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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

MESTRADO ACADÊMICO EM SAÚDE COLETIVA

MAYANA DE AZEVEDO DANTAS

O “APRENDIZADO SENTIDO NO CORPO, UMA POTÊNCIA DE CUIDADO,


ESCUTA E CURA”: a (trans)formação dos/as educadores/as populares do
EdPopSUS Ceará

FORTALEZA - CEARÁ

2019
MAYANA DE AZEVEDO DANTAS

O “APRENDIZADO SENTIDO NO CORPO, UMA POTÊNCIA DE CUIDADO,


ESCUTA E CURA”: a (trans)formação dos/as educadores/as populares do
EdPopSUS Ceará

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Saúde Coletiva -
Mestrado da Universidade Estadual do
Ceará, como requisito parcial para
obtenção do grau de mestre em Saúde
Coletiva. Área de Concentração: Políticas,
Gestão e Avaliação em Saúde.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Rocineide


Ferreira da Silva.

FORTALEZA – CEARÁ
2019
MAYANA DE AZEVEDO DANTAS

O “APRENDIZADO SENTIDO NO CORPO, UMA POTÊNCIA DE CUIDADO,


ESCUTA E CURA”: A (TRANS)FORMAÇÃO DOS/AS EDUCADORES/AS
POPULARES DO EDPOPSUS CEARÁ

Dissertação apresentada ao Curso de


Mestrado Acadêmico em Saúde Coletiva
do Programa de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva do Centro de Ciências da
Saúde da Universidade Estadual do Ceará,
como requisito parcial à obtenção do título
de mestre em Saúde Coletiva. Área de
Concentração: Políticas, Gestão e
Avaliação em Saúde.

Aprovado em: 14 de janeiro de 2019.

AVALIAÇÃO

Profa. Drª Maria Rocineide Ferreira da Silva


Universidade Estadual do Ceará – UECE

Profa. Drª Vanderleia Laodete Pulga


Universidade Federal da Fronteira Sul-UFFS

Profa. Drª Lúcia Conde de Oliveira


Universidade Estadual do Ceará - UECE

Profa. Drª Maria Marlene Marques Ávila


Universidade Estadual do Ceará - UECE
RESUMO

As práticas de educação em saúde são pautadas, hegemonicamente, pela intenção


de mudar o comportamento das pessoas em relação ao que compreendemos ser
melhor para a qualidade de vida das mesmas. Tais práticas partem da perspectiva
autoritária de educação, contribuindo para o velamento da determinação social da
saúde, que o Sistema Único de Saúde - SUS traz como um dos marcos teóricos. Neste
âmbito, é instituída, em 2013, a Política Nacional de Educação Popular em Saúde –
PNEPS-SUS, resultado do desejo dos movimentos sociais e populares
comprometidos com a construção de uma sociedade equânime e menos opressora.
No intuito de fortalecer o SUS a partir da transformação da realidade cotidiana de seus
serviços, a principal estratégia de implantação desta política tem sido o Curso Livre
de Educação Popular em Saúde – EdPopSUS. O mesmo pressupõe a Atenção
Primária como terreno fértil de tais ações, orientando-se prioritariamente para Agentes
Comunitários de Saúde, como educadores populares em potência. A facilitação desse
processo se dá em dupla de educadores/as que participam, anteriormente, de uma
formação em educação popular em saúde. No estado do Ceará, esse processo
configurou-se numa estratégia de educação permanente, realizando-se também após
o início do percurso nos territórios. Este estudo propõe-se a analisar tal processo,
tendo, como sujeitos da pesquisa, estes educadores e educadoras. Procuramos,
ainda, descrever saberes e práticas, mapear o conjunto de práticas educativas, relatar
as formas de fortalecimento da autonomia dos/as educadores/as, bem como
investigar as potencialidades e situações-limites que perpassam esta formação. A
pesquisa tomou, como referencial, a abordagem qualitativa de cunho exploratório,
tendo, como método, o estudo de caso. Para produção dos dados, utilizamos as
entrevistas em profundidade e a observação participativa. A análise dos dados foi
orientada pela análise temática de Minayo, seguindo as etapas de pré-análise,
exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Na
segunda etapa, tivemos o auxílio do programa Iramuteq. A análise resultou em quatro
temas: o chão(-universo) da educação popular, o processo formativo dos/as
educadores/as, a condução em dupla e as aprendizagens com o corpo todo. A
educação popular em saúde revelou-se um espaço de diálogo entre saberes diversos
que segue de encontro à ideia de especialização. O curso revelou-se uma proposta
inovadora que pode estar ampliando as práticas e concepções educativas em saúde,
ao incluir dimensões como a corporeidade e a espiritualidade. Os princípios da
educação popular foram acessados como atos-limites para os desafios encontrados
e o processo de continuidade pode ter se configurado como um exercício de
compromisso com os territórios.

Palavras-chaves: Educação popular em saúde. Formação de formadores. Educação


permanente em saúde. Integralidade. Saúde coletiva.
ABSTRACT

Health education practices are hegemonically based on the intention to change

people's behavior in relation to what we understand to be better for their quality of life.

Such practices start from the authoritarian perspective of education, contributing to the

concealment of the social determination of health, which the Unified Health System -

SUS brings as one of the theoretical frameworks. In this context, the National Policy

for Popular Education in Health (PNEPS-SUS) is created in 2013, as a result of the

desire of social and popular movements committed to building an equitable and less

oppressive society. In order to strengthen the SUS based on the transformation of the

daily reality of its services, the main strategy to implement this policy has been the

Free Course of Popular Education in Health - EdPopSUS. The course assumes

Primary Care as a fertile ground for such actions, focusing primarily on Community

Health Agents as potential educators. The facilitation of this process is done in pairs

of educators who have previously participated in a training in popular education in

health. In the state of Ceará, this process was set up in a strategy of permanent

education, also taking place after the beginning of the course in the territories. This

study proposes to analyze this process, having, as research subjects, these educators.

We also try to describe knowledge and practices, to map the set of educational

practices, to report on ways to strengthen the autonomy of educators, and to

investigate the potentialities and limiting situations that pervade this formation. The

research took, as a reference, the qualitative approach of exploratory nature, having,

as a method, the case study. For data production, we used in-depth interviews and

participatory observation. The analysis of the data was guided by the thematic analysis

of Minayo following the steps of pre-analysis, exploration of the material and treatment

of the obtained results and interpretation. In the pre-analysis, we had the help of the

Iramuteq program. The analysis resulted in four themes: the ground(-universe) of

popular education, the formative process of the educators, the double conduction and

the learning with the whole body. Popular health education has proved to be a space
for dialogue between different knowledges, opposing the idea of specialization. Faced

with the challenges encountered during the formation, it was possible to materialize

boundary-acts through learning with the principles of popular education. The process

of continuity was set up as an exercise of commitment to the territories and the initial

course was an innovative proposal that expanded educational practices and

conceptions in health by including dimensions such as corporeity and spirituality.

Keywords: Popular health education. Formation of trainers. Permanent education in

health. Integrality. Collective health.


AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer aos que se fizeram presente neste percurso como mestranda.
A minha mãe Vera por ter me dado chão pra chegar até aqui não só com seu afeto e
suporte, mas pelo exemplo de compromisso com o que se propõe a fazer. Aos meus
irmãos Samuel (e sua noiva Nayara e meus sobrinhos João e Isaac), Raímia e Uirá
que sempre me motivam a ser mais. Aos meus filhos Amandy e Naara que reacendem
cotidianamente minha vontade de viver e de amar. A meus familiares que, mesmo
distantes, emanam energias de luz para que eu supere cada desafio: Rejane,
Paulinho, Renata, Edjan, Eliete, Karol, Paulinha e Paulinho Filho. À nossa grande
mestra, Francisca, minha vó, e Cipriano, nosso vô, que já se encontram no plano
espiritual. À vovó Dezinha que partiu no fim dessa jornada, por tantos ensinamentos,
afeto e boas vibrações. À minha família paterna, de onde vem minha ancestralidade
africana, com a qual por diversos motivos, inclusive este, não pude ter contato. Aos
meus irmãos da capoeira angola, Dayse, Jomar e Ítalo, e ao meu mestre, Armando
Leão. Em meio ao mestrado, somos frequentemente convidados a abandonar o corpo
e nossa ancestralidade, o que a energia da capoeira não permitiu. E àqueles que
vivenciaram a capoeira comigo em outros momentos e que contribuíram para que eu
mantivesse essa conexão: Gezim, Ruy, Dani, Denis, Ziane, Larissa, Ivete, Samara —
a quem eu citei no trabalho, Sérgio… são tantos e tantas... “Yiê e viva a capoeira,
nossa ancestralidade!” À minha orientadora, professora Rocineide, pelo bom encontro
nesta jornada, ensinando-me a produzir academicamente com desejo e sentido, como
quem faz microrrevoluções. Ao LAPRACS e aos/às que compõem a linha de pesquisa
APS em Movimento. Leilson, Gislândia, Eliziane, Alexandra, Camila, Eduardo,
professores Augusto e Lucilane... dos que contribuíram com a pesquisa mais
diretamente: Alice e Mikaelly, que me ajudaram na coleta, André que me auxiliou com
o programa Iramuteq. À UECE, uma casa que, desde a graduação, me possibilitou
diversos aprendizados, acadêmicos e de vida, na qual vivi paixões alegres e tristes,
além de tantas amizades. Ao CH da UECE para o qual retornei em uma disciplina e
em diversos debates, reencontrando pensadores e pensadoras que me ajudaram a
ressignificar a articulação entre filosofia e saúde em tempos de cerceamento do
refletir. Lembro-me especialmente de meus amigos Jair, Adilbênia, Lailson e dos/as
professores/as Gustavo Costa, Eliana Paiva, Emiliano Aquino, Ilana Amaral, Ruy
Castro... Aos/às que fazem o Ekobé, onde pude, neste momento, me afastar do lugar
de cuidadora para me cuidar. Com destaque para Matheus, Vera, Milza, Edvan,
Wagner, Mayara, Lima, Giseldo, Aparecida, Mariana, Jane… Aos/às que fazem o
PPSAC. Coordenadores/as e professores/as com quem aprendi, discordei, ri, me
impressionei... Às meninas da secretaria que amenizam tantos pesos burocráticos e
estão sempre prontas a ajudar. Aos meus companheiros e companheiras de mestrado
que navegaram comigo nesse mar de discussões e produções. Especialmente
àqueles e àquelas que me mostraram que nenhum saber supera o afeto. À
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES que me
concedeu uma bolsa de estudo por um ano para que eu pudesse efetivar a pesquisa.
Aos/às companheiros/as do Curso de Especialização em Promoção e Vigilância à
Saúde Ambiente e Trabalho da Fiocruz, que reacenderam a chama da luta popular
em meio à produção de conhecimento. Às professoras que contribuíram com esta
dissertação em nossa banca de defesa: Vanderléia Daron, Marlene Ávila e Lúcia
Conde, que não só problematizaram mas, como diriam os cenopoetas Ray Lima e
Júnio Santos, poematizaram o trabalho. Aliás, tenho que agradecer ao Ray e à Regina
que me acolheram, no final da escrita, em sua casa na praia de Barreiras (Icapuí) e
ainda contribuíram com o trabalho de diferentes formas. Então, preciso agradecer ao
mar! Essa força que se chama Yiemonjá! Odoyá! Aos/às que se fizeram presentes em
minha defesa: Gigi, Olga, Thayzinha, Claudinha, Jordana, minha mãe Vera, meu
irmão Uirá, meus filhos Amandy e Naara, em especial ao primeiro que tocou agô-gô
comigo e me presenteou com a força da ancestralidade e das aprendizagens com a
capoeira naquele momento, D. Marlene, Clarissa, aos/às educadores/as populares
que compuseram comigo esta pesquisa, Edson, Edvan e Elias, Jô. Principalmente ao
Posto Dom Aloísio Lorscheider, que abriu as suas portas para esta defesa cheia de
bons encontros e imprevistos. Ao EdPopSUS, seus educadores e educadoras,
coordenadores/as e apoiadores/as (Fá, Jadiel, Gislei, Ronaldo, Grasielle). Pessoas
que me ensinaram tanto sobre o ato de educar, acolhendo-me e imprimindo
compromisso e afeto em cada contribuição à pesquisa. Viva a Educação Popular! Viva
Paulo Freire e tantos que fizeram de seu discurso utópico e amoroso uma força motriz
para sua prática!
“Não sei se a vida é curta ou longa para
nós, mas sei que nada do que vivemos tem
sentido se não tocarmos o coração das
pessoas. Muitas vezes, basta ser: colo que
acolhe, braço que envolve, palavra que
conforta, silêncio que respeita, alegria que
contagia, lágrima que corre, olhar que
acaricia, desejo que sacia, amor que
promove. E isso não é coisa de outro
mundo, é o que dá sentido à vida. É o que
faz com que ela não seja nem curta, nem
longa demais, mas que seja intensa,
verdadeira, pura enquanto durar. Feliz
aquele que transfere o que sabe e aprende
o que ensina”.
(Cora Coralina)
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................... 12
1.1 APROXIMAÇÃO COM O TEMA................................................................. 12
1.2 DELIMITAÇÃO DO OBJETO...................................................................... 12
2 MARCO TEÓRICO..................................................................................... 17
2.1 OS MOVIMENTOS SOCIAIS E O SUS....................................................... 17
2.1.1 Reforma Sanitária Brasileira em tempos de ditadura............................ 17
2.1.2 Alma-Ata: um parêntesis?....................................................................... 20
2.1.3 O processo de redemocratização do país.............................................. 22
2.2 AGENTES COMUNITÁRIOS/AS DE SAÚDE: EDUCANDOS/AS-
EDUCADORES/AS DO EDPOPSUS......................................................... 24
2.3 OS MOVIMENTOS DE EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE E A
CONSTRUÇÃO DA PNEPS-SUS.............................................................. 33
2.4 FORMAÇÃO DE FORMADORES/AS: “QUEM EDUCA É EDUCADO,
QUEM É EDUCADO EDUCA” ................................................................... 36
3 OBJETIVOS............................................................................................... 39
3.1 OBJETIVO GERAL..................................................................................... 39
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS...................................................................... 39
4 MÉTODO.................................................................................................... 40
4.1 TIPO DE PESQUISA.................................................................................. 40
4.2 CENÁRIO E PERÍODO.............................................................................. 41
4.3 PARTICIPANTES DA PESQUISA.............................................................. 43
4.4 CRITÉRIOS INCLUSÃO-EXCLUSÃO........................................................ 43
4.5 PRODUÇÃO DE DADOS - TÉCNICAS E INSTRUMENTOS PARA
COLETA DE DADOS.................................................................................. 44
4.6 ASPECTOS ÉTICOS.................................................................................. 44
4.7 ANÁLISE DE DADOS................................................................................. 45
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO................................................................. 54
5.1 O CHÃO(-UNIVERSO) DA EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE............... 54
5.2 “UMA SEMENTE ABRINDO A TERRA PARA GERMINAR”: O
PROCESSO FORMATIVO COM OS/AS EDUCADORES/AS DO
EDPOPSUS............................................................................................... 61
5.2.1 “Quando a gente se encontra...” é um reencontro: o processo inicial
de 40h........................................................................................................ 61
5.2.2 “Mergulhar no traçado pedagógico”: dos princípios da educação
popular...................................................................................................... 64
5.2.3 “A soma é que tem valor e não o saber individualizado”: situações-
limites de uma formação em disputa...................................................... 68
5.2.4 “Quando o vento sopra e apaga as velas, tem que ajustar”: o
processo de ação-reflexão-ação............................................................. 70
5.3 “VENHA COMO QUEM VEM NAMORAR”: A CONDUÇÃO EM DUPLA E
A PRODUÇÃO DE ATOS-LIMITES............................................................ 72
5.4 ARTE, ESPIRITUALIDADE, CUIDADO E CONHECIMENTO:
APRENDIZAGENS COM O CORPO TODO............................................... 75
5.4.1 “Um espaço em que as pessoas se armam de amor”: o corredor
cenopoético do cuidado.......................................................................... 76
5.4.2 Feira do Soma-sempre: “produzir conhecimento dentro do caos”...... 82
5.4.3 O poema, o toque, a espiritualidade: “extravasam a maneira como a
gente aprende o que é aprender” ........................................................... 85
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... 94
REFERÊNCIAS.......................................................................................... 98
APÊNDICES.............................................................................................. 113
APÊNDICE A – QUESTÕES NORTEADORAS......................................... 114
APÊNDICE B – LADAINHA....................................................................... 115
ANEXOS.................................................................................................... 116
ANEXO A – Aprovação do Comitê.......................................................... 117
ANEXO B – Ata de defesa........................................................................ 118
ANEXO C – Fotos..................................................................................... 119
12

1 INTRODUÇÃO

1.1 APROXIMAÇÃO COM O TEMA

Cresci acompanhando o Movimento Escambo Popular Livre de Rua,


através do qual tive meu primeiro contato com a educação popular. Na época de
minha graduação em Filosofia, me inseri no projeto Cirandas da Vida em Fortaleza-
CE. Neste âmbito, através dos Escambos de Arte e Cultura, conheci o Grupo de
Capoeira Angola Jangada Liberdade, de Mestre Armandinho, que vem me mostrando
a importância da ancestralidade na produção de autonomia. Em 2011, insiro-me na
Universidade Popular de Arte e Ciência, que me impulsionou a fazer teatro, junto a
um grupo de jovens atores das Cirandas e de movimentos populares. Desta
experiência, desdobrou-se o projeto Escuta em Cena que propiciou vivências e
manifestações artísticas com usuários e usuárias dos serviços de Saúde Mental de
uma Regional de Fortaleza, no intuito de fortalecer o protagonismo dos/as mesmos/as.
Neste mesmo ano, inseri-me como educadora popular no Curso Livre de Educação
Popular em Saúde-EdPopSUS, no qual atuei em todas as edições, inclusive a que se
põe como objeto deste estudo. O contraste entre tais vivências com os espaços de
formação convencional (desde a escola, passando pela graduação, pós-graduação e
mesmo no trabalho) tem me inquietado e me feito refletir sobre os entraves e as
possibilidades de diálogo entre estes âmbitos para alcançarmos uma educação e uma
saúde mais inclusivas e dinâmicas.

1.2 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA

No Brasil, a Reforma Sanitária propiciou a criação do campo da Saúde


Coletiva e consagrou, no Sistema Único de Saúde (SUS), o conceito ampliado de
saúde, enfatizando sua multidimensionalidade e determinação social (MERHY,
FEUERWERKER, CECCIM, 2006). Apesar disso, a formação dos/as trabalhadores/as
e profissionais de saúde segue orientada pela centralidade no hospital, na hierarquia
biologicista e na fragmentação entre clínica e política (CECCIM, FERLA, 2008).
Sob esta perspectiva, a educação em saúde tem se pautado
exclusivamente na mudança do comportamento das pessoas e na difusão de
13

conhecimentos, tendo se desenvolvido hegemonicamente de forma autoritária e


normativa (VASCONCELOS,1999). Tais ações estão demarcadas pela perspectiva
positivista que traz consigo uma compreensão determinista das questões sociais,
interligada à indução de um olhar neutro sobre a ciência e, consequentemente, de
uma perspectiva bancária de educação (ESCOREL, 1999, FREIRE, 2016).
O SUS trouxe-nos a promoção à saúde como um novo marco, havendo,
com isso, um estímulo à produção de autonomia da população e à reflexão por parte
dos formadores e formadoras sobre a diversidade cultural do país (SANT´ANNA E
HENNINGTON, 2011). Nessa concepção, a Atenção Primária à Saúde (APS) é
compreendida como terreno fértil para a ação educativa (DAVID, 2017).
A atenção integral à saúde das pessoas e das coletividades configura-se
um dos principais objetivos do SUS (COLLAR, ALMEIDA NETO E FERLA, 2015). O
SUS, porém, se constitui em meio a um complexo campo de forças. A necessidade
de mobilizar uma competência em Educação Permanente em Saúde (COLLAR,
ALMEIDA NETO E FERLA, 2015) impulsionou a aprovação da Política Nacional de
Educação Permanente em Saúde (PNEPS1) 1, em 2004, para cumprir um dos mais
ilustres ideários da reforma sanitária: “tornar a rede pública de saúde uma rede de
ensino-aprendizagem no exercício do trabalho” (CECCIM, 2005).
No contexto do SUS, a busca pela produção de cidadania, a sustentação
do campo da Saúde Coletiva e do controle social enfrentam-se permanentemente com
o modelo biomédico e a mercantilização da saúde. De modo que a formação do/a
profissional e do/a trabalhador/a de saúde segue com resistência a esses avanços, o
que acaba por facilitar o desmonte dos direitos conquistados (CECCIM, FERLA,
2008).
A PNEPS1 demarca um ponto de interseção entre ensino, trabalho e
cidadania (CECCIM, FERLA, 2008), tendo, como uma de suas referências, a
pedagogia freiriana. “O conceito de educar para o trabalho em saúde deveria deixar
de ser a transferência de recursos cognitivos e tecnológicos” (CECCIM, FERLA, 2008,
p. 446) para ser uma problematização sobre as diversas disputas que caminham junto
à conquista do SUS. Desta forma, teríamos uma educação transformadora da
realidade e não meramente conformadora com o que está posto para a manutenção
das visões de serviço e de ensino na saúde como mercadorias.

1
Adotaremos, para a Política de Educação Permanente em Saúde, a sigla PNEPS1, visto que a sigla
PNEPS também faz referência à Política de Educação Popular em Saúde.
14

A trajetória dos movimentos populares geridos pelo referencial da


educação popular, especialmente o compromisso político com as classes populares,
tem contribuído para a transformação da educação em saúde (VASCONCELOS,
1999). Desta maneira, a educação popular em saúde pode ser compreendida como
um braço dos movimentos sociais na luta pelo direito à saúde, dentro do campo da
Saúde Coletiva (DANTAS, 2011).
A perspectiva da educação bancária, por sua vez, propicia o enfoque no
combate às doenças e no velamento da determinação social da saúde, dificultando a
percepção de que o combate às doenças e a manutenção do máximo nível de saúde
são ajustados com a exploração da classe trabalhadora e a ganância por lucros,
especialmente por causa de suas implicações para a vida social (STOTZ, 2005).
A educação popular em saúde vem sendo acionada como uma estratégia
para diminuir a distância entre os serviços e a população, podendo atuar pautada em
problemas de saúde específicos ou em questões relacionadas à operacionalização do
serviço (VASCONCELOS,1999). Desta maneira, a educação popular em saúde
apresenta-se como estratégia de educação permanente para fortalecimento do SUS,
sobretudo quando “procura fortalecer a relação com a população e os movimentos
sociais e criar vínculos entre as equipes de saúde e o pensar e fazer cotidiano da
população” (SANT´ANNA, HENNINGTON, 2011, p.225).
Em 2013 foi aprovada a Política Nacional de Educação Popular em Saúde
(PNEPS). A mesma foi construída com ampla participação popular por meio do Comitê
Nacional de Educação Popular em Saúde-CNEPS (BONETTI, PEDROSA, SIQUEIRA,
2011). Tal política veio com o intuito de reafirmar o compromisso com os princípios do
SUS e fortalecer a participação popular. Propõe, ainda, práticas político-pedagógicas
“voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a partir do diálogo entre
a diversidade de saberes, valorizando os saberes populares, a ancestralidade, o
incentivo à produção individual e coletiva de conhecimentos” (BRASIL, 2013a).
A implementação descentralizada da PNEPS nos vários estados e
municípios configurou-se como um desafio (VASCONCELOS, VASCONCELOS E
SILVA, 2015) mesmo quando o Ministério da Saúde estava sob a gestão de um
governo apoiador da participação popular. Tal desafio amplia-se atualmente num
contexto de retrocessos constitucionais impulsionado por forças conservadoras com
vistas à mercantilização dos direitos sociais. O desmonte do SUS apresenta, como
uma de suas linhas determinantes, a perda da priorização da Estratégia Saúde da
15

Família-ESF como modelo de APS e a descaracterização do papel do Agente


Comunitário de Saúde (ACS) (MOROSINI, FONSECA, LIMA, 2018). que outras demandas
foram apontadas?
A construção da PNEPS apontou que sua institucionalização deveria ter
como horizonte a potencialização do desejo de transformação, mobilizando atores
diversos para produção de uma saúde articulada com o campo da cultura popular
(BONETTI, PEDROSA E SIQUEIRA, 2011). Como principal estratégia de
implementação desta política, é proposto o Curso Livre de Educação Popular em
Saúde-EdPopSUS para ACS e Agente de Combate à Endemias (ACE).
Devido às suas origens comunitárias, o/a ACS apresenta um potencial de
atuação como educador/a popular (DAVID, 2017). Desta forma, o/a ACS tem sido o
público com maior presença no Curso. Porém sua interação com o/a ACE é um dos
propósitos da formação, no intuito de pensar ações intersetoriais entre Atenção e
Vigilância à Saúde (BORNSTEIN et al, 2016).
O EdPopSUS é executado por meio de uma parceria entre Ministério da
Saúde e Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio-EPSJV da Fundação
Oswaldo Cruz–FIOCRUZ. O mesmo já teve duas edições. A primeira (EdPopSUS1)
configurou-se como um curso técnico, enquanto a segunda (EdPopSUS2), como um
aperfeiçoamento. Este último tem, como objetivo, “contribuir com a implantação da
PNEPS, promovendo a qualificação da prática educativa de profissionais e lideranças
comunitárias que atuam em territórios com cobertura da Atenção Básica do SUS”
(FIOCRUZ, 2017a). Desta forma, o aperfeiçoamento incluiu, em seu público, além
dos/as trabalhadores/as da saúde, os movimentos sociais. detalhar papel de cada
um na dupla
Ambas as edições ocorreram em vários estados do Brasil. Os educadores
e educadoras que se inserem como facilitadores/as do EdPopSUS atuam em dupla e
passam por uma seleção pública composta, em sua última fase, por um processo
formativo em educação popular. O Ceará adotou uma dinâmica singular para o
processo formativo dos/as educadores/as que se constitui de forma permanente
durante todo o período do Curso.
Apresentamo-nos como pesquisadores/as atuantes como educadores/as
do EdPopSUS Fortaleza em todas suas edições, bem como de outros movimentos de
educação popular em saúde, expressando nossa implicação com o objeto
pesquisado. Configuramo-nos, portanto, como sujeitos militantes que pretendem ser
epistêmicos, o que nos coloca, de antemão, perante a situação-limite de que os
métodos de pesquisa científicos convencionais ainda se mostram insuficientes para
16

este tipo de processo (MERHY, 2004). Contudo, todo pesquisador ou pesquisadora é


um sujeito epistêmico — carregado/a de teorias e métodos, mas é também “cultural”
ou ideológico — escolhe e valoriza certos métodos, teorias, em detrimento de outras
(FREIRE, 2011a; MERHY, 2004). Na produção científica da área da saúde, as
escolhas dos/as pesquisadores/as constituem-se na definição política em torno do que
almejam discutir e na ciência das disputas nas quais estão entrando e com quem
(GOMES E MERHY, 2011).
Ao nos reconhecermos enquanto pesquisadores/as implicados/as,
pautamo-nos na recusa à condição reduzida de sermos suporte de valor (GUATTARI,
ROLNIK, 1996). Buscamos, enquanto educadores e educadoras populares, portanto,
comprometidos/as com a construção de uma sociedade menos opressora e enquanto
pesquisadores/as deste lugar, a possibilidade de “invenção de mundos”
(GUATTARRI, ROLNIK, 1996). Na intenção de pautar-nos não na padronização de
subjetividades, mas de aproximarmo-nos de uma trajetória de pesquisa mobilizadora
e descobridora de intensidades de nossa própria trajetória, fortalecendo a vontade de
afirmar nossa singularidade (GUATTARI, ROLNIK, 1996).
Partindo dessas premissas, perguntamo-nos: processos formativos de
educação popular em saúde podem contribuir na transformação das práticas
educativas dos trabalhadores e trabalhadoras em saúde, hegemonicamente pautadas
sob a lógica autoritária de educação? A partir de quais estratégias os/as
educadores/as do Curso EdPopSUS podem fortalecer o protagonismo de educandos
e educandas e possibilitar aos/às mesmos/as perceberem-se enquanto
educadores/as populares em saúde? A formação dos/as educadores/as tem, ainda,
atuado sob a perspectiva de suas incompletudes, para que possam incluir, portanto,
as experiências de vida dos/as educandos/as na construção do conhecimento? Este
processo tem nos instigado à reformulação de práticas educativas e de cuidado em
saúde que permitam a emancipação dos sujeitos, sua inventividade, autonomia e o
fortalecimento da participação popular no SUS?
Dado que a maneira de produzir saúde, no contexto da ESF, precisa ser
repensada (QUEIROZ, SILVA, OLIVEIRA, 2014) e frente à intenção do EdPopSUS de
fortalecer o SUS sob a égide da participação e da cultura popular, pretendemos,
através desta pesquisa, analisar o processo da formação do/a educador/a popular do
curso EdPopSUS.
17

2 MARCO TEÓRICO

2.1 OS MOVIMENTOS SOCIAIS E O SUS

A relação do SUS com os movimentos sociais parece-nos remeter-se à


própria história da saúde no desenvolvimento da sociedade capitalista. De onde veio
o SUS? Do movimento popular e da luta engajada de pesquisadoras e pesquisadores
acadêmicos e profissionais (STOTZ, 2005; ESCOREL, NASCIMENTO, EDLER, 2005.
PAIM, 2007; SOUZA, 2014). Porém é importante identificarmos que, no registro
dessas vozes, há aquelas que foram emudecidas (BENJAMIN, 1987), de modo que
os sujeitos populares pouco ou nunca têm tido lugar nas narrativas científicas desta
história. A partir das histórias oficiais que encontramos sobre a luta pela saúde como
um direito social do/a cidadão/ã brasileiro/a, podemos afirmar que o SUS começou a
ser gestado durante a ditadura militar, com o movimento da Reforma Sanitária
Brasileira.

2.1.1 Reforma Sanitária Brasileira em tempos de ditadura

O curto período de reabertura democrática do país entre o fim da era


Vargas e o golpe militar foi marcado pela efervescência cultural, intelectual e política
no país. Figuras como Josué de Castro e Paulo Freire trouxeram um olhar inovador
para os campos da saúde e da educação. As ciências sociais e humanas adentram
os cursos de medicina apontando um novo olhar sobre as questões da saúde
(ESCOREL, 1999). Na década de 1960, as organizações de promoção da cultura
popular cresceram, propiciando mais esclarecimento da população sobre a realidade
nacional (PIAIA et al., 2013).
Neste período, tem início o sanitarismo desenvolvimentista que apresentou
críticas ao modelo campanhista no campo da saúde (PONTE, REIS, FONSECA,
2010). O referido movimento ganha força na gestão JK, culminando na III Conferência
Nacional de Saúde durante o governo de João Goulart, último período democrático
brasileiro antes do golpe militar. Nesta Conferência, já se discutiu um conceito
ampliado de saúde, correlacionando-a ao desenvolvimento econômico e afastando-a
da doença como seu pressuposto, tendo ainda se criticado a verticalização dos
serviços e o caráter efêmero das campanhas que desfocava o olhar sobre a fragilidade
18

do sistema de saúde (ESCOREL, 1999; PONTE, REIS, FONSECA, 2010). O golpe


militar de 1964, porém, redefiniu de forma dramática as forças políticas dominantes,
pondo fim aos anseios por reforma e regressando às medidas centralizadoras
(PONTE, REIS, FONSECA, 2010).
O período da ditadura militar, no Brasil, correlaciona-se com o de outros
países da América Latina. Marcada por regimes autoritários que conquistaram o poder
por meio de golpes de Estado, reconhece-se, atualmente, a ampla participação do
governo norte-americano nesse processo. Sustentando-se nas forças repressivas
policial e comunicativa (censura), geraram grande concentração de renda sob o
pretexto de trazer ordem política e social além do fortalecimento da economia
(ESCOREL, NASCIMENTO, EDLER, 2005; LIMA, 2011; PONTE, REIS, FONSECA,
2010; PAIM, 2007).
A iniquidade na distribuição do crescimento econômico alcançado no
primeiro período da ditadura contribuiu para o aprofundamento da ferida histórica de
desigualdades sociais que tiveram início com a colonização do país, realizada por
meio da escravidão e do etnocídio indígena. Esses governos mantiveram-se no poder
por vinte e um anos (ESCOREL, NASCIMENTO, EDLER, 2005). Todavia, o próprio
movimento militar não tinha uma unidade de pensamento no que se referia ao modelo
de suas medidas. Alguns preferiam estratégias mais imediatistas e outros apontavam
para a necessidade de planejamento, preconizando a instauração da reforma agrária
para desconcentrar a renda e promover a ampliação do mercado interno (PONTE,
NASCIMENTO, 2010). No entanto, estas ideias iam de encontro aos interesses das
oligarquias agrárias que, como uma das bases de apoio ao regime, sustentou a aposta
no modelo econômico agroexportador. O “milagre econômico brasileiro” acelerou a
economia, retirando o proletário rural de suas terras com o fomento ao trabalho
urbano. O resultado foi um dos maiores êxodos populacionais da história mundial que
inchou as periferias das grandes cidades (PONTE, NASCIMENTO, 2010).
Na saúde, os anos iniciais do regime foram marcados por sua crescente
mercantilização e pelo fomento estatal às instituições previdenciárias que priorizavam
os atendimentos individuais, relegando os serviços públicos à segunda ordem
(ESCOREL, NASCIMENTO, EDLER, 2005). A unificação dos Institutos de
Aposentadoria e Pensões (IAPs) no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)
não foi capaz de ampliar o acesso à saúde, já que, no governo Médici, metade da
população trabalhava informalmente (ESCOREL, 2005; PONTE, NASCIMENTO,
19

2010). Tal lógica foi reforçada posteriormente com a criação do Instituto Nacional de
Previdência e Assistência Médica-INAMPS, por meio do qual instalou-se uma
drenagem dos recursos públicos, capitalizando as empresas de medicina privada,
pública?
fazendo da saúde um negócio lucrativo (PONTE, NASCIMENTO, 2010; FALLEIROS
et al., 2010).
Os resultados dos rumos do regime militar apontaram para o inverso do
prometido. A subordinação ao mercado internacional aprofundou a vulnerabilidade do
país, reverberando num contexto onde as classes populares tinham péssimas
condições de saúde e não refletiam, portanto, o crescimento econômico do país
(ESCOREL, EDLER, NASCIMENTO, 2005). A crise sanitária que se apresentava foi
o resultado de um sistema caracterizado pelo modelo previdenciário, curativo e
individual com forte financiamento, e pelo público, preventivo e focado na coletividade,
com pouco ou quase nenhum recurso para ser gerido (ESCOREL, 1999).
O modelo focado na especialidade médica mostra-se insuficiente para lidar
com a complexidade de problemas “advindos de uma industrialização acelerada, em
condições de intensa exploração, baixa incorporação dos trabalhadores ao mercado
formal de trabalho e precária organização de infraestrutura urbana” (STOTZ, 2005,
p.12,). Não conseguindo dar conta da complexidade dos problemas sociais, a saúde
entra em crise junto ao regime que caiu em descrédito por grande parte da sociedade
(SOUZA, 2014).
Marcado por uma “conjuntura de crise econômica (...) e de ascensão do
movimento social de contestação ao regime autoritário” (SOUZA, 2014, p. 12), este
cenário abriu as cortinas para que as forças descontentes com os resultados dos
rumos do regime fossem tomando forma e dando estímulo à gradual reabertura
política do país por meio do reformismo autoritário (STOTZ, 2005).
O governo Geisel percebe que, para dar continuidade ao “projeto de
desenvolvimento capitalista a partir do Estado”, faz-se necessário “diminuir as tensões
sociais acarretadas pelas políticas de arrocho salarial e de concentração de renda até
então vigentes” (STOTZ, 2005, p. 12). Com o II Plano Nacional de Desenvolvimento-
II PND, o governo adota, em certa medida, o planejamento em saúde, dando início às
políticas racionalizadoras (PAIM, 2007). Tal processo contribuiu para a inserção, nos
espaços geridos apenas por militares, de pesquisadores e profissionais com ideias
progressistas e críticas aos modelos de saúde estabelecidos pelo regime. Neste
âmbito, os Departamentos de Medicina Preventiva tornam-se territórios de
20

experimentações dos ideais da Medicina Comunitária, originando experiências que se


caracterizavam pela reorganização dos serviços a nível municipal. Assim, o regime
canalizou “recursos para a área de saúde pública — que voltou a ser uma alternativa
de investimento para experimentar modelos de extensão de cobertura a baixo custo”
(ESCOREL, 1999, p. 183). Este processo torna-se a base do Movimento pela Reforma
Sanitária Brasileira (RSB) (STOTZ, 2005; ESCOREL, 1999; ESCOREL,
NASCIMENTO, EDLER, 2005). Mais fortalecida no campo acadêmico, a RSB foi
criando espaços de comunicação, a exemplo da revista Saúde em Debate, como
forma de denunciar os equívocos das estratégias adotas pelo governo (ESCOREL,
NASCIMENTO, EDLER, 2005).
No meio popular, a igreja católica, especialmente os promulgadores da
Teologia da Libertação, configuraram-se como importantes atores de resistência ao
regime. Tal atuação fortaleceu movimentos de resistência historicamente construídos
no Brasil, como o indígena, acarretando diversas mobilizações que discutiram as
desigualdades sociais como um desafio estruturante à cidadania, a exemplo das
Pastorais da Saúde e da Terra, que dialogaram intensamente com as ideias de Paulo
Freire.

2.1.2 Alma-Ata: um parêntesis?

No âmbito internacional, foi realizada em 1978, em plena Guerra Fria, a I


Conferência Internacional sobre Cuidados Primários à Saúde — que ficou conhecida
simplesmente como Alma-Ata. Realizada no Cazaquistão, a Conferência foi uma
culminância das discussões e resultados das práticas comunitárias de saúde, dentre
as quais teve destaque a experiência dos médicos de pés-descalços na China
socialista, que acabou não participando da Conferência pela disputa deste bloco com
a União Soviética (PIRES-ALVES, PAIVA, FALLEIROS, 2010).
O Brasil, ainda sob o regime militar, não enviou representantes. Apesar
disso, a Conferência de Alma-Ata foi um marco importante para a criação do SUS.
Além de os governos, ali representados, terem assumido o compromisso de maior
cobertura dos serviços por meio da atenção primária (ESCOREL, 2009), o debate
sobre os determinantes sociais de saúde, apontados quatro anos antes no Relatório
Lalonde, foram reafirmados (SILVA-ARIOLI et al, 2013).
21

Foram discutidas ideias como a crítica à verticalidade e à orientação dos


serviços de saúde pelas doenças, já abordadas na III Conferência Nacional de Saúde
do Brasil. Os princípios da medicina comunitária, grande marco da RSB, são
percebidos na Conferência de Alma-Ata por meio da valorização da participação, da
adequação dos serviços à realidade local, da valorização dos saberes tradicionais e
do ensejo aos/às trabalhadores/as primários/as de saúde (SILVA-ARIOLI et. al.,
2013). A declaração de Alma-Ata propõe que as ações de saúde possibilitem uma
melhora progressiva das condições de vida, organizando-se intersetorialmente, e que
atue em questões relacionadas à educação popular, à habitação e saneamento e ao
desenvolvimento social sustentado (PIRES-ALVES, PAIVA, FALLEIROS, 2010).
A realização da Conferência foi impulsionada pela crise econômica da
hegemonia norte-americana. Esta, por sua vez, foi ancorada na derrota dos Estados
Unidos na Guerra do Vietnã, no aumento de preço do petróleo entre os países
produtores e nos anseios dos países em desenvolvimento por relações mais
equânimes entre as nações. Neste contexto, foram afirmadas as metas da Saúde para
Todos no Ano 2000 — que, anos mais tarde, foram reafirmadas na Assembleia da
Organização Mundial de Saúde, onde o desenvolvimento de sistemas nacionais foi
apontado como prioritário (PIRES-ALVES, PAIVA, FALLEIROS, 2010). Porém os
ideais defendidos na Conferência encontraram posteriormente uma realidade sob
forte arrocho nos gastos públicos dos países em desenvolvimento, fazendo com que
tais ideais fossem compreendidos como inalcançáveis (PAIM, 2007; PIRES-ALVES,
PAIVA, FALLEIROS, 2010).
As organizações internacionais, como Banco Mundial, formularam, então,
a Atenção Primária Seletiva no intuito de incentivar um modelo básico de saúde para
pobres, que tinha foco na saúde bucal, infantil, reidratação oral, aleitamento materno
e imunização (PIRES-ALVES, PAIVA, FALLEIROS, 2010). O Brasil, nos primeiros
anos do SUS, na intenção de diferenciar-se dos princípios anteriormente citados,
optou pela adoção da expressão cuidados básicos de saúde. Mais tarde, como crítica
aos programas seletivos do Banco Mundial, o conceito de atenção primária é adotado
(PIRES-ALVES, PAIVA, FALLEIROS, 2010; WHO, UNICEF, 2018).
22

2.1.3 O processo de redemocratização do país

Entre 1979-1985, o Brasil vivencia o fim do ciclo militar, sob a égide do


Maria Luiza nogoverno
CE Figueiredo. É o período da anistia política, das eleições diretas para
governadores e da condensação das tensões populares (ESCOREL, NASCIMENTO,
EDLER, 2005). O povo, com fome, saqueia os supermercados - apoiado, muitas
vezes, pela própria igreja (ESCOREL, NASCIMENTO, EDLER, 2005). A classe
operária organiza-se por meio das greves do ABC Paulista. São fundados o Partido
dos Trabalhadores, a Central Única dos Trabalhadores, o Movimento Sem Terra1 e
tem início a mobilização pelas Diretas Já. Observa-se, portanto, “um processo intenso
de fortalecimento do movimento social organizado, que (...) buscava confrontar o
poder constituído, ampliando os espaços de atuação coletiva para além do permitido
pelo projeto de transição controlada” (REIS, p. 225 e 226, 2010).
Os projetos progressistas iniciados no governo Geisel na área da saúde
trouxeram bons resultados, solidificando as possibilidades de mudança (ESCOREL,
NASCIMENTO, EDLER, 2005). Marcos como o I Simpósio sobre Política Nacional de
Saúde, o Prev-Saúde e o Conselho Consultivo de Atenção à Saúde Previdenciária
(CONASP) apontam “uma posição mais crítica ao sistema de saúde previdenciário,
ao mesmo tempo em que avalia com precisão as implicações decorrentes das formas
vigentes de financiamento do setor privado” (ESCOREL, NASCIMENTO, EDLER,
2005, p. 76). Porém o Estado, “com a falta de recursos e de coordenação por parte
do governo”, passou a tomar atitudes fraudulentas, “fortemente hegemonizado pelas
posturas privatizantes, favorável à manutenção da política até então vigente de
compra de serviços na rede privada de saúde” (ESCOREL, 1999, p. 184).
Em 1985, o regime ditatorial chega ao fim. Na economia, há hiperinflação
e, na política, busca-se equilíbrio. A realização da VIII Conferência Nacional de Saúde
é um acontecimento que marca a redemocratização do país e a luta por melhores
condições de vida para todos. Protagonizada por alguns atores importantes do
movimento sanitarista, como a coordenação de Sérgio Arouca, teve a participação de
quatro mil pessoas (ESCOREL, NASCIMENTO, EDLER, 2005).
Entre as discussões levantadas, definiu-se pela expansão do serviço
público ao invés de sua completa estatização. Desta forma, aprovou-se a criação de

1
Informação fornecida por Paseta no módulo Questão agrária da especialização em Promoção e
Vigilância em Saúde, Ambiente e Trabalho em 18 de novembro de 2017
23

um sistema único de saúde, que se constituísse em uma nova estrutura institucional,


separando a saúde da previdência (ESCOREL, NASCIMENTO, EDLER, 2005).
Posteriormente, essa ideia é concretizada no Sistema Unificado e Descentralizado de
Saúde-SUDS, com o intuito de viabilizar recursos federais para os municípios, sem
que estes se dispersassem “para fins clientelísticos”, desarticulando estruturalmente
o INAMPS.
O sonho da Reforma de acesso à saúde por toda a população norteava,
paralelamente a isso, a implementação da Comissão Nacional da Reforma Sanitária
que subsidiou a Constituinte e a nova lei do SUS, criticada, por motivos diferentes,
tanto por empresários quanto por sindicatos (ESCOREL, NASCIMENTO, EDLER,
2005).
Em 1988, é promulgada Constituição Cidadã que trouxe, em seu artigo 196,
a saúde como direito de todos e dever do Estado. É realizada a primeira eleição direta
em 30 anos, tendo sido eleito o candidato conservador e neoliberal Collor de Melo. A
eleição foi um reflexo da dinâmica neoliberal imposta aos países da América Latina
em meio à reabertura, com a diminuição do papel do Estado em relação aos direitos
dos cidadãos (BONETTI; PEDROSA; SIQUEIRA, 2011). Tal fato se refletiu na
manipulação midiática que contribuiu para a vitória do candidato à presidência que
defendia tais interesses (HARTOG, 1993).
A crise econômica do país contrastou com a proposta de um serviço
público, universal e gratuito. Desta maneira, “pouco depois de a Constituição
proclamar a saúde como direito de todos, levando o sistema público de saúde a
incorporar um terço da população desassistida, o governo federal reduziu à metade
os gastos com a saúde” (PAIM, p. 65 e 66, 2009). Apesar disso, no ano seguinte,
alguns congressos acadêmicos discutiram e contribuíram para a operacionalização
do SUS (ESCOREL, 1999; PAIM, 2007).
A Lei Orgânica da Saúde 8080 é formulada pelos reformistas, reforçando a
importância da participação comunitária nos serviços de saúde (BRASIL, 1990),
porém sofre uma grande quantidade de vetos, principalmente, no que se refere à
participação social (BONETTI; CRISTINA; SIQUEIRA, 2011; MERHY, GOMES, 2011;
PAIM, 2009). De toda forma, os vetos foram revistos pela emergência da luta popular.
A construção do SUS é norteada pelos princípios da integralidade, da
universalidade e da equidade. Baseia-se, ainda, em diretrizes que apontam para a
necessidade de uma democracia participativa, como o controle social (PAIM, 2009).
24

Sustenta, além disso, a convivência entre os modelos público e privado, numa rede
regionalizada e hierarquizada, na qual o privado deve atuar de forma suplementar por
meio de contratos sob a égide do direito público (PAIM, 2009). Porém tais diretrizes
vão de encontro ao contexto neoliberal e seguem até os dias atuais.

2.2 AGENTES COMUNITÁRIOS/AS DE SAÚDE: EDUCANDOS/AS-EDUCADORES/AS DO


EDPOPSUS

A história da atuação dos/as agentes comunitários/as de saúde no Brasil é


diversa e controversa, variando de acordo com o contexto político de cada estado e
também de quem a conta. O que encontramos de unanimidade em nossa revisão
literária é que todas as experiências das quais se originaram os/as ACS no Brasil
foram delineadas pelo marco da ausência de ações estatais no que tange às
populações mais vulneráveis (DAVID, 2001).
Alguns autores apontam uma diferenciação na história dos/as ACS entre
estados de acordo com a participação destes nas mobilizações pela redemocratização
do país e por melhores condições de vida (ÁVILA, 2006). Sob esta perspectiva, nessas
localidades os/as agentes estavam intrinsecamente ligados aos movimentos da igreja,
à formação das CEBs, das Pastorais de Saúde e, portanto, perpassados pela Teologia
da Libertação e pelas ideias freirianas (ÁVILA, 2006).
No Brasil, como já dissemos, os movimentos da igreja foram espaços
importantes para a reabertura de diálogo entre Estado e sociedade, logo, para o
exercício da participação (DAVID, 2001). Figuras como Dom Pedro Casaldáliga, à
frente da Pastoral da Terra que propagava a reforma agrária aliada às causas
indígenas, e Dom Hélder Câmara, que discursou em âmbito internacional pela defesa
dos direitos humanos, deixaram sua contribuição na história de lutas pelos direitos
sociais do país (BAUER, 2007; BERNSTEIN, JAÉN, 2014). Foram estas experiências
às quais os/as agentes foram articulando-se segundo alguns autores. “Nesse contexto
em que as liberdades democráticas eram cerceadas, o agente de saúde, morador da
comunidade, passa a ter uma importância fundamental na articulação entre as ações
de saúde e as comunidades” (BORNSTEIN et al, 2014, p. 20).
Tais mobilizações, inicialmente, traziam a saúde como uma bandeira entre
tantas outras (DAVID, 2001). Educação, moradia, direito à terra estavam todos
articulados numa só luta, como o grito desordenado e pouco objetivo de um povo que
25

vinha, há décadas, sendo duramente reprimido e silenciado (DAVID, 2001; FREIRE,


2017b). Através das formações para agentes de saúde, “essas instituições faziam
treinamento para que elas trabalhassem com grupos de mulheres e gestantes, grupos
de crianças entre um mês e cinco anos, principalmente, além de grupos de pessoas
idosas com hipertensão e diabetes” (RAMOS, 2007, p. 382).
Estes vários movimentos acabaram solidificando-se no Movimento Popular
de Saúde-MOPS. Um dos marcos desta interação com as Pastorais de Saúde foi a
Campanha da Fraternidade em 1981 que trouxe, como tema, “Saúde, direito de todos”
(DAVID, 2001). No ano seguinte, os agentes decidem criar a Associação Nacional dos
Agentes de Saúde, marcada pela desvinculação do trabalho com as Pastorais e
ampliando, segundo RAMOS (2007), tanto o olhar sobre o tema quanto a articulação
de novos atores. Neste âmbito, discutiam “saúde como condição de vida, o que não
significava apenas estar bem fisicamente, sem dor, mas também ter onde morar”
(RAMOS, 2007, p. 382).
Em 1986, os/as agentes participaram ativamente da mobilização da VIII
Conferência Nacional de Saúde (RAMOS, 2007). Esta deu, não só aos/às agentes
como a outros atores, a possibilidade do exercício de cidadania mais concreto, na
construção de propostas a serem efetivadas coletivamente junto ao poder público: “Aí
você tem a certeza de que se o cidadão, de fato, começar a participar de forma
organizada, consegue fazer as coisas acontecerem” (RAMOS, 2007, p. 383).
Contudo, ÁVILA (2006), aponta-nos que, no Ceará, os/as agentes de saúde
tiveram uma realidade diferenciada da dos outros estados. Em locais como Rio de
Janeiro e Maranhão, onde os/as agentes foram frutos de mobilizações políticas, os/as
mesmos/as adquiriram uma reflexão crítica que embasava a luta pela democracia e
por direitos sociais. No Ceará, “o trabalho dos agentes de saúde surgiu no âmbito de
um programa do governo (...). As mulheres recrutadas (...) não possuíam nenhuma
formação política (...). Para elas, o PAS passou a representar a fonte de
sobrevivência” (ÁVILA, 2006, p. 62 e 64).
Por outro lado, essa fala contrasta com muitas narrativas que escutamos
enquanto atores da educação popular em saúde no Ceará e no próprio Curso Livre
de Educação Popular em Saúde–EdPopSUS. Muitos/as agentes já nos relataram, por
exemplo, sobre o processo de mudança do perfil do/a ACS. Segundo os/as mais
antigos/as, antes estes/as tinham o perfil de serem pessoas advindas das lutas
comunitárias, o que estaria sendo modificado atualmente. A forte presença das
26

Comunidades Eclesiais de Base e das Pastorais da Saúde no nosso estado também


faz com que reflitamos sobre esta versão. Em Fortaleza, na comunidade do Pici, em
meados dos anos de 1990, o Conselho dos Moradores do Planalto Pici surge como
resultado de assembleias populares que, há mais de uma década, organizava a
comunidade reivindicando políticas públicas (DANTAS 2009; ESCUTA 2011). O
movimento Espaço Cultural Frei Tito de Alencar–ESCUTA, surgido das CEBs, atuante
desde a década de 1980, uniu-se a essa experiência e ajudou na realização do Fórum
Popular de Saúde do Pici já em meados de 2000 “com o objetivo de construir diálogos
entre comunidade e Poder e Público” (DANTAS, 2009, p. 50).
Atores dos movimentos populares relatam, ainda, a participação em
formações voltadas à saúde que eram facilitadas pelos movimentos da igreja
(DANTAS, 2009). No Conjunto Palmeiras, em Fortaleza, o movimento de saúde
comunitária, ao final dos anos oitenta, teve na figura de padre Chico Moser um
propagador de encontros de formação na área da saúde (DANTAS, 2009). Dentre
essas experiências, existiram jornais e programas sobre o tema na rádio comunitária
do bairro. Questionamo-nos, então, se as pessoas envolvidas nesses movimentos não
passaram a constituir, em alguma medida, o quadro de agentes de saúde no Ceará,
mesmo que não completamente.
Pertinente é remetermo-nos, ainda, ao contexto político no Ceará à época
da origem dos/as agentes de saúde. A reabertura política do país ainda estava em
andamento, sendo marcada pelas consequências da ditadura e pela falta de direitos
sociais à maioria da população. O acesso à saúde e a outros serviços ainda era
perpassado pelas antigas práticas coronelistas que traçam a história do Brasil. Desta
maneira, apesar de estar embasado em princípios como participação e valorização
dos saberes comunitários delineados em Alma-Ata, não podemos deixar de olhar a
criação do/a ACS, no Brasil e no Ceará, sem pontuar que a mesma se deu em meio
a tais contradições.
O Programa de Agentes de Saúde-PAS foi inserido, no Ceará, no plano de
governo de Tasso Jereissati por Carlili Lavour (ÁVILA, 2006; ANDRADE 1998). O
mesmo havia participado de um projeto em saúde comunitária da Universidade de
Brasília, no município de Planaltina/DF, em meados de 1975 (ÁVILA, 2006; SOUSA,
2003), a exemplo de outras experiências acadêmicas que contribuíram para a RSB.
O mesmo buscou adaptá-la à realidade do sertão cearense, mais precisamente à
cidade de Jucás, entre 1979 e 1986 (ÁVILA, 2006). No ano seguinte, ao tornar-se o
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secretário de saúde do governador eleito, dá início a um projeto-piloto com recursos


do programa de combate à seca (ÁVILA, 2006; ANDRADE, 1998) que implanta “o
trabalho dos agentes de saúde em todo o Ceará”, estendendo a experiência de Jucás
“(...) para quatorze municípios do sertão cearense, e posteriormente para todo o
estado” (ÁVILA, 2006, p. 54).
No ano seguinte, em 1988, o Programa de Agentes de Saúde-PAS é
implantado. Como recomendações de perfil para o trabalho, podemos destacar: ser
alguém de respeito na comunidade, ter idade mínima de 18 anos e disponibilidade de
oito horas por dia (ANDRADE, 1998). A ideia era selecionar e capacitar membros da
comunidade para que desenvolverem um trabalho de educação sanitária por meio de
visitas e reuniões com as famílias (ANDRADE, 1998).
O foco desta atuação era na saúde materno-infantil, cumprindo com uma
das diretrizes de Alma-Ata e com requisitos de negociações propostos pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento-BID. Configurou-se, desta forma, como “uma das
principais metas do primeiro quadriênio do Ciclo Jereissati” (ÁVILA, 2006, p. 162).
Segundo pesquisas do Ceará e da Fundação das Nações Unidas para a Infância-
UNICEF, o trabalho dos/as ACS conseguiu trazer dados favoráveis à redução da
mortalidade infantil (RAMOS, 2007; ANDRADE, 1998). Posteriormente, porém, estes
dados foram bastante questionados pelo seu viés eleitoreiro. David (2001), por
exemplo, traz outras fontes de pesquisas que mostram a diminuição destes índices
também em localidades onde não havia atuação deste/a trabalhador/a. Contudo, o
PAS foi uma estratégia de muitas inovações, conquistas e avanços na área da saúde
(ANDRADE, 1998).
O programa originou-se, por um lado, enquanto investimento em mão de
obra não capacitada, possibilitando a “sobrevivência de milhares de famílias, e, por
outro, a urgência de se desencadear ações capazes de ajudar a melhorar os
indicadores alarmantes da saúde infantil” (ÁVILA, 2006, p. 55). A contratação de
mulheres — sujeitos, até então, nunca incluídos nos programas de “frente à seca” —
é apontada por ÁVILA (2011) também como um fator inovador.
Especificamente no Ceará, a experiência com os/as ACS “se destaca por
ter sido o primeiro estado que institucionalizou o Programa de Agentes de Saúde
(PAS)” (ÁVILA, 2011, p. 160). Por conta dos bons resultados do programa, o mesmo
obteve apoio popular e consequente fortalecimento institucional (ANDRADE, 1988),
contribuindo para o “desenho da proposta que viria a ser criada pelo Ministério da
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Saúde, com o nome de Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS)”


(ÁVILA, 2011, p. 160). Segundo RAMOS (2007), os/as agentes esforçaram-se para a
participação ativa desta seleção a fim de que não fossem adotados métodos
eleitoreiros. Mas a partir de 1993, não conseguiram dar continuidade à aproximação
deste processo, evidenciando que havia muitos interesses em jogo: “O Movimento
Popular ficou como fiscal de todo o processo. E o Nordeste inteiro foi fiscalizado.
Quem implantou em 1991 foi fiscalizado. Agora, quem veio de 1993 em diante, não
sei mais como é que foi” (RAMOS, 2007, p. 383).
O PACS foi criado em 1991, sendo o primeiro programa realizado com o
intuito de garantir os princípios do SUS2. É considerado como o antecessor,
mobilizador e organizador do Programa Saúde da Família–PSF (ÁVILA, 2006). Este
programa foi o principal modelo adotado na organização da Atenção Primária à Saúde
do Brasil, visando a reorganização do SUS e o aprofundamento da municipalização
(HEIMANN & MENDONÇA, 2005). Algumas experiências pontuais foram pioneiras,
tendo, no Ceará, o município de Quixadá como seu maior expoente em 1993 (SILVA,
2003).
A história do/a ACS faz-nos retornar, portanto, à Alma-Ata, Conferência que
demarcou o trabalho desses agentes como estratégia da Atenção Primária à Saúde
na efetivação da reorganização dos serviços, até então orientados pelo foco no
atendimento individual e na racionalidade biomédica. Nesse contexto, a APS veio
como uma contraproposta ao modelo de atenção especializada. Sob esta perspectiva,
os serviços de saúde não são acessíveis às populações de baixa renda, maioria em
países de extrema desigualdade econômica, como o Brasil, fazendo-se necessária a
transição deste modelo (STARFIELD, 2002).
Segundo Andrade, Bueno e Bezerra (2007), o PSF correspondia a um
programa de APS seletiva. A partir da Norma Operacional Básica NOB-96, avançou
para além da seletividade, propondo a Saúde da Família como estratégia, passando
a ser denominado Estratégia Saúde da Família–ESF. Ainda sob a perspectiva destes
autores, a mesma tem se construído em um processo contínuo de tensão com o
modelo hegemônico. Tal fato se exemplificaria, segundo os autores, no
aprofundamento da municipalização, que foi permitida financeiramente pelo Piso de

2
Análise feita por Raquel Nepomuceno no Seminário “ESF em Fortaleza e a nova PNAB: desafios
para o próximo período”, realizado em 21 de novembro de 2017 em Fortaleza.
29

Atenção Básica-PAB, já que, desta maneira, se afasta dos modelos verticalizados


característicos das ações do Ministério da Saúde até então (ANDRADE, 1998).
A participação comunitária foi item bastante ressaltado em Alma-Ata, tendo
nos/as agentes de saúde uma figura singular para sua concretização. A valorização
deste princípio marca também o intuito de que o sistema de saúde atenda às
necessidades reais da população. “A ESF constituiria ambiente favorável para ações
baseadas na integralidade da atenção, ao possibilitar o entendimento do contexto de
vida da população e a base a partir da qual se deve organizar a rede de serviços de
saúde” (BORNSTEIN; DAVID, 2014, p. 112).
A importância da participação está presente também nos documentos
oficiais que norteiam o PSF no estado do Ceará. Porém, após a sua implantação, de
um modo geral, manteve-se o afastamento da comunidade de sua organização
(ÁVILA, 2006), fazendo-nos refletir aqui sobre os caminhos de construção das
políticas públicas. Mesmo inspirando-se em ideias progressistas, acabam sendo
absorvidas pela burocracia estatal e pela lógica do mercado, consolidando-se, à
princípio, mas fragilizando-se posteriormente, sem o protagonismo da população?
Além disso, como já citamos, o contexto político-cultural do país que, há
até poucos anos, havia reprimido duramente os apelos da população em se fazer
escutada e tornar-se protagonista das decisões do rumo do país acabou consolidando
um movimento de passividade e de abrir mão dessa autoridade, dando-a
exclusivamente aos “representantes do povo”?
Concomitante a isso, a incorporação dos/as ACS no âmbito do PSF
também representou perdas. Alguns fatores como a solidariedade — engolida pela
burocracia, o cumprimento de normas pré-estabelecidas e a transferência de algumas
ações, antes, sob sua responsabilidade, a outros profissionais, inibiu sua autonomia
outrora conquistada (NUNES et al, 2002; ÁVILA, 2006). Tal perda de status refere-se,
principalmente, aos/às ACS mais antigos/as, que já tinham uma trajetória mais
consolidada, como os/as do Ceará (ÁVILA, 2006). A referida inserção colocou o/a
ACS em uma relação preestabelecida e verticalizada com os/as demais profissionais
onde o/a mesmo acabou ocupando o lugar mais fragilizado da equipe.
“Hierarquicamente está submetido aos profissionais de nível superior, submissão não
explicitada em nenhum documento, como já referido, porém inscrita na prática da
equipe” (ÁVILA, 2006, p. 135).
30

Os/as ACS integram uma categoria profissional exclusiva do SUS e


conquistaram tal feito por meio de uma crescente organização política aliada a uma
conjuntura de governos mais abertos a esse diálogo no que diz respeito ao
reconhecimento destes/as enquanto classe trabalhadora (ÁVILA, 2006; BARILLI et al,
2014). Em 1999, são decretadas as diretrizes para o exercício de seu trabalho
(BRASIL, 1999). A profissão foi criada em 2002 (BRASIL, 2002). Como resultado,
outros ganhos vieram, a exemplo da aprovação do Referencial Curricular do Curso
Técnico para ACS-CTACS em 2004 (BRASIL, 2004). Tal luta culmina na Lei nº 11.350,
de outubro de 2006, que regulamenta a profissão (REIS, BORGES; 2016).
Segundo Bornstein e David (2014), os/as profissionais tendem a reproduzir
as noções de comunicação e vínculo abordadas em sua formação, que os/as induzem
a permanecer dentro da sala, partindo, portanto, de uma visão fragmentada do
território. Chama-nos atenção o discurso recorrente de que o/a ACS é elo entre serviço
e comunidade (ÁVILA, 2006; NUNES et al, 2002). Perguntamo-nos se esse elo não
poderia ser ampliado, passando a existir de outras formas, por outras vias, inclusive
por outros/as profissionais e trabalhadores/as. Recorrer sempre ao/à ACS como o
único elo estaria explicitando o distanciamento que ainda há entre os serviços e os/as
usuários/as?
Como cultivar uma criação de multiplicidade de elos a partir do próprio
ACS? Cultivando potências dos/as mesmos/as, de outros membros da equipe, da
própria comunidade? A capacidade organizativa, o compromisso com a comunidade,
o desejo de aprender e de conquistar melhores condições de vida e de trabalho
(QUEIROZ, SILVA, OLIVEIRA, 2014) seriam algumas dessas potências?
Sustenta-se a compreensão de que a ESF atua como um conjunto de
tensionamentos (ANDRADE, BUENO, BEZERRA, 2007), portanto, sob racionalidades
diversas e contraditórias. Neste contexto, o trabalho do/a ACS “faz parte no conjunto
das respostas que o Estado oferta para atendimento às necessidades em saúde da
população, e tende a reproduzir as persistentes contradições da ordem social
brasileira” (DAVID, 2017, p. 376). Ao mesmo tempo em que é um/a trabalhador/a
oriundo da comunidade que consegue, a priori, atuar de maneira mais dialógica do
que os/as outros/as profissionais (STOTZ, DAVID, BORNSTEIN, 2009). Por outro
lado, insere-se na lógica do saber técnico impositivo, da biomedicina: “com os agentes
de saúde, o MS trabalha na atenção primária com diretrizes formuladas sob o ponto
31

de vista da necessidade de mudança de comportamento, ou seja, do indivíduo


culpado pelas suas mazelas” (ÁVILA, 2006, p. 110).
A educação em saúde, como prática “de formação de profissionais e
relação entre usuários e serviços de saúde, encontra-se aprisionada e totalmente
capturada em uma única racionalidade, a da biomedicina” (PEDROSA, 2007, p. 128
e 129). Os/as ACS’s acabam diminuindo o seu saber vivencial em nome de um saber
técnico, visto que “a formação que recebem, lhes dá um sentimento orgulhoso de
diferenciarem o seu conhecimento em relação ao conhecimento popular (...)” (NUNES
et al, 2002, p. 1641). Desta forma, refletimos: que perdas os/as ACS têm tido em “seu
diálogo com sua classe de origem” (BORNSTEIN et al, 2014, p. 1335)? Além disso,
ao assumirem uma série de papéis, diversos e, muitas vezes, contraditórios, que
marcam sua institucionalização, fragilizam-se em sua autonomia (ÁVILA, 2006)? O/a
ACS ao mesmo tempo em que se institucionaliza, perde sua identidade comunitária,
de engajamento nas lutas populares, bem como seus saberes referenciados nas
práticas populares de saúde? Em que medida sua institucionalização poderia ser
compreendida como uma “armadilha da visibilidade” (FOUCAULT, 1999)?
Assim, faz-se necessária uma “mediação transformadora” como “parte de
um exercício de reflexão sobre as capturas e possibilidades que resultam do processo
de institucionalização de seu trabalho” (BORNSTEIN et al, 2014, p. 1335). Uma
reflexão mais crítica, mas também mais aberta e participativa sobre as relações entre
estes saberes, pode contribuir na construção de possíveis canais de reciprocidade
entre tais poderes (FOUCAULT, 2004)? Esse jogo político tácito faz com que o ganho
de direitos e de status institucional se deem através da perda de autonomia? Ou os/as
ACS’s estão jogando conscientes deste processo?
Tal reflexão parece importante ao contexto atual em que a nova Política
Nacional de Atenção Básica-PNAB, não priorizando mais a Estratégia Saúde da
Família como modelo, retira a obrigatoriedade do/a ACS como componente da equipe,
quando este/a se apresenta como a base do trabalho na equipe de Saúde da Família.
Com a nova PNAB, o/a único profissional de nível médio obrigatório na equipe é o/a
técnico/a de enfermagem (BRASIL, 2017). A nova PNAB estaria explicitando a falta
de desejo político na atuação educativa e comunitária do/a ACS?
Reafirmamos a importância dos estudos que “questionam o ‘discurso
mudancista’ atribuído ao Programa Saúde da Família” (BORNSTEIN, DAVID, 2014,
p. 123). Faz-se necessário “que os ACS´s possam refletir sobre suas práticas, sobre
32

os dilemas que envolvem a relação entre o Estado e as demandas das classes


populares, e, portanto, sobre os interesses que mobilizam o seu trabalho”
(BORNSTEIN et al, 2014, p. 1334).
Os/as Agentes Comunitários de Saúde apresentam-se como potenciais
educadores/as populares. Sua origem comunitária faz com que o/a mesmo/a, além de
ter um diálogo maior com os territórios de onde advêm e os que habitam, assumam
também um maior pertencimento a estes, o que implicaria, portanto, num maior
compromisso com o mesmo do que os/as outros/as profissionais e trabalhadores/as
da Atenção Básica (DAVID, 2017).
A educação freiriana parte deste compromisso. Sem vislumbrarmos a
possibilidade de sermos mais enquanto humanos, estagnamos na situação de
oprimidos ou passamos a desejar o lugar do opressor (FREIRE, 2011a). Este
compromisso surge, acima de tudo, da crença no ser humano, na sua capacidade de
transformação histórica — que é o que nos diferencia de outros animais. Desta
maneira, todos/as temos um saber que construímos ao longo de nossa vida. Tornar-
nos conscientes de como se dá a interação deste saber com a totalidade histórica é o
que nos faz ampliar nosso conhecimento e nos possibilita a libertação (FREIRE,
2011a). Quem melhor que os/as oprimidos/as para refletir sobre a necessidade de
liberdade?
Esta perspectiva de educação tem bases no marxismo, na teologia cristã e
na antropologia social. O conceito antropológico de cultura é um dos temas
considerados básicos para o desenvolvimento dos círculos de cultura, momento em
que se desenvolvia uma discussão temática a fim de ampliar a consciência dos
sujeitos envolvidos sobre a própria realidade. Com isso, seria possível pensar em
meios de transformá-la. Desta forma, como grande inovação à ação educativa,
propicia-se, na educação libertária, que os homens e mulheres se sintam sujeitos de
seu pensar, discutindo-o bem como sua visão de mundo manifestada “nas suas
sugestões e nas de seus companheiros” (FREIRE, 2011a, p. 69).
A Educação Popular em Saúde apresenta-se, então, como uma estratégia
e como desafio no que diz respeito à formação, à atuação e à organização do/a ACS.
Na ideia de que este ator é um interlocutor entre usuários e serviços, “na superação
da ideia que entende a prática educativa como o processo de prover indivíduos de
conhecimentos para a melhoria de sua saúde, (...), destacando a capacidade de
resposta coletiva diante das situações-limite” (DAVID, 2017, p. 373). Desta maneira,
33

mostra-se importante pensarmos que lógica queremos reforçar na ESF através de


nossos processos formativos com tais atores: a impositiva ou a dialógica?

2.3 OS MOVIMENTOS DE EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE E A CONSTRUÇÃO


DA PNEPS-SUS

A educação popular teve início na América Latina como resultado dos


movimentos de resistência à precarização da vida das classes populares, por meio da
articulação entre educação e política (PALUDO, 2015). Estão vinculados a esta
concepção “os movimentos anarcos sindicais da década de 1920; as organizações
sindicais urbanas e rurais (...); os movimentos de base e populares liderados pela
Igreja Católica no contexto dos anos 1960 e (...) setores de igrejas evangélicas
protestantes; as organizações estudantis (...), intensificando suas lutas nos anos que
antecedem o regime militar e durante a resistência a esse regime (...)” (BRASIL, p. 29,
2014). Especificamente, no Brasil, concretiza-se com o trabalho de Paulo Freire junto
aos movimentos de cultura popular (PIAIA, 2013). Com uma proposta libertária à
classe trabalhadora, este educador consolidou uma experiência de alfabetização de
adultos/as revolucionária que contribuiu para desestabilizar também a relação de
opressão a que eram submetidas as pessoas que não sabiam ler. Partindo da
realidade dos/as educandos/as, os/as educadores/as formulariam os conteúdos
programáticos educacionais, bem como os temas geradores a serem discutidos num
exercício dialógico, que envolvia confiança, respeito e amorosidade (FREIRE, 2011a;
FREIRE, 2017b).
Tal eficácia não foi vista com bons olhos pelos militares que assumiram o
governo do país por meio de um golpe de Estado. Inclusive, os Círculos de Cultura
como foram denominados os encontros de alfabetização de adultos, haviam sido
pensados e exercitados em um contexto de governo progressista, no caso o de João
Goulart, presidente do Brasil deposto pelo regime ditatorial. Desta maneira, nos anos
que se seguem, Paulo Freire, suas ideias, companheiros e experiências surgidas dali
foram perseguidos incansavelmente (BAUER, 2007).
O pensador brasileiro supracitado foi forçado a exilar-se do Brasil, após já
ter sido preso “pelo crime de ensinar a ler”. Este fato evidencia a relevância do
pensamento e da obra de tal autor que, junto a outros brasileiros à época, acreditavam
na emergência de um país liberto da “invasão cultural” do imperialismo capitalista
34

(FREIRE, 2011a). A partir desta crença, Freire e um conjunto de pensadores/as e


lideranças conseguiram desvelar a ilusão de que a impossibilidade de
desenvolvimento do país residiria em seu povo que, ignorante e passivo, seria incapaz
de mudar esta realidade (FREIRE, 2011a).
A perseguição não foi à toa. O aumento de pessoas alfabetizadas
aumentava também o número de eleitores/as. Além disso, os Círculos de Cultura
trabalhavam com a perspectiva da aprendizagem significativa, onde tudo o que era
Schutz?
aprendido era refletido a partir do cotidiano dos/as educandos/as, ou seja, da
realidade de serem trabalhadores/as, portanto, oprimidos/as (FREIRE, 2011a).
As experiências desenvolvidas por Freire, bem como o conjunto de ações
de movimentos sociais e populares, possibilitaram a criação de polos de resistência
ao regime militar que mantinha uma atitude de descaso em relação aos problemas
populares. Desta forma, foi se configurando a educação popular em saúde,
caracterizada pela livre participação das classes populares com o direito de
produzirem saberes a respeito de si próprias e de sua saúde, permitindo novas
abordagens mais eficientes em defesa da saúde da população (SILVA et al., 2010).
Alguns desses movimentos podem ser exemplificados nas Comunidades
Eclesiais de Base e no Movimento Estudantil — que integraram, por sua vez, o
movimento da Reforma Sanitária Brasileira. É, ainda, sob este ideário, que, anos mais
tarde, origina-se o Movimento Popular de Saúde–MOPS, onde se articularam Agentes
Comunitários/as de Saúde de diversos estados brasileiros. Toda essa mobilização
social e desejo de uma maior participação da sociedade nas políticas públicas do país
apareceu dez anos mais tarde na VIII Conferência Nacional de Saúde e viabilizou o
Sistema Único de Saúde–SUS à época da redemocratização brasileira (ESCOREL,
NASCIMENTO, EDLER, 2005; BONETTI, PEDROSA, SIQUEIRA, 2011; PAIM, 2007;
VASCONCELOS, 2011).
Com a reabertura política do país, muitos dos atores que, antes, estavam
reivindicando direitos, passaram a ocupar cargos de gestão (VASCONCELOS,
VASCONCELOS E SILVA, 2015; STOTZ, 2005; ESCOREL, NASCIMENTO, EDLER,
2005). A aposta no campo institucional fragilizou o envolvimento com as camadas
populares3, minguando o processo conhecido como “trabalho de base”

3
Reflexão feita por Alcides Silva de Miranda na mesa redonda “Estado de bem-estar social ou
empresarial? O gerencialismo, a colonização e a apropriação privada das políticas públicas de Saúde”
no III Congresso de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da Abrasco em Natal no ano de 2017.
35

(VASCONCELOS, 2011a). A RSB conquistou o SUS legal, porém não manteve “a


imprescindível ênfase política e decorrentes movimentos estratégicos que visassem
efetivamente à sua concomitante apropriação pública, legitimação e integração social”
(MIRANDA, 2017, p. 387). Muitos trabalhadores e trabalhadoras, porém,
permanecerem a valorizar o trabalho educativo nos territórios, incorporando as
práticas consideradas subversivas ao sistema oficial de saúde, mesmo que de forma
pontual (VASCONCELOS, 2011). As práticas de educação popular permaneceram,
ainda, nas universidades e nos movimentos populares (BONETTI, PEDROSA,
SIQUEIRA, 2011), sendo apontadas, atualmente, como estratégicas à necessária
retomada da luta pelo SUS4.
Em 1998 é criada a Rede Nacional de Educação Popular em Saúde. À
época da primeira eleição do, então, presidente Lula, em 2002, esta Rede envia uma
carta ao mesmo, ressaltando a intenção política do movimento em “participar do SUS,
evidenciando a educação popular em saúde como prática necessária à integralidade
do cuidado (...) e às mudanças necessárias na formação dos profissionais da área”
(BONETTI, PEDROSA, SIQUEIRA, 2011, p. 400).
Como resultado destas interlocuções, é criada, em 2003, a Secretaria de
Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGETS), que tinha como um de seus
objetivos a busca por uma base de diálogo com os movimentos para a gestão do SUS
(BONETTI, PEDROSA, SIQUEIRA, 2011). Tal estratégia, agregando diversos
movimentos de educação popular em saúde atuantes no país, impulsiona a criação
da Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular em Saúde-
ANEPS (BONETTI, PEDROSA, SIQUEIRA, 2011; STOTZ, 2005).
No intuito de qualificar tal interlocução, além de fazer com “que estas ações
deixassem de ser iniciativas de funcionários simpáticos à EP e tornassem-se uma
política de Estado” (VASCONCELOS, VASCONCELOS E SILVA, 2015, p. 95 e 96), é
constituído o Comitê Nacional de Educação Popular em Saúde. Este Comitê produziu
“Encontros Regionais de Educação Popular em Saúde para promover a escuta ativa
e a discussão descentralizada e democrática sobre a formulação da PNEPS-SUS”
(BONETTI, PEDROSA, SIQUEIRA, 2011, p. 401). A Política Nacional de Educação

4
Reflexão feita por Alcides Silva de Miranda na mesa redonda “Estado de bem-estar social ou
empresarial? O gerencialismo, a colonização e a apropriação privada das políticas públicas de Saúde”
no III Congresso de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da Abrasco, realizado em Natal, em
2017.
36

Popular em Saúde-PNEPS-SUS foi proposta como resultado deste trabalho


(VASCONCELOS, VASCONCELOS E SILVA, 2015), instituindo-se em 2013. A
mesma “reafirma o compromisso com a universalidade, a equidade, a integralidade e
a efetiva participação popular no SUS” (BRASIL, 2013a). A maneira como a PNEPS
foi construída apontou que tal institucionalização deveria ter, como horizonte, a
potencialização do desejo de transformação, por meio da mobilização de diversos
atores, para que a produção de saúde estivesse articulada ao campo da cultura
popular (BONETTI, PEDROSA E SIQUEIRA, 2011). Desta forma, distancia-se do erro
da aposta puramente institucional, ou seja, “nos arranjos pelo alto, que dispensam ou
relegam a segundo plano a luta pela base e revela, em verdade, certo fetiche do
Estado como lugar de poder, incolor, insípido e inodoro” (DANTAS, 2018b).
Compreendemos que tal processo acabou se dando, em certa medida, com a
institucionalização dos Conselhos de Saúde.
Como principal estratégia de implementação desta política, é proposto o
Curso Livre de Educação Popular em Saúde-EdPopSUS para Agentes
Comunitários/as de Saúde (ACS) e Agente de Combate à Endemias (ACE) ou
Vigilância em Saúde (AVS) (BARILLI et al, 2014). O mesmo tem como objetivo
“contribuir com a implantação da PNEPS-SUS, promovendo a qualificação da prática
educativa de profissionais e lideranças comunitárias que atuam em territórios com
cobertura da Atenção Básica do SUS” (FIOCRUZ, 2017a).

2.4 FORMAÇÃO DE FORMADORES: “QUEM EDUCA É EDUCADO, QUEM É


EDUCADO EDUCA”

O que se espera de um curso preparativo de formadores/as, especialmente


ao se tratar de um processo educativo com base na educação popular? Neste âmbito,
apresenta-se como imprescindível a indissociação entre teoria e prática, a inclusão
dos saberes prévios dos/as educandos/as-educadores/as e sua inserção como
protagonistas do processo de aprendizagem (FREIRE 2011c).
Na concepção moderna de educação, os processos formativos de
formadores/as corroboram com a visão de treinamentos, os quais, geralmente,
buscam submeter a ação docente a um conjunto de prerrogativas a serem seguidas
(FURLANETTO, 2011). Porém, sob a perspectiva da educação popular, qualquer
prática docente é uma prática inventiva, criativa e instigante, porque parte da
37

curiosidade e da certeza na incompletude humana. Desta forma, não há ação docente


sem o caráter investigativo, de pesquisa, mas também não o há sem alegria e
esperançar (FREIRE, 2011c).
É importante lembrar que a educação popular se deu pela resistência à
negação do direito à educação, configurando estratégias pedagógicas que se
contrapunham às ideias convencionais por pautar-se, frequentemente, em
experiências diversas advindas “de grupos populares, de associações comunitárias,
de igrejas, de sindicatos e de movimentos sociais” (SOARES, PEDROSO, 2016).
Entre as experiências de formação de formadores/as no campo da saúde,
temos, como uma das referências, a formação de preceptores/as e tutores/as das
residências multiprofissionais em saúde da família, saúde mental e saúde coletiva que
trabalham a partir da ideia de educação permanente em saúde. Esta também dialoga
com a pedagogia freiriana. Nestas experiências de formação, vêm se evidenciando
dificuldades, quanto às práticas pedagógicas dos/as preceptores/as e tutores/as, bem
como a pouca reflexão sobre a produção de conhecimento no decorrer do processo,
o baixo incentivo à autonomia dos/as educandos/as, dificuldades do trabalho
multidisciplinar, além do pouco conhecimento quanto a programas, redes e linhas de
cuidado (CECCIM et al, 2018).
O Curso EdPopSUS, por configurar-se também como uma proposta de
educação permanente que inclui, como principal público, trabalhadores/as da saúde,
propondo uma transformação da Atenção Primária à Saúde, apresenta algumas
características semelhantes à preceptoria. Ao fomentar trabalhos de campo a serem
realizados pelos/as educandos/as, numa realidade onde os/as ACS estão sendo
induzidos a se confinarem nos equipamentos de serviços de saúde (DAVID,
BORNSTEIN, 2014), temos também a dificuldade de se conhecer as redes que o
território constrói em sua dinâmica cotidiana e, consequentemente, uma possível
dificuldade em se colocar em prática tais trabalhos. “As práticas de educação em
saúde são inerentes ao trabalho em saúde, mas muitas vezes estão relegadas a um
segundo plano no planejamento e organização dos serviços, na execução das ações
de cuidado e na própria gestão” (FALKENBERG et al., 2014, p. 848). Como possibilitar
que os/as educadores/as deste curso reconfigurem sua forma de atuação, com
autonomia, a partir do que encontrarão no processo com os/as educandos/as?
É necessário considerar que alguns educadores e educadoras populares
de que trata o EdPopSUS advêm de um outro universo, o dos movimentos sociais,
38

que abrange experiências diversas, muitas vezes não ligadas a uma área específica,
como a da saúde. De toda forma, mesmo os/as que não se configuram como
trabalhadores/as da saúde, não estão excluídos/as desse processo, visto que as
práticas educativas, no espaço da saúde coletiva, podem ser consideradas como
ações em diferentes organizações e instituições realizadas por diversos agentes
dentro e fora do espaço convencionalmente reconhecido como setor saúde (PAIM,
ALMEIDA FILHO, 1998; FELKENBERG, 2014).
Desta forma, lidamos aqui com educadores/as híbridos/as, portadores/as
de expertises diversas que perpassam desde a militância em movimentos sociais, à
artística e acadêmica (DANTAS, 2009). De maneira geral, o/a educador/a popular é
aquele/a que se insere em um processo pedagógico no intuito de construir
coletivamente a transformação de uma dada realidade. Por isso, não pode ser um/a
educador/a neutro/a frente ao mundo, à desumanização, à manutenção do que já não
representa os caminhos do humano (FREIRE, 2011e). Daí ser de extrema importância
a análise sobre o contexto que envolvem as práticas deste/a educador/a (FREIRE,
2017a).
Os movimentos sociais constituíram as bases para a construção dos
direitos sociais democráticos no Brasil. Porém, no contexto atual, frente aos novos
movimentos sociais dos indignados que passou a ocorrer a partir das manifestações
de junho de 2013, modificam “o sentido do caráter educativo das práticas dos
movimentos. A massiva participação de jovens, especialmente pertencentes às
camadas médias da população, irá questionar os processos de formação vinculados
a partidos, sindicatos ou qualquer outra organização” (GOHN, 2015, p. 37717). Tal
contexto vem reverberando nos dias atuais nos quais as forças conservadoras
ganharam força e têm atacado a prática docente, especialmente as ideias freirianas,
sob o pretexto de considerarem-na uma doutrinação ideológica de esquerda, quando
a imposição do pensamento é característica principal da educação bancária (RAMOS,
SANTORO, 2017). Quais seriam as necessidades de um processo formativo para
educadores populares que não só refletisse sobre, mas que também tencionasse tal
cenário?
39

3 OBJETIVOS

3.1 OBJETIVO GERAL

Analisar o processo de produção da formação dos/as educadores/as


populares do curso EdPopSUS.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS


a) Mapear o conjunto de práticas educativas presentes nesta produção/
formação.
b) Relatar as formas de fortalecimento da autonomia dos/as
educadores/as.
c) Descrever saberes e práticas dos/as educadores/as populares.
d) Investigar as potencialidades e situações-limites que perpassam esta
produção/formação.
40

4 MÉTODO

4.1 TIPO DE PESQUISA

Propomo-nos a estudar questões singulares que envolvem o processo


formativo dos/as educadores/as populares do EdPopSUS Ceará. Nossa pesquisa
configura-se como um estudo de caso. Este por sua vez é utilizado quando não se
podem manipular comportamentos relevantes e os limites entre fenômeno e contexto
não são bem definidos, caracterizando-se como uma investigação de acontecimentos
contemporâneos dentro do seu contexto real (YIN, 2005).
O estudo de caso não representa uma amostragem, ou seja, não se
constitui por generalização a populações e universos, mas a proposições teóricas
(YIN, 2005). Seu objetivo é uma análise generalizante ao invés de particularizante
(YIN, 2005; LIPSET, TROW, COLEMAN, 1956). Desta forma, a singularidade, aqui,
não se apresenta como algo que não possa ser estendido ou considerado como fator
de contribuição a outras experiências, mas na não-adoção do critério científico de
maior universalização que é o formalismo matemático (MARTINS, 2004).
Importante salientar que não propomos também explicitar uma verdade
absoluta sobre este processo, reconhecendo que este não é um objetivo da ciência.
Se assim a compreendêssemos, “a própria (...) seria um dogma, uma crença na
verdade, não a criação de suportes de compreensão de realidades” (MARTINS, 2004,
p. 23 e 24).
Partiremos do referencial da abordagem qualitativa, assumindo uma
postura crítico-reflexiva (PRODANOV, FREITAS, 2013). A abordagem qualitativa
“considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um
vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode
ser traduzido em números” (PRODANOV, FREITAS, 2013, p. 70). Desta maneira,
nossa fonte direta para coleta de dados é o ambiente natural, sendo o pesquisador
um instrumento-chave (PRODANOV, FREITAS, 2013).
Sob esta perspectiva, abordaremos a pesquisa de cunho exploratório, visto
que tal objeto nunca foi estudado antes. Foi realizada uma pesquisa voltada à
avaliação do corpo docente do EdPopSUS1, com foco na capacitação para o uso
pedagógico da Comunidade Virtual de Aprendizagem-CVA (BARILLI et al, 2014)
quando o curso se configurou num curso de sensibilização. Por sua vez, a CVA foi
41

excluída no aperfeiçoamento que configura a nova edição do EdPopSUS que estamos


denominando de EdPopSUS2.
Como chegar às pesquisas sobre edpopsus?

4.2 CENÁRIO E PERÍODO

O referido estudo se deu nos cenários de prática do processo formativo


dos/as educadores/as populares do curso livre de Educação Popular em Saúde
(EdPopSUS) no Ceará e após o término do mesmo. O EdPopSUS é um curso
direcionado prioritariamente aos/às Agentes Comunitários/as de Saúde (ACS) e
Agentes de Combate às Endemias (ACE), mas que vem ampliando a participação de
outros/as profissionais e atores de movimentos sociais aos/às quais são ofertadas
atualmente 30% das vagas (FIOCRUZ, 2017a). Mesmo com essa abertura, o/a ACE
e, especialmente, o/a ACS continuam sendo os/as principais incluídos/as como
educandos/as do Curso.
O EdPopSUS está em sua segunda edição (EdPopSUS2). Na primeira
(EdPopSUS1), foram oferecidas turmas em nove unidades federativas, envolvendo
19 mil trabalhadores/as nas cinco chamadas que o compuseram (FIOCRUZ, 2017a;
BORNSTEIN et al, 2016). No Ceará, foram realizadas quatro chamadas do
EdPopSUS1 envolvendo 2.193 educandos/as, de 7 municípios (DANTAS et al., 2018):
Fortaleza, Caucaia, Horizonte, Maracanaú, Maranguape, Quixeré e Sobral. O Curso
tinha uma carga horária de 53h, que se distribuía em encontros presenciais (32h),
virtuais (11h) e atividades de campo (10h). Caracterizava-se como um curso técnico
que se dava em quatro encontros semanais num período de um mês. O EdPopSUS1
foi ofertado exclusivamente para os/as trabalhadores/as ACS’s e ACE’s.
A facilitação do EdPopSUS se dá em dupla. Os/as educadores/as que se
inseriam como facilitadores/as do EdPopSUS1 eram denominados/as “Mediador/a” e
“Educador/a popular/a”/as. Estes possuíam atividades diferenciadas. O/a mediador/a
era responsável por mediar a relação entre os/as educandos/as e os conteúdos e
ações do curso, bem como pelo acompanhamento das atividades virtuais da turma
(SANTOS, WIMMER, 2013; FIOCRUZ, 2013a). Para assumir este papel era
necessário ter o ensino superior completo e experiência em ensino à distância
(FIOCRUZ, 2013a). O/a educador/a popular dividia-se entre duas turmas e era
identificado/a como aquele que subsidiaria o processo de aprendizagem a partir dos
saberes advindos do movimento social, auxiliando nas questões cotidianas das ações
42

de Educação Popular em Saúde e exigindo-se dele/a ter cursado o ensino médio


(SANTOS, WIMMER, 2013; FIOCRUZ, 2013b). Ambos/as facilitadores/as do
EdPopSUS inserem-se neste por meio de uma seleção pública que inclui pontuação
curricular, avaliação de Carta de Intenção e a participação de um processo formativo
em educação popular em saúde que, no EdPopSUS1, tinha uma carga horária de 32h
(FIOCRUZ, 2013a; FIOCRUZ, 2013b; FIOCRUZ, 2013c).
Já o EdPopSUS2 apresenta-se como um aperfeiçoamento, tendo uma
carga horária de 160h, que se distribui em encontros presenciais (136h) e trabalhos
de campo (24h) (BORNSTEIN et al., 2016), realizando-se em 17 encontros semanais
num período de três meses. Esta edição envolveu, até o momento, 13 estados
brasileiros e ofertou vagas para sete mil educandos/as (FIOCRUZ, 2017a). No Ceará,
o EdPopSUS2 já efetivou duas chamadas. A primeira envolveu quatro municípios,
tendo sido todos partícipes do EdPopSUS1, enquanto na segunda chamada,
participaram 12 municípios (DANTAS et al., 2018), tendo sido contemplados 14
municípios: Fortaleza, Horizonte, Maracanaú, Sobral, Caucaia, São Gonçalo do
Amarante, Guaiúba, Pacatuba, Beberibe, Aracati, Icapuí, Baturité, Banabuiú e Crato.
O processo formativo direcionado aos/às educadores/as, no EdPopSUS2,
possui carga horária de 40h (FIOCRUZ, 2017b). Na segunda chamada de turmas, em
2018, envolveram-se 19 educadores/as pré-selecionados/as e 05 já selecionados/as
da turma anterior. Esta segunda chamada de turmas se configura como o cenário no
qual se dá nossa pesquisa.
No EdPopSUS2, as atividades virtuais e a função de mediador/a foram
eliminadas. As pessoas que participam do processo seletivo para educadores/as
ainda se dividem entre escolaridade de níveis superior e médio, porém são
denominados respectivamente ‘Educador/a I’ e ‘Educador/a II’, visto que suas
atividades não se diferenciam. Tendo as mesmas responsabilidades e funções,
ambos são compreendidos como “educadores/as populares” (FIOCRUZ, 2017b).
Em ambas as edições, o grupo de coordenação do Ceará adotou, de forma
autônoma, a formação pedagógica dos educadores e educadoras como estratégia de
educação permanente, de construção coletiva e de sistematização das experiências,
por meio do protagonismo dos sujeitos envolvidos (DANTAS et al., 2018). Porém, no
EdPopSUS2 este processo foi ampliado, realizando-se mais encontros e envolvendo,
geralmente, além do conjunto de educadores/as e a coordenação do EdPopSUS do
estado, um/a apoiador nacional.
43

O estudo foi realizado de março de 2018 a janeiro de 2019, incluindo a


redação final da dissertação a ser apresentada ao Mestrado Acadêmico em Saúde
Coletiva do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPSAC) da
Universidade Estadual do Ceará (UECE).

4.3 PARTICIPANTES DA PESQUISA

Os sujeitos do referido estudo foram 23 educadores/as populares


participantes da última edição do Curso de Aperfeiçoamento do EdPopSUS no Estado
do Ceará, realizado entre 2017 e 2018. Dentre estes, 17 são do sexo masculino e 05
do sexo feminino. Como já foi mencionado, estes educadores e educadoras, apesar
de assumirem papéis semelhantes, organizam-se em duplas às quais são exigidas
institucionalmente formações complementares, ou seja, um/a ocupa a vaga para
ensino médio enquanto o/a outro/a, a de superior completo. No entanto, apenas 04
destes/as educadores/as não possuem Ensino Superior completo.
Importante ressaltar, ainda, que 10 destes/as educadores/as já haviam
participado do EdPopSUS1 e 13 já vinham participando de ações desenvolvidas pela
ANEPS no Ceará. Além disto, são educadoras e educadores advindos/as de, e
fortemente ligados/as a, experiências com movimentos sociais e educação em saúde,
como preconiza o edital (FIOCRUZ, 2017b). em sua quase totalidade

4.4 CRITÉRIOS INCLUSÃO-EXCLUSÃO

Quanto aos educadores e educadoras populares que facilitam o Curso


EdPopSUS, os critérios de inclusão foram ter participado do processo formativo para
educadores/as do EdPopSUS no estado do Ceará, na última edição do Curso, além
do desejo de contribuir com a pesquisa. Já o critério de exclusão foi a impossibilidade
de localização de tais possíveis colaboradores/as.
O total de educadores/as participantes da última edição do Curso é de 24
educadores/as. Como todos os educadores e educadoras foram localizados e
expressaram o desejo em contribuir com a pesquisa, e visto que uma destas é a
pesquisadora deste trabalho, ficaram 23 participantes nas entrevistas.
44

4.5 PRODUÇÃO DE DADOS - TÉCNICAS E INSTRUMENTOS PARA COLETA DE


DADOS

Decidimos adotar, como fonte de evidências, a observação participante e a


realização de entrevistas em profundidade. Segundo Gomes, as entrevistas em
profundidade podem ser consideradas como um convite à fala de forma livre feita pelo
pesquisador ou pesquisadora ao/à informante sobre determinado tema onde as
perguntas são abertas e formuladas no intuito de aprofundar reflexões (2002). Desta
maneira, a entrevista aberta “é determinada frequentemente pelas próprias
preocupações, relevâncias e ênfases que o entrevistado dá ao assunto em pauta”
(MINAYO, 2006, p. 265). Sob esta perspectiva, formulamos, portanto, algumas
questões norteadoras das falas, que não se encontraram fechadas, tendo sido, por
vezes, modificadas de acordo com o andamento da entrevista. Destacamos, ainda, a
importância da incorporação do contexto da produção de tal fala e de sua
complementariedade com elementos que o/a pesquisador/a tem em mãos na
abordagem qualitativa, a saber, “relações, práticas, cumplicidades, omissões e
imponderáveis que pontuam o cotidiano” (MINAYO, 2006, p. 263).

4.6 ASPECTOS ÉTICOS

O estudo seguiu as normas estabelecidas na Resolução 466 de 2012 do


Conselho Nacional de Saúde que orienta as pesquisas com seres humanos (BRASIL,
2013c). Os/as participantes foram esclarecidos/as sobre os objetivos e método da
pesquisa e foram convidados/as a assinarem o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido. Tal participação se deu de forma voluntária, tendo sido esclarecido
aos/às mesmos/as sobre a possibilidade de desistência da mesma a qualquer
momento.
Os dados obtidos foram mantidos em sigilo e a identidade dos/as
participantes não foi revelada. O referido estudo foi submetido à Plataforma Brasil e
ao Comitê de Ética em Pesquisa da UECE. O mesmo foi aprovado com o parecer de
número 2.670.023. Deste modo, a coleta de dados só teve início após tal apreciação.
Os riscos da referida pesquisa foram o constrangimento ou o desconforto
emocional. Quanto aos benefícios, o estudo em questão poderá ser importante para
a qualificação do processo formativo dos educadores e educadoras nas próximas
45

edições do Curso EdPopSUS e para as ações não só de educação popular, mas de


educação em saúde no âmbito geral.

4.7 ANÁLISE DE DADOS

A análise de dados é uma junção entre análise e interpretação, um


momento de olhar atentamente para os dados obtidos durante a pesquisa (GOMES,
2002). Optamos por realizar a análise temática dos dados. “Fazer uma análise
temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma
comunicação, cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa” (MINAYO,
2006, p. 316). Tal análise é composta de três etapas: pré-análise, exploração do
material e tratamento dos resultados obtidos/interpretação.
A pré-análise “consiste na escolha dos documentos a serem analisados e
na retomada das hipóteses e dos objetivos iniciais da pesquisa” (MINAYO, 2006, p.
316). Nesta etapa, fizemos uma leitura flutuante do material de campo a fim de
impregnar-nos de seu conteúdo (MINAYO, 2006). A própria transcrição das
entrevistas contribuiu para esta etapa. A partir deste trabalho, realizamos a
Constituição do Corpus, ou seja, do universo estudado em sua totalidade (MINAYO,
2006), respondendo às normas de exaustividade, representatividade,
homogeneidade, objetividade e pertinência (CAVALCANTE, CALIXTO, PINHEIRO,
2014). Ao fim desta etapa, “tendo, como parâmetro da leitura exaustiva do material,
as indagações iniciais” (MINAYO, 2006, p. 317), reformulamos algumas premissas.
Nesta fase, definimos as unidades de registro (palavras-chave ou frase), a unidade de
contexto, os recortes, a forma de categorização, a modalidade de codificação e os
conceitos teóricos que orientaram a análise (MINAYO, 2006; GOMES, 2002). Para
tanto, fomos auxiliados/as pelo software Iramuteq (Interface de R pour les Analyses
Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), versão 0.7 Alpha 2. O
programa foi originalmente criado para pesquisas que envolvem análises temáticas
ou de conteúdo e vem sendo apropriado pela área da saúde (KAMI et al., 2016). O
mesmo possibilita a realização de análises estatísticas sobre corpus textuais e tabelas
indivíduos/palavras, oferecendo cinco tipos de processamento de dados a partir de
cada uma delas (CAMARGO, JUSTO, 2013a).
46

No estudo em questão, o corpus textual foi construído a partir das 23


entrevistas transcritas sobre o tema da formação dos/as educadores/as populares do
EdPopSUS no Ceará. As entrevistas foram transcritas no Documentos do Google
Drive com o auxílio da ferramenta Digitação por voz. Este mecanismo pôde ser
utilizado para transcrição de áudio gravado ao desativarmos o microfone do
computador e ativarmos a Mixagem Stereo do mesmo, possibilitando à ferramenta
reconhecer os áudios gravados e salvos no computador (MANNARA, 2018). Apesar
disso, fizemos uma leitura e escuta simultânea para validar esse momento de
transcrição, portanto, tivemos de acompanhar todo o processo para a correção dos
erros originados pela mesma.
No Iramuteq, cada entrevista constitui uma Unidade de Contexto Inicial
(UCI) que se subdivide, por sua vez, em Unidades de Contexto Elementar, ou seja,
segmentos de texto considerados o ambiente das palavras, constituídos por três
linhas dos textos do corpus (CAMARGO, JUSTO, 2013a; SOUZA et al., 2018). Dentre
os tipos de processamento de dados oferecidos pelo Iramuteq, optamos pelo método
da Classificação Hierárquica Descendente (CHD) que divide, em classes, o conjunto
das falas transcritas dos/as entrevistados/as. Tal classificação se dá em função dos
respectivos vocabulários cuja variação ocorre de acordo com a transcrição e o
tamanho do conjunto do corpus textual a ser analisado (SOUZA et al., 2018). Tal
processo possibilita a recuperação dos segmentos de texto associados a cada classe
no corpus original, obtendo o contexto das palavras estatisticamente significativas
(CAMARGO, JUSTO, 2013b). A CHD dividiu, então, o corpus em quatro classes.
A segunda etapa é composta pela exploração do material onde o/a
pesquisador/a realiza uma categorização dos dados, buscando “expressões ou
palavras significativas em função das quais o conteúdo de uma fala será organizado”
(MINAYO, 2006, p. 317). Em seguida, o/a investigador/a define as regras de
contagem. Para tal, retomamos o corpus textual, a partir da CHD gerada pelo
Iramuteq, colorindo as palavras mais importantes de acordo com o tamanho e as cores
das classes geradas pelo programa. Assim, pudemos alocá-las, visualizando e
analisando seu contexto original, com outras falas similares. Desta forma, realizamos
a classificação e a agregação dos dados, fortalecendo a escolha das categorias
teóricas e empíricas, responsáveis pelos temas e subtemas (MINAYO, 2006).
Podemos dizer que as categorias teóricas foram engravidadas com os sentidos e as
categorias empíricas emergiram.
47

O Tratamento dos Resultados Obtidos e Interpretação constituiu a terceira


e última etapa deste método. Ao chegarmos neste ponto, interpretamos as
informações obtidas, inter-relacionando-as com o quadro teórico desenhado
inicialmente e abrindo pistas a novas dimensões teóricas e interpretativas, sugeridas
pela leitura do material (MINAYO, 2006).
Com o tratamento e organização das classes originadas pelo Iramuteq, em
diálogo com o referencial teórico da pesquisa, abrimos pistas a novas dimensões
teóricas e interpretativas, realizando uma nova classificação e agregação dos dados,
escolhendo as categorias teóricas e empíricas, responsáveis pelos temas (MINAYO,
2006).
Desta forma, chegamos à conclusão de que as quatro classes originadas
pelo Iramuteq se referem a quatro grandes temas. A vermelha diz respeito ao chão(-
universo) da educação popular em saúde. A classe roxa refere-se às aprendizagens
com o corpo todo, interpretadas, por sua vez, como estratégias, acontecimentos ou
intensidades que possibilitaram a articulação entre o chão(-universo) da educação
popular em saúde com as próximas classes, verde e azul. Estas foram as mais difíceis
de serem codificadas, por terem apresentado grupos de palavras com uma amplitude
bem maior que as anteriores. Concluímos, ao final da análise, que ambas condizem
com dois temas. O primeiro tema é o processo formativo dos/as educadores/as, no
qual se incluem o período de 40h/a, a proposta de continuidade, os encontros nos
municípios e o curso como um todo1. O segundo é a condução em dupla. Apesar de
estarem submersos em classes subdivididas em duas, tais temas não estão
delimitados, por sua vez, em cada uma delas, ou seja, ambos os temas perpassam
ambas as classes (verde e azul). Podemos verificar tal configuração na imagem a
seguir:

1
As falas referentes ao curso como um todo, inclusive ao processo iniciado nos municípios não
entraram em análise para serem aprofundadas em estudos posteriores.
48

Figura 1 - CHD realizada pelo Iramuteq com temas originados após a


análise e interpretação dos dados.

Chão(-universo) da educação
popular em saúde

Processo formativo
(40h; continuidade)
e condução em
dupla

Aprendizagens com o corpo todo

Fonte: autoria própria com base na imagem gerada pelo Iramuteq

Por sua vez, tais temas geraram ainda subtemas que serão expostos na
seção seguinte.
54

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dentre as quatro categorias geradas, salta-nos, justamente, aquelas


geradas a partir das classes, apontadas pelo Iramuteq, como as mais importantes.
São elas o chão(-universo) da educação popular em saúde e as aprendizagens com
o corpo todo. Concomitantemente, as classes que geraram tais categorias também
foram as quais nos familiarizamos mais rapidamente ao olharmos para o conjunto de
palavras que traziam, porém fomos percebendo, no decorrer da análise, que eram
mais amplas do que pensávamos inicialmente.
A princípio, para nós, a classe vermelha, trazia as experiências prévias
dos/as educadores/as, sendo revelado, com o decorrer da análise, que também era
constituída pelas utopias e projeções dos/as educadores/as em relação à educação
popular em saúde e ao EdPopSUS, originando a categoria chão(-universo) da
educação popular em saúde. A classe roxa - à qual associamos, inicialmente, apenas
metodologias - revelou como acontecimentos aquilo que, da formação, ficou marcado,
inclusive, corporalmente, nos/as educadores/as. Desta forma, a categoria
aprendizagens com o corpo todo constituiu-se a partir de cartilagens ou costuras entre
os princípios da educação popular, suas experiências de vida, seus desejos e as
situações-limites que enfrentaram. Em outras palavras, nós temos um chão que se
abre para o universo da educação popular em saúde, ou seja, suas experiências e
seu ideário, sendo costurado por um conjunto de vivências intensas que partiram de
aprendizagens com o corpo todo para efetivar as várias etapas deste Curso, as 40h
de formação inicial, o processo de continuidade e a condução em dupla, sendo estas
últimas as categorias que representam as várias etapas desta experiência.

5.1 O CHÃO(-UNIVERSO) DA EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE

A partir do olhar dos educadores e educadoras entrevistados/as, a


educação popular em saúde é um campo articulador de saberes acumulados no
âmbito da educação, da saúde e dos movimentos sociais. A nosso ver, tais áreas são
importantes pilares para a sustentação da democracia brasileira. Imersos neste
universo, os/as educadores/as apontaram as práticas históricas que os/as inserem no
EdPopSUS Ceará, bem como princípios, perfis e filosofia do/a educador/a popular em
saúde.
55

Os/as educadores/as trouxeram, em seu percurso histórico, experiências


que transitam entre educação, saúde e movimentos sociais. Na área da educação,
identificamos experiências relacionadas ao espaço convencional de ensino, o
reconhecimento da contribuição do mesmo - no qual se inclui a educação em saúde -
, mas também a constatação de que a educação formal não é suficiente para a
efetivação do desejo de transformação social. Deste modo, ocorre um desencontro
com a educação convencional a partir do lugar de movimento social.

E17: “(...) tive uma passagem (...) pela educação formal, (...) trabalho de
educação em saúde, (...) [en]quanto enfermeiro e (...) fortalece o trabalho de
educador popular apesar de ser espaços diferentes, (...) com outras
linguagens, mas (...) contribui (...)”.

E12: “(...) a gente formou um grupo de jovens, (...) conheci Paulo Freire, (...)
queria estudar educação pra (...) contribuição (...) na minha comunidade. (...)
na universidade, me decepcionei, (...) ‘tão o tempo todo falando sobre
educação formal (...)”.

Concomitante a isso, a presença, entre os/as educadores/as, de pessoas


pouco experientes na educação popular em saúde estaria revelando que este
processo formativo se efetiva como um lugar que possibilita uma formação para
educadores e educadoras populares no sentido de ampliação dos saberes? As falas
revelam o quanto essa vivência foi produtora de aprendizados. Os acúmulos de alguns
e algumas, que não passam exclusivamente pela educação popular, em contato com
experiências sólidas neste campo, reafirmam a necessidade da complementariedade
dos saberes para que se renovem em busca da mudança.

E16: “(...) ministro aula em faculdades e em curso técnico. A educação


popular em saúde trouxe um diferencial: perceber esse saber compartilhado,
um saber prévio e que isso é importante para a saúde em si (...) fiquei um
pouquinho assustada, [porque] não tinha experiência nenhuma na educação
popular (...)”.

E15: “(...) educação popular vem da luta dos movimentos sociais urbanos e
rurais. Então, a gente já vem da experiência do Movimento Sem Terra, (...)
como militante mesmo de organização da base, dos trabalhadores (...)”.

Uma educação transformadora da realidade se opõe à “ideologia da


acomodação”, pois também exige protagonismo ao reconhecer os saberes
produzidos, no cotidiano, como potências (FREIRE, 2011b). No entanto, se toda
transformação requer um caminhar, uma educação transformadora coloca-se como
56

um processo inacabado, o que exige, dos sujeitos envolvidos, a humildade de se


perceberem incompletos no todo da história.
Quanto às experiências dos/as educadores/as acumuladas na área da
saúde, identificamos aquelas vinculadas a propostas que vêm contribuindo, em âmbito
nacional, para a ampliação do paradigma biomédico, como a ESF, as Cirandas da
Vida (estratégia de educação popular do município de Fortaleza), a Política Nacional
de Humanização-PNH e o projeto Vivências e Estágios na Realidade do Sistema
Único de Saúde (VER-SUS).
. Tais experiências possibilitaram a inclusão da arte e da mobilização social
como estratégias articuladas às práticas de saúde. Tais experiências apontaram,
segundo as falas, para o reencontro ou mesmo potencialização da vivência já
experienciada nos movimentos:

E14: “(...) minha paixão por educação popular nasceu na minha adolescência,
(...) eu auxiliava meu pai nos movimentos sociais, sindicatos e associações.
(...) aprendi com as lideranças (...) uma forma do Povo de falar com o povo.
(...) noventa e três, Vera Dantas chegou em Quixadá e trouxe (...) educação
popular em saúde, foi na gestão do doutor Odorico. (...) ela levava às ruas,
(...) por meio do teatro popular, o teatro de bonecos, a música, a dança,
cenopoesia. (...) eu me encontrei, como se fosse a minha essência de
encontro (...) [a] saúde pública (...)”.

E10: “(...) fui trabalhar em Sobral na formação do curso de Agente


Comunitário de Saúde (...) na parte de mobilização. (...) fui fazer parte de um
projeto chamado Cirandas da Vida e da Política de Humanização (...)”.

E21: “(...) minha experiência como educador popular se dá na periferia (...)


década de ‘80, criamos o Grupo de Educação Popular [cujo] objetivo [era]
melhorar o nosso fazer político e religioso (...) na Ciranda, vou encontrar a
educação popular e a saúde. Eu tinha essa visão de educação popular, mas
não em saúde. A saúde que eu conhecia era só o oposto de doença”.

E4: “(...) fiz seleção para o Pró-ensino, Programa Bolsa de Incentivo à


Educação na Rede SESA. (...) aproximação com a Política de Educação
Permanente, (...) de Humanização, (...) participei do VER-SUS. (...) durante a
Residência, (...) fui de NASF, (...) da educação permanente, (...) promovia
práticas (...) junto à população. (...) a prática como assistente social
pressupõe a (...) educativa. (...) pensei aproximar o serviço social da arte,
conheci o Cirandas da Vida (...)”.

A experiência advinda do engajamento com os movimentos sociais


demarca um território diverso, provocador do diálogo entre campos rotineiramente
distanciados nos espaços institucionais hegemônicos, como as políticas públicas.

E13: “(...) brincante de teatro, quadrilha junina, teatro popular, (...) em um


espaço, Escuta, [que veio de] Comunidade Eclesial de Base, uma igreja-
57

povo, [tinha] um projeto, Círculo de Cultura Brincantes com a Professora Dra.


Ângela Linhares, [uma] ação Comunitária a partir do teatro, [da] música (...)”.

E3: “(...) era muito infeliz enquanto aluno. Descobri a alegria de viver quando
encontrei os movimentos sociais, de igreja (...)”.

E4: “(...) práticas educativas na igreja, os mórmons, fui de lideranças tanto de


mulheres quanto de jovens nesse movimento (...)”.

Aqui, educação, saúde, arte, cultura, fé e política misturam-se, dando força


para que as lutas individuais se tornem coletivas. Seria assim porque nos movimentos
os sujeitos também seriam mais acolhidos em sua inteireza, em sua diversidade?

E17: “(...) fui me fazendo educador popular nos movimentos de teatro popular.
sempre com diálogo, engajamento no trabalho comunitário de emancipação
popular (...)”.

E1: “(...) eu não ‘tava conseguindo pagar a prestação desse espaço (...), eu
‘tava no movimento, tinha vergonha (...), pouco tempo eu já era presidente da
associação de moradores (...), já estava no Movimento Nacional de Luta pela
Moradia (...), mexo com muita força contra os despejos (...), vão aumentando,
nós fomos nos fortalecendo e fizemos uma bandeira (...)”.

E18: “(...) além das duas experiências anteriores [do EdPopSUS], [das]
Cirandas da Vida, [o que forma os] pés nos quais eu piso nesse chão da
educação popular [é o] movimento político, [nas] comunidades, sindicatos,
organizações estudantis, igreja, músico popular e professor do sistema formal
de educação”.

No espaço do movimento social, a possibilidade de construção coletiva e


autônoma parece-nos mais efetiva. Ao assumirem a construção de processos político-
organizativos, formativos e de resistência, os sujeitos populares tornam-se
protagonistas, com base na realidade e nos projetos que querem construir através do
diálogo que se dá numa relação de alteridade e de amor (PULGA, 2015).

E11: “(...) nem sei se eu sou educador popular, fiz parte de uma equipe (...)
tenho contribuído (...), sinto ainda me construindo (...), começam a rotular as
pessoas que são educadoras (...), se não seguir esses valores, esses
princípios (...), têm valores que eu tô ainda assimilando e tô começando a
entender (...)”.

Os educadores e educadoras refletiram filosoficamente, produziram conceitos


(DELEUZE, GUATTARI, 1992) sobre si mesmos/as, suas formas de atuação e
contextos que possibilitaram tornarem-se o que são. O que define um/a educador/a
popular? Seria sua indefinição? Ou a impossibilidade de sua rotulação? Seu estado
58

de permanente transitoriedade? Sua inventividade, coragem, compromisso,


singularidade?

E13: “(...) querer ser um educador, ser alguém que coloca os seus
conhecimentos à prova (...)”.

E2: “(...) não tinha uma sala própria. Essa incerteza trouxe uma dificuldade.
Vivia de mudança, [era] tambor, violão, panderola, baú de memórias,
mandala, estressava, mas o educador popular em saúde é essa figura meio
nômade (...) pra nos instigar a ocupar outros espaços de acontecimento
social, escolas, igrejas, mercados”.

Este exercício filosófico coloca-nos à frente de um universo plural e


dinâmico que, por vezes, rompe com o pré-estabelecido. O mutante opera sobre a
norma, a insubordinação artística possibilita a fuga daquilo que deveria ser, do modelo
que está posto (ITAGIBA, 1998).

E1: “(...) educar é afetar (...), ninguém tem nada pra ensinar a ninguém. (...)
a gente veio só organizar os nossos saberes, que são muitos (...), (a
educação popular (...) nos orienta (...), perdi o medo, (...) me sinto poeta arte-
educador (...)”.

O afeto - que, mais que um sentimento, consiste no entregar-se de um


corpo ao presente, quebrando, por dentro, o condicionamento às práticas utilitárias
(ITAGIBA, 1998) - é exposto como o essencial na relação educador/a-educando/a,
ressaltando que não é de transmissão de conteúdos que se trata a educação popular,
mas de organização dos saberes.

E18: “(...) uma pessoa da cultura popular com legitimidade era o Chico da
Silva, nós não somos. somos o melhor que a comunidade pôde produzir (...)
nesse fogo da luta aí, mas (...) tem um certo verniz acadêmico na gente (...),
alguns utiliza (...) para fortalecer a academia (...) outros para construir (...), o
Elias chama de a extensão comunitária dentro da universidade (...), a gente
pode estar dentro dos dois cantos”.

A fala acima expõe uma reflexão crítica sobre o momento atual, que permanece
subordinando os saberes populares aos produzidos pela academia (SANTOS, 2010).
Como podemos verificar, faz o uso da conjunção adversativa “mas” ao colocar em
relação as bases popular e acadêmica na formação do ser educador/a popular.
Estaria, portanto, ressaltando tal subordinação da qual a saída seria o caminho da
59

extensão comunitária, uma forma de extensão ao contrário, de fora para dentro da


universidade, que promoveria o diálogo entre esses saberes (DANTAS, 2009)?

Quando a extensão se encontra


Com a educação popular
O popular torna grávida a Extensão
Dá-se uma gestação de valores
Novos odores e novas cores
Anunciam o cio da terra
Através dos pés e dos braços
Sem cansaço dos andarilhos
Que percorrem morros e encostas
Planícies e ladeiras
Fazendo caminhos de diálogos (...)
Mas afinal que outra Extensão popular
Pode haver e haverá de ser?

A Extensão popular comunitária!


Como forma de dizer para a Universidade
Que o popular vai ao Campus
E que o Campus precisa ir a campo!

O verbo é “ir”. Ir ao encontro!


Ir e vir nessa extensão do diálogo
Acadêmico e popular! (SILVA, 2009)

A universidade e a comunidade percorreram um caminho juntas, porém


numa relação marcada pela subserviência. O contexto atual tem criminalizado os
movimentos sociais e atacado os saberes acadêmicos que apontam para a
transformação social (RAMOS, SANTORO, 2017; VIANA, 2018). Quanto à academia,
a mesma estaria sob dois ataques. O primeiro, fruto da recente inclusão dos/as que
foram marginalizados/as por ela (negros/as, índios/as e mulheres), seria construtivo a
esta, visto que denuncia sua característica excludente e eurocêntrica, enquanto o
segundo, a feriria de morte, imprimindo, nela, o caráter empresarial1. Os/as
acadêmicos/as, advindos da luta comunitária, encontram-se com o desafio de
reajustar a relação entre saberes popular e acadêmico a partir da valorização
daqueles construídos nas lutas cotidianas e coletivas, ao invés de pelo orgulho
individual de sua inserção na academia.

O acúmulo de experiências dos educadores e educadoras reunido no


Curso EdPopSUS, sem o intuito de tornarem-nos especialistas, revelam a educação
popular em saúde como um campo amplo de saberes diversos que dialogam entre si.

1
Reflexão feita por Boaventura de Sousa Santos no seminário “Epistemologias do sul e a defesa da
universidade”, realizado na Assembleia Legislativa do Ceará em Fortaleza no dia 05 de dezembro de
2018.
60

Isto nos leva a uma ideia de formação que se afasta do sentido de especialização do
saber.

E12: “(...) o EdPopSUS me ensina que eu não preciso ter uma formação
específica na área da saúde para trabalhar com saúde, porque ela precisa da
educação. O EdPopSUS acaba, mas eu queria continuar trilhando esse
caminho na minha vida. Foi muito aprendizado”.

E3: “o EdPopSUS reuniu educadores de potências fenomenais que têm uma


história diversa com artes cênicas, música, poesia, cenopoesia, academia,
movimentos sociais, Comunidades Eclesiais de Base, práticas históricas da
formação do movimento social brasileiro (...)”.

A especialização do saber tem sido característica marcante no modo como


opera nossa sociedade, estando presente desde os espaços de produção de
conhecimento, políticas públicas e mesmo em dimensões subjetivas. A mesma
embasa-se na premissa cartesiana de que uma tal fragmentação resulta num maior
aprofundamento e qualidade dos saberes. Esta maneira de compreender a realidade
resultou na falta de diálogo entre as diversas áreas de conhecimento.

E8 “(...) os Muros da Escola Técnica me puxavam, me sentia impotente,


perder minha identidade. Trabalhei com projetos de extensão ligado[s] à
comunidade rural e de periferia, dando capacidade de estar ligado aqui à
comunidade. Trabalho [com] semiárido na graduação, [então] dialogar na
saúde foi um desafio e oportunidade. Educador popular não tem que ‘tá
taxando áreas que pode dialogar”.

E5 “(...) esses saberes têm sido melhor aproveitados na educação popular


em saúde do que no teatro, na música, na dança, nas artes cênicas, que é a
minha formação”.

A educação popular em saúde apresenta-se, portanto, segundo os


educadores e educadoras, como um espaço de interlocução de saberes, no qual é
possível ampliar o olhar fragmentado, realizando uma transposição dos diversos
lugares onde a produção de saberes se dá de forma separada para a construção de
um novo possível, a partir da articulação destes saberes.
61

5.2 “UMA SEMENTE ABRINDO A TERRA PARA GERMINAR”: O PROCESSO


FORMATIVO COM OS/AS EDUCADORES/AS DO EDPOPSUS

O processo formativo direcionado aos/às educadores/as do EdPopSUS


tem uma carga horária de 40h/aula e acontece no período de uma semana. Esta
formação integra a última etapa do processo que seleciona os/as candidatos/as a
educadores/as populares do Curso EdPopSUS (FIOCRUZ, 2018). A equipe de
coordenação do Ceará optou, de forma autônoma, pela continuidade do processo
formativo durante a facilitação dos encontros com os/as educandos/as nos diversos
municípios. Este ponto constitui um olhar sobre o processo pedagógico vivenciado
pelos/as educadores/as nesses momentos.

O percurso formativo inicial de 40 horas provocou aprendizagens


diversas nos/as educadores/as. Um processo de quase imersão, segundo um/a
deles/as, despertou intensidades, inquietações, rupturas e produção de novas
subjetividades (GUATTARI, ROLNIK, 1996). Considerando tal cenário como
potencialidade, apontaremos ainda as situações-limites e atos-limites deste processo.

5.2.1 “Quando a gente se encontra...” é um reencontro: o processo inicial de 40h

Um grupo de falas nos chamou atenção, pois girou em torno de como


perpassar por este processo produziu uma nova subjetividade nos/as educadores/as,
uma desterritorialização (GUATTARRI, ROLNIK, 1996). Nesse processo,
embaralham-se aspectos pessoais e profissionais destas transformações e
evidenciam-se a desconstrução dos sujeitos e educadores/as que vinham sendo até
então, ao mesmo tempo em que cria um solo para um ressignificar-se, possibilitando
a saída das caixas padronizadoras hegemônicas que cristalizam o/a educador/a no
ser professor/a (CECCIM, 2005a).

E9: “(...) me permitiu questionar minha prática, a maneira que eu ‘tava


olhando pra realidade, as relações (...). Nunca me reconheci esse educador
que olha pr’as diversas coisas que acontece na vida daquele educando. Eu
era muito professor (...). Como é que pode? Se eu me coloco pra construir
algo diferente e tô reproduzindo as mesmas coisas?”.

E13: “(...) é desconcertante (...). Você vem dessa situação confortável, entra
no processo, se embaralha. Coloca tudo em xeque, tem que encontrar um
novo equilíbrio, novas lógicas, horizontes sobre como atuar como o educador
que achava que era ou que quer vir a ser”.
62

Em tal cristalização, ser professor/a é profissão, por isso, é descartável aos


olhos do mercado, enquanto educador/a é vocação, “nasce de um grande amor (...)
de educadores para professores, realizamos o salto de pessoa para funções” (ALVES,
1980, p. 11 - 13).

E7: “(...) consegui laços de amizade (...) pessoas traziam uma bagagem
enriquecedora (...) tive a oportunidade de me trabalhar em algumas atitudes
(...). Como se fosse uma borboleta no casulo, fui me abrindo pra essas novas
experiências. Não é fácil mudar. É um processo de transformação (...)”.

E21: “(...) meu temperamento (...) [tenho] dificuldade em respeitar o tempo do


outro. Aprendi a ouvir mais, sou muito de falar [e] não podia tá falando o
tempo todo (...). A gente teve que gravar como foi que eu cheguei no
EdPopSUS, como ‘tava saindo. Tenho essa dificuldade de falar de mim. Fez
uma linha do tempo da vida. (...) era um processo de autoavaliação (...)”.

E2: “(...) mergulhar no traçado pedagógico e metodológico ali do curso,


trabalhar a dialogicidade, a amorosidade, a problematização. Começaram a
produzir inquietação, reflexão (...). Teve essa preocupação, como vamos
chegar lá no município, repassar toda essa avalanche de conhecimentos que
foram partilhados aqui?”

A última fala nos inquieta ainda por revelar o medo diante da potencialidade
do vivido. A nosso ver, o medo vem acompanhado da ideia de reprodução. Como
ressalta outra fala, a transformação é um processo e os resquícios da educação
bancária ainda permeiam o ideário que constitui os educadores e educadoras. Na
educação bancária, compete ao/à educador/a persuadir o/a educando/a e substituir o
conhecimento trazido por ele/a em troca daquele trazido pelo/a educador/a (FREIRE,
2015). Desta forma, não estimula a curiosidade epistemológica que ativa o espírito
investigador e criativo dos/as educandos/as (FREIRE, 2011b).

Os encontros, os desafios e os reencontros possibilitaram a superação de


situações-limites na relação com os/as outros/as educadores/as, o reconhecimento e
inclusão de suas singularidades durante o processo formativo inicial. O
reconhecimento dos saberes acumulados dos/as que já haviam participado da
realização da turma anterior da mesma edição do EdPopSUS permitiu que estes/as
educadores/as contribuíssem como animadores/as do processo junto aos/às
coordenadores/as, ao mesmo tempo em que também participavam como
educandos/as.

E18: “(...) quando eu me encontrei com aquelas pessoas novamente foi como
se eu pudesse respirar de novo o ar de como é se estar na educação de
63

forma livre. É uma grande experiência de liberdade coletiva, um exercício do


nosso jeito de ser. Momento de reencontro e de conhecer pessoas que
estavam chegando (...), a premissa, os que já tinham participado, não é que
eles não devessem estar (...), mas que eles também eram educador-
educando em certa medida”.

Além disso, a situação diferenciada destes/as para os/as outros/as que


participavam de uma seleção apontou a solidariedade como ato-limite quanto a esta
questão. Tal desafio posto pela formação pode estar refletindo o contexto
desfavorável à atuação do/a educador/a popular na atualidade. Não obstante, o
reencontro com este lugar institucional da educação popular em saúde provoca um
olhar aprofundado sobre outros possíveis caminhos a serem percorridos pelo/a
educador/a que segue negligenciado/a por esta sociedade.

E10: “Naquela primeira oficina [da chamada anterior em que participava da


seleção], percebi [que] pessoas competiam diretamente comigo. [No]
segundo encontro, consegui me tocar que o participar efetivamente te
colocava numa boa posição para a competição (...), ser educador popular
num mundo capitalista e na sociedade em que a gente vive tem que ser no
mínimo um sonhador, ter uma força motriz, fincar na realidade com uma
percepção mais apurada. [No curso em que] a gente já tinha sido selecionado
(...), outras pessoas estavam competindo entre si, nesse patamar, eu pude
conversar com as pessoas que estavam fragilizadas por esta questão, tentei
tranquilizar (...)”.

O processo formativo inicial revelou-se uma oportunidade de retorno às


experiências com os movimentos que têm sido impossibilitadas pela dinâmica do
sistema capitalista. Este requer professores/as, funcionários/as geridos/as pela
excelência funcional ao invés de educadores/as para quem a interioridade, suas
utopias, visões, paixões e esperanças fazem diferença (ALVES, 1980).

E20: “foi um redespertar. Quando você se reencontra, se percebe potente, se


descobre transformando e transformador, é como uma semente que vai
abrindo a terra para germinar (...). Venho de [experiências de] contato com
os grupos, militante, de fazer coisas com liberdade, artístico, de brincar,
aprendizado que aprende com o corpo todo, fazendo música, teatro em
coletivo. Já ‘tava vivendo um distanciamento disso”.

O desejo do encontro com os/as outros/as - alguns e algumas dos/as quais,


companheiros/as de luta - alimenta o esperançar. Este é o estado natural do ser
humano que ativa nossa força motriz de resistência à desesperança imobilizadora que
é permanentemente ativada por nosso contexto (FREIRE, 2011c).
64

E1: “o estar junto já é um grande momento. A gente tinha aquela vontade de


chegar lá na hora, ouvir as histórias de cada um”.

E21: “rico mesmo é o encontro, como o Ray costuma dizer: ‘quando a gente
se encontra é bem mais que um encontro’”.

A potência do encontro resulta também dos afetos produzidos nele. Estes


seguem despertando o desejo de conhecer cada vez mais esse Outro com quem
componho um coletivo, residindo, neste aspecto, a efetivação do compromisso em
estar presente no Curso. Concretizam-se, desta maneira, a curiosidade e a
amorosidade, princípios da educação popular, como aspectos vivenciados no
processo formativo.

5.2.2 “Mergulhar no traçado pedagógico”: dos princípios da educação popular

Identificamos um conjunto de falas referentes à formação inicial de 40h que


desvelam diversos princípios da educação popular, em permanente interação, como
se necessitassem uns dos outros para serem ativados.
O diálogo só é possível com a consciência do inacabamento. Nossos
sistemas hegemônicos de ensino e de saúde impõem ao/à educador/a e ao/à
trabalhador/a de saúde um saber finalizado. Ambos, de maneiras diferentes,
asseguram suas práticas na conquista dos/as educandos/as e dos/as usuários/as por
meio da imposição de seus saberes (ALVES, 2005; PINAFO et al. 2011). Na relação
dialógica, a segurança advém do reconhecimento em saber que não se sabe, da
abertura ao mundo — inclusive, de não temer ser conquistado pelo saber que o outro
traz (FREIRE, 2011c).

E8: “(...) a sensibilidade de cada um abriu espaços para o autoconhecimento,


pro diálogo um com o outro, com as suas experiências no local. A defesa e o
respeito com que o outro pensa quando a gente discutia o papel do
EdPopSUS era permitir dialogar uma proposta, que nem diz aqui conversar
miolo de pote, no pote tem água, e agua é coisa rica, a gente torna a vida
mais saudável, forte passa a dar mais valor à vida”.

A politização do ser humano parte do princípio de que este está em


movimento com o mundo e, logo, com o outro para refletir sobre ele e transformá-lo
(FREIRE, 2011b; FREIRE, 2017b). Sendo o protagonismo e a autoria pressupostos
imprescindíveis à educação popular como política, faz-se necessário “entender o SUS
65

como resultado das lutas e conquistas da sociedade, o que exige o resgate histórico
da participação dos movimentos populares na construção da proposta da Reforma
Sanitária Brasileira” (BONETTI, PEDROSA, SIQUEIRA, 2011, p. 402).

E2: “trouxe reflexões importantes sobre humanização nos serviços,


compreender, fortalecer, defender o SUS. Educação popular em saúde nasce
nessa gênese fantástica desse sistema universal, equânime trazia as
principais fissuras existentes nesse cenário de desmonte que nós estamos
vivenciando hoje e nos desafiando em construir e a fazer educação popular
em saúde dentro desse cenário”.

O cenário ao qual se refere o/a educadora é o contexto político-econômico,


impulsionado por forças conservadoras que visam a mercantilização dos direitos
sociais e, consequentemente, o desmonte do SUS constitucional, a perda da
priorização da ESF como modelo de APS e o risco de descaracterização do trabalho
do/a ACS (MOROSINI, FONSECA, LIMA, 2017). Um quadro que se agravou com o
aprofundamento do golpe do capital de 2016, que efetivou um impeachment sem
fundamentação jurídica (PAIM, 2018; BELLO, BERCOVIC, LIMA, 2018). O golpe vem
reforçando um estado de exceção econômico com a aprovação de medidas que ferem
direitos constitucionais, como a redução dos direitos trabalhistas, a terceirização de
atividades-meio e fim e o congelamento de gastos públicos com saúde e educação
por vinte anos (BELLO, BERCOVIC, LIMA, 2018).

A reflexão dos/as educadores/as despertada no Curso acentua-se no


contexto atual, fazendo-nos ecoar a voz do/a educador/a: que fissuras encontramos,
na atual conjuntura, para uma prática libertária na educação e na saúde? Seria nas
iniciativas comunitárias e de movimentos sociais que, produzindo um saber local,
apontariam para uma dinâmica de vida ampliadora da coesão da sociedade civil em
favor dos interesses coletivos (SANTOS, 1994; SANTOS, SILVEIRA, 2006)? Como
isso se manifesta na região Nordeste do Brasil onde o peso das heranças culturais
age fortemente como resistência aos modos de viver globalizantes (SANTOS,
SILVEIRA, 2006)?
A necessidade de transformação do mundo é intrínseca à incompletude
humana (FREIRE, 2011c). Assim, a construção compartilhada do conhecimento
propõe a diversidade de saberes nos processos comunicacionais e pedagógicos,
possibilitando uma melhor compreensão para a transformação coletiva das ações de
saúde desde suas dimensões teóricas, políticas e práticas (BRASIL, 2013a).
66

E14: “(...) essa experiência humanizada do saber, todo mundo junto fazendo
a troca, não havia essa história de que fulano sabia mais ou que sabia menos.
Todo mundo sabia (...)”.

E19: “(...) achei que eu não tinha nada a ofertar, mas o que eu sei alguns não
sabia e aprendeu comigo. Coisas que eu não tinha noção e aprendi com o
outro. Você tá na formação com o compromisso de aprender. Que é que eu
vou fazer com o que eu aprendi aqui? Eu vou praticar aonde? Tem que ter
responsabilidade com o que tá aprendendo (...)”.

A inclusão do saber-de-experiência-feito dos/as educadores/as constituiu


as bases deste processo formativo, segundo relataram. A passividade usual nas
relações educativas hegemônicas foi superada pelo protagonismo. Este permite a
criatividade e a criticidade (FREIRE, 2011a), tão temida pelas classes dominantes que
buscam, a todo custo, transformar a mente dos/as oprimidos/as para manter a
situação que os/as oprime (BEAUVOIR, 1972).

E3: “foi um processo de mergulho na proposta do curso. Ele tinha todo um


processo trilhado, trajeto, percurso. uma semana de vivenciar na prática
profissional no cotidiano daquele sujeito, da experiência de vida que estavam
trazendo, o que era mais importante, mais vivencial, prático”.

O protagonismo desperta o compromisso, visto que parte de nós está no


que produzimos. Os processos em educação popular prezam pela construção de
sujeitos comprometidos com os saberes, os/as educandos/as e o processo. Esta
atitude advém da transição de uma consciência ingênua à crítica, visto que, nesta, o
homem percebe-se dentro da história (FREIRE, 2017a). É uma proposição viva de
princípios capazes de nortear a formação esteja em que âmbito esteja.
Dentre estes princípios, aquele que apareceu, nas falas, com mais
frequência foi o inacabamento do ser humano. Percebemos similitudes entre as
noções de educador apresentadas por ALVES (1980) e de professor crítico apontada
por FREIRE (2011c), visto o caráter aventureiro daquele que orienta a aprendizagem.

E13: “cheguei já armado, queria mostrar que eu já sei, quando um passo em


que permite você aprender mais é quando descobre que ainda não sabe. fui
me impressionando com que eu estava apreendendo, desenvolver uma
sistemática de produção de conhecimento que permita orientar essas
experiências para qual é a transformação que você quer fazer, ser no mundo.
(...) Momento intenso de profusão de coisas (...), dar uma dinamitada na
gente e sair perguntando: o que é que eu vivenciei?”

Um/a educador/a, então, que se desapega constantemente dos saberes já


concretizados em nome de novos caminhos, que se mostram, agora, mais pulsantes.
67

Saberes a serem construídos coletivamente. Neste aspecto, reencontramo-nos com


o nomadismo do/a educador/a popular.

E16: “(...) obtive alguns conhecimentos, pude compartilhar outros e uni,


modifiquei o modelo tradicional de ensino com o de educação popular em
saúde. Foi novo, eu não tinha essa experiência, mas fiquei com todo gás
referente a aprender essas novas metodologias (...)”.

E23: “(...) como se passasse todo esse filme, pudesse revisar tudo que
vivenciou e sentindo bem forte para iniciar a formação com os educandos no
território (...)”.

As falas traduzem uma intensificação do processo de ensino-


aprendizagem. Um momento vivificante que poderíamos identificar como uma
prioridade da vivência no processo formativo em relação ao entendimento racional
que este possa propiciar. Apesar disso, não deixa de apresentar propostas que
seguem o campo lógico - como a sistematização das experiências - sem, no entanto,
pautar-se apenas na racionalização.

E20: “a formação é muito intensa, então você fica naquela necessidade de


ter mais tempo para viver e degustar com mais sabor cada coisa, cada
momento, porque como é muito intenso, muitas vezes, a coisa passa e no
outro dia você se dá conta do que viveu, do que era aquilo”.

Os/as educandos/as-educadores/as respaldaram o papel daqueles/as que


foram seus educadores e educadoras durante esse percurso. Estes/as compunham
um grupo formado substancialmente pela equipe de coordenação do Curso e alguns
apoiadores e apoiadoras institucionais e informais.

E6: “educadores dos educadores, traziam muita experiência uma troca muito
rica, a construção de referenciais, olhar sobre os caminhos que cada
educador ia levar. era construção de estratégias educativas (...)”.

A forma de condução ganha notoriedade com a percepção de que este


grupo consegue trabalhar coletivamente uma proposta formativa em educação
popular em meio à complexidade da realização de um processo seletivo. Isto se dá,
segundo as falas, pelo acesso aos próprios princípios da educação popular por parte
dos sujeitos do grupo. Uma atitude que rediz ao invés de desdizer, condizente com a
rigorosidade do pensar certo ao corporificar as palavras no exemplo (FREIRE, 2011c).

E1: “cada vez mais eu venho percebendo que a condução aqui no Ceará leva
à não-disputa. É uma casa que me cabe”.
68

O pensar certo diferencia-se do pensamento mecânico, no qual o educador


ou educadora se faz um/a memorizador/a, repetindo palavras sem contextualizá-las
com sua realidade, ao invés de ser um/a desafiador/a que, criticamente, busca
distanciar-se da arrogância de quem está demasiado certo de suas certezas (FREIRE,
2011c).

E10: “(...) momentos em que são mais difíceis ou que as pessoas ficam mais
aperreadas, têm a costura da amorosidade, do diálogo, um olhar de quem tá
coordenando te deixa mais seguro. (...) Tem uma coisa ríspida, é uma
seleção, mas tem toda a proposta trabalhada com princípios da educação
popular. O discurso é próximo da prática das pessoas que [estão] conduzindo
(...)”.

Segundo o/a educador/a, o modo pelo qual a coordenação opera tem um


papel crucial por exemplificar, em suas atitudes, o modo de organização próprio da
educação popular. Tal fato mostra-se importante devido ao fato de a educação popular
ser constantemente apontada como uma prática inviável frente aos desafios do
modelo de saúde posto em um contexto de intensas divergências com tal proposta.

5.2.3 “A soma é que tem valor e não o saber individualizado”: situações-limites


de uma formação em disputa

As situações-limites são dimensões concretas e históricas que desafiam o


ser humano diante de um determinado contexto (FREIRE, 2011a). Percebemos, nas
falas dos/as educandos/as, situações-limites em relação ao caráter seletivo da
formação. Este caráter seletivo exacerbaria, segundo eles/as, a competitividade já
bastante presente no cotidiano da sociedade capitalista, configurando-se como uma
contradição, visto que um dos objetivos da educação popular é a transformação desta
sociedade, especialmente pelo seu caráter excludente.

E1: “nos momentos que teve seleção, [foi] ruim (...). Falando em educação
popular, não dá pra colocar disputa. Foi bem difícil, não gostei. Não tô aqui
pra disputar com ninguém (...), saber que a soma dos nossos saberes é que
tem que ter valor e não o saber individualizado de ninguém (...)”.

A não-presença de todos os educadores e educadoras na formação


apareceu em diversas falas que ressaltavam a importância do estar junto,
conhecerem-se para construir coletivamente o conhecimento naquele momento. Tal
69

preocupação ressalta a necessidade de que a presença se torne convivência para


podermos intervir no mundo (FREIRE, 2011c).

E10: “houve dificuldades, porque a gente, que já tinha sido selecionado na


primeira etapa, não participou de todos os momentos da oficina. Não tive a
oportunidade, que foi importante na primeira [chamada de turma], de conviver
mais com a pessoa que viria a ser minha parceira e construir aquela
percepção maior sobre o município em que eu iria atuar”.

Um outro aspecto que diz respeito à organicidade do Curso é a falta de


clareza na constituição das duplas, que estariam sendo formadas sem o devido
cuidado de olhar para as singularidades que compõem aqueles sujeitos. A
consequência disso seria uma dupla que se encontra em conflito quando deveria estar
atuando harmonicamente nos encontros com os/as educandos/as.

E11: “(...) esses encontros não dizem muito sobre o educador (...) procurar
uma forma (...) se avalia a dupla, a personalidade (...) se as pessoas
pudessem ficar a par de quem tá colocando para trabalhar junto (...) continua
o mesmo problema, ninguém quer falar (...) tolerar é uma coisa, conviver é
outra. As pessoas vão tá trabalhando juntas, se elas pensam o contrário,
como é que chegam nesse ideal? É difícil (...)”.

Contudo, a fala acima desconsidera que, nesta edição do Curso, alguns


educadores e/ou educadoras estavam previamente selecionados/as da edição
anterior e os/as que participavam do processo seletivo se inscreveram de acordo com
as vagas de cada município disponibilizadas no edital (FIOCRUZ, 2018). Isso nos leva
a questionar em que medida os/as educadores/as se apropriaram do conteúdo do
edital de seleção — e como olhar para as singularidades dos sujeitos, dos municípios,
sem descumprir com as normas que envolvem a institucionalidade.

Outra fala nos chama atenção ao relatar sobre o preconceito religioso, já


que a aceitação das diferenças é um dos princípios caros não só à educação popular
enquanto princípio pedagógico (FREIRE, 2011c), mas à própria ideia de participação
democrática que reconhece, na diversidade, a possibilidade de construção de uma
sociedade equânime (BRASIL, 2013a). No entanto, mais uma vez, o recurso aos
princípios da educação popular, no caso, o diálogo, aparece como ato-limite para sua
superação. Mesmo assim, é importante questionarmos sobre uma possível
padronização da educação popular, visto que a religião aqui citada não é usualmente
apontada como alvo de preconceitos, ou de “minorias”. Estaríamos estigmatizando
70

pessoas que comungam religiões ou manifestações culturais que se incluem na ordem


hegemônica?

E14: “(...) sofria alguma forma de preconceito em relação à religiosidade (...)


eu via que a pessoa tinha um discurso (...) afiado em cima dos evangélicos,
eu criava uma oportunidade de dialogar (...) existem várias pessoas em várias
religiões e, dentro dos contextos, pessoas que são diferentes (...)”.

Outro educador referenda, como situação-limite, a lacuna do processo


formativo inicial dos/as educadores/as no que diz respeito às formas de trabalhar a
autoridade do/a educador/a, sem que isso se materializasse como autoritarismo.

E13: “(...) uma defasagem para mim (...) é inevitável você estar numa situação
de autoridade quando você é professor (...) que a gente é responsável pelo
processo (...). A formação tinha que ser um preparo (...). O que a gente viveu
(...) de mais turbulento foi não saber como lidar com esse fator autoridade de
maneira harmoniosa (...)”.

A complexidade que envolve a condução do/a educador/a numa


proposta pedagógica libertária leva-nos ao exercício de mediar a permanente tensão
entre autoridade e liberdade (FREIRE, 2011c). O contexto no qual fomos construídos
histórico e socialmente imprime a ideia de harmonizar os conflitos como passividade.
Para uma educação que visa o ser-mais do humano, a relação entre liberdade e
autoridade constitui-se num jogo no qual devem ser ativados o bom-senso, a
amorosidade e a coragem da luta sem o medo de explicitar conflitos e contradições,
buscando no diálogo essa harmonização entre educador/a e educando/a (FREIRE,
2017a).

5.2.4 “Quando o vento sopra e apaga as velas, tem que ajustar”: o processo de
ação-reflexão-ação

A coordenação do curso EdPopSUS no Ceará decidiu, de forma autônoma,


dar continuidade ao processo formativo dos educadores e educadoras mesmo após o
início dos encontros com os/as educandos/as nos municípios.

E12: “(...) se fortalecer com os outros companheiros, [com o que] estavam


fazendo nos seus territórios, mesclar [com o] que você fazia no seu. É
diferente, porque somos diferentes, mas a gente tinha pilares que
sustentavam a nossa ação (...). Não sei se os outros estados conseguiram
juntar os educadores todo mês, essa sacada da coordenação (...) não se
encontrar só no começo e no final, é um processo, vai dialogando, vai sendo
71

trilhado, não se visa só o produto final. É nesse percurso que a gente vai
aprendendo (...)”.

Esta continuidade configurou-se em momentos formativos realizados


periodicamente, visando o acompanhamento do processo nos municípios, a
construção compartilhada de saberes para a superação de desafios e a
sistematização dessas experiências.

E4: “(...) você já foi pra lá, já viu como é, já sentiu dificuldades, outros
educadores também. (...) dinâmica que um trabalhou, saiu da sala, chamou
convidados, (...) a coordenação foi conduzir o processo [de modo] que a
gente aprendesse uns com os outros. Foram trocas que enriqueceram as
possibilidades da gente (...)”.

Os educadores e educadoras ressaltam o papel da coordenação, tanto pela


iniciativa como pela condução que visava mais a troca entre os/as educadores/as que
apontar o que deveria ou não ser feito.

E23: “(...) quando o vento sopra e ‘tá só apagando as velas, tem que ajustar,
trazer o que foi construído da formação e, em contato com os educadores e
com a coordenação, encontrar jeitos novos de caminhar, identificando as
dificuldades e trazer um retorno para o território. (...) não apenas [a] formação
antes de iniciar os encontros (...) para que a gente pudesse tá atento ao que
acontecia nos territórios (...)”.

Novos caminhos foram surgindo, ressaltando que não há possibilidade de


compromisso com a formação dos/as educadores/as sem o compromisso com os
territórios nos quais estavam atuando. Tal premissa evidencia, portanto, a
necessidade de que “seu estar no contexto vá virando estar com ele” (FREIRE, 2011c,
p.85), propiciando relações que se distanciem da objetividade pura e, por vezes, da
frieza que rotineiramente perpassam as relações entre educadores/as e
educandos/as.

E5: “(...) é um reflexo da convivência do ser humano quando a gente não se


conhece, se não tiver uma escuta apurada e não propor um diálogo com
amorosidade, termina que já cria certos enfrentamentos e reações (...)”.

E18: “(...) estar presente em muitos locais ao mesmo tempo fragilizou o


acompanhamento (...)”.

Situações-limites vivenciadas quanto à continuidade da formação também


foram trazidas nas falas. Estas mostraram, entre outras, as dificuldades na
72

convivência e a fragilização do acompanhamento. O pouco tempo e a não-presença


de todos os/as educadores/as também foram ressaltados.

E8: “(...) exigiu muito do trabalhar o tempo. Quantos municípios tinha ali pra
tá vivenciando as experiências? (...) teria prazos momentos e horários pra tá
cumprindo. Todos os momentos, a gente não teve educadores presentes,
[isso] traz pra o outro lado marginalizar nossas defesas (...)”.

Historicamente, movimentos que buscam imprimir, nas sociedades, uma


participação maior da população, sofrem ataques de forma intensa pelo temor das
elites dominantes à perda de seus privilégios. É interessante notar a atitude do/a
educador/a em pontuar a necessidade de aperfeiçoar a organização e o compromisso,
incluindo a dimensão burocrática, como uma estratégia de legitimação de nossas
defesas.

5.3 “VENHA COMO QUEM VEM NAMORAR”: A CONDUÇÃO EM DUPLA E A


PRODUÇÃO DE ATOS-LIMITES

O processo de facilitação no Curso EdPopSUS se dá em dupla e apesar


de, institucionalmente, serem requeridas formações diferenciadas — graduação para
o/a educador/a um/a e conclusão do ensino médio para o/a educador/a dois —, não
há diferenciação nos papeis dos/as educadores/as. Ambos devem atuar como
educadores populares (FIOCRUZ, 2018).
Algumas falas trouxeram processos em dupla harmoniosos, sinérgicos. O
respeito e o afeto marcaram o que estes/as educadores/as disseram sobre o modo de
constituição das duplas que compuseram, o que poderia configurar-se como ato-limite
numa atmosfera individualizante e hegemônica.

E6: “(...) a gente se percebeu harmônico. Na medida em que levantava uma


questão, dava para perceber o momento [de] evitar que se estendesse,
observar como os alunos estavam reagindo, interferir sem gerar
constrangimento (...). Nessa [edição] agora, permitiu uma interação mais
cúmplice com o outro educador, [porque] se viajava juntos. Na sala, não era
a sua vontade que predominava, tinha um compartilhamento com outro (...)”.

E14: “(...) a gente se divertia pensando, sonhando como fazer. Foi rico, eu
aprendi muito. (...) sinergia, um processo de comunicação, uma telepatia. [A
gente tinha] o plano a e o plano b, [nos] comunicamos pelo olhar (…), ele era
importante para mim e eu pra ele. O centro da atenção era o coletivo (...)”.
73

É interessante notar mais uma vez o princípio do inacabamento, visto que


o papel que o/a educador/a assume é articulado à singularidade do/a outro/a que
compõe a dupla com ele, evidenciando que somos um ser em relação. Ao
convivermos com o outro, transformamo-nos, sendo esta a ação constitutiva do
educar (MATURANA, 2009). Ressalta-se, portanto, a importância do olhar sobre as
singularidades dos sujeitos que compõem as duplas.

E9: “(...) grande aprendizado. Trazer da música, de cantar. (...) No movimento


[que faço parte], eu fui me afastando [disso] (...). Tinha que dar umas
cutucadas pr’ele parar de falar, ele/a me dava espaço pra eu ser o educador
que eu pensava que poderia ser (...). As dificuldades de tempo, as questões
da burocracia, de relatório (...) eu cumpria mais o papel da sistematização,
de olhar, de conduzir também, mas era menos [do que na dupla da chamada
anterior] (...) na dupla, a necessidade surge e você vai se colocando (...)
combina no planejamento, mas, no momento, há um complemento, você vai
se encaixando junto com o parceiro (...)”.

Apesar dos sujeitos apontarem a construção harmoniosa do processo em


dupla, também emergem situações-limites como expressão das contradições, dos
desafios da vivência entre diferentes.

E5: “relação de troca, escuta, acolhimento das ideias à não-restrição logo de


cara. não foram poucas as divergências dentro de sala de aula, de visões de
mundo, mas que foram respeitadas (...) em comum é a dificuldade com os
tempos, outros trabalhos, sistematização (...)”.

E10: “tivemos vários atritos no início, de percepção das coisas (...) [ele/a] tem
experiência na educação tradicional (...) eu estava já vindo da experiência do
primeiro [EdPopSUS]. Aquela questão de saber dar mais espaço pro outro foi
uma prova de fogo pra poder exercitar isso. Foi desafiador, mas a gente criou
uma parceria rápido, a gente fazia uma complementariedade nas nossas
diferenças (...)”.

Os seres humanos vivem numa relação dialética permanente entre seu


condicionamento e sua liberdade; neste contexto é que se dão as situações-limites e
os atos-limites (FREIRE, 2011a). Estes configuram-se como uma superação ou uma
negação do que está dado em contraposição à passividade diante da realidade
(FREIRE, 2011a). Desta forma, os atos-limites implicam sempre uma decisão, sendo
uma resposta transformadora às situações-limites (FREIRE, 2011a).

E2: “o novo nos desafia a desvendá-lo (...) fez com que viesse a estudar Paulo
Freire, pensadores, músicos, começamos a estudar MPB, poesia popular,
cordéis, repentes, cultura regional (...)”.
74

As falas acima declaram atos-limites relacionados a contextos diversos. O


inacabamento, especialmente, quanto à experiência com educação popular e as
divergências de visões de mundo foram situações-limites superadas pelos atos-limites
do respeitar e do permitir-se aprender.

E13: “(...) meu desejo de permitir que as pessoas se sintam participantes (...)
baixei a guarda (...) pra ideia de colocar limites. Isso eu via [no/a educador/a],
nas atitudes [dele/a] em relação a ser autoridade, (...) sinto desafiado a ser
uma autoridade melhor por olhar a maneira como [o/a educador/a] tratava os
processos. Éramos (...) dois educadores que, no conflito que a gente
vivenciava, não sabia como amenizar. Não é ruim ser diferente, contanto que
essas coisas encontrem convergência. A gente deixa de ser potente, deixa
de favorecer as potências um do outro e se anula”

Aqui é possível identificar uma situação-limite cuja superação não se


explicita. Parece não ter sido possível encontrar um ato-limite frente à divergência. De
toda forma, o educador, a partir deste desencontro, reviu sua atitude enquanto
condutor do processo educativo. Seria esse aprendizado um ato-limite?

Algumas falas relataram atos-limites que ressaltaram, mais uma vez, o


caráter nômade e a potência do/a educador/a popular em produzir novas
subjetividades na relação em dupla. Em alguns momentos, o espaço de aprendizagem
não se restringiu à sala de aula para fazer articulações a nível de gestão, considerando
que esta apresentava, por vezes, dificuldades na compreensão do processo. O
trabalho em dupla ampliou o papel do/a educador/a e, consequentemente,
reconfigurou o espaço de aprendizagem.

E3: “(...) encontra melhor equilíbrio na condução alguém olhando, medindo a


outra livre para conhecer a história de vida (...) a pessoa falta, [vai] saber por
que, vai na secretaria conversar com os gestores. A gente se ajudou muito,
conseguiu fazer a roda girar.

E15: “(...) uma parceria boa, dividir tarefas. Nem sempre era necessário estar
os dois educadores na sala (...) é complicado, às vezes, ele tinha que sair e
eu segurava as pontas (...) ‘tava com alguns problemas de saúde, a gente
combinava”.

O ato-limite de assumir a condução sozinho resultou na potencialização do


educador, que superou medos e produziu uma nova subjetividade neste corpo-
educador.

E11: “o educador se afastou. sugeriram chamar alguém para ajudar, melhor


coisa que eu fiz, ter assumido. Os educandos avaliaram, me viram meio
apagado e depois (...) crescer sem precisar tá só trazendo arte, eu assumi
75

problematizando e refletindo com eles: do estado, educação popular,


princípios (...) me vi fortalecido. na formação, eu saí sem entender o/a [diz o
nome], eu tinha medo de trabalhar com ele/a, eu num sou fácil também (...)
venha como quem vem namorar, mas na convivência é que a gente conhece.
Me preocupei. Vish, vai ser muito blá-blá-blá, um porre, quando percebi o
encontro, precisava dele, e eu precisava para entender o que era esse novo
EdPopSUS. meu desafio foi superar, vê que eu posso, num tenho mais medo
de encarar”.
discurso dialético

A instrumentalidade da educação libertária reside no desenvolvimento do


poder de refletir e, por isso mesmo, na explicitação das potencialidades daqueles/as
que nela se engajam (FREIRE, 2017b). Percebendo-se potente, o indivíduo é capaz
de decidir sobre os caminhos a percorrer, sendo esta a caracterização de uma ação
com consciência.

5.4 ARTE, ESPIRITUALIDADE, CUIDADO E CONHECIMENTO: APRENDIZAGENS


COM O CORPO TODO

A segunda classe mais importante na classificação hierárquica realizada


pelo Iramuteq apresentou uma série de palavras que nomeiam vivências,
metodologias e intensidades ocorridas durante a formação inicial dos/as
educadores/as. Interpretamos esta classe como aquilo que possibilitou articular o
chão-universo da educação popular, na qual se incluem as bases históricas dos/as
educadores/as e suas utopias, os referenciais que os/as norteiam, com o processo
pedagógico em suas várias etapas, suas potencialidades e situações-limites. Esta
classe de palavras, portanto, nos dá a ideia de costura, concretizada, a nosso ver, por
acontecimentos.

Chama-nos atenção que a palavra mais enfatizada, nesta classe, segundo


o programa, seja “cuidado” — o que poderia estar demarcando o alcance do objetivo
do Curso, que é de preparar os/as educadores/as para a condução de um processo
formativo com trabalhadores/as da saúde. A segunda palavra, “corredor”, traz a
singularidade do Ceará — sendo esta uma “tecnologia” forjada a partir das expertises
dos movimentos sociais deste território.
76

5.4.1 “Um espaço em que as pessoas se armam de amor”: o corredor


cenopoético do cuidado

O corredor do cuidado é uma prática forjada nos movimentos populares


cearenses, especificamente os das Comunidades Eclesiais de Base. Um dos
educadores nos trouxe o início dessa história.

E22: “quando a gente vai estudar várias práticas integrativas da educação


popular, dentro das CEB’s, nas formações, a gente trazia o Corredor do
Cuidado, as pessoas se permitiam a cuidar de si, do outro, percebia que cada
um tem uma potência. Cada um dá um toque terapêutico no outro, muitos
deles choravam, porque é uma área (...) [em que] teve muita violência com
as mulheres. A gente percebeu a potência dele em ser realizado mesmo em
pessoas que já tinham sofrido violência, que aceitava o toque”.

O corredor é formado por pessoas que, posicionadas em duas fileiras, uma


frente à outra, são orientadas por um grupo de cuidadores/as que, a partir das
potências que trazem, preparam os/as participantes para adentrar o percurso
(DANTAS, 2015). Nesta travessia, as pessoas são orientadas a cuidar como
gostariam de serem cuidadas e aquele/a que está fazendo o percurso, ao chegar no
final, é acolhido/a pela última pessoa da fila (DANTAS, 2015) num movimento
contínuo onde todos/as cuidam e são cuidados/as. As mãos assumem um papel
fundamental de acarinhar o corpo do outro como quem prepara a terra para receber a
planta, numa criação de seu nascer através do namoro entre arte e cuidado (CRUZ,
2018).

E2: “possibilitou trazer, para o nosso trabalho, coisas fortes no campo


relacional, foi desarmando arestas, medos, angústias. Primeiro passo desse
cenário foi um corredor de afetividade, de amorosidade. O abraço fala mais
do que mil palavras, o carinho vem carregado de significados, expressões,
energias positivas e a gente começava a sentir isso do outro”.

E10: “(...) tecnologias do encontro, o corredor do cuidado”.

E14: “(...) foi forte, ele desarmou, fico emocionada. É um espaço em que as
pessoas se armam a partir do amor e do cuidado, quem ama, cuida”.

A dimensão ritualística ganhou força no corredor, após sua incursão nas


experiências com as Cirandas da Vida e a ANEPS, quando se uniu à linguagem
cenopoética. De difícil definição, a cenopoesia pode se configurar como uma
articulação de linguagens, com suas potências dialógicas, transitivas e expressivas,
77

capazes de transformar os/as praticantes e seus mundos por meio da perpetuação da


força amorosa do encontro através de suas artes (LIMA, 2010). Por meio do encontro
com a cenopoesia, os corredores, ampliaram-se da prática de cuidado em si para um
ritual provocativo sobre a condição humana, o gestar de seu corpo e seu estar no
mundo a partir da amorosidade, originando-se o corredor cenopoético de cuidado
(LIMA, 2014; DANTAS, 2015).
Alguns educadores e educadoras ressaltaram a dimensão espiritual ao
vivenciar o corredor. O toque, o acolhimento e a arte compuseram o caminho de uma
experiência que se fez mística.

E13: “é uma troca espiritual energética em que as pessoas reconhecem a tua


diferença. eu me perguntei qual o valor que eu tinha para ser acolhido como
fui, abraço, um beijo, um afago-palavra, misteriosamente se encaixam na
necessidade que você tinha de ouvir, de ver ou ser percebido, tocado ou de
tocar”.

A espiritualidade é um âmbito negligenciado nos espaços de educação e


saúde. Talvez por envolver dimensões que, não estando restritas ao âmbito do
corpóreo, do aparente, da imagem, portanto, menos manipuláveis pela racionalidade,
mas que perpassam energias, sutilezas, possibilitem o enlaçamento das diferenças
— e, portanto, a diluição dos preconceitos.
Ao perguntar-se sobre o próprio valor ao ser tão bem acolhido no corredor,
o/a/ educador/a estaria demarcando um lugar social também de negligenciamento?
Poderia estar também expressando o lugar que o cuidado convencional ocupa em
nossa sociedade? Quem merece ser cuidado e quem não, neste contexto? O corredor
estaria possibilitando, por incluir a dimensão espiritual, o rompimento das amarras
sociais que ditariam tal merecimento? Desta forma, perguntamo-nos ainda, como se
cuidam aqueles e aquelas aos/às quais é recusado o cuidado? Que tipo de cuidado
dita quem merece ou não ser cuidado?
Sabemos que o saber biomédico é dominante nas práticas de saúde e,
mesmo reconhecendo seu valor, não podemos negar sua forte articulação com a
manutenção dos processos de privatização da medicina (LINHARES, 2009). Se as
práticas populares de cuidado podem configurar-se como formas de resistência a tais
ditames (FOUCAULT, 2014), seriam a estas que as pessoas tidas como não
merecedoras de cuidado estariam recorrendo?
78

Ainda sobre a mesma fala, que mistério é esse que envolve o


entrelaçamento das práticas que se mostram adequadas à necessidade singular do
sujeito que as recebe? Sabemos que, no corredor, há uma junção de diversas práticas
tradicionais de cuidado e culturais, desde a massoterapia, as plantas medicinais, o
Reiki, passando pela música, a poesia, o Toré. Nesta experiência, “as pessoas se
entregam confiantes ao cuidado do outro, seguem de olhos fechados, são tocadas,
ouvem expressões de afeto e são levadas a um profundo estado de meditação”
(DANTAS, 2015, p.102-103). Tudo acontece numa dinâmica de responsabilização
coletiva do cuidado, como diz a música do cenopoeta Ray Lima: Cuidar do outro é
cuidar de mim, cuidar de mim é cuidar do mundo (LIMA, 2013b).
O esforço da cultura dominante de marginalizar os saberes advindos dos
lugares tomados como periféricos encontra resistência nas culturas populares onde
“pulsam expansões expressivas que não se deixam colonizar por completo”
(LINHARES, 2009, p. 42). O corredor cenopoético de cuidado não só inclui a dimensão
do cuidado, como coloca-o em seu princípio organizativo:

“(...) O cuidado é nosso princípio ancestral de manutenção da qualidade do


maior bem comum que é a vida. O cuidado é o serviço de cura. (...) O serviço
cuidadoso é o que movimenta as ações de cura, as artes e ciências de
tratamento que transformam energia bruta e desconexa dos sentidos que
amamentam a vida em energia tratada cujo conteúdo é a amorosidade (amor
= energia tratada). É o serviço cuidadoso que acolhe, catalisa e nos faz
produzir energia criadora e amorosa, sempre potente, mas quando dispersa,
perde força (...). E tudo isso se dá nas relações de dentro para dentro, entre
mim e meus outros (intramim); de dentro para fora, entre mim e outros
mundos, de fora para fora, entre mundos singulares e seus diversos” (LIMA,
2018, p. 3-4).

Residiria, na prática ancestral do cuidado, presente em nossas culturas, tal


mundo místico? O cuidado não como algo à parte, mas como um princípio que se
encontra em relação ativa com outras dimensões, reafirmando a ideia de um sujeito
multidimensional das práticas de saúde que constitui o ser biopsicossocial e espiritual
que somos (LINHARES, 2009)?

E7: “mexeu com a minha intimidade, da alma, fui motivada, instigada a me


olhar e, quando eu passei, meu colega fez aquela massagem, aquela
respiração, aqueles movimentos [que te deixam] em sintonia com você
mesmo e com as energias cósmicas que estão girando, ali, a seu favor.
promoveu vários sentimentos, questões reflexivas, quem sou eu, como eu
posso estar mudando, me inovou”.
79

A fala explicita tal multidimensionalidade. O caráter provocativo do corredor


cenopoético de cuidado ativa a dimensão política, fazendo com que o/a educador/a
reflita sobre seu estar no mundo e as possibilidades de melhorá-lo. A esta, une-se a
dimensão corpórea que, ao ser despertada, inclui a percepção de energias cósmicas,
assumidas como potências de vida. Há uma sinergia entre os âmbitos político,
corpóreo e espiritual.

E12: “começou a cantar uma música, emocionada, associei a Oxum. no


momento que eu ‘tava entrando, pensando nessa força, nessa fortaleza,
nessa água”.

A educação popular em saúde propõe a escuta viva e audível do mundo


plural dos saberes e das práticas sociais que envolvem saúde (LINHARES, 2009). O
corredor despertou a simbologia de mitos de nossa ancestralidade afro-brasileira. Nas
religiões afro-brasileiras, Oxum é o orixá da fecundidade, das águas doces, sem a
qual a vida na terra seria impossível (MACHADO, PETROVICH, 2004). A água,
símbolo importante para os processos pedagógicos por traduzir o processo de
transformação, tem, em sua não-resistência, a capacidade de assumir infinitas formas,
sem se cristalizar em nenhuma delas, opondo-se diretamente à pedra que atingiu o
máximo de atualização (ROCHA, 2016; JULLIEN, 1998).

Importante, neste momento, refletirmos um pouco mais sobre a ideia de


formação visto que o que vem se evidenciando, neste estudo, é uma proposta de
ampliação do conceito hegemônico. A dimensão da espiritualidade tem se
apresentado como elemento importante a essa ampliação. Porém tal dimensão é
posta, aqui, numa relação dialógica com as demais, ao invés de na forma de
fragmentação, característica do saber especializado.
A concepção de formação foi forjada na Grécia clássica, trazendo, para o
sentido educativo, a ideia de esculpir. Tal compreensão, com bases metafísicas, traz
um caráter transcendente e teleológico ao objetivar não o processo em si mas a
formação política do homem para a polis (ROCHA, 2016; JAEGER, 2003). Nesta
relação, o mestre — ou o artista — atualiza as capacidades que já existiam em
potencial no sujeito — pedra bruta —, trazendo uma concepção imutável de sujeito,
que, em sua essência, permanece o mesmo durante o percurso (ROCHA, 2016).
Sob estes pressupostos, os processos formativos procuram dar forma,
tornar inteligível e comunicável o conjunto de forças implicadas na existência, por meio
80

exclusivo da razão (RATTO, SILVA, 2016). A pedagogia moderna perpetuou-se


aprofundando tal ideário formativo, antes fortemente vinculado à vida comunitária,
para as ideias de adestramento a fins exteriores, fragmentação de técnicas isoladas
e articulação com organizações privadas, com vistas à perfeição e independência
individuais (JAEGER, 2003).
A crise da modernidade caracteriza-se pela constatação de que o mundo
não é naturalmente racional, sendo esta uma condição humana que se encontra
sempre defasada em relação ao vir-a-ser do mundo (RATTO, SILVA, 2016). Desta
forma, a vida seria um percurso incessante no qual alguém vai se tornando quem se
é (ROCHA, 2016). Daí a necessidade de pensar um processo de (trans)formação, que
acolha a interferência, o imprevisto, o que foge ao controle da consciência e da
linguagem (RATTO, SILVA, 2016).

E20: “eu sou isso, eu vivo isso, vivi isso a vida inteira. Me toca forte ser
abraçado, te desarma de todas as coisas que te prendia, esse sistema
branco, eurocêntrico que dita os aprendizados. Eu te acolho, eu te recebo e
tuas histórias vão ser cuidadas, reconhece e respeita tuas histórias.
Perpassou essa intensidade de despertar para quem sou eu, minhas origens,
minhas práticas”.

Estaríamos, com a proposta pedagógica do Curso, ao incluir outras


perspectivas que não estritamente racionais, como a espiritualidade, dialogando com
uma concepção imanente de educação, ou seja, não mais de formação mas de
transformação dos sujeitos a partir do que eles são e do que vivem em ato? Pudemos
ver que o corredor também possui um caráter provocativo, evidenciado na fala acima,
pela reflexão sobre a possibilidade de libertação das amarras que o sistema
convencional de educação impõe ao/à educador/a. Tal sistema é caracterizado como
branco e eurocêntrico. Abriremos aqui uma breve discussão acerca desses termos
para refletirmos e dialogarmos com esta fala.

Definido como colonialidade epistêmica, o eurocentrismo consiste na


admissão da forma europeia de pensar como única racionalidade válida no conjunto
do mundo capitalista, diferenciando-se do colonialismo, por sua atuação profunda na
intersubjetividade (QUIJANO, 2009). Como resultado, temos a negação dos saberes
considerados periféricos, advindos do sul, para os quais viramos as costas, em nome
de um saber norteador (FREIRE, 2011d; CAMPOS, 1991) que, nesta relação
excludente, nos desnorteia.
81

O/a educador/a une a ideia de branco à de eurocentrismo. Mbembe (2014)


iluminado por Fanon (2008) assinala que o Branco assim como o Negro podem
configurar-se como “uma fantasia da imaginação europeia que o Ocidente se esforçou
por naturalizar e universalizar”. O Negro designa pessoas de aparência física, usos,
costumes e maneiras de ser no mundo que parecem o testemunho da diferença, da
exterioridade ou da separação em sua crua manifestação, enquanto o Branco traduz
uma constelação de objetos de desejo e de privilégios (MBEMBE, 2014). Em suma, o
negro traduz, no mundo capitalista, tudo aquilo do qual me aparto e o branco, o que
devo almejar. O sucesso da fantasia do branco reside no fato de ter-se tornado “o
cunho de um modo ocidental de estar no mundo, de uma (...) figura de brutalidade e
crueldade, de uma forma singular de predação e de uma capacidade desigual de
submissão e de exploração de povos estrangeiros” (MBEMBE, 2014, p.87).

No jogo neoliberal, que impõe aos sujeitos o drama de não mais poderem
ser explorados pelo capital, o ser humano é um empresário de si mesmo, pensa-se
como um produto do acaso, regula-se por normas do mercado, instrumentalizando a
si e a outros, assumindo a condição de sujeito descartável para responder à ordem
de tornar-se outro (MBEMBE, 2014).
Neste contexto, o/a educador/a aponta como rompimento das amarras que
lhe prendiam a tal sistema, a inclusão da dimensão corporal, expressa no abraço, e
dos saberes-de-experiência-feito, expressos no respeito a sua história. Cabe aqui uma
reflexão sobre as razões pelas quais tais dimensões são excluídas da dinâmica
pedagógica e dos serviços de saúde hegemônicos. Seria por habitarem um devir
negro do mundo, que, por libertar dinâmicas passionais (MBEMBE, 2014),
supostamente, abalariam o sistema racional? O que provoca, no corpo do/a
educador/a e dos/as educandos/as a vivência em um sistema educativo marcado pelo
eurocentrismo? O processo formativo aqui pesquisado estaria abrindo a possibilidade
para uma proposta pedagógica que nos reconecta com nossas ancestralidades ao
permitir que o/a educador/a possa tornar-se quem é?
82

5.4.2 Feira do Soma-sempre: “produzir conhecimento dentro do caos”

A Feira do Soma-sempre é uma proposta pedagógica criada no contexto


das ações das Cirandas da Vida, pelo cenopoeta Ray Lima. Fundamentada nos
princípios da educação popular, a Feira tem sua aplicação prática referenciada no
Movimento Escambo Popular Livre de Rua do qual Ray Lima é um dos
sistematizadores e protagonistas. O Movimento Escambo, como é mais conhecido,
atua há mais de 30 anos na mobilização de grupos artísticos de forma autônoma,
propondo a organização política dos grupos e das comunidades para o fortalecimento
da cultura local (DANTAS, 2015). Além disso, baseia-se na Cenopoesia, linguagem
também sistematizada por este educador popular. Tem sido utilizada em muitos
espaços da educação popular em saúde no Nordeste e no Brasil, sendo realizada
também no contexto da formação dos/as educadores/as do EdPopSUS.
Esta proposta se dá com a construção de barracas em grupos a partir de
um tema-gerador que os norteia. Para a produção das barracas, parte-se de uma
discussão nos grupos, com base em pequenos textos (ou outros materiais
pedagógicos) sobre o tema. Os membros de cada barraca se alternam entre visitantes
e apresentadores/as, de forma a conhecerem os modos de organização/participação
de todos os grupos/comunidades presentes. Para isso, deverão combinar-se
internamente no grupo sobre a sequência de atuação como apresentadores/as e de
visitas às barracas, para que todas sejam visitadas por alguém do grupo e que todos
os membros tenham tido a oportunidade de protagonizar a apresentação da sua.
Nesse percurso, os sujeitos levantam questões problematizadoras com
base no que escutaram/vivenciaram. As barracas buscam acolher os
questionamentos para, ao final, incluí-los ou não, como aprendizados ou
possibilidades de mudanças no seu padrão de organização e relações. Ao final, cada
barraca apresenta uma síntese do que havia pensado originalmente e os
aprendizados/mudanças a partir da interação com as demais.
Quem vai à Feira do Soma-sempre deve ter em mente que, na vida,
considerada um sistema livre, fluido, em rede-roda aberta, nada se perde e ninguém
prospera sozinho/a (LIMA, 2009). Desse modo, a feira concretiza-se no exercício de
nossas experiências e saberes, com vistas à interação e ao compartilhamento com o
outro para a produção de experiências e saberes novos. Para tal, basta que
83

mantenhamos nossa estrutura mental e física aberta ao desejo de nos transformar e


aprofundar nossa humanidade, expandindo-a (LIMA, 2009).

E22: “tinha conhecimento das outras pessoas, trazia a sua vivência, um


rodízio de conhecer. As pessoas se permitiram, parece que tiveram dias pra
preparar, foi ali em menos de meia hora. A minha barraca ‘tava o show da
vida, trouxe muitas plantas medicinais, remédio. Quando eu olhei, cada um
melhor que o outro, a dedicação de cada um, a forma como se preparou,
organizou o seu espaço, como se dissesse o que eu tenho de melhor eu vou
me dar agora”.

É, portanto, uma feira livre e intensamente rotativa, na qual abre-se espaço


para uma forte interação entre os/as participantes, para o movimento, sem preocupar-
se com setorização, controle ou departamentalização do poder, do saber, visto que o
que se produz é posto em relação, a partir da ideação criativa do mundo (LIMA, 2009).

Configura-se como um ato de vontade e liberdade individual que se torna


coletivo com o desenrolar das interações entre os sujeitos. Não há fronteiras na
mentalidade, na cultura do “Soma-sempre”. Há espaços que envolvem escuta,
expressão, cuidado, refinamento dos olhares e qualificação das práticas humanas em
torno da produção do comum que se autogere, multiplica-se, expande-se, flui e
reconfigura-se continuamente, indo além do conformado e instituído (LIMA, 2009).

E13: “produzir conhecimento dentro do caos em que as pessoas ‘tão dizendo


várias coisas, seduzindo; há uma certa competição, noção de mercado onde
as pessoas não perdem nada, sempre somam (...)”.

Percebemos uma aproximação desta maneira de organizar e produzir


conhecimento com o movimento científico da crise do paradigma dominante, que vem
propiciando uma profunda reflexão epistemológica sobre a produção de conhecimento
e impulsionando uma maior articulação entre as ciências naturais e sociais (SANTOS,
2010). A menção à característica caótica da produção de conhecimento na feira
remete-nos à teoria de que há uma auto-organização nas situações de desequilíbrio
em sistemas de alta instabilidade (PRIGOGINE, 2002). Desta forma, flutuações de
energia, em momentos nem sempre previsíveis, desencadeiam espontaneamente
reações que pressionam o sistema para além de seu limite de instabilidade,
conduzindo-o a um novo estado de menor grau de irreversibilidade (PRIGOGINE,
2002).
84

E21: “pedagogia desenvolvida pelo Ray Lima, uma feira livre circulando,
oferecendo seu produto e comprando o conhecimento. há uma troca, as
pessoas participam, se envolvem dentro da feira tem a poesia, o cordel...”.

Como temos exercitado nossa capacidade de resiliência diante do caos


social, psicológico, político, ambiental e econômico, latentes em nossos territórios?
Parece-nos importante tal questionamento, especialmente quando os/as ACS,
principal público do EdPopSUS, têm sido induzidos a permanecerem dentro dos
equipamentos de saúde, reproduzindo as noções de comunicação e vínculo
abordadas em formações convencionais que partem de uma concepção fragmentada
de território (BORNSTEIN, DAVID, 2014).

E2: “nosso escambo cultural tinha algo pra repassar, pra vender e que
precisava comprar, absorver. tinha que levar algo, mas também precisava
deixar (...), nos instigava a trabalhar: partilha, produtos não-perecíveis, não
tinham data de validade, eram atrativos de alta qualidade. Recomendava que
levassem pra onde fossem produtos velhos, novos, fabricadas, expostas,
antiguíssimas da nossa ancestralidade, mas que o outro ainda não tinha tido
o prazer de conhecer (...)”.

A Feira do Soma-sempre também parte da experiência das feiras populares


que, de certa forma, também nos são apresentadas como caóticas, intensas e ricas
em produtos. Nestas, também estão nossos saberes ancestrais que, devido ao seu
dinamismo, não foram capturados pela ordem mercadológica e fria das prateleiras de
supermercado. A ancestralidade é o reconhecimento de que a vida individual não é
única, mas uma relação, na qual, por amor, cuida-se uns dos outros (MACHADO,
2014). Os saberes ancestrais são passados no corpo-a-corpo, na oralidade. Não
cabem na lógica capitalista onde se tem conhecimento quem pode pagar por ele. A
ancestralidade baseia-se em uma relação respeitosa, na qual aquele que busca a
aprendizagem põe-se ativamente nesta por meio da convivência. “O educar ocorre,
portanto, todo o tempo e de maneira recíproca” (MATURANA, 2009, p. 29).

A Feira apresenta-se, portanto, como um sistema fortemente baseado na


ancestralidade e na convivência. Imprevisivelmente criativo, regenerável e arredio
(LIMA, 2009), é um exercício do modo em que vivem os/as feirantes, norteado pelo
princípio criativo do mundo. Apresenta-se, portanto, com o importante papel de educar
os/as educadores/as, o mundo e os outros, na convivência (MATURANA, 2009).
85

5.4.3 O poema, o toque, a espiritualidade: “extravasam a maneira como a gente


aprende o que é aprender”

O modo de organização do Curso foi referenciado como potência deste


processo, visto que não trouxe conteúdos fragmentados a serem discutidos, mas
princípios que, ao dialogarem entre si e em interação com os saberes trazidos pelos/as
educadores/as, forjaram uma singularidade pedagógica. Tais princípios foram sendo
costurados — e uma das linhas desta costura foram as linguagens artísticas.

E14: “(...) aquilo que já estava dentro do nosso discurso, das nossas práticas
como confecções de materiais artísticos, a condução de poesias, as canções,
as cirandas, aquilo que a gente fazia no nosso sertão de brincar de ciranda.
lá, nós éramos inspirados a colocar para fora”.

A inclusão dos saberes prévios permitiu que o lúdico entrasse em cena a


partir do protagonismo dos/as educadores/as-educandos/as. A arte é muito mais que
um saber especializado. Inclui a espontaneidade das brincadeiras da infância, os
rituais que envolvem a relação entre os saberes ancestrais com os dos mais novos,
tudo aquilo que, na infância, nos fez ter gosto pela vida (LIMA, 2009).
Há uma conexão entre arte e liberdade em nosso imaginário. Os artistas
são atribuídos àquelas pessoas que trabalham por amor. Para além desta caricatura,
a liberdade atribuída à arte também está ligada ao estímulo que as experiências
artísticas propiciam nas pessoas “a se experimentarem de outras formas e lugares,
ampliando seu campo de experiências de si” (LINHARES, 2009, p. 41).

E2: “toda a metodologia ali do processo formativo era pensada (...) nos
trazendo elementos e instigando a nossa criatividade e essa leveza de que
aquele momento nos trazia, de que nós tínhamos a liberdade, a partir da arte,
do outro, de criar, de fazer, de inventar”.

Nesta interação, a arte salta como liga capaz de tecer costuras entre os
diversos momentos, saberes e densidades, dando leveza e potência criativa para
os/as educadores/as exercitarem o princípio do protagonismo. A prática educativa,
para ser esperançosa, precisa ser alegre (FREIRE, 2011c). A arte não resolve os
problemas individuais e coletivos do mundo, mas problematiza, discute e, por isso,
ajuda a despertar no humano reflexões para reorientar suas relações internas e
externas, apontando caminhos de superação (LIMA, 2009).
86

E5: “(...) por ser uma política nacional [PNEPS], Ceará ser uma referência
(…), tem uma densidade, mas tem uma leveza, permeia as costuras, tintas
das cores, da dança, a gente viveu a poesia muito forte, a música. Me deixou
instigado pra criar”.

Dentre as várias formas de dar essa liga ao processo está a cenopoesia. A


linguagem "cenopoética" tem contribuído para a superação da fragmentação presente
nas práticas educativas em saúde, revelando-se uma forma de produção artística na
qual diversas linguagens dialogam em uma estratégia educativa que possibilita
reflexão e problematização da realidade (DANTAS, 2009). Trabalha diretamente com
o contexto e seu momento histórico vivo e mutante. Daí, produz leituras, diálogos e
sínteses a partir de linguagens disponíveis na memória do ambiente de atuação,
considerando a potência e os limites de quem se propõe a viver o ato cenopoético
(LIMA, 2013b).

E19: “cenopoesia (...) se expressar do jeito da gente, falando a poesia e


cantando a música, dançando, tocando com os instrumentos. Acolhida dos
educadores, a música, a capoeira angola, cantar, se envolvendo, fazendo
gestos que a gente nem imaginava que o corpo era capaz. Vendo um
documentário, as pessoas falando do nosso lugar, você se percebe dentro da
própria história”.

Para a construção cenopoética não é preciso ser artista no sentido


formativo do termo. O processo é constituído pelo repertório humano dos sujeitos que,
em diálogo entre si e com o contexto em que se encontram, compõem o repertório
cenopoético. Tal repertório constitui-se das experiências artísticas e humanas que
trazemos e conseguimos praticar com desenvoltura. Estas nos constituem enquanto
ser e interferem na nossa forma de estar no mundo (LIMA, 2013a).
Os repertórios humanos são sínteses possíveis que não se sabe onde
exatamente irão chegar, visto que nesse processo é preciso estar em diálogo
permanente com o outro e atento ao momento que se vivencia para se poder
expressar o que se deseja (LIMA, 2013a). Nesse sentido, os sujeitos são
transportadores, canais de comunicação desses repertórios, microuniversos que, em
contato, produzem aprendizagens. As pessoas nascem a cada encontro, a partir da
relação com o outro, reconfigurando, a partir de cada prática, suas ideias de mundo
(LIMA, 2014b).
87

Desta forma, a cenopoesia dialoga com uma proposta formativa ético-


estético-política que inclui a potência da informalidade na produção de aprendizagens,
permitindo uma atitude transdisciplinar (RATTO, SILVA, 2011; LIMA, 2014b).
O/a educador/a faz menção, ainda, a um momento de acolhida,
protagonizado pelos/as educadores/as, feito a partir da capoeira. Esta é uma
manifestação cultural importante para a formação social do negro no Brasil (CÂMARA,
2010), que busca atuar sob várias perspectivas: como jogo, dança, brincadeira e luta.
A capoeira tem uma forte conexão com a natureza, com as intensidades que unem a
carne e o espírito através da dinâmica da gestualidade (DUMOULIÉ, 2007). A
musicalidade e a corporeidade da capoeira angola possibilitaram ao/à educador/a
realizar gestos que não tinha consciência de que o corpo era capaz. Assim, mostra-
se importante perguntar: o que pode um corpo? Sob que contextos um corpo pode
superar aquilo que o pensamento dita? Que saberes prendem ou despotencializam o
corpo-educador?
Uma educação libertadora propõe-se a ver os/as educandos/as como
sujeitos de sua própria história ao invés de meros objetos. Nesta construção, deve
haver diálogo — e é o tema deste diálogo que deve compor o conteúdo programático
desta educação (FREIRE, 2017b). Assim, compõem-se os Círculos de Cultura que,
distante de resumirem-se em uma técnica pedagógica reproduzível, constituem-se de
uma série de princípios complexos que, interagindo ativamente entre si, visam o
protagonismo dos/as participantes na construção do conhecimento.

E10: “várias possibilidades de círculo de cultura, (...) como o que sensibilizava


a gente ao tema; eram fotos, imagens, as possibilidades que a gente tem de
trabalhar os conteúdos, de sistematizar e de compartilhar conteúdos pesados
e longos de forma simples, rápida e que a gente se sente dentro do conteúdo
proposto”.

Os Círculos de Cultura tiveram origem na década de sessenta, com as


experiências de alfabetização de adultos/as facilitadas por Paulo Freire (LIMA, 2011).
Uma ação pedagógica inovadora que uniu de forma eficaz a necessidade de
alfabetização com a problematização do contexto social e político dos educandos e
educandas (DANTAS, LINHARES; 2014). Configura-se como um conjunto de
princípios, dentre os quais se incluem a ação dialogal, o amor, a humildade, a
esperança, a fé e a confiança (FREIRE, 2017b). Amplamente estudada e aplicada em
ações de educação em saúde, os círculos de cultura são incluídos no Curso
88

EdPopSUS como parte do conteúdo no material pedagógico e como tema de atividade


de campo a ser realizada pelos educandos.
O círculo de cultura tem o intuito de problematizar a realidade dos/as
educadores/as-educandos/as, num exercício de diálogo entre as diversas visões de
mundos ali presentes (FREIRE, 2011a).

E12: “a partir da discussão dos textos (...) apresentou como cena teatral, o
nosso produto, os inéditos viáveis (...) com os panos trocando, mexendo o
pano que ‘tá sem vida, mas que, a partir do seu movimento, vai ter vida. qual
o movimento que você dá pra sua vida, pra determinado momento?”.

É preciso que os educadores e educadoras conheçam as condições


estruturais em que o pensar e a linguagem dos/as educandos/as, dialeticamente, se
constituem (FREIRE, 2011a). É desta consciência que se realiza a investigação dos
temas geradores, a partir do apontamento das situações-limites, incidindo sobre estas
os atos-limites, concretização dos inéditos-viáveis (FREIRE, 2011a).
A complexidade da realização do Círculo de Cultura envolve a
compreensão dos conceitos supracitados, nem sempre de simples entendimento, a
saber: potencialidades, situações-limites, atos-limites, inédito-viável. Ao mesmo
tempo em que há uma ideia equivocada de que os círculos se resumiriam em uma
técnica reproduzível, ao invés do ensejo nos princípios da educação popular e nos
conceitos supracitados que devem norteá-los. Tal complexidade estaria perpassando
o fato de os/as educadores/as terem trazido como potência, do círculo realizado no
curso preparatório, apenas a capacidade de síntese criativa do mesmo. Importante
elucidar que, com esta indagação, não pretendemos desvalorizar tal feito, o de
construir numa produção artística temas complexos, tratados, usualmente, de forma
cansativa. Propomos, na verdade, ressaltar que este tema, tão importante ao Curso e
à educação popular, possa ser mais aprofundado.

E18: “(...) o círculo de cultura demorou uma eternidade para que eu pudesse
entender; se consolidou, em mim, a partir do segundo EdPopSUS, mas foi
nesse encontro que eu senti maior firmeza de poder levar pra comunidade,
depois das rodadas de conversa”.

O círculo de cultura se dá em roda, mas não é preciso necessariamente


dispor-se no formato de roda para sua realização — apesar de as rodas serem
práticas ancestrais, presentes, de forma intensa, nas culturas africanas e indígenas,
89

constituintes da sociedade brasileira, configurando-se, portanto, num símbolo


fortalecedor de nossa ancestralidade. De toda forma, o que se apresenta como
imprescindível à realização do Círculo é a circularidade da fala e dos saberes (PAULO,
2007).

A roda apresenta-se como símbolo do espaço democrático, na qual


todos/as têm o seu lugar e interferem na sua constituição. Se um/a sair, fica menor,
ao passo que se alguém entrar, aumenta. A roda agrega, mas perde forças quando
exclui alguém (MACHADO, 2014). O cuidado perpassou o modo de organização do
processo formativo de 40 horas, sendo percebido pelos/as educadores/as,
especialmente na realização das rodas. Para a roda configurar-se como tal, todos/as
aqueles/as que a constituem precisam estar lado-a-lado, sem estar à frente ou atrás
de nenhum/a de seus/suas componentes. Na roda ou no círculo a comunicação é
possível, pois as pessoas e suas intenções se encontram e se reencontram num
mundo comum (FREIRE, 2011a).

E5: “(...) uma roda de chegada e de finalização (...) a gente sempre muito
próximo se abraçava, se tocava, corpo, pele, calor, me senti à vontade pra
falar do quanto eu me sentia cuidado. o acolhimento, a mandala, os objetos,
significados que a roda traz, cuida, pede licença pra chegar e pra sair e vai
construindo aí um fio condutor que deixa o trabalho leve, com respeito”.

A roda apresentou-se, para os/as educadores/as como um momento


ritualístico, de respeito ao processo. Ao reunirem-se todos/as os/as participantes, na
chegada, acolhendo-os/as em sua integralidade, saberes e histórias que estavam
trazendo, inicia-se o processo. Ao reunirem-se para avaliar e consolidar o vivido,
finaliza-se. Há, marcadamente, o respeito às pessoas com tudo o que elas trazem e
aos saberes produzidos durante os encontros.

E20: “(...) me arrebata é esse acolhimento, reconhecimento e cuidado. Você


tem experiências e vivências, elas são importantes (...) reconhecendo tudo
aquilo que sou, que faço e que tenho para compartilhar. Fui acolhido, é uma
perspectiva, acolher os saberes que as pessoas trazem”.

A roda foi o símbolo do acolhimento que reverberou nos corpos dos/as


educadores/as como uma potência, não só para estarem presentes no processo, mas,
inclusive, para chegarem até ele. A vivência do princípio da amorosidade desconstruiu
preconceitos, expressando a unicidade entre prática e discurso e ativando o desejo
dos/as educadores/as de estarem ali e aprenderem.
90

E9: “não queria ir, não ‘tava bem, mas o diabo [é] que, quando eu ia, eu me
sentia acolhido. Lembro eu abraçando o Ray e a energia (...) Wow! Um
furacão que explodiu. Talvez não tenha a ver com educação que a gente ‘tá
acostumado, mas tem a ver com formação, da vivência que eu tive. Eu falava:
outros princípios da educação popular, eu concordo, mas... amorosidade não
é minha praia (...) quando se coloca num processo pra viver, é afetado no seu
ser integral, [no final, todos] se emocionando e agradecendo. [A gente
entendeu] não importa quem vai ser educador, quem não vai”.

O sentido do acolher se expande e ganha corpo na roda. O acolher, aqui,


é integral, abraça-se o corpo e os saberes que ele traz. Neste processo, incluem-se
também suas vulnerabilidades — que são “(...) bem mais uma condição, não
propriamente consciente ou autônoma, mas uma disposição da própria vida para ser
afetada, interferida” (RATTO, SILVA, 2011, p. 180).
A educação hegemônica envolve intensamente o âmbito racional do ser
humano tendo, usualmente, negado lugar ao corpo nesta construção. A cisão entre
corpo e alma advém desde a filosofia clássica grega, com Platão e Aristóteles, tendo
sido reforçada pela compreensão cartesiana do corpo-máquina desconectado da alma
(MARTINS, 2014). Tal compreensão foi fundada sob as premissas de “uma
objetividade matemática, mais pura e isenta das paixões” (MEDEIROS, 2015, p. 13).

E13: “olhavam o ser humano, integral. corredores de cuidado com


musicalidade, poema, o toque, extravasam como tradicionalmente aprende o
que é aprender. É uma implosão a (...), isso (...) não se via dentro da aula,
dançando, cantando, dizendo uma poesia, se movendo, se abraçando. olhar
para a espiritualidade como algo que te constrói, a arte atrelada ao processo
de conhecimento”.

Os/as educadores/as expressaram o que teria sido uma ruptura com a


compreensão hegemônica do que significa aprender em nossa sociedade. A
exclusividade do campo racional no espaço educativo, retira, consequentemente,
outras formas de aprender que não envolvem exclusivamente a racionalidade
cartesiana.

E12: “era a fala verbal, mas era a música, dança, a prática corporal. Uma
formação toda permeada por esse universo de aprender com o corpo todo,
acolher o grupo, fazer uma mística, um reencontro da arte (...), a gente não
aprende só num lugar encaixotado. Tudo no nosso corpo é aprendizado, eu
me lembrei muito do Escambo, você não ficou sentada só assistindo. Era o
tempo todo troca”.

Ao assumir, no campo pedagógico, a integralidade do ser humano,


ampliam-se as possibilidades, os aprendizados e suas reverberações. A partir da arte,
91

do afeto, da espiritualidade, da inclusão do corpo, ocorreu uma implosão ao lugar


encaixotado da educação: “Será que a arte não é até um correlativo necessário e um
complemento da ciência?” (NIETZSCHE, 1992, p.105).

E16: “(...) lençóis no chão, todo mundo deitado, fazendo a respiração, olhos
fechados, instrumentos, essências, fala mansa, relaxante. Eu fui até buscar
o porquê da gente está relaxando antes de se fazer uma atividade. Eu
comecei a ver que nós temos nos módulos no curso, dentro das leituras eu
encontrei as respostas. Além de acalmar, prestar mais atenção, traz que a
saúde não só é ausência de doença, mas conhecer o próprio corpo, estar
bem fisicamente e mentalmente”.

O conceito de saúde como ausência de doença parte exclusivamente de


sua regularidade anátomo-funcional (ALBUQUERQUE E SILVA, 2014). Na intenção
de ampliar esse olhar, foi elaborada a concepção de determinantes sociais de saúde,
que inclui a dimensão social nos processos de saúde-doença. Porém tal inclusão foi
feita à revelia da necessidade apontada pela ciência pós-moderna de superação da
dicotomia social-natural (SANTOS, 2010). Desta forma, a concepção de
determinantes sociais da saúde adotou a dimensão social como um domínio
específico, mantendo a desconexão e polarização entre esses âmbitos (GARBOIS,
SODRÉ, ARAÚJO, 2017). Não obstante, permanece a hegemonia de práticas
educativas em saúde que focam na mudança de comportamento dos indivíduos e os
culpabilizam por suas mazelas (ÁVILA, 2011b).
Surge, na América Latina, o conceito de determinação social da saúde,
apoiando-se na perspectiva social e científica marxista (GARBOIS, SODRÉ, ARAÚJO,
2017; ROCHA, DAVI, 2015). Ressalta-se, sob este ponto de vista, a compatibilidade
entre a luta contra as doenças, a garantia do máximo nível de saúde, a exploração da
força de trabalho e a incessante busca de lucros (STOTZ, 2005).
O/a educador/a exprime sua inquietação quanto a esta forma diferenciada
de aprender, especialmente na área da saúde. Interessante notar que recorreu à
leitura para reforçar o que o corpo já poderia ter entendido. A fala da educadora traz,
então, outra dimensão para incluir no debate da determinação social da saúde, a
saber, o da percepção do próprio corpo. A compreensão do corpo-máquina abstraiu o
corpo em um ideal (MARTINS, 2004). Identificando as bases positivistas do conceito
de determinantes sociais de saúde, aproximamo-nos do conceito de determinação
social da saúde, visto que este constrói atalhos às diretrizes do SUS (ROCHA, DAVI,
2015).
92

As falas acima, ao demonstrarem a unicidade entre mente e corpo


(SPINOZA, 2009), ressaltam a pertinência de ampliar este diálogo, incluindo a
dimensão do corpo singular e imanente e a importância de pensá-lo como potência
criativa (NIETZSCHE, 2001), expressão da sensibilidade para além dos idealismos e
padronizações historicamente consolidados.
Acreditamos que uma tal percepção deva dialogar e ampliar a noção de
integralidade do SUS, possibilitando, ainda, o rompimento com as práticas autoritárias
de educação em saúde que culpabilizam os sujeitos por suas mazelas, próprias de
uma racionalidade exclusivamente biomédica que visa apenas a mudança de
comportamento destes sujeitos (ÁVILA, 2011b).
Segundo alguns educadores e educadoras, esse processo formativo foi
uma experiência vivida no próprio corpo, numa interação entre o aprender e o curar-
se. Relatam momentos em que suas vulnerabilidades, ao serem incluídas, puderam
ser trabalhadas. O espaço coletivo abriu-se ao singular e propiciou um aprendizado
que incluiu suas próprias perspectivas.

E10: “(...) é um momento em que a gente, estando aberto, tem como abordar
a partir das próprias perspectivas, do autoconhecimento. É fundamental
permitir a escuta com o outro, mas as pessoas escutam mais a si próprias,
param um pouquinho para pensar em si, como é que eu tô nesse momento?
O que é que eu tô fazendo aqui? Como eu estou? (...) possibilidade de
trabalhar o coletivo, mas dando espaço para o individual, o que pega muito
forte para os educadores (...)”.

E5: “(...) aprendizado do cuidado sentido no próprio corpo, além de


estratégias, as metodologias, as técnicas, eu senti muito no meu corpo, como
uma potência de cuidado de escuta e de cura (...)”.

Toda pedagogia tem a capacidade de reconhecer sua própria


vulnerabilidade e, ao abrir-se ao encontro do inesperado, àquilo que acontece fora de
seu controle, que faz vibrar no ineditismo de cada novo apaixonamento em que reside
sua potencialidade (RATTO, SILVA, 2011). Isso nos remete à categoria spinoziana de
paixões alegres. O afeto é entendido, por Spinoza, como as afecções do corpo por
meio das quais a potência de agir do mesmo é elevada ou reduzida, bem como as
ideias de tais afecções (SPINOZA, 2004). A afecção é o aqui e o agora, enquanto o
afeto é a passagem (ITAGIBA, 1998). As paixões alegres são afetos que aumentam
e favorecem a potência do corpo, nossa potência de agir e pensar, porque despertam
nossa força interna de perseverar em existir (SPINOZA, 2004). Desta forma, estaria o
cuidado despertando as paixões alegres nos educadores e educadoras?
93

E12: “(...) ‘escuta, acolhe’ [canta a música]. Momento de fragilidade pra mim,
desesperança com o SUS. Minha mãe faleceu, não conseguiu uma vaga (...)
num lugar de cuidado com o outro, eu vou cuidando de si e vou aprendendo”.

E3: “(...) receber o toque de pessoas que eu não via há muito me afetou. Eu
‘tava vivenciando um processo de distância. (...) meu pai doente (...) momento
de recobrar a lucidez, a vida, me recolher, me reencontrar, voltei pra casa”.

Alguns educadores e educadoras reconheceram-se vulneráveis em sua


chegada ao Curso. O encontro entre suas fragilidades e o cuidado com que foram
acolhidos faz-nos lembrar do conceito de grande saúde nietzschiano. Neste, a
interconexão entre saúde e doença é ressaltada, marcando uma dependência entre a
doença e o desenvolvimento de nossas virtudes (NIETZSCHE, 2002). Traz-nos,
portanto, uma concepção de saúde que afirma a potência de vida mesmo quando
enfraquecidos/as (MARTINS, 2004). O Curso foi referenciado como uma oportunidade
de fortalecimento de sua subjetividade, gerando um aprendizado que extrapolou os
seus objetivos.

E2: [vivenciar] ferramentas metodológicas, cirandas, cenopoesia, música,


cordéis, pinturas. [Mostrou que podemos] receitar uma ciranda pr’aquelas
pessoas com ansiedade, [que] o zabumba, o tambor é ferramenta de cuidado,
a poesia pode ser receitada. Medicamento pra suas dores de cabeça é
quarenta minutos, por dia, de poesia. [Foram] estratégias de ser produtores
de nosso próprio cuidado, [pra] aquela visão biomédica ser superada”.

Neste percurso, vão-se construindo caminhos para as reverberações desse


processo nos territórios, como a possibilidade de um outro tipo de prescrição
composta de poemas, poesias, cirandas. Revela-se, portanto, a possibilidade da arte
como cuidado, ampliando-o para além do paradigma biomédico. O rompimento das
práticas educativas em saúde, marcadamente pautadas sob a lógica biomédica
(PEDROSA, 2007), cumpre-se com práticas educativas que tenham valor simbólico e
cultural para a população, como é o caso do teatro, da música, dos desenhos e outras
atividades lúdicas (OLIVEIRA, OLIVEIRA, OLIVEIRA et al, 2014). Desta forma, os
objetivos da PNEPS de promover a formação dos trabalhadores do SUS sob a égide
da valorização da cultura popular, permitindo o protagonismo dos usuários no cuidado
em saúde (BRASIL, 2013a) estariam sendo concretizados?
94

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das reflexões dos/as educandos/as, podemos inferir que a


educação formal não é suficiente para a efetivação do desejo de transformação social
— e que a experiência advinda do engajamento com os movimentos sociais parece
provocar um diálogo entre campos rotineiramente distanciados nos espaços
institucionais hegemônicos. Nos movimentos, os sujeitos populares podem estar
sendo acolhidos em sua inteireza e diversidade ao assumirem a construção dos
processos organizativos, formativos e de resistência.
As reflexões sobre o/a educador/a popular apontaram seu nomadismo,
inventividade, coragem, compromisso e singularidade, a arte e o afeto como caminhos
para quebrar os condicionamentos às práticas bancárias, além da tensão entre os
saberes acadêmico e popular. A educação popular em saúde seria um campo amplo
de saberes diversos que dialogam entre si, levando a uma formação que busca romper
com o sentido de especialização. O processo parece ter produzido uma nova
subjetividade nos educadores e educadoras, possibilitando a transformação do/a
professor/a para o/a educador/a. Por outro lado, o medo revelaria que a educação
bancária ainda permeia seu ideário, especialmente, por meio da ideia de reprodução
do vivido.
Os desafios postos nos encontros iniciais teriam propiciado superações de
situações-limites na relação entre educadores/as, inclusão das singularidades,
elucidação de caminhos para sua atuação, além do reencontro consigo e com as
experiências dos movimentos, que teriam sido rompidas pela dinâmica capitalista. O
desejo pelo encontro com companheiros/as de luta serviu de alimento ao esperançar.
Os princípios da educação popular perpassaram a formação, o que
demonstra a importância deste processo frente à imposição hegemônica de que o
educador-a/trabalhador-a tenham um saber pronto. A contextualização serviu de
reflexão sobre as fissuras da atual conjuntura para uma prática libertária. O princípio
da inclusão do saber-de-experiência-feito contribuiria para a superação da
passividade, propiciando o protagonismo dos/as educandos/as, delineando-se um/a
educador/a que se desapega constantemente dos saberes solidificados em nome da
construção coletiva de novos saberes.
95

A formação teria dado prioridade à vivência ao invés de pautar-se apenas


na racionalização, apresentando também propostas neste campo, como a
sistematização das experiências. A proximidade entre discurso e prática do grupo
coordenador teria possibilitado a condução de forma coletiva em meio à complexidade
do processo seletivo. Este, no entanto, se configurou como situação-limite pelo teor
competitivo que implicaria numa contradição com os objetivos da educação popular.
A não-presença de todos os educadores e educadoras na formação indicou a
dificuldade da convivência e da construção coletiva.
A constituição das duplas de educadores/as poderia estar se dando de
forma não muito clara, sem olhar para as singularidades dos sujeitos, tendo, como
consequência, conflitos e desarmonia nos encontros com os/as educandos/as. Ao
mesmo tempo em que a falta de conhecimento sobre o edital também estaria
contribuindo para tal falta de esclarecimento. As saídas possíveis necessitariam
perpassar pelo olhar sobre as singularidades dos sujeitos, visto que o papel assumido
pelo/a educador/a se mostrou articulado à singularidade do/a outro/a que compõe a
dupla. No entanto, tal olhar não pode estar desprendido das singularidades dos
municípios e das normas que envolvem a institucionalidade do Curso.
O diálogo pode ter se configurado como ato-limite quanto ao preconceito
religioso, apontado como uma das situações-limites na formação. O preconceito
também pode estar revelando a dificuldade de atualização da educação popular, ao
relacionar-se com padrões hegemônicos de ser, já que se trata de uma religião dessa
ordem. Outra situação-limite deste processo formativo inicial foi a lacuna de se
trabalhar a autoridade do/a educador/a.
O papel da coordenação na iniciativa de dar continuidade ao processo
formativo dos/as educadores/as e a condução de tais momentos possibilitou o
acompanhamento do processo nos municípios, o compromisso da formação com os
territórios, a construção compartilhada de saberes para a superação de desafios e a
sistematização dessas experiências.
As dificuldades na convivência, a fragilização do acompanhamento, devido
ao número reduzido da equipe, o pouco tempo e a não-presença de todos/as os/as
educadores/as também foram ressaltados — seriam situações-limites deste processo
de continuidade. Seria necessário, portanto, aperfeiçoar a organização e o
compromisso, incluindo a dimensão burocrática, como estratégia de legitimação.
Quanto aos processos em dupla, alguns foram harmoniosos, marcados pelo respeito
96

e o afeto. Outras conseguiram superar situações-limites por meio de atos-limites.


Alguns atos-limites da dupla podem ter ampliado o papel do/a educador/a,
reconfigurando o espaço de aprendizagem.
A costura entre os saberes-de-experiência-feitos, os princípios da
educação popular e os objetivos do Curso pode ter sido delineada por
acontecimentos. O cuidado demarcaria a preparação dos/as educadores/as para a
condução de um processo formativo com trabalhadores/as da saúde — tratando-se,
aqui, de um cuidado com a singularidade das expertises dos movimentos sociais do
Ceará.
A ruptura com o significado hegemônico de aprender teria se dado na
assunção da integralidade do ser humano, a partir da arte, do afeto, da espiritualidade
e da inclusão do corpo. Esta inclusão traria, para o debate da determinação social da
saúde, a dimensão do corpo singular e imanente, como potência criativa e expressão
da sensibilidade, o que ampliaria a noção de integralidade do SUS.
O ensejo dos/as educadores/as na potência da capacidade de síntese
criativa dos círculos de cultura pode estar demonstrando a complexidade na
realização dos mesmos, que envolve além dos princípios da educação popular,
conceitos que nem sempre são de fácil compreensão. Desta forma, seria importante
que este tema pudesse ser mais aprofundado.
A inclusão não só da potência, mas das vulnerabilidades dos/as
educadores/as, permitiu que estas pudessem ser trabalhadas, fazendo do processo
formativo uma interação entre o aprender e o curar-se, despertando as paixões
alegres nos/as educadores/as e demonstrando uma concepção de saúde que afirma
a potência de vida mesmo quando enfraquecidos/as. Com tal fortalecimento das
subjetividades, o Curso teria extrapolado os objetivos institucionais.
Ao mesmo tempo, construíram-se caminhos para as reverberações desse
processo nos territórios, como a possibilidade da arte como cuidado. Tal proposição
mostra-se como ampliação das práticas educativas em saúde pautadas na lógica
biomédica, concretizando os objetivos da PNEPS de promover a formação dos
trabalhadores do SUS sob a égide da valorização da cultura popular. A roda, como
um momento ritualístico, constituiu-se numa forma integral de acolher e de reverência
aos saberes produzidos nos encontros.
O corredor cenopoético de cuidado pode ter gerado reflexão sobre as
possibilidades de libertação das amarras impostas pelos sistemas convencionais de
97

saúde e educação. A inclusão da dimensão imanente de corpo, os saberes-de-


experiência-feito e a espiritualidade possibilitaria um ritual místico com práticas que
vão se adequando à necessidade singular de cada sujeito, o enlaçamento das
diferenças, a reconexão com o corpo, os saberes históricos e ancestrais e a unificação
de companheiros de luta, diluindo a competitividade e imprimindo a horizontalidade
no processo. O corredor estaria possibilitando, ainda, o rompimento das amarras
sociais que ditariam o merecimento de tal cuidado, apontando formas de resistência
a tais ditames.
A proposta pedagógica do Curso estaria dialogando com uma concepção
imanente de educação, não apenas de formação, mas de transformação dos sujeitos
a partir do que eles são e do que vivem em ato. O modo de organização do Curso
teve, na arte, uma liga capaz de tecer costuras entre os diversos momentos, saberes
e densidades, dando leveza e potência criativa para os/as educadores/as. A
cenopoesia dialogaria com uma proposta formativa ético-estético-política que inclui a
potência da informalidade e a transdisciplinaridade, por meio dos repertórios
humanos, da relação com o outro e com o momento em que se encontra. A
musicalidade e a corporeidade da capoeira angola teriam possibilitado um contexto
no qual o corpo superaria os ditames do pensamento. Por fim, a Feira do Soma-
sempre, que se assemelha ao modo como organizam-se nossos saberes ancestrais,
baseando-se em uma relação respeitosa, na qual as aprendizagens se dão por meio
da convivência em meio a um universo caótico, possibilitaria o exercício de nossa
capacidade de lidar com o caos social.
98

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Guilherme Souza Cavalcanti de; SILVA, Marcelo José de Souza e.


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113

APÊNDICES
114

APÊNDICE A – Questões Norteadoras

1- Você pode falar um pouco da sua formação enquanto educador prévia ao


EdPopSUS?
2- Como se deu o seu encontro com a formação de educadores do EdPopSUS?
3- Como foi o EdPopSUS pra você? Como você chega até ele e como foi que você
saiu? O que é que ficou dessa formação em você, no seu corpo-educador?
4- O que se passa no processo de formação dos educadores populares do curso
EdPopSUS que você participou?
5- Que práticas educativas estiveram presentes nesta formação?
6- De que maneira os saberes e práticas advindos de suas experiências prévias foram
incluídas neste processo?
7- Descreva o seu parceiro na formação? Quem ele(a) é? Que potencialidades ele
tem? Como se deu esta relação? Houve dificuldades?
8- Quais as potencialidades e situações-limites que perpassam esta formação? O que
fez pra superar?
9- Você poderia lembrar de uma cena que foi marcante na sua formação?
115

APÊNDICE B - Ladainha

Agô sra. menina,


agô yiá, agô babá
No EdPopSUS, chegando
Momento de me lembrar
Da minha experiência
Da minha experiência
Com a educação popular
Óia, tudo começou
Quando ainda era menina
O Escambo era de arte
Depois com a filosofia
“Aprendemo” a refletir
de maneira criativa
com as Cirandas da Vida

Juntando ciência e arte


Com o universo popular
Começamo a questionar:
nossas potencialidades,
a nossa realidade,
poderiam transformar?
Oi e viva a capoeira,
nossa ancestralidade
Com afeto, com beleza,
Aprendemos com vontade
De Zumbi a Chico Mendes
A história do Brasil
É luta por liberdade, camaradin

Ladainha produzida pela educadora Mayana Dantas para falar de sua aproximação com a educação
popular em saúde para o Mestrado em Saúde Coletiva, inspirada na Ladainha "Ancestralidade" de
Mestre Moraes
116

ANEXOS
117

Anexo A – Parecer consubstanciado do CEP


118

Anexo B – Ata de defesa


119

Anexo C – Fotos da formação dos/das educadores/as

Arquivo: Coordenação Estadual do EdPopSUS-CE

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