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Selecionando Familias Resistentes S questOes com as quais se depara um terapeuta que esta pres- A tes a tratar uma familia "resistente" sto semelhantes a muitas das questées envolvidas no atendimento de uma familia "coopera- tiva". Entretanto, fatores e€ quest6es adicionais precisam ser considera- dos quando uma familia resistente esta buscando tratamento. Este capi- tulo discute alguns desses fatores acrescentados e mostra como pode- mos reconhecer familias resistentes, obter informagées criticas durante © contato telef6nico inicial, reconhecer encaminhamentos amistosos e inamistosos, estimar a resisténcia, determinar quais membros da familia serao convidados para a primeira sessdo e lidar com as manobras pré- primeira-sessao. CARACTERISTICAS DAS FAMILIAS RESISTENTES A minha definigdo de uma familia dificil ou resistente 6: uma famt- lia que apresenta uma historia impressiva de derrotar profissionais de satide mental. O cardter impressivo da historia familiar pode assumir a forma de derrotar institutos de treinamento ou terapeutas competentes, ou de uma longa histéria (cinco ou mais anos) de derrotar muitos terapeutas. Depois que fico sabendo, a partir da conversa telef6nica inicial, dessa est6ria impressionante de fracasso terapéutico, comego imedi mente a pensar no meu "modo de resisténcia" e a ver a familia diferen- temente do que veria uma familia menos resistente. (Eu poderia acres- 8 Jort S. Beraman centar que as familias resistentes estdo longe de serem resistentes por todo 0 curso completo da terapia. Freqiientemente, depois que a resis- téncia inicial é reduzida e a familia é "capturada" [yeja o Capitulo 21, podemos passar a tratar os membros da familia como se fossem coope- rativos, até encontrarmos novas resisténcias. Basicamente, eu fago tera- pia familiar estrutural com a maioria das familias até encontrar resistén- cia, quando entdo habitualmente lido com a resisténcia de alguma ma- neira sistémica breve.) Uma outra maneira através da qual estimo a resisténcia de uma familia é através da descrigio do sintoma. Normalmente, quanto mais grave e crénico 0 sintoma, mais resistente & mudanga sera a familia. Esta hipotese se baseia na minha experiéncia clinica com familias resis- tentes, que me levou a algumas suposigdes de trabalho, tais como: 1) Todos os sintomas nas criangas estabilizam casamentos insta- veis, ¢ se um sintoma "pequeno" nao consegue estabilizar um casamento, entao é necessirio um sintoma "maior." 2) Quanto maior a magnitude de um conflito conjugal, maior sera a magnitude do sintoma. 3) Quanto mais encoberto ou escondido © conflito conjugal, mais necessirio seri o sintoma para estabilizar 0 conflito conjugal para que ele possa permanecer escondido ou encoberto Minha suposigao de que todos os sintomas estabilizam casamentos instaveis decorre da minha experiéncia clinica com criangas sintomati- cas, Em todos os casos tratados nos Ultimos 10 anos, a eliminagio do sintoma de uma crianga foi acompanhada por uma intensificagio e au- mento do conflito conjugal. Além disso, uma vez que 0 conflito conju- gal é descoberto, reconhecido e tratado pelo casal em terapia, a crianga sintomdtica raramente permanece sintomdtica. Quando um casal_ nao reconhece o problema ou nao esta disposto a traté-lo na terapia, 0 sin- toma da crianga se mantém, periodicamente ou continuamente. Depois de o sintoma da crianga ter sido eliminado, eu jamais co- mego uma terapia conjugal com seus pais sem que eles me pegam dire- tamente. Tratar o casal antes que ele esteja pronto para trabalhar geral- mente resulta em a crianga "resgaté-los" produzindo sintomas novamen- te. Entdo o casal usar a terapia conjugal apenas para falar sobre seu filho sintomatico. Conseqiientemente, o terapeuta deve esperar até que © sintoma da crianga seja eliminado, seguido pelo pedido do casal de terapia conjugal. As vezes, esse pedido nunca acontece, porque os pais estabilizam seu sistema com alguma outra coisa que ndo o sintoma da crianga, tal como um outro psicoterapeuta, um outro filho ou um outro oo PESCANDO BARRAC DAs 9 sintoma na mesma crianga, um amante, Alcool, trabalho, etc. As vezes, 08 parceiros resolvem o problema sozinhos. Mas, a0 longo dos anos, o relacionamento de gangorra que obser- vei entre o sintoma de uma crianga e 0 conflito conjugal me convenceu de que todos os sintomas nos filhos estabilizam os casamentos. ‘A experiéncia também me ensinou que quanto mais grave e créni- co © sintoma, mais resistente 4 mudanga sera a familia, Quando os membros de uma familia com um problema crénico me procuram e apresentam uma historia impressiva de fracasso de tratamentos, eles estio me dizendo alguma coisa. Eu imagino que alguns dos terapeutas derrotados por essa familia tenham uma boa formagio; conseqiente- mente, uma historia cronica me diz que a familia esta buscando uma homeostase € no uma mudanga, ¢ que sera resistente. Um sintoma grave também me diz que o sistema sera resistente mudanga porque precisa de um sintoma "grande" para estabiliz4-lo. Eu imagino que, em todos os sistemas familiares, primeiro ocorrem sinto- mas "pequenos", € se um sintoma pequeno nao é suficiente para esta: bilizar o sistema, desenvolver-se-4 um grande, Outras evidéncias para essa suposigio aparecem quando eu consigo eliminar o sintoma numa familia. Quando um sintoma grave e crOnico é eliminado, a mudanga resultante nos sistemas, especialmente no par conjugal, é mais dristica do que quando o sintoma é pequeno. Por exemplo, no caso de psicose ou anorexia, a eliminagdo do sintoma pode resultar em divércio, aban- dono, depressio ou enfermidade grave, e, 48 vezes, em morte, como no suicidio. Eliminar um sintoma pequeno, como molhar a cama, atuar na escola, ou problemas de disciplina, geralmente resulta em reagdes conjugais menos drastica Minha tiltima suposigio é a de que quanto mais encoberto ou es- condido esta 0 conflito conjugal, mais necessdrio sera 0 sintoma para estabilizar 0 conflito, para que ele possa permanecer escondido ou enco- berto, Em geral, eu descobri que quanto mais briga existe entre os par- ceiros, ou quanto mais claros s40 os conflitos do casal, mais facil é aju- dar o sistema familiar a mudar, Quando os parceiros me dizem que nunca brigaram ou nunca tiveram diferengas em seus 25 anos de cas mento, eu fico muito ansioso, porque desconfio que esta se desenro- lando uma guerra oculta furiosa, que levaria a sintomas muito resisten- tes nos filhos, ou a assinato, suicidio ou enfermidade séria no casal. is claros 0s conflitos ¢ as brigas entre o casal, mais oportu- nidades terei, como terapeuta, de facilitar a mudanga. Conseqiientemente, as minhas suposi¢des sobre o tratamento de uma familia resistente com um membro anoréxico, bulimico, maniaco- depressivo, ou obsessivo-compulsivo hospitalizado sao muito diferentes das minhas suposigdes sobre © tratamento de uma familia em que o problema apresentado € enurese ou um transtorno comportamental 10 Jorn Ber AN leve. No primeiro grupo, eu suponho que esté presente um conflito conjugal intenso, geralmente encoberto, e que haver4 uma considerivel resisténcia 4 terapia em virtude do medo familiar (real ou imaginado) de que um tratamento bem-sucedido vai fazer alguém (normalmente um dos pais) partir (divorciar-se, ficar seriamente doente ou morrer). No caso da crianga que molha a cama, eu imagino um conflito conjugal menos intenso e/ou mais claro, em que o sistema familiar corre menos risco se ¢ quando o sintoma for eliminado. Um outro indice que utilizo para determinar o grau de resisténcia num sistema é 0 ntimero de outros psicoterapeutas atualmente associa- dos A familia. Eu me refiro a esses outros terapeutas, jocosamente, como Drs. Homeostatos. A minha experiéncia sugere que quanto maior © nimero de Drs. Homeostatos envolvidos no caso, mais resistente a mudanga sera a familia. As familias nao s6 usam os Drs. Homeostatos em sua tentativa de estabilizar o sistema familiar, como esses préprios homeostatos, 4s vezes, tém fungdes quase iatrogénicas, Conseqiente- mente, eles sao um dos primeiros fatores a considerar e eliminar, para podermos comegar a lidar com o sistema familiar nuclear. Lembro-me de um caso que tratei hd alguns anos no Projeto de Tera- pia Breve, no Instituto Ackerman de Terapia Familiar. © paciente era um homem de 30 anos que estivera entrando e saindo de hospitais nos wlti- mos nove anos, com um diagnéstico de transtorno manfaco-depressivo, O paciente foi hospitalizado pela primeira vez aos 19 anos, quando foi tra- tado no hospital por um jovem residente em psiquiatria bioldgica. Dez anos mais tarde, nés ficamos sabendo que este psiquiatra biol6gico se to- mara o terapeuta da famflia, no apenas prescrevendo medicagio para o paciente, mas também dando medicagto antidepressiva e aplicando um tratamento de eletrochoques no pai do paciente e prescrevendo Valium para sua mae, Sempre que a mae ficava ansiosa em relagio ao filho ou ao marido, ela chamava o Dr, Homeostato ¢ pedia alguma mudanga na me- dicagdo prescrita aos seus homens. Logo no inicio do tratamento ficou claro que esse médico era um membro préximo e importante dessa familia. Era como se esse médico fosse um outro filho da familia, como se o médico ¢ o filho fizessem resi- déncias paralelas, 0 primeiro em psiquiatria biolégica eo Gltimo em psi- cose manfaco-depressiva. Quando comegamos © tratamento, eu nao levei em conta esse Dr. Homeostato como levaria atualmente. Sempre que © tratamento comegava a alterar o sistema familiar, alguém, geralmente a mae, fazia com que o Dr. Homeostato mudasse a medicagho de alguém. Quase todas as mu- dangas terapéuticas produziam uma contramudanga psiquidtrica ou bio- logicamente orientada, e pouco progresso era feito no tratamento, Em re- trospectiva, se eu fosse tratar essa familia hoje, sabendo quio importante eram para ela esse Dr. Homeostato e a medicagao biolégica, eu nao inici- aria o tratamento sem incluir o Dr. Homeostato pelo menos na primeira PescaNDoO BARRACUDAS 11 OU primeiras sessOes. Desta maneira, eu poderia determinar como sua posic2o na familia estabilizava o sistema e 0 impedia de mudar nas dire- Ges que eu chamaria de terapéuticas.! doboe ‘Também me lembro de uma conversa telefOnica que tive certa vez com uma mulher que ligou e me pediu uma consulta com sua familia. A mulher, seu marido e os dois filhos, os dois tltimos sendo os pacientes identificados, estavam todos em terapia individual hé muitos anos. Ela estava me ligando porque, embora a familia também estivesse atualmente em terapia familiar, ela nao estava satisfeita com 0 progresso e queria ma outra Opinio. Minha opinido foi a de que ela nao estava dando uma chance justa para todos esses terapeutas. Eu disse que depois que cla tivesse dado a todos esses terapeutas um tratamento justo, € tivesse terminado todas es- \s terapias, se ainda estivesse insatisfeita, entao eu teria prazer em rece- ber a familia para uma consulta. Estava claro para mim, nesse telefonema, que essa mulher nao estava procurando uma consulta, mas meramente um outro Dr, Homeostato para estabilizar o sistema, provavelmente por- que um dos muitos terapeutas envolvidos nesse caso teria comecado a modificar o sistema familiar. E claro, eu certamente quero ajudar as fami- lias a mudar, mas no estou interessado em ter os dedos dos pés masti- gados por barracudas. Um outro determinante da resisténcia sera mencionado aqui bre- vemente e discutido com mais detalhes no préximo capitulo. Esta rela- cionado ao processo de encaminhamento ou ao contexto em que uma familia é encaminhada para tratamento. As vezes, por exemplo, nds en- contramos a resisténcia A mudanga mais no contexto do encaminha- mento do que na familia. O encaminhamento pode ser um "arranjo" para um fracasso, como pode ocorrer quando recebemos um encami- nhamento "inamistoso". Nessa situagdo, antes de o tratamento poder ser iniciado, as fontes potenciais de resisténcia no contexto de encaminha- mento devem ser avaliadas e reduzidas ou eliminadas. Outras fontes de resisténcia podem ser determinadas numa con- versa telef6nica inicial com a familia. Uma vez que o tratamento come- ¢a_ com o telefonema inicial, a maneira pela qual as informagdes sto coletadas e as resisténcias sto manejadas durante essa conversa é uma parte essencial do tratamento, O TELEFONEMA INICIAL, Quer a familia me ligue diretamente, quer um terapeuta encami- nhador me telefone, quer eu receba um formulirio de admissao de um 12 Jor. S. Beroman clinico que teve algum contato telefonico com a familia, a entrevista inicial que fago por telefone é mais ou menos a mesma. Embora eu considere as informages clinicas reunidas por outros profissionais, eu nao as estudo com excessivo cuidado, pois prefiro minha prépria ten- denciosidade 4 dos outros profissionais. Muitas vezes, descobri que informag6es hist6ricas obtidas por outros profissionais eram inexatas ou nao haviam sido oferecidas pela familia, de modo que normalmente re- cebo hesitantemente o material compartilhado por outros profissionais. Meu primeiro contato com a familia é um telefonema para a pes- a que ligou inicialmente, Durante esse telefonema, uma das primeiras coisas que faco é esbogar um genograma grosseiro que inclui todos os membros da familia nuclear , com suas idades, status conjugal e para- deiro. Também procuro "outros significativos" morando na casa e abro o olho para av6s ou outras pessoas significativas da terceira geragdo que moram no andar de cima ou perto. Elas sto importantes porque um dos temas recorrentes nas familias resistentes com um sintoma gra- ve sdo os negécios inacabados que os pais tém com seus pais, 0 que impede o paciente identificado (PD de crescer emocionalmente e sair de casa. Depois de coletar as informagdes para esse genograma familiar grosseiro, obtenho uma hist6ria da sintomatologia. Na minha opiniao, quanto mais crénico parece o sintoma, mais dificil ser a terapia famili- ar, e mais resiste 4 mudanga seré o sistema familiar. Também consigo uma breve histéria de tratamento. Como mencionei acima, uma histéria impressiva de fracassos terapéuticos me diz que a familia pode ser mais habil e experiente em permanecer igual e resistir ao tratamento do que eu sou em mudar os padrées familiares. Depois, comego a pensar se atenderei essa familia sozinho, com um co-terapeuta ou com uma equipe de terapeutas familiares assistindo através de um espelho de observagio. Se uma historia familiar parece esmagadora, eu normalmente penso em convidar um co-terapeuta para se juntar a mim no tratamento. Depois da sessao inicial com um co- terapeuta, posso decidir se também é necessaria uma equipe. A minha experiéncia com familias dificeis sugere que quanto mais resistente, di- ficil e cheia de truques é a familia, mais eu preciso ter 4 mo outros te- rapeutas como auxilio, O numero de terapeutas necessdrios para lidar com essas famili aria de acordo com a familia e a experiéncia do(s) terapeuta(s) familiar(es). E importante que a forga terapéutica a favor da mudanga seja igual ou maior do que a forca familiar contra a mu- danga. Eu estava apresentando um videoteipe de terapia familiar com um agora- fobico cronico numa conferéncia assistida por psicanalistas (Bergman, 1981a). Eu estava trabalhando com uma equipe, ¢ enfatizando que nds, PuscANDO BARRACUDAS 13 65 terapeutas, transmitimos A familia uma vigorosa mensagem mista - o te- rapeuta dizendo "mudem", e a equipe salientando os perigos da mudan- Ga. Essa mensagem terapéutica mista era necessdria para igualar ou ser simétrica A mensagem mista da familia de "ajudem-nos a mudar, mas nado nos modifiquem". Esse caso é descrito alhures (Bergman & Walker, 1983) Eu estava tentando explicar & audiéncia como a mensagem terapéutica precisa igualar a mensagem da familia tanto em vigor quanto em mensa- gens mistas, Um membro da audiéncia sugeriu entao que a melhor ma neira de anular a mensagem mista da familia seria ter uma familia tera- péutica equivalente (isto é, a equipe), que transmitiria uma mensagem te- rapéutica tao Ou mais vigorosa quanto as mensagens da familia. Em ou- tras palavras, a familia terapéutica deveria ter 0 mesmo ntimero de mem: bros ¢ experiéncia da familia, de modo a transmitir mensagens terapéuti- cas de mudanga mais vigorosas do que as mensagens da familia clinica contra a mudanga Eu desconfio que com o tempo ¢ a experiéncia, os terapeutas se tornam mais capazes de estimar a forga terapéutica que é necessdria em cada situagdo. Quando trabalhamos com essas familias, é claramente vantajoso para o terapeuta ter disponivel o maximo possivel de combi- nagoes terapéuticas. Também é vantajoso saber quando € necessaria mais forga terapéutica. Muitas vezes, terapeutas menos experientes se descobrem em Aguas perigosas quando percebem, geralmente tarde demais, que o sistema familiar é mais poderoso do que o sistema tera- péutico. E muito dificil para um terapeuta interromper © tratamento de uma familia na quarta sessio, depois de descobrir que a familia é mais poderosa do que ele. Quando o terapeuta descontinua © tratamento, a experiéncia pode ser muito desmoralizante para a familia (Bergman & Walker, 1983). Como treinamos um terapeuta inexperiente para avaliar quanta forga terapéutica é necessaria para tratar determinada familia? Eu nao tenho certeza, Muitos terapeutas aprendem isso retrospectivamente, ao serem "mortos" um numero suficiente de vezes para apreciarem a limi- tagdo de seu poder como terapeutas solistas. Talvez os terapeutas inici- antes possam inferir quanto poder tem o sistema familiar para resistir mudanga (e portanto quanto poder é necessario para produzi-la) sendo mais conscienciosos ¢ respeitosos em relagao a historia bem-sucedida de fracassos terapéuticos, cronicidade do sintoma e A seriedade do intoma. Se os terapeutas menos experientes comegarem a ficar ansio- sos em relacdo a qualquer um desses fatores, devem pedir ajuda e bus- car supervisdo, ou outros terapeutas para trabalhar em co-terapia ou em. equipe. Durante o telefonema inicial é importante descobrir quais mem- bros da familia estio presentemente em tratamento individual, com quem ha quanto tempo. Ha alguns anos, se cu ficasse sabendo nesse 14__Joeu S. Benoman telefonema que varios membros da familia estavam em tratamento in- dividual, decidiria nado atender a familia até que os varios tratamentos individuais fossem completados, Eu achava que havia homeostatos de- mais envolvidos, estabilizando o sistema e tornando dificil a mudanga. Minhas idéias sobre esta questio mudaram nos ultimos anos. Agora, familias sto convidadas ao tratamento enquanto alguns membros per- manecem em terapia individual, ¢ na medida em que a terapia familiar prossegue e se torna mais importante para a familia, nds 4s vezes con- seguimos "tirar da formagio"’ os terapeutas individuais. A pergunta critica aqui é se a terapia individual esta afetando o sistema e 0 sintoma apresentado ao terapeuta familiar, Esta pergunta sO pode ser respondida se © terapeuta atende a familia. Se um terapeuta decide, rigida e categoricamente, nao atender a famflia até todos os te- rapeutas individuais estarem fora de cena, nao é possivel determinar se esses terapeutas individuais estio no caminho da mudanga no sistema familiar, Permitam-me oferecer alguns exemplos de como a terapia indivi- dual As vezes facilita e outras vezes atrapalha a terapia de casal ou fa- miliar, Se, por exemplo, um terapeuta conjugal fica sabendo que os problemas do casal escalaram quando um dos cénjuges iniciou o trata- mento individual, fica evidente que a terapia individual desequilibrou o relacionamento do casal. Nesses casos, 0 terapeuta de casal pode reco- mendar que 0 cOnjuge adie o trabalho individual até o trabalho conju- gal estar terminado ou encorajar 0 outro cénjuge a comegar um trata- mento, O tratamento individual para o outro cénjuge seria encorajado no por ser necessaria uma terapia, mas porque ela iria manter algum equilibrio no relacionamento. (Eu fago uma coisa semelhante quando um dos cénjuges esta tendo um caso amoroso, nao quer desistir nem do caso nem do cOnjuge, € 0 cOnjuge mondgamo nio sabe o que fazer. Eu sugiro a possibilidade de esse cdnjuge ter seu proprio caso amoro- so, que iria reequilibrar parcialmente o relacionamento do casal. Esta sugestio é feita como uma intervengio.) A terapia individual pode facilitar 0 relacionamento de um casal se © terapeuta individual valida e lida com as questdes que o cOnjuge que nao est4 em terapia nao est4 disposto a tratar ou é incapaz de manejar. Ou, se um dos cOnjuges se sente sozinho, nao recebe atengdo ou tem- po Suficiente do outro, e nao consegue discutir isso com seu parceiro, a terapia individual pode fornecer a atengdo, o tempo e a discussado ne- cessirios. Eu penso que é melhor para a familia se esse cOnjuge trian- gula com um terapeuta e nao com um filho. * 0 tetmo aqui é empregado no sentido aerondiutico: um avito se afasta, se desgarra do grupo, sai da formagiio, (N. de T.) PESCANDO BARRACUDAS 15 Assim, o fato de alguns membros da familia estarem em tratamento individual ndo é automaticamente uma contra-indicagao a terapia fami- liar. Cabe ao terapeuta determinar a importincia da terapia individual para a pessoa e para a familia, antes de fazer generalizagdes desneces- sdrias. AVALIANDO O CONTEXTO DE ENCAMINHAMENTO Outras informagdes importantes a serem obtidas durante a conver- sa telefnica inicial centram-se no contexto do encaminhamento. Jamais poderemos enfatizar suficientemente a importincia de compreender o contexto do encaminhamento. Muitas vezes, a terapia nado pode come- gar porque o terapeuta fica imobilizado por questées decorrentes do encaminhamento. Considerem, por exemplo, a seguinte situagao: Uma terapeuta familiar certa vez quis me encaminhar uma familia por estar empacada depois de tratar a familia por cerca de um ano. A esposa tomou-se suicida depois que seu marido psicdlogo a deixou por outra mulher, ¢ a familia e a terapeuta encaminhadora estavam preocupadas com as ameagas da esposa de que iria se matar, A familia ¢ a terapeuta queriam que ela fizesse terapia, e ela se recusara. A terapeuta encami- nhadora nao sabia © que fazer, de modo que estava me encaminhando o caso para que eu ajudasse a familia a conseguir que a esposa aceitasse a lerapia, e desistisse de se matar. Se eu tivesse concordado em atender essa mulher ou sua familia, teria me conluiado ainda mais com a familia ¢ a terapeuta contra a esposa, dessa maneira deixando-a ainda mais fora desse conluio, Igualmente, eu estaria concordando tacitamente em ser responsivel por impedit que ela se matasse (veja a segao no Capitulo 7 sobre a vigilincia em relagdo ao suicidio.) Na minha opinido, a familia estava tentando escapar do perigo de ser responsivel por um suicidio, assim como a terapeuta encaminha- dora, Eu manejei a situagao lembrando a terapeuta de que a familia - nao a terapeuta - era a responsavel por colocar essa mulher em tratamento. Se ela se recusas: ser tratada, a responsabilidade seria dela e da familia. Eu também disse a terapeuta encaminhadora que ela era a terapeuta da familia e sabia muito mais sobre a familia do que eu. Conseqientemente, ela deveria continuar sendo a terapeuta. Se ela continuasse empacada, depois que a familia colocasse a mulher em tratamento, eu teria prazer em judi-la, observando uma sesso através de um espelho de observagao, como consultor ou como parte de uma equipe. Este exemplo mostra como € facil um encaminhamento se trans- formar num conluio se o terapeuta ndo examina ou nao compreende o contexto de encaminhamento, Depois de compreender esse contexto, 16 Jou S. BeRGMan podemos lidar de modo muito mais efetivo com a dindmica familiar também com a dinimica do relacionamento entre o terapeuta que estd encaminhando © caso € 0 terapeuta que esté recebendo o encaminha- mento. Um outro exemplo vem de minha experiéncia com encaminha mentos de colegas. Quando eu era um terapeuta jovem e ingénuo, nao examinava com muito cuidado os encaminhamentos recebidos de cole- gas. Depois de ser "morto" algumas vezes, eu comecei a avaliar como a dinAmica entre mim e 0 colega que encaminhava desempenhava um papel importante nos tipos de familias que eram encaminhados e na evolugdo do tratamento. Lentamente, comecei a perceber que os en- caminhamentos dos colegas se enquadravam em categorias, tais como "amistoso", "inamistoso", 'limpo" e "traigoeiro". Um encaminhamento amistoso, na minha opinido, vem de um colega que basicamente respei ta meu trabalho ou gosta de mim, e est4 fazendo o encaminhamento por estar genuinamente empacado, ou por alguma outra razdo legitima, como © paciente querer comegar terapia de casal ou familiar. No caso de um encaminhamento amistoso, eu nao examino tao cuidadosamente © contexto de encaminhamento, porque uma boa filtragem ja foi feita pelo terapeuta que esté encaminhando, O terapeuta encaminhador amistoso normalmente me liga e explica a situagAo, e entao eu concor- do ou nao em aceitar o encaminhamento. O contexto de encaminhamento inamistoso ou traigoeiro precisa ser escrutinado cuidadosamente. Se © terapeuta encaminhador nao gosta de mim ou nao respeita meu trabalho, ou compete muito comigo (ou eu com ele), eu aprendi a dirigir minha atengao a dinamica do en- caminhamento. Nesses casos, eu quase que invariavelmente fago um contato com ele antes de falar com a familia, 0 casal ou o individuo, e descubro 0 que est acontecendo. Durante a conversa telefnica com o terapeuta encaminhador, eu tento compreender a dindmica familiar ea dindmica do encaminhamen- to, e obter um quadro das razOes para o encaminhamento. As vezes, as razOes sho Jegitimas, tais como: 0 terapeuta encaminhador se sente es- magado, precisa de um co-terapeuta ou de uma equipe, ou é indicada uma abordagem estratégica vigorosa. Outras vezes, as razOes para o en- caminhamento sdo absolutamente malucas, como quando o terapeuta encaminhador quer que eu lide com uma parte nao-ansiosa do sistema, ou segure a mao de alguém, ou impega alguém de se matar. E interes sante como alguns pensadores sistémicos maduros, de primeira linha, as vezes me encaminham uma crianga de seis anos de idade para tera~ pia infantil. Quando recebo esses encaminhamentos, sugiro uma manei ra de incluir, em vez de excluir, a pessoa encaminhada, e delicadamente recuso 0 encaminhamento por raz6es sistémicas. PESCANDO BARRACUDAS 17 's, recebo um encaminhamento ambiguo, que também me- rece um cuidadoso escrutinio ¢ com o qual costumo lidar estrategica- mente. Por exemplo, um paciente pode ligar e pedir para ser atendido, © quando pergunto A pessoa como conseguiu meu nome, ela ou dé o nome de um terapeuta do qual jamais ouvi falar ou diz que "esqueceu" © nome da pessoa que me indicou. Aqui, 0 terapeuta encaminhador nilo s6 ndo me telefonou, como também nem sei seu nome. Quando corre uma situagdo desse tipo, digo A pessoa que nao reconheco o nome do terapeuta encaminhador e pego a ela para descobrir seu nome e dizer a ele para me telefonar. Nessas situagdes, eu raramente recebo um segundo telefonema, quer do terapeuta encaminhador quer do pa- ciente em perspectiva. Eu ainda nao sei bem por que nao recebo um segundo telefonema dessas pessoas, mas sei com certeza que ha algu- ma coisa no ar e que © problema individual ou familiar nado é assim tao grave. As pessoas que querem ajuda descobrirao 0 nome do terapeuta ou da fonte encaminhadora. As pessoas que nao querem me dizer o nome da fonte encaminhadora estao fazendo algum tipo de jogo que nao estou interessado em jogar. Uma outra questéo importante a considerar quando falamos com algum membro da familia durante o contato telef6nico inicial é se eles estiio ligando porque querem ajuda ou porque alguma outra pessoa fora da familia quer que recebam ajuda. Normalmente, durante essa conversa eu tento fazer uma codificagao nao-verbal (conhecida como analégica) do nivel de ansiedade e resisténcia do sistema em questao, Eu consigo essa codificag’o ou entendimento basicamente a partir das qualidades da voz e da descrigdo do problema ou sintoma. Quando meu terceiro ouvido me diz que h4 muito pouca ansiedade aqui, cu investigo melhor por que estou sendo chamado e 0 que familia quer, Nessas situagdes, geralmente acabo sabendo que nao é a familia que estA ansiosa, e sim o terapeuta encaminhador. O terapeuta pode estar mais motivado para o tratamento do que a familia O que casos € pedir A familia que faga com que o te rapeuta encaminhador me telefone. Se ele telefona, verifico minha hi- potese investigando suas respostas analégicas. Se a pessoa que encami nha est mais ansiosa do que a familia encaminhada, eu normalmente explico a situagdo ao terapeuta e lhe digo que terei muito prazer em tratar a familia num outro momento, se e quando seu nivel de ansieda- de aumentar, Esta explicagio normalmente é suficiente e geralmente muito Util para a pessoa que esté fazendo o encaminhamento. Uma variagao disso ocorre freqiientemente quando um membro ansioso da familia me telefona e me pede para fazer terapia familiar com membros da familia menos claramente ansiosos. O que faco nesses casos é pedir ao membro ansioso da familia que os membros menos ansiosos me telefonem. Se outras pessoas da familia me ligam e me in- 18 Jou, S. BERGMAN dicam que existe ansiedade suficiente no sistema familiar, eu marco uma hora para toda a familia, Numa linha semelhante, se um membro ansioso me telefona e pede uma sessio familiar, eu s6 Ihe marco uma hora se toda a familia vier. Se outros membros da familia nao estdo dispostos a vir A primeira Sessdo, € a pessoa ansiosa continua a telefonar, eu Ihe marco uma hora individual ¢ tento modificar 0 sistema orientando a pessoa que esta buscando 0 tratamento. O que eu ndo fago é marcar uma hora de terapia familiar com a pessoa ansiosa baseado apenas em minha conversa com ela. Geralmen- te, 0 que acontece nesses casos é que a familia (toda ou parte dela) ndo aparece para tratamento, ou, se aparece, é uma sessio "desperdiga- da", um desperdicio do tempo do terapeuta ¢ da familia, Uma quanti- dade imensa de tempo e de energia terapéutica pode ser poupada se lidarmos com essas questOes durante a conversa telef6nica inicial. Um outro exemplo de um exame cuidadoso do contexto encami- nhador vem de uma experiéncia que tive com um analista que telefo- nou para fazer um encaminhamento, O analista estava tratando um casal que havia buscado tratamento por causa do filho, que era cronicamente psicotico, Entretanto, o filho se re- cusara a ser tratado e nunca viera as sessOes; consequentemente, 0 analis- ta nunca o atendera, © analista concordou em tratar a familia sem o filho, achando que po- deria ajudar ao fazer terapia conjugal com o casal. Todavia, durante a te- rapia conjugal, o casal s6 falava sobre o filho. A ansiedade estava esca- lando nesse sistema, ¢ os pais temiam que seu filho se tornasse um outro Hinckley. © analista pediu que eu fizesse terapia familiar enquanto ele continua- va a fazer "terapia conjugal". Minha primeira resposta foi Ihe perguntar se ele era democrata ou republicano, Sua risada me revelou que ele nao 6 apreciava meu senso de humor como também compreendia seu proprio dilema, Os erros cometidos pelo terapeuta foram o de concordar em tratar a familia sem ver 0 filho e 0 de oferecer terapia de casal quando esta nado havia sido solicitada. Ele, claramente, ndo percebeu o conluio entre os pais © o filho, que permitia ao filho estar ausente das sessdes de trata- mento, O terapeuta estava tentando estabilizar um sistema nos termos da familia, € ndo nos seus préprios termos. Ele involuntariamente ajudou o sistema a permanecer igual a0 concordar com a agenda do casal de fazer terapia na auséncia do filho. © filho estava piorando, em parte, para tor- nar-se independente e deixar a familia, e o terapeuta estava tratando o casal em um certo lugar, quando a agao estava acontecendo num outro lugar. Eu expliquei isso ao terapeuta, e ele concordou com a minha avalia- Ao. Eu também Ihe disse que se sentisse A vontade para me encaminhar PESCANDO BARRACUDAS 19 familia quando 0 "trabalho conjugal" fosse completado. Se, num futuro proximo, este caso me fosse encaminhado, eu ndo comegaria o tratamen- toa menos que o filho fosse inclufdo. Eu também disse ao terapeuta que © filho iria finalmente piorar até haver nesse sistema ansiedade suficiente para que o casal no tivesse outra escolha a no ser incluf-lo no tratamento, AVALIANDO A RESISTENCIA HA maneiras de detectar a resisténcia numa conversa telefonica inicial. Como j4 foi mencionado, a resisténcia As vezes tem uma forma sutil; outras vezes, ela nao é nada sutil. Uma das minhas expressdes de resisténcia favoritas é a chamada inicial de uma cabina telef6nica. Eu nao s6 me divirto com o drama, mistério e intriga de uma chamada dessas, como também me divirto com as tentati- vas da pessoa de limitar a conversa a trés minutos. A pessoa nunca tem uma ficha adicional para prolongar a conversa, O que fago nesses casos & explicar que nossa conversa provavelmente levard mais de trés minutos, € que eu gostaria de conversar com ela em um telefone residencial. Por al- guma razio, nunca recebo uma segunda ligagto, £ claso, € possivel que a pessoa seja pobre e nio tenha telefone em casa. Entretanto, tenho certeza de que um vizinho, amigo ou parente h4 de ter um telefone, que poderia ser usado, As pessoas com problemas que querem tratamento nao ligam de cabinas telefonicas - a menos que sejam parandides e achem que seu te- lefone esta grampeado! Uma outra expresso de resisténcia que aprecio € quando a pessoa insiste muito com perguntas sobre minhas credenciais ou qualidades pessoais. Eu normalmente respondo a essas perguntas educadamente, e na maioria dos casos isso é suficiente. As pessoas realmente tém o di- reito de saber alguma coisa sobre vocé. Por outro lado, em virtude do sistema de encaminhamento no qual trabalho, as pessoas motivadas para ajudar sabem mais sobre mim do que eu sei sobre elas. A maioria dos encaminhamentos que recebo em meu consult6rio particular é de colegas do Instituto Ackerman ou de colegas de outros consultérios que fazem psicoterapia individual e estio encaminhando pessoas para algum trabalho sistémico. Certo dia, uma pessoa estava me criticando, a0 questionar ndo apenas as minhas credenciais como também a minha idade, temendo que eu fos- se jovem demais para lidar com o problema da familia. Sem conseguir me segurar ¢ ser educado, eu concordei com a mulher e a mandei para um colega que tinha 75 anos de idade, Duas semanas mais tarde, recebi um

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