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Belém
2014
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Belém
2014
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__________________________________________
Professor Doutor José Maia Bezerra Neto – Orientador
(Membro – FAHIS/PPGHIST/UFPA)
___________________________________________
Professor Doutor Ricardo Tadeu Caires Silva
(Membro – UNESPAR/PPIFOR)
___________________________________________
Professor Doutor Francivaldo Alves Nunes
(Membro – FAHIS/PPGHIST/UFPA)
___________________________________________
Professor Doutor José Alves de Souza Junior
(Membro – FAHIS/PPGHIST/ UFPA)
4
À
Carmem Neves e Odacil Cravo.
Meus formadores; meus exemplos; meus
amores; meu porto seguro.
6
AGRADECIMENTOS
Agradecer sempre foi o momento mais tenso para mim em todo meu percurso
acadêmico, não pelo fato de ser má agradecida, muito pelo contrário, reconheço a
contribuição de cada pessoa que me ajudou durante o mestrado. No entanto, fico receosa de
esquecer quem quer que fosse e por isso, caso o nome de alguém não esteja aqui escrito, saiba
que sua ajuda resultou neste trabalho. Antes de começar o discurso gostaria de fazer um
agradecimento especial ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), pelo financiamento através da concessão da bolsa de estudos. Sem este apoio
financeiro teria sido muito difícil levar a cabo a pesquisa e construir a presente dissertação, eis
que num piscar de olhos foram-se dois anos...
Agradeço primeiramente ao meu orientador José Maia Bezerra Neto que demonstrou
ser um poço de paciência e compreensão, já que vem acompanhando toda minha trajetória
desde a graduação, sendo um meticuloso leitor dos meus trabalhos fazendo sempre excelentes
contribuições para sua melhora. Soube trazer-me novamente aos rumos da pesquisa toda vez
que eu desencaminhei e desacorçoei do meu objeto, por quaisquer que fossem os motivos.
Sempre foi muito exigente e amável, até mesmo nos momentos de cobrança que não foram
poucos, apontou-me a direção e abriu meu horizonte para que eu pudesse caminhar sozinha;
pessoa por quem nutro respeito e admiração.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia que
sempre estiveram disponíveis para retirar quaisquer dúvidas que me ocorressem, dedico
registro especial ao professor Maurício Costa, pois, o artigo requerido como avaliação final
durante a sua disciplina resultou na publicação “Foragida, e acoitada por uma Sociedade que
se diz abolicionista”: O Caso de Severa e a Sociedade Libertadora de Benevides (Grão-Pará,
1884), pela Revista Estudos Amazônicos em 2013.
Aos professores Josenildo de Jesus Pereira pelas contribuições a este trabalho e a José
Alves Junior pela presença na banca de defesa e valiosas intervenções no momento da
qualificação que proporcionaram significativas mudanças nesta dissertação. Ao professor
Ricardo Tadeu Caires Silva pela presença na banca de defesa e também por ter ampliando
minha visão acerca da minha pesquisa, após a leitura de sua tese de doutorado. A Francivaldo
Alves Nunes também pela presença na banca defesa, bem como, pelo norte que sua
dissertação de mestrado deu a minha pesquisa, sem esquecer as valiosas contribuições dadas
ainda quando esteve em minha defesa de graduação que possibilitou o aprofundamento do
tema no mestrado.
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Agradeço também aos meus pais que mesmo sem terem a exata noção do que significa
o mestrado para mim, nunca deixaram de dar estímulo e força para que eu alcançasse o meu
objetivo, principalmente nos momentos mais difíceis. A minha irmã Ana Carla Cravo por
sempre lembrar que sou mais competente do que imagino ser, e por ter me dado de presente
as minhas três maiores motivações, meus amados sobrinhos Caio, Caike e Clei Cravo. A
Adriano Sidrim pela companhia, paciência e amor dedicado a mim por todos esses anos.
Aos meus amigos de graduação, de bar e da vida pelas muitas risadas e saídas
descontraídas. Aos companheiros de mestrado Yure Lee Almeida, Raí Nonato, Tamyris
Monteiro, David Durval, Deise Silva pelos alegres momentos que tivemos nesses dois anos, a
presença de vocês a meu lado tornou a dureza do mestrado mais agradável, até mesmo quando
o “Sr Yure” resolvia fazer grandes perguntas ás 11h50 da manhã, momento este em que a
coletividade era tomada por um sentimento “killer.” Em particular a Jerusa Miranda e João
Augusto Neto pelo compartilhamento não só da mesma casa (ap. das loiras), mas pelas
infinitas crises que tivemos quando não sabíamos mais o que escrever, ler, pesquisar ou
pensar sobre nossas pesquisas. Dividimos nossas angústias, problemas e dificuldades sempre
procurando ajudar uns aos outros, nossa convivência nem sempre foi pacífica, é claro, no
entanto, o que levo de mais importante são as nossas vivências.
Devo a Felipe Moraes por ter me ensinado todos os “paranauês” quando da minha
inscrição no mestrado, quando estava completamente perdida sobre o que fazer com toda a
paciência e doçura que a sua barba lhe guarda. Agradeço carinhosamente ao meu amigo e
correligionário da História da Escravidão, o cearense Eylo Fagner que acreditou no potencial
da minha pesquisa ainda na graduação quando nos conhecemos, disponibilizando além do seu
tempo (que é muito corrido por sinal) deu-me importantes contribuições sobre como
direcionar a pesquisa e sugestões de leituras sobre o abolicionismo no Ceará. Você ainda me
deve aquele artigo...
Não posso deixar de agradecer a imprescindível ajuda dos estagiários do Centro de
Memória da Amazônia pela atenção ao curso da pesquisa. Aos funcionários do Arquivo
Público e da Biblioteca Pública Arthur Vianna. Agradeço ainda a todos o carinhoso
tratamento que recebi no Arquivo Público do Estado do Ceará, em especial ao estagiário João
Paulo que me deu importantes dicas de fontes, além da sua disponibilidade durante a minha
estada no Ceará. Outro agradecimento importante a se fazer, deve-se aos funcionários da
Biblioteca Pública do Estado do Ceará Menezes Pimentel pela dedicação e atenção com que
me acolheram e agilizaram as fontes necessárias a minha pesquisa, em especial a Srª
Gertrudes Sales e seu esposo.
9
SUMÁRIO
RESUMO .............................................................................................................................. XII
ABSTRACT ......................................................................................................................... XIII
RESUMEN .......................................................................................................................... XIV
LISTA DE FIGURAS ........................................................................................................... XV
LISTA DE SIGLAS ............................................................................................................. XVI
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................. XVII
RESUMO
Essa dissertação analisa as ações abolicionistas praticadas pela Sociedade Libertadora de
Benevides, uma sociedade que atuou na colônia agrícola de Nossa Senhora do Carmo de
Benevides composta em sua maioria por migrantes cearenses. Em 30 de março de 1884, anos
antes de promulgada a Lei Áurea, essa localidade resolve libertar-se da mão de obra escrava
corroborando para o aumento das fugas escravas em direção à colônia, fato este que vinha se
dando desde o início da década de 1880. A crescente presença de escravos fugidos no núcleo
acarretou na insatisfação dos senhores de escravos da região, que passaram a requerer junto às
autoridades provinciais uma medida que solucionasse a questão. Ocasionando conflitos, forte
repressão policial e vigilância constante a colônia. Procura-se demonstrar ainda as conexões
abolicionistas existentes entre os membros da Sociedade Libertadora de Benevides e membros
de associações e sociedades abolicionistas, tanto da província do Ceará quanto a do Grão-
Pará. E perceber quais as implicações que essa rede relacional interprovíncias resultou no
modo de ação da sociedade abolicionista em Benevides e sua relação com escravos e colonos.
ABSTRACT
This dissertation analyzes the actions taken by the Sociedade Libertadora de Benevides, a
society that worked in agricultural colony of the Nossa Senhora do Carmo de Benevides
composed mostly of Ceará migrants. On March 30th, 1884, years before the Lei Áurea
enacted, this locality decided to free himself from the slave labor corroborating to the increase
in slave escapes corroborating the increase in slave escapes toward the colony, fact that was
already happening since the beginning of the 80s. The growing presence of escaped slaves in
the nucleus resulted in dissatisfaction of slaveholders in the region, which now require from
the provincial authorities a measure that would address the issue. Causing conflicts, heavy
police repression and constant monitoring the colony. It seeks to demonstrate the existing
abolitionist connections between members of the Sociedade Libertadora de Benevides and
members of associations and abolitionist societies, of the province of Ceará and the Grão-
Pará. And realize what implications this interprovincial relational network resulted in the
mode of action of abolitionist society in Benevides and its relation to slaves and settlers.
Keywords: Abolitionist Movement; Slaves and Settlers; Grão-Pará and Ceará; Benevides.
14
XIV
RESUMEN
Esa disertación analiza las acciones abolicionistas practicadas por la Sociedad Libertadora de
Benevides, una sociedad que actuó en la colonia agrícola de Nossa Senhora do Carmo de
Benevides compuesta en su mayoría por migrantes cearenses. En 30 de marzo de 1884, años
antes de la promulgada Ley Áurea, esa localidad resuelve libertarse de la mano de obra
esclava corroborando para el aumento de las fugas esclavas en dirección a la colonia, hecho
este que venía dándose desde el inicio de la década de 1880. La creciente presencia de
esclavos huidos en el núcleo acarreó en la insatisfacción de los señores esclavos de la región,
que pasaron a requerir junto a las autoridades provinciales una medida que solucionase la
cuestión. Ocasionando conflictos, fuerte represión policial y vigilancia constante a la colonia.
Procurase demostrar aún las conexiones abolicionistas existentes entre los miembros de la
Sociedad Libertadora de Benevides y miembros de asociaciones y sociedades abolicionistas,
tanto de la provincia de Ceará cuanto a la de Grão-Pará. Y percibir cuales las implicaciones
que esa red relacional interprovinciales resultó en el modo de acción de la sociedad
abolicionista en Benevides y su relación con esclavos y colonos.
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE SIGLAS
APRESENTAÇÃO
O século XIX no Império Brasileiro foi marcado por inúmeras conquistas no campo
jurídico desde as suas primeiras décadas no que se referem à resolução da escravidão, tais
mudanças herdeiras de transformações no campo intelectual e cultural, principalmente,
decorrentes dos ideais Iluministas e Liberais do século anterior. Essas alterações denotaram
avanço na medida em que se procurou programar leis visando o retardamento e mais
timidamente o fim da escravidão, as pressões externas também foram importantes para que o
andamento desse processo não estancasse, as ações do movimento abolicionista francês e
inglês contribuíram com o deslanchar do abolicionismo no brasileiro. Esse comprometimento
com a causa da abolição mesmo tendo uma atuação ainda tímida, moderada e legalista
praticado por longo tempo no Império permitiu a promulgação de leis destinada a solucionar a
questão assim a primeira delas foi em 1831 ao determinar a fim do tráfico de africanos ao
território brasileiro. No entanto, o fim buscado não foi alcançado, pois, o governo brasileiro
fazia vistas grossas ao considerável aumento do tráfico nesse período a fim de salvaguardar os
interesses econômicos dos grupos ligados ao poder.
A crescente pressão inglesa em torno do descumprimento das normas por parte do
Império brasileiro causou uma crise diplomática, resolvida a contra gosto pelo Brasil através
da promulgação de outra lei estabelecendo novamente o fim do tráfico de negros em 1850,
mais conhecido como Lei Eusébio de Queiroz, a partir dela pode-se perceber a considerável
diminuição da entrada de escravos nos portos brasileiros até cessar completamente. Mas,
devido às mudanças no pensamento e comportamento mundial referente à questão da
escravidão agora vista como sinônimo de atraso e incivilidade, dessa forma nações que
mantinham o sistema escravista em voga era relacionado como representantes da barbárie,
atrasadas econômica e culturalmente, indignas de constarem entre as “nações civilizadas” e
livres da mão de obra escrava por considerá-las degradantes. Assim a necessidade de
encontrar meios efetivos que eliminassem o trabalho escravo em solo brasileiro foi sendo
tomada pelo Parlamento, procurando sempre manter a tranquilidade da ordem social e
manutenção do direito a propriedade ferimento minimamente os proprietários de escravos.
No que se refere à relação simbiótica entre escravidão e liberalismo Alfredo Bosi1
aponta que seria lembra a compreensão das ressignificações que a sociedade brasileira fez
sobre tais conceitos no XIX. No que entende as articulações da ideologia liberal lado a lado
1
BOSI, Alfredo. “A Escravidão entre dois Liberalismos”. Revista Estudos Avançados. Vol. 2. nº 3. São Paulo,
1988. P. 4-39.
18
XVIII
com a prática escravista no período imperial deve ser observado sob o ponto de vista do
pensamento da classe política dominante “que se impôs nos anos da Independência e
trabalhou pela consolidação do novo Império entre 1831 e 1860 aproximadamente.” 2 Não
estando completamente pronta para aceitar (ou não interessando) a ideia de um liberalismo
desvinculado do trabalho servil, fenômeno que será destaque apenas nas décadas finais do
Império brasileiro a partir de um maior contato com o ideal republicano permeado por
características positivas comteanas, verá na manutenção da escravidão um empecilho e
desenvolvimento da jovem nação brasileira.
Nesse sentido, o Brasil independente procura preservar e revigorar o escravismo ao
desconsiderar a questão na constituição e na instalação de uma monarquia encabeçada por um
luso, o que para Carlos Lessa 3 a experiência brasileira sob esses ângulos “fornece um exemplo
pedagógico, pois entre a institucionalização do Estado Nacional e o delineamento da nação
como território e povo, transcorreu-se quase um século.”4 Com as mudanças ocorridas ao
longo do Império José Maia Bezerra Neto5 demonstra a o desenvolvimento da apropriação
pelo movimento abolicionista do discurso nacionalista, com o fim de libertarem a nação da
escravidão e assim torná-la apta a estar entre as demais nações civilizadas e prósperas.
Conferindo desse modo legitimidade ao movimento uma vez que “que lutar pela libertação
dos escravos seria completar a obra inacabada dos fundadores da pátria brasileira,
emancipando o solo brasileiro da última herança do domínio colonial português.”6
Ao direcionarem a discussão sobre o tema buscava-se esvaziar as ações escravas que
fomentaram tais discussões e ao mesmo tempo apaziguar os ânimos de abolicionistas e
cativos, Eduardo Spiller Pena 7 salienta que os debates foram intensos no Parlamento devido à
crescente pressão interna e externa para que fosse resolvida a questão da liberdade escrava,
fatores esses que culminou na promulgação da Lei Rio Branco de 28 de setembro de 1871,
mais conhecida como Lei do Ventre Livre que libertou o ventre escravo entre outras
deliberações que proporcionaram mais meios de requerer sua liberdade por meio legal. No
entanto, o clima de contestação não refreou por muito tempo, pois com o adentrar dos anos
1880 o Império vê-se as voltas de uma radicalização do movimento abolicionista de Norte a
2
BOSI. Op. Cit. P.4. 1988.
3
LESSA, Carlos. “Nação e nacionalismo a partir da experiência brasileira.” Revista Estudos Avançados. Vol. 22.
nº 62. São Paulo, 2008. P. 237-256.
4
LESSA. Op. Cit. P. 238. 2008.
5
BEZERRA NETO, José Maia. “A segunda independência. Emancipadores, abolicionistas e as emancipações do
Brasil”. Revista Almanack. nº 2. Guarulhos, 2011. P. 87-100.
6
BEZERRA NETO. P. 92. 2011.
7
PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial. Jurisconsultos, escravidão e a lei de 1871. Campinas, São
Paulo: Editora da UNICAMP, Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 2001.
19
XIX
Sul, através dos planos de ação das associações e sociedades abolicionistas e aumento das
fugas escravas.
Nesse contexto, merece destaque o movimento abolicionista da província do Ceará
que através da Sociedade Cearense Libertadora conseguiu libertar os escravos daquela região
fato este que animou as demais províncias vizinhas, entre elas, o Amazonas e o Grão-Pará. As
repercussões das libertações ocorridas no solo cearense fizeram-se sentir tanto em Manaus
quanto em Belém, que em seguida procuraram promover a libertação dos escravos em seus
territórios um fator muito importante para que se dessem continuidade a esses planos de ação
foram as conexões abolicionistas existentes entre os membros das associações e sociedades
abolicionistas nas três províncias. No Grão-Pará a atuação da Sociedade Libertadora de
Benevides, criada, instalada e composta por cearenses em sua grande maioria possibilitou o
agenciamento, acoutamento e direcionamento dos escravos em fuga na região de Belém,
causando desorganização na força de trabalho escrava e consequentemente descontentamento
por parte dos senhores, ocasionando a repressão pelas forças públicas.
No capítulo I tratar-se-á da libertação dos escravos na colônia de Nossa Senhora do
Carmo de Benevides, composta em sua maioria por cearenses e sua repercussão na imprensa
paraense e cearense. Bem como, perceber como a libertação dos escravos no Ceará
influenciou a promoção do evento libertador na colônia cearense, analisa-se também como a
migração cearense àquela localidade foi importante no desenrola do movimento abolicionista
de Benevides. E por fim, destacar as conexões abolicionistas existentes entre os membros da
Sociedade Libertadora de Benevides e o abolicionismo de Belém e do Ceará, através das
relações pessoais, amizade e solidariedade.
No capítulo II a discussão girará em torno das fugas escravas, devido ao status de livre
da mão de obra escrava que o núcleo agrícola toma para si e as implicações que a presença
desses escravos causará a sociedade local. Serão tratados também como se davam as relações
entre colonos e escravos, colonos, escravos e a Sociedade Libertadora, as redes de
solidariedade e afeto entre esses sujeitos sociais, a utilização da mão de obra escrava fugida
que chegava a colônia e das práticas abolicionistas e radicalidade da sociedade abolicionista
atuante em Benevides.
O capítulo III traz como proposta a análise da repressão e resistência do movimento
abolicionista de Benevides a partir do auto crime realizado na localidade, após o
arrombamento de cadeia promovidos pelos escravos acoutados na colônia e por colonos
contrários a ação da autoridade policial, visando retirar uma escrava que havia sido presa
horas antes do conflito. Observando as visões de colonos, autoridades policiais e províncias
20
XX
CAPÍTULO I
11
Idem. Ibidem. P. 155. 2008.
12
O periódico Diário de Notícias (1880-1898) foi fundado por Costa & Campbell, teve ao longo de sua vida
vários redatores e proprietários, tendo sido redigido por Felipe José de Lima e Frederico Augusto da Gama e
Costa. Entre os anos 1896-97 circulou com o subtítulo “Órgão do Partido Republicano Democrata”, seu primeiro
número saiu em 26/02/1880. Confira: Jornais Paraoaras. Catálogo. BPAV
13
ARANHA, Giovana Barbosa. “Ondas Abolicionistas:” Repercussão das libertações das províncias do Ceará
e Amazonas na província do Grão-Pará. 1881-1888. Monografia. Universidade Federal do Pará. 1997.
23
mais justo para uma província que se considerava a vanguarda da campanha abolicionista. O
trecho que segue demonstra claramente o sentimento partilhado por parte dos abolicionistas
paraenses ao verem seu “sonho perdido”:
Sabes porque tive inveja?
Por não ter sido este magnanimo movimento por theatro a nossa
opulente e prospera provincia, ou antes a Liverpol Brasileira... 14
14
Diário de Notícias. Viva o Ceará. 26/04/1883. P.2.
15
Diário de Notícias. Eia! Paraenses. Solicitados. 24/05/1884. P.3.
16
Diário de Notícias. Revista Jornalística. 27/03/1884. Grifo Meu.
17
Diário de Notícias. Movimento abolicionista. Editorial. 03/08/1881. P.1.
18
Diário de Notícias. Festa da Liberdade. 26/05/1883. P.2.
24
tornaram-se mais presentes e ativas no sentido de inventar novas práticas culturais 19. Sendo
que nas províncias do Grão-Pará e do Ceará, além da atuação das sociedades e associações
ocorreu também à disseminação dessas novas ideias através da literatura e da imprensa 20, no
caso cearense, Carlos Caxilé 21 e Eylo Rodrigues22 concordam no que diz respeito à Sociedade
Cearense Libertadora, ter sido a mais importante entre as associações do gênero que atuaram
no Ceará. Conquanto, conseguiu congregar em torno de si, além de um periódico (O
Libertador) “jornalistas, poetas e intelectuais diversos. Muitos desses estavam diretamente
ligados e comprometidos com um setor burguês, atuante no ramo comerciário, e constituíam
uma geração “bacharelesca.”” 23 Fato que não necessariamente coloca os membros da
libertadora cearense como sendo “os cavaleiros da esperança”, tal qual qualifica Raimundo
Girão24 e nem como simples propagadores em causa própria na visão de Gleudson Passos25,
Caxilé analisa a questão ao meio termo revelando uma complexidade que foge a uma visão
pontual.
Nesse panorama efervescente os membros das sociedades abolicionistas no Ceará
procuravam por mudanças que fizessem a sociedade cearense alcançar o padrão europeu de
civilidade, o que destacaria o Ceará no âmbito do Império se não com recursos em dinheiro,
pelo menos com ideias de progresso e práticas humanitárias, a exemplo do que seria a
Abolição. Assim filha de uma burguesia emergente, a intelectualidade cearense apropria-se
dos pressupostos do evolucionismo, com o qual atribui ao povo cearense a ideia de força e a
experiência da resistência às intempéries como as secas. Era importante àquela geração entrar
em contato com as “teorias do progresso” para que pudesse superar as limitações infligidas
por condições naturais ou humanas.
No campo simbólico os termos forte, moderno e emancipado eram palavras-chave
para acessar o conteúdo semântico-discursivo adjacente à subjetividade daquela classe
emergente.
19
Para melhor detalhamento dessa questão confira: ALONSO, Ângela. “A Teatralização da política: A
propaganda abolicionista.” Seminário Temático Sociologia, História e Política. Programa de Pós-Graduação em
Sociologia, USP. P. 1-32. 2010b.; _______. “Associativismo avant la lettre – as sociedades pela abolição da
escravidão no Brasil oitocentista.” Revista Sociologias, ano 13, nº 28. P. 166-199. Set/Dez 2011.
20
LIMA, Helder Lameira de. O Poder da Pena e do Discurso: Os Jornalistas e os Legisladores Paraenses no
Movimento Abolicionista em Belém (1870-1888). Monografia. Universidade Federal do Pará. 1999.
21
CAXILÉ, Carlos Rafael Vieira. Olhar para além das efemérides: ser liberto na província do Ceará.
Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2005.
22
RODRIGUES, Eylo Fagner Silva. As Ambiguidades de um abolicionismo radical. A Sociedade Cearense
Libertadora. Entre o mito e a História Social (1880-1884). Monografia. Universidade Federal do Ceará. 2007.
23
Idem. Ibidem. P.11.
24
GIRÃO, Raimundo. A Abolição no Ceará. 4ª Ed. Fortaleza: Prefeitura Municipal de Maracanaú, 1988.
25
CARDOSO, Gleudson Passos. As Repúblicas das Letras Cearenses: Literatura, Imprensa e Política (1873-
1904). Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2000.
25
26
RODRIGUES. Op. Cit. P. 15. Apud CARDOSO. Op. Cit. P. 51.
27
BEZERRA NETO. Op. Cit. 2011.
28
ALONSO, Ângela. “O abolicionista cosmopolita: Joaquim Nabuco e a rede abolicionista transnacional.”
Revista Novos Estudos (88). Novembro-2010. P. 55-70.
29
Idem. Ibidem. P. 56.
30
Idem. Ibidem. P.59.
26
eventos antiescravistas. Procurou-se tecer relações cada vez maiores com o fim de dar mais
força ao movimento, e assim abranger um número mais amplo de adeptos à causa servil,
investindo em manobras diversas para alcançar o seu objetivo, principalmente após o
enrijecimento da repressão imperial ao movimento abolicionista a partir de 1884.
Além de manter as estratégias de mobilização anti-escravistas já em
uso, os abolicionistas investiram em novas, emprestando das
experiências abolicionistas estrangeiras. Fizeram escolhas no interior
desse repertório constrangidos pela tradição política local e pelas
variações das oportunidades políticas. 31
Ver-se-á que essa ideia de pertencimento a determinada sociedade ou povo, fez com
que se insistisse na existência de diferenças entre cearenses e paraenses na colônia agrícola de
Nossa Senhora do Carmo de Benevides no Grão-Pará. Pois, esse mesmo sentimento
nacionalista colaborativo a permanência da escravidão negra serviria como discurso para que
em fins do século XIX os abolicionistas lutassem pela libertação dos escravos, entre elas a
Sociedade Libertadora de Benevides.
31
ALONSO. P. 7. 2010b.
32
Confira: ARANHA. Op. Cit. 1997.
27
Belém, representada pelo Diário de Notícias procurava convencer seus leitores dos benefícios
de se lançar a essa proposta libertadora.
Com isso, percebe-se na imprensa paraense e principalmente no Diário de Notícias
essa necessidade de reavivamento do movimento abolicionista paraense que a seu ver parecia
estar definhando e que tão logo dever-se-ia atentar para se equiparar ao Ceará, visando não
perder lugar de destaque dentro do movimento abolicionista para isso era necessário que
“sigamos o exemplo sublime dos cearenses.” 33 A libertação dos escravos em Fortaleza a 25 de
março de 1884, foi importante na medida em que fez “renascer” os brios abolicionistas do
Grão-Pará, segundo a redação do Diário de Notícias, pois já não se tinha a “vanguarda no
34
grande prélio humanitario, como tanto era o nosso dever” era importante não perder-se
muito tempo para que não corressem o risco de serem os últimos a engendrar tais medidas.
Assim após a notícia do início das libertações no Ceará desde o ano anterior a colônia
agrícola de Nossa Senhora do Carmo de Benevides, povoada quase que inteiramente por
colonos cearenses organizaram comemorações em homenagem ao ocorrido, tendo sido eles
anunciados na imprensa.
Correram animadissimos os festejos do dia 24, promovidos pela
colonia cearense a fim de commemorarem a data jubilosa da
redempção da capital do Ceará. (…)35
Percebe-se uma inteiração por parte dos moradores de Benevides aos assuntos que se
davam na província cearense, devido à proximidade da colônia com Belém e
consequentemente com as notícias sobre o Ceará publicadas na imprensa entrando em contato
com as ideias advindas de sua terra natal, ocorrendo um intercâmbio de ideias entre o Ceará e
Benevides. Além do que a Sociedade Libertadora de Benevides oficialmente criada em 30 de
março de 1884, era composta principalmente por pessoas da colônia, mas também por nomes
ligados ao movimento abolicionista de Belém como os senhores Dr. Domingos Olympio
Braga Cavalcante, Dr. Bemvindo Gurgel do Amaral e Dr. Pedro de Moraes Bittencourt,
ambos advogados que atuavam junto a libertação de escravos. Bem como, a participação de
pessoas com certa influência no Ceará como o senhor Francisco Alves Barreira Cravo, vice-
presidente da dita associação e sempre que possível passava uma temporada em sua província
natal, sendo que lá também tinha ligações com o movimento abolicionista.
33
Diário de Notícias. Eia! Paraenses. Solicitados. 24/05/1884. P.3.
34
Diário de Notícias. Revista Jornalística. 27/03/1884. Grifo Meu.
35
Diário de Notícias. Festa da Liberdade. 26/05/1883. P.2.
28
Em vista disso, quando Fortaleza é declarada livre em 1884, cinco dias após o
acontecimento os membros da sociedade abolicionista em Benevides promovem a libertação
de seu território em homenagem à sua província de origem.
A Libertação de Benevides
A colonia cearense que prepondera no núcleo de Benevides, animada
pelo movimento abolicionista de sua provincia natal, que hoje dá o
ultimo golpe na escravidão, e pelo andamento que nota na via-ferrea
de Bragança, pretende declarar livres todos os escravos alli existentes,
no dia 30 d’este mêz. (...)36
Seguindo os passos do movimento abolicionista cearense os membros da Libertadora
de Benevides procuraram manter assim os laços com sua terra natal, embora seja importante
deixar claro que o movimento abolicionista de Benevides através da SLB poderia estar agindo
por interesses próprios e não como uma mera reprodução, mesmo que tivessem conhecimento
das ações de outras sociedades no Ceará.
36
Diário de Notícias. A Libertação de Benevides. 25/03/1884. P.2. Grifo Meu.
29
37
A Constituição. Liberdade em Benevides. 01/04/1884. P.1. Grifo Meu.
38
O periódico A Constituição (1874-1886) era de publicação vespertina, Órgão do Partido Conservador. Seu
proprietário era o Cônego Manuel José de Siqueira Mendes. Confira: Jornais Paraoaras. Catálogo. BPAV.
39
A Constituição. A Redempção de Benevides. 29/03/1884. P.2. Grifo Meu.
30
periódico também conservador o Cearense. O mesmo evento foi noticiado de modo diferente
pelo Liberal do Pará40:
A sociedade emancipadora de Benevides convida a todas as
associações litterarias emancipadoras e beneficentes para a festa
redentora que terá logar em Benevides para solemnisar a libertação de
todos os escravos existentes no territorio da colonia. (restante
ilegível) 41
Vê-se que o discurso empregado pelo Liberal do Pará difere da Constituição ao deixar
de expor uma posição mais conservadora, no entanto, ao adjetivar a SLB como sendo
emancipadora, já nos dá ideia de que não era totalmente consonante com a linha mais radical
do movimento abolicionista. Pois, tem-se que o termo emancipador está diretamente ligado a
um raio de ações mais legalista, portanto mais voltado a uma libertação gradual da mão de
obra escrava. Vemos que a “sociedade emancipadora de Benevides” promoveu as
comemorações que se deram no dia 30 de março de 1884, e que parte da sociedade paraense
participou dessa solenidade.
Alceste Pinheiro42 faz uma discussão em torno das repercussões que se deram com a
libertação dos escravos no Ceará na imprensa católica, utilizando como foco de pesquisa o
jornal Apóstolo demonstrando as mudanças ocorridas no pensamento da Igreja Católica no
que se referiu à situação escrava 43. O que nos ajuda a compreender a presença do Bispo
Diocesano da província paraense nas comemorações em Benevides, além do que é importante
levar em consideração o ato político por trás desse evento, pois, mesmo que não concordasse
plenamente com as ideias envolvidas em torno das festividades era importante manter-se “as
vistas” neste que seria um excelente palco político. Aproveitando a presença do chefe de
governo e seus correligionários na ocasião.
Tendo essa difusão pela imprensa local de um caráter mais “ordeiro” o movimento
abolicionista de Benevides através da SLB obteve elogios e felicitações, no entanto a situação
40
O Periódico o Liberal do Pará (1869-1889) tinha circulação diária e era Órgão do Partido Liberal, propriedade
de Antônio Manuel Monteiro. Teve sua publicação suspensa por um tempo, voltando a circular sob a redação de
José Antônio Ernesto Pará-assu, substituiu o Jornal Amazonas saindo de circulação logo após 1889. Voltando a
ativa somente em 1890 com o codinome O Democrata. Confira: Jornais Paraoaras. Catálogo. BPAV.
41
O Liberal do Pará. Emancipação de Benevides. 29/03/1884. P.2.
42
PINHEIRO, Alceste. “A emancipação escrava no Ceará em um jornal católico.” Anais Eletrônicos do 8º
Encontro Nacional de História da Mídia. Disponível em: www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/8o-
encontro-2011-
1/artigos/A%20emancipacao%20dos%20escravos%20no%20Ceara%20em%20um%20jornal%20catolico.pdf/at
_download/file0catolico.pdf/at_download/file. P.53-60. 2011.
43
Para mais informações sobre o assunto, confira: CAMPOS, Eduardo. Imprensa Abolicionista, Igreja, Escravos
e Senhores. (Estudos). Disponível em: www.eduardocampos.jor.br/_.../e16.pdf.; PEREIRA, Carla Mendonça.
Abolição e Catolicismo. A Participação da Igreja Católica na extinção da escravidão no Brasil. Dissertação de
Mestrado. Universidade Federal Fluminense. 2011. Disponível em: www.historia.uff.br/stricto/td/1487.pdf.;
31
44
Durante a pesquisa na Biblioteca Pública de Benevides foi encontrado uma pequena compilação onde dava a
informação, de que a SLB teria sido criada em 1881 e não em 1884.
45
O Libertador. Do Norte. 21/09/83. P.3.
32
46
A Província do Pará. A extincção do elemento servil no Pará. 04/04/1884. Apud Álbum Histórico de
Benevides “Terra da Liberdade.” Páginas não numeradas. Grifo Meu
47
Sobre essa questão confira: NUNES. Op. Cit. 2008.
48
A Província do Pará. As cartas de liberdade. 04/04/1884. P. 2. Grifo Meu.
33
49
A Província do Pará. A extincção do elemento servil no Pará. 04/04/1884. Apud Álbum Histórico de
Benevides “Terra da Liberdade.” Grifo Meu.
50
BEZERRA NETO. Op. Cit. 2011.
51
Diário de Notícias. A Libertação de Benevides. 25/03/1884. P.2.
34
Vê-se a partir do discurso da imprensa que também em Benevides se teve todo um cuidado
para que se fosse criado uma “sensibilidade da audiência, envolvendo-a num clima
sentimental, que preparava uma apoteose”55, e que o efeito desejado era simplesmente
emocionar e a plateia fatores esses observados na propaganda abolicionista, principalmente na
década de 1880, segundo Alonso.
O orador extremece de alegria diante da festa que alli tem lugar (...)
Seguio-se a distribuição (...) de seis cartas de liberdade, ao som do
hymno da libertadora cearense, e n’um (?) tumulto de bravos, e flôres
arremessadas pelas senhoras presentes. (...)
Orou ainda os sr. Francisco Alves Soares, (...) [que] trouxe o auditorio
preso de seus lábios durante uma hora em que fallou com aquella
convicção intima, inabalável, com que o cearense falla de liberdade.
52
ALONSO. Op. Cit. 2010b.
53
A Província do Pará. A extincção do elemento servil no Pará. 04/04/1884. Apud Álbum Histórico de
Benevides “Terra da Liberdade.” Grifo Meu.
54
Idem.
55
ALONSO. Op. Cit. P.22. 2010b.
35
(...) A’ noite o sr. dr. Pinto Braga offereceu uma soirée dansante aos
seus convidados, a que prolongou-se até uma hora da madrugada o
que todos retiraram-se satisfeitos, com os corações repletos de
alegria e saudade por aquella festa de liberdade.56
Interessante ser observado ainda a constante presença de senhoras usando e jogando
flores da mesma maneira que “nos espetáculos culturais estrito senso, o publico atirava flores
em divas e ídolos, nas conferencias-concertos igualmente, a assistência jogava flores nos
artistas, mas também nos ativistas e nos “libertandos.” Uma prática que se popularizou a tal
ponto que, mesmo nos eventos abolicionistas em que não havia performances artísticas, as
flores passaram a ser usadas.” 57 Tal prática também é vista nas comemorações da libertação
de Benevides.
No entanto, a partir do momento em que a SLB mostra-se mais radical isso passa a
incomodar a imprensa paraense no que se referia ao modus operandi da libertação escrava
como a que ocorria na colônia Benevides, muito semelhante a que se dava no Ceará em face
de sua maior representação ser de migrantes cearenses e ainda por ter a SLB relações de
identidade com sua terra natal, não estava por isso agradando os representantes dos periódicos
A Constituição e O Liberal do Pará. Visando informar seus leitores sobre seu posicionamento
frente aos fatos no núcleo lançaram nota contra as ações dos abolicionistas cearenses frente à
Questão Servil, como pode ser visto no fragmento abaixo:
56
A Província do Pará. A extincção do elemento servil no Pará. 04/04/1884. Apud Álbum Histórico de
Benevides “Terra da Liberdade.” Grifo Meu.
57
ALONSO. Op. Cit. P. 23. 2010b.
58
O Liberal do Pará. TRANSCRIPÇÃO. 18/06/1884. P.3. Grifo Meu.
36
seus membros que visassem a liberdade escrava no mesmo período de ação da libertadora
benevidense. Ricardo Caires Silva 59 ao fazer estudo sobre esta sociedade abolicionista pode
observar que a sua composição era bastante heterogênea no que se refere à posição social,
coexistindo sujeitos de famílias tradicionais e mais pobres na mesma causa. E assim como a
libertadora benevidense, seus membros atuavam junto aos escravos procurando viabilizar a
liberdade dos mesmos seja através de fugas, acoutamentos ou fazendo representações juntos
aos tribunais, chegando a serem constantemente incomodados pelas autoridades policias
devido as suas ações. Ricardo Silva observa a relação no aumento na liberdade escrava a
partir dos meios legais e a atuação dos membros das sociedades abolicionistas, “ou seja,
embora os escravos tenham recorrido cada vez mais às autoridades policiais nos últimos anos
da escravidão, na maioria dessas situações eles o faziam na presença de militantes
abolicionistas, de quem recebiam guarida.”60
Nesse sentido, a posição de grande parte das associações e sociedades envolvidas com
a questão escrava na província do Grão-Pará, apesar de se desdobrarem pela causa, procurou
por vezes esvaziar a participação dos cativos no movimento abolicionista paraense objetando
dirigir suas ações e, assim, desestimular as fugas escravas, como conclui Bezerra Neto em
artigo sobre fugas escravas e abolicionismo na província paraense entre 1860 e 1888. 61 Nesse
sentido, a notícia veiculada pelo Liberal do Pará sobre o conflito deixa transparecer esse
modo ao focar a ação nos capitaneadores e não nos escravos:
(...) o subdelegado (...) mandou recolher á prisão a escrava Severa, da
propriedade de d. Maria Olympia da Silva de Azevedo (...) quando um
grupo de escravos, armados, em numero superior a 30, capitaneados
por dois cidadãos membros da sociedade alli existente, dirigiu se á
cadeia e, arrombando as portas da prisão, déra fuga á referida
escrava.62
Nota-se que a responsabilidade pelo conflito recai sobre os “dois cidadãos membros da
sociedade alli existente”, ao liderarem um grupo significativo de escravos esvaziando assim a
possibilidade de ação dos próprios negros. Demonstrando um direcionamento das ações
escravas por parte dos membros da SLB, haja vista que os escravos fugiam possivelmente
59
SILVA, Ricardo Tadeu Caires. “IÔ-IÔ CARIGÉ DÁ CÁ MEU PAPÉ”: A atuação da Sociedade Libertadora
Bahiana e a agência escrava nos últimos anos da escravidão (1883-1888). Anais Eletrônicos do 5º Encontro
Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. 2011.
60
Idem. Ibidem. P.9. 2011.
61
BEZERRA NETO, José Maia. “A VIDA NÃO É SÓ TRABALHO: Fugas escravas na época do abolicionismo
na Província do Grão-Pará (1860-1888).” Caderno de Filosofia e Ciências Humanas. V. 12, nº 1/2. Belém:
UFPA. P. 141-154. 1993.
62
O Liberal do Pará. Desordens em Benevides. 22/08/84. P.3. Grifo Meu.
37
Está presente na relação entre Benevides e o Ceará, com seus respectivos movimentos
abolicionistas a ideia de um abolicionismo pioneiro tendo no caso cearense a frente da
questão a Sociedade Cearense Libertadora, como discute Eylo Rodrigues 63 sobre a
manutenção ou ainda, a construção de uma imagem do povo cearense como sendo pioneiro do
abolicionismo no Império na medida em que os seus membros propagavam essa ideia. Assim
essa agremiação procurou trabalhar em torno do discurso de um pioneirismo cearense, tendo
por seu veiculador de ideias o periódico o Libertador.
Ao Ceará!
O dia 25 de março de 1884 marcará na historia patria uma éra
grandiosa e immorredoura, pois relembrará a redempção dos cativos
n’esta brioza provincia.
Este exemplo, dado pelo Ceará será um poderoso incentivo ás suas
irmãs do Norte e Sul do imperio, para que, imitando-a possão dentro
do mais curto espaço de tempo, formando uma só constelação, entoar
o hymno da verdadeira confraternisação de todos os brazileiros.
Que o grito do Ceará, como o do Ypiranga, seja repetido do
Amazonas até o Prata.64
Esse elemento pioneirístico e cívico também podiam ser observados no discurso da
imprensa paraense em torno da libertação dos escravos em Benevides, costurando essas
identidades entre os dois pontos:
Pelo glorioso commetimento do dia 30, constente na declaração
solemne da extincção da escravatura no territorio da ex-colonia
Benevides, expressamos á sociedade emancipadora d’aquella
localidade as nossas congratulações sinceras. Cremos que o facto que
se vae festejar é ainda o resultado do esforço congregado dos
cearenses residentes em Benevides, os quaes constituem a quasi
totalidade dos habitantes da ex-colonia.
Sentimos uma certa satisfação assignalar esta circumstancia, que
avulta as glorias do espirito cearense, á cuja iniciativa perseverante
deve a civilisação nacional esse successo maravilhoso, faustosamente
proclamado em 25 de março, e que conquistou para o Ceará o titulo
honroso de – metropole do abolicionismo nacional. (...)65
63
RODRIGUES. Op. Cit. 2007.
64
O Libertador. Ao Ceará! 25/03/1884. P.1. Grifo Meu.
65
A Província do Pará. A sociedade emancipadora de Benevides. 30/03/1884. Apud Álbum Histórico de
Benevides “Terra da Liberdade.” Grifo Meu.
38
66
Idem.
67
BEZERRA NETO. Op. Cit. 2011.
68
Idem. Ibidem. P.96. 2011. Grifo Meu.
39
69
Diário de Notícias. Viva o Ceará! 25/03/1884. P.1.
70
A Província do Pará. A sociedade emancipadora de Benevides. 30/03/1884. Apud Álbum Histórico de
Benevides “Terra da Liberdade.”
71
O Libertador. Benevides Livre. 14/04/1884. P.2. Grifo Meu.
40
Telegrammas
A’ CEARENSE LIBERTADORA
Pará, 1º de Abril
Colonia Benevides livre de escravos no dia 30 de março.
Libertadora Benevides.72
Tendo a Sociedade Libertadora de Benevides enviado notícias da libertação de escravos
da colônia a Sociedade Cearense Libertadora, no Ceará, é interessante observar ainda a
similitude entre os nomes das duas sociedades abolicionistas haja vista ser uma filial da
Cearense Libertadora no Grão-Pará, como informou em nota o jornal o Libertador em 1882
quando Francisco Cravo esteve de passagem por Fortaleza. E também enviado telegrama
congratulando a libertação dos escravos no Ceará alguns anos depois, demonstrando a estreita
e longa relação entre a província cearense e a colônia agrícola de Benevides.
Salve! 25 de Março!
A’ HEROICA PROVINCIA DO CEARÁ
Pelo 3º anniversario da completa extincção dos seus escravos felicita-
a.
Colonia cearense.73
A notícia seguinte demonstra o ponto de vista dos redatores do Libertador que eram a
um só tempo, membros também da Libertadora Cearense, a já esperada libertação dos
escravos a partir da colônia cearense situada no Grão-Pará levantando novamente à questão
das constantes relações entre o movimento abolicionista cearense e benevidense.
LIVRE BENEVIDES!
Uma prova bem eloquente acaba de dar a provincia do Pará, de que é
verdadeiramente abolicionista.
Nem era de esperar que outra lhe tomasse o passo n’este glorioso
torneio, depois da heroica provincia do Ceará.
Iniciou sua carreira no dia 30 de março ultimo, lavando a mancha
negra da escravidão n’um pedaço de seo sólo, na Colonia Benevides,
onde uma grande parte dos filhos da soberba metropole do
abolicionismo, vive confraternizando comsigo.74
A libertação dos escravos em Benevides foi aos abolicionistas paraenses um passo
importante no caminho “rumo à civilidade”, evento noticiado de forma a envolver os
sentimentos patrióticos mais profundos na sociedade local. Tanto é verdade, que por ocasião
da libertação de Benevides foram dedicados seis colunas do jornal Diário de Notícias com a
notícia a “Redempção de Benevides. A idéa da abolição no Pará”, escrito por Gil Félix num
tom apologético aos feitos dos colonos cearenses chamando a atenção da sociedade local a
seguir aquele exemplo patriótico, que a colônia estava celebrando a fim de poderem navegar
em águas da civilização tal como, seus compatriotas o fizeram decorrendo no Ceará ter sido a
72
O Libertador. Telegrammas. 01/04/1884. P.3.
73
Diário de Notícias. SOLICITADOS. 25/03/1887. P.3.
74
O Libertador. Preludios da extincção do elemento servil no Pará. 17/04/1884. P.2. Grifo Meu.
41
primeira província livre do Império. O jornal Libertador também comunica aos seus leitores
sobre os frutos das ações do abolicionismo cearense na província paraense, pois justamente
“onde uma grande parte dos filhos da soberba metropole do abolicionismo”, habitava decidiu
por unir-se à sua terra natal tomando para si a responsabilidade da libertação escrava naquela
província.
76
Retirado do Álbum Histórico de Benevides “Terra da Liberdade”. 1984. Páginas não numeradas.
77
Confira a seção: Anexos.
43
78
A Província do Pará. Agradecimento e apello á imprensa e ao publico. Sem data e página. Apud Álbum
Histórico de Benevides “Terra da Liberdade.” Páginas não numeradas. Grifo Meu.
79
Confira a seção: Anexos.
80
O Liberal do Pará. Secção Livre. Programa da Festa da Redempção em Benevides. 29/03/1884. P.2.
44
81
A Província do Pará. A Extincção do Elemento Servil no Pará. 04/04/1884. Apud Álbum Histórico de
Benevides “Terra da Liberdade.”
82
NUNES. Op. Cit. P.168. 2008.
83
Registro de Casamentos em Benevides 1878-1879. Livro 6. CMB.
84
Confira a seção: Anexos.
45
estando inclusive envolvido no processo de libertação dos escravos em Quixadá, todavia sua
família possuísse escravos, como pode ser observado no caso do Capitão Antônio Ricardo da
Silveira Cravo que também era membro da Barreira & Cia ao impetrar judicialmente o
retorno de sua escrava Filomena, maior de 30 anos e mãe de três ingênuos por estar segundo
ele em depósito indevidamente aos cuidados do senhor Evaristo Madeira Barros, assim
procurava reavê-la em vista dos prejuízos que estava tendo com ela em depósito, após alguns
meses de processo Filomena voltou com seus filhos à propriedade de seu senhor. 85
Henrique Weaver 1º engenheiro da província e um dos responsáveis pela construção da
Estrada de Ferro de Bragança, figura recorrente nas solenidades de libertação de escravos das
associações e sociedades abolicionistas de Belém, acredito ter sido ele um dos importantes
elos para a chegada dos escravos em Benevides via estrada. Antônio José de Freitas Ramos,
cearense e fiscal das obras na construção da igreja. Abel Alves de Queiroz Lima, escriturário
da colônia na época da administração de Henrique Constard e professor da escola elementar,
padrinho de casamento dos colonos Joaquim José Vieira e Maria Joaquina da Conceição;
Antônio Geraldo d’Oliveira e Maria Francisca do Espírito Santo; Florâncio Madeira e
Albuquerque e Maria Joaquina do Espírito Santo.86
Domingos Olympio Braga Cavalcante, advogado em Belém, sobrinho de Martinho
Domiense Pinto Braga e assim como o senhor Bemvindo Gurgel do Amaral, também
advogado, esteve envolvidos em vários casos envolvendo a libertação escrava em Belém,
sendo eles ligados a redação do periódico A Província do Pará e sócios do Club Soares
Carneiro que possuía um caráter mais voltado ao emancipacionismo. Antônio Duarte Antunes
Balbi, foi Promotor Público de Vigia tendo sido exonerado do cargo em fevereiro de 1876,
oito meses depois assumiu também como Promotor Interino na Comarca do Marajó, em 1882
atuou como agente de correio na colônia Benevides.
Francisco Alves Soares, morador do núcleo, primo de Francisco Alves Barreira Cravo,
padrinho de casamento dos colonos Antônio Geraldo d’Oliveira e Maria Francisca do Espírito
Santo; Francellino José dos Santos e Maria Delphina de Jesus. 87 Miguel Leopoldo
Vasconcellos, morador da colônia, negociante, coletor de impostos em Benfica tendo sido
exonerado em setembro de 1884 pelo bem do serviço público, atuou como fiscal das obras da
igreja e em 1886 foi nomeado 1º suplente da subdelegacia de Benevides. Miguel de Lyra
Pessoa, cearense, morador do núcleo, padrinho de casamento de Miguel Pereira de Souza e
85
Auto de arbitramento e levantamento de depósito. Ações cíveis. Quixadá. Pacote 1. 1880-1917. APEC.
86
Registro de Casamentos em Benevides 1878-1879. Livro 6. CMB.
87
Idem.
46
88
Idem.
89
Idem.
47
CAPÍTULO II
90
Carta confidencial ao Exmo. Sr. Conselheiro Dantas. 05/07/1884. Fundo: Segurança Pública. Secretaria de
Polícia da Província. Série: Ofícios – Delegacias e Subdelegacias. 1884. APEP.
49
Subdelegado de policia desta povoação especialmente para prender os escravos que aqui
[Benevides] se achassem refugiados.”91 Posto que, ao que tudo consta, os escravos e também
colonos demonstravam sinais de insubordinação, e portanto, não aceitariam quaisquer
intromissões por parte da autoridade policial caso desejasse devolvê-los aos seus donos.
Frente a esta situação delicada e precavendo uma futura desavença entre a força policial e os
escravos, o subdelegado Carlos de Faria solicitou um reforço do contingente policial para
além das nove, que ele havia levado consigo ao núcleo quando da sua chegada.
Na mesma carta, já citada o Capitão Faria procurou salientar que a situação no núcleo
seria no mínimo tensa, na medida em que não estava sendo possível dar cumprimento ao
objetivo que o tinha levado à Benevides a pedido do Chefe de Polícia da Província. Ao
perceber que a situação dia após dia se tornava mais insustentável “requisit[ou] aquella
autoridade [Chefe de Polícia da Província] o auxilio de mais vinte praças, competentemente
municiados a fim de dar cumprimento a ordem recebida.”92 Ele justificava o pedido pelo fato
de que os escravos que chegavam ou, os que já se achavam refugiados recebiam instruções de
uma parcela dos moradores para nada temerem, afinal, “oppor[iam] resistencia a qualquer
porvidencia [sic] tomada contra elles” 93, tendo recebido a informação por uma pessoa da sua
confiança de que os escravos estavam recebendo até armas para sua defesa. Dois pontos são
levantados a partir da preocupação do Subdelegado: primeiro, ao que tudo indica os escravos
homiziados recebiam incentivos e armas para se oporem às tentativas de serem devolvidos aos
seus donos tanto por parte de membros da SLB, como também de outros moradores da
colônia simpáticos à causa dos escravos. Segundo, havia pessoas contrárias às posições
tomadas pelos escravos e agentes da SLB, na medida em que poderiam estar atuando como
“olheiros” do Subdelegado que afirmou saber de detalhes da resistência na localidade, através
de uma pessoa de sua confiança.
É perceptível nesse sentido a existência de uma relação controlada entre as fugas
escravas em direção à Benevides e as ações da SLB, pois os escravos que acabavam por viver
homiziados no núcleo “estariam protegidos e poderião vir sem mais problemas”, na medida
em que parecia haver um mínimo de estrutura relacional e física de vivência na colônia, posto
que tinham casas próprias ao redor do núcleo, quando não viviam com os membros da SLB,
bem como garantia de trabalho para manterem-se na colônia. Notam-se a partir desse ponto a
subterraneidade do movimento abolicionista de Benevides no momento em que são evidentes
91
Carta do subdelegado João Carlos de Faria ao Chefe de Polícia da Província. Fundo: Segurança Pública.
Secretaria de Polícia da Província. Série: Ofícios – Delegacias e Subdelegacias. 1884. APEP. Grifo Meu.
92
Idem. Grifo Meu.
93
Idem.
50
94
Idem.
95
Idem.
96
NUNES. Op. Cit. 2008.
97
Idem. Ibidem. 2008.
51
residentes para não voltarem ao domínio de seos senhores” 98, com promessas de resistência a
quaisquer prisões e reenvio dos fugitivos à capital “garantindo-lhes [mesmo] que [fosse] pela
força, se oppor[i]ão a qualquer ordem das autoridades contrária aos seos intentos.”99
E que diante dessa atitude dos colonos benevidenses em não querer entregar os
escravos fugidos, o Chefe de Polícia solicitara permissão para usar a força caso fosse
necessário a fim de “tomar providencias que restabeleção o imperio da lei n’aquella
colonia.”100 Pois, o Chefe de Polícia não desejava proceder de modo que pudesse contrariar as
ações do Governo Imperial no que se referia à Questão Servil, visto que era um assunto
delicado e carregado de interesses econômicos, políticos e sociais e que naquele momento
travava-se uma forte discussão no Parlamento em torno do Projeto de lei que se tornaria no
ano seguinte a Lei dos Sexagenários. Todavia, reiterava o alerta quanto ao perigo de não se
fazer caso do assunto ou mesmo na demora em atendê-lo, devido a pouca distância da colônia
em relação a capital. O Presidente da Província seguiu sua argumentação demonstrando que a
colônia receptora dos escravos em questão distava menos de 30 quilômetros de Belém e por
ser composta em sua maioria de cearenses, tornava-se a situação ainda mais perigosa devido
as ideias de liberdade que circulavam no Ceará, o que resultava em “pêssoas mal
intencionadas [que] procur[av]ão persuadil-os que pelo facto de [que] refugiarem-se n’aquella
localidade est[ari]ão livres.”101
Sobre as comunicações entre as autoridades provinciais e demais autoridades do
Império foram encontrados no Arquivo Público do Estado do Ceará 102 alguns livros de
registro dos telegramas recebidos pelas autoridades provinciais cearenses e demais
autoridades do Império, e percebi uma intensa troca de informação entre os presidentes das
províncias do Grão-Pará e do Ceará. Nesse sentido, penso ser válido ainda apontar aqui o
registro de vários telegramas trocados entre os presidentes de províncias do Grão-Pará e
Ceará, presidente do Conselho de Ministros, Ministro do Império, Ministro da Justiça,
98
Carta do subdelegado João Carlos de Faria ao Chefe de Polícia da Província. Fundo: Segurança Pública.
Secretaria de Polícia da Província. Série: Ofícios – Delegacias e Subdelegacias. 1884. APEP.
99
Idem.
100
Idem.
101
Idem.
102
Fundo do Governo da Província. Registro de ofícios da Presidência da Província dirigido á vários. Livro:
322. Caixa: 64. Prateleira: 35. Estante: 06. 1884.; Fundo do Governo da Província. Registro de ofícios da
Presidência da Província do Ceará dirigidos aos Presidentes da Província do Amazonas, Pará, Paraná, Mato
Grosso. Maranhão, etc. Livro: 323. Caixa: 64. Prateleira: 35. Estante: 06. 1884.; Fundo de Segurança Pública.
Secretaria de Polícia do Ceará a diversas autoridades fora desta província. Ofícios. Livro: 333. Estante: 44. 1878-
1891.; Fundo de Segurança Pública. Secretaria de Polícia do Ceará a diversas autoridades fora desta província.
Ofícios. Livro: 343. Estante: 44. 1885-1889.; Fundo de Segurança Pública. Secretaria de Polícia do Ceará a
diversas autoridades fora desta província. Ofícios. Livro: 345. Estante: 44. 1878-1886. APEC.
52
Como dito anteriormente, o Subdelegado Faria estava certo ao prever que tão logo
haveria um conflito direto entre a força policial e os escravos fugidos localizados em
Benevides, assim toda essa tensão deslanchou em 12 de agosto de 1884 quando uma preta
chamada Severa foi presa enquanto caminhava livremente pela colônia, acendendo a faísca
que faltava nas tensões entre os negros acoutados em Benevides e o poder provincial, devido,
como já falado, às crescentes fugas escravas para a localidade, principalmente após ter se
declarado livre da escravidão. A prisão da escrava resultou na tomada de decisão por parte
dos pretos em retirá-la a força da cadeia, o arrombamento causou muita confusão e um
conflito direto entre praças e os insurgentes. Sendo que depois de acalmados os ânimos
iniciou-se um processo de investigação criminal visando reprimir os culpados, tendo sido
inquiridos vários colonos. Entre eles, Gentil Augusto Soares, 40 anos, casado, comerciante,
paraense e morador de Benevides, que perguntado sobre o paradeiro dos fugitivos disse que
os escravos existentes na colônia desapareceram “pelas mattas depois da chegada da força
publica”103, ou seja, a forte repressão policial que se deu logo em seguida ao conflito
acarretou na fuga de muitos escravos da colônia, refugiando-se nas cercanias do núcleo.
Deixando para o capítulo seguinte os desdobramentos em torno dos conflitos de 12 de
agosto, a fala de Gentil Soares levanta a discussão sobre a moradia dos negros na colônia e a
contradição observada nos testemunhos arrolados no referido processo criminal torna essa
questão mais interessante, pois alguns dos inquiridos afirmaram que os escravos fugidos
viviam circulando livremente pela colônia e alguns moravam em casa de José Ferreira Braga,
principal réu acusado de ser o capitaneador do conflito, membro da SLB e, por isso, um dos
maiores incentivadores da fuga para Benevides. Outros, no entanto, haviam alegado que
muitos dos fugitivos possuíam habitação própria nas proximidades do núcleo, para onde
talvez tenham se refugiado quando a força policial chegou à colônia a fim de levá-los presos
como afirmou Gentil anteriormente. O que leva à outra questão: se o aumento de fugas em
103
Fala de Gentil Augusto Soares, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência e Arrombamento de
Cadeia contra José Ferreira Braga e outros. 1884. Cód.: 300.048.205.177-508 Diversos. Est.: N2 Not.:1. CMA.
53
104
SIQUEIRA, José Leôncio Ferreira de. Benevides: História e Colonização. Prefeitura Municipal de
Benevides: Bnevides-Pará. 2014. P.331.
105
Confira a relação nominativa na seção: Anexos.
106
Carta do subdelegado João Carlos de Faria ao Chefe de Polícia da Província. Fundo: Segurança Pública.
Secretaria de Polícia da Província. Série: Ofícios – Delegacias e Subdelegacias. 1884. APEP.
107
Ofícios ao Corpo de Polícia. 1884. Códice: 1795 mod. 17. Prateleira 01. APEP.
54
Percebe-se também uma constância na rotatividade dos praças enviados, mesmo nos
meses em que o número da guarnição era reduzido. Esse rodízio poderia estar ligada à tática
de segurança, pois quanto menos tempo os praças ficavam na colônia mais difíceis seriam as
probabilidades de criarem laços familiares e de amizade dificultando alianças com os colonos,
o que poderia prejudicar a tarefa inicial de busca e apreensão de negros fugitivos a fim de
serem restituídos aos seus senhores. Flávio dos Santos Gomes analisou as repercussões da
criação de laços de solidariedade entre desertores militares e acoutadores junto aos mocambos
desde o período colonial na Amazônia, fato que ocupou boa parte da atenção das autoridades
provinciais na região, pois com os “índios considerados emancipados, a população negra livre
crescendo e uma floresta sem fim, era cada vez mais difícil identificar e capturar fugitivos e
habitantes de mocambos na região.”108 Afinal, havendo rede de proteção e solidariedade
maiores seriam as dificuldades encontradas à realização das ordenações provinciais e um
consequente aumento nas fugas escravas, Luiz Carlos Laurindo Junior em sua dissertação de
mestrado trata das redes de sociabilidade e solidariedade no âmbito da escravidão urbana em
Belém para o período em questão, procurando demonstrar a importância de tais redes para o
sucesso ou não das fugas, da manutenção da liberdade pós fuga e promoção de estratégias de
liberdade escrava109.
Diante desse panorama de tensão medidas foram tomadas pelo governo provincial para
que as desordens ocorridas em Benevides não se espalhassem província a fora, como pode ser
visto nessa notícia do jornal Diário de Notícias, ao relatar a truculência da força policial
ocorrida no núcleo em 30 de agosto de 1884:
Essa diligência policial pode ser interpretada de forma a corroborar a ideia de tensão no
núcleo e medo de uma contaminação de rebeldia escrava pela província, demonstrando o
empenho da polícia em reprimir as fugas escravas em Benevides. E demonstra ainda a
108
GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: Mocambos, quilombos e comunidades de fugitivos no
Brasil (Séculos XVII-XIX). São Paulo: Ed. UNESP: Ed. Polis. P.81. 2005.
109
LAURINDO JUNIOR, Luiz Carlos. A cidade de Camilo: Escravidão Urbana em Belém do Grão-Pará
(1871-1888). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Pará. 2012.
110
Diário de Notícias. Os Negros Amarrados. 31/08/84. P.2. Grifo Meu.
55
anuência dos colonos cearenses frente à presença escrava na localidade, pois, “pernoitavam
dez infelizes escravos” em uma casa situada na colônia, ainda que o fator surpresa da
diligência estivesse relacionado com a possibilidade de nova fuga desses escravos caso
soubessem o intento da autoridade, deixando margem aqui para a interpretação de que os
próprios colonos estivessem repassando informações sobre a localização desses cativos ao
subdelegado Faria.
No entanto, a ideia que foi passada oficialmente destoava da apresentada pela notícia
acima como pode ser observado na documentação confidencial entre o Chefe de Polícia da
Província e o Presidente da Província João Silveira de Souza. O Chefe de Polícia procurou
manter a ideia de controle sobre o núcleo:
111
Carta do Chefe de Polícia José Joaquim de Palma ao Presidente da Província João Silveira de Souza.
14/08/84. Secretaria de Polícia do Pará. Ofícios. 1883-1884. Caixa. 401. Série: 13. APEP.
112
Idem.
56
pagamento das despesas na cadeia pública de São José, entre eles, Dionizio, Firmina,
Raymundo, Firmino, João, Januário, Felicíssimo, Alpones, Isaías e Ângela 113.
O depoimento de algumas testemunhas inquiridas no processo permite visualizar o
comportamento dos negros fugidos enquanto viviam na colônia, bem como suas relações com
os colonos demonstrando por parte de alguns o incômodo que causavam com as suas formas
de viver em liberdade. Domiciano Ferreira Lima Verde com 40 anos, casado, cearense e
residente na colônia, ao ser perguntado sobre o procedimento dos escravos respondeu ser de
grande tormento a presença deles circulando livremente, pois passavam as noites
“embriagados ao toque de rabecas, harmonias, fazendo gritarias, perturbando distante o
socego e a tranquillidade publica.”114 Nota-se nessa fala que não houve uma pretensa
unanimidade quanto à presença dos negros e das atividades da SLB por alguns moradores do
núcleo. O que nos leva a pensar que estes colonos contrários às práticas dos abolicionistas de
Benevides, puderam ter contribuído na denúncia e captura dos dez escravos que deram
entrada na Cadeia Pública de São José em fins de agosto. Mas, se for isso, quais motivos os
levaram a esperar tanto tempo para explanar suas opiniões?
Entre as várias explicações, uma que fica clara na documentação é a utilização do
trabalho desses escravos pelos próprios colonos, através do aluguel dos mesmos junto ao
responsável SLB, que tudo indicaria ser José Ferreira Braga. Em meio ao processo existem
dois recibos que confirmam o uso da mão de obra escrava pelos colonos. Neles são expressos
os valores do aluguel de alguns escravos ao senhor Ignácio Lopes Façanha, agricultor, casado,
cearense, 56 anos e morador na colônia de Benevides pelo tesoureiro da SLB, o então réu José
Ferreira Braga, tendo sido lavrada no Cartório de Benfica 115 referente à quantia “dada [como
pagamento do aluguel dos serviços] de cinco ou seis escravos fugidos ao preço de dous mil
reis diários”, comprovando relações entre integrantes da SLB e os colonos. 116
A documentação mostra Ferreira Braga como sendo o elo principal entre os colonos e
os escravos fugidos usando a locação do trabalho desses cativos, pois, o que se depreende das
falas das testemunhas é que era ele quem destinava os serviços a quase todos os escravos que
se achavam refugiados em Benevides, “onde [i]ão fazer todos os dias pela manhã sêdo saber o
113
Fundo Segurança Pública. Secretaria de Polícia da Província. Séries: Ofícios Cadeia Pública. 1882-1884.
APEP.
114
Fala de Domiciano Lima Verde, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
115
Durante a pesquisa fui até ao Cartório de Benfica para conferir a documentação do local e ver se encontrava
os possíveis contratos de trabalho entre a SLB e os escravos, ou alguma informação que trouxesse mais detalhes
acerca das relações entre colonos, escravos e a SLB. Não foi encontrado algo nesse sentido, no entanto, a viagem
não foi perdida, pois entrei em contato com uma documentação muito interessante sobre Benevides e seus
colonos.
116
Confira a seção: Anexos.
57
que h[avia] para fazer, é[ra] quem lhes fornec[ia] mantimento e ferramenta e também que[m]
receb[ia] os salários.”117 Os escravos acoutados em Benevides faziam os mais diversos
serviços na colônia como explica a testemunha Maria Pinheiro da Conceição, 30 anos,
paraense, casada e moradora no núcleo, quando lhe foi perguntado sobre como se ocupavam
os escravos disse que além de saber da existência de vários escravos fugidos vivendo
livremente na colônia, muitos se “occupavão em capinar e retirar madeiras.” 118
O relatório do antigo diretor da colônia Antônio Jorge Sobrinho, de 1880, apesar de
não se referir diretamente sobre o trabalho de escravos em Benevides serve para elucidar a
diversidade das ocupações e consequentes oportunidades que um escravo foragido poderia ter
para reunir fundos suficientes para comprar sua alforria. Estando entre os afazeres o
encoivaramento, limpeza e medição de lotes, a construção e manutenção da estrada entre
Benfica e Benevides, manutenção dos prédios públicos, reparo nos canaviais e capinais do
governo para o sustento dos animais, entre outros. Enfim, além de trabalharem diretamente
para os colonos, os escravos também atuavam na manutenção da Estrada de Ferro que cortava
Benevides como declarou Antônio Basílio de Meneses, soldado de polícia, 39 anos, casado,
sergipano, morador na Rua do Conselheiro Furtado, ao ser perguntado se sabia que os pretos
eram escravos, respondeu “sab[er] que éram escravos por lh’o terem dito, e que éra certo que
existião em Benevides muitos [escravos] fugidos de seos senhores por estarem trabalhando na
via-férrea [o que soube] com um conhecido [s]eu que também trabalha[va] la e dizia estarem
sob [a] protecção de Ferreira Braga.”119
Vicente Martins de Amorim, 38 anos, cearense, agricultor, casado e morador do
núcleo, confirmou o que o praça Antônio Basílio alegou sobre o uso de escravos fugidos
trabalhando na Estrada de Ferro de Bragança, reiterando saber que eram reconhecidos por
todos na colônia que os pretos eram fugidos haja vista que sempre apareciam esses tipos por
ali e sendo inteiramente estranhos a colônia. Esse último trecho da fala de Vicente Martins
demonstra como a situação de Benevides como receptora de escravos fugidos era cômoda em
alguns pontos, pois, mesmo quando alguns desses escravos agiam de forma desagradável na
visão de alguns, ao apontarem que os fugidos “passa[va]m a noute embriagados (...)
perturbando distante o socego e a tranquillidade publica” 120, os colonos benevidenses
utilizavam a mão de obra desses escravos ou tinham conhecimento do uso deles nos mais
diversos serviços no núcleo, apesar do conhecimento do ato de acoutamento de escravos ser
117
Fala de Ignácio Façanha Lopes, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. Grifo Meu. CMA.
118
Fala de Maria Pinheiro da Conceição, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
119
Fala de Antônio Basílio de Meneses, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
120
Fala de Vicente Martins de Amorim, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
58
crime, como afirmou Ignácio Lopes Façanha ao enviar uma carta121 ao subdelegado de
Benevides prestando esclarecimentos sobre as acusações que vinha sofrendo por parte de
alguns moradores sobre acoutamento e participação na SLB, tanto que, quando inquirido pelo
subdelegado negou fazer parte e/ou ter relações com qualquer sociedade abolicionista que ali
agisse ao mesmo tempo em que negou envolvimento no “acoutamento dos pretos fugidos,
pois que sab[ia] que é[ra] crime.”122
Além dos trabalhos exercidos na manutenção da Estrada de Ferro os escravos
trabalharam possivelmente nos vários engenhos existentes na colônia, entre eles o do italiano
Miguel Monte Fusco localizado entre as 1ª e 2ª transversais sendo ele a vapor para o fabrico
do açúcar e aguardente. Havia também o engenho a vapor antes movido à tração animal do
francês Jean Narcise Viens trabalhando com a produção de aguardente. Os colonos nacionais
João Francisco da Silva Leão, Rufino José de Barros e Ignácio Façanha Lopes também
possuíam engenhos voltados à produção de aguardente e açúcar embora mais modestos, o que
pode explicar o fato deste último ter alugado junto a Ferreira Braga alguns escravos. Em
inícios de 1881 o engenheiro e presidente da SLB Martinho Domiense Pinto Braga
entusiasmado com a prosperidade no núcleo, afirmou “ter em março do corrente anno um
engenho a vapor do melhor aperfeiçoamento, e convidando os emigrantes a [promoverem um]
grande plantio em canna para ser desmanchada de sociedade em assucar e aguardente.” 123 Ao
lado destes estabelecimentos havia ainda algumas pequenas engenhocas de madeira
destinadas a fabricação de rapadura e mel, três padarias, trinta casas de comércio e um
açougue demonstrando a viabilidade de encontrar bastante trabalho por parte dos escravos. 124
Uma ideia que salta das fontes no que se refere ao trabalho escravo é a constância em
enquadrar José Ferreira Braga e os demais envolvidos com as atividades da SLB, como sendo
aproveitadores da mão de obra escrava que se encontrava na colônia. Corroborando a ideia de
que a participação dos acusados no levante tinha a ver com o fato de participarem da SLB,
como afirma Domiciano Ferreira ao ser perguntado sobre qual a motivação que levou José
Ferreira Braga a atentar contra a autoridade local, dissera que “supp[unha] que a causa é[ra]
fazer parte elle Ferreira Braga de uma sociedade abolicionista e tornou-se por isso protector
dos escravos”125 que para lá se dirigiam.
121
Confira a seção: Anexos.
122
Fala de Ignácio Façanha Lopes, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. Grifo Meu. CMA.
123
Relatório da Presidência da Província do Pará. 15/02/1881. Relatório de Antônio Jorge Sobrinho, Diretor da
colônia Benevides. Anexos. P.166-180. Disponível em: www.crl.edu. Acesso em: 07 de abril de 2012.
124
Idem.
125
Fala de Domiciano Ferreira, servindo de testemunha. 1884. CMA.
59
3. Um quilombo abolicionista?!
Em vista dos pontos apresentados até aqui é possível pensar a colônia de Benevides
assumindo algumas características do “quilombo abolicionista” caracterizado por Eduardo
Silva129, que diferia do modelo tradicional de resistência quilombola cuja máxima entre seus
membros era a política do esconderijo, visando a proteção da sua organização interna e
126
SILVA. Op. Cit. 2011.
127
FONTES, Alice de Aguiar Barros. A prática abolicionista em São Paulo: os caifases (1882-1888).
Universidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo. 1976.
128
Fala de Vicente Martins de Amorim, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
129
SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura: Uma investigação de história cultural.
São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
60
sempre temerosa a quaisquer tipos de forasteiros mesmo que em muitos deles tenha
sobrevivido uma coexistência entre escravos, índios, homens pobres e livres, desertores, etc.,
como aponta Flávio Gomes. 130 Já no quilombo abolicionista que vem a surgir no contexto da
intensificação do movimento abolicionista “as lideranças são muito bem conhecidas, cidadãos
prestantes, com documentação civil em dia e, principalmente muito bem articulados
politicamente”131, assim acontecia com alguns membros da SLB, entre eles o engenheiro e
presidente Martinho Domiense Pinto Braga; Henrique J. Weaver, o 2º vice-presidente e 1º
engenheiro da Estrada de Ferro de Bragança; ou, Domingos Olímpio Braga advogado da SLB
em Belém e membro de várias associações em prol da libertação escrava, para citar alguns
exemplos. Este tipo de quilombo era também mais próximo das cidades, sendo resultado de
uma complexa e tênue negociação política e social, que lhe permitiu uma nova estratégia de
sobrevivência tendo como uma de suas características mais marcantes a boa localização.
Benevides, por sua vez, tinha na linha férrea da Estrada de Ferro de Bragança um
importante meio de locomoção de abolicionistas e não seria descabido imaginar que escravos
em fuga usassem ou fossem transportados clandestinamente nos vagões do trem rumo à
colônia. Por outro lado, à moda do quilombo abolicionista de Jabaquara ou Leblon, urbanos
ou semiurbanos, ou ainda próximos da área urbana, em Benevides ainda que distando 30 km
da capital paraense, a reunião de escravos fugidos na referida colônia era considerado
potencialmente perigoso pelas autoridades provinciais. Afinal, não seria tão distante de
Belém, lembrando ainda que o núcleo colonial de Benevides, ainda que agrícola, tinha um
centro urbano ou que se queria urbanizado.
Ainda segundo Eduardo Silva, o Quilombo Abolicionista do Leblon adquiriu muitos
inimigos entre os fazendeiros escravistas e os setores conservadores do Rio de Janeiro,
sofrendo pressões e boicotes em suas relações comerciais. Mas, devido à proteção dos
abolicionistas e mesmo da Princesa Isabel as incursões na localidade quase sempre eram
130
GOMES. Op. Cit. 2005.
131
SILVA. Op. Cit. P. 11. 2003.
132
Idem. Ibidem. P.19. 2003. Grifo Meu.
61
frustradas, devido essa rede de solidariedade e proteção que cercava o Quilombo do Leblon.
Em uma dessas muitas incursões ao quilombo os agentes dessa rede correram para prevenir o
Seixas (liderança do Quilombo do Leblon), em seu local de trabalho que os “agentes de
polícia iam varejar-lhe a fazenda e prender acoitados. Não se perturbou. Atirou-se para o
paço Isabel. A princesa ouviu-o com interesse e tranqüilizou-o. Falaria ao Imperador.
Realmente a autoridade não devassou os rosais do Leblon. (…)”133
Assim, como no Leblon, em Benevides as fontes demonstram a existência dessa rede
de proteção entre colonos, abolicionistas e negros fugidos incentivando fugas, dando abrigo e
trabalho àqueles que buscavam a colônia para viverem a sua liberdade. Acirrando o impasse
entre os interesses dos senhores, dos negros e dos abolicionistas, criando um clima perfeito
para o aumento das tensões e deflagração de força por parte das autoridades policiais. No
entanto, vale resguardar a informação de que em Benevides as relações comerciais não
pareciam estar sendo afetadas, como no Leblon, pois, Belém dependia muito da produção
advinda da localidade e querendo ou não a mão de obra escrava fugida no núcleo contribuía
para a continuidade da produção. No que se refere ao quilombo do Jabaquara em Santos,
Alice Fontes também comenta sobre a existência de uma rede de solidariedade e proteção
muito importante ao sucesso das ações perpetradas pelos membros dos Caifazes que
envolviam membros de vários setores da sociedade.
Benevides, todavia, era uma colônia agrícola de povoamento cearense e, portanto,
composta por pessoas livres, ao passo que o quilombo abolicionista mesmo tornando-se mais
visível e visitado por pessoas conhecidas e importantes da sociedade local, mantinha uma
composição majoritariamente de escravos e pretos livres. Fato este que não é observado em
Benevides, ainda que abrigasse em suas matas ou casas mais de 60 escravos fugidos. No
entanto, se for pensada essa questão a partir do ponto de vista escravo, aí sim a colônia
agrícola torna-se um quilombo abolicionista a partir do momento em que representara uma
possibilidade real de vivência livre, viver sobre si e para si, mesmo que por vezes
condicionados a trabalhos assalariados intermediados pela SLB a fim de torná-los livres mas,
tais decisões não deixavam de ser também tomadas por eles.
Retomando o uso do trabalho dos escravos fugidos, os questionamentos levantados ao
longo das inquirições dos colonos de Benevides acerca do uso indevido pelos membros da
SLB da mão de obra escrava, por parte da autoridade policial, encontrou reforço no
depoimento de Úrsula Maria de Lyra, 36 anos, engomadeira, pernambucana e moradora na
133
Idem. Ibidem. P.27. 2003. Grifo Meu.
62
colônia. Ela revelou que o motivo de ter ocorrido a retirada de Severa da cadeia fora porque
José Ferreira Braga tinha “os escravos fugidos á seo serviço e a escrava em questão [Severa]
[trabalhando] em sua casa.”134 Informação essa que foi reiterada por outra testemunha durante
o inquérito, que José Ferreira Braga se utilizava do trabalho dos escravos fugidos, como se
fossem de sua propriedade, como deixou claro Maria de Conceição de Lyra, 30 anos,
engomadeira, natural do Ceará, moradora na Travessa da Glória que afirmou por ouvir dizer
pela colônia que a tal Severa foi retirada da cadeia por estar “antes de ser presa ao serviço do
réo Braga em sua casa, e como se fosse sua escrava.”135
Aqui neste ponto cabe a discussão levantada pela historiadora Célia Maria de
Azevedo136 ao tratar do abolicionismo no Brasil e sua posição ambígua frente à questão da
libertação escrava, onde conservadorismo e radicalidade nem sempre eram posições
antagônicas nas práticas das associações e sociedades abolicionistas pelo Império. Afinal a
linha divisória entre o conservadorismo e radicalismo no movimento abolicionista brasileiro
era bastante tênue, portanto, o que se vê nas ações da SLB é justamente essa ambiguidade
inerente ao movimento abolicionista no Brasil, mesmo quando este se tornou mais atuante a
partir de 1880. A autora coloca a questão da seguinte forma:
Nesse sentido, as práticas de locação de serviço dos escravos fugidos aos colonos de
Benevides se enquadravam nessa linha onde o movimento abolicionista agia de acordo com o
método que considerava mais prático, até o momento em que as autoridades perceberam que a
situação alteraria a ordem e tranquilidade pública passando a reprimi-la. Sendo então os
membros da SLB descritos a partir do ponto em que ameaçaram um rompimento brusco com
as práticas moderadas e aceitas pelo sistema escravista, como salientou o Subdelegado de
134
Fala de Úrsula Maria de Lyra, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
135
Fala de Maria da Conceição Lyra, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
136
AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites no século
XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
137
AZEVEDO. Op. Cit. 1987. P. 88-89.
63
Nesse sentido, as práticas de locação de serviço aos colonos mediante pagamento de salários
aos escravos com o fim de arrecadar o suficiente para comprar sua liberdade, estava em
consonância com o abolicionismo no Império, bem como a estruturação de abrigo e/ou
moradia aos refugiados na colônia como confirmou Vicente Martins de Amorim ao informar
que a maioria dos fugidos ou quase todos possuíam domicílios próprios. Os Caifazes e
membros da SLB tinham em comum essa prática de promover fugas de escravos, davam
abrigo e trabalho a fim possibilitá-los a compra de sua liberdade, no entanto, vê-se que a SLB
punha em prática há mais tempo essa tática do que os Caifazes pelo fato de terem radicalizado
seu movimento somente a partir de 1887, segundo Alice Fontes. Assim a partir do momento
em optaram pela via da radicalidade ambas passaram a ser fortemente reprimidas e sendo
intitulados a partir de então como abolicionistas radicais e/ou abolicionistas convictos pelas
138
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
139
FONTES. Op. Cit. 1976.
140
Idem. Ibidem. P. 30. 1976. Apud ANDRADA, Antônio Manuel Bueno de. Publicações. Páginas Esquecidas.
In: Revista do Arquivo Municipal. São Paulo. LXXVII. Jun-Jul. 1941. P.267. Grifo Meu.
64
141
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Entre a mão e os anéis: a lei dos sexagenários e os caminhos da abolição
no Brasil. 2ª ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2008.
142
Para uma discussão mais detalhada confira: MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. O plano e o pânico:
os movimentos sociais na década da abolição. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, EDUSP. 1994.
65
Ferreira Braga alugava escravos foragidos a Ignácio Façanha Lopes recebendo em troca
recibos comprobatórios das locações “que elle testemunha sabe por que Ignacio Lopes
Façanha o procurou para dar uma parte [dos recibos] ao Subdelegado de Policia o que fez
effectivamente”143, percebe-se que havia um conhecimento geral dentro da colônia sobre as
práticas de locação de serviços de escravos fugidos pela SLB.
Vê-se que mesmo tendo optado pela via radical decorrendo em desentendimentos e
perseguições por parte das autoridades e senhores de escravos, tem-se que salientar que havia
espaço para ações consideradas legalistas dentro do movimento abolicionista benevidense.
Célia Marinho de Azevedo 144 analisa essa postura dos abolicionistas brasileiros frente aos
escravos ao compará-los com os abolicionistas norte-americanos que sempre procuravam
retratar os cativos como um irmão a ser libertado. Havia uma dificuldade dos abolicionistas
brasileiros em se distanciar da escravidão, pois para eles o sistema era algo bem real e
palpável, estava no dia a dia de cada um espalhado por todos os cantos do Império ao
contrário da realidade americana onde a concentração escrava se mantinha na porção sul do
país. Os abolicionistas brasileiros de forma geral nasceram e conviveram com essa realidade
cotidianamente e a partir de então procuraram mudar a si mesmos, objetivando alcançarem
uma mudança social e não mudar “os outros” ou mudar “alguém distante”, como no
abolicionismo norte-americano já que era característica daquele movimento considerar a
questão da escravidão de forma distanciada. Como exemplificado no fragmento abaixo:
143
Fala de Thomaz Raymundo Zachen, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
144
AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma história comparada
(século XIX). São Paulo: Annablume, 2003.
145
AZEVEDO. Op. Cit. P.107. 2003.
66
146
AZEVEDO. Op. Cit. P.110-111. 2003.
147
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
148
Idem.
149
Fundo Segurança Pública. Secretaria de Polícia da Província. Séries: Ofícios Cadeia Pública. 1882-1884.
APEP. Ver relação nominativa dos escravos e seus respectivos senhores na seção: Anexos.
67
150
A Província do Pará. A extincção do elemento servil no Pará. 04/04/1884. Apud Álbum Histórico de
Benevides “Terra da Liberdade”.
68
CAPÍTULO III
151
BEZERRA NETO, José Maia. Fugindo, sempre fugindo: escravidão, fugas escravas e fugitivos no Grão-
Pará (1840-1888). Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas. 2000.
152
BEZERRA NETO, Op. Cit. 2009. P.393.
153
BEZERRA NETO. Op. Cit. P. 297. 2000.
69
154
Diário de Notícias. Festa da Liberdade. 26/05/83. P.2.
155
Auto Crime de Resistência. 1884. Grifo Meu. CMA.
156
Art. 116. Oppôr-se [a] alguem de qualquer modo com força á execução das ordens legaes das autoridades
com patentes. (...) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm. Acesso
em: 22 de Junho de 2013.
157
Art. 123. Fazer arrombamento na Cadêa, por onde fuja, ou possa fugir o preso.
Penas - de prisão com trabalho por um a tres annos. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm. Acesso em: 22 de Junho de 2013.
70
todos armados de cacetes e paus dirigiram-se à casa, que servia de cadeia naquela localidade,
visando retirar de lá uma preta de nome Severa, presa na manhã daquele dia por ordem do
subdelegado João Carlos de Faria. Severa ao que tudo indica era escrava de Dona Maria
Olympia da Silva de Azevedo, moradora no Largo da Pólvora em Belém, que solicitou a sua
busca e prisão por fuga. Tendo sido encontrada transitando livremente pelas ruas da colônia
de Benevides quando foi presa a fim de ser remetida à capital, como determinava o desejo de
sua senhora, sendo realizada a captura segundo dizia o subdelegado, “sem a menor alteração
da ordem publica, ou de resistencia da supradita escrava (...).”158
As previsões que o subdelegado Faria teve em torno do que poderia acontecer no
núcleo caso não fossem tomadas providências rapidamente, devido ao crescente número de
escravos que ali chegava não demorou em concretizarem-se, os acontecimentos decorridos
foram muito rápidos, a ação policial repressiva, a instalação do processo, a inquirição das
testemunhas, a prisão dos envolvidos e o julgamento dos acusados. Percebe-se uma
necessidade de resolução deste caso o quanto antes, pois, o tempo entre o conflito e a decisão
do juiz dura cerca de seis meses. E por não ter aceitado o resultado de seu primeiro
julgamento o réu José Ferreira Braga remeteu recurso através de seu advogado ao Tribunal da
Relação de Belém visando reverter sua sentença, enquanto isso, o segundo acusado Antônio
Paulo dos Santos manteve-se foragido da justiça sendo encontrado somente em 1890 já na
República, sendo preso, inquirido e julgado pelo envolvimento no conflito de seis anos antes.
Pouco tempo depois do arrombamento da cadeia o subdelegado tomou conta do
ocorrido através do praça Antônio Bernardo de Sousa, no que seguiu correndo ao local do
levante e chegando a tempo de ver a escrava saindo da cadeia. Segundo consta ao chegarem
na “casa que serv[ia] de cadêa” os pretos encontraram resistência do pequeno número de
praças que lá se encontrava, todavia, não satisfeitos com o insucesso foram até os fundos e
abriram a porta da prisão de Severa, libertando-a em seguida. Ao presenciar esses
acontecimentos o Capitão Carlos de Faria deu voz de prisão a Ferreira Braga, a Severa, e aos
escravos participantes, não podendo, porém, efetivá-la visto que a força policial naquele
núcleo era exígua frente ao número de envolvidos. E ao perceberem a aproximação do
subdelegado, o grupo que libertou a escrava pôs-se a gritar “haja cacêtes!; haja páo!”
iniciando logo em seguida um conflito com os praças. Antônio Paulo dos Santos não foi preso
por ter sumido em meio ao tumulto que havia se instalado, de onde resultaram dois praças
feridos bem como Ferreira Braga.
158
Carta endereçada ao Chefe de Polícia da Província pelo Subdelegado de Benevides. 14/08/1884. Auto Crime
de Resistência. 1884. CMA.
71
Após a dispersão do grupo o subdelegado seguiu Ferreira Braga até a sua casa, para
onde se dirigiu quando terminou o conflito, com o fim de dar-lhe novamente voz de prisão, lá
chegando pode perceber que havia um número ainda maior de escravos, não se intimidando,
porém, com a situação passou a dar insistentemente voz de prisão a Braga, fazendo-se
cumprir o que a lei mandava. Chegando inclusive a ser ameaçado pela mulher do acusado
com um machado que se encontrava atrás da porta, caso ele pretendesse dar continuidade ao
que fora fazer pelo fato de Ferreira Braga ter insistido em resistir à prisão.
A situação ficou menos tensa com a chegada de Francisco Alves Barreira Cravo, o
Tenente Cravo, que ao perceber o ocorrido censurou “o procidimento do subdelegado
dizendo-lhe que elle estava comettendo um attentado contra a liberdade do cidadão” 159, em
seguida pediu calma aos escravos para não haver mais conflito algum, no que foi prontamente
atendido. O Capitão mesmo contrariado resolveu atender ao pedido do tenente Cravo e
voltou-se em direção à subdelegacia, sem não, antes deixar dois praças em frente à casa de
Ferreira Braga a fim de evitar sua fuga. No entanto, não obteve muito sucesso já que ele
conseguiu evadir-se para destino ignorado onde se manteve por mais de um mês foragido,
sendo finalmente surpreendido em sua casa após denúncias anônimas no dia 29 de setembro
de 1884.
Francisco Cravo falava com propriedade junto ao subdelegado por ter ele já sido o
subdelegado da colônia, não foi possível detectar o ano que ele exerceu o cargo, além disso,
ele configurava como vice-presidente da Sociedade Libertadora de Benevides quando da sua
oficialização em 30 de março de 1884, o que pode explicar, portanto, o modo de agir dos
escravos quando este pediu para se acalmarem, sabe-se ainda que ele mantinha estreita
relação com o Ceará e com sua cidade natal Quixadá fazendo visitas constantes sendo a
última antes do conflito em maio de 1884.160
Ao que parece o Tenente Cravo era alguém que detinha alguma importância e respeito
frente aos escravos e a Ferreira Braga pelo que se pode tirar das fontes, demonstrou ainda ter
ele tido algum tipo de relação política ou mesmo conhecimento de pessoas influentes que
possibilitasse seu acesso a subdelegacia de Benevides, haja vista que para assumir a função de
subdelegado era necessário haver indicação e consequente nomeação, cargo que havia
exercido também no Ceará, como consta na nomeação feita em 15 de novembro de 1868. 161
No que se refere ao conflito, Francisco Cravo visando evitar mais confusão pediu ao Faria que
159
Fala de Antônio Francisco de Queiroz, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
160
O Libertador. 21/05/1884. P.2.
161
Dom Pedro II. 15/11/1868. P.1.
72
fosse embora, e voltasse somente quando os sentimentos estivessem mais calmos, pois já que
não conseguira prender Ferreira Braga no momento da saída de Severa, fazê-lo naquele
momento seria problemático para todos.
2. Desordens ou Motim?
Dois dias após ter sido avisado pelo colono Domiciano Lima Verde, sob as ordens do
subdelegado sobre o que havia ocorrido na colônia, o Chefe de Polícia da Província José
Joaquim de Palma foi ao núcleo na tentativa de investigar a desavença, passando a inquirir
algumas pessoas sobre o ocorrido no que algumas delas afirmaram estarem Ferreira Braga e
Antônio dos Santos armados de cacetes, no momento em que assaltaram a cadeia e
apoderaram-se de Severa dando incessantes “vivas á liberdade” e/ou “vivas á liberdade do
Ceará.” Inclusive ameaçando matar qualquer um que se atrevesse tomar-lhes a escrava, e
teriam ainda conseguido matar o subdelegado se não fosse a intervenção dos praças. A
posição de irredutibilidade assumida pelo subdelegado frente à prisão de Braga fez com que
os ânimos tornassem a ebulir entre os escravos que lá estavam à espera do que faria a referida
autoridade. O colono Ignácio de Azevedo Jacuana, cearense com 72 anos de idade, lavrador,
casado e residente em Benevides, afirmou durante seu depoimento que viu Carlos Faria
intimar ao Braga ao passo que exigiu dos escravos a deposição dos cacetes que empunhavam
o que “(...) longe de acederem [sic], botaram-se contra o subdelegado”162 e ainda por sua
intervenção ele não foi vítima das agressões de um dos pretos que tentou acertar a nuca do
Capitão a fim de prostrá-lo ao chão, o que não conseguiu devido ao seu “espirito de
umanidade” junto ao subdelegado.
A deflagração dos acontecimentos entre colonos, escravos e a força policial na colônia
agrícola despertou o interesse da imprensa local acarretando em medidas repressivas urgentes.
A notícia sobre o mesmo acontecimento eram dadas de acordo com a posição política de cada
periódico. Surtindo assim diferentes reações na sociedade local tendo em vista o que afirma
Tânia de Luca onde “os jornais por serem representantes de determinadas camadas e/ou
grupos políticos da sociedade, tendem a filtrar as notícias para que se enquadrem aos
interesses das mesmas.”163 Observe o Diário de Notícias:
162
Fala de Ignácio de Azevedo Jacuana, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
163
LUCA, Tânia Regina de. “História dos, nos e por meio dos periódicos”. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org).
Fontes Históricas. São Paulo: Contexto. P. 111-153. 2005.
73
Aqui nota-se uma considerável diferença na descrição dos fatos onde se rotula a ação dos
envolvidos como sendo um motim perpetrado por alguns abolicionistas convictos, dando a
entender que estavam agindo de forma que feria os costumes, ou melhor, os direitos de
propriedade como se observa no trecho, “para d’ahi tirarem uma escrava mandada deter (...) à
requerimento da respectiva senhora (...).” E por fim, alerta “são os frutos que começam a
sazonar” se referindo ao perigo que estava sendo plantado na colônia devido à concentração
dos escravos, o que poderia causar mais reações rebeldes. Percebem-se a intencionalidade do
discurso conservador ao rotular os membros da SLB como “abolicionistas convictos” a fim de
indispô-los frente à sociedade paraense por considerarem suas ações fora dos padrões,
procurando dessa forma manipular a opinião pública a se tornar contra quaisquer medidas de
164
Diário de Notícias. MOVIMENTO EM BENEVIDES – LEVANTAMENTO DE ESCRAVOS –
ARROMBAMENTO DE CADEIA – INTERVENÇÃO DA FORÇA ARMADA – ANIMOS EXALTADOS.
14/08/84. P.2.
165
A Constituição. Diligencia a Benevides. 20/08/84. P.1. Grifo Meu.
74
3. A Hermenêutica do processo
166
PINTO, Luiz Maria da Silva. Diccionario da Lingua Brazileira. Typografia de Ouro Preto. 1832.
167
O Liberal do Pará. Benevides. 30/09/1884. P.3.
75
168
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
169
Idem.
170
Tito Franco de Almeida (1824-1899) cursou direito na Faculdade de Direito de Olinda, elegeu-se em 1856,
como deputado provincial na Assembleia Legislativa de Belém e dois anos depois foi eleito para o Parlamento
do Império. Confira: MONTEIRO, Elson Luiz Rocha. A Maçonaria e a campanha abolicionista no Pará: 1870-
1888. Dissertação de Mestrado em História. Universidade Federal do Pará. 2009.
76
pedido ao colono Gentil Soares fazer o mesmo, como este não havia conseguido o objetivo
seu marido resolveu ir pessoalmente tratar com o subdelegado.
Para nossa informante, o que levou Ferreira Braga a agir de maneira provocadora foi o
convencimento por parte de Antônio Paulo dos Santos, pois já o tinha ouvido dizer muitas
vezes para seu marido que, caso algum “escravo fôsse prezo seria por eles [membros da SLB]
retirados da cadea”171, todavia ninguém percebeu nem mesmo Maria Braga que ao afirmar
que eles os abolicionistas da região, como ela os adjetivou, estava incluindo seu marido na
medida em que infere-se que Antônio Paulo dos Santos se referia aos dois. A defesa de Maria
Braga continuou versando em transferir a culpa do ocorrido para Antônio dos Santos,
lembrando as autoridades sobre o estado de embriaguez que se encontrava Ferreira Braga no
derradeiro momento, já que ele possuía a “índole pacifica e assim não se devia esperar [dele]
tal acto.”172 No desejo de que fossem atenuados quaisquer motivos que desencadeassem a
continuidade da prisão ou mesmo elevação de pena, é interessante notar como a cearense se
utiliza do artigo 18173 do Código Criminal do Império e mais especificamente o parágrafo 9
em defesa do marido. Não foi possível saber com certeza se a informante teve algum auxílio
para utilizar essa manobra jurídica em favor de Ferreira Braga, mas pode-se inferir que a
mesma foi assistida pelo advogado da defesa como estratégia processual já que o referido
artigo trata da atenuação de pena em crimes praticados sob a influência de álcool, onde o
parágrafo 9 diz o seguinte:
§ 9º Ter o delinquente commettido o crime no estado de embriaguez.
Para que a embriaguez se considere circumstancia attenuante, deverão
intervir conjunctamente os seguintes requesitos; 1º que o delinquente não
tivesse antes della formado o projecto do crime; 2º que a embriaguez não
fosse procurada pelo delinquente como meio de o animar á perpetração do
crime; 3º que o delinquente não seja costumado em tal estado a commetter
crimes. 174
171
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
172
Idem.
173
Este artigo estava inserido no Capítulo III; Seção II versando sobre as circunstâncias agravantes e atenuantes
dos crimes assistidos pelo referido Código Criminal.
174
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm. Acesso em: 22 de Junho
de 2013.
77
tanta conta d’elles como de qualquer = corno casado.”175 Ao que replicou a informante que
seu marido não era nada do que bradava o subdelegado e que falasse com mais delicadeza em
frente de sua casa, pelo que respondeu o Capitão “que não fazia caso da canalha cearenses.”176
Ao longo do julgamento que durou cerca de sete meses o principal acusado mudou de
advogado ficando a cargo do caso o Doutor Antônio Raulino de Sousa Uchoa, embora não
ficassem explícitas as motivações para tal troca. Uma hipótese seria por ser ele conhecido ao
trabalhar com casos envolvendo a liberdade escrava 177. O processo seguiu e a promotoria
desistiu das testemunhas Eduardo Olympio Jorge e Ignácio de Azevedo Jacuana por terem
extrapolado o máximo de intimações determinadas por lei, sendo os mesmos nunca
encontrados para serem intimados. Todavia, seus primeiros testemunhos ainda quando das
inquirições feitas em Benevides foram validados como prova no decorrer do processo. Enfim,
a testemunha Antônio Francisco Bernardo contribuiu para o prolongamento da decisão do
juiz, o que levou o réu a ficar preso por todo esse tempo, haja vista que também foi muito
difícil deste comparecer às intimações. É válido notar que o fato das testemunhas não serem
encontradas para receberem sua intimação pessoal, contribuía para alongamento do tempo de
cárcere do acusado e consequentemente o impedimento de suas ações junto a SLB.
Ás onze horas do dia 11 de dezembro de 1884 na sala das audiências finalmente o
cearense José Ferreira Braga, agricultor, casado, 48 anos, residente em Benevides e filho de
Manoel Ferreira da Silva foi ouvido dando a sua versão ao ocorrido. O réu começou dizendo
que vivia no povoado desde agosto de 1877, sendo conhecido por quase todas as testemunhas,
com exceção dos soldados e que no momento do conflito estava em sua casa. Disse ainda que
a denúncia que lhe foi levantada era uma calúnia, pois, sua presença no local era evitar
qualquer desastre que o grupo de pessoas tinha se proposto a fazer, e dessa forma não poderia
ele ser o responsável pela retirada da escrava do cativeiro porque nessa ocasião achava-se em
frente à casa que servia de cadeia na espera do “Capitão do destacamento a quem havia
mandado chamar”178, quando finalmente percebeu uma confusão e barulho vindo dos fundos
do quartel no que se dirigiu para lá a ver o que estava acontecendo. Chegando ao local
encontrou um grupo de pretos e logo tentou acalmar os ânimos, o que teve efeito contrário,
pois acabou levando nessa ocasião uma pancada sobre a cabeça que o deixou sem sentidos por
175
Fala de Maria Ferreira Braga, servindo de testemunha. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
176
Idem.
177
Para saber de mais casos envolvendo o advogado confira: LOBO, Marcelo Ferreira. Direito e Escravidão:
Ações de liberdade em Belém na segunda metade do século XIX. Monografia. Universidade Federal do Pará.
Monografia. 2010.
178
Fala de José Ferreira Braga, servindo de réu. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
78
alguns instantes, tendo se recomposto somente no momento em que iam distante já tendo em
seu poder a escrava Severa.
Ao ser informado sobre as alegações das testemunhas em torno das intermediações do
aluguel da força de trabalho dos escravos junto aos colonos feitas por ele, sendo também
quem recebia os “sallarios” pagos pelos colonos, por ele ser o “responsavel pelos negros que
aqui [Benevides] acoutamsse” 179, disse conhecer muitos dos escravos que ali residiam, além
de saber seus nomes, porém eram tantos os escravos que ali andavam que não “sab[ia] [de
cabeça]; [mas] t[inha] o nome de alguns em uma lista que t[inha] na sua casa”180, não
afirmando nada, porém, sobre o recebimento de pagamento pelos serviços dos pretos e nem
sobre a existência ou não de sua responsabilidade sobre eles. A pergunta que fica diante dessa
resposta de Ferreira Braga, é por qual motivo teria em seu poder o nome de alguns escravos
escritos em uma lista guardada em sua casa? Tal afirmação pode ter passado despercebida
pela acusação, porém a meu ver sem se dar conta ele confirma seu envolvimento com a SLB e
o aluguel e organização do trabalho de escravos fugidos aos colonos.
O réu continuou sua defesa à acusação de resistência à prisão relatando que ao
recobrar os sentidos seguiu para frente do quartel quando “foi agarrado por dous soldados
para ser recolhido a prisão”181, mas nesse momento os soldados foram agredidos e “lançados
por terra por pessoas que elle não sab[ia] [dizer] quem foram.” 182 E ao perceber que não seria
mais impedido de seguir retirou-se para sua casa no que meia hora depois do conflito
apareceu para intimar-lhe ordem de prisão o Capitão Faria, mas ao perceber que havia mais de
duzentas pessoas em torno de sua casa pediu a ele, para que não houvesse alterações porque
ali eram quase todos pais de famílias, e portanto, seria melhor o subdelegado encerrar aquilo
tudo, “conselho que igualmente deo o Tenente Cravo que nessa ocasião appareceo.”183
E como prova de sua inocência alegou ter mandado chamar ao Capitão do
destacamento por três vezes antes do ocorrido, estar desarmado no momento do conflito e ter
ele “réo apanhado dos próprios [sujeitos] que constituião o grupo”184, completou ainda que o
verdadeiro envolvido no conflito era um homem conhecido por Antônio dos Santos, mas
infelizmente não podia informar ao certo seu envolvimento por não conhecê-lo. Fica-nos claro
neste momento como o depoimento de José Ferreira Braga entra em contradição com o de sua
esposa, onde em defesa do marido afirmou que a ideia de ir ao quartel veio de Antônio dos
179
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
180
Fala de José Ferreira Braga, servindo de réu. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
181
Idem.
182
Idem.
183
Idem.
184
Idem.
79
Santos por tê-lo convencido, e aproveitado seu momento de fragilidade devido à embriaguez
o que nos leva a inferir que se não eram amigos, no mínimo conheciam-se. As fontes
disponíveis não permitem saber se o réu falou a verdade quando negou conhecer Antônio dos
Santos, embora todas as testemunhas envolvidas e sua própria esposa confirmassem o
contrário, não fica claro também quais motivações levaram Ferreira Braga a negar amizade
com o referido. Mas, pode-se dar ao fato de ser uma escolha estratégica da defesa encabeçado
por Raulino visando garantir sua liberdade, o acusado em nenhum momento toca no fato de
possivelmente estar embriagado e nem ter sido influenciado quando aconteceu a confusão,
entrando mais uma vez em conflito com o depoimento de sua esposa e demonstrando a
manobra jurídica que ela procurou usar para livrar Ferreira Braga da prisão.
No dia 30 de dezembro de 1884 o Doutor Promotor Público da Província Adelino
Octávio de Miranda Corrêa lavrou a denúncia contra José Ferreira Braga e Antônio Paulo dos
Santos com base no corpo de delito e fatos narrados pelas testemunhas durante a primeira
audiência, onde concluiu que os réus citados capitanearam um grupo de escravos que se
encontravam em fuga na colônia de Benevides, seguiram em direção da casa que servia de
cadeia, arrombaram-na e puseram em liberdade a escrava Severa, sendo o estopim para a
deflagração das agressões. Bem como terem oposto resistência à ordem de prisão feita pela
autoridade legal a José Ferreira Braga através dos “escravos que capitaneava, associado ao
cidadão Antonio Paulo dos Santos.”185
Na leitura da Promotoria os acusados eram passíveis de pronunciamento186 nos artigos
116 e 123 do Código Penal do Império do Brasil, afinal os escravos deviam ser capturados e
os abolicionistas reprimidos. Assim, José Ferreira Braga foi incurso nos dois artigos acima
enquanto Antônio Paulo dos Santos, apenas no segundo, pelo fato de ter desaparecido durante
o conflito. Quanto aos escravos que tomaram parte no ocorrido a Promotoria deixou de emitir
parecer sobre quais pronúncias enquadrá-los, visto seus nomes serem desconhecidos. O artigo
116 refere-se à resistência a prisão por parte dos acusados podendo ser emitidas sanções de
seis meses a dois anos de prisão com trabalho forçado, tendo como fator agravante de um a
quatro anos em caso de ofensa física. Enquanto o artigo 123 do mesmo Código tratava da
promoção de fuga de presos com sanções que iam de um a três anos de prisão com trabalho.
185
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
186
Pronúncia: Decisão interlocutória com estrutura de sentença que remete os autos ao Tribunal do Júri por
considerar presentes todos os requisitos que tornam admissível a acusação feita pelo representante do Ministério
Público. É considerada de natureza mista, pois encerra a primeira fase do procedimento do júri (fase de formação
da culpa), dando início à segunda fase (preparação do plenário). Nela devem contar relatório, fundamentação e
dispositivo, seguindo a estrutura da sentença. Disponível em:
http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1070/Pronuncia. Acesso em: 22 de junho de 2013.
80
Até aqui José Ferreira Braga pegaria sete anos de detenção por ser incurso nos dois artigos e
ter tido como agravante os ferimentos feito aos soldados durante o conflito, enquanto Antônio
Paulo dos Santos apenas três por ter sido pronunciado somente no segundo artigo. Fica claro
na leitura do processo a tentativa da Promotoria em instigar a aplicação da pena máxima aos
acusados, sendo proposta também a adição do artigo 124 para elevar ainda mais a pena a ser
aplicada.
A promotoria achou por bem inserir mais esse agravante à acusação de Ferreira Braga
e Antônio dos Santos a fim de garantir a permanência dos mesmos na cadeia pelo maior
tempo possível, o que a meu ver serviria para mandar um recado aos demais membros da
SLB, de outras associações e mesmo aos escravos a não seguirem o caminho considerado
radical. Posto que as argumentações versassem sobre o modo astucioso do grupo ao atacar a
casa que servia de cadeia, principalmente ao fato de terem premeditado um ataque surpresa
tendo em vista a parca força policial na localidade. Procurando com isso conter o movimento
abolicionista de Benevides, bem como suas ações junto aos escravos ao manter as “cabeças”
da SLB aprisionadas, o que poderia acarretar no possível esmorecimento do movimento e
diminuição das fugas à localidade.
O empenho da Promotoria em mostrar a gravidade das ações dos acusados resultou na
aceitação da procedência da denúncia dos artigos 116 (primeira parte) e 123 do Código
Criminal, pelo Juiz de Direito do Primeiro Distrito Criminal José de Araújo Roso Danim,
condenando em 6 de fevereiro de 1885 a José Ferreira Braga, que já estava preso, e expedindo
mandado de busca e prisão imediata a Antônio Paulo dos Santos que até aquele momento
mantinha-se foragido. A sentença foi baseada nas provas apresentadas em anexo ao processo,
sendo elas: dois recibos de locação de trabalho de escravos fugidos188, assinados por Ferreira
Braga como tesoureiro da SLB, tendo sido lavrados no cartório de Benfica; Corpo de
Delito189 conclusivo com vestígios de violência feito às portas da prisão onde tábuas haviam
sido arrancadas, por meio de uso da força física e instrumentos para arrancá-las, pois, segundo
o parecer dos peritos responsáveis pelo corpo de delito o grupo empregou além dos ombros, a
força de cacetes para abrir as portas sendo encontrados ainda “quatro cacetes e um espigão de
187
Código Criminal do Império do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-
12-1830.htm. Acesso em: 22 de junho de 2013.
188
Confira a seção: Anexos
189
Idem.
81
ferro”190; e as falas decisivas das testemunhas Ignácio Lopes Façanha, Úrsula Maria de Lyra,
Antônio Francisco de Queiroz, Vicente Martins de Amorim, Maria Pinheiro da Conceição,
Antônio Basílio de Meneses, José Manoel de Moraes, Thomaz Raymundo Zachen e Antônio
Francisco Bernardo.
Diante desse resultado o advogado do réu, Antônio Raulino de Sousa, remeteu junto
ao Juiz de Direito José de Araújo Roso Danim a interpolação de um recurso junto ao Tribunal
da Relação de Belém, haja vista que o suplicante não havia se conformado com a dita
pronunciação. Essa manobra jurídica em requerimento da liberdade do réu em instância
superior estava baseada nos seguintes argumentos: formação de culpa equivocada; resistência
não comprovada; arrombamento e ajuda em fuga de preso não comprovada, além da
desqualificação das testemunhas já que três delas eram os soldados envolvidos e pelo menos
uma das mulheres casada com um dos praças, colocando em xeque a veracidade das
informações obtidas de tais pessoas. Afinal, o artigo 89 do Código do Processo Criminal do
Império dizia o seguinte:
Com isso, as acusações levantadas por tais testemunhas deveriam ser reconsideradas no que
se dizia respeito ao recebimento da pena por José Ferreira Braga devido aos interesses
envolvendo as partes.
A argumentação da defesa iniciou revelando o desejo do suplicante José Ferreira
Braga, através de seu responsável jurídico em recorrer em sua defesa visando os “princípios
do direito attinentes a matteria, e das decisões da jurisprudência, para dellas fazer adaptação
dos factos do que foi pronunciado”192, sinalizando em seguida os pontos frágeis do processo
pelo qual o seu cliente não deveria permanecer preso. Tendo o primeiro ponto tocado pelo
190
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
191
Código do Processo Criminal do Império. Capítulo VI. Das provas. Disponível em:
https://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/viwTodos/5B6248A3BCF918E5832574BE0068EBD4?O
penDocument&HIGHLIGHT=1. Acesso em: 22 de junho de 2013. Grifo Meu.
192
Idem.
82
defensor de José Ferreira Braga consistindo no tipo de pronúncia em que o crime tinha se
dado, haja vista que se encaixava no Decreto 707, de 9 de outubro de 1850 onde dizia o
artigo 1º:
Resumindo somente o Juiz Municipal poderia interpor despacho de pronúncia de culpa junto
ao Juiz de Direito, não podendo este suspender a liberdade dos acusados.
Assim entendeu o advogado do recorrente que o Juiz de Direito do 1º Distrito Crime
da capital não era competente para organizar tal processo caracterizado como sendo de foro
especial, da forma demonstrada no artigo 1º do Decreto 707, de 9 de outubro de 1850. E
diante do artigo 51 do Decreto 4.824, de 22 de outubro de 1871 onde a parte interessada
poderia alegar a incompetência do juízo antes da inquirição das testemunhas ou “logo que o
réo comparecer em Juizo”195, e mesmo que não tenha manifestado tal incompetência o Aviso
193
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dim/dim707.htm. Acesso em: 22 de
junho de 2013. Grifo Meu.
194
Decreto 707, de 9 outubro de 1850. Disponível em:
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/dim%20707-1850?OpenDocument.
Acesso em: 22 de junho de 2013.
195
Texto integral disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dim/dim4824.htm.
Acesso em: 22 de junho de 2013.
83
de 17 de março de 1873, permitia que o juízo superior fosse conhecedor dela a partir do
momento em que houvesse manifestação e mesmo independente de alegação.
A vista dessas questões o recorrente José Ferreira Braga julgou incompetente o Juiz de
Direito do 1º Distrito Criminal para organizar o seu processo de formação de culpa, dos
crimes de resistência e arrombamento de cadeia por serem de caráter especial e, portanto, não
podendo ser julgado pelo referido juiz. Tendo em vista o Decreto 4.824 de 22 de outubro de
1871 em seu artigo 13196 que trata da competência e atribuições dos Juízes de Direito, estando
o juiz Roso Danim inserido nele, e sendo Belém uma Comarca especial de acordo com a
hierarquia judiciária, o parágrafo 3º dispunha que aos juízes de Direito competia
exclusivamente a pronúncia e o julgamento dos crimes da lei de 2 de julho de 1850 197, sendo
delegados para casos considerados especiais, como este em questão, aos Juízes Substitutos
como definia o artigo15198 § 3º do citado Decreto 4.824.
196
Art. 13. Aos Juizes de Direito das comarcas especiaes compete exclusivamente:
1º A pronuncia dos culpados nos crimes communs.
2º O julgamento dos crimes de que trata o art. 12, § 7º do Codigo do Processo Criminal, e mais processos
policiaes.
3º A pronuncia e o julgamento dos crimes de que tratam a Lei nº 562 de 2 de Julho de 1850 e o art. 1º do
Decreto nº 1090 do 1º de Setembro de 1860.
4º O julgamento das infracções dos termos de segurança e bem viver; e por appellação, o julgamento das
infracções de posturas municipaes.
5º O processo e julgamento dos empregados publicos não privilegiados.
6º O processo e julgamento dos crimes de contrabando fóra de flagrante delicto.
7º A decisão das suspeições postas aos Juizes Substitutos e Juizes de Paz.
Em geral, quaesquer outras attribuições conferidas pela legislação vigente aos Juizes de primeira instancia.
Decreto 4.824 de 22 de outubro de 1871. Disponível em:
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DIM%204.824-1871?OpenDocument.
Acesso em: 22 de junho de 2013.
197
Art. 1º Serão processados pelos Juizes Municipaes até a pronuncia inclusivamente, e julgados pelos Juizes de
Direito, os seguintes crimes:
§ 1º Moeda falsa.
§ 2º Roubo, e homicidio, commettidos nos Municipios das fronteiras do Imperio.
§ 3º A resistencia comprehendida na primeira parte do Artigo cento e dezeseis do Codigo Criminal.
§ 4º A tirada de presos, de que tratão os Artigos cento e vinte, cento e vinte hum, cento e vinte dois, cento e
vinte tres, e cento e vinte sete do Codigo Criminal.
Art. 2º O crime de banca-rota tambem será definitivamente julgado pelos Juizes de Direito.
Art. 3º Ficão revogadas as disposições em contrario.
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-562-2-julho-1850-559720-
publicacaooriginal-82069-pl.html. Acesso em: 06/10/14.
198
Art. 15. Aos Substitutos dos Juizes de Direito das comarcas especiaes compete:
1º Substituir parcial ou plenamente os Juizes de Direito effectivos, no caso de impedimento.
2º Processar os crimes communs, até a pronuncia exclusivamente.
3º Cooperar no preparo dos processos dos crimes do art. 42, § 7º do Codigo do Processo Criminal, e mais
processos policiaes, dos da Lei nº 562 de 2 de Julho de 1850 e do Decreto nº 1090 do 1º de Setembro de 1860,
art. 1º.
4º Conceder fianças.
Decreto 4.824 de 22 de outubro de 1871. Disponível em:
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DIM%204.824-1871?OpenDocument.
Acesso em: 22 de junho de 2013.
84
Nestes termos os autos contam que o subdelegado Carlos de Faria deu ordem de prisão
a José Ferreira em meio a um grande número de pessoas, após ter ido à cadeia para retirar a
força uma escrava que havia sido presa pela manhã e não atendendo a esta ordem seguiu para
sua casa. Nota-se, porém, que tal voz de prisão foi dada sem declarar qual crime ou ordem
legal o subdelegado executava, transgredindo dessa maneira os parágrafos 3º e 4º do artigo
acima. Raulino Uchoa notou também a ausência de provas para designar o crime de
resistência contra o seu cliente no que tange a primeira parte do artigo 116 do Código
Criminal do Império, por que não havia prova alguma de ofensa contra o subdelegado e
soldado, além do simples relato do Capitão Faria. No mais, os autos mostram claramente,
segundo a argumentação de Uchoa que houve alguns soldados agredidos por pessoas de nome
ignorado, sendo assim não teria como saber ao certo quem praticou as agressões como as
próprias testemunhas afirmaram ao longo do inquérito.
Em segundo lugar, prosseguiu o defensor, não constava nos autos o respectivo auto de
flagrante exigido nas formalidades legais, demonstrando a ilegalidade da resistência. No mais,
não houve prova suficiente de ofensa contra os praças na medida em que não foram feitos o
199
Idem.
200
Código do Processo Criminal do Império. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-
16-12-1830.htm. Acesso em: 22 de junho de 2013.
85
corpo de delito nos soldados, como solicita o artigo 134 do Código do Processo Criminal
onde diz ser “essencial nos delictos de factos que deixão vestígios.” 201 Não ocorrendo Corpo
de Delito em Benevides ou em Belém das ditas praças, a modo de provar as ofensas por parte
do acusado não havia, portanto, embasamento para manter seu cliente em situação de
encarceramento há tantos meses.
Em terceiro lugar, a defesa reiterou que o Corpo de Delito promovido na casa que
servia de cadeia era inapropriado para ser usado como prova no processo, pois fora feito de
forma ilegal frente ao artigo 135 do Código Criminal do Império de modo que este exame só
poderia ser “feito por peritos, que t[ivesse]m conhecimento do objecto, e na sua falta por
pessoas de bom senso, nomeadas pelo Juiz de Paz, e por elle juramentadas, para examinarem
e descreverem com verdade quanto observarem.”202 Quando na realidade foram feitos por
moradores da colônia provavelmente coagidos pelo subdelegado, ou ainda, sendo eles amigos
do referido Capitão, segundo a versão do advogado, servindo como peritos os cidadãos
Antônio Duarte Antunes Balbi e José Cavalcante de Menezes Pinho tendo como testemunhas
os senhores Ignácio de Azevedo Jacuana e Antônio Francisco de Queiroz todos moradores da
colônia e os dois últimos testemunhas de acusação nesse processo.
Como quarto ponto, a defesa apresentou casos semelhantes ocorridos no Império para
servir como exemplo e obter a despronúncia do acusado a partir da jurisprudência de outros
Tribunais no Império sobre o assunto, afirmando que o crime de resistência só poderia ter
base mediante provas consistentes como ocorreu nos casos que apresentou. Exemplificou que
o Tribunal da Relação de Ouro Preto julgou improcedente uma acusação de crime de
resistência, onde oficiais de justiça instauraram processo especial de resistência mediante
certidão do auto de flagrante sem assinatura de duas testemunhas como exige o livro nº 8 do
Direito em sua página 166, onde para efetivar a resistência era preciso como prova legal o
auto de flagrante e corpo de delito quando houvesse ofensas físicas. A Relação de Ouro Preto
julgou improcedente porque “a base de todo este procedimento criminal foi sobremodo
defeictuosa”203, diante disso o juízo entendeu que não poderia qualificar como resistência
legal sem a devida apresentação do auto lavrado e assinado por testemunhas, a decisão foi
unânime frente a essa argumentação.
201
Código Criminal do Império Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-
12-1830.htm. Acesso em: 22 de junho de 2013.
202
Código Criminal do Império Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-
12-1830.htm. Acesso em: 22 de junho de 2013.
203
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
86
204
Idem.
205
Idem.
206
Idem.
87
Dona Maria Olympia de Azevedo a qual tinha emitido ordem para prendê-la. Continuando a
argumentação, disse que não poderia seu cliente ter arrombado a casa que servia de cadeia por
ter sido ela atacada ao que consta nos autos por um “innumero grupo de homens de diversas
cores e condições”207 e que as próprias testemunhas ao longo das inquirições não souberam
afirmar ao certo quem era o responsável, alegando quase unanimemente:
207
Idem.
208
Idem.
209
Idem.
210
Idem.
211
Idem.
88
212
LOBO. Op. Cit. 2010.
89
“única e não sómente porque a Autoridade Policial não fez lavrar-se o auto de resistência, que
não há lei que a considerem como essencial não processar da resistência [sic].” 213 Com isso, o
promotor Adelino Correa esperava que o Tribunal da Relação sustentasse seu despacho
mantendo a acusação de José Ferreira Braga, na medida em que sob seu ponto de vista o
processo encontrava-se todo fundamentado nos autos.
213
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
214
Idem.
215
O Liberal do Pará. O Exm. Sr. Visconde de Maracajú. 22/06/1884. P.2. Grifo Meu.
90
216
Diário de Notícias. 10/10/1883. P.2.
217
Diário de Notícias. 27/06/1884. P. 2. Grifo Meu.
218
O Liberal do Pará. Administração da Província. 26/06/1884. P.2.
219
Diário de Notícias. JUNTA DE CLASSIFICAÇAO DE ESCRAVOS DA CAPITAL. Abaixo a escravidão.
11/07/1883. P.3.
91
Esse cenário político de desconfiança frente ao Gabinete Liberal de Dantas desde 1883
quando lançou o projeto para emancipação dos sexagenários, passou várias modificações até
ser finalmente aceito e aprovado no Parlamento, mas não sem muita desconfiança em relação
a ele. Por que despertou os receios em assunto tão delicado que era a mão de obra escrava no
país, assim conservadores e liberais passaram a discuti-lo mais atentamente “houve oposição
no próprio partido ministerial, pois nove deputados liberais uniram-se a alguns conservadores
votando contra o projeto”220, assim conseguiram barrar a aprovação do projeto da forma que
estava. Frente a isso, o ministério Dantas ficou sensivelmente impopularizado e para reverter
tal situação gabinete foi dissolvido e novas eleições convocadas, com novo governo
empossado houve nova submissão à Câmara, tendo sido após modificações aprovado “esta
versão resguardava o direito de propriedade e o princípio da indenização, impondo severas
penas aos protetores de escravos fugidos. Este novo projeto se distanciaria e muito do
primeiro, estando agora mais próximo dos interesses escravistas.” 221
A província do Grão-Pará não se manteve alheia a essa discussão tanto que a posição
tomada frente aos conflitos de 12 de agosto de 1884 em Benevides estava diretamente ligada a
essa questão, a própria imprensa abolicionista via com desconfiança as ações tomadas pelo
gabinete Dantas como pode ser observado abaixo:
220
MORAES, Evaristo de. A Campanha Abolicionista. 1850-1888. Brasília: Editora da UNB. P.71. 1986.
221
COSTA, Emília Viotti da. A Abolição. São Paulo: UNESP. P. 63-64. 2008.
222
Diário de Notícias. A Abolição e o Governo. Editorial. 13/02/85. P.1.
92
223
Diário de Notícias. Camara dos Deputados. 06/05/84. P.2. Apud BEZERRA NETO. Op. Cit. P. 395-396.
2009. Grifo Meu.
93
Mediante a exposição pela Promotoria dos fatos acima a mesma requereu a condenação dos
envolvidos no grau máximo do artigo 123 do Código Crime por terem se dado as
circunstâncias agravantes do artigo 16 § 4, 13, 15 e 17 do mesmo código, que consistiam em:
224
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
225
Libelo: Termo utilizado no Direito Processual Penal que traduz-se na exposição apresentada por escrito pela
acusação prevendo o que se pretende provar ao magistrado contra o réu, concluindo com a declaração da pena
que considera ser ideal à condenação do acusado. É uma narração escrita do fato criminoso com as suas
circunstâncias, findando com a conclusão e com pedido da pena prevista em lei a qual o réu deverá ser
submetido. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/907/Libelo. Acesso em: 22 de junho
de 2013.
226
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
94
(…)
§ 4º Ter sido o delinquente impellido por um motivo reprovado, ou frivolo.
(…)
§ 13º Ter havido arrombamento para a perpetração do crime. (…)
§ 15º Ter sido o crime commettido com surpresa. (…)
§ 17º Ter precedido ajuste entre dous ou mais individuos para o fim de
commetter-se o crime. 227
Passado mais de um mês da remessa do libelo pela Promotoria e não tendo sido
marcada audiência, Raulino Uchoa solicitou com urgência ao juízo a marcação de uma data
para ter-se o julgamento de seu cliente, visto estar preso há muitos meses e sofrendo por essa
condição.228 Entre os dias 4 de maio e 18 de junho de 1885 o julgamento foi adiado algumas
vezes devido à ausência de uma ou outra testemunha, principalmente do soldado de polícia
Antônio Francisco Bernardo. Nesse meio tempo a jurisdição do caso saiu das mãos de Roso
Danim e mudou para a responsabilidade do Juiz de Direito do 3º Distrito Criminal Doutor
Fernando Maranhão da Cunha. A defesa impetrou recurso para a promotoria desistir da
testemunha Antônio Francisco Bernardo haja vista a sua constante ausência nas audiências, o
que significava protelar o período de cárcere de José Ferreira Braga.
Resistente a este pedido a Promotoria manteve-se firme na decisão de continuar com
sua testemunha e solicitou informações sobre o paradeiro do mesmo junto ao Comandante do
Corpo de Polícia da Província, visto estar atrasando o processo. Após obter as informações
desejadas de sua testemunha o promotor solicitou para o dia 27 de junho seguinte a audiência
de José Ferreira Braga. No dia marcado compareceram as testemunhas na sala das audiências
e o acusado foi novamente interrogado sobre os acontecimentos do dia 12 de agosto de 1884,
onde afirmou que não havia sido ele o responsável pelo arrombamento da cadeia e sim alguns
pretos que viviam em Benevides e foram até uma casa onde a escrava era mantida presa. Com
essa afirmação o acusado procurou derrubar o argumento de arrombamento de cadeia tendo
em vista a ideia já levantada por seu defensor de que o ocorrido não havia se dado em uma
cadeia, nos termos legais, fragilizando assim a acusação da promotoria.
E mais, que sua presença no momento do conflito era justificada, pois, pretendia ele
conter e aconselhar aos ditos pretos, não tendo sido atendido ao que “foi até espancado e
ferido por esse grupo que era capitaneado, segundo lhe passa por tal de Antonio dos
227
Código Criminal do Império Brasileiro. CAPÍTULO III
DAS CIRCUMSTANCIAS AGGRAVANTES, E ATTENUANTE DOS CRIMES. SECÇÃO I. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm. Acesso em: 22 de junho de 2013.
228
Confira a carta de José Ferreira Braga ao Juiz de Direito na seção: Anexos.
95
Santos.”229 E que todo este processo era motivado por intrigas entre ele, o Subdelegado e o
“filho de Jorge Sobrinho que se constitui a muito tempo seo innimigo” 230, tendo quase todas
as testemunhas sido influenciadas por um ou outro visando prejudicar-lhe. O réu demonstra
que existiam pessoas que se beneficiariam da sua prisão por serem seus inimigos pessoais,
indo até o ponto da coação por parte dos soldados e subdelegado junto às testemunhas para
causar prejuízos em sua vida.
Uma questão levantada por essas afirmações de Ferreira Braga se deve as possíveis
motivações do subdelegado Carlos de Faria e do filho de Jorge Sobrinho, que acredito ser
Antônio José Jorge um dos colaboradores e agenciadores da SLB ao lado de Ferreira Braga.
Este Jorge Sobrinho referido pelo réu, penso ser Antônio Jorge Sobrinho, ex-diretor da
colônia em substituição de Martinho Domiense Pinto Braga no que em 1879 esteve envolvido
em intensos conflitos231 entre os moradores do núcleo, tendo sido até vítima de uma tentativa
de assassinato na época. Fato este que causou grandes discussões na imprensa paraense e
cearense em torno do tratamento dado pelo governo provincial aos migrantes cearenses
alocados em Benevides. As desavenças ao que parece estavam ligada ao crescente número de
escravos na colônia e ao que tudo indica supervisão e influência de Ferreira Braga sobre essa
importante mão de obra, disponível na colônia e remontando ainda a política de cortes
financeiros à colônia, afinal, como Francivaldo Nunes 232 demonstrou procedeu-se processo
para averiguar o conflito e apontar as principais lideranças e, segundo o inquérito publicado
em O Liberal do Pará de 20 de agosto de 1879 entre os vários participantes constava um tal
João Ferreira Braga ou seria um erro de impressão? As fontes disponíveis deixam a questão
em aberto, embora acredite ser a mesma pessoa pelo fato que o réu afirmou ter tido uma
inimizade antiga com o filho do ex-diretor da colônia, possivelmente remontando a este
episódio ou ainda por disputas internas envolvendo poder e autoridade no interior da SLB já
que ambos eram membros.
Ainda nesta audiência o advogado apresentou ao juiz novas provas para livrar seu
cliente da culpa, consistindo em dois comunicados endereçados ao novo subdelegado de
Benevides e seus moradores solicitando mais informações que esclarecessem de uma vez o
fato ocorrido em 12 de agosto de 1884. A defesa procurava desqualificar as testemunhas
arroladas no processo sob protesto de coação e direcionamento dos depoimentos por parte da
229
Fala de José Ferreira Braga, servindo de réu. Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
230
Idem.
231
NUNES, Francivaldo Alves. “Entre a lei e o costume: revolta de colonos no Núcleo Agrícola Benevides
(Pará, 1879).” Revista Estudos Amazônicos. Vol. III, n° 2. P. 77-101. 2008b.
232
Idem.
96
Tendo feito as mesmas perguntas aos demais habitantes da colônia obteve resposta
semelhante ao do subdelegado:
Silva configura como assinante na ata de libertação dos escravos de Benevides e, portanto,
favorável às ações da SLB enquanto Francisco José de Oliveira aparece como um dos
agenciadores/colaboradores da sociedade abolicionista benevidense em sua ata de instalação
oficial em 30 de março de 1884.236 Nesse sentido, buscou-se afirmar o contrário do que havia
dito Francisco Sisnando sobre a ocorrência de um arrombamento embora não na cadeia,
porém sim na casa que serviu de diretoria e estando ela bastante arruinada, transferindo a
culpa do ocorrido para os pretos fugidos e não aos acusados.
Diante do interrogatório de José Ferreira Braga, da revisão dos autos e dos certificados
acima entregues pela defesa ao Juiz de Direito do 3º Distrito Criminal Fernando Maranhão da
Cunha, este decidiu por absolver o réu da acusação que lhe imputava a Justiça Pública, por ter
entendido que não havia provas suficientes para mantê-lo preso sob o artigo 123 do Código
Criminal do Império. Assim, em 7 de julho de 1885 na sala das audiências o referido juiz
declarou José Ferreira Braga como inocente, solicitando imediato alvará de soltura e retirada
de seu nome do rol dos culpados. Recebendo no dia seguinte o alvará garantidor de sua
liberdade após 10 meses de reclusão e quase um ano após o conflito.
Com José Ferreira Braga em liberdade novamente as ações da SLB não pararam como
desejavam os conservadores, pelo que demonstram as notícias dos jornais nos anos seguintes
a sua libertação, tal como em 1886:
O sr. José Frazão da Costa requereu ao sr. dr. chefe de policia a captura de
algumas victimas escravisadas. A policia attendeu, in continenti, mandando
que o delegado de Benevides provindenciasse.
Aos abolicionistas de Benevides pedimos que façam esses escravos fugir
para mais longe: Tentugal, Bragança, Vizeu, longe da vista da autoridade da
colonia.
Façam esse favor.237
236
PREFEITURA MUNICIPAL DE BENEVIDES. Álbum Histórico de Benevides “Terra da Liberdade.” 1984.
Páginas não numeradas.
237
Diário de Notícias. 30/03/1886. P.2. Grifo Meu.
98
exercito), para fim especial de prenderem uma infeliz rapariga, que dizem
ser escrava de um individuo cujo nome ignoramos.238
Com o findar do Império e uma generalização das fugas de escravos, fez com que
houvesse um aumento da percepção dos escravos frente à crise que o sistema passava, ao lado
do acirramento da campanha abolicionista popular pelo fato de tentar manter até os últimos
segundos as amarras que uniam o escravismo aos escravos, notou-se nesse momento um
endurecimento ainda maior nas ações de busca aos foragidos:
Vê-se que o núcleo continuou como referência no imaginário escravo para fugas,
estando Benevides e seus escravos fugidos a incomodar a sociedade local, por ter se tornado
símbolo de resistência e radicalidade escrava. Através das ações do seu movimento
abolicionista por meio dos seus vários braços na capital permitindo ramificações na província
cearense a partir dos vários contatos entre os colonos benevidenses. No entanto, os incômodos
causados por Benevides atravessaram o Império sobrevivendo até a República, em 17 de
setembro de 1890, passado 6 anos após a deflagração do conflito, o processo criminal foi
reaberto. Em ofício endereçado aos senhores juízes do 1º, 2º, 4º e 5º distritos criminais da
capital José de Araújo Roso Danim, João Polycarpo dos Santos Campos, Thomé Affonso de
Moura e Napoleão Simões de Oliveira, respectivamente, o Chefe de Polícia José Januário
Gumercindo solicitou informações sobre Antônio Paulo dos Santos preso por suspeita de ter
participado do arrombamento de cadeia em 12 de agosto de 1884 na colônia Benevides.
Infelizmente não temos notícias sobre as condições em que foi preso Antônio dos Santos
afinal, conseguiu manter-se incólume por todos esses anos, mas vê-se que mesmo terminada a
escravidão e o Império fazia-se necessário por um fim definitivo ao caso e sentenciar os
envolvidos.
Recebendo do Juiz de Direito do 5º Distrito Criminal da Comarca da Capital o Doutor
Napoleão de Oliveira responsável pela jurisdição de Benevides desde 20 de maio de 1890, por
portaria do Governador do Estado, o despacho que afirmava ter Antônio Paulo dos Santos
sido pronunciado anos antes no artigo 123 do Código Criminal, sendo por isso mantido preso
238
Diário de Notícias. 25/01/87. P.2.
239
Diário de Notícias. Péga-preto. 01/02/87. P.2. Grifo Meu.
99
na cadeia pública de São José aguardando julgamento. Com o processo reaberto foram feitas
novamente as intimações às testemunhas envolvidas e o réu inquirido. Assim em 4 de
novembro de 1890 compareceram à sala das audiências apenas as testemunhas Vicente
Martins de Amorim e Maria Ferreira Braga, pois as demais testemunhas não foram
encontradas para receberem a intimação e ninguém soube dar informações precisas sobre seus
paradeiros, enquanto que os soldados Antônio Basílio de Meneses, José Manoel de Moraes e
Antônio Francisco Bernardo não compareceram por estar o primeiro destacado em Curuçá, o
segundo por não fazer mais parte da polícia e o último por estar destacado em Cachoeira
segundo as informações do Chefe de Polícia. É válido ressaltar o fato de não se ter achado a
grande maioria das testemunhas, ou ainda, não queriam ser achadas, teriam elas mudado de
endereço? Ou apenas, estavam se esquivando da Justiça a fim de não quererem se ver
envolvidas novamente com aquele caso que imaginavam estar fechado? Infelizmente não
saberemos.
Apesar da ausência de várias testemunhas o Juiz de Direito Napoleão de Oliveira
consultou as partes envolvidas para dar prosseguimento ao processo independente do
comparecimento das demais testemunhas, no que responderam unanimemente que “desistirão
de ouvirem as duas testemunhas presentes” 240 passando em seguida à inquirição do réu em
questão. Seis anos foragido da justiça Antônio Paulo dos Santos, cearense, 52 anos, lavrador,
viúvo, filho de Francisco dos Santos e Dias e residente em Benevides foi perguntado se sabia
o motivo pelo qual era acusado, no que respondeu que sabia, porém precisava de mais
esclarecimentos sobre o caso. Disse conhecer as testemunhas, nada ter contra elas e nem
motivos particulares para ser acusado e que ao tempo do conflito estava em Benevides, mas
considerava-se inocente pelo fato de não ter tomado parte na fuga de Severa.
Afirmou que no dia 12 de agosto de 1884 percebeu uma reunião de diversos pretos
que tinham a intenção de retirarem da cadeia a referida mulher, mas que em nenhum
momento havia combinado com eles quaisquer acordos para retirá-la da prisão “limitando-se
apenas a accompanhal-os que pedissem [a] soltura, mas que não tirassem á força.”241 O
advogado do réu Doutor Augusto Santa Rosa utilizou-se das mesmas provas e argumentações
que o defensor de José Ferreira Braga usou, nesse sentido Napoleão de Oliveira Juiz de
Direito do 5º distrito criminal após examinar os autos e ouvir a defesa entendeu que não
existiam provas suficientes contra Antônio dos Santos para impor-lhe pena, na medida em que
ao longo do processo as testemunhas afirmaram terem visto um grupo de mais de 20 pessoas
240
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
241
Antônio Paulo dos Santos, servindo de réu. Auto Crime de Resistência. 1890. CMA.
100
envolvidas na libertação de Severa, não especificando no entanto, que o “dito réo, que fazia
parte do alludido grupo [ter] sido um dos autores do arrombamento ou ter directamente
concorrido para que elle se effectuasse.”242 Mesmo que os indícios por mais coerentes que
fossem não forneciam base para imposição de pena, decidindo por absolver da acusação que
fora amputada a Antônio Paulo dos Santos ordenando para que fosse riscado seu nome do rol
de acusados e liberando alvará de soltura imediata. Devolvendo-lhe a liberdade em 11 de
novembro de 1890, já na República dos Estados Unidos do Brasil.
242
Auto Crime de Resistência. 1884. CMA.
101
CAPÍTULO IV
“A Terra da Liberdade”: História e Memória do abolicionismo
em Benevides
1. 1884-1984: Iniciando pelo Centenário da Libertação
Como pudemos ver nos capítulos anteriores o atual município de Benevides foi
cenário de alguns acontecimentos, primeiramente com a implantação da colônia agrícola de
Nossa Senhora do Carmo de Benevides para o acolhimento de estrangeiros em 13 de junho de
1875 através da Lei Imperial nº 837 de 19 de abril do mesmo ano, no entanto em pouco tempo
viu-se fracassar o plano de colonização estrangeira na região devido a variados fatores. 243
Dois anos depois começam a chegar à colônia levas de nordestinos, cearenses em sua maioria,
o que possibilitou uma rede de solidariedade e manutenção de sua identidade com sua
província natal. Fazendo refletir a forma de atuação do seu movimento abolicionista e mesmo
as conexões entre seus membros nas duas províncias, promovendo em 30 de março de 1884 a
libertação dos escravos no território da colônia tendo sido bastante comemorado pela
imprensa abolicionista e simpática a causa. O núcleo foi palco também de conflitos entre
autoridades provinciais, escravos refugiados na localidade e membros da SLB.
Devido a esse envolvimento com o movimento abolicionista e a consequente
libertação dos escravos de seu território, o episódio de 30 de março foi se transformando ao
longo dos anos em símbolo de pioneirismo inerente ao espírito do povo do então município.
Bezerra Neto retoma a discussão de Vicente Salles244 em torno da publicidade sobre os atos
em favor da liberdade escrava, onde emancipadores e abolicionistas procuravam não perder
quaisquer oportunidades de propagandear seus feitos. E para isso elegiam as efemérides como
momentos privilegiados de ação deixando claro o caráter propagandístico e pedagógico das
alforrias dos escravos por parte daqueles que se empenhavam na resolução da Questão Servil,
como explicita o trecho abaixo.
No meio da imprensa [ilegível] vêr realisada o mais depressa possivel
no Pará a extincção completa do escravo, instituição condemnada por
sua mesma natureza. Ambos bem alto o disseram pelos seus orgãos; a
abolição é uma aspiração nacional. (…) é já de notoriedade publica e
esta resolvido pelo Ceará, (…) a idéa da abolição no Pará com
bastante difficuldade dominará o espirito retardatário, que vê n’ella a
violação de direitos, que não indaga se assentam ou não em base legal.
(…) por sympathia á idéa da proclamação do trabalho livre, tomaram
243
Ver NUNES. Op. Cit. 2008. & LACERDA Op. Cit. 2010.
244
SALLES, Vicente. O Negro no Pará: sob o regime da escravidão. Brasília: MEC; Belém: Secult/Fundação
Cultural Tancredo Neves, 1988.
102
245
Diário de Notícias. Folhetim. 06/04/1884. P.2. Grifo meu.
246
BEZERRA NETO. Op. Cit. 2011. P.100.
247
Mensagem de abertura do prefeito Claudionor Begot. Álbum Histórico de Benevides “Terra da Liberdade.”
Páginas não numeradas. 1984. Grifo no original.
103
248
Diário do Pará. Teobaldo exalta Benevides. 30/03/1984. P.3. Caderno Política.
249
Discurso proferido pelo vereador Teobaldo Reis na sessão de 29/03/1984. Documentação pessoal de
Teobaldo Reis 1981-1987. ACMB. Grifo Meu.
104
Fica clara em seu discurso, a busca por relacionar os desejos de liberdade escrava ao
ligá-lo ao movimento da Cabanagem250 como se as ações do movimento abolicionista da SLB
fossem heranças também dos interesses cabanos, conferindo assim a seu ver a legitimidade
para os acontecimentos de 30 de março de 1884. Deste modo, era necessário dar destaque ao
suposto pioneirismo de Benevides frente à resolução da Questão Servil na medida em que
mesmo sendo um pequeno ponto na província contribuiu para um “grandioso” acontecimento
em sua história.
O fato de Benevides ter libertado seus escravos anos antes de promulgada a lei Áurea,
enche de orgulho o dito vereador tendo como resultado o seu destaque na imprensa local
como podemos ver abaixo:
Exaltação a Benevides, pela libertação
O Vereador Teobaldo Reis pronunciou discurso ontem, na Câmara
Municipal, para exaltar a participação do Pará, através de
Benevides, na história da luta pela abolição da escravatura. Em seu
discurso, Teobaldo fez uma breve retrospectiva das lutas contra a
escravidão no Brasil, e mencionou a forte participação da raça negra
na Cabanagem, 1835. Depois de citar importantes conquistas do
movimento abolicionista, como as leis do Ventre Livre e do
Sexagenário, mostrou que Benevides, logo após o Ceará, empenhou-
se em varrer de seu território a escravidão antes mesmo da lei
Áurea.251
Após proferir sua ode a Benevides Teobaldo apresentou requerimento, para que fosse
consignados, em ata, votos de aplausos e congratulações ao município de pela passagem do I
Centenário da Liberdade, que transcorreu no dia 30 de março. No requerimento, o vereador
classifica Benevides como o “Berço da Liberdade no Estado do Pará.” É interessante como foi
construído esse lugar da memória no município de Benevides de acordo com os interesses
250
Para um maior aprofundamento e entendimento sobre o tema da Cabanagem no Grão-Pará confira a vasta
obra sobre o assunto da Professora Doutora da Universidade Federal do Pará Magda Ricci, por não ser o
interesse de este trabalho tratar pormenorizadamente esta temática. A título de exemplo: RICCI, Magda. “Do
patriotismo à revolução: história da Cabanagem na Amazônia.” In: FONTES, Edilza (Org.). Contando a história
do Pará: da conquista à sociedade da borracha (séculos XVI-XIX). Belém: E-Motion, 2002, p. 225-266.;
_________. “História amotinada: memórias da Cabanagem.” Cadernos do CFCH: Revista do Centro de
Filosofia e Ciências Humanas da UFPA, Belém, v. 12, n. 1/2, p. 13-28, jan./dez. 1993.; ________. “As outras
independências.” Nós de História. Uberlândia, v.5, n.5, p.51 - 58, 1994.; __________. “Do sentido aos
significados da Cabanagem: percursos historiográficos.” Anais do Arquivo Público de Belém, Belém, v.3, n.2,
P.241 - 274, 2001.; _________. “O fim do Grão-Pará e o nascimento do Brasil: movimentos sociais, levantes e
deserções no alvorecer do novo Império (1808-1840).” In: DEL PRIORE, Mary; GOMES, Flávio (Org.). Os
senhores dos rios: Amazônia, margens e história. Rio de Janeiro: Elsevier ; Campus, v.1, P. 165-193. 2003;
__________. “O Império lê a colônia: um barão e a história da civilização na Amazônia.” In: BEZERRA NETO,
José Maia; GUZMÁN, Décio de Alencar (Orgs.). Terra Matura. Historiografia e História Social na Amazônia.
Belém, Paka-Tatu, 2002.
251
O Liberal. Exaltação a Benevides. 30/03/1984. P.4. 1º caderno.
105
sociais de uma época, assim Teobaldo Reis estava atuando frente às diretrizes do grupo social
que representava Bezerra Neto252 faz uma discussão em torno de tal questão.
Inferimos ainda que esta tomada de posição frente a esse evento libertador pode estar
relacionada a um contexto nacional referente ao processo de abertura política em que viveu o
país após vinte anos de Ditadura Civil Militar. 253 Neste momento da história brasileira onde
estava ocorrendo um processo de “resistência e luta democrática”, devido a uma conjuntura
de resistência como afirma Maria Paula Nascimento Araújo254, criada desde a década anterior
contra o regime ditatorial, nesse momento deu-se início ao projeto de distensão política
brasileira promotora de uma abertura “lenta, gradual e segura” a fim de afastar os setores mais
radicais desse processo. E o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que em 1984 foi
transformado no PMDB teve um papel muito importante no direcionamento da campanha
pelas Diretas-Já, pois, conseguiu abrigar em seu interior principalmente a partir dos anos de
1980 várias tendências de esquerdas que foi culminante para canalizar o descontentamento
com o regime ditatorial e permitir a eleição de vários de seus representantes em diferentes
cidades contribuindo para o enfraquecimento do governo frente à sociedade civil. O estado do
Pará esteve inserido neste novo momento político através das primeiras eleições democráticas
para governador, sendo eleito nesta época Jader Fontenelle Barbalho, que muito astutamente
soube engendrar em sua campanha e governo o resgate a uma identidade que unisse o
sentimento de liberdade, tão almejado naqueles tempos, e uma referência de luta popular
tendo como símbolo o movimento cabano.
O vereador Teobaldo partilhava da mesma sigla que o governador na época o que pode
nos ajudar a compreender esse enquadramento do município de Benevides às demandas
escravas ainda na Cabanagem, bem como engendrá-lo as lutas populares em benefício da
liberdade do homem. Nesse sentido, as comemorações do centenário da libertação dos
escravos de Benevides iam ao encontro de uma política que procurava resgatar as lutas
populares existentes no Estado, como uma marca de renovação política naqueles tempos
252
BEZERRA NETO, José Maia. “Os males de nossa origem: o passado colonial através de José Veríssimo”. In:
___________. & GUZMAN, Décio Alencar. (Orgs.). Terra Matura. Historiografia e História social na
Amazônia. Belém: Paka-Tatu. P.39-65. 2002
253
Sobre o período referente à Ditadura Civil Militar e o processo de reabertura política brasileira, confira as
importantes obras, dentre elas: AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, Imprensa e Estado Autoritário (1968-
1978). São Paulo/SP: Edusc,1999.; GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. São Paulo/SP, Ática, 2003.;
REIS, Daniel Aarão.; RIDENTE, Marcelo. & MOTTA, Rodrigo Pato Sá. (Orgs.). O Golpe e a Ditadura Militar.
Quarenta anos depois (1964-2004). Bauru/SP: Edusc, 2004.; TOLEDO, Caio Navarro de. 1964: Visões críticas
do golpe: Democracia e Reformas no Populismo. Campinas/SP: Unicamp, 1997.
254
ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. “Lutas democráticas contra a ditadura.” In: FERREIRA, Jorge. & REIS,
Daniel Aarão. (Orgs.). Revolução e Democracia. (1964-...). As Esquerdas no Brasil. V.3. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2007. P. 321-353.
106
256
Fundo da Secretaria da Província. Série 18. Caixa 612. Requerimentos anos 1884. Tesouraria da Fazenda do
Pará. 01/05/1884. APEP. Grifo Meu.
257
NUNES. Op. Cit. 2008b
258
NUNES. Op. Cit. 2008.
108
259
O Progresso. Comemoração da libertação dos escravos de Benevides. 02/06/1949. P.2. Retirado do Álbum
Histórico de Benevides “Terra da Liberdade”. Páginas não numeradas. Grifo Meu.
260
Idem.
110
261
Idem.
111
263
O Progresso. Discurso. 02/06/1949. P.3. Apud Álbum Histórico de Benevides “Terra da Liberdade”. Grifo
Meu.
113
Como tratado no tópico anterior houve alguns momentos onde a divulgação midiática
em torno da efeméride da libertação não encontra amplo cenário, ficando mais restringido ao
próprio município tendo-se o foco mais em torno do centenário, no entanto, ao adentrar a
década de 1990 não se vê também notícias sobre o assunto nos periódicos da Região
Metropolitana de Belém. Todavia, no ano de 2011 tive uma feliz surpresa quando abri ao
acaso o jornal Amazônia de março daquele ano e encontrei uma pequena nota sobre as
celebrações que se deram em Benevides em virtude de mais um aniversário da libertação de
seus escravos.
A prefeitura de Benevides homenageia os negros com programação
cultural amanhã, na Praça da Liberdade. Shows, mostras escolares,
264
A Província do Pará. Benevides festeja libertação. 01 e 02/04/1984. P.11. 1º caderno. Apud Álbum Histórico
de Benevides “Terra da Liberdade”.
114
265
Amazônia. Benevides lembra o fim da escravidão. 29/03/2011. P.10. Caderno Gerais. Grifo Meu.
266
Esta altera a Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, que estabelecia as Diretrizes e Bases da educação
nacional, incluindo no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira”. Onde ficou decidido entre outras providências:
§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos
Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinente à História do Brasil.
115
todos que utilizam a rodovia nos dois sentidos possam vê-lo e assim, relacionarem com o
município.
Este monumento, que infelizmente não sei a sua autoria, possui cerca de cinco metros
de altura por dois de largura composto por uma mão acorrentada erguida em direção aos céus
por onde sobressai uma ave que envolve seu voo em torno desta mão cativa, e segue voando
em direção aos céus simbolizando a libertação dos escravos na ex-colônia. Existe ainda uma
praça chamada de Praça da Liberdade onde possui um busto em bronze de um negro e logo
abaixo duas algemas quebradas com a inscrição de 30 de março de 1884, localizada no centro
da cidade bem próxima a sede da prefeitura, sendo, portanto bastante frequentada. Encontrei
ainda, durante a pesquisa um exemplar de um jornal local sem nome na biblioteca do
município, onde na capa estava a figura de um menino negro ajoelhado com as mãos
levantadas ao céu, simbolizando os escravos libertados em 1884. Sem contar que existem
também as propagandas itinerantes sobre a libertação dos escravos expostas nas laterais dos
coletivos intermunicipais que fazem a linha Benevides/Presidente Vargas divulgando por
onde passam essa memória em torno do pioneirismo benevidense na resolução da causa
escrava, onde consta a inscrição “Benevides 1875: Berço da liberdade escrava na Amazônia”
e as imagens de uma pomba branca voando entre duas mãos acorrentadas.
116
fazem referência à religião católica professada por muitos habitantes do município. Na parte
inferior, alguns ramos de flor-de-lis, denotam a pureza e a inscrição Libertar et Labor, é o
lema do povo Benevidense escrita em latim, significando Liberdade e Trabalho.
Frente a essa gama de simbolismos que envolvem Benevides, tenho como ofício a
necessidade de sempre inquirir a documentação e refletir sobre os motivos que fizeram com
que determinadas fontes tenham resistido ao tempo e outras não. Como nos remete Marc
Bloch267, posto que os documentos por serem vestígios do passado que chegam à
contemporaneidade, podem lançar armadilhas ao historiador. O que para Jacques Le Goff 268 o
fato de efetivar-se a permanência de certos vestígios e outros não, configura o caráter
monumental dos documentos históricos. Pelo motivo de responderem assim como os
periódicos a interesses determinados, ou melhor, a uma forma previamente construída de
passado de acordo com a visão de mundo que tem o produtor da fonte, mesmo que esta seja
construída de forma inconsciente.
Em cima disso, observam-se como os envolvidos com o 30 de março fazem uma
reconfiguração dos acontecimentos, na busca de legitimar o evento da libertação
reconstruindo-os aproveitando-se de outros eventos, por exemplo, ao relacionarem a
libertação dos escravos em Benevides com a Cabanagem explicitada no discurso de Teobaldo
Reis em 1984 e na fala do escritor José Siqueira em sua entrevista ao jornal Amazônia, ao ter
afirmado que “os negros de Benevides já vinham lutando por sua liberdade com os cabanos e
com o movimento de adesão do Pará à Independência.” Não é nossa intenção desqualificar
e/ou diminuir a importância da participação negra no processo da Cabanagem 269, até porque
existem inúmeros trabalhos acadêmicos salientando a sua importância para o
desenvolvimento do movimento cabano. 270
O que quero ressaltar é a impossibilidade temporal contida na afirmação de Siqueira
em sua entrevista, e do vereador Teobaldo Reis em seu discurso, sobre o fato de os negros
existentes em Benevides terem buscado desde os tempos da Cabanagem e Adesão à
Independência do Grão-Pará por sua liberdade, na medida em que nas primeiras décadas do
século XIX, Benevides sequer existia. Pois só viria a ser criada no último quartel do século
XIX, mais precisamente em 13 de junho de 1875 pelo então presidente de província do Grão-
267
BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da História, ou, O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2001.
268
LE GOFF, Jacques. “Documento/Monumento”. História e Memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP.
P.535-553. 1990.
269
Mais uma vez para melhor detalhamento sobre o assunto consultar os escritos de Magda Ricci.
270
Ver ainda o trabalho de José Maia Bezerra Neto sobre o período imediatamente posterior ao término da
Cabanagem. BEZERRA NETO, José Maia. “Ousados e Insubordinados: protesto e fugas de escravos na
província do Grão-Pará – 1840/1860.” Revista Topoi. Rio de Janeiro. P.73-112. Março 2001.
118
Pará o Sr. Dr. Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides, como tratado páginas atrás.
Portanto, tais afirmativas sobre a participação de negros da colônia agrícola não possuem
embasamento temporal. Tendo sido, por outro lado, reformuladas de acordo com a visão de
mundo que o autor da fonte (no caso, as afirmações) possui. Procurando enquadrá-la aos
movimentos de luta anteriores e cristalizar a imagem da localidade como berço da liberdade
escrava.
O jogo político e de poder em torno desta efeméride fez com que houvesse uma
movimentação de alguns de seus moradores ligados à política paraense, para transformar o 30
de março em Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Estado do Pará relegando de uma
vez a memória do município como integrante a cultura imaterial do Estado. O proponente do
projeto foi o escritor José Leôncio Ferreira de Siqueira, membro do Instituto Histórico e
Geográfico do Pará, sob a justificativa de que os feitos de 30 de março de 1884 possuía uma
relevância histórica para o Estado do Pará e que, no entanto, passava despercebida em
praticamente todo território com exceção do município de Benevides que soube muito bem
preservar a “chama da liberdade.” Nesse sentido Eric Hobsbawm271 trata a questão dos
interesses de determinados grupos sociais no processo de construção de tradições e memórias
que os eternizem de alguma maneira, seja através de monumentos ou práticas culturais e esse
apelo a elevação de 30 de março a patrimônio cultural demonstra essa questão.
Após a apresentação do projeto em questão por José Siqueira foi levado a Assembleia
Legislativa do Estado do Pará em 2011, e defendido pela deputada estadual Luzineide Farias,
natural do município de Benevides, o Projeto de Lei nº 056/2011, transformando a data
comemorativa de 30 de março de 1884 em Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do
Estado do Pará. Após alguns meses de tramitação e análise do pedido feito pela deputada o
governador do Estado em exercício o senhor Helenilson Pontes, reconheceu o Projeto de Lei
nº 7.619272, de 18 de abril de 2012, delegando a data como Patrimônio Cultural de Natureza
Imaterial do Estado do Pará e o município de Benevides como a “Terra da Liberdade.” Essa
271
HOBSBAWM, Eric. & RANGER, Terence. A invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
Tradução de Celina Cavalcante.
272
Projeto de Lei nº 7.619, de Abril de 2012.
Declara como patrimônio cultural de natureza imaterial do Estado do Pará, comemoração do dia 30 de março,
dia da libertação dos escravos no Município de Benevides.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARÁ estatui e eu sanciono a seguinte lei:
Art. 1º Declara como integrante do patrimônio cultural de natureza imaterial do Estado do Pará, dia da libertação
dos escravos no Município de Benevides.
Art. 2º Fica estabelecido que a comemoração do dia 30 de março, dia da libertação dos escravos, no Município
de Benevides é patrimônio cultural de natureza imaterial do Estado do Pará.
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
PALÁCIO DO GOVERNO, 18 de Abril de 2012.
Diário Oficial do Estado do Pará. 20/04/2012
119
273
BEZERRA NETO. Op. Cit. 2002.
120
ficasse abafada em meio aos gritantes elogios ao pioneirismo do atual município e seus mitos
criacionais envolvendo a migração nordestina, francesa e os ideais de liberdade precoces
“adquiridos” por seus habitantes. Uma probabilidade ainda para a reformulação da memória
do movimento abolicionista de Benevides pode ser entendida como uma necessidade de
enquadramento ao cenário local de moderação e respeito à propriedade privada, e também
manutenção da ordem social. Afinal, como a lei Áurea foi um ato de “benevolência senhorial”
através da princesa Isabel, como se pretendia perpetuar, ter um reduto radical de liberdade
escrava no seio de uma política abolicionista moderada poderia ferir interesses de
determinada classe.
Em vista disso, torna-se valioso por a luz uma provável explicação ao processo que se
deu em torno da memória da “Terra da Liberdade” paraense. Fato que consideramos ter tido
um grande sucesso, pois, mesmo decorridos 130 anos da libertação dos escravos de Benevides
não há uma menção sequer aos eventos conflituosos de 12 de agosto de 1884. Sendo repetido
o discurso de uma localidade permeada pelos louros do progresso e da civilização que
vislumbraram os sentimentos, dos colonos cearenses de Benevides. Dando continuidade ao
processo de “esquecimento” de uma radicalidade da Sociedade Libertadora de Benevides e do
movimento abolicionista benevidense na História do hoje município.
121
CONSIDERAÇÕES FINAIS
FIGURAS
Figura 3 – Mapa da colônia Benevides, 1876. Elaborado por Louis Flanteau e Charles
Wasman. Fonte: Imagem retirada da dissertação de mestrado de NUNES, Francivaldo
Alves. A SEMENTE DA COLONIZAÇÃO: Um estudo sobre a Colônia Agrícola de
Benevides (Pará, 1870-1889). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Pará.
2008.
123
Figura 6 – Mapa da colônia agrícola de Benevides. Fonte: Acervo Pessoal de José Maia
Bezerra Neto.
126
Figura 7 – Jornal A Vida Paraense retratando a libertação dos escravos em Benevides. Data:
30/03/1884. Fonte: Imagem retirada da Tese de Doutorado do Prof. Dr. José Maia Bezerra
Neto, intitulada Por todos os meios Legítimos e Legais: As lutas contra a escravidão e os
limites da abolição (Brasil, Grão-Pará: 1850-1888). PUC-SP, 2009.
127
FONTES
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SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e a questão racial
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143
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GRINBERG, Keila. “Alforria, direito e direitos no Brasil e nos Estados Unidos.” Revista
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Disponível em: www.ufpa.br/pphist/estudosamazonicos/arquivos/artigos/4%20-%20III%20-
%202%20-%202008%20-%20Francivaldo%20Nunes.pdf.
ANEXOS
Anexo I
1884 – Data no nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e oitenta e
quatro, aos trinta dias do mez de março, na sede da Colônia de Nossa Senhora do Carmo de
Benevides, presente sua Excellencia o Senhor Visconde de Maracajú, Presidente da Provincia
do Gram-Pará e General Comandante de armas, realizou-se a sessão magna da Sociedade
Libertadora de Benevides, na qual foram restituídos à liberdade os escravos residentes no
território do núcleo colonial, sendo Maurício e Quitéria manumittidos pelo Dr. Martinho
Domiense Pinto Braga, e sua mulher, D. Leonilda da Silva Braga, Florência pela senhora D.
Thereza Christona Pinto Braga, e Luiz, Macário e Gonçala, pela senhora D. Maria José Pinto
de Mesquita , sendo depois da entrega solene das respectivas cartas, declarado redimido o
território do Nucleo – o primeiro da Provincia do Gram-Pará, isento da macula do cativeiro.
E para que para sempre fique memorável esta dacta, lavrou-se a presente Acta, que será
depositada no Archivo da Camara deste município, assignada por S. Exc. o Sr. Visconde de
Maracajú e todos os cidadãos presente, e subescrita pór mim Secretario da Sociedade
Libertadora de Benevides. Eu, Antônio José de Freitas Ramos, escrevi.
Presentes:
Visconde de Maracajú
Manoel S. Amazonas
Domingos Olímpio
José F. Rynil
Dr. Ignacio
Dr. H. E. Weaver
Sthefane Anderson
Anexo II
Illmº Srº
Com grande pezar meu, e só por força de circumstâncias deixo hoje de comparecer á
explendida, festa de liberdade da “Colonia Benevides” por onde vae o brioso Municipio da
Capital iniciar, em tão bôa hora e sob os melhores auspicios, a emancipação total dos seos
infelizes escravos.
152
Por esse motivo, pois, rogo a VSª se digne de, por mim e em nome d’Associação
Philantropica d’Emancipação d’Escravos, felicitar com regozijo á “Colonia Benevides”, que a
VSª incontestavelmente deve mui assignalados e leaes serviços.
Approveito a opportunidade para passar ás mãos de VSª, como significativa offerta
d’aquella benemerita Associação á “Colonia Benevides”, cinco rettratos lithographados do
immortal Visconde do Rio Branco, para dar-se-lhes ahi e por essa occasião, solemne a
applicação, que os Directores da festa entendam melhormente merecer.
Anexo III
Fonte: Ofícios ao Corpo de Polícia (1884). Códice: 1795 mod. 17. prat. 01. APEP.
Anexo IV
Fonte: Fundo Segurança Pública. Secretaria de Polícia da Província. Séries: Ofícios Cadeia Pública.
1882-1884. APEP.
Anexo V
Recibo de Ignácio Lopes Façanha sobre aluguel de escravos junto a José Ferreira Braga
(I)
154
Recibi do Senr Ignacio Lopes Façanha a quantia de 7500 res, inportansia do aluguel di uma
préta que contrata. E quinse mil e mais faz pagamento da 1ª quinzena.
Benevides, 7 de maio de 1884.
O tesoureiro da comição
Jose Ferreira Braga
Reconheço ser verdadeira esta letra e assinatura supra. Bemfica, 23 de julho de 1884.
Conteste Devere(?)
O tabellião Marcellino Braz Antonio de Souza
Fonte: Auto Crime de Resistência e Arrombamento de Cadeia contra José Ferreira Braga e outros.
1884. CMA.
Recibo do aluguel e pagamento dos escravos por Ignácio Lopes feito por José Ferreira
Braga. (II)
João 11$800
Teluriano 14$000
Juvenal 10$000
Lianora 7$000
42$800
Assignado: O tesoureiro da commissão.
José Ferreira Braga (rubrica)
Lavrado em Bemfica em 23/07/1884.
Tabelião Marcellino Braz Antonio de Souza (rubrica)
Fonte: Auto Crime de Resistência e Arrombamento de Cadeia contra José Ferreira Braga e outros.
1884. CMA.
Anexo VI
qualidade de peritos, que os nomeio procederem corpo de delicto, nas portas da cadeia desta
Povoação, para que marco o dia de hoje as duas horas da tarde.
O que cumpre
O Subdelegado
Joao Carlos de Farias
Certifico que intimei os peritos Antonio Duarte Antunes Balbe, e Jose Cavalcante de
Meneses Pinto, como peritos, e bem assim Ignacio de Azevedo Jacuana e Antonio Francisco
de Queróz, como testemunhas de todo o conteúdo da portaria supra. O referido é verdade e
dou fé.
Benevides 12 de Agosto de 1884.
Eu Eduardo Olympio Jorge, escrivão que o escrevi.
completamente arrancadas, e nas outras vestígios de violencia empregadas sobre ellas, e que
portanto respondem: ao Primeiro, que existem vestígios de violencia feitas as portas da prisão,
ao Segundo, são as taboas arrancadas de uma porta e das outras desconjuntadas, ao Terceiro,
afirmativamente, ao Quarto, afirmativamente, ao Quinto, afirmativamente, ao Sexto, que alem
dos hombros empregarão tambem cacetes collocados pela abertura das duas meias portas, ao
Setimo, finalmente, que avalião o danno causado em cincoenta mil reis e são estas a
declaração que em sua consciencia e em baixo do juramento prestado teem a fazer. Forão
encontrados quatro cacetes e um espigão de ferro. E por nada mais haver deu-se por concluído
o exame ordenado, e de tudo se lavrou o presente auto que vai por mim escripto e rubricado
cossignado pelo subdelegado, peritos e testemunhas, commigo escrivão intirino Eduardo
Olimpio Jorge, que o fiz e escrevi por; do que tudo dou fé.
Joao Carlos de Faria
Antonio Duarte Antunes Bastos
Jose Cavalcante de Menezes Pinho
Ignacio de Azevedo Jacuana
Antonio Francisco de Queiros
Eduardo Olimpio Jorge
Conclusão
E logo no mesmo dia, mez e anno, faço estes autos conclusos ao subdelegado de
policia o Capitão João Carlos de Faria,para os deferir como julgar de justiça.
E eu Eduardo Olimpio Jorge escrivão que o escrivi.
Julgo procedente o presente corpo de delicto, para que produzão os seus devidos e legaes
effeitos.
Benevides, 12 de Agosto de 1884.
Joao Carlos de Faria.
Anexo VII
Fonte: Auto Crime de Resistência e Arrombamento de Cadeia contra José Ferreira Braga e outros.
1884. CMA.
Anexo VIII
Depoimento de José Ferreira Braga por escrito por achar enfadonho o processo de
inquirição. (Versão de Ferreira Braga sobre os acontecimentos de 12 de agosto de 1884).
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Sen. Juiz
Não tendo quando fui chamado para dépor; o escrivão de Vsª (ilegível) méu
depoimento, isto por si tornar enfadonho, o fasso por escrito, pedindo á Vsª (ilegível)
mandallo juntar aos autos.
Senr.
Com a chegada do Senr Capitãp Farias en Benevides e a noticia que hia prender
escravos, eu tive de hir a caza do Senr Farias, e pedir lhe que quando tivésse recomendação de
algum escravo tivesse a bondade de mi dizer, que eu quiria mi encarregar de ver se pudia
ájeital-os afim de ver si conseguia de elles voltarim amigavel sem ser prezo por que prezo eu
(ilegível) que não ouvirei algum estrubo (?) por terem muitos escravos juntos em um caza. O
Senr Farias não midéu resposta de sim ou não. Esta minha converça com o Senr Farias déu
lugar a um grandi parte dos escravos ficassim com um grande odio em mim, isto por alguma
péssoa que mitia na cabessa d’elles que eu estava de combinação com o Senr Farias para
ganhar o drº, pela entréga d’elles. Passado alguns tempos... O Senr Farias mandou chamar a
escrava Severa em sua caza, esta hindo lhe foi perguntada quem seu Senr, esta dizendo foi
mandada por Senr Farias trancar em uma alcova, no centro da Caza Velha que tinha de
penitencia a qual si achava abandonada pelo seu máo estado, exceto um outro salão que servia
de quartel... O Senr tenente Francisco Alves Barreira Cravo foi pidir ao Sr Farias para soltar a
rapariga. O Senr Farias respondeu que não soltava aquela como todos os houtros, pois não
fazia conta de uma corja de tratantes que ali tinha. O senr Cravo voltou surprehendido de uma
tal resposta, e contando á toudos a forma como o senr Farias se tinha portado. Esta palavra
insultante deu lugar á dentro em poucas horas istar indignado cuazi toudo puvoado de forma
que me pariseu que não faltaria quem estigassi os pretos para hirim fazer o que fizeram. Eu
que morava na ponta da rua cazualmente estando na janella da minha caza. Notei que os
pretos si reunião pela rua passando uma pêssoa eu perguntei o que siguinificava aquele
ajuntamento. Mi foi respondido que dizião ser os pretos que hião tumar uma rapariga que
estava na prizão ao mesmo tempo os vi reunindossi e seguissem para o lado di ondi se achava
a rapariga eu vendo que éra verdade o que mi acabavão de dizer, segui a touda (ilegível) afim
de ver si pudia de alguma forma evitar hindo para lá os encontrei tratando di afastarim uma
folha de porta da alcova onde si achava a escrava.
Eu procurando comter (?) (ilegível) ameaças (ilegível), no mesmo estante resibi de
repente uma grande pancada não sei si do tal Antonio do Santo ou se dos pretos o serto que
159
fiquei prostado sem sentido, minutos depois tornei já não vendo mais ali ninguem i banhado
de sangui, saindo avistei ô grupo que seguia uma grande destansa, e o Senr Farias que curria
da caza d’elli apitando pela tropa qe si concervava toudo este tempo immovi no quartel, e
procurando atravescar adiante do grupo o que poudi consegui, travandosi alli um grandi
conflicto entre o grupo e os soldados do Senr Capitão Farias, esti conflicto deu tempo a que
eu chegassi. Com minha chegada ouvi uma pequena pausa, e eu me fui dirigindo ao Senr
Farias para-lhe dizer oque me fazia andar, ali e o ter mandado chamar, ao do comesso o falar,
o Senr Farias dissime para mentir que não queria saber di estôrias gritando para os soldados
que mi prendessem e levassim para a cadeia, momento esti que si aproçimava de mim o senr
Thenente Francisco Alves Barreira Cravo, e mais uma porção de homens que mi pegarão e
levarão para minha caza.
Sem que o senr Farias e nem os soldados fizescim a mínima perseguição com o fim de
dizesem o sim como diserão que tinha ovido puzição e rezistencia de minha parte, que
(ilegível) tinha de ser testemunha os soldados e os empregados da caza do senr Antonio Jorgi,
que éra meu innimigo (ilegível) só estes pudião prestar o facto de forma que lhe fosse
encignado, assim como os que assistião ao corpo de delicto que não tiveram péjo (?) de
dizerem que uma alcova no sentro de velha héra cadea, jamais holhando para a cadeia publica
destante desta caza duzentos metros, como que em Benevides tivessem duas cadeas, por que
não feiz corpo de delicto em mim, quando mi viu banhado de sangue, e que lhio pedi, por que
os soldados não podião ser peritos e hotro homem tinha de dizer que me tinha visto sair de lá
do lugar honde tinhão ido os pretos já com o palito encarnado de sangue. E isto o senr Farias
não queria saber queria héra dizer que tinha ferido brigando, com a tropa ou com ele, si o senr
Farias tivesse vindo pela primeira veiz que o mandei chamar, assim como héra o seo dever,
nada tinha ovido, pois eu queria eralhe pedir para me responsabilizar pela rapariga.
Afim de evitar, e se elle não quisesse auxiliami com a tropa para conter, mais estou
convencido que foi feito de propozito para mi comprometerem, a vista de tantos esforços
feitos para diagnosticar um pai da famillia que esta muito destante do lugar que o querem
colocar. O senr Capitão Farias não tendo vindo quando o mandei chamar, e não tendo visto eu
rombar a caza para tirar a escrava, e tendo visto que ali estava outro homem e tendo visto que
eu o havia mandado chamar e não me tendo visto boljar (?) com ninguem, qual o seo dever,
héra fazer uma indagação e procurar tumar conhecimento pra ver quem héra o culpado, e não
denunciar, o que elle não viu e nem ninguem. Dando lugar a que eu fosci a cuzado de crime
de rombamento de cadeia, sem eu carci privado, mesmo não sendo na cadea pedia a culpa
soubre meus hombros por ter eu mi proposto a evitar.
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Fonte: Auto Crime de Resistência e Arrombamento de Cadeia contra José Ferreira Braga e
outros. 1884. CMA.
Anexo IX
80 Francisco P. Telles 1
81 Francisca da Conceição
82 Sabino José de Souza 55.227
83 Francisco P. Telles
84 Francisco Barreira Filho 40.181 21.51
85 Aprígio Barreira Cravo 0
86 Olívio Hermano Cardoso
88 João Rodrigues Braga 20.67
91 Manoel Severino da Silva 8
97 João Rodrigues Braga 24.70
98 Ignácio Porfírio Soares 4
101 Abel de Queiroz Lima
Joaquim Augusto de Leão
Francisco J. de Carvalho 23.59
Antônio Pedro da Silva 0
Martiniano Paulo de Aquino
Miguel Antônio de Souza
Francisco de Nascimento
30 Joaquim R. de Araújo
31 Luiz Gonzaga de Lima 27.44
33 Emiliana M. de Souza 2
34 Emiliana M. de Souza
João Pereira de Mello
João Pereira de Melo
27.44
2
21.64
0
15 Braga 48.300 5
17 Elizario Souza e Esposa 49.543 28.12.1886
19 José Ferreira 07.08.1886
20 Luiz Ferreira Bentes 45.294 24.41
Victoriano José Maria 5
João Vieira Barbosa
Raymundo Roque da Silva 0
22.24
7
01 Antônio A. Leonisa
Meruoca 02 Manoel F. dos Santos
3ª 03 Raymundo de A. Câmara. 51.544 25.87
Transversal 04 Fracelino José de Souza 56.590 2
Sul 06 Antônio José de Souza 56.595 28.29 27.08.1888
08 Elizario Antônio de 5
10 Souza 28.29-
Elizario Antônio de Souza 7
15 Estevão Nascimento 5
16 Joaquim X. de Oliveira
17 Justino Pereira do Carmo
18 Maria da Conceição
20 Manoel Abílio Souza
21 Pedro F. das Chagas 21.81
22 Vicente E, de Abreu. 7
23 Francisco R. de Oliveira
24 Justino Albino de Souza 09.03.1886
25 Joaquim José Florêncio
26 Manoel Lourenço da
27 Silva
28 Manoel R. de Oliveira
29 Manoel Lourenço da 35.000 16.07.1888
30 Silva
31 Manoel R. de Oliveira
32 Manoel Rodrigues da
33 Silva 45.000 09.12.1887
34 Mendonça Sobrinho
35 De Mendonça Sobrinho
36 Antônio José da Silva 17.50
39 Manoel Lourenço da 0
Silva
Manoel Lourenço da
Silva
Josepha Lourença da 22.50
Silva 0
Raymundo N. d’Oliveira
01 Joaquim de Souza Leal 51.135 25.56 14.06.1886
Urubetama 02 Sabino M. de Andrade
6ª 03 Joaquim de Souza Leal 7
Transversal 04 Joaquim de Souza Leal
168
02 Manoel Fernandes
03 Capella
05 Maria Thereza
Subdivisão 06 Maria Bezerra da Rocha
Entre a 4ª e 07 Francisco Antônio Salles
5ª 08 Manoel Fernandes Capella
Transversais 09 Eustorgio de O. Lima.
Norte 14 Eustorgio de O. Lima.
Raimundo Felix da Silva
26 Raymundo V. de
27 Noronha 21.13
28 Manoel Faustino 5
Nicassio
Manoel Faustino
Nicassio
Antônio Camillo da Silva
Transversal
Sul
01 Francisco P. Telles 22.08.1887
02 João de Araújo Mello
03 Laudelino de Queiroz e 17.08.1889
04 Sá
05 Francisco B. da Rocha
Aratanha 06 Ignácio Pereira Lima 29.10.1886
6ª 07 Abel de Queiroz Lima 45.000 22.50
Transversal 11 José Antônio de Souza 0
Norte 25 Manoel Gomes de Fritas
26 Manoel Brígido
27 José Ribamar dos Santos
28 Vicente André da Silva
32 José Tavares da Cruz
33 João R. dos Santos
Antônio Izidoro Pereira
01 Joaquim Alves de Salles 39.306 19.65 20.05.1886
Aratanha 02 José Vidal de Negreiros 39.350 3
6ª 03 Laudelino de Queiroz e 19.75
Transversal 05 Sá 3
Sul 06 Manoel Souza
01 Manoel Coimbra
02 Manoel Severino da Silva
03 Barreira Cravo & Cia. 45.000 22.50 02.06.1888
04 Barreira Cravo & Cia. 45.000 0 02.06.1888
06 Barreira Cravo & Cia. 45.000 22.50 02.06.1888
07 Antônio José de F. Ramos. 0
08 Barreira Cravo & Cia. 45.000 22.50 02.06.1888
09 Manoel Coimbra 0
10 Ignácio Pereira Lima
11 Manoel Coimbra 22.50
171
20 Joaquim Thimóteo
21 Victor M. de Oliveira
22 João E. de Almeida
24 Miguel Victor de
25 Oliveira
28 José Gomes da Silva
30 Victor M. de Oliveira
32 Victor M. de Oliveira
34 Victor M. de Oliveira
Victor M. de Oliveira
Victor M. de Oliveira
Vicente F. de Antunes
Maranguape 02 Fausto Alves Barreira 31.887 25.93 30.07.1889
7ª 03 Fausto Barreira Cravo 24.543 8 17.08.1886
Transversal
sul
01 Antônio F. de Amorim
02 Clemente Pereira da
03 Silva
06 Joaquim T. da Silva
07 Carlos Infante de Castro
08 Vicente José da Silva
09 José Ferreira Teixeira
10 Vicente José da Silva
11 Vicente José da Silva
12 Luiz Francisco de Paula
15 Miguel F. de Freitas
16 Manoel Francisco Pedro
17 Thedósio A. de Oliveira
19 Fellipe Benício de Carneiro
20 Simião M. de Andrade
Subdivisão 21 Simião M. de Andrade
173