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© Direitos dessa edi cedidos ao grupo de pesquisa Agora: modos de ser em danga, vneulado a0 Programa de Pés-Graduagio em Danga da Universidade Federal da Bahia (UFBA). EDITORAGAO Jodo Paulo Hergese! CAPA Claudine! Sevegnani PROJETO E PRODUGAO Gilsamara Moura Douglas de Camargo Emilio Grupo de Pesquisa Agora: modos de ser em danga PPGDanga/ UFBA Prof? Dr Gilsamara Moura Prof Dr! Marcia Mignae “Agora: modos de ser em danga / Gilsamara Moura; Douglas de ‘Camargo Emilio (org.). Aluminio: Jogo de Palavras, 2019, v. 2. 377 p. | 14x21 om. ISBN: 978-65-80097-39-5 1, Danga. 2. Corpo. 3. Artes Cénicas. 4. Grupo de Pesquisa. 1. Titulo. CDD: 790 | CDU: 793-3, Lt edigao, Impresso no Brasil Editora Jogo de Palavras ‘Aluminio, SP * 2019 ‘www jogodepalavras.com QUANDO “LUGAR DE FALA” SE TORNA “FALA DO LUGAR” Helena Katz Resumo: A frequéncia com que episédios envolvendo a ‘expresso “lugar de fala” adentrou no cotidiano, no Brasil, foi 4 ignigdo para a reflexdo que se segue. Djamila Ribeiro (2019), Marielle Macé (2019), Vilma Piedade (2017) Dubravka Ugrescic (2011) so algumas, dentre as pensadoras © pensadores que colaboraram com que aqui esti sendo proposto. Faltam muitos outres, mas a proposta nao inelui um ecenseamento sobre a bibliografia do assunto. O objetivo & iniciar uma conversa que demonstre a necessidade de centralizar no corpo as questdes que esto transformando 0 “lugar de fala” em “fala do lugar” Iniciar & 0 verbo que melhor conta do porqué deste texto. E 0 conceito de corpo como corpomidia (Katz e Greiner), porque favorece a construgaio dos argumentos necessirios para evitar a polarizagao que se alastra pela sociedade, fundamenia o texto. Palavras-chave: “lugar de fala”, “fala do lugar”, corpomidi A expressio “lugar de fala” transformou-se em uma espécie de senha de autorizagao, cercada de muita polémica. Tendo participado de muitas delas, nos anos recentes, uma pergunta insistiu: como produzir escuta e didlogo quando o “nés’ contra ‘eles’, de modo geral, se torna o ambiente dessas conversas? E como uma pergunta insistente, para quem pesquisa, tende a gerar uma hipétese, esta resultou em uma, que conduz este artigo. A hipétese (ou 0 desejo”) & a (0) seguinte: entender a diferenga entre “lugar de fala” e “fala do lugar” pode destravar, nessas polémicas, algumas das impossibilidades que foram se estabelecendo como intransponiveis. 145 Para dar conta desta tarefa, sera necessério reunir Conjuntos distintos de referéncias bibliogréficas. Um del lida, sobretudo, com os escritos sobre as condigdes soci que impediram e continuam a retirar o direito a cidadania de Certos grupos; € 0 outro, mesmo parecendo, a primeira vista, no se ligar ao primeiro, se refere ao que o viver on line vem. roduzindo em cada um de nés. Porque se somos corpo, os, Novos habitos cognitivos que vém nos transformando nas essoas intolerantes, impacientes e mimadas que hoje somos. ndo se manifestam somente quando estamos na frente de tela. Tudo 0 que repetimos por muito tempo tende a nos modificar, porque 0 corpo nao tem aptidio para recusar @ informagiio com a qual entra em contato. Pode negé-la, mas, nao pode negar haver entrado em contato com ela e ter decidido negé-la. Qu seja, mesmo quando’ Fecusamos/descartamos uma informagao, como entramos em contato, ela passa a fazer parte da colegio que somos. Se © contato com uma informagao promove. mudangas, € entramos em contato com informagdes a cada instante da vida, as transformagdes serdio constantes; as colegdes de informagio que somos se desorganizam ¢ se reorganizam permanentemente, em um fluxo inestancavel. E, como continuamos a trocar com os ambientes, e estamos nos transformando sempre, a troca seri de outra maneira, € © ambiente também vai mudando. A esse modo de existir, a Teoria Corpomidia (Katz e Greiner) denomina de ¢o- evolutivo, para identificar uma caracteristica importante da. evolugio: ela ocorre no comprometimento miituo de transformago constante de corpos e ambientes, Se 0 corpo encontra muito com certas informagdes — como sucede quando fica muitas horas na frente das telas, todos os dias ~ tender a desenvolver outros habitos, e estes novos habitos se manifestarao também quando nao estiver on line. No entanto, na vida off line nao conseguimos deletar Pessoas, nem tampouco acelerar 0 ritmo delas, quando achamos que esté lento demais, e nem fazer somente 0 que Queremos, com quem queremos, do jeito que queremos. 146 Como 0 mundo € as pessoas nilo obedecem 20s nosso comandos, nos tomamos impacientes, intlerantese, cada vez inais desabiltados para tudo 0 que pede. tenet coneentragdio e meméria. A contaminagao entre 0 viv o irreversivel. 3 Fine an breve introdusHo desenha nosso objeto: um ‘corpo em processo permanente de modificagdo pelos novos hibitos de comunicagdo que pratca on line. € este corpo, agora com outros hébitos cognitivos, que diseute © que ¢ “lugar de_fala. Por isso, precisamos de ois, cons distntos de bibliogafia para léto na sua complexidade. Todavia, antes de seguir, e alerta para a contundéncia dos ataques que tém oeorrido, cabe pontuar que sei, sim. de aguele que Sempre foi autorizado a falar, precisa escutar 0§ ue foram silenciados, Sei também ee caus cee ov € assassinado no Brasil, que a cada 36 horas. iuiher viima de feminicidio no Estado de Sto ule Estado Dados)’, e que 0 Brasil caiu 13 posigdes a i ne de pases seguros para « populagdo LGBT, pasando do 55° lugar, em 2018, para o 68%, em 21g, segundo 0. si facus, com 1 morte a cada 23 horas por homofobia, Santa's Grupo Gay da Bahia (GGB)"*. ey ae jencentes a. gruy “por mais que pessoas pert pees eee nscientes e combatam arduament no deixardo de ser beneficiadas, esiruturalment fens pelas opressdes que infligem a outros grupos” (Ribeiro, 2019, ode iro" e Pmbém ouvi o que Sueli Cami”, uma das pee Geledés ~ Instituto da Mulher Negra, disse, na |nformagao publicada no cademo Metrépole, no jomal © Estado Peake tar 'S Informagao disponivel em vows com, publcade SITE nnn an cut Ute he Pa 147 que recebeu, na FestiPoa Literdria 2019, na mesa de escritoras da qual participou com Djamila Ribeiro, mediada por Femanda Bastos”, no Salo de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul ~ URGS. Sueli citou Bell Hooks”! dizendo que “mais do que qualquer grupo de mulheres, as negras tém sido consideradas sé corpos sem mente” E na sua fala, também destacou o papel que a sua geragao teve, no Brasil, porque “rompeu com 0 pacto e a etiqueta social que, até entdo, governavam as relagdes raciais no Brasil”, ao demonstrar que a democracia racial “era uma falicia e uma: A valorizagao da diversidade humana toma-se um pré-requisito para a reconciliagdo de todos 0s _seres humanos. Se podemos educar as pessoas para discriminar e oprimi, seré possivel fazé-las aprender a respeitar, acolher ¢ se enriquecer com a8 diferengas raciais étnicas e culturais, Este € 0 abcesso do novo pacto racial € de género que desciamos. Um pais que foi capaz de criar a mais bela fabula de relagdes raciais, que € 0 nosso mito da democracia racial, talvez seja também capaz de um dia tomé-lo realidade (CARNEIRO, www.geledes.org.br) Negro do Brasil, autora de artigos sobre género, raga € direitos ‘humanos em publicagdes nacionais e interacionais, defendeu a constitucionalidade das cotas raciais em audigneia piblica no Supremo Tribunal Federal (STF), em 2010. foremands Bastos,edtora-geral da Ed, Figuas de Linguagem, € formada em Letras pela UFRGS, jot seri (ora a Jomalista e escritora, autora de *' Formou-se em literatura inglesa na Universidade de Stanford, fez mestrado na Universidade de Wisconsin e doutorado na Universidade da California. Eautora de mais de trinta livros sobre raga, género, classe e relagdes sociais opressivas. 148 Isto posto, € na condigto de conversa com os que compdem este texto, e esperando que ele ndo seja recebido com um ‘mais um branco fazendo branquice’, que a reflexaio sobre 0 “lugar de fala” e a “fala do lugar” serd aqui desenhada, Vamos comegar situando o papel do corpo que fala. E, para isso, vamos caminhar com a adverténcia de Patricia Hill Collins (1997, citada por Djamila Ribeiro, 2019) sobre a importinzia de pensar as desigualdades no sentido do grupo e no do individuo. Porque isso pode, talvez, ajudar a fazer a distingdo entre o “lugar de fala” © o “lugar da minha fala”. final, sio muitos os que explicam que os grupos ndo surgem das decis®es coletivas dos individuos que os compéem, mas das relagSes hierarquicas de poder engendradas nas entranhas da sociedade. Seria preciso entender as categorias de raga, género, classe e sexualidade como elementos da estrutura social que femergem como _dispositivos fundamentais que favorecem as ‘desigualdades e criam grupos em vez de pensar essascalegorias como descritivas da identidade aplicada aos individuos (RIBEIRO, 2019, p61). ‘0 “lugar da minha fala” no ¢ 0 mesmo que “lugar de fala”, e ele ndo pode ser silenciado. Pode ajudar no entendirrento dos motivos pelos quais se deve tentar escapar da “identidade aplicada aos individuos”, como diz Djamila Ribeiro na citago acima. O “lugar da minha fala”, quando é a fala do nfo privilegiado, & o lugar da dor, e cada dor conta, Ea dor “que s6 pode ser sentida a depender da cor da pele” (Piedade, 2017, p.17) que levou Vilma Piedade” a ‘Ao final de seu livro, Vilma Piedade se apresenta, em um texto que tem com o titulo “Sobre a Autora em Primeira Pessoa’ 149

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