensores da causa da
libertação”. E que a partir da iniciativa do movimento abolicionista cearense o povo paraense
ligado à causa libertadora contrairia um “compromisso (...) não somente com o Brazil, mas
com o mundo culto”, e ainda deixa claro a “anciedade” que as nações civilizadas estavam
sentindo em ter o país em seu pé de igualdade na civilização, longe das “garras do
barbarismo.”
As comemorações em torno da libertação dos escravos em Benevides foram bastante
anunciadas na imprensa local e como visto anteriormente, algumas das pessoas mais ilustres
da província participaram dos festejos dentre eles o “sr. presidente da provincia, diversos
cavalheiros e alguns representantes da imprensa.” Vários periódicos estamparam em suas
páginas os acontecimentos que se dariam em Benevides no dia 30 de março de 1884, o Diário
de Notícias disse o seguinte:
O collega do <<GramPará>>, dando esta agradavel noticia disse:
<<Para q’ o acto seja tão solemne, quanto seu objecto requer, a
commissão directora da festa convidou para ella os srs. presidente da
provincia, prelado diocesano, autoridades e diversas pessoas d’esta
cidade.
Noticiando este acontecimento, regosijamos sinceramente com elle e
fazemos os mais ardentes votos para que o exemplo dos habitantes de
Benevides seja seguido brevemente pelos da Amazonia>>.
O collega do <<Liberal>> noticiou o mesmo facto, n’estes termos:
<<Em Benevides, no dia 30 do corrente terá lugar a festa da
emancipação dos escravos alli existentes, promovida pelos habitantes
d’essa colonia.
Do mesmo modo nos consta que se trata de libertar o municipio de
Collares, por iniciativa de alguns amigos nossos.
São actos que por sua magnitude despensam economios, porque em si
os contam de sobra>>.
Na nobreza do commetimento está o seu próprio elogio.
Avante!51
Sendo assim até que ponto o movimento abolicionista de Benevides estaria buscando
uma identidade com o Ceará, haja vista ser a grande maioria dos seus habitantes advindos

49
A Província do Pará. A extincção do elemento servil no Pará. 04/04/1884. Apud Álbum Histórico de
Benevides “Terra da Liberdade.” Grifo Meu.
50
BEZERRA NETO. Op. Cit. 2011.
51
Diário de Notícias. A Libertação de Benevides. 25/03/1884. P.2.
34

daquela província. Quanto à natureza do movimento abolicionista percebe-se primeiramente


uma ação mais legalista, fato este que mudará com o passar dos meses como será tratado mais
adiante.
Sobre as festividades é interessante denotar nas comemorações promovida pela
Libertadora de Benevides toda uma “teatralização” em torno do evento, Ângela Alonso 52 trata
dessa questão acerca da propaganda abolicionista no Império e a invasão de espaços culturais
para o desenvolvimento e divulgação do abolicionismo, como os teatros, onde se investiam
em apresentações musicais e culturais para tornar a ideia da abolição mais abrangente, a
participação de mulheres e crianças era notável. No caso de Benevides, o espaço utilizado
para essa teatralização que a autora trata é a própria colônia agrícola, que durante o percurso
da comissão que veio da capital para participar das festividades via-se a intervenção cultural
de “uma banda militar [que] fazia ouvir melodiosas peças, e fendião o ar de momento a [todo
o] momento estridentes foguetes [que](...) subiram ao ar, como annuncio aos habitantes de
Benevides.”53
Vê-se ainda nas notícias jornalísticas que a expectativa em torno do evento era grande,
pois,
Ao chegarem os convidados áquelle ponto [Benfica], vieram
encontral-os as diversas commissões para isso nomeadas, sendo todos
acompanhados até a casa do sr. dr. Pinto Braga, ao som da musica e
por uma multidão compacta, que não cessava de erguer vivas: á s.
exc. o sr. presidente da provincia, á imprensa, ao povo paraense, á
libertação de Benevides, etc., etc. (...)54

Vê-se a partir do discurso da imprensa que também em Benevides se teve todo um cuidado
para que se fosse criado uma “sensibilidade da audiência, envolvendo-a num clima
sentimental, que preparava uma apoteose”55, e que o efeito desejado era simplesmente
emocionar e a plateia fatores esses observados na propaganda abolicionista, principalmente na
década de 1880, segundo Alonso.
O orador extremece de alegria diante da festa que alli tem lugar (...)
Seguio-se a distribuição (...) de seis cartas de liberdade, ao som do
hymno da libertadora cearense, e n’um (?) tumulto de bravos, e flôres
arremessadas pelas senhoras presentes. (...)
Orou ainda os sr. Francisco Alves Soares, (...) [que] trouxe o auditorio
preso de seus lábios durante uma hora em que fallou com aquella
convicção intima, inabalável, com que o cearense falla de liberdade.
52
ALONSO. Op. Cit. 2010b.
53
A Província do Pará. A extincção do elemento servil no Pará. 04/04/1884. Apud Álbum Histórico de
Benevides “Terra da Liberdade.” Grifo Meu.
54
Idem.
55
ALONSO. Op. Cit. P.22. 2010b.
35

(...) A’ noite o sr. dr. Pinto Braga offereceu uma soirée dansante aos
seus convidados, a que prolongou-se até uma hora da madrugada o
que todos retiraram-se satisfeitos, com os corações repletos de
alegria e saudade por aquella festa de liberdade.56
Interessante ser observado ainda a constante presença de senhoras usando e jogando
flores da mesma maneira que “nos espetáculos culturais estrito senso, o publico atirava flores
em divas e ídolos, nas conferencias-concertos igualmente, a assistência jogava flores nos
artistas, mas também nos ativistas e nos “libertandos.” Uma prática que se popularizou a tal
ponto que, mesmo nos eventos abolicionistas em que não havia performances artísticas, as
flores passaram a ser usadas.” 57 Tal prática também é vista nas comemorações da libertação
de Benevides.
No entanto, a partir do momento em que a SLB mostra-se mais radical isso passa a
incomodar a imprensa paraense no que se referia ao modus operandi da libertação escrava
como a que ocorria na colônia Benevides, muito semelhante a que se dava no Ceará em face
de sua maior representação ser de migrantes cearenses e ainda por ter a SLB relações de
identidade com sua terra natal, não estava por isso agradando os representantes dos periódicos
A Constituição e O Liberal do Pará. Visando informar seus leitores sobre seu posicionamento
frente aos fatos no núcleo lançaram nota contra as ações dos abolicionistas cearenses frente à
Questão Servil, como pode ser visto no fragmento abaixo:

(…) Dissemos e afirmamos que a heróica provincia do Ceará nada


tem de gloria com a extincção da sua escravatura, porque o caminho
traçado por ella pode alcançar o marco almejado por tortuoso, por
conseqüência, perigosíssimo. (…)
Ninguem ignore os acontecimentos de que foi theatro a provincia do
Ceará. (…) O facto em si é grandioso, encerra o _____ de todas as
virtudes humanas; porem encarado pelo verdadeiro prisma, pelas
circunstancia que o legarão e deram causa, é preciso confessar é muito
triste e condemnável! O fim nunca justifica os meios. [grifo original]
Os abolicionistas cearenses, (…) pregavam a uns a egualdade – eram
aos senhores: e á outros a rebelião e a violência – eram aos escravos,
e que, senhores e escravos se confundiram no reboliço das paixões
aferventadas pelo clamor dos revoltosos. 58

Essa visão negativa em torno da forma de agenciamento e libertação escrava era


incômoda ao conservadorismo não apenas em Belém, semelhante posição foi tomada frente à
Sociedade Libertadora Bahiana no que se referiu ao apoio as fugas e outras ações por parte de

56
A Província do Pará. A extincção do elemento servil no Pará. 04/04/1884. Apud Álbum Histórico de
Benevides “Terra da Liberdade.” Grifo Meu.
57
ALONSO. Op. Cit. P. 23. 2010b.
58
O Liberal do Pará. TRANSCRIPÇÃO. 18/06/1884. P.3. Grifo Meu.
36

seus membros que visassem a liberdade escrava no mesmo período de ação da libertadora
benevidense. Ricardo Caires Silva 59 ao fazer estudo sobre esta sociedade abolicionista pode
observar que a sua composição era bastante heterogênea no que se refere à posição social,
coexistindo sujeitos de famílias tradicionais e mais pobres na mesma causa. E assim como a
libertadora benevidense, seus membros atuavam junto aos escravos procurando viabilizar a
liberdade dos mesmos seja através de fugas, acoutamentos ou fazendo representações juntos
aos tribunais, chegando a serem constantemente incomodados pelas autoridades policias
devido as suas ações. Ricardo Silva observa a relação no aumento na liberdade escrava a
partir dos meios legais e a atuação dos membros das sociedades abolicionistas, “ou seja,
embora os escravos tenham recorrido cada vez mais às autoridades policiais nos últimos anos
da escravidão, na maioria dessas situações eles o faziam na presença de militantes
abolicionistas, de quem recebiam guarida.”60
Nesse sentido, a posição de grande parte das associações e sociedades envolvidas com
a questão escrava na província do Grão-Pará, apesar de se desdobrarem pela causa, procurou
por vezes esvaziar a participação dos cativos no movimento abolicionista paraense objetando
dirigir suas ações e, assim, desestimular as fugas escravas, como conclui Bezerra Neto em
artigo sobre fugas escravas e abolicionismo na província paraense entre 1860 e 1888. 61 Nesse
sentido, a notícia veiculada pelo Liberal do Pará sobre o conflito deixa transparecer esse
modo ao focar a ação nos capitaneadores e não nos escravos:
(...) o subdelegado (...) mandou recolher á prisão a escrava Severa, da
propriedade de d. Maria Olympia da Silva de Azevedo (...) quando um
grupo de escravos, armados, em numero superior a 30, capitaneados
por dois cidadãos membros da sociedade alli existente, dirigiu se á
cadeia e, arrombando as portas da prisão, déra fuga á referida
escrava.62

Nota-se que a responsabilidade pelo conflito recai sobre os “dois cidadãos membros da
sociedade alli existente”, ao liderarem um grupo significativo de escravos esvaziando assim a
possibilidade de ação dos próprios negros. Demonstrando um direcionamento das ações
escravas por parte dos membros da SLB, haja vista que os escravos fugiam possivelmente

59
SILVA, Ricardo Tadeu Caires. “IÔ-IÔ CARIGÉ DÁ CÁ MEU PAPÉ”: A atuação da Sociedade Libertadora
Bahiana e a agência escrava nos últimos anos da escravidão (1883-1888). Anais Eletrônicos do 5º Encontro
Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. 2011.
60
Idem. Ibidem. P.9. 2011.
61
BEZERRA NETO, José Maia. “A VIDA NÃO É SÓ TRABALHO: Fugas escravas na época do abolicionismo
na Província do Grão-Pará (1860-1888).” Caderno de Filosofia e Ciências Humanas. V. 12, nº 1/2. Belém:
UFPA. P. 141-154. 1993.
62
O Liberal do Pará. Desordens em Benevides. 22/08/84. P.3. Grifo Meu.
37

seduzidos pelos membros ou partidários da referida sociedade com o fim de libertarem-se do


cativeiro, segundo o periódico.

4. “A abolição váe começar pela colonia Benevides”: Repercussões na imprensa


cearense

Está presente na relação entre Benevides e o Ceará, com seus respectivos movimentos
abolicionistas a ideia de um abolicionismo pioneiro tendo no caso cearense a frente da
questão a Sociedade Cearense Libertadora, como discute Eylo Rodrigues 63 sobre a
manutenção ou ainda, a construção de uma imagem do povo cearense como sendo pioneiro do
abolicionismo no Império na medida em que os seus membros propagavam essa ideia. Assim
essa agremiação procurou trabalhar em torno do discurso de um pioneirismo cearense, tendo
por seu veiculador de ideias o periódico o Libertador.
Ao Ceará!
O dia 25 de março de 1884 marcará na historia patria uma éra
grandiosa e immorredoura, pois relembrará a redempção dos cativos
n’esta brioza provincia.
Este exemplo, dado pelo Ceará será um poderoso incentivo ás suas
irmãs do Norte e Sul do imperio, para que, imitando-a possão dentro
do mais curto espaço de tempo, formando uma só constelação, entoar
o hymno da verdadeira confraternisação de todos os brazileiros.
Que o grito do Ceará, como o do Ypiranga, seja repetido do
Amazonas até o Prata.64
Esse elemento pioneirístico e cívico também podiam ser observados no discurso da
imprensa paraense em torno da libertação dos escravos em Benevides, costurando essas
identidades entre os dois pontos:
Pelo glorioso commetimento do dia 30, constente na declaração
solemne da extincção da escravatura no territorio da ex-colonia
Benevides, expressamos á sociedade emancipadora d’aquella
localidade as nossas congratulações sinceras. Cremos que o facto que
se vae festejar é ainda o resultado do esforço congregado dos
cearenses residentes em Benevides, os quaes constituem a quasi
totalidade dos habitantes da ex-colonia.
Sentimos uma certa satisfação assignalar esta circumstancia, que
avulta as glorias do espirito cearense, á cuja iniciativa perseverante
deve a civilisação nacional esse successo maravilhoso, faustosamente
proclamado em 25 de março, e que conquistou para o Ceará o titulo
honroso de – metropole do abolicionismo nacional. (...)65

63
RODRIGUES. Op. Cit. 2007.
64
O Libertador. Ao Ceará! 25/03/1884. P.1. Grifo Meu.
65
A Província do Pará. A sociedade emancipadora de Benevides. 30/03/1884. Apud Álbum Histórico de
Benevides “Terra da Liberdade.” Grifo Meu.
38

Portanto, o fato de ser cearense e pertencer à província pioneira do abolicionismo


tornavam-nos automaticamente em “cavaleiros da esperança”, como diria Girão e no caso do
Grão-Pará, todos os colonos de Benevides como sendo sinônimos de abolicionistas. Ficando
assim a ideia de que ser cearense “onde quer que elle se ache” estava ligado ao compromisso
com a abolição, como podemos ver abaixo:
Mas, o sentimento cearense, o seu espirito emprehendedor, a sua
actividade, os elevados compromissos de solidariedade, que fazem
d’esse povo uma personalidade tão avultada na admiração das
nações que a contemplam maravilhadas (…) As manifestações
d’aquelle civismo intenso, de que brotou a luz irradiada pela superficie
do mundo, surgem enthusiastas de toda a parte em que existem
cearenses, ou mesmo um cearense.
Não póde, portanto, o cearense que deseja conservar a qualidade de
filho da terra da luz, violar as leis da solidariedade que o prende ás
glorias de sua provincia, sendo ou continuando a ser senhor de
escravos, onde quer que elle se ache.(...)66
Com isso, ser cearense em qualquer parte do Império brasileiro significava ser um
abolicionista sempre a favor da libertação dos escravos, visando o bem maior da nação
brasileira que era alcançar o rol nações cultas, sendo os feitos de cearenses/abolicionistas
divulgados na imprensa local. O que para Bezerra Neto67 esse papel desempenhados pelas
associações e sociedades e a imprensa fazia com que a causa da liberdade, não fosse apenas
“uma realização humanitária e civilizadora, mas igualmente patriótica em seu desmonte da
escravatura, instituição que, herança do período colonial, já não mais caberia no seio da pátria
brasileira em sua busca rumo ao progresso moral e material.” 68
Diante dessa divulgação dos feitos cearenses a imprensa paraense noticiava inclusive
os efeitos da libertação dos escravos no Ceará, em outras províncias do Império pondo a
sociedade local a par das ações dos “filhos da terra da luz”, ao mesmo tempo em que
procurava prestigiar tais acontecimentos. Demonstrando que a ideia da libertação não se
restringia ao Ceará e a cada dia conquistava novos adeptos fragilizando diariamente o sistema
escravista.
Viva o Ceará!
A colonia cearense, residente em Manaós, preparava-se para festejar o
dia de hoje.
Eis o convite que foi feito ao povo:
<<AOS CEARENSES

66
Idem.
67
BEZERRA NETO. Op. Cit. 2011.
68
Idem. Ibidem. P.96. 2011. Grifo Meu.
39

Então?! O 25 de março está á porta e é o dia em que a nossa provincia


deve firmar o labarum da liberdade no Tabor da redempção cearense,
illuminado pelo pharol da civilisação:
E’ o dia em que o jangadeiro cearense, (...) dirá ao Brazil, ao mundo, -
somos iguaes -, a escravidão é um roubo – somos irmãos, e n’esta
bandeira que desfraldamos ás auras beneficas da liberdade (...) Este
dia, cearenses, é para nós, sobretudo, um dia de glorias immortaes, e
que nós [não] devemos deixar passar despercebido. (...)
Todos os cearenses indistinctamente, todos os brasileiros e
estrangeiros que de coração applaudem a liberdade dos captivos (…)
Alguns cearenses.>>69
Esse jogo discursivo em torno do pioneirismo e sentimento inato aos cearenses como
defensores da liberdade, em prol de uma nação é “um exemplo nobre de civismo (...) devem
dal-o os cearenses (...) a Sociedade emancipadora de Benevides offerecemos (...) os nossos
votos de adhesão ao inicio abolicionista que se festeja em 30 de março.” 70 Os acontecimentos
feitos pelos cearenses na província do Grão-Pará eram noticiados na imprensa cearense
também, demonstrando como as ideias libertadoras e patrióticas do autodenominado
abolicionismo pioneiro dos “filhos da terra da luz” estava alcançando novas paragens.
Benevides Livre
A idéa de resgatar a nossa patria aos horrores do escravismo, que é
causa de todos os nossos males, cresce e avoluma-se admiravelmente
por todo o paiz.
Actualmente só ha uma preoccupação para os brazileiros patriotas – a
transformação do trabalho servil e com ella o engrandecimento de
nossa nacionalidade.
Ao Norte e ao Sul do imperio a idéa redemptora continua a produzir
milagres de abnegação e heroismo. (...)
Hoje o Pará, a terra dos rios-mares, a patria de Gurjão, levanta-se
tambem altiva e sobranceira e apresenta á admiração das suas irmãs e
dos povos cultos a Colonia Benevides completamente livre! (...)
A libertação de Benevides, - territorio povoado quasi que
exclusivamente por cearenses, - é um complemento ainda da festa de
25 de março. (…) Os filhos do Ceará, por uma predestinação dos
céos, tem representados sempre papel digno do seu passado e das
glorias da nossa terra. (...)
Honra á gloriosa Colonia Benevides!
Parabéns ao paiz e á civilisação!71
Percebe-se através da imprensa a intensa relação entre o movimento abolicionista paraense a
colônia cearense e os abolicionistas do Ceará vê-se, que os acontecimentos em Benevides não
passam despercebidos pela sociedade cearense porque eram informados sobre as ações do que
a libertadora benevidense fazia na colônia.

69
Diário de Notícias. Viva o Ceará! 25/03/1884. P.1.
70
A Província do Pará. A sociedade emancipadora de Benevides. 30/03/1884. Apud Álbum Histórico de
Benevides “Terra da Liberdade.”
71
O Libertador. Benevides Livre. 14/04/1884. P.2. Grifo Meu.
40

Telegrammas
A’ CEARENSE LIBERTADORA
Pará, 1º de Abril
Colonia Benevides livre de escravos no dia 30 de março.
Libertadora Benevides.72
Tendo a Sociedade Libertadora de Benevides enviado notícias da libertação de escravos
da colônia a Sociedade Cearense Libertadora, no Ceará, é interessante observar ainda a
similitude entre os nomes das duas sociedades abolicionistas haja vista ser uma filial da
Cearense Libertadora no Grão-Pará, como informou em nota o jornal o Libertador em 1882
quando Francisco Cravo esteve de passagem por Fortaleza. E também enviado telegrama
congratulando a libertação dos escravos no Ceará alguns anos depois, demonstrando a estreita
e longa relação entre a província cearense e a colônia agrícola de Benevides.
Salve! 25 de Março!
A’ HEROICA PROVINCIA DO CEARÁ
Pelo 3º anniversario da completa extincção dos seus escravos felicita-
a.
Colonia cearense.73
A notícia seguinte demonstra o ponto de vista dos redatores do Libertador que eram a
um só tempo, membros também da Libertadora Cearense, a já esperada libertação dos
escravos a partir da colônia cearense situada no Grão-Pará levantando novamente à questão
das constantes relações entre o movimento abolicionista cearense e benevidense.
LIVRE BENEVIDES!
Uma prova bem eloquente acaba de dar a provincia do Pará, de que é
verdadeiramente abolicionista.
Nem era de esperar que outra lhe tomasse o passo n’este glorioso
torneio, depois da heroica provincia do Ceará.
Iniciou sua carreira no dia 30 de março ultimo, lavando a mancha
negra da escravidão n’um pedaço de seo sólo, na Colonia Benevides,
onde uma grande parte dos filhos da soberba metropole do
abolicionismo, vive confraternizando comsigo.74
A libertação dos escravos em Benevides foi aos abolicionistas paraenses um passo
importante no caminho “rumo à civilidade”, evento noticiado de forma a envolver os
sentimentos patrióticos mais profundos na sociedade local. Tanto é verdade, que por ocasião
da libertação de Benevides foram dedicados seis colunas do jornal Diário de Notícias com a
notícia a “Redempção de Benevides. A idéa da abolição no Pará”, escrito por Gil Félix num
tom apologético aos feitos dos colonos cearenses chamando a atenção da sociedade local a
seguir aquele exemplo patriótico, que a colônia estava celebrando a fim de poderem navegar
em águas da civilização tal como, seus compatriotas o fizeram decorrendo no Ceará ter sido a

72
O Libertador. Telegrammas. 01/04/1884. P.3.
73
Diário de Notícias. SOLICITADOS. 25/03/1887. P.3.
74
O Libertador. Preludios da extincção do elemento servil no Pará. 17/04/1884. P.2. Grifo Meu.
41

primeira província livre do Império. O jornal Libertador também comunica aos seus leitores
sobre os frutos das ações do abolicionismo cearense na província paraense, pois justamente
“onde uma grande parte dos filhos da soberba metropole do abolicionismo”, habitava decidiu
por unir-se à sua terra natal tomando para si a responsabilidade da libertação escrava naquela
província.

5. A teia de relações da SLB

A Sociedade Libertadora de Benevides se diferenciava das outras do mesmo tipo que


atuavam em Belém no que se refere, por exemplo, a sua constituição social, pois era formada
por representantes de diferentes grupos sociais, tanto de Belém como da colônia mesmo que a
formação básica dela se desse por colonos cearenses. Outro ponto característico dela consiste
na sua atuação, instalação e sede ocorrerem na colônia de Benevides que apesar de fazer parte
do território da capital, não configurava no centro da cidade como as demais associações e
sociedades abolicionistas que foram criadas e instaladas em Belém 75.
Acta da Instalação
Aos vinte e nove dias do mez de Março de mil novecentos e oitenta e
quatro, do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo,
comparecendo em numero de 65 cavalheiros e senhoras, na salla da
escola publica do sexo masculino e havendo eleição para formação da
meza da Sociedade Libertadora de Benevides foram votados para
occuparem os cargos da mesma os cidadãos abaixo mencionados:
PRESIDENTE
Dr. Martinho Domiense Pinto Braga
1º VICE-PRESIDENTE
Francisco Alves Barreira Cravo
2º VICE-PRESIDENTE
Dr. H. E. Weaver
SECRETÁRIOS
Antônio José de Freitas Ramos e
Abel Alves de Queiroz Lima
ADVOGADOS NA CAPITAL
1º Dr. Domingos Olympio Braga Cavalcante
2º Dr. Bemvindo Gurgel do Amaral
EM BENEVIDES
1º Antonio Duarte Antunes Balbi
2º Francisco Alves Soares
THESOUREIROS
Miguel Leopoldo Vasconcellos
Miguel de Lyra Pessoa
PROCURADORES
75
Sobre as demais associações e sociedades abolicionistas atuantes em Belém, confira: BEZERRA NETO, José
Maia. Por todos os meios legítimos e legais: As lutas contra a escravidão e os limites da abolição (Brasil, Grão-
Pará: 1850-1888). Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2009.
42

Francisco Pinto de Mesquita


Francisco da Costa Pinto
DIRECTORES E AGENCIADORES
Dr. Pedro de Moraes Bittencourt, Ignacio Porphirio Soares, Francisco
Alves Barreira Filho, Ignacio Pinto de Andrade, Antonio José Jorge,
Francisco José de Oliveira, Miguel Aureliano de Leonissa, Antonio de
Souza Leal, Luiz Ribeiro Viana, José Pinto de Mesquita, Manoel
Francisco dos Santos, Alferes João Dutra da Vera-Cruz, José Ferreira
Braga, João Francisco Ramos.76
A configuração desse quadro administrativo permite observar a existência de conexões
entre os membros da Sociedade Libertadora de Benevides e pessoas da capital, ao observamos
a composição dos cargos mais importantes desta sociedade quando de sua fundação oficial em
30 de março de 1884. Tais conexões não se davam somente com agentes em Belém, mas
também no Ceará, principalmente através do senhor Francisco Alves Barreira Cravo, esse fato
é um dos pontos chave para as crescentes fugas em direção do núcleo, através do
agenciamento, propaganda e/ou proteção dos escravos que se punham em fuga rumo a
Benevides. É interessante observar que os familiares do presidente, vice-presidente e
secretários da SLB possuíam muitos lotes de terra na colônia benevidense, assim como alguns
de seus colaboradores e agenciadores, há que se observar ainda que muitos dos assinantes da
ata de libertação dos escravos77 em 30 março ou integravam a SLB, ou eram seus parentes e
amigos ou ainda possuíam algum laço de solidariedade/amizade através de laços de
compadrio, dando a entender que não seria qualquer colono cearense que pudesse configurar
o corpo da SLB tendo que estar para isso envolvido na rede de relações existentes na colônia.
A SLB quando de sua instalação oficial em 30 de março de 1884 teve uma boa relação
com a maioria da imprensa belenense, pois recebeu grandes elogios quantos aos seus feitos:
Á illustrada redacção da <<Provincia do Pará>>
A Sociedade Libertadora de Benevides, gloriosamente instalada no dia
30 março, em que se declarou a colonia de Benevides emancipada do
elemento servil agradece summamente a coadjuvação que toda a
imprensa paraense dignou-se dispensar para a brilhante realidade,
cujo testemunho foi presenciado pela primeira autoridade d’esta
provincia. (...)
Junto encontrarão v... (sic) uma lista de offertas com que algumas
senhoras e cavalheiros que se associaram á nossa idéa, procuraram
augmentar o fundo da caixa emancipadora da sociedade, que se não
representa a somma positiva com que se podessem dissolver todos os
grilhões, significa uma collectividade de energias e bons desejos de
vermos bem cedo o municipio da capital desnodoado da escravatura.

76
Retirado do Álbum Histórico de Benevides “Terra da Liberdade”. 1984. Páginas não numeradas.
77
Confira a seção: Anexos.
43

Benevides, 31 de março de 1884 – Martinho D. Pinto Braga,


presidente da Libertadora de Benevides. 78
Entretanto, a imprensa mais conservadora caracterizada pelo Diário do Grão-Pará,
demonstrou um pouco de receio frente a essas medidas tomadas em Benevides pudessem
transformar a colônia em um verdadeiro “mocambo”, e que um possível transtorno decorrente
desse ato poderia causar sérios transtornos à tranquilidade pública tendo como principal
culpado, o governo provincial por permitir que tal violação a propriedade escrava fosse
configurado, apesar de ter salientado a forma ordeira com que se estava dando aqueles
acontecimentos.
Outro ponto relevante no que se refere às conexões e redes de solidariedade
envolvendo os membros da SLB e outros abolicionistas da região é a presença desses no
evento de 30 de março e participando ativamente das festividades, como oradores ou
expectadores. O presidente da SLB Martinho Domiense Pinto Braga recebeu ainda as
congratulações do senhor Cordeiro de Castro pela proposta e também um pedido de desculpa
por ele não ter podido comparecer em tão inestimável evento, que apesar de constar seu nome
na lista dos oradores não pode estar presente. 79
(...) Aberta a sessão serão apresentados á s. exc. o sr. presidente da
provincia as cartas de liberdade a fim de s erem entregues aos
libertandos ao som do yymno (sic) libertador tocado pela banda de
muzica do heroico 15º batalhão.
Depois deste acto o presidente da sessão dr. Pinto Braga declarará
livre e emancipado da escravidão todo o territorio da colonia, dando a
palavra ao orador da sociedade, o sr. dr. Domingos Olympio ao qual
seguirão os srs. dr. José Agostinho dos Reis, dr. Cordeiro de Castro,
conego Aguiar e os oradores inscriptos.
Findo o ultimo discurso, sera encerrada a sessão ao som do hymno
nacional.
A’s 6 horas da tarde uma marcha aux flambeaux percorrerá as ruas de
Benevides em regosijo pelo faustoso acontecimento.80
Esta sociedade de Benevides pretendia promover a libertação dos escravos do núcleo
primeiramente, não escondendo o desejo porém de ver “bem cedo o municipio da capital
[Belém] desnodoado da escravatura”, posto que as suas atividades ajudariam “a dissolver
todos os grilhões” que ainda prendiam muitos escravos no Grão-Pará. O orgulho era tamanho
que os promotores do evento não se obsequiaram em divulgar para o restante do Império
aqueles acontecimentos,
Telegramma ao imperador

78
A Província do Pará. Agradecimento e apello á imprensa e ao publico. Sem data e página. Apud Álbum
Histórico de Benevides “Terra da Liberdade.” Páginas não numeradas. Grifo Meu.
79
Confira a seção: Anexos.
80
O Liberal do Pará. Secção Livre. Programa da Festa da Redempção em Benevides. 29/03/1884. P.2.
44

A Sociedade Libertadora de Benevides expedio um despacho


telegraphico a S. M. o Imperador, communicando-lhe o acontecimento
de domingo.81
Como dissemos os feitos promovidos por esta sociedade mereceram grandes destaques
e elogios de pessoas ilustres da sociedade paraense, destacando a sua adesão ao movimento
abolicionista da Libertadora. Mas como já dissemos antes, esta sociedade diferencia-se das
demais existentes na província, primeiramente por sua composição ser basicamente de
moradores do núcleo, ou seja, cearenses e segundo pela forma de ação que a sobredita
apresentaria. Fato este último que acarretará no término das relações amorosas entre a
Sociedade Libertadora de Benevides e as autoridades provinciais, certa parte da imprensa e
sociedade da província.
Após apresentar um panorama sobre a referida sociedade é interessante mostrar quem
eram esses sujeitos envolvidos com a SLB e como isso repercutiu no modo de agir daquela
sociedade. Comecemos pelo presidente o senhor Martinho Domiense Pinto Braga, cearense,
engenheiro da província e ex-diretor da colônia Benevides, quando estava à frente da
administração foi acusado de utilizar verbas públicas para uso próprio e beneficiamento de
seus familiares. Advindo de boa família ao vir para a província do Grão-Pará e estabelecer-se
como responsável por Benevides, conseguiu construir “uma sólida relação com os migrantes
nordestinos; afinal utilizara o cargo de diretor da colônia para ganhar o respeito e
consideração dos colonos”82, e levando-se em consideração o fato de ser ele quem direcionava
os alimentos e lotes aos recém-chegados havia um condicionamento à gratidão dos migrantes
a sua pessoa. Foi padrinho de casamento dos colonos também cearenses Manoel Thomaz de
Aquino e Maria Luiza Cavalcanti, João Baptista Bacharias e Emília Amália de Souza Freire. 83
Francisco Alves Barreira Cravo era cearense e veio para Benevides logo nos primeiros
anos de sua colonização junto com outras pessoas de sua família Francisco Barreira Filho,
Aprígio Barreira Cravo, Francisco Barroso Cravo, Agripino Barreira Cravo, Fausto Alves
Barreira, Fausto Barreira Cravo e Francisco Alves Soares, que assim como ele também
possuíam lotes de terra na colônia. Em Quixadá a família Barreira Cravo possuía uma
empresa de nome Barreira & Cia e gozavam de poder político e econômico naquela região, é
válido apontar que essa empresa possuía 5 lotes de terras em Benevides 84, além daqueles que
seus familiares detinham. Tinha relações com membros da Sociedade Libertadora Cearense

81
A Província do Pará. A Extincção do Elemento Servil no Pará. 04/04/1884. Apud Álbum Histórico de
Benevides “Terra da Liberdade.”
82
NUNES. Op. Cit. P.168. 2008.
83
Registro de Casamentos em Benevides 1878-1879. Livro 6. CMB.
84
Confira a seção: Anexos.
45

estando inclusive envolvido no processo de libertação dos escravos em Quixadá, todavia sua
família possuísse escravos, como pode ser observado no caso do Capitão Antônio Ricardo da
Silveira Cravo que também era membro da Barreira & Cia ao impetrar judicialmente o
retorno de sua escrava Filomena, maior de 30 anos e mãe de três ingênuos por estar segundo
ele em depósito indevidamente aos cuidados do senhor Evaristo Madeira Barros, assim
procurava reavê-la em vista dos prejuízos que estava tendo com ela em depósito, após alguns
meses de processo Filomena voltou com seus filhos à propriedade de seu senhor. 85
Henrique Weaver 1º engenheiro da província e um dos responsáveis pela construção da
Estrada de Ferro de Bragança, figura recorrente nas solenidades de libertação de escravos das
associações e sociedades abolicionistas de Belém, acredito ter sido ele um dos importantes
elos para a chegada dos escravos em Benevides via estrada. Antônio José de Freitas Ramos,
cearense e fiscal das obras na construção da igreja. Abel Alves de Queiroz Lima, escriturário
da colônia na época da administração de Henrique Constard e professor da escola elementar,
padrinho de casamento dos colonos Joaquim José Vieira e Maria Joaquina da Conceição;
Antônio Geraldo d’Oliveira e Maria Francisca do Espírito Santo; Florâncio Madeira e
Albuquerque e Maria Joaquina do Espírito Santo.86
Domingos Olympio Braga Cavalcante, advogado em Belém, sobrinho de Martinho
Domiense Pinto Braga e assim como o senhor Bemvindo Gurgel do Amaral, também
advogado, esteve envolvidos em vários casos envolvendo a libertação escrava em Belém,
sendo eles ligados a redação do periódico A Província do Pará e sócios do Club Soares
Carneiro que possuía um caráter mais voltado ao emancipacionismo. Antônio Duarte Antunes
Balbi, foi Promotor Público de Vigia tendo sido exonerado do cargo em fevereiro de 1876,
oito meses depois assumiu também como Promotor Interino na Comarca do Marajó, em 1882
atuou como agente de correio na colônia Benevides.
Francisco Alves Soares, morador do núcleo, primo de Francisco Alves Barreira Cravo,
padrinho de casamento dos colonos Antônio Geraldo d’Oliveira e Maria Francisca do Espírito
Santo; Francellino José dos Santos e Maria Delphina de Jesus. 87 Miguel Leopoldo
Vasconcellos, morador da colônia, negociante, coletor de impostos em Benfica tendo sido
exonerado em setembro de 1884 pelo bem do serviço público, atuou como fiscal das obras da
igreja e em 1886 foi nomeado 1º suplente da subdelegacia de Benevides. Miguel de Lyra
Pessoa, cearense, morador do núcleo, padrinho de casamento de Miguel Pereira de Souza e

85
Auto de arbitramento e levantamento de depósito. Ações cíveis. Quixadá. Pacote 1. 1880-1917. APEC.
86
Registro de Casamentos em Benevides 1878-1879. Livro 6. CMB.
87
Idem.
46

Francisca Maria da Conceição; Florâncio Madeira e Albuquerque e Maria Joaquina do


Espírito Santo; Antônio Pereira Lima e Joana Maria da Conceição; Gabriel Monte Fusco e
Maria Emiliana Guedes; Francellino José dos Santos e Maria Delphina de Jesus; José
Francisco Barboza e Felícia Maria da Luz. 88
Pedro de Moraes Bittencourt, paraense, médico comissionado na Comarca de Cametá
e Óbidos, envolvido com as associações abolicionistas da capital e em 14 de abril de 1881,
libertou a escrava Plácida através do Fundo de Emancipação. Ignácio Porphírio Soares,
cearense, padrinho de Manoel Francisco do Nascimento e Maria Angélica da Conceição;
Antônio da Silva Salgado e Rita Izabel do Impossível. 89 Francisco Alves Barreira Filho,
cearense, filho de Francisco Alves Barreira Cravo e administrador adjunto da colônia quando
esteve à frente da administração Martinho Domiense Pinto Braga. Ignácio Pinto de Andrade
cearense, fiscal de Benevides e nomeado 2º suplente da subdelegacia da colônia. Antônio José
Jorge ao que parece era filho de Antônio Bernadino Jorge Sobrinho e também inimigo de José
Ferreira Braga.
Miguel Aureliano de Leonissa, cearense, agente de correios em Benevides e teve seu
pedido de passagem para o Ceará indeferido em junho de 1886. Manoel Francisco dos Santos,
cearense, foi nomeado 2º suplente da subdelegacia de Benevides em outubro de 1882 e 1º
suplente em novembro de 1884. José Ferreira Braga, cearense, lavrador e principal acusado de
agenciar escravos para trabalharem em Benevides. Agora sobre os senhores Francisco Pinto
de Mesquita, Francisco da Costa Pinto, Francisco José de Oliveira, Antônio de Souza Leal,
Luiz Ribeiro Vianna, José Pinto de Mesquita, Alferes João Dutra da Vera-Cruz e João
Francisco Ramos, infelizmente não conseguimos obter mais informações além das que
constam no quadro administrativo da SLB, como sendo eles colaboradores e/ou agenciadores
da referida sociedade.
Percebe-se dessa forma como a teia de relacionamento dos membros da SLB era
complexa e extensa, o que pode ter proporcionado uma margem de manobra para suas
práticas dentro e for da colônia, pois, além dos relacionamentos de amizade alguns deles
compartilhavam laços familiares e compadrio ao se tornarem padrinhos de casamento de
colonos. Nesse sentido, esses contatos entre membros da SLB e demais pessoas de dentro e
fora do núcleo, pois quando das festividades da libertação de Benevides outros agentes
externos a SLB participaram dos festejos e que por sua vez também mantinham relações com
outros abolicionistas nos mais diversos pontos do Império, inclusive no Ceará e Rio de

88
Idem.
89
Idem.
47

Janeiro. Tais conexões entre os abolicionistas permitiram o compartilhamento de ideias e


práticas entre si, como os senhores Agostinho Reis, Marcelino Lima Barata, Manuel
Cantuária, o tenente-coronel Francisco de Lima Silva responsável pelo 15º Batalhão de
Infantaria. As conexões abolicionistas não param nessas pessoas era algo mais amplo e
complexo devido às contínuas redes de amizade entre os membros abolicionistas de diversas
sociedades e associações no Império.
48

CAPÍTULO II

Escravos em fuga, colonos e a Sociedade Libertadora de


Benevides
1. “Escravos fugidos acoutão-se Colonia Benevides”

Em 5 de julho de 1884 foi enviado pelo Subdelegado de Polícia de Benevides Carlos


de Faria uma carta em caráter confidencial ao Chefe de Polícia da Província Joaquim de
Palma. O conteúdo da missiva despertou a atenção da autoridade que, por sua vez, notificou
ao Presidente de Província em exercício, o juiz de direito Roso Danim. A notícia versava
sobre a situação delicada na qual se encontrava a colônia Benevides desde há algum tempo.
Preocupado com que medida tomar frente à situação, Roso Danim telegrafou com urgência e
em caráter reservado ao Chefe do Gabinete Ministerial do Império, o conselheiro Dantas. A
mensagem era a seguinte: “Escravos fugidos acoutão-se Colonia Benevides. Ameação resistir
ordem de prisão. Senhores réclamão entrega. Devo empregar força? Reposta urgente.”900
A mensagem acima, embora breve, permite observar primeiramente uma considerável
presença de escravos foragidos vivendo na colônia benevidense, afinal a presença de alguns
poucos escravos não incomodaria tanto as autoridades provinciais a ponto de haver solicitado
orientação sobre o que fazer, haja vista que a prática da fuga foi corriqueira durante todo
período escravista. O telegrama demonstra uma preocupação a crescente quantidade de
escravos fugidos e reunidos na localidade, ainda que haja uma incerteza quanto à exatidão do
número, pois se fala em torno de 30, 40 ou mesmo mais que 60 escravos refugiados em
Benevides, o que, para um núcleo com habitantes girando em torno de 2.000 pessoas a
presença de 60 escravos foragidos representava cerca de 3% da população. Nesse viés, o
alarme foi dado para além da simples presença escrava na colônia, pois, o telegrama levanta a
informação também de que haveria a probabilidade de resistência por parte dos escravos caso
as autoridades provinciais requeressem a prisão dos homiziados ali, fato que decorreria em
um conflito armado entre as partes.
Assim, alguns meses depois de declarada a libertação dos escravos no território de
Nossa Senhora do Carmo de Benevides e passada a festividades e comemorações em torno da
mesma, pode-se avistar que o Subdelegado Faria não teria vida fácil para cumprir seu objetivo
ao ser escolhido “por portaria de 23 de junho prosimo [sic] [tendo sido] nomeado

90
Carta confidencial ao Exmo. Sr. Conselheiro Dantas. 05/07/1884. Fundo: Segurança Pública. Secretaria de
Polícia da Província. Série: Ofícios – Delegacias e Subdelegacias. 1884. APEP.
49

Subdelegado de policia desta povoação especialmente para prender os escravos que aqui
[Benevides] se achassem refugiados.”91 Posto que, ao que tudo consta, os escravos e também
colonos demonstravam sinais de insubordinação, e portanto, não aceitariam quaisquer
intromissões por parte da autoridade policial caso desejasse devolvê-los aos seus donos.
Frente a esta situação delicada e precavendo uma futura desavença entre a força policial e os
escravos, o subdelegado Carlos de Faria solicitou um reforço do contingente policial para
além das nove, que ele havia levado consigo ao núcleo quando da sua chegada.
Na mesma carta, já citada o Capitão Faria procurou salientar que a situação no núcleo
seria no mínimo tensa, na medida em que não estava sendo possível dar cumprimento ao
objetivo que o tinha levado à Benevides a pedido do Chefe de Polícia da Província. Ao
perceber que a situação dia após dia se tornava mais insustentável “requisit[ou] aquella
autoridade [Chefe de Polícia da Província] o auxilio de mais vinte praças, competentemente
municiados a fim de dar cumprimento a ordem recebida.”92 Ele justificava o pedido pelo fato
de que os escravos que chegavam ou, os que já se achavam refugiados recebiam instruções de
uma parcela dos moradores para nada temerem, afinal, “oppor[iam] resistencia a qualquer
porvidencia [sic] tomada contra elles” 93, tendo recebido a informação por uma pessoa da sua
confiança de que os escravos estavam recebendo até armas para sua defesa. Dois pontos são
levantados a partir da preocupação do Subdelegado: primeiro, ao que tudo indica os escravos
homiziados recebiam incentivos e armas para se oporem às tentativas de serem devolvidos aos
seus donos tanto por parte de membros da SLB, como também de outros moradores da
colônia simpáticos à causa dos escravos. Segundo, havia pessoas contrárias às posições
tomadas pelos escravos e agentes da SLB, na medida em que poderiam estar atuando como
“olheiros” do Subdelegado que afirmou saber de detalhes da resistência na localidade, através
de uma pessoa de sua confiança.
É perceptível nesse sentido a existência de uma relação controlada entre as fugas
escravas em direção à Benevides e as ações da SLB, pois os escravos que acabavam por viver
homiziados no núcleo “estariam protegidos e poderião vir sem mais problemas”, na medida
em que parecia haver um mínimo de estrutura relacional e física de vivência na colônia, posto
que tinham casas próprias ao redor do núcleo, quando não viviam com os membros da SLB,
bem como garantia de trabalho para manterem-se na colônia. Notam-se a partir desse ponto a
subterraneidade do movimento abolicionista de Benevides no momento em que são evidentes

91
Carta do subdelegado João Carlos de Faria ao Chefe de Polícia da Província. Fundo: Segurança Pública.
Secretaria de Polícia da Província. Série: Ofícios – Delegacias e Subdelegacias. 1884. APEP. Grifo Meu.
92
Idem. Grifo Meu.
93
Idem.
50

as conexões entre os membros da SLB e os abolicionistas da Capital procurando prospectar


relações de solidariedade nos mais abrangentes nichos da sociedade, onde as ações desses
abolicionistas junto aos escravos causavam o incômodo dos senhores com as crescentes fugas,
bem como uma possível agitação entre os cativos a partir do momento em que fugir e viver
sob a proteção da SLB em um território livre da escravidão era uma realidade palpável.
Relações essas que não se limitavam apenas aos abolicionistas da capital, mas também com
cearenses que viviam em Belém na medida em que é certo que nem todo o cearense instalado
no Grão-Pará se fixou em Benevides, ampliando ainda mais a teia de ação da SLB.
O Subdelegado Faria continuou argumentando em sua carta que a demora no
tratamento desta questão era prejudicial à manutenção da ordem em toda a província, sendo
alarmante a contínua presença escrava na localidade elevando-se “talvez a sessenta o numero
de escravos [ali] refugiados.”94 Tendo como agravante o fato de ele não poder contar com a
ajuda dos colonos em caso de alguma emergência “por serem quase todos ou todos Cearençes
[sic], (...) e [,portanto,] são os primeiros a aconselhar[em] a insurreição”95, e dessa forma a
existência de uma força policial diminuta como aquela que se apresentava poria em risco a
tranquilidade pública, caso ocorresse quaisquer situações em que fosse necessário imprimir a
ordem. Francivaldo Nunes em sua dissertação de mestrado analisa o histórico desse mal estar
entre os cearenses alocados em Benevides e as autoridades policiais e governamentais da
capital, apontando que foi um processo construído em torno de interesses políticos e
financeiros envolvendo a colônia, o qual propiciou um panorama tendencioso às insurreições
em Benevides. Há que se considerar também a importância da construção de um imaginário
social negativo96 em torno do cearense, por serem considerados como alguém naturalmente
tendencioso a violência e ao conflito e, portanto, mal visto pela sociedade local e passível de
vigilância constante como também aponta Nunes 97. Assim, no momento em que o Capitão
Faria observou a impossibilidade de contar com a ajuda dos colonos por serem eles cearenses,
implica dizer que o clima de insubordinação estava diretamente ligado à presença cearense na
localidade reproduzindo o juízo de valor em voga no seu tempo.
As notícias que chegavam preocupavam porque a cada dia se tornava insustentável
tapar os olhos frente à constante fuga de escravos a Benevides, pois, segundo as informações
recebidas pelo subdelegado havia entre os colonos pessoas que aconselhavam aos escravos de
Belém e arredores a se refugiarem na colônia “promettendo-lhes seu apoio e dos cearenses alli

94
Idem.
95
Idem.
96
NUNES. Op. Cit. 2008.
97
Idem. Ibidem. 2008.
51

residentes para não voltarem ao domínio de seos senhores” 98, com promessas de resistência a
quaisquer prisões e reenvio dos fugitivos à capital “garantindo-lhes [mesmo] que [fosse] pela
força, se oppor[i]ão a qualquer ordem das autoridades contrária aos seos intentos.”99
E que diante dessa atitude dos colonos benevidenses em não querer entregar os
escravos fugidos, o Chefe de Polícia solicitara permissão para usar a força caso fosse
necessário a fim de “tomar providencias que restabeleção o imperio da lei n’aquella
colonia.”100 Pois, o Chefe de Polícia não desejava proceder de modo que pudesse contrariar as
ações do Governo Imperial no que se referia à Questão Servil, visto que era um assunto
delicado e carregado de interesses econômicos, políticos e sociais e que naquele momento
travava-se uma forte discussão no Parlamento em torno do Projeto de lei que se tornaria no
ano seguinte a Lei dos Sexagenários. Todavia, reiterava o alerta quanto ao perigo de não se
fazer caso do assunto ou mesmo na demora em atendê-lo, devido a pouca distância da colônia
em relação a capital. O Presidente da Província seguiu sua argumentação demonstrando que a
colônia receptora dos escravos em questão distava menos de 30 quilômetros de Belém e por
ser composta em sua maioria de cearenses, tornava-se a situação ainda mais perigosa devido
as ideias de liberdade que circulavam no Ceará, o que resultava em “pêssoas mal
intencionadas [que] procur[av]ão persuadil-os que pelo facto de [que] refugiarem-se n’aquella
localidade est[ari]ão livres.”101
Sobre as comunicações entre as autoridades provinciais e demais autoridades do
Império foram encontrados no Arquivo Público do Estado do Ceará 102 alguns livros de
registro dos telegramas recebidos pelas autoridades provinciais cearenses e demais
autoridades do Império, e percebi uma intensa troca de informação entre os presidentes das
províncias do Grão-Pará e do Ceará. Nesse sentido, penso ser válido ainda apontar aqui o
registro de vários telegramas trocados entre os presidentes de províncias do Grão-Pará e
Ceará, presidente do Conselho de Ministros, Ministro do Império, Ministro da Justiça,

98
Carta do subdelegado João Carlos de Faria ao Chefe de Polícia da Província. Fundo: Segurança Pública.
Secretaria de Polícia da Província. Série: Ofícios – Delegacias e Subdelegacias. 1884. APEP.
99
Idem.
100
Idem.
101
Idem.
102
Fundo do Governo da Província. Registro de ofícios da Presidência da Província dirigido á vários. Livro:
322. Caixa: 64. Prateleira: 35. Estante: 06. 1884.; Fundo do Governo da Província. Registro de ofícios da
Presidência da Província do Ceará dirigidos aos Presidentes da Província do Amazonas, Pará, Paraná, Mato
Grosso. Maranhão, etc. Livro: 323. Caixa: 64. Prateleira: 35. Estante: 06. 1884.; Fundo de Segurança Pública.
Secretaria de Polícia do Ceará a diversas autoridades fora desta província. Ofícios. Livro: 333. Estante: 44. 1878-
1891.; Fundo de Segurança Pública. Secretaria de Polícia do Ceará a diversas autoridades fora desta província.
Ofícios. Livro: 343. Estante: 44. 1885-1889.; Fundo de Segurança Pública. Secretaria de Polícia do Ceará a
diversas autoridades fora desta província. Ofícios. Livro: 345. Estante: 44. 1878-1886. APEC.
52

Ministro da Guerra e Ministro dos Negócios Estrangeiros, quase sempre em caráter de


urgência durante o segundo semestre de 1884. Infelizmente não foi possível encontrar os
telegramas e detalhes de seus conteúdos, mas é perfeitamente plausível que a troca de
informações entre as autoridades das duas províncias tenha a ver com o estado de ânimo em
Benevides já que o período coincide com a movimentação por lá.

2. Trabalho e moradia: Escravos, colonos e a SLB

Como dito anteriormente, o Subdelegado Faria estava certo ao prever que tão logo
haveria um conflito direto entre a força policial e os escravos fugidos localizados em
Benevides, assim toda essa tensão deslanchou em 12 de agosto de 1884 quando uma preta
chamada Severa foi presa enquanto caminhava livremente pela colônia, acendendo a faísca
que faltava nas tensões entre os negros acoutados em Benevides e o poder provincial, devido,
como já falado, às crescentes fugas escravas para a localidade, principalmente após ter se
declarado livre da escravidão. A prisão da escrava resultou na tomada de decisão por parte
dos pretos em retirá-la a força da cadeia, o arrombamento causou muita confusão e um
conflito direto entre praças e os insurgentes. Sendo que depois de acalmados os ânimos
iniciou-se um processo de investigação criminal visando reprimir os culpados, tendo sido
inquiridos vários colonos. Entre eles, Gentil Augusto Soares, 40 anos, casado, comerciante,
paraense e morador de Benevides, que perguntado sobre o paradeiro dos fugitivos disse que
os escravos existentes na colônia desapareceram “pelas mattas depois da chegada da força
publica”103, ou seja, a forte repressão policial que se deu logo em seguida ao conflito
acarretou na fuga de muitos escravos da colônia, refugiando-se nas cercanias do núcleo.
Deixando para o capítulo seguinte os desdobramentos em torno dos conflitos de 12 de
agosto, a fala de Gentil Soares levanta a discussão sobre a moradia dos negros na colônia e a
contradição observada nos testemunhos arrolados no referido processo criminal torna essa
questão mais interessante, pois alguns dos inquiridos afirmaram que os escravos fugidos
viviam circulando livremente pela colônia e alguns moravam em casa de José Ferreira Braga,
principal réu acusado de ser o capitaneador do conflito, membro da SLB e, por isso, um dos
maiores incentivadores da fuga para Benevides. Outros, no entanto, haviam alegado que
muitos dos fugitivos possuíam habitação própria nas proximidades do núcleo, para onde
talvez tenham se refugiado quando a força policial chegou à colônia a fim de levá-los presos
como afirmou Gentil anteriormente. O que leva à outra questão: se o aumento de fugas em

103
Fala de Gentil Augusto Soares, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência e Arrombamento de
Cadeia contra José Ferreira Braga e outros. 1884. Cód.: 300.048.205.177-508 Diversos. Est.: N2 Not.:1. CMA.
53

direção a Benevides não estaria ligado a formação de famílias habitando as cercanias da


localidade, por ser ali considerado um “reduto escravo” e, portanto, seguro na medida em que
as ações dos abolicionistas, colonos e dos próprios escravos permitiam uma rotina
minimamente tranquila até o momento da libertação de Severa, pelo menos. O que é
plausível, pois, segundo Leôncio Siqueira em fins de janeiro de 1887 uma tropa foi enviada a
Benevides a fim de buscar uma “infeliz rapariga” que constava ser escrava de senhor
ignorado, entretanto, por ter sido previamente avisada sobre a diligência, à mulher pôs-se em
fuga novamente, mas sua filha que estava escondida em uma das casas da colônia foi levada à
capital104.
Pelo fato da constante presença de escravos fugidos em Benevides a presença da força
policial na colônia tornou-se constante durante os últimos anos da década de 1880. Mesmo
com o acalmar dos ânimos no núcleo, nota-se na documentação policial um crescente envio
de praças à localidade na temeridade de um novo levante e consequente alastramento pela
província. Durante o ano de 1884 a entrada de praças no núcleo foi crescente, sendo esse
aumento na segurança podendo estar diretamente ligado com o aumento da tensão no núcleo.
Excluindo-se o mês de abril que indica uma pequena queda nesse percentual e os meses de
maio e junho onde não foram encontradas informações sobre a questão, a tendência foi
aumentar. Em janeiro, Benevides possuía quatro praças, em fevereiro cinco, em março seis,
em abril o número cai para quatro novamente, ficando os meses de maio e junho sem
informações105 sabe-se também através da carta confidencial106 do subdelegado ao Chefe de
Polícia que no mês de julho o número de praças ficou em quatro. Em agosto, mês em que
ocorreu o conflito e semanas após o subdelegado ter solicitado ao Chefe de Polícia o envio de
novas praças para garantir a ordem, o núcleo possuía sete praças. Entretanto, em setembro a
documentação demonstra uma grande preocupação com a manutenção da tranquilidade
pública na colônia, pois, esse mês apresentou um recorde de praças prenotados na localidade
com o número de trinta soldados como observado nos ofícios do Corpo de Polícia da
Província.107 Para os meses subsequentes a setembro infelizmente não encontrei informações
documentais, muito embora, infere-se que se deva ter mantido elevado a presença policial no
núcleo devido às constantes batidas em buscas de escravos fugidos como pode ser observado
nas várias denúncias dos periódicos abolicionistas.

104
SIQUEIRA, José Leôncio Ferreira de. Benevides: História e Colonização. Prefeitura Municipal de
Benevides: Bnevides-Pará. 2014. P.331.
105
Confira a relação nominativa na seção: Anexos.
106
Carta do subdelegado João Carlos de Faria ao Chefe de Polícia da Província. Fundo: Segurança Pública.
Secretaria de Polícia da Província. Série: Ofícios – Delegacias e Subdelegacias. 1884. APEP.
107
Ofícios ao Corpo de Polícia. 1884. Códice: 1795 mod. 17. Prateleira 01. APEP.
54

Percebe-se também uma constância na rotatividade dos praças enviados, mesmo nos
meses em que o número da guarnição era reduzido. Esse rodízio poderia estar ligada à tática
de segurança, pois quanto menos tempo os praças ficavam na colônia mais difíceis seriam as
probabilidades de criarem laços familiares e de amizade dificultando alianças com os colonos,
o que poderia prejudicar a tarefa inicial de busca e apreensão de negros fugitivos a fim de
serem restituídos aos seus senhores. Flávio dos Santos Gomes analisou as repercussões da
criação de laços de solidariedade entre desertores militares e acoutadores junto aos mocambos
desde o período colonial na Amazônia, fato que ocupou boa parte da atenção das autoridades
provinciais na região, pois com os “índios considerados emancipados, a população negra livre
crescendo e uma floresta sem fim, era cada vez mais difícil identificar e capturar fugitivos e
habitantes de mocambos na região.”108 Afinal, havendo rede de proteção e solidariedade
maiores seriam as dificuldades encontradas à realização das ordenações provinciais e um
consequente aumento nas fugas escravas, Luiz Carlos Laurindo Junior em sua dissertação de
mestrado trata das redes de sociabilidade e solidariedade no âmbito da escravidão urbana em
Belém para o período em questão, procurando demonstrar a importância de tais redes para o
sucesso ou não das fugas, da manutenção da liberdade pós fuga e promoção de estratégias de
liberdade escrava109.
Diante desse panorama de tensão medidas foram tomadas pelo governo provincial para
que as desordens ocorridas em Benevides não se espalhassem província a fora, como pode ser
visto nessa notícia do jornal Diário de Notícias, ao relatar a truculência da força policial
ocorrida no núcleo em 30 de agosto de 1884:

Hontem, uma escolta de vinte soldados, capitaneados pelo capitão negreiro


João Carlos de Faria [grifo original], atacou, ás 2 horas da manhã, uma
casa situada n’esta colonia, onde pernoitavam dez infelizes escravos;
arrombando as portas, surprehende-os e depois de espaldeiral-os manda-os
amarrar com as mãos para as costas e conduzil-os para a capital!!!
Ha poucos dias a prisão da escrava Severa, ainda obra d’esse capitão
negreiro, deu lugar aos acontecimentos de que o publico ja tem noticia. 110

Essa diligência policial pode ser interpretada de forma a corroborar a ideia de tensão no
núcleo e medo de uma contaminação de rebeldia escrava pela província, demonstrando o
empenho da polícia em reprimir as fugas escravas em Benevides. E demonstra ainda a

108
GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: Mocambos, quilombos e comunidades de fugitivos no
Brasil (Séculos XVII-XIX). São Paulo: Ed. UNESP: Ed. Polis. P.81. 2005.
109
LAURINDO JUNIOR, Luiz Carlos. A cidade de Camilo: Escravidão Urbana em Belém do Grão-Pará
(1871-1888). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Pará. 2012.
110
Diário de Notícias. Os Negros Amarrados. 31/08/84. P.2. Grifo Meu.
55

anuência dos colonos cearenses frente à presença escrava na localidade, pois, “pernoitavam
dez infelizes escravos” em uma casa situada na colônia, ainda que o fator surpresa da
diligência estivesse relacionado com a possibilidade de nova fuga desses escravos caso
soubessem o intento da autoridade, deixando margem aqui para a interpretação de que os
próprios colonos estivessem repassando informações sobre a localização desses cativos ao
subdelegado Faria.
No entanto, a ideia que foi passada oficialmente destoava da apresentada pela notícia
acima como pode ser observado na documentação confidencial entre o Chefe de Polícia da
Província e o Presidente da Província João Silveira de Souza. O Chefe de Polícia procurou
manter a ideia de controle sobre o núcleo:

Communico a V.Exa que o estado desta colonia nada tem de inquietador,


reinando ao contrario a maior tranqüilidade (...) tratei de proceder ao
inquerito (...) ja inquirido seis testemunhas, de cujos depoimentos ressalta[-
se] a criminalidade dos cidadãos Ferreira Braga e Antonio dos Santos (...). 111

Mesmo demonstrado que “o estado desta colonia [Benevides] nada t[inha] de


inquietador”, a resposta ao levante de escravos por parte das autoridades através da instalação
de um processo e inquérito policial rápido, bem como na crescente presença da força policial
na colônia, principalmente após 12 de agosto de 1884, fez-se notável. Havia, portanto certo
temor quanto à proliferação das tensões escravas em Benevides, o que fez as autoridades
provinciais trocarem correspondências confidenciais corriqueiramente onde o assunto
principal era o alerta para manter o “estado” de Benevides no maior sigilo possível112.
Todavia, as autoridades provinciais alcançaram seu intento ao conseguirem desmontar a
resistência ativa as ordens de prisão e devolução dos escravos capturados na colônia, porque
após o episódio do arrombamento de cadeia para libertar a escrava Severa não houve mais
notícias de conflito direto entre escravos, colonos e a força policial. Por outro lado, apesar da
vigilância e repressão garantidora da ordem e tranquilidade pública imposta a Benevides as
fugas de escravos não cessaram mantendo-se dessa forma a resistência de cativos e dos
membros da SLB frente à repressão. Tanto que após os conflitos de 12 de agosto vários
escravos foram capturados e trazidos a Belém a disposição de seus senhores após o

111
Carta do Chefe de Polícia José Joaquim de Palma ao Presidente da Província João Silveira de Souza.
14/08/84. Secretaria de Polícia do Pará. Ofícios. 1883-1884. Caixa. 401. Série: 13. APEP.
112
Idem.
56

pagamento das despesas na cadeia pública de São José, entre eles, Dionizio, Firmina,
Raymundo, Firmino, João, Januário, Felicíssimo, Alpones, Isaías e Ângela 113.
O depoimento de algumas testemunhas inquiridas no processo permite visualizar o
comportamento dos negros fugidos enquanto viviam na colônia, bem como suas relações com
os colonos demonstrando por parte de alguns o incômodo que causavam com as suas formas
de viver em liberdade. Domiciano Ferreira Lima Verde com 40 anos, casado, cearense e
residente na colônia, ao ser perguntado sobre o procedimento dos escravos respondeu ser de
grande tormento a presença deles circulando livremente, pois passavam as noites
“embriagados ao toque de rabecas, harmonias, fazendo gritarias, perturbando distante o
socego e a tranquillidade publica.”114 Nota-se nessa fala que não houve uma pretensa
unanimidade quanto à presença dos negros e das atividades da SLB por alguns moradores do
núcleo. O que nos leva a pensar que estes colonos contrários às práticas dos abolicionistas de
Benevides, puderam ter contribuído na denúncia e captura dos dez escravos que deram
entrada na Cadeia Pública de São José em fins de agosto. Mas, se for isso, quais motivos os
levaram a esperar tanto tempo para explanar suas opiniões?
Entre as várias explicações, uma que fica clara na documentação é a utilização do
trabalho desses escravos pelos próprios colonos, através do aluguel dos mesmos junto ao
responsável SLB, que tudo indicaria ser José Ferreira Braga. Em meio ao processo existem
dois recibos que confirmam o uso da mão de obra escrava pelos colonos. Neles são expressos
os valores do aluguel de alguns escravos ao senhor Ignácio Lopes Façanha, agricultor, casado,
cearense, 56 anos e morador na colônia de Benevides pelo tesoureiro da SLB, o então réu José
Ferreira Braga, tendo sido lavrada no Cartório de Benfica 115 referente à quantia “dada [como
pagamento do aluguel dos serviços] de cinco ou seis escravos fugidos ao preço de dous mil
reis diários”, comprovando relações entre integrantes da SLB e os colonos. 116
A documentação mostra Ferreira Braga como sendo o elo principal entre os colonos e
os escravos fugidos usando a locação do trabalho desses cativos, pois, o que se depreende das
falas das testemunhas é que era ele quem destinava os serviços a quase todos os escravos que
se achavam refugiados em Benevides, “onde [i]ão fazer todos os dias pela manhã sêdo saber o

113
Fundo Segurança Pública. Secretaria de Polícia da Província. Séries: Ofícios Cadeia Pública. 1882-1884.
APEP.
114
Fala de Domiciano Lima Verde, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
115
Durante a pesquisa fui até ao Cartório de Benfica para conferir a documentação do local e ver se encontrava
os possíveis contratos de trabalho entre a SLB e os escravos, ou alguma informação que trouxesse mais detalhes
acerca das relações entre colonos, escravos e a SLB. Não foi encontrado algo nesse sentido, no entanto, a viagem
não foi perdida, pois entrei em contato com uma documentação muito interessante sobre Benevides e seus
colonos.
116
Confira a seção: Anexos.
57

que h[avia] para fazer, é[ra] quem lhes fornec[ia] mantimento e ferramenta e também que[m]
receb[ia] os salários.”117 Os escravos acoutados em Benevides faziam os mais diversos
serviços na colônia como explica a testemunha Maria Pinheiro da Conceição, 30 anos,
paraense, casada e moradora no núcleo, quando lhe foi perguntado sobre como se ocupavam
os escravos disse que além de saber da existência de vários escravos fugidos vivendo
livremente na colônia, muitos se “occupavão em capinar e retirar madeiras.” 118
O relatório do antigo diretor da colônia Antônio Jorge Sobrinho, de 1880, apesar de
não se referir diretamente sobre o trabalho de escravos em Benevides serve para elucidar a
diversidade das ocupações e consequentes oportunidades que um escravo foragido poderia ter
para reunir fundos suficientes para comprar sua alforria. Estando entre os afazeres o
encoivaramento, limpeza e medição de lotes, a construção e manutenção da estrada entre
Benfica e Benevides, manutenção dos prédios públicos, reparo nos canaviais e capinais do
governo para o sustento dos animais, entre outros. Enfim, além de trabalharem diretamente
para os colonos, os escravos também atuavam na manutenção da Estrada de Ferro que cortava
Benevides como declarou Antônio Basílio de Meneses, soldado de polícia, 39 anos, casado,
sergipano, morador na Rua do Conselheiro Furtado, ao ser perguntado se sabia que os pretos
eram escravos, respondeu “sab[er] que éram escravos por lh’o terem dito, e que éra certo que
existião em Benevides muitos [escravos] fugidos de seos senhores por estarem trabalhando na
via-férrea [o que soube] com um conhecido [s]eu que também trabalha[va] la e dizia estarem
sob [a] protecção de Ferreira Braga.”119
Vicente Martins de Amorim, 38 anos, cearense, agricultor, casado e morador do
núcleo, confirmou o que o praça Antônio Basílio alegou sobre o uso de escravos fugidos
trabalhando na Estrada de Ferro de Bragança, reiterando saber que eram reconhecidos por
todos na colônia que os pretos eram fugidos haja vista que sempre apareciam esses tipos por
ali e sendo inteiramente estranhos a colônia. Esse último trecho da fala de Vicente Martins
demonstra como a situação de Benevides como receptora de escravos fugidos era cômoda em
alguns pontos, pois, mesmo quando alguns desses escravos agiam de forma desagradável na
visão de alguns, ao apontarem que os fugidos “passa[va]m a noute embriagados (...)
perturbando distante o socego e a tranquillidade publica” 120, os colonos benevidenses
utilizavam a mão de obra desses escravos ou tinham conhecimento do uso deles nos mais
diversos serviços no núcleo, apesar do conhecimento do ato de acoutamento de escravos ser

117
Fala de Ignácio Façanha Lopes, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. Grifo Meu. CMA.
118
Fala de Maria Pinheiro da Conceição, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
119
Fala de Antônio Basílio de Meneses, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
120
Fala de Vicente Martins de Amorim, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
58

crime, como afirmou Ignácio Lopes Façanha ao enviar uma carta121 ao subdelegado de
Benevides prestando esclarecimentos sobre as acusações que vinha sofrendo por parte de
alguns moradores sobre acoutamento e participação na SLB, tanto que, quando inquirido pelo
subdelegado negou fazer parte e/ou ter relações com qualquer sociedade abolicionista que ali
agisse ao mesmo tempo em que negou envolvimento no “acoutamento dos pretos fugidos,
pois que sab[ia] que é[ra] crime.”122
Além dos trabalhos exercidos na manutenção da Estrada de Ferro os escravos
trabalharam possivelmente nos vários engenhos existentes na colônia, entre eles o do italiano
Miguel Monte Fusco localizado entre as 1ª e 2ª transversais sendo ele a vapor para o fabrico
do açúcar e aguardente. Havia também o engenho a vapor antes movido à tração animal do
francês Jean Narcise Viens trabalhando com a produção de aguardente. Os colonos nacionais
João Francisco da Silva Leão, Rufino José de Barros e Ignácio Façanha Lopes também
possuíam engenhos voltados à produção de aguardente e açúcar embora mais modestos, o que
pode explicar o fato deste último ter alugado junto a Ferreira Braga alguns escravos. Em
inícios de 1881 o engenheiro e presidente da SLB Martinho Domiense Pinto Braga
entusiasmado com a prosperidade no núcleo, afirmou “ter em março do corrente anno um
engenho a vapor do melhor aperfeiçoamento, e convidando os emigrantes a [promoverem um]
grande plantio em canna para ser desmanchada de sociedade em assucar e aguardente.” 123 Ao
lado destes estabelecimentos havia ainda algumas pequenas engenhocas de madeira
destinadas a fabricação de rapadura e mel, três padarias, trinta casas de comércio e um
açougue demonstrando a viabilidade de encontrar bastante trabalho por parte dos escravos. 124
Uma ideia que salta das fontes no que se refere ao trabalho escravo é a constância em
enquadrar José Ferreira Braga e os demais envolvidos com as atividades da SLB, como sendo
aproveitadores da mão de obra escrava que se encontrava na colônia. Corroborando a ideia de
que a participação dos acusados no levante tinha a ver com o fato de participarem da SLB,
como afirma Domiciano Ferreira ao ser perguntado sobre qual a motivação que levou José
Ferreira Braga a atentar contra a autoridade local, dissera que “supp[unha] que a causa é[ra]
fazer parte elle Ferreira Braga de uma sociedade abolicionista e tornou-se por isso protector
dos escravos”125 que para lá se dirigiam.

121
Confira a seção: Anexos.
122
Fala de Ignácio Façanha Lopes, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. Grifo Meu. CMA.
123
Relatório da Presidência da Província do Pará. 15/02/1881. Relatório de Antônio Jorge Sobrinho, Diretor da
colônia Benevides. Anexos. P.166-180. Disponível em: www.crl.edu. Acesso em: 07 de abril de 2012.
124
Idem.
125
Fala de Domiciano Ferreira, servindo de testemunha. 1884. CMA.
59

Ainda sobre colocar os envolvidos com a SLB como aproveitadores e manipuladores


dos cativos que se destinavam à colônia, Roberto Caires 126 e Alice Aguiar de Barros Fontes127
demonstraram que acusações semelhantes foram feitas contra os membros da Sociedade
Libertadora Bahiana e os Caifazes ao utilizarem como um dos métodos de ação a
intermediação da força do trabalho dos escravos sob sua direção e a sociedade local no qual
estavam inseridos. Em seu testemunho Vicente Martins de Amorim, respondeu sobre o modo
que os membros da sociedade abolicionista lidavam com a mão de obra escrava na colônia
afirmando saber que o acusado trabalhava com os escravos fugidos na Estrada de Ferro de
Bragança não sabendo, por outro lado, se os empregava em serviços em sua casa “e que não
lhe consta[va] que eles [os escravos] moravão com ele réo, sabia um ou outro, pois a maior
parte delles ou quase toudos eles tinhão seus domicílios separados da casa do réo.”128 Há
aqui novamente indicações de que os escravos possuíam uma vida independente dos membros
da SLB, ou melhor, que tinham em Benevides condições mínimas de moradia própria nas
proximidades do núcleo.
Deve-se ser observado ainda que mesmo frente à existência de uma “tutela” sobre os
escravos e intermediação do trabalho por parte dos membros da SLB, deve ser considerado o
protagonismo escravo quando eles aceitavam tais condições para alcançar sua alforria, a
liberdade de escolha era totalmente deles. Afinal, o protagonismo escravo se fazia desde a
escolha pela opção da fuga rumo a Benevides, na sua permanência na localidade e no acordo
dos termos propostos para sua estada na colônia, afinal, se escolhessem não trabalhar para os
colonos em troca de salários, não quisessem permanecer no núcleo e sim nas matas da região
ou mesmo não fugissem rumo ao núcleo? Quem os impeliria, depois de tomada sua decisão?
Penso que dificilmente algum membro da SLB teria meios para tal fim, e se os tivesse seria
provavelmente temporário até, pelo menos, a próxima oportunidade de fuga.

3. Um quilombo abolicionista?!

Em vista dos pontos apresentados até aqui é possível pensar a colônia de Benevides
assumindo algumas características do “quilombo abolicionista” caracterizado por Eduardo
Silva129, que diferia do modelo tradicional de resistência quilombola cuja máxima entre seus
membros era a política do esconderijo, visando a proteção da sua organização interna e
126
SILVA. Op. Cit. 2011.
127
FONTES, Alice de Aguiar Barros. A prática abolicionista em São Paulo: os caifases (1882-1888).
Universidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo. 1976.
128
Fala de Vicente Martins de Amorim, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
129
SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura: Uma investigação de história cultural.
São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
60

sempre temerosa a quaisquer tipos de forasteiros mesmo que em muitos deles tenha
sobrevivido uma coexistência entre escravos, índios, homens pobres e livres, desertores, etc.,
como aponta Flávio Gomes. 130 Já no quilombo abolicionista que vem a surgir no contexto da
intensificação do movimento abolicionista “as lideranças são muito bem conhecidas, cidadãos
prestantes, com documentação civil em dia e, principalmente muito bem articulados
politicamente”131, assim acontecia com alguns membros da SLB, entre eles o engenheiro e
presidente Martinho Domiense Pinto Braga; Henrique J. Weaver, o 2º vice-presidente e 1º
engenheiro da Estrada de Ferro de Bragança; ou, Domingos Olímpio Braga advogado da SLB
em Belém e membro de várias associações em prol da libertação escrava, para citar alguns
exemplos. Este tipo de quilombo era também mais próximo das cidades, sendo resultado de
uma complexa e tênue negociação política e social, que lhe permitiu uma nova estratégia de
sobrevivência tendo como uma de suas características mais marcantes a boa localização.

Não é certamente por acaso que tanto o quilombo do Jabaquara, na cidade


portuária de Santos, como o quilombo do Leblon, na periferia da cidade do
Rio de Janeiro – os dois quilombos abolicionistas clássicos – surgiram
exatamente nas proximidades de estações terminais de bondes puxados a
burro. A boa rede de comunicação e transporte facilitou muito a articulação
dos quilombos ao movimento político abolicionista. Sabemos hoje que os
quilombos abolicionistas eram muito visitados por gente de ideias
avançadas.132

Benevides, por sua vez, tinha na linha férrea da Estrada de Ferro de Bragança um
importante meio de locomoção de abolicionistas e não seria descabido imaginar que escravos
em fuga usassem ou fossem transportados clandestinamente nos vagões do trem rumo à
colônia. Por outro lado, à moda do quilombo abolicionista de Jabaquara ou Leblon, urbanos
ou semiurbanos, ou ainda próximos da área urbana, em Benevides ainda que distando 30 km
da capital paraense, a reunião de escravos fugidos na referida colônia era considerado
potencialmente perigoso pelas autoridades provinciais. Afinal, não seria tão distante de
Belém, lembrando ainda que o núcleo colonial de Benevides, ainda que agrícola, tinha um
centro urbano ou que se queria urbanizado.
Ainda segundo Eduardo Silva, o Quilombo Abolicionista do Leblon adquiriu muitos
inimigos entre os fazendeiros escravistas e os setores conservadores do Rio de Janeiro,
sofrendo pressões e boicotes em suas relações comerciais. Mas, devido à proteção dos
abolicionistas e mesmo da Princesa Isabel as incursões na localidade quase sempre eram
130
GOMES. Op. Cit. 2005.
131
SILVA. Op. Cit. P. 11. 2003.
132
Idem. Ibidem. P.19. 2003. Grifo Meu.
61

frustradas, devido essa rede de solidariedade e proteção que cercava o Quilombo do Leblon.
Em uma dessas muitas incursões ao quilombo os agentes dessa rede correram para prevenir o
Seixas (liderança do Quilombo do Leblon), em seu local de trabalho que os “agentes de
polícia iam varejar-lhe a fazenda e prender acoitados. Não se perturbou. Atirou-se para o
paço Isabel. A princesa ouviu-o com interesse e tranqüilizou-o. Falaria ao Imperador.
Realmente a autoridade não devassou os rosais do Leblon. (…)”133
Assim, como no Leblon, em Benevides as fontes demonstram a existência dessa rede
de proteção entre colonos, abolicionistas e negros fugidos incentivando fugas, dando abrigo e
trabalho àqueles que buscavam a colônia para viverem a sua liberdade. Acirrando o impasse
entre os interesses dos senhores, dos negros e dos abolicionistas, criando um clima perfeito
para o aumento das tensões e deflagração de força por parte das autoridades policiais. No
entanto, vale resguardar a informação de que em Benevides as relações comerciais não
pareciam estar sendo afetadas, como no Leblon, pois, Belém dependia muito da produção
advinda da localidade e querendo ou não a mão de obra escrava fugida no núcleo contribuía
para a continuidade da produção. No que se refere ao quilombo do Jabaquara em Santos,
Alice Fontes também comenta sobre a existência de uma rede de solidariedade e proteção
muito importante ao sucesso das ações perpetradas pelos membros dos Caifazes que
envolviam membros de vários setores da sociedade.
Benevides, todavia, era uma colônia agrícola de povoamento cearense e, portanto,
composta por pessoas livres, ao passo que o quilombo abolicionista mesmo tornando-se mais
visível e visitado por pessoas conhecidas e importantes da sociedade local, mantinha uma
composição majoritariamente de escravos e pretos livres. Fato este que não é observado em
Benevides, ainda que abrigasse em suas matas ou casas mais de 60 escravos fugidos. No
entanto, se for pensada essa questão a partir do ponto de vista escravo, aí sim a colônia
agrícola torna-se um quilombo abolicionista a partir do momento em que representara uma
possibilidade real de vivência livre, viver sobre si e para si, mesmo que por vezes
condicionados a trabalhos assalariados intermediados pela SLB a fim de torná-los livres mas,
tais decisões não deixavam de ser também tomadas por eles.
Retomando o uso do trabalho dos escravos fugidos, os questionamentos levantados ao
longo das inquirições dos colonos de Benevides acerca do uso indevido pelos membros da
SLB da mão de obra escrava, por parte da autoridade policial, encontrou reforço no
depoimento de Úrsula Maria de Lyra, 36 anos, engomadeira, pernambucana e moradora na

133
Idem. Ibidem. P.27. 2003. Grifo Meu.
62

colônia. Ela revelou que o motivo de ter ocorrido a retirada de Severa da cadeia fora porque
José Ferreira Braga tinha “os escravos fugidos á seo serviço e a escrava em questão [Severa]
[trabalhando] em sua casa.”134 Informação essa que foi reiterada por outra testemunha durante
o inquérito, que José Ferreira Braga se utilizava do trabalho dos escravos fugidos, como se
fossem de sua propriedade, como deixou claro Maria de Conceição de Lyra, 30 anos,
engomadeira, natural do Ceará, moradora na Travessa da Glória que afirmou por ouvir dizer
pela colônia que a tal Severa foi retirada da cadeia por estar “antes de ser presa ao serviço do
réo Braga em sua casa, e como se fosse sua escrava.”135
Aqui neste ponto cabe a discussão levantada pela historiadora Célia Maria de
Azevedo136 ao tratar do abolicionismo no Brasil e sua posição ambígua frente à questão da
libertação escrava, onde conservadorismo e radicalidade nem sempre eram posições
antagônicas nas práticas das associações e sociedades abolicionistas pelo Império. Afinal a
linha divisória entre o conservadorismo e radicalismo no movimento abolicionista brasileiro
era bastante tênue, portanto, o que se vê nas ações da SLB é justamente essa ambiguidade
inerente ao movimento abolicionista no Brasil, mesmo quando este se tornou mais atuante a
partir de 1880. A autora coloca a questão da seguinte forma:

Devido a este caráter limitado de classe [dos abolicionistas], que apenas


muito timidamente ousava transcender os interesses escravistas, não se pode
dizer que os abolicionistas se distinguissem essencialmente dos
emancipacionistas, a não ser que, enquanto para estes bastava a lenta
extinção do cativeiro, mediante libertação do ventre escravo, aqueles
pretendiam ainda um prazo fatal para este término. (…)
Esta mesma ambigüidade persiste na década de 1880, quando o
abolicionismo realmente toma o vulto de um grande movimento urbano e
popular, espraiando-se pelas ruas em acalorados comícios, manifestações e
conflitos violentos com a polícia.137

Nesse sentido, as práticas de locação de serviço dos escravos fugidos aos colonos de
Benevides se enquadravam nessa linha onde o movimento abolicionista agia de acordo com o
método que considerava mais prático, até o momento em que as autoridades perceberam que a
situação alteraria a ordem e tranquilidade pública passando a reprimi-la. Sendo então os
membros da SLB descritos a partir do ponto em que ameaçaram um rompimento brusco com
as práticas moderadas e aceitas pelo sistema escravista, como salientou o Subdelegado de

134
Fala de Úrsula Maria de Lyra, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
135
Fala de Maria da Conceição Lyra, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
136
AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites no século
XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
137
AZEVEDO. Op. Cit. 1987. P. 88-89.
63

Benevides ao se proclamarem difusores da liberdade dos escravos “no intuito, talvez, de se


tornarem mais conhecidos pelo fervor de suas ideas abolicionistas.”138
A historiadora Alice Fontes analisa em sua dissertação de mestrado a radicalidade dos
Caifazes de Antônio Bento de Sousa e Castro, um conhecido grupo abolicionista radical, que
atuou na província de São Paulo entre 1882-1888, organizando fugas coletivas de escravos
para a cidade de Santos. Ela salienta ainda que somente a partir de 1887 que houve uma
visível radicalização nas atividades dos Caifazes, posto que até então suas ações fossem
caracterizadas por medidas legalistas com libertações através de cartas de alforria, e toda
assistência jurídica necessária a fim de conseguirem libertar os escravos que chegavam a
eles.139
Os abolicionistas Caifazes também se engajaram na integração do escravo fugido no
sistema de trabalho assalariado quando estes chegavam a Santos. A autora afirma ainda que
foi prática usual entre os Caifazes desde o seu início:

O engajamento do ex-escravo no trabalho remunerado rural se fazia através


dos contatos que Antônio Bento mantinha com os fazendeiros (…) a carência
de mão de obra da lavoura chegava a tal ponto que os proprietários de terra
não tinham escolha, senão aceitar os fugitivos de volta ou ex-escravos de
outras fazendas, com a [promessa] de lhes pagar um salário de 400 réis
diários.140

Nesse sentido, as práticas de locação de serviço aos colonos mediante pagamento de salários
aos escravos com o fim de arrecadar o suficiente para comprar sua liberdade, estava em
consonância com o abolicionismo no Império, bem como a estruturação de abrigo e/ou
moradia aos refugiados na colônia como confirmou Vicente Martins de Amorim ao informar
que a maioria dos fugidos ou quase todos possuíam domicílios próprios. Os Caifazes e
membros da SLB tinham em comum essa prática de promover fugas de escravos, davam
abrigo e trabalho a fim possibilitá-los a compra de sua liberdade, no entanto, vê-se que a SLB
punha em prática há mais tempo essa tática do que os Caifazes pelo fato de terem radicalizado
seu movimento somente a partir de 1887, segundo Alice Fontes. Assim a partir do momento
em optaram pela via da radicalidade ambas passaram a ser fortemente reprimidas e sendo
intitulados a partir de então como abolicionistas radicais e/ou abolicionistas convictos pelas

138
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
139
FONTES. Op. Cit. 1976.
140
Idem. Ibidem. P. 30. 1976. Apud ANDRADA, Antônio Manuel Bueno de. Publicações. Páginas Esquecidas.
In: Revista do Arquivo Municipal. São Paulo. LXXVII. Jun-Jul. 1941. P.267. Grifo Meu.
64

autoridades policiais e provinciais, na medida em que ameaçavam o bem estar e tranquilidade


do sistema escravista.
A radicalização do movimento abolicionista em meados da década de 1880 em todo
Império ocorria uma acalorada discussão no Parlamento em torno do Projeto de Lei que
resultaria na conhecida Lei dos Sexagenários promulgada em 28 de setembro de 1885, onde
estabeleceu dentre outras deliberações a libertação dos escravos em idade superior a 65 anos
como analisa Joseli Mendonça. 141 Visando dar uma resposta aos anseios do movimento
abolicionista e dos próprios escravos por todo Império e acalmar os ânimos dessa crescente
radicalização, num contexto onde só a existência da Lei Rio Branco não dava mais conta das
exigências e conflitos que envolviam escravos e senhores, passando os primeiros a agirem de
forma mais audaciosa quase sempre em conluio com membros de alguma associação
abolicionista a fim de pressionar o Parlamento a aprovar a libertação dos negros de forma
mais rápida. 142 Gerando nesses idos de 1880 e principalmente a partir de 1884 um forte receio
no meio conservador da existência de uma revolta geral, assim no intento para evitar maiores
conflitos decidiu-se discutir uma nova Lei em torno da questão escrava a fim de acalmar os
ânimos.
Assim como Alice Fontes em sua análise dos Caifazes, considero a existência da
radicalidade no movimento abolicionista de Benevides. Mas, afinal o que era ser radical? As
discussões traçadas por Alice Fontes e Célia Azevedo e o que se pode observar das fontes
apontam o caminho de que radicalidade significava ultrapassar a barreira das medidas
legalistas de liberdade escrava, causando temeridade quanto à manutenção da ordem e
tranquilidade pública. Práticas que não condiziam com as aceitas pela sociedade conservadora
por crerem que as ações que pusessem em risco a tranquilidade e ordem publica, bem como o
sagrado direito a propriedade eram tomadas como radicais, pois, visavam sua desestruturação
e, por conseguinte o seu término, sendo assim passíveis de repressões policiais.
Em Benevides, essas ações de locação de serviços dos escravos fugidos aos colonos e
na manutenção da Estrada de Ferro, com o fim de comprarem a sua liberdade eram de
conhecimento das autoridades policiais, como afirmou o praça Antônio Basílio no momento
de sua inquirição. O maranhense Thomaz Raymundo Zachen, 23 anos, alfaiate, solteiro,
morador da colônia Benevides, quando perguntado se sabia sobre o aluguel do serviço de
escravos na localidade pela SLB, respondeu a requerimento do Promotor Público, saber que

141
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Entre a mão e os anéis: a lei dos sexagenários e os caminhos da abolição
no Brasil. 2ª ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2008.
142
Para uma discussão mais detalhada confira: MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. O plano e o pânico:
os movimentos sociais na década da abolição. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, EDUSP. 1994.
65

Ferreira Braga alugava escravos foragidos a Ignácio Façanha Lopes recebendo em troca
recibos comprobatórios das locações “que elle testemunha sabe por que Ignacio Lopes
Façanha o procurou para dar uma parte [dos recibos] ao Subdelegado de Policia o que fez
effectivamente”143, percebe-se que havia um conhecimento geral dentro da colônia sobre as
práticas de locação de serviços de escravos fugidos pela SLB.
Vê-se que mesmo tendo optado pela via radical decorrendo em desentendimentos e
perseguições por parte das autoridades e senhores de escravos, tem-se que salientar que havia
espaço para ações consideradas legalistas dentro do movimento abolicionista benevidense.
Célia Marinho de Azevedo 144 analisa essa postura dos abolicionistas brasileiros frente aos
escravos ao compará-los com os abolicionistas norte-americanos que sempre procuravam
retratar os cativos como um irmão a ser libertado. Havia uma dificuldade dos abolicionistas
brasileiros em se distanciar da escravidão, pois para eles o sistema era algo bem real e
palpável, estava no dia a dia de cada um espalhado por todos os cantos do Império ao
contrário da realidade americana onde a concentração escrava se mantinha na porção sul do
país. Os abolicionistas brasileiros de forma geral nasceram e conviveram com essa realidade
cotidianamente e a partir de então procuraram mudar a si mesmos, objetivando alcançarem
uma mudança social e não mudar “os outros” ou mudar “alguém distante”, como no
abolicionismo norte-americano já que era característica daquele movimento considerar a
questão da escravidão de forma distanciada. Como exemplificado no fragmento abaixo:

(…) Quando os abolicionistas brasileiros se referiam ao problema da


escravidão eles se dirigiam a pessoas formadas dentro daquele mesmo
espírito envolvente, tal como eles próprios. Os abolicionistas americanos
alertavam desde os anos 1840 quanto à ameaça de um poder escravista que
emergia de uma sociedade quase estrangeira – o sul – e tentava se expandir
por todo o país para tentar destruir as instituições livres do norte. Mas,
enquanto os abolicionistas americanos escreviam a respeito do poder
escravista, os abolicionistas brasileiros o faziam de seu próprio interior,
tendo sido eles mesmos formados culturalmente nesse ambiente.
Compreender o abolicionista brasileiro como alguém que se opunha ao
poder escravista de seu interior significa perceber porque a imagem do
escravo como um irmão aparece tão raramente no abolicionismo
brasileiro. 145

143
Fala de Thomaz Raymundo Zachen, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
144
AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma história comparada
(século XIX). São Paulo: Annablume, 2003.
145
AZEVEDO. Op. Cit. P.107. 2003.
66

No Brasil as imagens do escravo não eram como sendo as vítimas do cativeiro de


senhores bárbaros e cruéis tal qual no discurso abolicionista norte-americano, aqui as vítimas
eram ao contrário, os senhores de escravos. Portanto, a qualquer momento podia-se atentar
contra suas vidas ou contra a ordem social imposta através de revoltas, como as que
permearam o século XIX em todo Império fator este que influenciou diretamente no Código
Criminal do Império, como a implantação da Lei nº 4, de 10 de junho de 1835, que designava
pena de morte aos escravos que atentassem contra a vida dos seus senhores ou parentes. Nesse
sentido, conclui Célia Azevedo, que o mais sábio era libertar os escravos o quanto antes para
que fossem mantidas a ordem e hierarquia, haja vista que os negros tinham sido
desumanizados ao longo do processo escravista configurando-se num sério inimigo
doméstico. Assim, “no caso do abolicionismo brasileiro, a crítica à escravidão não significava
uma completa ruptura com a ideologia escravista. Isto porque, esta crítica era imbuída de uma
visão do escravo produzida pelos próprios senhores ao longo de séculos de escravização de
africanos.”146
Em vista disso se compreende o porquê de os escravos escondidos em Benevides não
ficarem o tempo “todo por sua conta”, na medida em que deveriam trabalhar para obter a sua
carta de alforria, assistidos por membros da SLB, tal como o diretor da sociedade
abolicionista Ferreira Braga que era o responsável por guardar o “dinheiro d’elles [escravos]
com o fim de mais tarde libertal-os, dirigindo-os e pondo-os a seo serviço.”147 Sendo essa
assistência por parte dos membros da SLB junto aos escravos conhecida por grande parte dos
colonos de Benevides que, quando inquiridos pelo subdelegado durante as averiguações sobre
o levante se sabiam que os escravos eram fugidos, afirmavam quase sempre serem eles
“prêtos fugidos que para cá [Benevides] vem com frequencia, ignorando[-se] porem a origem
e propriedade de muitos.”148
Mesmo com toda a repressão na localidade a presença de escravos continuou constante
e incômoda às autoridades provinciais, ocasionando novas buscas e apreensões de escravos
fugidos em Benevides nos dias seguintes ao conflito de 12 de agosto de 1884. Tais prisões
demonstram como o núcleo virou ponto de referência aos escravos tornando-se assim um
lugar de escape aos cativos da região. A documentação policial149 mostra ainda que os
escravos presos foram levados a cadeia pública de São José e que dentre os capturados havia

146
AZEVEDO. Op. Cit. P.110-111. 2003.
147
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
148
Idem.
149
Fundo Segurança Pública. Secretaria de Polícia da Província. Séries: Ofícios Cadeia Pública. 1882-1884.
APEP. Ver relação nominativa dos escravos e seus respectivos senhores na seção: Anexos.
67

aqueles que pertenciam a pessoas importantes na região como os Barões de Muaná e do


Guamá, sendo ambos membros de sociedades emancipadoras em Belém.
Ainda em torno da radicalidade e ambiguidade do movimento abolicionista em
Benevides nota-se o parâmetro das demais associações e sociedades existentes no Império, ao
manter lado a lado uma continuidade emancipadora dentro da SLB. Nesse sentido, quando da
oficialização da SLB em 30 de março de 1884 foi criado um fundo social para arrecadar
verbas visando à libertação escrava através dos meios legais, bem como a utilização do
trabalho dos fugitivos para formar o pecúlio e compra da alforria dos negros junto a seus
senhores tudo sob o gerenciamento dos abolicionistas.

Sociedade Libertadora de Benevides


Essa sociedade abrio no domingo um[a] subscrição que produzio 1,040$700
réis, para seu fundo social.
Faltam ainda assignar muitos moradores da colonia que estavam fora da séde
n’aquelle dia.150

É válido ressaltar a radicalidade das ações de membros dessa sociedade quando


observados o incentivo às fugas e acoutamento dos escravos da região, da postura em
promover pagamento pelo trabalho do fugitivo a fim de levar essa quantia ao seu proprietário,
que podia ou não aceitar, correndo o risco de nova fuga por parte do escravo caso o senhor
não aceitasse a quantia oferecida decorrendo em prejuízo. Nas mediações entre senhores e
escravos visando obter a liberdade escrava e de certo modo pressionando a aceitação das
condições oferecidas pelos escravos, procurando também desestabilizar as relações senhoriais
na medida em que fortaleciam suas redes de contatos viabilizando cada vez mais fugas e
acoutamento de escravos na localidade, ou seja, alimentando o processo de “roedura” da
escravidão nos arredores de Belém, percebo a radicalidade do movimento abolicionista de
Benevides, quando buscam reiterar suas ações, mesmo sob as constantes incursões policiais,
afinal, ainda com a repressão as fugas não cessaram até o fim da escravidão.

150
A Província do Pará. A extincção do elemento servil no Pará. 04/04/1884. Apud Álbum Histórico de
Benevides “Terra da Liberdade”.
68

CAPÍTULO III

“Devo empregar força?”: Repressão e resistência em


Benevides
1. Iniciando com os conflitos de agosto

No que se refere à presença de escravos fugidos em Benevides nota-se um


significativo aumento no número desses foragidos desde o início de 1880, como analisa
Bezerra Neto ao averiguar sobre os escravos que foram capturados em Benevides fugidos de
seus senhores, entre eles Nicolau e Angélica 151. Fato este que foi agravado pela celebração em
março de 1884 da libertação do território de Benevides da mão de obra escrava tornando-se a
partir daquele momento centro de recepção e acoutamento dos escravos fugidos, o que nos
motiva a levantar a questão de uma atuação dos membros da Sociedade Libertadora de
Benevides no incentivo de fugas escravas para a localidade, desde pelo menos 1881. Sendo-
nos plausível a existência da referida sociedade e dos incentivos de seus membros às fugas
escravas desde o início da década de 80, advindo da persuasão destes abolicionistas junto aos
escravos, mesmo que o cativo em fuga “não fosse necessariamente guiado pelos colonos
partidários da causa da liberdade, mas acolhido e patrocinado.”152
Essa concentração de escravos chamou a atenção das autoridades que vez por outra
prendiam esses fugitivos, a fim de devolvê-los aos seus donos tornando a repressão cada vez
mais necessária e imediata. Nesse sentido, “vê-se, então, que fugir e ficar homiziado no
núcleo colonial de Benevides constituía-se em possibilidade aberta aos escravos desde o
início da década de 1880, fazendo com que a dita colônia fosse uma alternativa aos referidos
fugitivos em busca da liberdade.” 153 No que se refere a Severa pode-se inferir que sua decisão
de se dirigir ao núcleo tenha envolvido a relação simbólica que a colônia agrícola passou a
exercer no imaginário escravo a partir do momento em que oferecia uma oportunidade real de
liberdade, mesmo que vigiada e condicionada ao trabalho, outra possibilidade também de sua
chegada ao núcleo seria ela ter sido agenciada em Belém, ou ainda, durante sua fuga por um
dos membros da SLB ou colaboradores que facilitaram sua chegada ao núcleo.
Como demonstrado anteriormente a libertação dos escravos em Benevides a 30 de
março de 1884 foi um acontecimento que chamou a atenção dos escravos na província e de

151
BEZERRA NETO, José Maia. Fugindo, sempre fugindo: escravidão, fugas escravas e fugitivos no Grão-
Pará (1840-1888). Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas. 2000.
152
BEZERRA NETO, Op. Cit. 2009. P.393.
153
BEZERRA NETO. Op. Cit. P. 297. 2000.
69

certa forma contribuiu no reavivamento do movimento abolicionista paraense, pois foi


decorrência da libertação dos escravos na província cearense em 25 de março do mesmo ano.
Os ecos da liberdade cearense fizeram-se ouvir no Grão-Pará e especialmente em Benevides
haja vista que “correram animadissimos os festejos do dia 24, promovidos pela colonia
cearense a fim de commemorarem a data jubilosa da redempção da capital do Ceará.” 154
Nessa colônia agrícola palco de comemorações em torno da liberdade escrava
deflagrou-se um levante de escravos em conluio com membros da sociedade abolicionista
local devido à prisão de escravos refugiados no núcleo. Tal conflito resultou em um processo
criminal onde a partir da prisão da escrava Severa permitem-nos observar os meandros das
práticas abolicionistas da Sociedade Libertadora de Benevides e de seus membros, bem como,
a existência de conflitos internos e mesmo a não aprovação de suas ações por todos os
colonos do núcleo. O evento é analisado a partir dos principais acusados José Ferreira Braga e
Antônio Paulo dos Santos, que são apontados ao longo do processo criminal instaurado para
analisar o ocorrido, como capitaneadores e participantes ativos da SLB. Sendo com isso,
considerados os principais acoutadores de escravos fugidos em Benevides ao lado de
Martinho Domiense Pinto Braga engenheiro chefe da colônia, presidente da SLB e ao que
parece era irmão de José Ferreira Braga.
Assim, pouco mais de quatro meses de declarada como livre do trabalho escravo, a
colônia de Benevides vê-se as voltas com uma movimentação envolvendo os negros
refugiados na localidade. As implicações do processo criminal perdurariam até 1890, quando
o último envolvido foi capturado, detido e inquirido. É perceptível no decorrer do processo
envolvendo alguns agentes da SLB, a busca por qualificar o estado de ânimo na colônia como
exaltado haja vista que a prisão de “Jose Ferreira Braga, éra apenas uma faisca em relação ao
facto [arrombamento da prisão e levantamento dos negros] e que este podia muito atear-
se.”155 Em vista dessas ações os envolvidos foram enquadrados nos artigos 116 156 e 123157do
Código Criminal do Império Brasileiro.
Assim, em 12 de agosto de 1884, na colônia agrícola de Nossa Senhora do Carmo de
Benevides, às 1:30 horas da tarde pouco mais ou menos, um grupo com cerca de 30 escravos,

154
Diário de Notícias. Festa da Liberdade. 26/05/83. P.2.
155
Auto Crime de Resistência. 1884. Grifo Meu. CMA.
156
Art. 116. Oppôr-se [a] alguem de qualquer modo com força á execução das ordens legaes das autoridades
com patentes. (...) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm. Acesso
em: 22 de Junho de 2013.
157
Art. 123. Fazer arrombamento na Cadêa, por onde fuja, ou possa fugir o preso.
Penas - de prisão com trabalho por um a tres annos. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm. Acesso em: 22 de Junho de 2013.
70

todos armados de cacetes e paus dirigiram-se à casa, que servia de cadeia naquela localidade,
visando retirar de lá uma preta de nome Severa, presa na manhã daquele dia por ordem do
subdelegado João Carlos de Faria. Severa ao que tudo indica era escrava de Dona Maria
Olympia da Silva de Azevedo, moradora no Largo da Pólvora em Belém, que solicitou a sua
busca e prisão por fuga. Tendo sido encontrada transitando livremente pelas ruas da colônia
de Benevides quando foi presa a fim de ser remetida à capital, como determinava o desejo de
sua senhora, sendo realizada a captura segundo dizia o subdelegado, “sem a menor alteração
da ordem publica, ou de resistencia da supradita escrava (...).”158
As previsões que o subdelegado Faria teve em torno do que poderia acontecer no
núcleo caso não fossem tomadas providências rapidamente, devido ao crescente número de
escravos que ali chegava não demorou em concretizarem-se, os acontecimentos decorridos
foram muito rápidos, a ação policial repressiva, a instalação do processo, a inquirição das
testemunhas, a prisão dos envolvidos e o julgamento dos acusados. Percebe-se uma
necessidade de resolução deste caso o quanto antes, pois, o tempo entre o conflito e a decisão
do juiz dura cerca de seis meses. E por não ter aceitado o resultado de seu primeiro
julgamento o réu José Ferreira Braga remeteu recurso através de seu advogado ao Tribunal da
Relação de Belém visando reverter sua sentença, enquanto isso, o segundo acusado Antônio
Paulo dos Santos manteve-se foragido da justiça sendo encontrado somente em 1890 já na
República, sendo preso, inquirido e julgado pelo envolvimento no conflito de seis anos antes.
Pouco tempo depois do arrombamento da cadeia o subdelegado tomou conta do
ocorrido através do praça Antônio Bernardo de Sousa, no que seguiu correndo ao local do
levante e chegando a tempo de ver a escrava saindo da cadeia. Segundo consta ao chegarem
na “casa que serv[ia] de cadêa” os pretos encontraram resistência do pequeno número de
praças que lá se encontrava, todavia, não satisfeitos com o insucesso foram até os fundos e
abriram a porta da prisão de Severa, libertando-a em seguida. Ao presenciar esses
acontecimentos o Capitão Carlos de Faria deu voz de prisão a Ferreira Braga, a Severa, e aos
escravos participantes, não podendo, porém, efetivá-la visto que a força policial naquele
núcleo era exígua frente ao número de envolvidos. E ao perceberem a aproximação do
subdelegado, o grupo que libertou a escrava pôs-se a gritar “haja cacêtes!; haja páo!”
iniciando logo em seguida um conflito com os praças. Antônio Paulo dos Santos não foi preso
por ter sumido em meio ao tumulto que havia se instalado, de onde resultaram dois praças
feridos bem como Ferreira Braga.

158
Carta endereçada ao Chefe de Polícia da Província pelo Subdelegado de Benevides. 14/08/1884. Auto Crime
de Resistência. 1884. CMA.
71

Após a dispersão do grupo o subdelegado seguiu Ferreira Braga até a sua casa, para
onde se dirigiu quando terminou o conflito, com o fim de dar-lhe novamente voz de prisão, lá
chegando pode perceber que havia um número ainda maior de escravos, não se intimidando,
porém, com a situação passou a dar insistentemente voz de prisão a Braga, fazendo-se
cumprir o que a lei mandava. Chegando inclusive a ser ameaçado pela mulher do acusado
com um machado que se encontrava atrás da porta, caso ele pretendesse dar continuidade ao
que fora fazer pelo fato de Ferreira Braga ter insistido em resistir à prisão.
A situação ficou menos tensa com a chegada de Francisco Alves Barreira Cravo, o
Tenente Cravo, que ao perceber o ocorrido censurou “o procidimento do subdelegado
dizendo-lhe que elle estava comettendo um attentado contra a liberdade do cidadão” 159, em
seguida pediu calma aos escravos para não haver mais conflito algum, no que foi prontamente
atendido. O Capitão mesmo contrariado resolveu atender ao pedido do tenente Cravo e
voltou-se em direção à subdelegacia, sem não, antes deixar dois praças em frente à casa de
Ferreira Braga a fim de evitar sua fuga. No entanto, não obteve muito sucesso já que ele
conseguiu evadir-se para destino ignorado onde se manteve por mais de um mês foragido,
sendo finalmente surpreendido em sua casa após denúncias anônimas no dia 29 de setembro
de 1884.
Francisco Cravo falava com propriedade junto ao subdelegado por ter ele já sido o
subdelegado da colônia, não foi possível detectar o ano que ele exerceu o cargo, além disso,
ele configurava como vice-presidente da Sociedade Libertadora de Benevides quando da sua
oficialização em 30 de março de 1884, o que pode explicar, portanto, o modo de agir dos
escravos quando este pediu para se acalmarem, sabe-se ainda que ele mantinha estreita
relação com o Ceará e com sua cidade natal Quixadá fazendo visitas constantes sendo a
última antes do conflito em maio de 1884.160
Ao que parece o Tenente Cravo era alguém que detinha alguma importância e respeito
frente aos escravos e a Ferreira Braga pelo que se pode tirar das fontes, demonstrou ainda ter
ele tido algum tipo de relação política ou mesmo conhecimento de pessoas influentes que
possibilitasse seu acesso a subdelegacia de Benevides, haja vista que para assumir a função de
subdelegado era necessário haver indicação e consequente nomeação, cargo que havia
exercido também no Ceará, como consta na nomeação feita em 15 de novembro de 1868. 161
No que se refere ao conflito, Francisco Cravo visando evitar mais confusão pediu ao Faria que

159
Fala de Antônio Francisco de Queiroz, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
160
O Libertador. 21/05/1884. P.2.
161
Dom Pedro II. 15/11/1868. P.1.
72

fosse embora, e voltasse somente quando os sentimentos estivessem mais calmos, pois já que
não conseguira prender Ferreira Braga no momento da saída de Severa, fazê-lo naquele
momento seria problemático para todos.

2. Desordens ou Motim?

Dois dias após ter sido avisado pelo colono Domiciano Lima Verde, sob as ordens do
subdelegado sobre o que havia ocorrido na colônia, o Chefe de Polícia da Província José
Joaquim de Palma foi ao núcleo na tentativa de investigar a desavença, passando a inquirir
algumas pessoas sobre o ocorrido no que algumas delas afirmaram estarem Ferreira Braga e
Antônio dos Santos armados de cacetes, no momento em que assaltaram a cadeia e
apoderaram-se de Severa dando incessantes “vivas á liberdade” e/ou “vivas á liberdade do
Ceará.” Inclusive ameaçando matar qualquer um que se atrevesse tomar-lhes a escrava, e
teriam ainda conseguido matar o subdelegado se não fosse a intervenção dos praças. A
posição de irredutibilidade assumida pelo subdelegado frente à prisão de Braga fez com que
os ânimos tornassem a ebulir entre os escravos que lá estavam à espera do que faria a referida
autoridade. O colono Ignácio de Azevedo Jacuana, cearense com 72 anos de idade, lavrador,
casado e residente em Benevides, afirmou durante seu depoimento que viu Carlos Faria
intimar ao Braga ao passo que exigiu dos escravos a deposição dos cacetes que empunhavam
o que “(...) longe de acederem [sic], botaram-se contra o subdelegado”162 e ainda por sua
intervenção ele não foi vítima das agressões de um dos pretos que tentou acertar a nuca do
Capitão a fim de prostrá-lo ao chão, o que não conseguiu devido ao seu “espirito de
umanidade” junto ao subdelegado.
A deflagração dos acontecimentos entre colonos, escravos e a força policial na colônia
agrícola despertou o interesse da imprensa local acarretando em medidas repressivas urgentes.
A notícia sobre o mesmo acontecimento eram dadas de acordo com a posição política de cada
periódico. Surtindo assim diferentes reações na sociedade local tendo em vista o que afirma
Tânia de Luca onde “os jornais por serem representantes de determinadas camadas e/ou
grupos políticos da sociedade, tendem a filtrar as notícias para que se enquadrem aos
interesses das mesmas.”163 Observe o Diário de Notícias:

162
Fala de Ignácio de Azevedo Jacuana, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
163
LUCA, Tânia Regina de. “História dos, nos e por meio dos periódicos”. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org).
Fontes Históricas. São Paulo: Contexto. P. 111-153. 2005.
73

(...) houve um levantamento na colonia Benevides, motivada pela prisão de


uma supposta escrava da viuva Azevedo, mandada effectuar pelo
subdelegado.
O povo, revoltado contra o arbitrio da autoridade, invadio a cadeia,
arrombou a porta á golpes de machado e pôz em liberdade a victima. Houve
grande tumulto e muita pancadaria entre a força e o povo. Os animos
conservam-se exaltados.164

Nesta notícia percebe-se a intenção de desqualificar a ação das autoridades policiais


frente aos negros, e assim justifica a atitude da população diante do “arbitrio da autoridade”.
Esse jornal com tendências abolicionistas não rotulou Severa como escrava e sim como “uma
supposta escrava”, pondo em xeque dessa forma a medida repressiva do subdelegado e a
partir disso legitima a ação dos envolvidos ao invadir a cadeia e por em liberdade Severa. E
ainda não se preocupa em diferenciar e qualificar os escravos colocando-os no mesmo grupo
que os demais envolvidos, ao se referir “o povo.”
O jornal conservador A Constituição narra o mesmo evento de maneira a chamar a
atenção de seus leitores à (des)proporção que tinha sido o conflito, deixando transparecer a
ideia de radicalidade e desordem, o que consequentemente poderia trazer insegurança à ordem
pública.
(...) Deu causa ao motim o facto de terem alguns abolicionistas convictos
[grifo original] arrombado a cadêa para d’ahi tirarem uma escrava mandada
deter pelo subdelegado de policia à requerimento da respectiva senhora. São
os frutos que começam a sazonar (...).165

Aqui nota-se uma considerável diferença na descrição dos fatos onde se rotula a ação dos
envolvidos como sendo um motim perpetrado por alguns abolicionistas convictos, dando a
entender que estavam agindo de forma que feria os costumes, ou melhor, os direitos de
propriedade como se observa no trecho, “para d’ahi tirarem uma escrava mandada deter (...) à
requerimento da respectiva senhora (...).” E por fim, alerta “são os frutos que começam a
sazonar” se referindo ao perigo que estava sendo plantado na colônia devido à concentração
dos escravos, o que poderia causar mais reações rebeldes. Percebem-se a intencionalidade do
discurso conservador ao rotular os membros da SLB como “abolicionistas convictos” a fim de
indispô-los frente à sociedade paraense por considerarem suas ações fora dos padrões,
procurando dessa forma manipular a opinião pública a se tornar contra quaisquer medidas de

164
Diário de Notícias. MOVIMENTO EM BENEVIDES – LEVANTAMENTO DE ESCRAVOS –
ARROMBAMENTO DE CADEIA – INTERVENÇÃO DA FORÇA ARMADA – ANIMOS EXALTADOS.
14/08/84. P.2.
165
A Constituição. Diligencia a Benevides. 20/08/84. P.1. Grifo Meu.
74

libertação escrava que fugisse da legalidade e do conservadorismo mantendo sempre a ordem,


a segurança social e a defesa da propriedade.
É importante ser observado que a escolha dos adjetivos referentes aos acontecimentos
em Benevides podem não ser simplesmente um acaso, afinal, do ponto de vista legal
qualificar um conflito como motim tinha um significado e plano de ação diferenciado por
parte das autoridades. No Diccionario da Lingua Brazileira166 de 1832 trás a conceituação
dessas palavras ficando dessa forma, “Motim. s.m. Sedição ou alvoroço. Fig. Gente
amotinada.”; “Desordem. s.f. Falta de ordem, confusão de cousas que estão dispostas.
Desconcerto.” No Livro I das Ordenações Filipinas desordem e motim deveriam ser tratados
pelos Juízes de Paz de maneiras diferentes, a primeira dever-se-ia separar o ajuntamento e
montar vigília para que se mantivesse a ordem, no entanto, quando se referia a motim a
atitude a ser tomada era o emprego da força para desbaratá-lo. Em vista disso, podem ser
observadas diferentes conotações sobre o conflito nos periódicos da capital, onde o
abolicionista Diário de Notícias qualifica como “movimento em Benevides” no título de sua
nota, já o conservador a Constituição enquadra-o como “motim” e o Liberal do Pará como
“desordens”, diferentes adjetivações ao mesmo incidente demonstrando o direcionamento
político de cada jornal frente a seu público. Justificando ou não com isso frente à sociedade a
forma de ação das autoridades provinciais no núcleo.

3. A Hermenêutica do processo

Após a denúncia anônima e prisão do principal acusado o conjunto de autoridades


envolvidas no processo do levante de escravos, o Chefe de Polícia da Província José Joaquim
de Palma, o Promotor Público Adelino Octávio de Miranda Corrêa, o Juiz de Direito do 1º
Distrito Criminal José Araújo Roso Danim, diante das provas testemunhais e corpo de delito
apresentados concluíram por impetrar imediata ordem de busca e prisão preventiva aos
acusados. A prisão de Ferreira Braga estampou os noticiários dos periódicos da província:

Sendo ante-hontem visto entrar em sua casa, em Benevides, o réo José


Ferreira Braga, que se achava foragido desde as desordens alli havidas, em
12 de julho [sic!] ultimo, o subdelegado do lugar mandou um official de
justiça intimar-lhe o mandado de prisão, contra o mesmo Braga expedido
pelo dr. Juiz de direito da 1ª vara. [...]
S. exc., que ante hontem chegou da diligencia a que foi á Marapanim, seguio
hontem á tarde para Benevides.167

166
PINTO, Luiz Maria da Silva. Diccionario da Lingua Brazileira. Typografia de Ouro Preto. 1832.
167
O Liberal do Pará. Benevides. 30/09/1884. P.3.
75

Ao ser descoberto José Ferreira Braga recusou-se de imediato acompanhar o Capitão


Faria e o Oficial de Justiça que fora encarregado de lhe intimar, entretanto, pouco depois
reconsiderou e afirmou que não se oporia a prisão, mas só o faria quando “lhe apparecesse,
para apanhal-o, seu amigo Francisco Cravo.”168 Visando evitar novos conflitos com a
população que observava e uma nova fuga do acusado o subdelegado acatou o pedido
deixando de efetuar a prisão preventiva, cercando a casa do acusado e assim, esperou pela
chegada de Francisco Alves Barreira Cravo, também cearense e vice-presidente da SLB.
Após ter dado entrada na cadeia uma segunda leva de inquirições foram feitas tendo o
acusado presenciado todas as declarações contra si. Até este momento do processo Ferreira
Braga caminhava cada vez mais em direção à sentença de culpa, devido ao depoimento das
testemunhas o apontarem como mandante e incitador do levante tendo o apoio da
interpretação que as autoridades faziam das respostas obtidas. Quase todas as testemunhas o
comprometiam de alguma forma, sendo uma das acusações mais frequentes o envolvimento
no acoutamento e proteção de escravos por parte dos agentes da SLB. Até aqui o testemunho
dos envolvidos leva o acusado a permanecer preso, a documentação deixa transparecer ainda
o modo como o réu se comportava mediante a situação em que estava envolvido onde
declarava “estar sciente á tudo e affirm[ou] ter participado activamente de toudo o decorrer
dos acontecimentos já citados” 169, e ao que tudo indica tomou para si a responsabilidade pelos
acontecimentos que as testemunhas discorreram. O advogado responsável pelo caso no início
do processo atuando na defesa de José Ferreira Braga era o liberal e Conselheiro Tito Franco
de Almeida, fundador dos periódicos O Liberal do Pará e o Diário do Grão-Pará.170
Como esperado, Maria Ferreira Braga, cearense, 30 anos, moradora em Benevides e
casada com o principal acusado, apresentou uma versão diferente das demais testemunhas.
Ela procurou sempre deixar clara a inocência de seu esposo e sua explicação para o ocorrido
deviam-se as más influências de uns abolicionistas da região, como ela qualificou os
membros da SLB. No intento de salvar José Ferreira Braga da cadeia, a informante Maria
Braga intentou minar quaisquer suspeitas sobre a participação do marido na SLB,
contrariando a versão das demais testemunhas sobre o envolvimento dele, posto que segundo
ela Ferreira Braga se dirigiu à cadeia na ocasião dos acontecimentos por ter ido mandar
chamar ao Capitão Faria e negociar a libertação pacífica da escrava, o que por sinal já havia

168
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
169
Idem.
170
Tito Franco de Almeida (1824-1899) cursou direito na Faculdade de Direito de Olinda, elegeu-se em 1856,
como deputado provincial na Assembleia Legislativa de Belém e dois anos depois foi eleito para o Parlamento
do Império. Confira: MONTEIRO, Elson Luiz Rocha. A Maçonaria e a campanha abolicionista no Pará: 1870-
1888. Dissertação de Mestrado em História. Universidade Federal do Pará. 2009.
76

pedido ao colono Gentil Soares fazer o mesmo, como este não havia conseguido o objetivo
seu marido resolveu ir pessoalmente tratar com o subdelegado.
Para nossa informante, o que levou Ferreira Braga a agir de maneira provocadora foi o
convencimento por parte de Antônio Paulo dos Santos, pois já o tinha ouvido dizer muitas
vezes para seu marido que, caso algum “escravo fôsse prezo seria por eles [membros da SLB]
retirados da cadea”171, todavia ninguém percebeu nem mesmo Maria Braga que ao afirmar
que eles os abolicionistas da região, como ela os adjetivou, estava incluindo seu marido na
medida em que infere-se que Antônio Paulo dos Santos se referia aos dois. A defesa de Maria
Braga continuou versando em transferir a culpa do ocorrido para Antônio dos Santos,
lembrando as autoridades sobre o estado de embriaguez que se encontrava Ferreira Braga no
derradeiro momento, já que ele possuía a “índole pacifica e assim não se devia esperar [dele]
tal acto.”172 No desejo de que fossem atenuados quaisquer motivos que desencadeassem a
continuidade da prisão ou mesmo elevação de pena, é interessante notar como a cearense se
utiliza do artigo 18173 do Código Criminal do Império e mais especificamente o parágrafo 9
em defesa do marido. Não foi possível saber com certeza se a informante teve algum auxílio
para utilizar essa manobra jurídica em favor de Ferreira Braga, mas pode-se inferir que a
mesma foi assistida pelo advogado da defesa como estratégia processual já que o referido
artigo trata da atenuação de pena em crimes praticados sob a influência de álcool, onde o
parágrafo 9 diz o seguinte:
§ 9º Ter o delinquente commettido o crime no estado de embriaguez.
Para que a embriaguez se considere circumstancia attenuante, deverão
intervir conjunctamente os seguintes requesitos; 1º que o delinquente não
tivesse antes della formado o projecto do crime; 2º que a embriaguez não
fosse procurada pelo delinquente como meio de o animar á perpetração do
crime; 3º que o delinquente não seja costumado em tal estado a commetter
crimes. 174

Maria Braga durante seu testemunho aproveitou para acusar a truculência do


subdelegado Faria para com os habitantes da colônia e sua família, justificando dessa forma a
sua maneira de ter agido no dia em que ameaçou a autoridade com um machado quando o
referido Faria cercou seu marido em sua casa tendo dito durante o tumulto “que elle fazia

171
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
172
Idem.
173
Este artigo estava inserido no Capítulo III; Seção II versando sobre as circunstâncias agravantes e atenuantes
dos crimes assistidos pelo referido Código Criminal.
174
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm. Acesso em: 22 de Junho
de 2013.
77

tanta conta d’elles como de qualquer = corno casado.”175 Ao que replicou a informante que
seu marido não era nada do que bradava o subdelegado e que falasse com mais delicadeza em
frente de sua casa, pelo que respondeu o Capitão “que não fazia caso da canalha cearenses.”176
Ao longo do julgamento que durou cerca de sete meses o principal acusado mudou de
advogado ficando a cargo do caso o Doutor Antônio Raulino de Sousa Uchoa, embora não
ficassem explícitas as motivações para tal troca. Uma hipótese seria por ser ele conhecido ao
trabalhar com casos envolvendo a liberdade escrava 177. O processo seguiu e a promotoria
desistiu das testemunhas Eduardo Olympio Jorge e Ignácio de Azevedo Jacuana por terem
extrapolado o máximo de intimações determinadas por lei, sendo os mesmos nunca
encontrados para serem intimados. Todavia, seus primeiros testemunhos ainda quando das
inquirições feitas em Benevides foram validados como prova no decorrer do processo. Enfim,
a testemunha Antônio Francisco Bernardo contribuiu para o prolongamento da decisão do
juiz, o que levou o réu a ficar preso por todo esse tempo, haja vista que também foi muito
difícil deste comparecer às intimações. É válido notar que o fato das testemunhas não serem
encontradas para receberem sua intimação pessoal, contribuía para alongamento do tempo de
cárcere do acusado e consequentemente o impedimento de suas ações junto a SLB.
Ás onze horas do dia 11 de dezembro de 1884 na sala das audiências finalmente o
cearense José Ferreira Braga, agricultor, casado, 48 anos, residente em Benevides e filho de
Manoel Ferreira da Silva foi ouvido dando a sua versão ao ocorrido. O réu começou dizendo
que vivia no povoado desde agosto de 1877, sendo conhecido por quase todas as testemunhas,
com exceção dos soldados e que no momento do conflito estava em sua casa. Disse ainda que
a denúncia que lhe foi levantada era uma calúnia, pois, sua presença no local era evitar
qualquer desastre que o grupo de pessoas tinha se proposto a fazer, e dessa forma não poderia
ele ser o responsável pela retirada da escrava do cativeiro porque nessa ocasião achava-se em
frente à casa que servia de cadeia na espera do “Capitão do destacamento a quem havia
mandado chamar”178, quando finalmente percebeu uma confusão e barulho vindo dos fundos
do quartel no que se dirigiu para lá a ver o que estava acontecendo. Chegando ao local
encontrou um grupo de pretos e logo tentou acalmar os ânimos, o que teve efeito contrário,
pois acabou levando nessa ocasião uma pancada sobre a cabeça que o deixou sem sentidos por

175
Fala de Maria Ferreira Braga, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
176
Idem.
177
Para saber de mais casos envolvendo o advogado confira: LOBO, Marcelo Ferreira. Direito e Escravidão:
Ações de liberdade em Belém na segunda metade do século XIX. Monografia. Universidade Federal do Pará.
Monografia. 2010.
178
Fala de José Ferreira Braga, servindo de réu. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
78

alguns instantes, tendo se recomposto somente no momento em que iam distante já tendo em
seu poder a escrava Severa.
Ao ser informado sobre as alegações das testemunhas em torno das intermediações do
aluguel da força de trabalho dos escravos junto aos colonos feitas por ele, sendo também
quem recebia os “sallarios” pagos pelos colonos, por ele ser o “responsavel pelos negros que
aqui [Benevides] acoutamsse” 179, disse conhecer muitos dos escravos que ali residiam, além
de saber seus nomes, porém eram tantos os escravos que ali andavam que não “sab[ia] [de
cabeça]; [mas] t[inha] o nome de alguns em uma lista que t[inha] na sua casa”180, não
afirmando nada, porém, sobre o recebimento de pagamento pelos serviços dos pretos e nem
sobre a existência ou não de sua responsabilidade sobre eles. A pergunta que fica diante dessa
resposta de Ferreira Braga, é por qual motivo teria em seu poder o nome de alguns escravos
escritos em uma lista guardada em sua casa? Tal afirmação pode ter passado despercebida
pela acusação, porém a meu ver sem se dar conta ele confirma seu envolvimento com a SLB e
o aluguel e organização do trabalho de escravos fugidos aos colonos.
O réu continuou sua defesa à acusação de resistência à prisão relatando que ao
recobrar os sentidos seguiu para frente do quartel quando “foi agarrado por dous soldados
para ser recolhido a prisão”181, mas nesse momento os soldados foram agredidos e “lançados
por terra por pessoas que elle não sab[ia] [dizer] quem foram.” 182 E ao perceber que não seria
mais impedido de seguir retirou-se para sua casa no que meia hora depois do conflito
apareceu para intimar-lhe ordem de prisão o Capitão Faria, mas ao perceber que havia mais de
duzentas pessoas em torno de sua casa pediu a ele, para que não houvesse alterações porque
ali eram quase todos pais de famílias, e portanto, seria melhor o subdelegado encerrar aquilo
tudo, “conselho que igualmente deo o Tenente Cravo que nessa ocasião appareceo.”183
E como prova de sua inocência alegou ter mandado chamar ao Capitão do
destacamento por três vezes antes do ocorrido, estar desarmado no momento do conflito e ter
ele “réo apanhado dos próprios [sujeitos] que constituião o grupo”184, completou ainda que o
verdadeiro envolvido no conflito era um homem conhecido por Antônio dos Santos, mas
infelizmente não podia informar ao certo seu envolvimento por não conhecê-lo. Fica-nos claro
neste momento como o depoimento de José Ferreira Braga entra em contradição com o de sua
esposa, onde em defesa do marido afirmou que a ideia de ir ao quartel veio de Antônio dos

179
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
180
Fala de José Ferreira Braga, servindo de réu. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
181
Idem.
182
Idem.
183
Idem.
184
Idem.
79

Santos por tê-lo convencido, e aproveitado seu momento de fragilidade devido à embriaguez
o que nos leva a inferir que se não eram amigos, no mínimo conheciam-se. As fontes
disponíveis não permitem saber se o réu falou a verdade quando negou conhecer Antônio dos
Santos, embora todas as testemunhas envolvidas e sua própria esposa confirmassem o
contrário, não fica claro também quais motivações levaram Ferreira Braga a negar amizade
com o referido. Mas, pode-se dar ao fato de ser uma escolha estratégica da defesa encabeçado
por Raulino visando garantir sua liberdade, o acusado em nenhum momento toca no fato de
possivelmente estar embriagado e nem ter sido influenciado quando aconteceu a confusão,
entrando mais uma vez em conflito com o depoimento de sua esposa e demonstrando a
manobra jurídica que ela procurou usar para livrar Ferreira Braga da prisão.
No dia 30 de dezembro de 1884 o Doutor Promotor Público da Província Adelino
Octávio de Miranda Corrêa lavrou a denúncia contra José Ferreira Braga e Antônio Paulo dos
Santos com base no corpo de delito e fatos narrados pelas testemunhas durante a primeira
audiência, onde concluiu que os réus citados capitanearam um grupo de escravos que se
encontravam em fuga na colônia de Benevides, seguiram em direção da casa que servia de
cadeia, arrombaram-na e puseram em liberdade a escrava Severa, sendo o estopim para a
deflagração das agressões. Bem como terem oposto resistência à ordem de prisão feita pela
autoridade legal a José Ferreira Braga através dos “escravos que capitaneava, associado ao
cidadão Antonio Paulo dos Santos.”185
Na leitura da Promotoria os acusados eram passíveis de pronunciamento186 nos artigos
116 e 123 do Código Penal do Império do Brasil, afinal os escravos deviam ser capturados e
os abolicionistas reprimidos. Assim, José Ferreira Braga foi incurso nos dois artigos acima
enquanto Antônio Paulo dos Santos, apenas no segundo, pelo fato de ter desaparecido durante
o conflito. Quanto aos escravos que tomaram parte no ocorrido a Promotoria deixou de emitir
parecer sobre quais pronúncias enquadrá-los, visto seus nomes serem desconhecidos. O artigo
116 refere-se à resistência a prisão por parte dos acusados podendo ser emitidas sanções de
seis meses a dois anos de prisão com trabalho forçado, tendo como fator agravante de um a
quatro anos em caso de ofensa física. Enquanto o artigo 123 do mesmo Código tratava da
promoção de fuga de presos com sanções que iam de um a três anos de prisão com trabalho.

185
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
186
Pronúncia: Decisão interlocutória com estrutura de sentença que remete os autos ao Tribunal do Júri por
considerar presentes todos os requisitos que tornam admissível a acusação feita pelo representante do Ministério
Público. É considerada de natureza mista, pois encerra a primeira fase do procedimento do júri (fase de formação
da culpa), dando início à segunda fase (preparação do plenário). Nela devem contar relatório, fundamentação e
dispositivo, seguindo a estrutura da sentença. Disponível em:
http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1070/Pronuncia. Acesso em: 22 de junho de 2013.
80

Até aqui José Ferreira Braga pegaria sete anos de detenção por ser incurso nos dois artigos e
ter tido como agravante os ferimentos feito aos soldados durante o conflito, enquanto Antônio
Paulo dos Santos apenas três por ter sido pronunciado somente no segundo artigo. Fica claro
na leitura do processo a tentativa da Promotoria em instigar a aplicação da pena máxima aos
acusados, sendo proposta também a adição do artigo 124 para elevar ainda mais a pena a ser
aplicada.

Art. 124. Franquear a fugida aos presos, por meios astuciosos.


Penas - de prisão por tres a doze mezes.187

A promotoria achou por bem inserir mais esse agravante à acusação de Ferreira Braga
e Antônio dos Santos a fim de garantir a permanência dos mesmos na cadeia pelo maior
tempo possível, o que a meu ver serviria para mandar um recado aos demais membros da
SLB, de outras associações e mesmo aos escravos a não seguirem o caminho considerado
radical. Posto que as argumentações versassem sobre o modo astucioso do grupo ao atacar a
casa que servia de cadeia, principalmente ao fato de terem premeditado um ataque surpresa
tendo em vista a parca força policial na localidade. Procurando com isso conter o movimento
abolicionista de Benevides, bem como suas ações junto aos escravos ao manter as “cabeças”
da SLB aprisionadas, o que poderia acarretar no possível esmorecimento do movimento e
diminuição das fugas à localidade.
O empenho da Promotoria em mostrar a gravidade das ações dos acusados resultou na
aceitação da procedência da denúncia dos artigos 116 (primeira parte) e 123 do Código
Criminal, pelo Juiz de Direito do Primeiro Distrito Criminal José de Araújo Roso Danim,
condenando em 6 de fevereiro de 1885 a José Ferreira Braga, que já estava preso, e expedindo
mandado de busca e prisão imediata a Antônio Paulo dos Santos que até aquele momento
mantinha-se foragido. A sentença foi baseada nas provas apresentadas em anexo ao processo,
sendo elas: dois recibos de locação de trabalho de escravos fugidos188, assinados por Ferreira
Braga como tesoureiro da SLB, tendo sido lavrados no cartório de Benfica; Corpo de
Delito189 conclusivo com vestígios de violência feito às portas da prisão onde tábuas haviam
sido arrancadas, por meio de uso da força física e instrumentos para arrancá-las, pois, segundo
o parecer dos peritos responsáveis pelo corpo de delito o grupo empregou além dos ombros, a
força de cacetes para abrir as portas sendo encontrados ainda “quatro cacetes e um espigão de

187
Código Criminal do Império do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-
12-1830.htm. Acesso em: 22 de junho de 2013.
188
Confira a seção: Anexos
189
Idem.
81

ferro”190; e as falas decisivas das testemunhas Ignácio Lopes Façanha, Úrsula Maria de Lyra,
Antônio Francisco de Queiroz, Vicente Martins de Amorim, Maria Pinheiro da Conceição,
Antônio Basílio de Meneses, José Manoel de Moraes, Thomaz Raymundo Zachen e Antônio
Francisco Bernardo.

4. Manobras jurídicas na defesa do abolicionismo

Diante desse resultado o advogado do réu, Antônio Raulino de Sousa, remeteu junto
ao Juiz de Direito José de Araújo Roso Danim a interpolação de um recurso junto ao Tribunal
da Relação de Belém, haja vista que o suplicante não havia se conformado com a dita
pronunciação. Essa manobra jurídica em requerimento da liberdade do réu em instância
superior estava baseada nos seguintes argumentos: formação de culpa equivocada; resistência
não comprovada; arrombamento e ajuda em fuga de preso não comprovada, além da
desqualificação das testemunhas já que três delas eram os soldados envolvidos e pelo menos
uma das mulheres casada com um dos praças, colocando em xeque a veracidade das
informações obtidas de tais pessoas. Afinal, o artigo 89 do Código do Processo Criminal do
Império dizia o seguinte:

Art. 89. Não podem ser testemunhas o ascendente, descendente, marido, ou


mulher, parente até o segundo gráo, o escravo, e o menor de quatorze annos;
mas o Juiz poderá informar-se delles sobre o objecto da queixa, ou denuncia,
e reduzir a termo a informação, que será assignada pelos informantes, a
quem se não deferirá juramento.
Esta informação terá o credito, que o Juiz entender que lhe deve dar, em
attenção ás circumstancias.191

Com isso, as acusações levantadas por tais testemunhas deveriam ser reconsideradas no que
se dizia respeito ao recebimento da pena por José Ferreira Braga devido aos interesses
envolvendo as partes.
A argumentação da defesa iniciou revelando o desejo do suplicante José Ferreira
Braga, através de seu responsável jurídico em recorrer em sua defesa visando os “princípios
do direito attinentes a matteria, e das decisões da jurisprudência, para dellas fazer adaptação
dos factos do que foi pronunciado”192, sinalizando em seguida os pontos frágeis do processo
pelo qual o seu cliente não deveria permanecer preso. Tendo o primeiro ponto tocado pelo

190
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
191
Código do Processo Criminal do Império. Capítulo VI. Das provas. Disponível em:
https://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/viwTodos/5B6248A3BCF918E5832574BE0068EBD4?O
penDocument&HIGHLIGHT=1. Acesso em: 22 de junho de 2013. Grifo Meu.
192
Idem.
82

defensor de José Ferreira Braga consistindo no tipo de pronúncia em que o crime tinha se
dado, haja vista que se encaixava no Decreto 707, de 9 de outubro de 1850 onde dizia o
artigo 1º:

Nos crimes de (…) resistencia, comprehendida na primeira parte do Artigo


cento e dezesseis do Codigo Criminal, tirada de presos, de que tratão os
Artigos cento e vinte, cento e vinte hum, cento e vinte dois, cento e vinte
tres, e cento e vinte sete do mesmo Codigo, os Juizes Municipaes são os
competentes para a formação da culpa, guardando a fórma do processo
actualmente seguida.193

Mediante isso a formação de culpa promovida pelo Juiz de Direito do 1º Distrito


Criminal era nula, bem como a consequente continuidade do processo que mantinha seu
cliente privado de sua liberdade. Fato que contrariava o artigo 2º do mesmo decreto:

Art. 2º Do despacho de pronuncia, ou não pronuncia, o Juiz Municipal


interporá recurso ex-officio para o Juiz de Direito. Este recurso não terá
effeito suspensivo, salvo quando tenhão sido presos os réos por ser o crime
inafiançavel, pois então só depois de decidido favoravelmente o recurso
serão relaxados da prisão.
Se o réo estiver preso ou afiançado, ser-lhe-ha intimada a pronuncia, e
dentro de cinco dias improrogaveis poderá juntar as razões e documentos,
que julgar necessarios, e nesse caso a parte contraria nos cinco dias seguintes
poderá juntar tambem suas razões e documentos. Se o réo não for
pronunciado ou estiver ausente, o processo seguirá para a Instancia superior
sem intimação. Para juntar as razões e documentos será dada vista dentro do
194
cartorio do Escrivão.

Resumindo somente o Juiz Municipal poderia interpor despacho de pronúncia de culpa junto
ao Juiz de Direito, não podendo este suspender a liberdade dos acusados.
Assim entendeu o advogado do recorrente que o Juiz de Direito do 1º Distrito Crime
da capital não era competente para organizar tal processo caracterizado como sendo de foro
especial, da forma demonstrada no artigo 1º do Decreto 707, de 9 de outubro de 1850. E
diante do artigo 51 do Decreto 4.824, de 22 de outubro de 1871 onde a parte interessada
poderia alegar a incompetência do juízo antes da inquirição das testemunhas ou “logo que o
réo comparecer em Juizo”195, e mesmo que não tenha manifestado tal incompetência o Aviso

193
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dim/dim707.htm. Acesso em: 22 de
junho de 2013. Grifo Meu.
194
Decreto 707, de 9 outubro de 1850. Disponível em:
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/dim%20707-1850?OpenDocument.
Acesso em: 22 de junho de 2013.
195
Texto integral disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dim/dim4824.htm.
Acesso em: 22 de junho de 2013.
83

de 17 de março de 1873, permitia que o juízo superior fosse conhecedor dela a partir do
momento em que houvesse manifestação e mesmo independente de alegação.
A vista dessas questões o recorrente José Ferreira Braga julgou incompetente o Juiz de
Direito do 1º Distrito Criminal para organizar o seu processo de formação de culpa, dos
crimes de resistência e arrombamento de cadeia por serem de caráter especial e, portanto, não
podendo ser julgado pelo referido juiz. Tendo em vista o Decreto 4.824 de 22 de outubro de
1871 em seu artigo 13196 que trata da competência e atribuições dos Juízes de Direito, estando
o juiz Roso Danim inserido nele, e sendo Belém uma Comarca especial de acordo com a
hierarquia judiciária, o parágrafo 3º dispunha que aos juízes de Direito competia
exclusivamente a pronúncia e o julgamento dos crimes da lei de 2 de julho de 1850 197, sendo
delegados para casos considerados especiais, como este em questão, aos Juízes Substitutos
como definia o artigo15198 § 3º do citado Decreto 4.824.

196
Art. 13. Aos Juizes de Direito das comarcas especiaes compete exclusivamente:
1º A pronuncia dos culpados nos crimes communs.
2º O julgamento dos crimes de que trata o art. 12, § 7º do Codigo do Processo Criminal, e mais processos
policiaes.
3º A pronuncia e o julgamento dos crimes de que tratam a Lei nº 562 de 2 de Julho de 1850 e o art. 1º do
Decreto nº 1090 do 1º de Setembro de 1860.
4º O julgamento das infracções dos termos de segurança e bem viver; e por appellação, o julgamento das
infracções de posturas municipaes.
5º O processo e julgamento dos empregados publicos não privilegiados.
6º O processo e julgamento dos crimes de contrabando fóra de flagrante delicto.
7º A decisão das suspeições postas aos Juizes Substitutos e Juizes de Paz.
Em geral, quaesquer outras attribuições conferidas pela legislação vigente aos Juizes de primeira instancia.
Decreto 4.824 de 22 de outubro de 1871. Disponível em:
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DIM%204.824-1871?OpenDocument.
Acesso em: 22 de junho de 2013.
197
Art. 1º Serão processados pelos Juizes Municipaes até a pronuncia inclusivamente, e julgados pelos Juizes de
Direito, os seguintes crimes:
§ 1º Moeda falsa.
§ 2º Roubo, e homicidio, commettidos nos Municipios das fronteiras do Imperio.
§ 3º A resistencia comprehendida na primeira parte do Artigo cento e dezeseis do Codigo Criminal.
§ 4º A tirada de presos, de que tratão os Artigos cento e vinte, cento e vinte hum, cento e vinte dois, cento e
vinte tres, e cento e vinte sete do Codigo Criminal.
Art. 2º O crime de banca-rota tambem será definitivamente julgado pelos Juizes de Direito.
Art. 3º Ficão revogadas as disposições em contrario.
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-562-2-julho-1850-559720-
publicacaooriginal-82069-pl.html. Acesso em: 06/10/14.
198
Art. 15. Aos Substitutos dos Juizes de Direito das comarcas especiaes compete:
1º Substituir parcial ou plenamente os Juizes de Direito effectivos, no caso de impedimento.
2º Processar os crimes communs, até a pronuncia exclusivamente.
3º Cooperar no preparo dos processos dos crimes do art. 42, § 7º do Codigo do Processo Criminal, e mais
processos policiaes, dos da Lei nº 562 de 2 de Julho de 1850 e do Decreto nº 1090 do 1º de Setembro de 1860,
art. 1º.
4º Conceder fianças.
Decreto 4.824 de 22 de outubro de 1871. Disponível em:
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DIM%204.824-1871?OpenDocument.
Acesso em: 22 de junho de 2013.
84

No segundo ponto levantado, o advogado continuou sua defesa na tentativa de


desqualificar as ações do subdelegado lembrando que o processo foi feito de forma arbitrária,
manipulável e sem recorrer às medidas legais que denotariam autenticidade ao processo. Bem
como desqualificou formação da culpa que foi inserida sobre José Ferreira Braga já que esta
não se enquadrava nos termos legais, e que novamente o procedimento do subdelegado e dos
praças como testemunhas era no mínimo suspeito. Afinal, o recorrente em primeiro lugar “não
cometteo o crime de resistencia que lhe é injuntado, e que [assim] não pod[ia] ser pronunciado
em tal crime, desde que elle não foi provado pelos meios legaes.” 199 Pois, para dar-se crime de
resistência a ordem de prisão como pretendeu o juízo alegar era necessário enquadrar a
referida ordem ao artigo 176 do Código do Processo Criminal do Império onde se lê:

Art. 176. Para ser legitima a ordem de prisão é necessario:


§ 1º Que seja dada por autoridade competente.
§ 2º Que seja escripta por Escrivão, assignada pelo Juiz, ou Presidente do
Tribunal, que a emittir.
§ 3º Que designe, a pessoa, que deve ser presa, pelo seu nome, ou pelos
signaes caracteristicos, que a façam conhecida ao Official.
§ 4º Que declare o crime.
§ 5º Que seja dirigida ao Official de Justiça. 200

Nestes termos os autos contam que o subdelegado Carlos de Faria deu ordem de prisão
a José Ferreira em meio a um grande número de pessoas, após ter ido à cadeia para retirar a
força uma escrava que havia sido presa pela manhã e não atendendo a esta ordem seguiu para
sua casa. Nota-se, porém, que tal voz de prisão foi dada sem declarar qual crime ou ordem
legal o subdelegado executava, transgredindo dessa maneira os parágrafos 3º e 4º do artigo
acima. Raulino Uchoa notou também a ausência de provas para designar o crime de
resistência contra o seu cliente no que tange a primeira parte do artigo 116 do Código
Criminal do Império, por que não havia prova alguma de ofensa contra o subdelegado e
soldado, além do simples relato do Capitão Faria. No mais, os autos mostram claramente,
segundo a argumentação de Uchoa que houve alguns soldados agredidos por pessoas de nome
ignorado, sendo assim não teria como saber ao certo quem praticou as agressões como as
próprias testemunhas afirmaram ao longo do inquérito.
Em segundo lugar, prosseguiu o defensor, não constava nos autos o respectivo auto de
flagrante exigido nas formalidades legais, demonstrando a ilegalidade da resistência. No mais,
não houve prova suficiente de ofensa contra os praças na medida em que não foram feitos o
199
Idem.
200
Código do Processo Criminal do Império. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-
16-12-1830.htm. Acesso em: 22 de junho de 2013.
85

corpo de delito nos soldados, como solicita o artigo 134 do Código do Processo Criminal
onde diz ser “essencial nos delictos de factos que deixão vestígios.” 201 Não ocorrendo Corpo
de Delito em Benevides ou em Belém das ditas praças, a modo de provar as ofensas por parte
do acusado não havia, portanto, embasamento para manter seu cliente em situação de
encarceramento há tantos meses.
Em terceiro lugar, a defesa reiterou que o Corpo de Delito promovido na casa que
servia de cadeia era inapropriado para ser usado como prova no processo, pois fora feito de
forma ilegal frente ao artigo 135 do Código Criminal do Império de modo que este exame só
poderia ser “feito por peritos, que t[ivesse]m conhecimento do objecto, e na sua falta por
pessoas de bom senso, nomeadas pelo Juiz de Paz, e por elle juramentadas, para examinarem
e descreverem com verdade quanto observarem.”202 Quando na realidade foram feitos por
moradores da colônia provavelmente coagidos pelo subdelegado, ou ainda, sendo eles amigos
do referido Capitão, segundo a versão do advogado, servindo como peritos os cidadãos
Antônio Duarte Antunes Balbi e José Cavalcante de Menezes Pinho tendo como testemunhas
os senhores Ignácio de Azevedo Jacuana e Antônio Francisco de Queiroz todos moradores da
colônia e os dois últimos testemunhas de acusação nesse processo.
Como quarto ponto, a defesa apresentou casos semelhantes ocorridos no Império para
servir como exemplo e obter a despronúncia do acusado a partir da jurisprudência de outros
Tribunais no Império sobre o assunto, afirmando que o crime de resistência só poderia ter
base mediante provas consistentes como ocorreu nos casos que apresentou. Exemplificou que
o Tribunal da Relação de Ouro Preto julgou improcedente uma acusação de crime de
resistência, onde oficiais de justiça instauraram processo especial de resistência mediante
certidão do auto de flagrante sem assinatura de duas testemunhas como exige o livro nº 8 do
Direito em sua página 166, onde para efetivar a resistência era preciso como prova legal o
auto de flagrante e corpo de delito quando houvesse ofensas físicas. A Relação de Ouro Preto
julgou improcedente porque “a base de todo este procedimento criminal foi sobremodo
defeictuosa”203, diante disso o juízo entendeu que não poderia qualificar como resistência
legal sem a devida apresentação do auto lavrado e assinado por testemunhas, a decisão foi
unânime frente a essa argumentação.

201
Código Criminal do Império Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-
12-1830.htm. Acesso em: 22 de junho de 2013.
202
Código Criminal do Império Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-
12-1830.htm. Acesso em: 22 de junho de 2013.
203
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
86

O recorrente pesquisou casos semelhantes por outros Tribunais do Império visando


encontrar sustentação para sua defesa, ao que apresentou os referidos processos ao Egrégio
Tribunal da Relação de Belém que por sua vez seguia a mesma diretriz, isto é, que não havia
crime de resistência sem o competente auto, lavrado na forma legal. Diante disso, a defesa de
Ferreira Braga alegou que não poderia haver crime de resistência baseado somente nas
palavras do subdelegado de Benevides, bem como não servir como prova factível para rotular
crime de resistência apenas uma certidão assinada por soldados, assim como ocorreu em Ouro
Preto onde houve a assinatura de Oficiais de Justiça sem as devidas rubricas de testemunhas
para legitimar crime de resistência.
A defesa continuou o discurso salientando que era um princípio pernicioso ser
colocada à mercê da palavra de uma autoridade a sagrada liberdade de seu cliente, das quais
alimentava desavenças pessoais, negligenciando dessa forma os procedimentos legais ao
sabor de seu interesse. Deixando transparecer a indignação do acusado diante do processo no
qual estava envolvido: “Senhor! Parece ao recorrente que a resistência que lhe é imputada,
não passa de uma chimera, pois que não esta provado nem com as formalidades da lei, nem
por outra qualquer forma com visor de legalidade”204, apenas com o objetivo de mantê-lo
atrás das grades.
O quinto ponto, apresentado pela defesa, se referiu a incursão do réu também no artigo
123 do Código Criminal do Império que tratava de arrombamento de cadeia para fuga de
preso. O advogado afirmou que a interpretação do artigo 123 era scriptu iuris, ou seja, que
deveria obedecer rigorosamente o que a lei positiva ordenava e assim passou a ler em voz alta
o referido artigo visando demonstrar que seu cliente não poderia ter feito “arrombamento na
cadêa por onde fugisse ou podesse fugir [algum] preso.”205 Posto que o processo apontava que
nenhuma das testemunhas inquiridas afirmou ter sido José Ferreira Braga o autor do
arrombamento em primeiro lugar e em segundo lugar prosseguiu argumentando que em
Benevides não havia uma cadeia no verdadeiro sentido da expressão, ou pelo sentido
gramatical da palavra ou ainda, “no sentido que lhe attribue a expressão legal.”206 E sim, uma
casa que servia de cadeia de onde havia sido retirada uma mulher que supunha-se ser escrava
segundo as informações que lhe foram dadas, do que não havia provas nos autos de que a
mesma o fosse no momento do conflito, afinal, a única informação que se tinha sobre o status
da mulher era a palavra do senhor subdelegado que informou ser Severa de propriedade de

204
Idem.
205
Idem.
206
Idem.
87

Dona Maria Olympia de Azevedo a qual tinha emitido ordem para prendê-la. Continuando a
argumentação, disse que não poderia seu cliente ter arrombado a casa que servia de cadeia por
ter sido ela atacada ao que consta nos autos por um “innumero grupo de homens de diversas
cores e condições”207 e que as próprias testemunhas ao longo das inquirições não souberam
afirmar ao certo quem era o responsável, alegando quase unanimemente:

Que um grupo de povo atacou a cadêa-quartel, que no meio deste grupo


estava o recorrente; que a cadêa-quartel foi arrombada; que uma escrava
fugida que lá estava evadio-se; que dous soldados forão feridos; que o
Subdelegado deo voz de prisão ao recorrente; que este fugio para [sua] casa,
que a confusão era immensa; os gritos reppetidos e[m] vários os sentidos; e
percebe[ra]m que a confusão era extraordinária, (note-se bem!) a ponto de
não saber[em] bem e nem distinguir[em] o negocio e as pessoas.208

O advogado continuou lembrando que o motivo da presença do acusado naquela


ocasião era no sentido de acalmar os ânimos e evitar desordens, e para alcançar este louvável
intento, empregou todos os recursos não conseguindo, porém, por não ter seu pedido atendido
ao que seguiram a abertura da porta da casa que servia de cadeia e retiraram a mulher. Em
vista disso, a defesa entendeu que José Ferreira Braga estava sendo injustiçado devido a sua
boa fé ao tentar conter maiores desastres, tendo recebido em troca por parte das autoridades
“inquéritos, remett[idos] a justiça publica, [no que] esta [por sua vez] deo denuncia, e formou-
se este processo.”209 E como consequência o réu era mantido encarcerado sofrendo, enquanto
os verdadeiros culpados estavam livres, esperando para que o Promotor descobrisse seus
nomes e sobrenomes já que nos autos não havia provas suficientes para manter o réu privado
de sua liberdade, haja vista que nenhuma testemunha afirmou ou assegurou ter sido o réu
responsável por este arrombamento pelo que “disem não virão nada nem distinguirão pessoa
alguma certa no meio da confusão.”210
Antes de finalizar a sua defesa o advogado argumentou sobre a ação de arrombar a
cadeia para dar fuga a preso, levantando duas questões ao Tribunal: “uma escrava fugida é
uma criminosa que foge da cadeia? Se é porque não [a] processão, e não lhe concedem defesa
nos tribunaes?”211 Com isso Raulino Uchoa tratou do cerne da questão sobre a pessoa física e
jurídica do escravo, afinal segundo as leis do Império quem respondia pelas ações do cativo
era seu senhor, com exceção dos crimes incursos na Lei nº 4 de 10 de junho de 1835 que

207
Idem.
208
Idem.
209
Idem.
210
Idem.
211
Idem.
88

determinava e estabelecia as regras do processo a escravos, que por ventura, matassem,


ferissem ou cometessem quaisquer ofensas físicas a seus senhores.
Percebe-se um discurso abolicionista na argumentação de Raulino, o que condiz com
sua atuação advogando a favor da causa escrava na província como demonstra Marcelo
Lobo212 ao analisar autos cíveis de liberdade escrava na capital paraense, como fica explícito
na versão apresentada ao juiz da seguinte forma, o Código Criminal em seu artigo 1º dizia que
não havia crime sem lei que o qualificasse como tal e, portanto, não existia no referido
Código artigo algum que classificasse a fuga de um escravo como crime e se houvesse alguma
lei ou decreto nesse sentido que lhe fosse apresentado, pois, ele não a conhecia. Dessa forma,
não era plausível haver pena para tal “crime”, e, mais, não foram apresentadas provas
eloquentes de que a presa era de fato escrava fugida, ao tomar essa postura Raulino Uchoa
explicitou suas convicções acerca da fuga escrava e consequente apoio a tais ações
consideradas por grande parte da sociedade como danosas à economia e tranquilidade social.
Tendo defendido seu ponto de vista em juízo quanto à culpabilidade de seu cliente o
advogado interpôs em 12 de fevereiro de 1885 recurso a Vossa Majestade Imperial para que
ele revisse tamanhas arbitrariedades cometidas contra seu cliente.
A Promotoria não deixou por menos e na semana seguinte enviou sua posição ao
responsável pelo Egrégio Tribunal da Relação advertindo à falta de base para o pedido de
despronúncia do acusado por seu advogado, visto terem sido improcedentes e carecidos de
provas às razões em que o recorrente solicitou a despronúncia do réu, cujo crime se achava
devidamente provado constando a sua criminalidade. Argumentou ainda que nos autos
constasse a prova dos crimes atribuídos ao acusado e que a ausência do auto de resistência
tocada pelo recorrente não era essencial ao processo e, por conseguinte, não poderia ter efeito
de anulação do processo, pois as leis citadas por pelo advogado Raulino não fundamentavam
tais questões envolvendo esse caso importante que comprometia a ordem pública nesta
cidade.
E que ao contrário do que afirmou a defesa as provas testemunhais foram completas e
válidas haja vista terem sido recolhidas sob juramento, sendo o fato verídico que José Ferreira
Braga capitaneou um grupo de escravos que arrombou a casa que servia de cadeia em
Benevides para retirada de uma escrava. Não podendo ser assim anulado o processo tendo
como prova os testemunhos constituídos, embora as provas apresentadas fossem suficientes
para dar base aos interesses da justiça e da sociedade que não podiam ficar prejudicados

212
LOBO. Op. Cit. 2010.
89

“única e não sómente porque a Autoridade Policial não fez lavrar-se o auto de resistência, que
não há lei que a considerem como essencial não processar da resistência [sic].” 213 Com isso, o
promotor Adelino Correa esperava que o Tribunal da Relação sustentasse seu despacho
mantendo a acusação de José Ferreira Braga, na medida em que sob seu ponto de vista o
processo encontrava-se todo fundamentado nos autos.

5. Reprima-se! Pelo bem da justiça e tranquilidade social

A resposta às ações do advogado de Ferreira Braga se deu em breve, o juiz Roso


Danim também não deixou por menos as alegações feitas por Raulino Uchoa quanto à sua
competência e três dias depois do pedido da promotoria, ele fez questão de enviar seu parecer
sobre o caso ao Imperador, onde reconheceu a legalidade da manobra utilizada pelo advogado
ao ter levantado dúvida quanto à competência de seu juízo, entretanto, clamou para que fosse
feita uma leitura sensata dos depoimentos para que assim “V.M.I se convensa da justiça do
acto, e por isso sustente o meo dito despacho, mandando, entretanto V.M.I o que julgue mais
jurídico.”214 Ao solicitar o não acatamento de revisão do processo pelo Tribunal da Relação,
pois acreditava haver provas suficientes nos autos, segundo Roso Danim dar a entender de
que as alegações de Raulino possuíam boas chances de serem aceitas, mesmo que a
promotoria afirmasse a falta de embasamento legal para o caso, o que acontecendo poria em
risco o caráter simbólico da repressão às práticas abolicionistas radicais na província.
Tal receio por parte do Juiz de Direito Roso Danim pode ser explicado pelo contexto
nacional de radicalização do movimento abolicionista, bem como as discussões no
Parlamento em torno do que seria a Lei de 28 de setembro de 1885. Ao lado disso, houve a
mudança no governo provincial para as mãos do Conselheiro João Silveira de Sousa de
posição mais moderada, do que seu antecessor o Enéas Rufino Galvão, mais conhecido como
Visconde de Maracajú, que por sinal lembremo-nos esteve presente nas comemorações da
libertação dos escravos em Benevides. Em 22 de julho de 1884 215 foi anunciado o fim do
mandato de Visconde de Maracajú na direção da província paraense, o referido governante
era personagem garantida nas festividades que envolviam a libertação escrava das associações
e sociedades abolicionistas da capital, saindo constantemente notas na imprensa paraense de
suas ações em favor da liberdade escrava, tamanho era seu envolvimento que recebeu o título

213
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
214
Idem.
215
O Liberal do Pará. O Exm. Sr. Visconde de Maracajú. 22/06/1884. P.2. Grifo Meu.
90

de sócio benemérito da Sociedade abolicionista 28 de Setembro216 devido as suas importantes


contribuições a mesma. Tal posição considerada perigosa no contexto vivido por todo Império
naquele momento de importantes discussões parlamentares travadas em torno da questão
escrava, foram tomadas medidas com o fim de eliminar ou no mínimo amenizar esses “focos
abolicionistas” perpetrados por governantes provinciais como estava acontecendo em várias
capitais a exemplo do Ceará, Amazonas e Rio Grande do Sul.

Virava-se, nesse momento, mais uma página da história do Pará;


infelizmente, as idéias abolicionistas do Visconde de Maracajú foram
obstruídas pelas tendências escravocratas de seus prosseguidores,
favorecendo uma insana perseguição aos escravos, que buscavam [em]
Benevides, em busca da tão sonhada liberdade. 217

Ao que parece, o novo presidente provincial antes da entrada de João Silveira, a


primeira vista pretendia ver encerrado esse caso e seus envolvidos penalizados, com o fim de
servirem como exemplo. Que por sinal era o mesmo juiz de direito Roso Danim ao assumir
temporariamente o governo provincial218, mostrou-se como era de se esperar por ter uma
posição política menos receptiva às ações que envolviam a liberdade escrava, tanto que esteve
envolvido no ano anterior em complicações com a Junta Classificadora de Escravos da
Capital219 por ser também proprietário de escravos. Em vista disso, após a troca de Governo é
perceptível entre as fontes o desejo de acelerar o processo de julgamento visando à obtenção
de um resultado com pena máxima e ainda a insistência na permanência de todas as
testemunhas de acusação, objetivando garantir a estadia dos acusados pelo maior tempo
possível atrás das grades. E assim frear as ações dos abolicionistas e fugas escravas.
Pois, ao que se podia perceber através dos discursos apresentados pela imprensa local
em torno dessa necessidade de manter o perigo de se criar no Grão-Pará a mesma onda
abolicionista que assolou o Ceará, sem quaisquer respeito aos direitos de propriedade escrava
levantando críticas quanto à legalidade da promoção da libertação dos escravos que se
dirigiam a Benevides. Haja vista que não havia lei alguma que tratasse da questão em todo o
Império, este fato era piorado com as conexões do abolicionismo cearense nas províncias do
Norte, primeiro libertando os escravos do Ceará, em seguida a colônia Benevides e em 10 de
julho de 1884 o Amazonas também se configurou como livre da escravidão.

216
Diário de Notícias. 10/10/1883. P.2.
217
Diário de Notícias. 27/06/1884. P. 2. Grifo Meu.
218
O Liberal do Pará. Administração da Província. 26/06/1884. P.2.
219
Diário de Notícias. JUNTA DE CLASSIFICAÇAO DE ESCRAVOS DA CAPITAL. Abaixo a escravidão.
11/07/1883. P.3.
91

Esse cenário político de desconfiança frente ao Gabinete Liberal de Dantas desde 1883
quando lançou o projeto para emancipação dos sexagenários, passou várias modificações até
ser finalmente aceito e aprovado no Parlamento, mas não sem muita desconfiança em relação
a ele. Por que despertou os receios em assunto tão delicado que era a mão de obra escrava no
país, assim conservadores e liberais passaram a discuti-lo mais atentamente “houve oposição
no próprio partido ministerial, pois nove deputados liberais uniram-se a alguns conservadores
votando contra o projeto”220, assim conseguiram barrar a aprovação do projeto da forma que
estava. Frente a isso, o ministério Dantas ficou sensivelmente impopularizado e para reverter
tal situação gabinete foi dissolvido e novas eleições convocadas, com novo governo
empossado houve nova submissão à Câmara, tendo sido após modificações aprovado “esta
versão resguardava o direito de propriedade e o princípio da indenização, impondo severas
penas aos protetores de escravos fugidos. Este novo projeto se distanciaria e muito do
primeiro, estando agora mais próximo dos interesses escravistas.” 221
A província do Grão-Pará não se manteve alheia a essa discussão tanto que a posição
tomada frente aos conflitos de 12 de agosto de 1884 em Benevides estava diretamente ligada a
essa questão, a própria imprensa abolicionista via com desconfiança as ações tomadas pelo
gabinete Dantas como pode ser observado abaixo:

(...) Mas a nação, desconfiada, receiosa (sic), ou sem fé na seriedade do


Gabinete, quando se pronunciassem inteiramente favoráveis ao seu projeto.
(...) Teríamos apoiado a situação, se ella atacasse de frente a barbara
instituição que nos deshonra, dando-lhe um golpe decisivo. (...) Nada mais
querendo ou propondo fazer do que paliar, addiando indefinidamente a
solução de problema, que se inculcou capaz de resolver.”222

Continuou a criticar o projeto 15 de julho, pois, a seu ver a continuidade do projeto e as


alterações feitas nele denotaria que os liberais não estavam de fato pretendendo apressar a
redenção dos escravos, mas sim, aplicando um retardamento a essa abolição imediata visando
atender as demandas dos proprietários de escravos que possuíam parcela significativa de
representantes no governo.
Percebe-se nas discussões na imprensa que Dantas não conseguiu apoio unânime de
seu partido e na província paraense não foi diferente, porque apesar de possuir um caráter
nitidamente reformista, o projeto ainda assim conseguiu assustar a sociedade escravista e
desesperançar os abolicionistas mais radicais frente à resolução definitiva da mão de obra

220
MORAES, Evaristo de. A Campanha Abolicionista. 1850-1888. Brasília: Editora da UNB. P.71. 1986.
221
COSTA, Emília Viotti da. A Abolição. São Paulo: UNESP. P. 63-64. 2008.
222
Diário de Notícias. A Abolição e o Governo. Editorial. 13/02/85. P.1.
92

escrava. A isenção do pagamento da indenização de escravos sexagenários aos seus senhores,


por exemplo, fora interpretada pela camada detentora de cativos como uma séria ameaça ao
direito de propriedade. Temia-se que os demais escravos compreendessem que também
poderia ser atendidos a partir de pressões ao Parlamento, além do que, a proposta inicial de
Dantas trazia em seu bojo uma interpretação implícita sobre o assunto, por um lado concedia-
se a liberdade sem indenização aos escravos, negando em tese, a propriedade escrava; e, por
outro lado, consigna o direito à indenização pecuniária para a alforria dos demais escravos o
que poderia na visão dos mais tementes, desorganizar completamente a estrutura da mão de
obra escrava.
Nesse contexto a desconfiança frente às ações da SLB e suas conexões com o
abolicionismo cearense eram tão mal vistas que em 12 de maio de 1884 o deputado geral pelo
Grão-Pará Samuel Walace Mac-Dowell, criticou duramente em seu discurso no parlamento
quanto à forma como iam se deslanchando o abolicionismo no Ceará, Pará e Amazonas sob os
olhos e permissão dos presidentes liberais naquelas províncias.

No Pará e no Amazonas o governo está protegendo escandalosamente a


propaganda abolicionista. O Presidente [do Pará] não só assistiu aos
festejos da burlesca libertação da colônia Benevides, como também não
trepidou em assignar o respectivo auto. Assim com o consentimento do
delegado do governo, ficaram suspensas as leis do império em um
circumscripção territorial que não abrange nem uma freguesia. Da mesma
sorte no Amazonas se emprega a influência do governo para conseguir a
decretação de uma lei tumultuária e illegal emancipando os escravos da
província.
Semelhantes procedimentos do governo, diz o orador [comenta o Diário de
Notícias], é indigno e desleal.
Se o governo [Liberal] quer a emancipação immediata, tenha a coragem de
apresentar um projecto n’este sentido ao parlamento, mas não permitta que
os seus delegados se ponham á testa do movimento abolicionista.223

Pode-se observar, portanto, que a libertação de Benevides e as ações da SLB


incomodavam a classe mais conservadora e mesmo a liberal moderada mais detida aos meios
gradualistas de emancipação. Não sendo interessante aos seus interesses o modo como estava
se tratando da Questão Servil naquela localidade, o que poderia trazer sérios problemas a
propriedade escrava além da já crescente constância de fugas em direção ao núcleo. Assim, a
manutenção de membros da SLB servia de um recado simbólico a todos ainda que o processo
de degolamento da euforia abolicionista por parte do Gabinete Imperial em retirar da

223
Diário de Notícias. Camara dos Deputados. 06/05/84. P.2. Apud BEZERRA NETO. Op. Cit. P. 395-396.
2009. Grifo Meu.
93

presidência aqueles governantes, mais abertamente ligados à causa da abolição estivesse se


dando e mesmo sob uma vigilância maior e cerco mais fechado os membros da SLB
continuavam a agir.

6. E no fim a sentença... Crime de resistência?

Os meses passam e o processo continuou tramitando no judiciário, em 20 de março de


1885 o Juiz de Direito Doutor Paes d’Andrade Costa, responsável pela Relação da capital,
aceitou a despronúncia de José Ferreira Braga no que tocava a primeira parte do artigo 116 do
Código Criminal do Império, sobre resistência à prisão ou ordem legal advinda de uma
autoridade “visto que nos autos não consta[va] o auto de resistência necessário e essencial
para provas do referido crime.” 224 Entretanto, concluiu que referente ao artigo 123 do mesmo
Código havia provas satisfatórias para manter a pronúncia sobre arrombamento de cadeia
mantendo o pedido de Roso Danim dando prosseguimento assim ao processo criminal. Com
essa medida procurou equilibrar as coisas atendendo ambas as partes envolvidas na situação.
Em vista disso o Promotor Público Interino da Província Joaquim de Sousa Cabral
remeteu libelo 225 acusatório em 31 de março de 1885, contra José Ferreira Braga e Antônio
Paulo dos Santos (a sua revelia), pontuando as seguintes questões:

1º (…) os réos(…) capitanea[ram] um grupo [grifo original] de cincoenta e


tantos escravos, arrombaram a cadeia para dar escapula a uma escrava que se
achava presa.; 2º (…) semelhante atentado deo origem a um conflicto entre
os aggressores e os soldados de policia que se achavam de guarda, do qual
resultarão ferimentos.; 3º (…) os réos desrespeitarão a authoridade.; 4º (…)
os réos cometterão o crime levados por motivos reprovados. [grifo meu]; 5º
(…) os réos cometterão o crime com sorpresa.; 6º (…) houve ajuste entre os
aggressores para a realisação do crime. 226

Mediante a exposição pela Promotoria dos fatos acima a mesma requereu a condenação dos
envolvidos no grau máximo do artigo 123 do Código Crime por terem se dado as
circunstâncias agravantes do artigo 16 § 4, 13, 15 e 17 do mesmo código, que consistiam em:

Art. 16. São circumstancias agravantes:

224
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
225
Libelo: Termo utilizado no Direito Processual Penal que traduz-se na exposição apresentada por escrito pela
acusação prevendo o que se pretende provar ao magistrado contra o réu, concluindo com a declaração da pena
que considera ser ideal à condenação do acusado. É uma narração escrita do fato criminoso com as suas
circunstâncias, findando com a conclusão e com pedido da pena prevista em lei a qual o réu deverá ser
submetido. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/907/Libelo. Acesso em: 22 de junho
de 2013.
226
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
94

(…)
§ 4º Ter sido o delinquente impellido por um motivo reprovado, ou frivolo.
(…)
§ 13º Ter havido arrombamento para a perpetração do crime. (…)
§ 15º Ter sido o crime commettido com surpresa. (…)
§ 17º Ter precedido ajuste entre dous ou mais individuos para o fim de
commetter-se o crime. 227

Passado mais de um mês da remessa do libelo pela Promotoria e não tendo sido
marcada audiência, Raulino Uchoa solicitou com urgência ao juízo a marcação de uma data
para ter-se o julgamento de seu cliente, visto estar preso há muitos meses e sofrendo por essa
condição.228 Entre os dias 4 de maio e 18 de junho de 1885 o julgamento foi adiado algumas
vezes devido à ausência de uma ou outra testemunha, principalmente do soldado de polícia
Antônio Francisco Bernardo. Nesse meio tempo a jurisdição do caso saiu das mãos de Roso
Danim e mudou para a responsabilidade do Juiz de Direito do 3º Distrito Criminal Doutor
Fernando Maranhão da Cunha. A defesa impetrou recurso para a promotoria desistir da
testemunha Antônio Francisco Bernardo haja vista a sua constante ausência nas audiências, o
que significava protelar o período de cárcere de José Ferreira Braga.
Resistente a este pedido a Promotoria manteve-se firme na decisão de continuar com
sua testemunha e solicitou informações sobre o paradeiro do mesmo junto ao Comandante do
Corpo de Polícia da Província, visto estar atrasando o processo. Após obter as informações
desejadas de sua testemunha o promotor solicitou para o dia 27 de junho seguinte a audiência
de José Ferreira Braga. No dia marcado compareceram as testemunhas na sala das audiências
e o acusado foi novamente interrogado sobre os acontecimentos do dia 12 de agosto de 1884,
onde afirmou que não havia sido ele o responsável pelo arrombamento da cadeia e sim alguns
pretos que viviam em Benevides e foram até uma casa onde a escrava era mantida presa. Com
essa afirmação o acusado procurou derrubar o argumento de arrombamento de cadeia tendo
em vista a ideia já levantada por seu defensor de que o ocorrido não havia se dado em uma
cadeia, nos termos legais, fragilizando assim a acusação da promotoria.
E mais, que sua presença no momento do conflito era justificada, pois, pretendia ele
conter e aconselhar aos ditos pretos, não tendo sido atendido ao que “foi até espancado e
ferido por esse grupo que era capitaneado, segundo lhe passa por tal de Antonio dos

227
Código Criminal do Império Brasileiro. CAPÍTULO III
DAS CIRCUMSTANCIAS AGGRAVANTES, E ATTENUANTE DOS CRIMES. SECÇÃO I. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm. Acesso em: 22 de junho de 2013.
228
Confira a carta de José Ferreira Braga ao Juiz de Direito na seção: Anexos.
95

Santos.”229 E que todo este processo era motivado por intrigas entre ele, o Subdelegado e o
“filho de Jorge Sobrinho que se constitui a muito tempo seo innimigo” 230, tendo quase todas
as testemunhas sido influenciadas por um ou outro visando prejudicar-lhe. O réu demonstra
que existiam pessoas que se beneficiariam da sua prisão por serem seus inimigos pessoais,
indo até o ponto da coação por parte dos soldados e subdelegado junto às testemunhas para
causar prejuízos em sua vida.
Uma questão levantada por essas afirmações de Ferreira Braga se deve as possíveis
motivações do subdelegado Carlos de Faria e do filho de Jorge Sobrinho, que acredito ser
Antônio José Jorge um dos colaboradores e agenciadores da SLB ao lado de Ferreira Braga.
Este Jorge Sobrinho referido pelo réu, penso ser Antônio Jorge Sobrinho, ex-diretor da
colônia em substituição de Martinho Domiense Pinto Braga no que em 1879 esteve envolvido
em intensos conflitos231 entre os moradores do núcleo, tendo sido até vítima de uma tentativa
de assassinato na época. Fato este que causou grandes discussões na imprensa paraense e
cearense em torno do tratamento dado pelo governo provincial aos migrantes cearenses
alocados em Benevides. As desavenças ao que parece estavam ligada ao crescente número de
escravos na colônia e ao que tudo indica supervisão e influência de Ferreira Braga sobre essa
importante mão de obra, disponível na colônia e remontando ainda a política de cortes
financeiros à colônia, afinal, como Francivaldo Nunes 232 demonstrou procedeu-se processo
para averiguar o conflito e apontar as principais lideranças e, segundo o inquérito publicado
em O Liberal do Pará de 20 de agosto de 1879 entre os vários participantes constava um tal
João Ferreira Braga ou seria um erro de impressão? As fontes disponíveis deixam a questão
em aberto, embora acredite ser a mesma pessoa pelo fato que o réu afirmou ter tido uma
inimizade antiga com o filho do ex-diretor da colônia, possivelmente remontando a este
episódio ou ainda por disputas internas envolvendo poder e autoridade no interior da SLB já
que ambos eram membros.
Ainda nesta audiência o advogado apresentou ao juiz novas provas para livrar seu
cliente da culpa, consistindo em dois comunicados endereçados ao novo subdelegado de
Benevides e seus moradores solicitando mais informações que esclarecessem de uma vez o
fato ocorrido em 12 de agosto de 1884. A defesa procurava desqualificar as testemunhas
arroladas no processo sob protesto de coação e direcionamento dos depoimentos por parte da

229
Fala de José Ferreira Braga, servindo de réu. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
230
Idem.
231
NUNES, Francivaldo Alves. “Entre a lei e o costume: revolta de colonos no Núcleo Agrícola Benevides
(Pará, 1879).” Revista Estudos Amazônicos. Vol. III, n° 2. P. 77-101. 2008b.
232
Idem.
96

acusação, pedindo que os moradores e o subdelegado confirmassem se Severa era escrava ou


não, se a casa que servia de cadeia era ou não “cubérta de taboinhas, se a cadeia publica desse
lugar nessí tempo, se éra ou não coberta de telha i se t[i]nha ou não um portão e duas janelas
gradiadas de ferro, sendo uma de um e de outro lado, dá porta.”233
No dia 28 de maio de 1885 a defesa obteve a resposta do subdelegado Francisco
Sisnando Baptista da seguinte forma:

Consta-me que onde se achava a escrava de nome Severa onde os pretos


fizeram o arrombamento éra no centro da antiga directoria e estando bastante
arruinada, pelo que já não existe no lugar onde éra edificada nem o
espolio(?), e sendo esta coberta de taboinha; tendo sim neste tempo uma
Cadeia Publica, com grades de ferro e sendo coberta, de telha; mas não foi
por onde dérce [sic], o conflicto como consta ao publico deste povoado. 234

Tendo feito as mesmas perguntas aos demais habitantes da colônia obteve resposta
semelhante ao do subdelegado:

Nos abaixo assignados moradores em Benevides, respondendo a sua carta


supra; temos a dizer lhe que, informamos que, a porta que os pretos
affastarão a folha para tirarem a escrava de nome Severa, foi em uma alcova
no sentro [sic] da caza que tinha servido de Directoria, a qual se achava em
máo estado e de cuja caza não existe hoje se não o lugar. E éra coberta de
tabuinhas; e a cadeia publica deste lugar; coberta de telhas e distava mais de
dusentos metros da antiga Directoria, e tinha treiz janellas com grades de
ferro, sendo uma colocada no _______ no lado norte, e as duas na frente do
lado sul.
Benevides, 30 de maio de 1885.
Joaquim Paulo Nogueira Lima
Francisco Jose de Oliveira
Joao Baptista da Silva235

Depreende-se que esses moradores não consideraram o ocorrido como arrombamento


não obstante os escreventes puseram o termo “porta que os pretos affastarão a folha para
tirarem a escrava”, ao invés de arrombaram à porta para retirar à força a escrava Severa como
consta nos autos de acusação. A escolha por essa forma de colocar a situação diante do pedido
de José Ferreira Braga através de seu advogado e também a escolha das pessoas a
responderem tais questões, pode ser explicado pelo envolvimento de pelo menos dois deles
com a SLB ou no mínimo simpatizantes, de forma que o nome do senhor João Baptista da
233
Carta enviada por Antônio Raulino Uchoa ao subdelegado e colonos de Benevides. 26/05/84. Auto Crime de
Resistência. 1884. CMA.
234
Resposta a carta enviada por Antônio Raulino Uchoa ao subdelegado e colonos de Benevides. Auto Crime de
Resistência. 1884. Grifo Meu. CMA.
235
Idem. Grifo Meu. CMA.
97

Silva configura como assinante na ata de libertação dos escravos de Benevides e, portanto,
favorável às ações da SLB enquanto Francisco José de Oliveira aparece como um dos
agenciadores/colaboradores da sociedade abolicionista benevidense em sua ata de instalação
oficial em 30 de março de 1884.236 Nesse sentido, buscou-se afirmar o contrário do que havia
dito Francisco Sisnando sobre a ocorrência de um arrombamento embora não na cadeia,
porém sim na casa que serviu de diretoria e estando ela bastante arruinada, transferindo a
culpa do ocorrido para os pretos fugidos e não aos acusados.
Diante do interrogatório de José Ferreira Braga, da revisão dos autos e dos certificados
acima entregues pela defesa ao Juiz de Direito do 3º Distrito Criminal Fernando Maranhão da
Cunha, este decidiu por absolver o réu da acusação que lhe imputava a Justiça Pública, por ter
entendido que não havia provas suficientes para mantê-lo preso sob o artigo 123 do Código
Criminal do Império. Assim, em 7 de julho de 1885 na sala das audiências o referido juiz
declarou José Ferreira Braga como inocente, solicitando imediato alvará de soltura e retirada
de seu nome do rol dos culpados. Recebendo no dia seguinte o alvará garantidor de sua
liberdade após 10 meses de reclusão e quase um ano após o conflito.
Com José Ferreira Braga em liberdade novamente as ações da SLB não pararam como
desejavam os conservadores, pelo que demonstram as notícias dos jornais nos anos seguintes
a sua libertação, tal como em 1886:

O sr. José Frazão da Costa requereu ao sr. dr. chefe de policia a captura de
algumas victimas escravisadas. A policia attendeu, in continenti, mandando
que o delegado de Benevides provindenciasse.
Aos abolicionistas de Benevides pedimos que façam esses escravos fugir
para mais longe: Tentugal, Bragança, Vizeu, longe da vista da autoridade da
colonia.
Façam esse favor.237

E no ano seguinte, em 1887, ainda vê-se a constância na fuga de escravos em direção à


colônia agrícola, permanecendo como receptora dos cativos fugidos apesar das fortes buscas
na região:

No Domingo ultimo apresentara-se em Benevides uma diligencia policial


composta de officiais, subdelegado e grande numero de praças (um

236
PREFEITURA MUNICIPAL DE BENEVIDES. Álbum Histórico de Benevides “Terra da Liberdade.” 1984.
Páginas não numeradas.
237
Diário de Notícias. 30/03/1886. P.2. Grifo Meu.
98

exercito), para fim especial de prenderem uma infeliz rapariga, que dizem
ser escrava de um individuo cujo nome ignoramos.238

Com o findar do Império e uma generalização das fugas de escravos, fez com que
houvesse um aumento da percepção dos escravos frente à crise que o sistema passava, ao lado
do acirramento da campanha abolicionista popular pelo fato de tentar manter até os últimos
segundos as amarras que uniam o escravismo aos escravos, notou-se nesse momento um
endurecimento ainda maior nas ações de busca aos foragidos:

Informam-nos que, em dias da semana passada, uma nova diligencia fez-se á


colonia Benevides, com o fim de pegar alguns pretos fugidos. Para não
voltarem com as mãos abanando, passaram a unha em uma rapariga, que
diziam estando-se arribada depois que a mesma era livre!
Quando acabará este reinado de violências policiaes?
Mais de vagar, meus senhores...239

Vê-se que o núcleo continuou como referência no imaginário escravo para fugas,
estando Benevides e seus escravos fugidos a incomodar a sociedade local, por ter se tornado
símbolo de resistência e radicalidade escrava. Através das ações do seu movimento
abolicionista por meio dos seus vários braços na capital permitindo ramificações na província
cearense a partir dos vários contatos entre os colonos benevidenses. No entanto, os incômodos
causados por Benevides atravessaram o Império sobrevivendo até a República, em 17 de
setembro de 1890, passado 6 anos após a deflagração do conflito, o processo criminal foi
reaberto. Em ofício endereçado aos senhores juízes do 1º, 2º, 4º e 5º distritos criminais da
capital José de Araújo Roso Danim, João Polycarpo dos Santos Campos, Thomé Affonso de
Moura e Napoleão Simões de Oliveira, respectivamente, o Chefe de Polícia José Januário
Gumercindo solicitou informações sobre Antônio Paulo dos Santos preso por suspeita de ter
participado do arrombamento de cadeia em 12 de agosto de 1884 na colônia Benevides.
Infelizmente não temos notícias sobre as condições em que foi preso Antônio dos Santos
afinal, conseguiu manter-se incólume por todos esses anos, mas vê-se que mesmo terminada a
escravidão e o Império fazia-se necessário por um fim definitivo ao caso e sentenciar os
envolvidos.
Recebendo do Juiz de Direito do 5º Distrito Criminal da Comarca da Capital o Doutor
Napoleão de Oliveira responsável pela jurisdição de Benevides desde 20 de maio de 1890, por
portaria do Governador do Estado, o despacho que afirmava ter Antônio Paulo dos Santos
sido pronunciado anos antes no artigo 123 do Código Criminal, sendo por isso mantido preso
238
Diário de Notícias. 25/01/87. P.2.
239
Diário de Notícias. Péga-preto. 01/02/87. P.2. Grifo Meu.
99

na cadeia pública de São José aguardando julgamento. Com o processo reaberto foram feitas
novamente as intimações às testemunhas envolvidas e o réu inquirido. Assim em 4 de
novembro de 1890 compareceram à sala das audiências apenas as testemunhas Vicente
Martins de Amorim e Maria Ferreira Braga, pois as demais testemunhas não foram
encontradas para receberem a intimação e ninguém soube dar informações precisas sobre seus
paradeiros, enquanto que os soldados Antônio Basílio de Meneses, José Manoel de Moraes e
Antônio Francisco Bernardo não compareceram por estar o primeiro destacado em Curuçá, o
segundo por não fazer mais parte da polícia e o último por estar destacado em Cachoeira
segundo as informações do Chefe de Polícia. É válido ressaltar o fato de não se ter achado a
grande maioria das testemunhas, ou ainda, não queriam ser achadas, teriam elas mudado de
endereço? Ou apenas, estavam se esquivando da Justiça a fim de não quererem se ver
envolvidas novamente com aquele caso que imaginavam estar fechado? Infelizmente não
saberemos.
Apesar da ausência de várias testemunhas o Juiz de Direito Napoleão de Oliveira
consultou as partes envolvidas para dar prosseguimento ao processo independente do
comparecimento das demais testemunhas, no que responderam unanimemente que “desistirão
de ouvirem as duas testemunhas presentes” 240 passando em seguida à inquirição do réu em
questão. Seis anos foragido da justiça Antônio Paulo dos Santos, cearense, 52 anos, lavrador,
viúvo, filho de Francisco dos Santos e Dias e residente em Benevides foi perguntado se sabia
o motivo pelo qual era acusado, no que respondeu que sabia, porém precisava de mais
esclarecimentos sobre o caso. Disse conhecer as testemunhas, nada ter contra elas e nem
motivos particulares para ser acusado e que ao tempo do conflito estava em Benevides, mas
considerava-se inocente pelo fato de não ter tomado parte na fuga de Severa.
Afirmou que no dia 12 de agosto de 1884 percebeu uma reunião de diversos pretos
que tinham a intenção de retirarem da cadeia a referida mulher, mas que em nenhum
momento havia combinado com eles quaisquer acordos para retirá-la da prisão “limitando-se
apenas a accompanhal-os que pedissem [a] soltura, mas que não tirassem á força.”241 O
advogado do réu Doutor Augusto Santa Rosa utilizou-se das mesmas provas e argumentações
que o defensor de José Ferreira Braga usou, nesse sentido Napoleão de Oliveira Juiz de
Direito do 5º distrito criminal após examinar os autos e ouvir a defesa entendeu que não
existiam provas suficientes contra Antônio dos Santos para impor-lhe pena, na medida em que
ao longo do processo as testemunhas afirmaram terem visto um grupo de mais de 20 pessoas

240
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
241
Antônio Paulo dos Santos, servindo de réu. Auto Crime de Resistência. 1890. CMA.
100

envolvidas na libertação de Severa, não especificando no entanto, que o “dito réo, que fazia
parte do alludido grupo [ter] sido um dos autores do arrombamento ou ter directamente
concorrido para que elle se effectuasse.”242 Mesmo que os indícios por mais coerentes que
fossem não forneciam base para imposição de pena, decidindo por absolver da acusação que
fora amputada a Antônio Paulo dos Santos ordenando para que fosse riscado seu nome do rol
de acusados e liberando alvará de soltura imediata. Devolvendo-lhe a liberdade em 11 de
novembro de 1890, já na República dos Estados Unidos do Brasil.

242
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
101

CAPÍTULO IV
“A Terra da Liberdade”: História e Memória do abolicionismo
em Benevides
1. 1884-1984: Iniciando pelo Centenário da Libertação

Como pudemos ver nos capítulos anteriores o atual município de Benevides foi
cenário de alguns acontecimentos, primeiramente com a implantação da colônia agrícola de
Nossa Senhora do Carmo de Benevides para o acolhimento de estrangeiros em 13 de junho de
1875 através da Lei Imperial nº 837 de 19 de abril do mesmo ano, no entanto em pouco tempo
viu-se fracassar o plano de colonização estrangeira na região devido a variados fatores. 243
Dois anos depois começam a chegar à colônia levas de nordestinos, cearenses em sua maioria,
o que possibilitou uma rede de solidariedade e manutenção de sua identidade com sua
província natal. Fazendo refletir a forma de atuação do seu movimento abolicionista e mesmo
as conexões entre seus membros nas duas províncias, promovendo em 30 de março de 1884 a
libertação dos escravos no território da colônia tendo sido bastante comemorado pela
imprensa abolicionista e simpática a causa. O núcleo foi palco também de conflitos entre
autoridades provinciais, escravos refugiados na localidade e membros da SLB.
Devido a esse envolvimento com o movimento abolicionista e a consequente
libertação dos escravos de seu território, o episódio de 30 de março foi se transformando ao
longo dos anos em símbolo de pioneirismo inerente ao espírito do povo do então município.
Bezerra Neto retoma a discussão de Vicente Salles244 em torno da publicidade sobre os atos
em favor da liberdade escrava, onde emancipadores e abolicionistas procuravam não perder
quaisquer oportunidades de propagandear seus feitos. E para isso elegiam as efemérides como
momentos privilegiados de ação deixando claro o caráter propagandístico e pedagógico das
alforrias dos escravos por parte daqueles que se empenhavam na resolução da Questão Servil,
como explicita o trecho abaixo.
No meio da imprensa [ilegível] vêr realisada o mais depressa possivel
no Pará a extincção completa do escravo, instituição condemnada por
sua mesma natureza. Ambos bem alto o disseram pelos seus orgãos; a
abolição é uma aspiração nacional. (…) é já de notoriedade publica e
esta resolvido pelo Ceará, (…) a idéa da abolição no Pará com
bastante difficuldade dominará o espirito retardatário, que vê n’ella a
violação de direitos, que não indaga se assentam ou não em base legal.
(…) por sympathia á idéa da proclamação do trabalho livre, tomaram

243
Ver NUNES. Op. Cit. 2008. & LACERDA Op. Cit. 2010.
244
SALLES, Vicente. O Negro no Pará: sob o regime da escravidão. Brasília: MEC; Belém: Secult/Fundação
Cultural Tancredo Neves, 1988.
102

sobre si a tarefa penosa, é certo, de a propagarem. Refiro-me ás


associações philantropicas de emancipação, que, não ha muito tempo,
vimos se levantarem enthusiasmadas, dispostas do augustissimo
sacrificio pelos brios da patria. 245
Esse trecho nos dá ideia de como emancipadores e abolicionistas foram hábeis em
reinventar ou até mesmo em criar efemérides ou lugares da memória a partir da história mais
recente de desmonte do escravismo brasileiro, história da qual em algum momento também
foram sujeitos. E a libertação dos escravos da colônia cearense de Benevides, veio a se
encaixar nesse esquema de apropriação, ressignificação e reinvenção de acontecimentos que
envolveram a liberdade escrava, com o fim de propagandearem ideias abolicionistas
permeadas por relações identitárias entre “a terra da luz”, os colonos cearenses e o movimento
abolicionista paraense.
Enfim, ainda que pesassem diferenças ideológicas, emancipadores e abolicionistas
fizeram das datas forjadas no curso de seu movimento redentor lugares comemorativos de sua
própria história, tornando-as efemérides da liberdade. Afinal, eles compreendiam o processo
abolicionista como parte da constituição da nacionalidade brasileira que se livrando do fardo
da escravidão, na visão de José Maia “haveria de se querer igualmente redimida da presença
escrava, mirando com os olhos os horizontes do modelo europeu de civilização branca ou
branqueada.”246 Destarte, Benevides com a libertação dos seus escravos transformou-se em
mais uma efeméride “O Berço da Liberdade na Amazônia”, memória que atravessaria o
século XX sendo retomada em 1984 quando da comemoração do Centenário de Libertação.
Tendo como resultado a produção do Álbum Histórico de Benevides “Terra da Liberdade”,
sob orientação e coordenação da Prefeitura Municipal com o fim de “preservar com a
reprodução fac-similar, os raros documentos (...) que retratam os fundamentos históricos (...)
mormente ao que concerne o movimento abolicionista que glorificou Benevides com o
honroso título de – “Berço da Liberdade na Amazônia.”” 247
Na véspera do I Centenário da Libertação dos escravos de Benevides, foi proferido na
Câmara Municipal de Belém pelo vereador Teobaldo Reis do PMDB, um pronunciamento em
homenagem aos acontecimentos ocorrido naquele município cem anos antes, quando era
ainda colônia agrícola. O vereador fez questão que a data fosse eternizada em Ata, deixando
transparecer a alegria e o desejo em comemorar tal data quando classifica Benevides como o
“Berço da Liberdade no Estado do Pará.” O Jornal Diário do Pará foi ainda mais detalhista

245
Diário de Notícias. Folhetim. 06/04/1884. P.2. Grifo meu.
246
BEZERRA NETO. Op. Cit. 2011. P.100.
247
Mensagem de abertura do prefeito Claudionor Begot. Álbum Histórico de Benevides “Terra da Liberdade.”
Páginas não numeradas. 1984. Grifo no original.
103

que o concorrente, ao lembrar que no momento do pronunciamento do vereador “logo obteve


as adesões de parlamentares de sua bancada, o PMDB, e do líder da bancada do PDS,
Agostinho Linhares.”248
30 de março de 1984. Retroagimos no tempo e encontramo-nos em
plena Revolução Cabana, 1835, ao nosso lado na luta, temos a
presença forte e audaciosa daquela raça que mesmo importada ou
contrabandeada de sua pátria-mãe, juncam com seus corpos e adubam
com seu sangue a terra que lhe serve de cativeiro, na tentativa de
ajudar os idealistas, na conquista da Independência do Pará. Estava
dado início à luta pela abolição daquela raça escrava, a Negra e, como
primeira resposta obtiveram o fim de importação em larga escala dos
escravos de suas terras de origem. Avançamos um pouco, mais
precisamente em 1847, onde vemos a emergente e crescente luta pela
redenção, assinalar mais uma vitória: a notícia da concessão da Carta
de Alforria ou Doação da Liberdade, que ditava três alternativas: a
aquisição da Alforria pelo próprio escravo ou por liberto, que com seu
trabalho adquiria a liberdade dos parentes próximos, ou então, por
iniciativa do Senhor do escravo, ou ainda través do Legado.
A abolição tomava corpo, 1886 (1866!), surge o Decreto da
Emancipação que, concedia liberdade gratuita aos escravos da Nação
que estivessem nas condições de servirem o exército, isso devido; o
Brasil estar em Guerra com o Paraguai e necessitar de voluntários para
a luta, do que muitos deles se aproveitaram para serem libertos. Um
pouco mais adiante, 1868, refletindo a campanha em prol da redenção
negra, estimulada pela imprensa, grande bandeira na luta e discutida
no parlamento nacional, foi decretada a Lei do Ventre Livre,
promulgada em 1871, e que declarou de condição livre os filhos da
mulher escrava que nascesse a partir daquela data, mais um degrau
transpôsto para se chegar ao patamar da libertação do negro.
Finalmente, chegamos à 1884, a Lei do Sexagenário, que libertava
todos os escravos com mais de 60 anos, foi o desfecho para que fosse
dado o primeiro grito de libertação dos escravos no Pará, ou melhor,
como bem ilustrou na época o jornal “A Vida Paraense”, a Amazônia
inscreveu-se logo em seguida ao Ceará, lavrado com a redenção de
Benevides, o compromisso solene de empenhar-se para limpar seu
território sem perturbação da ordem e do direito, na nódoa aviltante da
escravidão. Deixando praticamente obsoleta a Lei Áurea quando aqui
esta aportou.
É pensando exatamente na relevância do fato histórico (...) que teve
lugar no atual Município de Benevides em nosso estado, que fazemos
o seguinte requerimento de consignar em Ata votos de aplausos e
congratulações ao Município de Benevides, pela passagem do I
Centenário da Liberdade249.

248
Diário do Pará. Teobaldo exalta Benevides. 30/03/1984. P.3. Caderno Política.
249
Discurso proferido pelo vereador Teobaldo Reis na sessão de 29/03/1984. Documentação pessoal de
Teobaldo Reis 1981-1987. ACMB. Grifo Meu.
104

Fica clara em seu discurso, a busca por relacionar os desejos de liberdade escrava ao
ligá-lo ao movimento da Cabanagem250 como se as ações do movimento abolicionista da SLB
fossem heranças também dos interesses cabanos, conferindo assim a seu ver a legitimidade
para os acontecimentos de 30 de março de 1884. Deste modo, era necessário dar destaque ao
suposto pioneirismo de Benevides frente à resolução da Questão Servil na medida em que
mesmo sendo um pequeno ponto na província contribuiu para um “grandioso” acontecimento
em sua história.
O fato de Benevides ter libertado seus escravos anos antes de promulgada a lei Áurea,
enche de orgulho o dito vereador tendo como resultado o seu destaque na imprensa local
como podemos ver abaixo:
Exaltação a Benevides, pela libertação
O Vereador Teobaldo Reis pronunciou discurso ontem, na Câmara
Municipal, para exaltar a participação do Pará, através de
Benevides, na história da luta pela abolição da escravatura. Em seu
discurso, Teobaldo fez uma breve retrospectiva das lutas contra a
escravidão no Brasil, e mencionou a forte participação da raça negra
na Cabanagem, 1835. Depois de citar importantes conquistas do
movimento abolicionista, como as leis do Ventre Livre e do
Sexagenário, mostrou que Benevides, logo após o Ceará, empenhou-
se em varrer de seu território a escravidão antes mesmo da lei
Áurea.251
Após proferir sua ode a Benevides Teobaldo apresentou requerimento, para que fosse
consignados, em ata, votos de aplausos e congratulações ao município de pela passagem do I
Centenário da Liberdade, que transcorreu no dia 30 de março. No requerimento, o vereador
classifica Benevides como o “Berço da Liberdade no Estado do Pará.” É interessante como foi
construído esse lugar da memória no município de Benevides de acordo com os interesses

250
Para um maior aprofundamento e entendimento sobre o tema da Cabanagem no Grão-Pará confira a vasta
obra sobre o assunto da Professora Doutora da Universidade Federal do Pará Magda Ricci, por não ser o
interesse de este trabalho tratar pormenorizadamente esta temática. A título de exemplo: RICCI, Magda. “Do
patriotismo à revolução: história da Cabanagem na Amazônia.” In: FONTES, Edilza (Org.). Contando a história
do Pará: da conquista à sociedade da borracha (séculos XVI-XIX). Belém: E-Motion, 2002, p. 225-266.;
_________. “História amotinada: memórias da Cabanagem.” Cadernos do CFCH: Revista do Centro de
Filosofia e Ciências Humanas da UFPA, Belém, v. 12, n. 1/2, p. 13-28, jan./dez. 1993.; ________. “As outras
independências.” Nós de História. Uberlândia, v.5, n.5, p.51 - 58, 1994.; __________. “Do sentido aos
significados da Cabanagem: percursos historiográficos.” Anais do Arquivo Público de Belém, Belém, v.3, n.2,
P.241 - 274, 2001.; _________. “O fim do Grão-Pará e o nascimento do Brasil: movimentos sociais, levantes e
deserções no alvorecer do novo Império (1808-1840).” In: DEL PRIORE, Mary; GOMES, Flávio (Org.). Os
senhores dos rios: Amazônia, margens e história. Rio de Janeiro: Elsevier ; Campus, v.1, P. 165-193. 2003;
__________. “O Império lê a colônia: um barão e a história da civilização na Amazônia.” In: BEZERRA NETO,
José Maia; GUZMÁN, Décio de Alencar (Orgs.). Terra Matura. Historiografia e História Social na Amazônia.
Belém, Paka-Tatu, 2002.
251
O Liberal. Exaltação a Benevides. 30/03/1984. P.4. 1º caderno.
105

sociais de uma época, assim Teobaldo Reis estava atuando frente às diretrizes do grupo social
que representava Bezerra Neto252 faz uma discussão em torno de tal questão.
Inferimos ainda que esta tomada de posição frente a esse evento libertador pode estar
relacionada a um contexto nacional referente ao processo de abertura política em que viveu o
país após vinte anos de Ditadura Civil Militar. 253 Neste momento da história brasileira onde
estava ocorrendo um processo de “resistência e luta democrática”, devido a uma conjuntura
de resistência como afirma Maria Paula Nascimento Araújo254, criada desde a década anterior
contra o regime ditatorial, nesse momento deu-se início ao projeto de distensão política
brasileira promotora de uma abertura “lenta, gradual e segura” a fim de afastar os setores mais
radicais desse processo. E o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que em 1984 foi
transformado no PMDB teve um papel muito importante no direcionamento da campanha
pelas Diretas-Já, pois, conseguiu abrigar em seu interior principalmente a partir dos anos de
1980 várias tendências de esquerdas que foi culminante para canalizar o descontentamento
com o regime ditatorial e permitir a eleição de vários de seus representantes em diferentes
cidades contribuindo para o enfraquecimento do governo frente à sociedade civil. O estado do
Pará esteve inserido neste novo momento político através das primeiras eleições democráticas
para governador, sendo eleito nesta época Jader Fontenelle Barbalho, que muito astutamente
soube engendrar em sua campanha e governo o resgate a uma identidade que unisse o
sentimento de liberdade, tão almejado naqueles tempos, e uma referência de luta popular
tendo como símbolo o movimento cabano.
O vereador Teobaldo partilhava da mesma sigla que o governador na época o que pode
nos ajudar a compreender esse enquadramento do município de Benevides às demandas
escravas ainda na Cabanagem, bem como engendrá-lo as lutas populares em benefício da
liberdade do homem. Nesse sentido, as comemorações do centenário da libertação dos
escravos de Benevides iam ao encontro de uma política que procurava resgatar as lutas
populares existentes no Estado, como uma marca de renovação política naqueles tempos

252
BEZERRA NETO, José Maia. “Os males de nossa origem: o passado colonial através de José Veríssimo”. In:
___________. & GUZMAN, Décio Alencar. (Orgs.). Terra Matura. Historiografia e História social na
Amazônia. Belém: Paka-Tatu. P.39-65. 2002
253
Sobre o período referente à Ditadura Civil Militar e o processo de reabertura política brasileira, confira as
importantes obras, dentre elas: AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, Imprensa e Estado Autoritário (1968-
1978). São Paulo/SP: Edusc,1999.; GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. São Paulo/SP, Ática, 2003.;
REIS, Daniel Aarão.; RIDENTE, Marcelo. & MOTTA, Rodrigo Pato Sá. (Orgs.). O Golpe e a Ditadura Militar.
Quarenta anos depois (1964-2004). Bauru/SP: Edusc, 2004.; TOLEDO, Caio Navarro de. 1964: Visões críticas
do golpe: Democracia e Reformas no Populismo. Campinas/SP: Unicamp, 1997.
254
ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. “Lutas democráticas contra a ditadura.” In: FERREIRA, Jorge. & REIS,
Daniel Aarão. (Orgs.). Revolução e Democracia. (1964-...). As Esquerdas no Brasil. V.3. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2007. P. 321-353.
106

conturbados. A propaganda em torno do centenário de Benevides foi significativa, tanto que,


como foi apresentado acima suscitou homenagens de parlamentares de municípios próximos
como Belém e Ananindeua. O que Teobaldo Reis deixou de citar, porém, em seu discurso foi
a existência de um Álbum Histórico que retratava toda a história daquele município desde sua
criação em 1875 enquanto colônia agrícola até a década de 1950, dando grande ênfase aos
acontecimentos de 30 de março de 1884.
Assim, na dedicatória escrita pelo então prefeito de Benevides, o senhor Clóvis Begot,
encontrada no exemplar doado a Biblioteca Pública do Estado Arthur Vianna, nota-se a
importância das comemorações do centenário, bem como o seu registro impresso ao seu povo.
Ilmª Srª
Diretora da Biblioteca Pública do Pará
A perpetuação da memória da humanidade é feita pelos registros
históricos de cada povo.
O município de Benevides, reconhecido como o Berço da Liberdade
no Estado do Pará, tem, como todo lugar, como todo povo, a sua
história, repleta de bravura e heroísmo daqueles que vêm construindo
esta terra maravilhosa.
Um pouco dessa história vai contada neste Álbum, que hoje, muito
honrado, tenho o prazer de lhe oferecer. 255
Como demonstrado acima, houve um significativo esforço por parte da Prefeitura
Municipal de Benevides em perpetuar uma imagem daquele município para a eternidade
como sendo um exemplo a ser seguido, dentre os demais. A perpetuação desse mito criador de
Benevides como sendo a “Terra da Liberdade” adveio da necessidade de se destacar entre os
demais municípios da região, procurando sua legitimação desde as migrações nordestinas para
a localidade. Haja vista que a seca de 1877 trouxe a colônia benevidense grandes levas de
nordestinos advindos sobretudo do Ceará, direcionados ao projeto que passava a ter um
caráter misto.
Ao contrário dos colonos estrangeiros, os cearenses não possuíam incentivos visando à
fixação igual aos primeiros como a obtenção dos títulos definitivos de terra. Assim o governo
provincial teve a indigesta tarefa de promover uma colonização com elementos nacionais,
para assegurar os planos de manter um lócus de subsistência à capital como podemos ver no
trecho abaixo:
(...) com a extinção da colonisacao estrangeira em Benevides e com o
aparecimento das secas nas províncias do norte, o Exc. Senr. Dr. Jose
Joaquim do Carmo, procurou para ali encaminhar os emigrantes que
vinhao, dando principio a denominada colonização cearense que
começou em 15 de abril de 1878.
255
Dedicatória escrita pelo ex-prefeito de Benevides Clóvis Begot no exemplar do Álbum Histórico Terra da
Liberdade, doado a Biblioteca Pública do Estado do Pará. 29/06/1987. Páginas não numeradas. Grifo Meu.
107

Assim vemos que apenas três anos após a fundação da colônia de


Benevides, os sinais de colonização estrangeira se tornam pouco
visíveis e em seu lugar toma corpo a colonização nordestina,
especialmente a cearense.256
Cedo os colonos de Benevides tomam consciência do descaso das autoridades
provinciais para com eles, passando assim a revidar o desrespeito e desdém junto ao governo.
O que pode ser percebido nas constantes animosidades entre os dois relatadas por Francivaldo
Nunes257, o autor trata nesse artigo dos conflitos ocorridos em 1879 devido à troca na direção
do núcleo e consequente corte nas finanças dirigidas a localidade o que nos faz levantar a
hipótese de que as desavenças desde o início da colônia pode ter contribuído no
direcionamento do seu movimento abolicionista como forma de afirmação da sua identidade
enquanto cearenses, em uma cidade onde não eram bem quistos.
Nesse sentido, a ideia de se criar um álbum que registrasse os feitos pioneiros de um
povo que desde sua origem como núcleo agrícola procurou lutar por seus direitos. Assim o
livro “Terra da Liberdade” ao contar um pouco sobre a origem do atual município ainda
enquanto núcleo agrícola, destinado à recepção de imigrantes estrangeiros e logo em seguida
nordestinos, fala também do período posterior a 1884, adentrando o período republicano.
Dessa forma, Benevides iniciou o sonho de colonização europeia na região circunvizinha a
Belém, causando euforia por conta da presença dos “civilizados” em quantidade na cidade.
Nos primeiros anos de colonização em Benevides predominaram os franceses, mas o que se
nota ao passo de dois anos é a inconstância do elemento estrangeiro na localidade já que
adentraram cerca de 364 imigrantes e saíram 247 entre 1875 e 1877.
Não temos ao certo as motivações que levaram o êxodo da colônia Benevides, porém,
Francivaldo Nunes258 nos possibilita inferir que houve certo erro das autoridades ao calcular
que os colonos estrangeiros conheceriam e se adaptariam as condições locais de cultivo. Sem
considerarem que encontrariam aqui uma vegetação e solo bastante diferentes dos quais
estavam acostumados, e nesse sentido as técnicas agrícolas antes utilizadas não serviriam de
nada a nova realidade que encontraram. E também por se sentirem enganados pelo governo
provincial por corriqueiramente não terem encontrado condições mínimas de fixação, nos
locais destinados à colonização. Vale ser ressaltada também a ideia de que muitos
estrangeiros poderiam ser simples aventureiros, ou mesmo possuíssem ofícios incompatíveis
com a vida no campo fato que poderia explicar essa evasão.

256
Fundo da Secretaria da Província. Série 18. Caixa 612. Requerimentos anos 1884. Tesouraria da Fazenda do
Pará. 01/05/1884. APEP. Grifo Meu.
257
NUNES. Op. Cit. 2008b
258
NUNES. Op. Cit. 2008.
108

2. O Povo simples e bom de Benevides

Dessa forma o álbum busca sempre ressaltar a existência de um pioneirismo inato ao


povo benevidense como, por exemplo, ao falar da Liga Promotora do Progresso de Benevides
uma associação de cunho mutualista que assim como leva o nome, procurava trazer o
progresso a localidade e de acordo com o referido álbum substituiu a Sociedade Libertadora
de Benevides. Que foi uma sociedade de caráter abolicionista buscando promover a libertação
dos escravos existentes no núcleo a fim de alcançarem o progresso, através da utilização do
trabalho livre. Com isso, o álbum fazia o papel de enfatizar uma imagem positiva que se
enquadrava muito bem no contexto nacional em que vivia o país desejoso de sentimento de
liberdade e aproximação aos movimentos populares de luta por democracia. Sendo assim,
fica-nos visível a importância de se manter viva a ideia por parte do município como sendo o
“Berço da liberdade no Estado do Pará.”
Através do mesmo álbum pudemos perceber que esta data – 30 de março de 1884 –
continuou sendo importante àquela localidade no decorrer do século XX. Uma notícia
publicada em 1949 no jornal da Liga Progressista Benevidense onde seus dirigentes
expunham suas ideias e feitos, durante as comemorações dos 65 anos da libertação de seus
escravos os indivíduos por trás da Liga procuraram destacar os acontecimentos tomando os
ditos “mitos criacionais” do então município como objeto legitimador das rememorações.
No dia 30 de março do corrente ano, em comemoração da libertação
dos escravos em Benevides ocorrida em 1884, realisou-se uma sessão
cívica na séde da Liga Progressista Benevidense as 20 horas. Presidiu-
a o Exm. Sr. Prefeito Municipal de Ananindeua tendo como secretário
o senhor vice-prefeito José Salomão Solon e o vereador Silvestre
Juliano de Brito, ladeavam a Mesa os demais vereadores á câmara
Municipal de Ananindeua, senhores Raimundo Dickson Ferreira,
Raimundo Edwiges Santos Martins e Raimundo da Vera Cruz e o sr.
Artur de Souza Leal escrivão da coletoria geral em Ananindeua e
orador oficial do ato. O presidente após expor o motivo da reunião, leu
o programa e declarou aberta a sessão, convidando a assistencia para
cantar o hino da proclamação da Republica como início da solenidade,
terminando este, foi delirantemente saudado com palmas e vivas ao
Brasil. Em seguida foi passada a palavra ao dirigente atual da Liga
Progressista Benevidense que historiou o feito do dia 30 de março de
1884 numa linguagem simples e clara. Em ato seguida foi cantado
pela juventude escolar o hino da Bandeira, que ao terminar ecoou
nova ovação ao Brasil.
Fizeram-se ouvir vários oradores escolares, e visitantes, sendo por fim
concedida a palavra ao orador oficial, que num magnifico improviso
focalizou a vida nobre, ativa e moral dos patriotas que proclamaram
a liberdade dos escravos em Benevides, cujo exemplo devia ser
seguido pela mocidade que ali estava, e assim falava com justo
109

orgulho, pois descendia de uma família que tomou parte naquele


acontecimento, ao terminar foi também aclamado. O presidente
agradeceu sensibilizado, a cooperação de todos e convidou para cantar
o Hino Nacional como término da solenidade. 259
Vemos que o evento teve a participação de várias autoridades de fora da localidade de
Benevides, apesar de ser por essa época pertencente ao município de Ananindeua, vindo a
tornar-se município independente somente através do Decreto-Lei nº 2.460, de 29 de
dezembro de 1961. Vejam como os acontecimentos de março traziam orgulho ao orador haja
vista que “falava com justo orgulho, pois descendia de uma família que tomou parte naquele
acontecimento.” Além disso, enobrecia os promotores daquele símbolo de progresso do
município quando procurou focalizar “a vida nobre, ativa e moral dos patriotas que
proclamaram a liberdade dos escravos em Benevides.”
O discurso proferido nas comemorações acima referidas demonstra um claro desejo de
enfatizar o sentimento de orgulho compartilhado pelo povo benevidense, bem como, a
importância de se rememorar tão nobres acontecimentos que foi a libertação dos escravos da
ex-colônia 65 anos antes. Afinal, estava perto demais no tempo para deixar de ser revivido e
por que não glorificado por aqueles que receberam como herança cultural e simbólica o
privilégio de ser a primeira localidade no Estado a libertar os escravos.
Exmo. Snr. Presidente e digníssimo auditório.
Na simplicidade propria do nosso meio, achamo-nos aqui
congregados, reunidos, para nesta cerimonia que com as honrosas
presenças de V. V. Excia. senhores Prefeito Municipal de
Ananindeua, Presidente [da Liga Progressista] e Vereadores da
Camara e representante da Fazenda Estadual, tomou-se solene, [sic]
para nesta solenidade em comemoração a data da libertação dos
escravos em Benevides, evocarmos a memoria de um punhado de
brasileiros que aqui viveu.
E’ o povo simples e bom de Benevides, que está unificado em nós,
para render o seu preito de homenagens como eterna gratidão a essa
geração forte que nos antecedeu, e que na trajetória de sua vida soube
com amor e patriotismo, cultivar esse sentimento de nobreza, que
enaltece a espécie humana: - O sentimento do bem.
No dia 30 de março de 1884, o povo de Benevides, reunido em uma
assembléa pública, presidida pelo Visconde de Maracajú, então
presidente da província do Gram-Pará, cheio de ardor patriótico,
sentimento de amor e desejo pela redenção humana, numa vibração
cívica, deu liberdade aos brasileiros que nesta localidade viviam sob
o julgo do cativeiro.260

259
O Progresso. Comemoração da libertação dos escravos de Benevides. 02/06/1949. P.2. Retirado do Álbum
Histórico de Benevides “Terra da Liberdade”. Páginas não numeradas. Grifo Meu.
260
Idem.
110

É perceptível a ideia buscada pelos promotores do evento em demonstrar aquela


construção ideológica e sentimental em torno de um pioneirismo inato ao povo cearense,
como tratado no primeiro capítulo, observa-se que essa ideia não se restringiu ao século XIX,
pelo contrário foi acompanhando os habitantes de Benevides ao longo do século XX. E por
advirem a grande maioria dos colonos do solo cearense trouxeram consigo esse ardor e
“piedade cristã” pela resolução da causa escrava, dessa forma não demoraram em criar uma
sociedade com o fim de intermediar a libertação dos escravos junto aos seus senhores.
Naqueles recuados tempos em que os homens não se pejavam de
escravizar homens, o nosso amado Brasil conservava ainda essa nódoa
vinda dos tempos coloniais, o povo Benevidense de então, oriundo na
sua maioria de gente vinda das plagas nordestinas e alerigada neste
solo protector desde 1877, abraçou com afeto a causa nobre da
emancipação, cuja campanha alastrava-se em todo o Brasil, e num
entendimento de piedade cristã, concentrou e unificou em si a ideia da
libertação e redenção para os cativos, não permitindo que no seu meio
houvesse mais escravos.
Foi logo creada uma associação cujo objetivo era angariar donativos
no intuito de conseguir dinheiro, afim de comprar escravos para dar
liberdade, esse processo porem excessivamente môroso, não deu
resultado almejado, era preciso uma ação mais rápida e decisiva.
Haviam nessa época 6 escravos em Benevides, cujos senhores
comungavam com as ideias liberaes do povo, porem mantinham as
necessárias restrições em defesa da propria economia.
Cogitavam uma formula conciliatória quando ecoou a noticia vinda do
Ceará sobre a liberdade; os dirigentes da causa libertadora de
Benevides, numa rapidez de movimento, promoveram a ação cheia de
coragem, nobreza e patriotismo que hoje comemoramos.
Em apenas dez dias depois da proclamação no Ceará, o General
Rofino Galvão heroi da Guerra do Paraguai, já com titulo nobre de
Visconde de Maracajú, recebia mais uma glória, a de presidir esse ato
de maior nobreza que a do titulo conservava: a libertação e redenção
dos escravos.261

A SLB é mencionada pelo orador em seu discurso de ode a 30 de março, podem-se


visualizar os dois momentos de ações de seus membros ao longo de sua fala, primeiramente,
veem uma prática mais gradualista ao dizer que o objetivo da associação era angariar fundos
para a compra da liberdade escrava e também quando salienta que em Benevides antes da
libertação já era perceptível o desejo de manter a colônia sem mão de obra escrava, posto que
os “senhores comungavam com as ideias liberaes do povo, porem mantinham as necessárias
restrições em defesa da propria economia.” No entanto, no segundo momento de sua fala
deixa transparecer outras práticas abolicionistas da SBL ao abrigarem e protegerem os

261
Idem.
111

escravos fugidos na colônia, corroborando as ideias apresentadas ao longo dos capítulos. E


como esse processo de radicalização do movimento causou reboliço entre as autoridades
provinciais e sua consequente repressão.
De 30 de março de 1884 até 13 de maio de 1888 4 anos, 1 mez e 13
dias a então Sociedade Libertadora de Benevides, teve o seu
explendor na historia da liberdade; na expontanea e árdua tarefa de
manter redimido do cativeiro este abençoado pedaço de terra
paraense, desdobrou-se na missão da libertação pois, abrigava
libertava e protegia todo o escravo fugido que em Benevides, vindo
das matas pois neste tempo as matas eram habitadas por desertores
da escravidão, que viviam como animais bravios. Essa atitude dos
Benevidenses não agradou aos senhores de escravos residentes em
outros lugares; tanto assim, que conseguiram colocar em Benevides
um delegado ou um sub-delegado de policia, que agisse no sentido de
serem presos e entregues aos seus senhores os libertados, que
achavam-se internados no abrigo, a que impropriamente chamavam
<<Mocambo>> situado na 2ª transversal onde iam aprender a se
governarem livremente e a trabalharem em liberdade por jornal, aos
colonos da vizinhança, sob a fiscalização da Sociedade Libertadora,
nas pessoas do professor Antonio José de Freitas Ramos, Antonio
Sousa Leal, e outros. A ação brutal; e ingrata dessa autoridade
arbitraria, que se fez sentir já em 1888 [1884!], antes da lei
redentora, sancionado pela princesa Izabel, foi a causa
predominante, para o esquecimento histórico do feito glorioso de
1884.262

O longo discurso proferido nas comemorações dos 65 anos da comemoração da


libertação dos escravos em Benevides nos elucida vários pontos tratados em capítulos
anteriores como, por exemplo, a atitude de promover fugas e abrigo escravos ao lado do
direcionamento e supervisão da mão de obra desses cativos nos mais variados trabalhos na
colônia. E ainda falam das habitações existentes nas matas das cercanias que onde os
foragidos moravam que possibilitavam a formação de uma teia de relações familiares, sociais
e de solidariedade, como sendo a meu ver um dos grandes pontos de incentivos utilizados
pelos agentes da SLB no recrutamento desses escravos. Outro ponto levantado ainda, é a
possível motivação que levou ao esquecimento do 30 de março pela sociedade local ao estar
ligado a “ação brutal; e ingrata dessa autoridade arbitraria [subdelegado de Benevides] (...)”, e
dessa forma era necessário retomar essa memória para que tão importante acontecimento não
se perdesse com os anos para isso prestavam aquela homenagem “aos que souberam ser
bons.”
A Liga Progressista Benevidense, porem, cumprindo sua missão
conseguiu levar ao conhecimento das nossas autoridades atuais, o
262
Idem.
112

heroico e glorioso acontecimento de Benevides sendo entregue ao


Exmo. Snr. Coronel Magalhães Barata, então Interventor Federal do
Pará que se encontrava na capital do paiz em 1944, a ata desse
acontecimento, ofertada pela ilustre dama Dona Maria dos Anjos
Ramos, hoje já falecida viúva do professor Antonio José de Freitas
Ramos, que residia naquela metrópole e talvez a única sobrevivente
que assistiu aquele ato, por intermédio do Benevidense ilustre sr.
Carlos Miranda Mateus, representante da Liga Progressista
Benevidense! E’ pois com dupla satisfação que prestamos esta
homenagem, aos que souberam ser bons.263
Podem ser observados, ao darem continuidade à memória de Benevides como a “Terra
da Liberdade” os integrantes da Liga acreditavam estar cumprindo seu papel ao levar adiante
essa ideia, fazendo com que fosse de amplo conhecimento entre as autoridades locais o
avivamento do “heroico e glorioso” feito dos colonos de Benevides. Vê-se que ao longo do
século XX a memória em torno da libertação dos escravos daquele município era divulgada
por seus habitantes de modo a exaltar o pioneirismo e consequente relevância do
acontecimento, para a História do Estado do Pará.
Benevides festeja Libertação
Como um dos primeiros a promover oficialmente a libertação de
escravos, o Município de Benevides iniciou, sexta-feira última os
festejos comemorativos do Centenário de Libertação dos Escravos de
Benevides, os quais se prolongarão até o dia 13 de maio corrente,
quando a Prefeitura enviará o máximo esforço para conseguir o
lançamento de um carimbo alusivo a esse histórico acontecimento,
além de estar promovendo a edição de um álbum contendo farta
documentação sobre a escravatura no Pará.
Os festejos alusivos ao Centenário da Libertação dos Escravos de
Benevides contam com os esforços da Prefeitura, Câmara de
Vereadores e Lions Clube, que elaboraram e vêm cumprindo um
programa iniciado sexta-feira última, às 8:50 horas, com o
hasteamento das Bandeiras Nacional, do Pará e do Município, seguido
de um culto ecumênico realizado pelas igrejas católicas e evangélicas;
sessão solene na Câmara Municipal, quando foi entregue ao prefeito
Claudionor Begot o projeto de lei que autoriza a criação da Fundação
Cultural Antonio Emilio de Carvalho, que o prefeito sancionou
transformando em lei, sendo lavrada uma ata que transcreve, na
íntegra, a ata de libertação dos escravos, artisticamente
confeccionada com ilustração do evento.
Vale salientar que Benevides foi a primeira localidade da Amazônia a
libertar os escravos, no dia 30 de março, enquanto a Província do
Amazonas o fez em 10 de junho e a do Ceará a 25 de março do

263
O Progresso. Discurso. 02/06/1949. P.3. Apud Álbum Histórico de Benevides “Terra da Liberdade”. Grifo
Meu.
113

mesmo ano, o que valeu a Benevides o título de “Berço da Libertação


na Amazônia.”264
Apesar de verificarmos um discurso com tendências a rotular o caráter inovador dos
cearenses que libertaram a ex-colônia tanto em 1884, 1949 e em 1984 a ocorrência de notícias
sobre as comemorações em Benevides não se fazem constantes. Durante a pesquisa fizemos
buscas pontuais cercando as datas próximas ao aniversário da libertação em todas as décadas
do século XX, porém, pouco se encontrou sobre o assunto. O que me faz levantar a questão
sobre quais motivações em alguns anos noticiarem-se amplamente as comemorações e em
outros anos não, fato este que a meu ver está diretamente ligado ao revezamento de poder de
grupos sociais locais sendo uns mais atentes a esse discurso de inovação, construção e
perpetuação de uma memória coletiva como parte de suas estratégias de governo. É
interessante ainda notar, o esforço por parte dos propagadores do evento de Benevides em
colocá-lo como o primeiro entre todos na região amazônica, brigando com o Estado do
Amazonas a preferência pelo pódio libertador, legitimando dessa maneira a alcunha de “Berço
da Liberdade na Amazônia.”
Não sei ao certo os motivos que decorreram no “esquecimento” das comemorações em
Benevides, mas infere-se essa relação com o grupo social no poder e suas relações com a
capital atuando em uma divulgação mais ampla, pois, o que pude perceber ao me confrontar
com a documentação contida no Álbum Histórico é que mesmo não tendo sido divulgada em
alguns anos nos periódicos mais importantes do Estado às comemorações continuavam a
acontecer na localidade, servindo como importante fator de identidade benevidense.

3. Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial

Como tratado no tópico anterior houve alguns momentos onde a divulgação midiática
em torno da efeméride da libertação não encontra amplo cenário, ficando mais restringido ao
próprio município tendo-se o foco mais em torno do centenário, no entanto, ao adentrar a
década de 1990 não se vê também notícias sobre o assunto nos periódicos da Região
Metropolitana de Belém. Todavia, no ano de 2011 tive uma feliz surpresa quando abri ao
acaso o jornal Amazônia de março daquele ano e encontrei uma pequena nota sobre as
celebrações que se deram em Benevides em virtude de mais um aniversário da libertação de
seus escravos.
A prefeitura de Benevides homenageia os negros com programação
cultural amanhã, na Praça da Liberdade. Shows, mostras escolares,

264
A Província do Pará. Benevides festeja libertação. 01 e 02/04/1984. P.11. 1º caderno. Apud Álbum Histórico
de Benevides “Terra da Liberdade”.
114

apresentação de dançarinos e um desfile são algumas das atrações


previstas. A comemoração faz referência ao dia 30 de março de 1884,
quando os escravos foram alforriados no País (!) – quatro anos antes
da lei Áurea, em 13 de maio de 1888.
Benevides foi a segunda cidade brasileira a libertar os negros do
trabalho escravo antes da decisão pela princesa Isabel. O primeiro
local foi Redenção, no Ceará. “Já havia vários movimentos
abolicionistas no Brasil e os negros de Benevides já vinham lutando
por sua liberdade com os cabanos e com o movimento de adesão do
Pará à Independência”, explica o escritor José Leôncio Ferreira da
Siqueira. Ele lembra que houve divulgação nacional do ato de
libertação dos escravos de Benevides.
A mão de obra negra foi inserida na sociedade local para dinamizar a
agricultura. “Benevides era uma colônia agrícola essencial para a
economia da região.” Conta Siqueira. 265
Uma hipótese ainda que me ocorreu para soerguimento deste evento após mais de duas
décadas no ostracismo foi a promulgação da Lei Federal nº 10.639, de9 de janeiro 2003 266,
após anos de luta dos Movimentos Negros para que fossem reconhecidos a importante
contribuição dos negros na construção histórica, política, econômica, social e cultural do
Brasil. Nesse sentido, a atual procura pelo aprofundamento na história e cultura afro-
brasileira, pode ter motivado este novo insight em torno dos eventos de 30 de março de 1884.
Assim o fato de termos tido na província do Grão-Pará um exemplo de acontecimento onde
escravo, ex-escravos e homens livres lutaram lado a lado em busca de apagar a “mancha da
escravidão”, torna-se um símbolo importante e disputado a ser (re)lembrado.
Ao lermos no Álbum de Benevides as notícias em torno das comemorações do
centenário, pode-se perceber como se faz importante manter vivo o título de “Berço da
Liberdade” haja vista que além da manutenção desta memória imaterial observa-se que o
município traz em seu cotidiano muitas referências do dia 30 de março de 1884. A cidade ao
que parece cultiva essa imagem “pioneira” de Benevides como sendo a Terra da Liberdade,
como sendo uma qualidade inerente ao seu habitante a simbologia desta efeméride está por
todos os cantos da cidade em forma de monumentos, praças, bandeiras, nomes de ruas, etc. As
margens da rodovia BR 316, bem na entrada da cidade há um monumento em referência a
libertação dos escravos em 30 de março de 1884, colocado em lugar estratégico para que

265
Amazônia. Benevides lembra o fim da escravidão. 29/03/2011. P.10. Caderno Gerais. Grifo Meu.
266
Esta altera a Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, que estabelecia as Diretrizes e Bases da educação
nacional, incluindo no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira”. Onde ficou decidido entre outras providências:
§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos
Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinente à História do Brasil.
115

todos que utilizam a rodovia nos dois sentidos possam vê-lo e assim, relacionarem com o
município.

Figura 1 – Monumento em alusão a 30 de março de 1884. Fonte:


www.benevides.pa.gov.br/novo/wp-content/uploads/2014/05/PRA%C3%87A-DA-
LIBERDADE.jpg.

Este monumento, que infelizmente não sei a sua autoria, possui cerca de cinco metros
de altura por dois de largura composto por uma mão acorrentada erguida em direção aos céus
por onde sobressai uma ave que envolve seu voo em torno desta mão cativa, e segue voando
em direção aos céus simbolizando a libertação dos escravos na ex-colônia. Existe ainda uma
praça chamada de Praça da Liberdade onde possui um busto em bronze de um negro e logo
abaixo duas algemas quebradas com a inscrição de 30 de março de 1884, localizada no centro
da cidade bem próxima a sede da prefeitura, sendo, portanto bastante frequentada. Encontrei
ainda, durante a pesquisa um exemplar de um jornal local sem nome na biblioteca do
município, onde na capa estava a figura de um menino negro ajoelhado com as mãos
levantadas ao céu, simbolizando os escravos libertados em 1884. Sem contar que existem
também as propagandas itinerantes sobre a libertação dos escravos expostas nas laterais dos
coletivos intermunicipais que fazem a linha Benevides/Presidente Vargas divulgando por
onde passam essa memória em torno do pioneirismo benevidense na resolução da causa
escrava, onde consta a inscrição “Benevides 1875: Berço da liberdade escrava na Amazônia”
e as imagens de uma pomba branca voando entre duas mãos acorrentadas.
116

Outras referências simbólicas que existem estão na bandeira e brasão do município


que relembram importantes acontecimentos de sua história como, por exemplo, a data de 13
de junho de 1875, lembrando a fundação do Núcleo Colonial de Nossa Senhora do Carmo de
Benevides. A data de 30 de março de 1884, ladeada por correntes partidas lembrando a
libertação dos escravos e o sol nascente no alto do escudo simbolizando a aurora da liberdade
e progresso que raiava em Benevides a partir daquele dia. O ano de 1954 também inscritos no
Brasão se refere ao ano da criação do Distrito de Benfica, uma das localidades mais prósperas
de Benevides. A produção agrícola é identificada por alguns ramos representando o cultivo do
dendê, pimenta do reino e a cana-de-açúcar, produtos agrícolas mais de destaque no
município. Os pequenos retângulos vermelhos representam a fabricação de tijolos importante
atividade desenvolvida especialmente em Benfica.

Figura 2 – Bandeira do Município de Benevides. Fonte:


upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e9/Bandeira_de_Benevides.jpg.

O ancinho e as máquinas, nas laterais, é uma homenagem ao homem do campo. A


presença da Estrada de Ferro Belém-Bragança simbolizada pelos trilhos no alto do escudo,
representa a importância que essa via teve para o desenvolvimento do município, pois, foi
durante muitos anos o meio mais rápido para se chegar e também de transporte dos gêneros
produzidos ali até a capital. Sendo, portanto, sinônimo de integração e desenvolvimento
econômico à localidade. A Indústria presente na região é representada por uma grande
chaminé. Ao centro configura um croqui da antiga Colônia Nossa Senhora do Carmo de
Benevides, com uma estrela em seu centro simbolizando o Estado do Pará. As letras IHS
117

fazem referência à religião católica professada por muitos habitantes do município. Na parte
inferior, alguns ramos de flor-de-lis, denotam a pureza e a inscrição Libertar et Labor, é o
lema do povo Benevidense escrita em latim, significando Liberdade e Trabalho.
Frente a essa gama de simbolismos que envolvem Benevides, tenho como ofício a
necessidade de sempre inquirir a documentação e refletir sobre os motivos que fizeram com
que determinadas fontes tenham resistido ao tempo e outras não. Como nos remete Marc
Bloch267, posto que os documentos por serem vestígios do passado que chegam à
contemporaneidade, podem lançar armadilhas ao historiador. O que para Jacques Le Goff 268 o
fato de efetivar-se a permanência de certos vestígios e outros não, configura o caráter
monumental dos documentos históricos. Pelo motivo de responderem assim como os
periódicos a interesses determinados, ou melhor, a uma forma previamente construída de
passado de acordo com a visão de mundo que tem o produtor da fonte, mesmo que esta seja
construída de forma inconsciente.
Em cima disso, observam-se como os envolvidos com o 30 de março fazem uma
reconfiguração dos acontecimentos, na busca de legitimar o evento da libertação
reconstruindo-os aproveitando-se de outros eventos, por exemplo, ao relacionarem a
libertação dos escravos em Benevides com a Cabanagem explicitada no discurso de Teobaldo
Reis em 1984 e na fala do escritor José Siqueira em sua entrevista ao jornal Amazônia, ao ter
afirmado que “os negros de Benevides já vinham lutando por sua liberdade com os cabanos e
com o movimento de adesão do Pará à Independência.” Não é nossa intenção desqualificar
e/ou diminuir a importância da participação negra no processo da Cabanagem 269, até porque
existem inúmeros trabalhos acadêmicos salientando a sua importância para o
desenvolvimento do movimento cabano. 270
O que quero ressaltar é a impossibilidade temporal contida na afirmação de Siqueira
em sua entrevista, e do vereador Teobaldo Reis em seu discurso, sobre o fato de os negros
existentes em Benevides terem buscado desde os tempos da Cabanagem e Adesão à
Independência do Grão-Pará por sua liberdade, na medida em que nas primeiras décadas do
século XIX, Benevides sequer existia. Pois só viria a ser criada no último quartel do século
XIX, mais precisamente em 13 de junho de 1875 pelo então presidente de província do Grão-
267
BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da História, ou, O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2001.
268
LE GOFF, Jacques. “Documento/Monumento”. História e Memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP.
P.535-553. 1990.
269
Mais uma vez para melhor detalhamento sobre o assunto consultar os escritos de Magda Ricci.
270
Ver ainda o trabalho de José Maia Bezerra Neto sobre o período imediatamente posterior ao término da
Cabanagem. BEZERRA NETO, José Maia. “Ousados e Insubordinados: protesto e fugas de escravos na
província do Grão-Pará – 1840/1860.” Revista Topoi. Rio de Janeiro. P.73-112. Março 2001.
118

Pará o Sr. Dr. Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides, como tratado páginas atrás.
Portanto, tais afirmativas sobre a participação de negros da colônia agrícola não possuem
embasamento temporal. Tendo sido, por outro lado, reformuladas de acordo com a visão de
mundo que o autor da fonte (no caso, as afirmações) possui. Procurando enquadrá-la aos
movimentos de luta anteriores e cristalizar a imagem da localidade como berço da liberdade
escrava.
O jogo político e de poder em torno desta efeméride fez com que houvesse uma
movimentação de alguns de seus moradores ligados à política paraense, para transformar o 30
de março em Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Estado do Pará relegando de uma
vez a memória do município como integrante a cultura imaterial do Estado. O proponente do
projeto foi o escritor José Leôncio Ferreira de Siqueira, membro do Instituto Histórico e
Geográfico do Pará, sob a justificativa de que os feitos de 30 de março de 1884 possuía uma
relevância histórica para o Estado do Pará e que, no entanto, passava despercebida em
praticamente todo território com exceção do município de Benevides que soube muito bem
preservar a “chama da liberdade.” Nesse sentido Eric Hobsbawm271 trata a questão dos
interesses de determinados grupos sociais no processo de construção de tradições e memórias
que os eternizem de alguma maneira, seja através de monumentos ou práticas culturais e esse
apelo a elevação de 30 de março a patrimônio cultural demonstra essa questão.
Após a apresentação do projeto em questão por José Siqueira foi levado a Assembleia
Legislativa do Estado do Pará em 2011, e defendido pela deputada estadual Luzineide Farias,
natural do município de Benevides, o Projeto de Lei nº 056/2011, transformando a data
comemorativa de 30 de março de 1884 em Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do
Estado do Pará. Após alguns meses de tramitação e análise do pedido feito pela deputada o
governador do Estado em exercício o senhor Helenilson Pontes, reconheceu o Projeto de Lei
nº 7.619272, de 18 de abril de 2012, delegando a data como Patrimônio Cultural de Natureza
Imaterial do Estado do Pará e o município de Benevides como a “Terra da Liberdade.” Essa

271
HOBSBAWM, Eric. & RANGER, Terence. A invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
Tradução de Celina Cavalcante.
272
Projeto de Lei nº 7.619, de Abril de 2012.
Declara como patrimônio cultural de natureza imaterial do Estado do Pará, comemoração do dia 30 de março,
dia da libertação dos escravos no Município de Benevides.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARÁ estatui e eu sanciono a seguinte lei:
Art. 1º Declara como integrante do patrimônio cultural de natureza imaterial do Estado do Pará, dia da libertação
dos escravos no Município de Benevides.
Art. 2º Fica estabelecido que a comemoração do dia 30 de março, dia da libertação dos escravos, no Município
de Benevides é patrimônio cultural de natureza imaterial do Estado do Pará.
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
PALÁCIO DO GOVERNO, 18 de Abril de 2012.
Diário Oficial do Estado do Pará. 20/04/2012
119

conquista a partir da articulação política de um ramo dos moradores de Benevides, foi


bastante comemorada e transformou a data em feriado municipal no que ocorrem várias
atividades na cidade, procurando arregimentar todos os seus moradores a se identificarem
com a questão e tornando-se um elemento cada vez mais forte de identidade.
A ideia de Benevides como sendo o berço da liberdade escrava no Grão-Pará
atravessou os anos. E em março de 1984 comemorou-se o centenário da redenção dos
escravos da ex-colônia agrícola, o jubiloso município se orgulhava dos feitos de seus
antepassados, que armados de coragem e sentimentos de justiça livraram a localidade da
“mancha da escravidão”. Em virtude dessa comemoração a prefeitura lança o Álbum
Histórico “Terra da Liberdade”, contando a história do município relegando grande parte de
seu volume aos acontecimentos do dia 30 de março de 1884.
Contudo, chama atenção no Álbum Histórico à forma como foi organizado salientando
a ausência de conflitos, insatisfações, revoltas e manifestações em toda história de Benevides,
contada pelo mesmo desde seu início como núcleo agrícola. Procurando somente ressaltar a
memória dos momentos gloriosos do município como, por exemplo, a ousadia da ex-colônia
em libertar seus escravos quatro anos antes da Lei Áurea. Relegando assim ao esquecimento
de uma radicalidade existente no movimento abolicionista da região, buscando talvez desviar
a atenção sobre uma imagem de rebeldia que o hoje município já demonstrou.
Bezerra Neto273 reitera neste sentido, onde se percebe a construção em torno de
Benevides pelos seus próprios habitantes como sendo a Terra da Liberdade, memória que,
sendo revivida quando das comemorações do centenário da abolição do município em 30 de
março de 1984, ainda percebe o papel desempenhado pela comunidade benevidense no
abolicionismo paraense como atuação limitada ao universo dos senhores que abraçavam a
causa da liberdade através da organização de sociedades libertadoras, como a que havia sido
fundada em Benevides relacionando a ações moderadas e legalistas. Tanto é que se pode
perceber na fala do orador em 1949 durante os 65 anos da libertação a relação que os
moradores interessados na perpetuação dessa memória, fizeram com as ações radicais da SLB
com o desagrado dos senhores de escravos da região e consequente “ação brutal; e ingrata
dessa autoridade arbitraria [subdelegado de Benevides]”, assim tais fatos concorreram para o
“esquecimento histórico do feito glorioso de 1884.”
Mesmo constando no Álbum Histórico vaga referência de conflitos e insatisfações
envolvendo o dia 30 de março de 1884, a sua construção foi pensada de forma que esta notícia

273
BEZERRA NETO. Op. Cit. 2002.
120

ficasse abafada em meio aos gritantes elogios ao pioneirismo do atual município e seus mitos
criacionais envolvendo a migração nordestina, francesa e os ideais de liberdade precoces
“adquiridos” por seus habitantes. Uma probabilidade ainda para a reformulação da memória
do movimento abolicionista de Benevides pode ser entendida como uma necessidade de
enquadramento ao cenário local de moderação e respeito à propriedade privada, e também
manutenção da ordem social. Afinal, como a lei Áurea foi um ato de “benevolência senhorial”
através da princesa Isabel, como se pretendia perpetuar, ter um reduto radical de liberdade
escrava no seio de uma política abolicionista moderada poderia ferir interesses de
determinada classe.
Em vista disso, torna-se valioso por a luz uma provável explicação ao processo que se
deu em torno da memória da “Terra da Liberdade” paraense. Fato que consideramos ter tido
um grande sucesso, pois, mesmo decorridos 130 anos da libertação dos escravos de Benevides
não há uma menção sequer aos eventos conflituosos de 12 de agosto de 1884. Sendo repetido
o discurso de uma localidade permeada pelos louros do progresso e da civilização que
vislumbraram os sentimentos, dos colonos cearenses de Benevides. Dando continuidade ao
processo de “esquecimento” de uma radicalidade da Sociedade Libertadora de Benevides e do
movimento abolicionista benevidense na História do hoje município.
121

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Sociedade Libertadora de Benevides demonstrou possuir conexões com o


movimento abolicionista praticado na província do Ceará, principalmente através da
Sociedade Cearense Libertadora, possuindo dessa maneira significativas semelhanças e
também diferenças entre elas. A libertação dos escravos em 25 de março na província
cearense obteve boa recepção junto à colônia agrícola de Benevides, que em sua homenagem
procurou promover a libertação do seu território da mão de obra escrava. Fato que permitiu
um significativo aumento de fugas de cativos em direção colônia, assim essa numerosa
presença passou a incomodar as autoridades provinciais e senhores de escravos decorrendo
em conflitos armados e ações repressivas por parte da força policial.
Observam-se ainda as práticas de agenciamento e direcionamento da força de trabalho
escrava foragida que se encontrava no núcleo, pelos membros da SLB a partir do aluguel de
escravos aos colonos para atuarem nos mais variados serviços. Percebe-se a ação das redes de
solidariedade entre escravos, colonos e membros da SLB para driblarem as medidas
repressivas contra o núcleo, e assim continuarem resistindo dentro do sistema escravista.
Apesar, das constantes batidas policiais em Benevides as fugas escravas e a ação dos
abolicionistas não cessaram até o fim da escravidão, pelo fato de haver a possibilidade de uma
vivência livre, embora nem sempre tranquila naquela localidade.
Com o fim da escravidão, a imagem de “Terra da Liberdade” foi sendo cultivada com
o passar dos anos, e se transformando em efeméride ligada a interesses políticos de
determinados grupos sociais, no hoje município de Benevides. Houve uma construção em
torno da identidade benevidense ligando-o a ideia de pioneirismo por terem libertado seu
território antes da Lei Áurea, assim estão presentes no cotidiano da cidade inúmeros
emblemas fazendo menção a data de 30 de março de 1884. Através de monumento, bandeiras,
hino, nome de ruas envolvendo a referida data, culminando na proposição e configuração de
Benevides como sendo Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Estado do Pará, devido a
sua importância na história e a falta do reconhecimento necessário dado a mesma, segundo a
justificativa dos autores do Projeto de Lei.
122

FIGURAS

Figura 3 – Mapa da colônia Benevides, 1876. Elaborado por Louis Flanteau e Charles
Wasman. Fonte: Imagem retirada da dissertação de mestrado de NUNES, Francivaldo
Alves. A SEMENTE DA COLONIZAÇÃO: Um estudo sobre a Colônia Agrícola de
Benevides (Pará, 1870-1889). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Pará.
2008.
123

Figura 4 – A estação e a colônia de Benevides. Data: Indisponível. Fonte:


www.estacoesferroviarias.com.br/braganca/benevides.htm.
124

Figura 5 – Mapa demonstrando a distância de Benevides em relação a Belém. Fonte: Acervo


Pessoal de José Maia Bezerra Neto
125

Figura 6 – Mapa da colônia agrícola de Benevides. Fonte: Acervo Pessoal de José Maia
Bezerra Neto.
126

Figura 7 – Jornal A Vida Paraense retratando a libertação dos escravos em Benevides. Data:
30/03/1884. Fonte: Imagem retirada da Tese de Doutorado do Prof. Dr. José Maia Bezerra
Neto, intitulada Por todos os meios Legítimos e Legais: As lutas contra a escravidão e os
limites da abolição (Brasil, Grão-Pará: 1850-1888). PUC-SP, 2009.
127

Figuras 8 e 9 – Praça da Liberdade. Fonte: Nilton Carlos Noronha Ferreira.


128

Figura 10 – Capa do Álbum Histórico de Benevides “Terra da Liberdade.” Fonte: Acervo


Pessoal.
129

Figura 11 – Apresentação do Álbum Histórico de Benevides “Terra da Liberdade.” Fonte:


Acervo Pessoal.
130

Figura 12 – Imagens da solenidade do Centenário da Libertação. Fonte: Acervo Pessoal.


131

Figura 13 – Telegrama enviado pela Sociedade Libertadora de Benevides a D. Pedro II


informando sobre a libertação dos escravos. Fonte: Acervo Pessoal.
132

Figura 14 – Descrição da ata de instalação da Sociedade Libertadora de Benevides. Fonte:


Acervo Pessoal.
133

Figura 15 – Capa do Auto Crime de Resistência e Arrombamento de cadeia contra José


Ferreira Braga e outros. Fonte: Acervo Pessoal.
134
135
136
137

Figura 16 – Ata da libertação dos escravos de Benevides. Fonte: Acervo Pessoal.


138

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140

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Fundo de Segurança Pública. Secretaria de Polícia do Ceará a diversas autoridades fora desta
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148

ANEXOS

Anexo I

Transcrição da Acta da Libertação de Benevides

1884 – Data no nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e oitenta e
quatro, aos trinta dias do mez de março, na sede da Colônia de Nossa Senhora do Carmo de
Benevides, presente sua Excellencia o Senhor Visconde de Maracajú, Presidente da Provincia
do Gram-Pará e General Comandante de armas, realizou-se a sessão magna da Sociedade
Libertadora de Benevides, na qual foram restituídos à liberdade os escravos residentes no
território do núcleo colonial, sendo Maurício e Quitéria manumittidos pelo Dr. Martinho
Domiense Pinto Braga, e sua mulher, D. Leonilda da Silva Braga, Florência pela senhora D.
Thereza Christona Pinto Braga, e Luiz, Macário e Gonçala, pela senhora D. Maria José Pinto
de Mesquita , sendo depois da entrega solene das respectivas cartas, declarado redimido o
território do Nucleo – o primeiro da Provincia do Gram-Pará, isento da macula do cativeiro.
E para que para sempre fique memorável esta dacta, lavrou-se a presente Acta, que será
depositada no Archivo da Camara deste município, assignada por S. Exc. o Sr. Visconde de
Maracajú e todos os cidadãos presente, e subescrita pór mim Secretario da Sociedade
Libertadora de Benevides. Eu, Antônio José de Freitas Ramos, escrevi.

Presentes:

Visconde de Maracajú

Martinho D. Pinto Braga

Tobias Fiel Rodrigues

Jovino Pinto Ayres, Redação “A Província do Pará”

Manoel S. Amazonas

Fenilo A. Braga Cavalcante

Domingos Olímpio

José F. Rynil

D. Leonila Lopes da Silva Braga

Francisco Fontenelli Bezerril


149

Pedro de Moraes Bittencourt

Marcellino Augusto de Lima Baratta

Dr. Ignacio

Afonso A. Barros Gomes

Maria dos Anjos Baratta

Teófilo F. de Oliveira, Redação do Diário do Grão Pará

D. Theresa Christina Pinto Braga

Raimundo Gomes de Athaide

Felismunda Pinto Braga

Álvaro Augusto de Mesquita

Cândido Cordeiro, Redação do “25 do Março”

Quintino Pinto de Mesquita

Dr. H. E. Weaver

Francisco Pinto de Mesquita

Maria José de Mesquita

Francisco Paiva de Lima

João Luiz de Belém Costa

Abel Alves de Queiroz Lima

Antônio Raymundo de Albuquerque

Antônio Francisco de Queiroz

Antônio Raymundo Braga Cavalcante

Francisco Aranha de Vasconcelos

Antônio de Souza Leal

Antônio Nicolau de Souza

Raymundo José de Queiroz

Manoel de Souza Maia

Luiz Franco de Andrade


150

Francisco Alves Barreira Cravo

Francisco Alves Barreira Filho

Francisco Alves Soares

Ignácio Porfirío Soares

José Porfírio Soares

João José dos Santos

Francisco da Costa Pinto

Eduardo Olímpio Jorge

Antônio José Jorge

D. Roza Amélia de Azevedo

Jorge Victoriano E. do Horizonte Brazileiro

José Bento de Lima

Miguel Leopoldo de Vasconcelos

D. Maria Arminda Laura de Andrade

Miguel Aureliano de Leonissa

Ana Francisca de Vasconcelos

Ricardo Pinheiro Bastos

Sthefane Anderson

Benedito Corrêa Lima

José Raymundo de Sousa

Antônia José de Souza Zumba

José Antônio de Souza

Francisco Alves Barreira

Antônio Alves Ribeiro de Lima

Francisco Pragmauer Telles

Ignácio Pereira Lima

Pedro Lopes Costa


151

Pedro Lopes da Costa

Manoel Severiano da Silva

Antônio Dactivo Soares

Francisco do Vale Bandeira

Antônio Teophilo de Souza

Simeão Lopes de Andrade

Alexandre Lopes de Andrade

Miguel de Lira Pessoa

Ignácio Pinto de Andrade

Luiz Ribeiro Vianna

Alferes João Dutra da Vera Cruz

Antônio Joaquim Pereira

João Francisco Ramos

José Ferreira Braga

Maria Ferreira da Anunciação

Antônio Duarte Antunes Balbi

Fonte: Álbum Histórico de Benevides “Terra da Liberdade”. 1984.

Anexo II

Carta de J. H. Cordeiro de Castro endereçada ao presidente da Sociedade Libertadora


de Benevides Martinho Domiense Pinto Braga.

Belém, 30 de março de 1884.

Illmº Srº

Com grande pezar meu, e só por força de circumstâncias deixo hoje de comparecer á
explendida, festa de liberdade da “Colonia Benevides” por onde vae o brioso Municipio da
Capital iniciar, em tão bôa hora e sob os melhores auspicios, a emancipação total dos seos
infelizes escravos.
152

Por esse motivo, pois, rogo a VSª se digne de, por mim e em nome d’Associação
Philantropica d’Emancipação d’Escravos, felicitar com regozijo á “Colonia Benevides”, que a
VSª incontestavelmente deve mui assignalados e leaes serviços.
Approveito a opportunidade para passar ás mãos de VSª, como significativa offerta
d’aquella benemerita Associação á “Colonia Benevides”, cinco rettratos lithographados do
immortal Visconde do Rio Branco, para dar-se-lhes ahi e por essa occasião, solemne a
applicação, que os Directores da festa entendam melhormente merecer.

Deus guarde a Vsª.


Martinho D. Pinto Braga.
J. H. Cordeiro de Castro.

Fonte: Álbum Histórico de Benevides “Terra da Liberdade.” 1984

Anexo III

Tabela 1: Relação nominativa das praças destacadas em Benevides durante o ano de


1884.

Janeiro Fevereiro Março Abril Setembro


Antônio Antônio Antônio Antônio André Antônio Theodozio
Pedro Pedro Pedro Pedro Cascim Carolino Teles
Pablo Pereira
Antônio Francisco Antônio Antônio Caetano Manoel Manoel
Francisco Paulo do Francisco Francisco Joaquim Francisco Antônio
Bernardo Nascimento Bernardo Bernardo do Amaral do Tibúrcio
Nascimento
Manoel Manoel Manoel Manoel Tertuliano Claudiciano José
Barbosa de Barbosa de Barbosa Barbosa do Espírito Ferreira Francisco
Souza Souza de Souza de Souza Santo e Vilares da Silva
Silva
Francisco Antônio João Antônio Antônio Theodozio Victoriano
Paulo do Francisco Dutra da da Silva Ferreira da Pereira da de Holanda
Nascimento Bernardo Lira Rodrigues Silva Costa Silva
Pedro José Antônio João Graciano João
de Souza da Silva Raymundo José Baptista de
Rodrigues de Oliveira Rodrigues Souza
Cravo (?)
Pedro Antônio Jovino Romão
José de Barbosa da Pereira dos Francisco
Souza Silva Santos de Souza
Antônio José Ramos José
153

Francisco Machado Manoel de


Bernardo Moraes
Antônio João Manoel
Basílio de Baptista de Ferreirade
Menezes Souza Assunção
Maximiano Antônio da José
Caetano Silva Roiz Leandro da
Silva
Jovino Theodozio Claudiciano
Pereira dos Theles Ferreira
Santos Vilares

Fonte: Ofícios ao Corpo de Polícia (1884). Códice: 1795 mod. 17. prat. 01. APEP.

Anexo IV

Tabela 2: Lista dos escravos capturados em Benevides após conflitos de 12 de agosto de


1884.

Escravos Capturados em Proprietários


Benevides
Dionizio e Firmina Raymundo Brito Gomes de Souza
Raymundo Doutor Leônidas Barbosa
Firmino João Antônio Manito
João Barão do Guamá
Januário Manuel José Lourenço de Carvalho
Felicissimo Barão de Muaná
Alpones João Antônio da Costa
Isaías Bensimen Zahon
Ângela Viúva do Desembargador Braga

Fonte: Fundo Segurança Pública. Secretaria de Polícia da Província. Séries: Ofícios Cadeia Pública.
1882-1884. APEP.

Anexo V

Recibo de Ignácio Lopes Façanha sobre aluguel de escravos junto a José Ferreira Braga
(I)
154

Recibi do Senr Ignacio Lopes Façanha a quantia de 7500 res, inportansia do aluguel di uma
préta que contrata. E quinse mil e mais faz pagamento da 1ª quinzena.
Benevides, 7 de maio de 1884.
O tesoureiro da comição
Jose Ferreira Braga

Reconheço ser verdadeira esta letra e assinatura supra. Bemfica, 23 de julho de 1884.
Conteste Devere(?)
O tabellião Marcellino Braz Antonio de Souza

Fonte: Auto Crime de Resistência e Arrombamento de Cadeia contra José Ferreira Braga e outros.
1884. CMA.

Recibo do aluguel e pagamento dos escravos por Ignácio Lopes feito por José Ferreira
Braga. (II)

João 11$800
Teluriano 14$000
Juvenal 10$000
Lianora 7$000
42$800
Assignado: O tesoureiro da commissão.
José Ferreira Braga (rubrica)
Lavrado em Bemfica em 23/07/1884.
Tabelião Marcellino Braz Antonio de Souza (rubrica)

Fonte: Auto Crime de Resistência e Arrombamento de Cadeia contra José Ferreira Braga e outros.
1884. CMA.

Anexo VI

Corpo de Delito feito na casa que servia de cadeia em Benevides

Subdelegacia de Policia em Benevides 12 de Agosto de 1884.


O escrivão desta povoação imtima os Cidadãos Antonio Duarte Antunes Balbe, e Jose
Cavalcante de Meneses Pinto e mais dois cidadãos que servirão de testemunhas, para na
155

qualidade de peritos, que os nomeio procederem corpo de delicto, nas portas da cadeia desta
Povoação, para que marco o dia de hoje as duas horas da tarde.
O que cumpre
O Subdelegado
Joao Carlos de Farias

Certifico que intimei os peritos Antonio Duarte Antunes Balbe, e Jose Cavalcante de
Meneses Pinto, como peritos, e bem assim Ignacio de Azevedo Jacuana e Antonio Francisco
de Queróz, como testemunhas de todo o conteúdo da portaria supra. O referido é verdade e
dou fé.
Benevides 12 de Agosto de 1884.
Eu Eduardo Olympio Jorge, escrivão que o escrevi.

Auto de Corpo de delicto


Aos doze dias do mez de Agosto do Anno de Nosso Senhor Jesus Crhisto de mil
oitocentos e oitenta e quatro, as duas horas da tarde nesta Povoação, de Nossa Senhora do
Carmo de Benevides, presentes o Capitão Joao Carlos de Farias, subdelegado de policia,
commigo escrivão em seu cargo abaixo nomeado, os peritos notificados Antonio Duarte
Antunes Balbi e Jose Cavalcante de Menezes Pinho, e as testemunhas Ignacio de Azevedo
Jacuana, e Antonio Francisco de Queróz, todos moradores neste povoado, o subdelegado
deferio aos peritos o juramento aos Santos Evangelhos de bem e fielmente desempenharem a
sua missão, declarando com a verdade o que descobrissem e encontrassem e o que em suas
consciencias entendessem e encarregou-lhes que procedessem o exame na casa que serve de
quartel e Cadeia e ahi examinassem o estado em que se achavão as porta do quarto que serve
de prizão, o que respondessem aos quesitos seguintes: Primeiro, se á vestígios de violencia as
cousas ou objectos, Segundo, quaes elles sejão, Terceiro, se por essa violencia foi vencido ou
podia vencerse obstáculo que existe, Quarto, se havia obstáculo, Quinto, se, se empregou
força ou instrumentos para vencel-o, Sexto, qual foi essa força ou instrumento para fazel-o,
Setimo, finalmente, qual o valor ou danno causado, em consequência passarão os peritos a
fazer os exames e envistigações ordenadas e as que julgarão nessesarias; conduzidas as quaes
declararão o seguinte:
Que examinarão as trez portas que existem no quarto que serve de prizão e
encontrarão em uma d’ellas, a que dá para o corredor olhando para o poente com as taboas
156

completamente arrancadas, e nas outras vestígios de violencia empregadas sobre ellas, e que
portanto respondem: ao Primeiro, que existem vestígios de violencia feitas as portas da prisão,
ao Segundo, são as taboas arrancadas de uma porta e das outras desconjuntadas, ao Terceiro,
afirmativamente, ao Quarto, afirmativamente, ao Quinto, afirmativamente, ao Sexto, que alem
dos hombros empregarão tambem cacetes collocados pela abertura das duas meias portas, ao
Setimo, finalmente, que avalião o danno causado em cincoenta mil reis e são estas a
declaração que em sua consciencia e em baixo do juramento prestado teem a fazer. Forão
encontrados quatro cacetes e um espigão de ferro. E por nada mais haver deu-se por concluído
o exame ordenado, e de tudo se lavrou o presente auto que vai por mim escripto e rubricado
cossignado pelo subdelegado, peritos e testemunhas, commigo escrivão intirino Eduardo
Olimpio Jorge, que o fiz e escrevi por; do que tudo dou fé.
Joao Carlos de Faria
Antonio Duarte Antunes Bastos
Jose Cavalcante de Menezes Pinho
Ignacio de Azevedo Jacuana
Antonio Francisco de Queiros
Eduardo Olimpio Jorge
Conclusão
E logo no mesmo dia, mez e anno, faço estes autos conclusos ao subdelegado de
policia o Capitão João Carlos de Faria,para os deferir como julgar de justiça.
E eu Eduardo Olimpio Jorge escrivão que o escrivi.

Julgo procedente o presente corpo de delicto, para que produzão os seus devidos e legaes
effeitos.
Benevides, 12 de Agosto de 1884.
Joao Carlos de Faria.

Anexo VII

Carta de Ignácio Lopes Façanha endereçada ao Subdelegado de Benevides

Illmo Senr Subdelegado de Policia de Benevides


157

Tendo chegado ao meo conhecimento que alguns proprietários de escravos, e mais


algumas pessoas me denunciarão a VSª e authoridades inferiores, como um dos acoutadores
de escravos que aqui existem fugidos de seos senhores venho respeitozamente declarar a VSª
que é falço o que de mim tem se dito, pois nunca tive escravo algum acoitado em minha caza,
pois sei que isto é um crime; é verdade que tive alguns em meo serviço porem offerecidos pra
isto pelo Senr Jose Ferreira Braga, rezidentte n’esta Colonia, que é quem destina serviço a
quase toudos os escravos a cujas ordens se achão e, onde vão todos os dias pela manhã sêdo
saber o que há para fazer, é quem lhes fornecem mantimentos e ferramentas e tambem quem
recebe os sallarios, como provo a VSª com os recibos que aprezento; e os mesmos escravos
poderão dizer se é verdade ou não o que conto a VSª; e se o Senr Jose Ferreira Braga , tem ou
não dito que estejão previnidos ao menos de cacetes para quando a policia vier prender; que
foi o que VSª aqui veio fazer; assim não devendo eu responder pelo que não fis me apreço em
declarar a VSª que os principaes acoutadores dos escravos, fugidos aqui nesta Colonia são os
senhores Jose Ferreira Braga, e Dor Pinto Braga, são os que mais tem approveitados aos quaes
tem prometido liberdade e ainda um destes dias quando eu vinha da Cidade encontrei com
dous escravos que me dicerão que iam ver alguns Companheiros para fazerem frente quando a
policia quizecem prendel-os, mas que souberão que tinhão em caminho sido prezos alguns
tinhão ido adiante que por isso vinhão de volta, estes escravos ainda hoje os vi aqui na
Colonia; assim é o que venho dizer a VSª e que é verdade e até escravos do Senr o Barão de
Muaná eu tenho visto em caza do Senr Jose Ferreira Braga, que não e capaz de negar, e estou
prompto a fazer declarações que forem precizas a justiça.
Como não sei escrever pedi ao Senr Thomaz Raymundo Zachen, me escrevese este e
assignasse a meo rogo.
Benevides, 16 de julho de 1884.
A rogo de Ignacio Lopes Façanha
Thomaz Raymundo Zachen (rubrica)

Fonte: Auto Crime de Resistência e Arrombamento de Cadeia contra José Ferreira Braga e outros.
1884. CMA.

Anexo VIII

Depoimento de José Ferreira Braga por escrito por achar enfadonho o processo de
inquirição. (Versão de Ferreira Braga sobre os acontecimentos de 12 de agosto de 1884).
158

Sen. Juiz

Não tendo quando fui chamado para dépor; o escrivão de Vsª (ilegível) méu
depoimento, isto por si tornar enfadonho, o fasso por escrito, pedindo á Vsª (ilegível)
mandallo juntar aos autos.

Senr.

Com a chegada do Senr Capitãp Farias en Benevides e a noticia que hia prender
escravos, eu tive de hir a caza do Senr Farias, e pedir lhe que quando tivésse recomendação de
algum escravo tivesse a bondade de mi dizer, que eu quiria mi encarregar de ver se pudia
ájeital-os afim de ver si conseguia de elles voltarim amigavel sem ser prezo por que prezo eu
(ilegível) que não ouvirei algum estrubo (?) por terem muitos escravos juntos em um caza. O
Senr Farias não midéu resposta de sim ou não. Esta minha converça com o Senr Farias déu
lugar a um grandi parte dos escravos ficassim com um grande odio em mim, isto por alguma
péssoa que mitia na cabessa d’elles que eu estava de combinação com o Senr Farias para
ganhar o drº, pela entréga d’elles. Passado alguns tempos... O Senr Farias mandou chamar a
escrava Severa em sua caza, esta hindo lhe foi perguntada quem seu Senr, esta dizendo foi
mandada por Senr Farias trancar em uma alcova, no centro da Caza Velha que tinha de
penitencia a qual si achava abandonada pelo seu máo estado, exceto um outro salão que servia
de quartel... O Senr tenente Francisco Alves Barreira Cravo foi pidir ao Sr Farias para soltar a
rapariga. O Senr Farias respondeu que não soltava aquela como todos os houtros, pois não
fazia conta de uma corja de tratantes que ali tinha. O senr Cravo voltou surprehendido de uma
tal resposta, e contando á toudos a forma como o senr Farias se tinha portado. Esta palavra
insultante deu lugar á dentro em poucas horas istar indignado cuazi toudo puvoado de forma
que me pariseu que não faltaria quem estigassi os pretos para hirim fazer o que fizeram. Eu
que morava na ponta da rua cazualmente estando na janella da minha caza. Notei que os
pretos si reunião pela rua passando uma pêssoa eu perguntei o que siguinificava aquele
ajuntamento. Mi foi respondido que dizião ser os pretos que hião tumar uma rapariga que
estava na prizão ao mesmo tempo os vi reunindossi e seguissem para o lado di ondi se achava
a rapariga eu vendo que éra verdade o que mi acabavão de dizer, segui a touda (ilegível) afim
de ver si pudia de alguma forma evitar hindo para lá os encontrei tratando di afastarim uma
folha de porta da alcova onde si achava a escrava.
Eu procurando comter (?) (ilegível) ameaças (ilegível), no mesmo estante resibi de
repente uma grande pancada não sei si do tal Antonio do Santo ou se dos pretos o serto que
159

fiquei prostado sem sentido, minutos depois tornei já não vendo mais ali ninguem i banhado
de sangui, saindo avistei ô grupo que seguia uma grande destansa, e o Senr Farias que curria
da caza d’elli apitando pela tropa qe si concervava toudo este tempo immovi no quartel, e
procurando atravescar adiante do grupo o que poudi consegui, travandosi alli um grandi
conflicto entre o grupo e os soldados do Senr Capitão Farias, esti conflicto deu tempo a que
eu chegassi. Com minha chegada ouvi uma pequena pausa, e eu me fui dirigindo ao Senr
Farias para-lhe dizer oque me fazia andar, ali e o ter mandado chamar, ao do comesso o falar,
o Senr Farias dissime para mentir que não queria saber di estôrias gritando para os soldados
que mi prendessem e levassim para a cadeia, momento esti que si aproçimava de mim o senr
Thenente Francisco Alves Barreira Cravo, e mais uma porção de homens que mi pegarão e
levarão para minha caza.
Sem que o senr Farias e nem os soldados fizescim a mínima perseguição com o fim de
dizesem o sim como diserão que tinha ovido puzição e rezistencia de minha parte, que
(ilegível) tinha de ser testemunha os soldados e os empregados da caza do senr Antonio Jorgi,
que éra meu innimigo (ilegível) só estes pudião prestar o facto de forma que lhe fosse
encignado, assim como os que assistião ao corpo de delicto que não tiveram péjo (?) de
dizerem que uma alcova no sentro de velha héra cadea, jamais holhando para a cadeia publica
destante desta caza duzentos metros, como que em Benevides tivessem duas cadeas, por que
não feiz corpo de delicto em mim, quando mi viu banhado de sangue, e que lhio pedi, por que
os soldados não podião ser peritos e hotro homem tinha de dizer que me tinha visto sair de lá
do lugar honde tinhão ido os pretos já com o palito encarnado de sangue. E isto o senr Farias
não queria saber queria héra dizer que tinha ferido brigando, com a tropa ou com ele, si o senr
Farias tivesse vindo pela primeira veiz que o mandei chamar, assim como héra o seo dever,
nada tinha ovido, pois eu queria eralhe pedir para me responsabilizar pela rapariga.
Afim de evitar, e se elle não quisesse auxiliami com a tropa para conter, mais estou
convencido que foi feito de propozito para mi comprometerem, a vista de tantos esforços
feitos para diagnosticar um pai da famillia que esta muito destante do lugar que o querem
colocar. O senr Capitão Farias não tendo vindo quando o mandei chamar, e não tendo visto eu
rombar a caza para tirar a escrava, e tendo visto que ali estava outro homem e tendo visto que
eu o havia mandado chamar e não me tendo visto boljar (?) com ninguem, qual o seo dever,
héra fazer uma indagação e procurar tumar conhecimento pra ver quem héra o culpado, e não
denunciar, o que elle não viu e nem ninguem. Dando lugar a que eu fosci a cuzado de crime
de rombamento de cadeia, sem eu carci privado, mesmo não sendo na cadea pedia a culpa
soubre meus hombros por ter eu mi proposto a evitar.
160

Sala das audiências no Pará, 11 de junho de 1885.

José Ferreira Braga

Fonte: Auto Crime de Resistência e Arrombamento de Cadeia contra José Ferreira Braga e
outros. 1884. CMA.

Anexo IX

Ocupação dos lotes agrícolas da Colônia de Benevides até o ano de 1889.

Local Lote Proprietários localizados Terreno Valor Título


(Braça) (Réis) Definitivo
01 Benedito Corrêa Lima
02 Joana Maria da
03 Conceição
04 Joana Rodrigues Viana
06 Benedicto Corrêa Lima
07 Pierre Leger
08 Antônia Aires Machado 43.635 21.81 02.08.1888
09 Antônia Aires Machado 7
10 Antônio Theóphilo Souza
11 Desidério Alves Ribeiro
12 José Júlio de Andrade
13 João Baptista Leroy
14 Francisco Nascimento
15 Joâo Fanjá
16 José Bentos Alves
17 João Xavier de Lima
18 Louis Bertean 36.219
19 Ananias José Maria 18.10
Linha 20 Thereza Pinto Braga 3
Fortaleza 23 J. A. Narcize Viens 45.000 09.12.1887
Estrada de 24 J. A Narcize Viens
161

Bragança 25 José da Silva Junior 22.50


27 Manoel Vivente Ferreira 0
30 Francisco Paul Begot 68.078 05.04.1886
31 Francisco geannot
32 João Rodrigues V. Braga
34 Agostinho da Costa 26.181 23.08.1887
36 Braga 23.181 19.03 17.08.1885
37 Luiz Antônio F. Bentes 9
39 Unbellina de Macedo 45.000
44 Francisco Mendes 13.09
45 Callado 0
46 Manoel Nascimento 11.59
47 Maria Anunciada 33.156 0 30.09.1889
48 Miranda 38.862
49 Francisco da Veiga 57.120 22.50
50 Cabral 0
51 Pedro de Noronha 49.800
52 Francisco José de Aquino
56 Antonio de Souza Leal 49.800 26.06.1886
58 Francisco da Rocha 51.400 16.57 07.12.1887
59 Bibiana Moreira da Silva 8
60 Manoel de Souza Leal 19.43
62 Manoel de Souza leal 1
63 Bibiana Moreira da Silva 43.001 28.56
64 Antônio Ignácio da Silva 0
65 Pedro Alves da Silva 41.575 05.04.1888
70 Antônio de Paula Dias 49.000 41.98
71 Francisco de Andrade 9
72 Joaquim R. Vianna
77 Francisco Fidélis 23.96 09.12.1887
78 Macaúba 4718 3 27.12.1886
79 José Pereira de Souza 25.52
162

80 Francisco P. Telles 1
81 Francisca da Conceição
82 Sabino José de Souza 55.227
83 Francisco P. Telles
84 Francisco Barreira Filho 40.181 21.51
85 Aprígio Barreira Cravo 0
86 Olívio Hermano Cardoso
88 João Rodrigues Braga 20.67
91 Manoel Severino da Silva 8
97 João Rodrigues Braga 24.70
98 Ignácio Porfírio Soares 4
101 Abel de Queiroz Lima
Joaquim Augusto de Leão
Francisco J. de Carvalho 23.59
Antônio Pedro da Silva 0
Martiniano Paulo de Aquino
Miguel Antônio de Souza

01 Domiciano Lima Verde 45.000 22.50 30.07.1885


02 François de Saint Geram 42.567 0 08.10.1886
03 Guilherme Purcell 45.000 21.53 12.10.1886
04 François de Saint Geram 42.567 3 08.10.1886
06 Abel de Queiroz Lima 22.50
Ibiapaba 07 Abel de Queiroz Lima 0
1ª 11 Maria José de Mesquita 21.53
Transversal 13 Mathias Vidal de 43.635 3 11.01.1886
Norte 15 Negreiro
17 Joaquim de Queiroz
19 Maciel do N. Pereira.
21 Joaquim de Queiroz 2181
26 Joaquim P. de Queiroz 7
27 Francisco Paul Begot
163

Francisco de Nascimento

01 João José da Veiga Braga


Ibiapaba 02 Raymundo Nonato
1ª 03 Borges
Transversal 04 João José da Veiga Braga
Sul 05 Maria Castelo Branco
06 Sophia Maria do Nascimento
07

Francisco Barroso Cravo


02 Alexandre L. de Andrade
03 Loureiro Bentes & Cia.
04 Frediani Francesco 24.02.1887
05 José Severino de Oliveira 45.000 36.00 07.05.1881
06 Francisco A. de Lima 43.635 0 05.11.1886
07 Matias Lopes Mais 21.81
08 Vicente M. de Oliveira 7
10 João Fanjás
11 Manoel de Souza Maia 43.635 31.03.1883
12 João Fanjás 31.03.1886
13 João Baptista da Silva 21.81
14 Damião Gomes de Lima 7 23.05.1885
1ª 15 João Mendes Ferreira 43.675 10.07.1885
Subdivisão 16 Francisco B. de Oliveira
Norte 17 José Matheus de Oliveira
18 Raimundo Alvarenga 21.81
22 Joaquim F. de Hollanda 43.635 2 04.03.1886
23 Joaquim P. de Queiroz 43.635 17.09.1886
24 José N; Do Nascimento. 17.98.1882
35 Antônio Felix da Cunha
31 Manoela Lucci de 2181
164

34 Oliveira 14.493 6 09.12.1889


21.81
7
17.20
Loureiro Bentes e Cia. 5
1ª 04 24.02.1887
Subdivisão
Sul
01 Antônio Corrêa Sena
03 Joaquim P. de Queiroz
04 Antônio José Duarte
05 Apolinário Nascise Viens
06 Manoel Moreira de 43.833 21.91
07 Souza 40.556 7
08 Ferreira Braga 21.27
09 Ferreira Braga 40.556 8
Araripe 10 José Mendes de Oliveira 51.476
2ª 11 Vicência Mendes de Oliveira 40.556
Transversal 13 Joaquim t. de Souza 44.317 14.12.1886
Norte 14 Antônio Corrêa de Senna 56.250 21.27 22.09.1886
15 Antônio Dias 8 30.07.1885
16 Damião Cosme de Lima 54.885 25.63 22.09.1886
17 Manoel Dias 8
18 Francisco A.Duarte 54.885 20.27 14.09.1885
20 Victor M. de Magalhães 8
21 Raimundo das C. 22.15
22 Mendes 7
23 Viventina B. de Oliveira 28.62 17.09,1886
24 Francisco das C. Mendes 54.885 5 28.08.1885
25 Francisco F. de Hollanda 43.240 11.07.1887
26 Manoel R. de Magalhães 27.44
29 Joaquim R. de Araújo 2
165

30 Joaquim R. de Araújo
31 Luiz Gonzaga de Lima 27.44
33 Emiliana M. de Souza 2
34 Emiliana M. de Souza
João Pereira de Mello
João Pereira de Melo

27.44
2
21.64
0

01 João Baptista Arnaud 45.659 22.82


03 Francisco Alves Pinto 9
04 Vicente Moreira da Silva 45.000 07.12.1886
Araripe 05 Francisco Lima 22.50
2ª 06 Raymundo Ferreira Pires 45.000 08.02.1886
Transversal 07 João Baptista Leroy
Sul 08 José S. de Souza Zumba 22.50
09 Francisco Alves Pinto
10 Teóphilo José Pinheiro
01 Inácio de Andrade
02 José F. do Nascimento
03 Pedro Gomes de Andrade
04 Francelino José de 15.09.1888
05 Souza 51.140 28.75 24.07.1888
06 Maria Moreira de Souza 0 27.08.1888
07 Antônio José de Souza 27.02.1881
Meruoca 08 Elizario de Souza e 45.000 04.04.1881
3ª 09 Esposa 56.250 22.50 23.03.1887
Transversal 10 Justino Pedro Ferreira 0
Norte 14 Domingos Gonzaga 28.12
166

15 Braga 48.300 5
17 Elizario Souza e Esposa 49.543 28.12.1886
19 José Ferreira 07.08.1886
20 Luiz Ferreira Bentes 45.294 24.41
Victoriano José Maria 5
João Vieira Barbosa
Raymundo Roque da Silva 0
22.24
7

01 Antônio A. Leonisa
Meruoca 02 Manoel F. dos Santos
3ª 03 Raymundo de A. Câmara. 51.544 25.87
Transversal 04 Fracelino José de Souza 56.590 2
Sul 06 Antônio José de Souza 56.595 28.29 27.08.1888
08 Elizario Antônio de 5
10 Souza 28.29-
Elizario Antônio de Souza 7

01 Pedro Ferreira Batalho 51.681 25.84 13.08.1888


02 Joaquim Xavier Lima 0
03 João Xavier Lima 51,681 18.07.1885
04 João Xavier Lima 35.970 25.84 28.07.1885
05 João Xavier Lima 35.970 9 28.07.1885
Uruburetama 06 João Xavier de Lima 49.300 17.98 28.07.1885
4ª 07 Francelino Pereira Souza 5
Transversal 08 Raymundo N. de Oliveira 17.98
Norte 09 João Antônio Lima 42.27 5 13.08.1886
10 Francisco Roberto 22.50
11 Feliciano Miguel Braga 0
12 Cipriano A. de Oliveira
13 Pedro R. de Oliveira
14 Francisco M. de Andrade 43.635 21.63 18.11.1886
167

15 Estevão Nascimento 5
16 Joaquim X. de Oliveira
17 Justino Pereira do Carmo
18 Maria da Conceição
20 Manoel Abílio Souza
21 Pedro F. das Chagas 21.81
22 Vicente E, de Abreu. 7
23 Francisco R. de Oliveira
24 Justino Albino de Souza 09.03.1886
25 Joaquim José Florêncio
26 Manoel Lourenço da
27 Silva
28 Manoel R. de Oliveira
29 Manoel Lourenço da 35.000 16.07.1888
30 Silva
31 Manoel R. de Oliveira
32 Manoel Rodrigues da
33 Silva 45.000 09.12.1887
34 Mendonça Sobrinho
35 De Mendonça Sobrinho
36 Antônio José da Silva 17.50
39 Manoel Lourenço da 0
Silva
Manoel Lourenço da
Silva
Josepha Lourença da 22.50
Silva 0
Raymundo N. d’Oliveira
01 Joaquim de Souza Leal 51.135 25.56 14.06.1886
Urubetama 02 Sabino M. de Andrade
6ª 03 Joaquim de Souza Leal 7
Transversal 04 Joaquim de Souza Leal
168

Sul 05 Joaquim de Souza Leal


06 Joaquim de Souza Leal

02 Manoel Fernandes
03 Capella
05 Maria Thereza
Subdivisão 06 Maria Bezerra da Rocha
Entre a 4ª e 07 Francisco Antônio Salles
5ª 08 Manoel Fernandes Capella
Transversais 09 Eustorgio de O. Lima.
Norte 14 Eustorgio de O. Lima.
Raimundo Felix da Silva

01 Antônio M. dos Prazeres


03 José Cordeiro dos Santos
04 André Valeriano de Paiva
05 Francisco Ignácio da
06 Silva
07 Laurentino José da Silva 14.50 25.05.1886
08 Antônio Souza 0 04.08.1885
09 Raymundo G. de Oliveira 22.50
10 Teresa Maria de mello 0 09.03.1886
11 João Antônio Landim
13 Francisco G. da Silva
15 Francisco do Nascimento
16 Romão Dias Pereira
17 Romão Dias Pereira
18 Francisco José Lourenço
Baturité 19 Antônio de Paula Dias 46.363
5ª 20 Maria M. da Conceição 04.08.1885
Transversal 23 Manoel Joaquim Pereira 21.13
Norte 24 Francisco Talles da Silva 42.271 1 1886
25 Justino Albino de Souza
169

26 Raymundo V. de
27 Noronha 21.13
28 Manoel Faustino 5
Nicassio
Manoel Faustino
Nicassio
Antônio Camillo da Silva

03 Antônio Soares de Mello


Subdivisão 07 João Pereira da Silva
entre 5ª e 6ª 08 Pedro Pereira da Silva
Transversal 09 João Maranhão da Silva
Norte 10 Ignácio Pereira de Lima
11 Antônio José dos Santos
12 Francisco D. da Silva
13 Manoel Geraldo da Silva
16 Francisco José Lourenço
17 Manoel Bernardo de
18 Lima
19 Gonçalo do Nascimento
20 José Francisco de Brito
21 José Pereira Severio
22 Francisco Felix da Silva
25 José R. dos Santos
27 João R. dos Santos
28 Antônio Caillo da Silva
Subdivisão 02 Massiano José de Maria 09.12.1887
Entre 5ª e 6ª
170

Transversal
Sul
01 Francisco P. Telles 22.08.1887
02 João de Araújo Mello
03 Laudelino de Queiroz e 17.08.1889
04 Sá
05 Francisco B. da Rocha
Aratanha 06 Ignácio Pereira Lima 29.10.1886
6ª 07 Abel de Queiroz Lima 45.000 22.50
Transversal 11 José Antônio de Souza 0
Norte 25 Manoel Gomes de Fritas
26 Manoel Brígido
27 José Ribamar dos Santos
28 Vicente André da Silva
32 José Tavares da Cruz
33 João R. dos Santos
Antônio Izidoro Pereira
01 Joaquim Alves de Salles 39.306 19.65 20.05.1886
Aratanha 02 José Vidal de Negreiros 39.350 3
6ª 03 Laudelino de Queiroz e 19.75
Transversal 05 Sá 3
Sul 06 Manoel Souza
01 Manoel Coimbra
02 Manoel Severino da Silva
03 Barreira Cravo & Cia. 45.000 22.50 02.06.1888
04 Barreira Cravo & Cia. 45.000 0 02.06.1888
06 Barreira Cravo & Cia. 45.000 22.50 02.06.1888
07 Antônio José de F. Ramos. 0
08 Barreira Cravo & Cia. 45.000 22.50 02.06.1888
09 Manoel Coimbra 0
10 Ignácio Pereira Lima
11 Manoel Coimbra 22.50
171

Subdivisão 12 Pedro Gonçalves dos 0


Entre 6ª e 7ª 13 Reis
Transversal 14 Manoel Coimbra
Norte 15 Antônio Lima da Cruz
16 José Bento de Alves da
18 Silva
19 Raimundo Lino da Cruz
26 Francisco de S. Barreto
28 Fidelis da Silva Faro
30 Manoel dos Santos Brígido
32 Manoel do Nascimento
35 Manoel do Nascimento
João R. dos Santos
Júlia Constant
01 Barreira Cravo & Cia
Subdivisão 02 Agripino Barreira Cravo
Entre a 6ª e 04 Agripino Barreira Cravo

Transversal
Sul
01 José Alves Evangelista
03 Lino de Souza Martins
05 José Garcia da Costa 44.590 22.29 06.08.1883
06 Gentil Soares Pernante 44.662 5 03.08.1885
07 Maria Luiza Proença 44.300 22.33 09.03.1886
08 Francisco Furtado 1
10 Themistocles 22.29
Maranguape 12 Figueiredo 5
7ª 14 Juvêncio Antônio Dias
Transversal 17 Antônio Marques de
Norte 18 Lima
19 Fellipe Benício Carneiro
172

20 Joaquim Thimóteo
21 Victor M. de Oliveira
22 João E. de Almeida
24 Miguel Victor de
25 Oliveira
28 José Gomes da Silva
30 Victor M. de Oliveira
32 Victor M. de Oliveira
34 Victor M. de Oliveira
Victor M. de Oliveira
Victor M. de Oliveira
Vicente F. de Antunes
Maranguape 02 Fausto Alves Barreira 31.887 25.93 30.07.1889
7ª 03 Fausto Barreira Cravo 24.543 8 17.08.1886
Transversal
sul
01 Antônio F. de Amorim
02 Clemente Pereira da
03 Silva
06 Joaquim T. da Silva
07 Carlos Infante de Castro
08 Vicente José da Silva
09 José Ferreira Teixeira
10 Vicente José da Silva
11 Vicente José da Silva
12 Luiz Francisco de Paula
15 Miguel F. de Freitas
16 Manoel Francisco Pedro
17 Thedósio A. de Oliveira
19 Fellipe Benício de Carneiro
20 Simião M. de Andrade
Subdivisão 21 Simião M. de Andrade
173

Entre a 7ª e 22 Simião M. de Andrade


8ª 23 Simião M. de Andrade
Transversal 24 Fellipe Benício
Norte 25 Carneiro
26 Miguel Victor de
27 Oliveira
28 João Benício
29 Victor M. de Oliveira
30 Francisco de M. Silva
32 Manoel A. do
33 Nascimento
34 Damaso Alves Portugal
35 Manoel A. do
36 Nascimento
Temístocles Figueiredo
Francisco O. de Lyra
Damaso Alves Portugal
Francisco O. de Lira
Damaso Alves Portugal
01 Francisco Bezerra Filho 14.04.1886
02 João G. Ferreira Lopes 45.000 22.50 15.09.1886
03 Teixeira & Irmãos 0
04 Teixeira & Irmãos
05 Teixeira & Irmãos
06 Manoel Antônio Pereira
08 Manoel J. do Bonfim
09 Joaquim José do Bonfim
10 Joaquim José do Bonfim
11 Pedro José do Bonfim
12 Teixeira & Irmãos
13 Teixeira & Irmãos
15 Teixeira & Irmãos
174

16 José H. Vianna Prata


17 Teixeira & Irmãos
18 Teixeira & Irmãos
19 Teixeira & Irmãos
20 Teixeira & Irmãos
21 Teixeira & Irmãos

Fonte: Dados Coletados do arquivo da ITERPA, através da documentação da Diretoria de Obras


públicas, Terras e Viação, sob o titulo de “índices de Terrenos discriminados na Zona Bragantina”
organizados por Palma Muniz e datado de 01 de janeiro de 1937. Retirado da dissertação de mestrado
NUNES, Francivaldo Alves. A SEMENTE DA COLONIZAÇÃO: Um estudo sobre a Colônia
Agrícola de Benevides (Pará, 1870-1889). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do
Pará. 2008.

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