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PROBLEMAS DA FONOLOGIA CARIOCA

C ândido J ucá F i l h o -

A presentando ' esta ligeira exposição de certas características


da fon olog ia carioca, não intento p ôr em relevo a pronuncia do
R io de Janeiro, nem pedir para ela a preferência do Congresso
' da L ín g u a N acional Cantada. ‘ ' .
' , \ ^ *•
-

N ã o tenho, dados para indicar qual seja a melhor maneira


de falar no nosso piais, mesmo porque ainda se não divulgou com
necessário rig or científico, qual seja a prosódia dos nossos cen­
tros culturais, inclusive R io e São Paulo.

A ch o , p or outro lado, que não seria prático perderm o-nos


em considerações subjetivas, com o essa de saber onde se fala m e­
lh or a língua nacional, se aqui, se acolá. .
• /■ -
O que é afinal uma boa pronúncia? E ’ de certo aquela que
usam os. A s outras nos parecem amaneiradas, e ás vezes ridículas,
e não ha com o im p or uma delas.
* ’ . •• - , *

T od a s as pronuncias são boas. M as todas precisam de ser


corrigida s quando se destinam ao canto e á declamação, porque
todas apresentam elem entos contraindicados para a linguagem em
voz alta, que deva ser ouvida á distancia.

N o dom ín io brasileiro, ha'.características nacionais. De fato,


sem pre se p od e distinguir se quem fala é de aquém ou além mar.
M as ha tam bém tendências, sinão maneiras regionais.

A ssim , para obter a unidade nacional no Canto e na D ecla­


m ação, o problem a está

1.° — em reduzir ao m inim o os regionalism os fonéticos, e


330 P R IM E IR O congresso d a l ín g u a n a c io n a l can tad a

2.° — em regularizar todas as questões sujeitas a vacilaçÕes


- e preferências individuais.-
E ’ mesmamente importante evitar que determinados fatos
fonéticos — ainda quando gerais — transponham a linguagem can­
tada, se a técnica os condena, por não oferecerem os necessários
requisitos á boa audição.
Para se chegar a esse resultado, é indispensável estudar a
fundo as prosódias do Ri(}, 'de São Paulo, de Porto Alegre, da
Baía, do Recife, de Fortaleza, de Belem do Pará, etc. Isso preli-
minarmente. v
•• ; • .

Impõe-se a criação de gabinetes experimentais' de fonética,


como os ha em todcs os países civilizados.
vr* <*
Trabalhos como “ Estudos de Foriologia” , de José Oiticica,
em 1916, ou “ La Phonétique Brésilienne à TUsage des Français,
Allemands et Anglais” , escrito pelo autor destas linhas, e presen­
temente em via de publicação,1— podem ter os aplausos e o estí­
mulo dos patriotas,’ mas são infalivelmente provisorios, e recla­
mam a revisão dos aparelhos de precisão.

Nas figurações fonéticas'que se seguem, todas elas entre dois


sinais assim / , fica convencionado q u e: .

Todos os oxítonos e proparoxítonos estão acentuados. Os


paroxítonos nunca o estão. Os monossílabos só aparecem acen­
tuados quando são’ tônicos na linguagem corrente.

Os símbolos gregos- oc (alfa), £ (épsilo), co (ôm ega) teem


pronúncia aberta, de á, é, ó. A letra 1 (lam bda), vale o grupo
lh. .
O “ a” grifo a pronúncia velar.

■ O V versalete, a articulação cacuminal.

O “ i ” e o “ u ” , corpo miudo, indicam pronúncia cochichada.

O “ y ” ou “ w ” , muito breves, semivogais, nunca tônicos, pro-


nunciam-se quasi como no inglês “ yes” , " w e ” .

O hífen / - / estabelece ligação de palavras.

O / § / é símbolo correspondente ao dígrafo “ ch ” , e o / 3 / tem


o som do “ j ” .

O / n / é a figuração do “ nh” .
l PROBLEM AS DA F O N O L O G IA C A R IO C A 331

O U A D R O D A S V O G A IS C A R IO C A S •
- ♦—-----------—---- q
Pala tais Bilabiais

C o c h ic h a d a s . .v . t u

_ 1 O i;a is . . . oc a e e i - OC 0)0 u
j o n o r a s -|
I N a s a is . . . A e t õ u
S e m i v o g a i s ....................... y w

Q U A D R O D A S C O N S O A N T E S C A R IO C A S

E x p lo siv F ric a tiv a s e A fr ic a d

In so n o ra s . . . . p t ( t ’ )' k i S §

c 1 O r a is . . | b d (d ’) g v z 3 r ( R ) rr 1 1’
Sonoras -
I N a s a is m n (n ’) n

A s iiguraçÕ es en tre p a rê n teses in d ic a m


- p r o n ú n c ia s in d iv id u a is

O P R O B L E M A D O T IM B R E V O C Á L IC O

Um dos traços característicos de nossa lingua está no fato


de que as vogais apresentam timbres diferentes, conforme a posi­
ção que ocupem no vocábulo.

Evidentemente, não ha coincidência de preceitos entre brasi­


leiros e lusitanos. Não na ha mesmo entre todos os brasileiros. Daí,
em grande parte, os diversos sotaques. Mas no vasto dominio
português, aquém ou além mar, as mutações vocálicas existem
infalivelmente. Nisto se estrema do Castelhano o Português.

V ejam os o (pie passa no R io com as vogais orais.

Existem três timbres de “ a ” , quais se podem observar na


palavra lçdk/ a ls o c d a /, a saber:
ca

/ o c / tônico ou pretonico, nunca antes de “ 1” ou “ u ” que


pertençam á mesma sílaba ;
332 P R IM E IR O CONGRESSO D A L ÍN G U A N A C IO N A L C A N T A D A

/ à / postônico, mais aberto do que o correspondente lusita­


no, encontradiço também nos monossílabos átonos^ enclíticos;

/ a/tônico ou átono, em sílaba que termine em “ I” ou “ u ” .


O “ e” apresenta dois timbres, como em café / k o c ’f e / , e
você /v o ’se/, isto é:
/ e / tônico aberto, ou postônico em sílaba acabada em
ou “ r” ;

/ e / tônico fechado,- ou pretônico contingente:


O “ o ” , mesmamente tem dois timbres possíveis, assim em
só /’ sq)/, e sou / ’sò/,. ou sejam: -. ,

/ cú/ tônico aberto; . ' •


/ o / tônico fechado, ou pretônico contingente. • '«
O “ e” e o “ o ” postônicos (conr-excepção do caso anotado
acima) se confundem respectivamente com “ i” e “ u” , como em
disse /disi /, e disso

“Oe ” e o “ o ” pretônicos podem também' esporadicamente


confundir-se com as mesmas vogais, sem que seja possível indi­
car a pronúncia predominante em cada indivíduo. As palavras
terrinae focinho teem, assim, duas pronúncias /teirrína, tirrína/
e /fosínu, fusínu/. •' • •
O “ i ” admite dois timbres, como em /a ’li/ e este /e§ti /;
quero dizer: . .
/[/ átono ou tônico;
/ i / átono cochichado, sob o influxo de fonema ou fonemas
insonoros.
Do mesmo modo, o “ u” revela dois timbres, como em zero
/zeru /, e faço /focsu /',ou sejam:
/ u / átono ou tônico;
/ u /átono cochichado, sob o influxo de fonema ou fonemas' iu-
sonoros.
As vogais nasais cariocas são sempre fechadas, tônicas ou
não. Assim /ã, ê, I, õ, u / correspondem exatamente ás vogais
/a, e, i, o, u/, acrescidas da ressonância nasal.
P R O B L E M A S D A F O N O L O G IA C A R IO C A 335

*.\ %
l.a Conjugação: Paradigmas (Raízes acabadas em
(
vogal ) : 1
ceio / sey u / /s e y i/ .
ceias /'seyas/ ceies /se y is/
ceia. /se y a / ceie /s e y i/
ceamos /siãm us/ ceemos /siãm us/
ceais \ /s i ’ b c y s / ceeis /s i ’eys/
ceiam /sey ã w / ceiem /se y ã y /
1
voo /v o w u / voe / v ow i/
voas . . '/v o w a s / voes /v o w is /
voa * /v o w a / voe . /v o w i/
voamos /vuãm us/ voemos , /vu êm u s/
voais /v u ’ o c y s / voeis /v u ’eys/
voam ' /v o w ã w / voem /v o w e y /

Paradigmas velar, orar (Raízes acabadas em Consoante) :


velo / v e lu / vele /v eH/
velas ' / v e las/ veles. ; / v e lis/
vela / v e la/ vele / v e li/
velamos /velãm u s/ velemos > • /velêm u s/
velais /v e l o c y s / veleis /v ed ey s/
velam _. ; ,/V £ lãw / .. velem ' /v e lê y /

oro / ru / on? / &>‘r i/


oras 0) ras/ é / fi) ris/
ora / ft>ra/ ore ! COÚ/
oramos /orã m u s/ oremos /orãm u s/
orais / o ’r o c y s / oreis / o ’reys/
oram / rãw / orem / rèy /

2.a Conjugação: Paradigmas dever, mover (Raízes acabadas


indiferentemente em vogal ou consoante) :

devo /d e v u / deva /d e v a /
deves /d e v is/ devas /d e v a s/
deve /d e v i/ deva /d e v a /
devemos /d e vêm u s/ devamos /devãm us/
deveis / deV eys/ devais /d e ’v oc y s /
devem /d £ve y / devam / devãw /
3^4 P R IM E IR O C O N G R ESSO D A L ÍN G U A N A C IO N A L CANTADA
4 ____ ______ -

b) — os verbos cuja ultima vogal radical seja “ e ” seguido


• de nasal “ m ” , “ n ” ou "n h ” , ou semivogal / y / ou
/w /, ou c}e palatal / § / , / 3 / , ou com o: remar,
reina /rrê ’mocr, rrêma/, serena /serê’nocr,
serena/, desenhar, desenha /d ezê’ííocr, dezena/,
rar,peneira /pêney’ròcr, pêneyra/, endeusar, endeusa
/êd ew zocr, êdewza/; fechar, /f e ’§ocr, fe§a/, de-
• sejar,deseja /deze’3ocr, deze3a/,, ajoelhar, ajoelha
/a3ue’/o c r , a3ueAa/;

c) — e os verbos cuja ultima vogal radical seja “ o ” seguido


de nasal “m”, “ n” , ou “ nh” ,. ou semivogal ou
/w /, como: tom
ctr,tom
a / t õ ’mocr, tõma/, telefonar,
lefona /telefõ’nocr, telefona/, sonhar, sonha /scTnocr,
sõna/, apoiar, apoia /o c p o y ’oc r, ocpoya/, dou­
ra /d o ’rocr, dora/. .. .

Sofrem mutação todos os verbos, que tendo “ e” ou “ o ” na


ultima vogal radical, não estejam previstgs rios casos acima. A
unica excepção é talvez o verbo chegar /§ e ’gocr/,- que faz chega
/§ e g a /, e não .■ '
a
eg
ch
\ .V * ■».
, * V

' Na' 2.a Conjugação não sofremimitação vocáíica.-./


,■ . j • -

a) — os verbos cuja ultima vogal rãdical s e ja '“ a” ou “ i” ,


como: v
a
revccV
/ rer, v ocrri/, vive
/viVer, vivi/ ; '. •

b) — os verbos cuja ultima vogal radical seja “ e” ou “ o ” ,


'seguidas de nasal “ m ” ,. ou “ n ” , como: temer, teme
/t ê ’mer, têmi/, tender, tende /t ê ’der, têdi/, comer, co­
me /k õ ’mer, kõmi/, responder, responde /re§p õ’der,
■ re§põdi/.

Sofrem mutação todos os outros verbos que tenham “ e” ou


“ o ” como ultima vogal radical. •

Na 3.a Conjugação as mutações são indicadas pela ortografia,


e não merecem atenção especial. Em todo caso, dela tratámos no
trabalho citado.
Como as mutações só se observam nas formas rizo-tonicas,
podemos estabelecer os seguintes paradigmas para as tres con­
jugações : ,
P R O B L E M A S D A F O N O L O G IA C A R IO C A 333

■Notar que no Rio são bem assim nasais todas as vogais que
precedam “ m ” , “ n ” ,-ou “ nh” : r
nha- /bana/. Os ditongos colocados imediatamente antes de uma
nasal nasalizam-se muitas vezes: paina /pâyna/, /fãw na/,
andaime /ãdãym i/, boina /b õy n a /, etc. Diz-se também .
/rrtíy /, itarruyiia/.
ru/ . Ha quem não faça ditongo, preferindo
as'formas recomendadas ruim /r r u ’í/,. e ruína /rruína/.
Faltam, na fonologia fluminense, os fonemas chamados e-
caduco (e-muet, dos franceses), e o “ a ” ’ nasal aberto, ambos nor­
mais 11a pronúncia lusitana central. . ' ' • .. .
Tendo-ent vista ..o que acabamos de expôr, parece-me indicado.
-— que as letras “ e ” e “ o ” pretònicas nunca tenham no canto
e na declamação o som .de “ i” ou " u ”,..a; não ser talvez quando
estejam antes de vogal, ou de “ s” ; ‘ ! •

e que se evitem as articulações. Cochichadas ,/i./ e / u /, por


inaudíveis: •

Para resolver cabalmente e. uniformemente ‘o caso das Muta­


ções nos femininos e pos'plurais, deve-se ter em conta a observa­
ção de Lindolfo Gomes, o grande filólogo e fòlclorista patrício.
Toda palavra portuguesa que tenha na penúltima sílaba o
fonema / o / fechado, terá no feminino ou no plural o fonema / 0) (
aberto, se por acaso no Castelháno existe o ditongo O
fato resulta não de uma subordinação de' nossa língua,. mas do
fato de que ambos õs- metaplasmos tèem u m a ‘ origem . comum.

Talvez as. únicas excepções correntes no Brasil sejam com as


variações das palavras soldo, solto, , , pescoço, que
conservam a vogal fechada, e alguns vocábulos eruditos- como
bo, cujos plurais se fazem, 'absurdamente com 'o timbre aberto,
como /gl< ybu s/.
A Metafonia 11a Conjugação dos Verbos tem no Rio de Ja­
neiro, como já o demonstrei 110 meu trabalho intitulado “ Lingua
Nacional” , suas próprias regras, até então nunca tratadas pelos
gramáticos.

Na l.a Conjugação não sofrem mutação vocálica.

a) — os verbos cuja ultima vogal radical seja “ a ” , “ i” , ou


“ u ” , como lavar, lava /l o c V o c r , locv a /, fitar,
/ f i ’to cr, fita/, furar, fura / f u ’rocr, fu r a /;
336 P R IM E IR O con gresso da l ín g u a n a ô io n a l c an tad a

l:
movo ‘/m o v u / /m ó v a /
moves /n i0 v is / movas ■ /m ov a s/
move /m v i/ mova mova
movemos v /m ovêm us/ movamos /m ovãm us/
moveis ,/m o’veys/ movais /mo.V.oc y s /
movem /m o v ê y /. movam ' /m ovãw /
t •" » *

3.a Conjugação: Paradigmas seguir, cobrir. '


v/yu /s ig u / siga . ../sig a / -
segues /s tf gis/- AÚ/tfA /siga s/
segue /S t fg i/- A^U ,/ , ../s ig a /
seguimos /segím us/ sigamos /sigãm us/
seguis / se’g is/ ; sigais ; /s i ’g o cy s /
seguem ■ /• ,/s tf gèy/./._■ sigam _ ■ . •■/sigã w /
•* ‘
• . > V

cubro /k u b ru / cubra - ... ;■ ■ /kubra/.


cobres /k h ybris/. ' cubras. /kubras/
cobre : ,/k-ty bri/ " cubra ■/kubra/
cobrimos /kobrím u s/ •. - cubramos ■ . /kubrãmus/
cobris /k o 'b ris/ ■■ 'cubrais V/kiúbrqcys/
cobrem ■ /k p jb rêy / ■ cubram • ■,. ú//k u b ra w /-

De acordo com 'esses preceitos e! paradigmas, .devém-se cor­


rigir todas as vacilações que se encontram na linguagem carioca.
São intoleráveis as formas muito comuns penêro, èndeóso,
ajoelho, as quais se devem preferir peneiro /pêneyru/, endeuso
/e d e w z u /, fecho /fe § « /, joelho/ c 3 u e á u /.
a
Entretanto, vexa /v'e §a/, inveja /ív e 3a/., estreia/ i§tr t
e idéia/id tf y a / são pronúncia corrente.
i
_Ha quem diga apóia,dóra, róba, estóra, etc., mas os bem fa­
lantes manteem a ortoepia apoia /o c p o y a /,; /clowra, dora/,
rouba /rro b a /, estoura /i§tora /. * .A pronúncia possível doira
/d o y ra /, estoirai§
/ to y ra / é. menos comum.

Aúw /b w y a / e óiakõb<yya/
b
com/ são articulações normais.
Não acho que se devam conservar as pronúncias fechadas,
já arcaicas, em amancâba, ,en
a /Am e Ordinariamente, ■
cêb
sem afetação, todos dizemos ’ /ãmãs tf ba/, enceba
/ e s c ba/, /ptfza./, afofa / o c í cofa/. ■
V ma*
\
& ■,} r>M
P R O B L E M A S D A F O N O L O G IA C A R IO C A • 337 . '*■•>' - K'

■A pronúncia /k ü ’m er/ é muito frequentemente ouvida em vez


de /k õ ’m er/ comer. .. .. , »,
São condenáveis as pronúncias deve,parece e pérca. O
correto é deve /d e v i,/ parêce /p òcr£ S i / , e pêrco, pêrca /perka,
perka/.

O P R O B L E M A -DAS C O N SO A N T E S F IN A IS
> • . .

E ’ notório que as consoantes finais se' articulam de modo


vário no Brasil. O fato se explica porventura pela tendência
assinalada e geral de deixar de articula-las, na linguagem descui­
dada, os nossos compatriotas.
O “ 1” no Rio de Jàneiro deixa de ser o / l / tradicional e
idiomático, e chega a confundir-se com a semivogal / w / .

Fora do Rio; ha os que o trocam pelo / r / vibrante, e. ainda


ha os que o não proferem. j ...

___A ssim, em vez de animál /ã n í’mGíI/, ouve-se frequentemente.


dizer__animar / ã r i T m a r j(mas não /ã n í’m a r r / ),
/ãnFm a w /, e áã/ n í’m oc /. .
im
n
a
Não sei se •conviría insistir na prosódia lusitana, excepcional
entre nós. Dir-se-ia que os brasileiros são avessos a tal articulação.
Aliás é geralmente aceito quê. o fonema /1 / finâl é de transição,
o qual já existiu no castelhano, no francês e no provençal, haven­
do sido substituído ou omitido, da mesma maneira que entre nós.

O “ m ” final não é consoante. Ou é mero sinal de nasalização, ou


é semivogal, equivalente a / w / ou /ãm ãw/ , amem
/ãm ey/. . .. - \
Só as pessoas muito grosseiras deixam de articula-lo depois
a ou . e .

O “ r ” final profere-se também de vários modos.

No Rio é geralmente gargarizado, e insonoro. Correspon­


de a um castelhano muito áspero: amar / ã ’m ocRR/; é mais
áspero do que o “ Achlaut” dos alemães, e do que o “ r ” grasseyé
parisiense. Por posição, pode sonorizar-se: carne /k o crrn i/.

Ha regiões do país onde a mesma letra soa como o “ h” as­


pirado alemão: usar / u ’z o ch /.
338 P R IM E IR O congrésso :d a l ín g u a n a c io n a l c a n ta d a

Todas essas praticas, são vitandas na boa dicção, porque o


“ r ” mais perceptível ao ouvido é o vibrante como em /k c c r u /,
amar / ã ’m o cr/, carne /k o crn i/ .
Nalguns sítios, omite-se completamente o final, mesmo in­
terior: fase / f o c ’ze/, l/k
v
rn
ca aR
nav
t *
O caso mais sério é o do “ s ” ou “ z ” finais.
Todos sabemos que a pronúncia normal portuguesa desde o
século passado levou a cljiar essas consoantes, articulando-as / § / ,
ou em posição antes de sonora / 3 / : lista /li§ta /, mesmo /me3mu/.
Os cariocas fazem o mesmo, embora mais discretamente, quando
aquelas consoantes não sè acham em fim de frase, ou antes de
pausa. Falamos a s s i m às pessoas que escolheram eslas mesmas
flores / o c § pesowa§ ky i§ko^erãw^e §ta3 me3ma§ floris/.
Por motivo de melhqr audição, acho prefèrivel a articulação
assobiada, como se faz no resto d o . país, articulando / s / ou / z/,
assim: / o c s pesowas-- ky isko^erãw estaz mezmas floris/. .
Naturalmente e insuportável a inarticulação total do “ s” nos
plurais: os padre /ü § pocdri, us p ocd ri/.
Quanto ao “ x ” final;, é sabido que se confunde com o “ s”
final, quando o vocábulo hão é erudito, quando se ouve a articula­
ção /k s /, como em: hórax /bttfraks/.
Entretanto, convem assinalar que o “ x ” final depois de “ e”
tem em Portugal, e muito frequentemente no Brasil o som de /y § /,
o que é palatalização natural de / k s / : extinto / ey§títu /,
feira /sey§ta-feyra/. Creio ser bom manter essa prosódia, pro­
ferindo-se /y s /, como em: texto /te y st»/. E ’ claro que em posi­
ção, o fonema se sonoriza: stroey3mmi§tru,
in
exm/ eyzimnis
Mais dificil é querer conservar ao prefixo ex a pronúncia /e y § /
ou /e y s / diante de vogal, como fazem os lusitanos, mesmo quan­
do a composição do vocábulo não é sentida. Dizemos ex-aluno
/eyz-oclü n u /, mas exército e’zres i t „ /.

Consequência da boa pronúncia das consoantes finais é a li­


gação perfeita. E ’ preciso pois não esquecer qu e:

o "1” se liga com o som /]/, tornando-se / o c / o / « / prece-


dente: o animal é cruel,e fas
/u ã n ím o c l-£ kru’ el,- i fo c 3 ’m o c l- ocz- abe/a§, rrobãdu- /iz -
m, n £ 1/ ; v
P R O B L E M A S D A ,F O N O L O G IA C A R IO C A 339

O “ i‘ ” se liga como ,e:não / r r / : é


v
/ aprender
dar,a atirar, e a montar a cavalo / e mi§’ tg r - oc prê’der- oc-
jp o c ’d oc r-, oc' oc ti’roer- i oc mõ’tocr- oc k o c 'v o c l u /;:

o “ s ” , o “ z ” , ou o “ x ” , còm o som de / z / : alvas asas tor­


nadas- azuis as aves ostentavam /o c z - alvaz- ocza§ tòrnocdaz-
a’zuyz- ocz- ocviz- o§têtocvãw /.
E ’ preciso, advertir que as pausas, quando não muito-longas,
não impedem as ligações, ao contrario do que sucede com o
francês. A rigor, as pausas se fazem antes da consoante de li­
gação, assim: o Lòpes, afirmou é um traidor fu Icopi,
z- ocfirhno mi’g £ , 1- eü tr ocV d or/. . -

Como é sabido, o “ m ” final não admite ligação alguma, visto


que não é consoante. Entretanto,’ no Rio ha uma articulação pon-
tificial entre ele e as vogais que. se seguem; assim falamos todos
em geral: quem é?./ k ê y ’n-g ?/,. ninguém o viu lá /n í ’gêy
y * yí / . *
n-u viw 1o c /.

Sou de parecer -que essa extravagancia deve ser combatida.

A R T IC U L A Ç Õ E S V IC IO S A S

Devem-se combater dois vícios que muito frequentemente atin­


gem as'articulações consonantãis cariocas: a Palatalização do “ t ” ,
do “ d ” , do “ n ”e do “ 1” , e a Gargarização do inicial e do
rr .
De fato, muita gente tem o habito de palatalizar aquelas con­
soantes todas as vezes qué elas- ocorrem antes" de / i/. E ’ eviden­
te que, em tais circunstancias, o “ n ” soa “ n” \ quasi como “ nh”
/ n / , e o “ l ” como. ‘T ” , quasi “ lh” /Â /. O “ t” , passando a / t ’/ ,
aproxima-se. muito do “ ch ” castelhano ou inglês, e o “ d ” , tor­
nado / d ’/ , é muito proximo do “ j ” inglês.

Dizemos ti tio assim / t ’it’iyu/, e boa noite /bovva noyti,


bowa noyt’/ . Assim pronunciamos a expressão de dia / d ’i d ’iya/.
A. palavra anil é por muitos pronunciada / ã ’n’il/, exatamente co­
mo fazem com companhia /k õp ã n ’iya/, que por isso muitos es­
crevem compania.Pálido será para esses /'p o cT id u /, e Rua
Chile, como observou outro dia o sábio prof. Georges Millardet,
/rruw a §il’i/.
340 P R IM E IR O ‘ C O N G R E SSO D A L ÍN G U A N A C IO N A L CANTADÁ'
i í __

Esse desagradavel metaplasmoj é 'oiivido, na boca de certas


pessoas, mesmo quando o ksom / y / precede essas quatro consoan­
tes. Esses dizem oito/o y t ’u/ , muita /m üyt’a/, peito /peytu
•Quanto ao “ r ” iniciai gargarizado e sonoro, e ao “ rr” tam­
bém gargarizado e sonoroj não me parece que haja o que objetar,
desde que a úvula vibre jfrancamente. E ’ uma vibração de todo
em todo comparável com a que se faz também no ápice da lingua.
Só o ouvido .educado distjngué as duas vibrações.

O que se me afigura condenável é a tendência para pronun­


cia-lo “ grasseyé” , á parisiense, ou aspiradamente. Nestes casos,
ele perde-se na audição á distancia.
A vibrante gargarizada é inconveniente quando se trata do
“ r ” final, que é quasi sempre insonoro.

Assim, a melhor pronuncia é /r r ê ’ m oer/, e não /r r ê ’m ocrr/,


para a, e para agarrar-se / o e g o c ’rrocr-S i/,
rein e não
/ o c g o c ’r r o c r r -S i/ .
•*' • v. | >: . . .

Resta-nos considerar ainda o caso das semivogais, ou. vogais


brevíssimas, / y / e / w / que o s ‘ cariocas usam epentéticamente para
quebrar os iatos, quando a prepositiva é tônica.
/ y / ouve-se depois de “ e ” ou “ i ” , e / w / depois de “ o ” ou
“ u”.
Temos portanto: idêa /id eya/, frio /friy u /. E
taplasmo natural. Antigamente se dizia correo /korreu/, e hoje
se ouve distintamente correio /korreyu /. Acho porisso recomen­
dável escrever ideia, com “ i” .
Temos ainda: lagoa /lo c g o w a /, atue /octu w i/. E ’ o mes­
mo fato fonético.
Sem pretender corrigir os que dizem (aliás conforme a tra­
dição portuguesa) /fr iu /, /idfc*a/, /lo c g o a /, /e x tu i/, não acho
censurável a maneira carioca, já hoje bastante difundida até o
Nordeste do país. *

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