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Identidade, alteridade e meméria em As visitas do Dr. Valdez, de Borges Coelho Bemardo A. Margola® Resumo Este trabalho pretende realizar uma leitura da obra As visitas do Dr, Valdez, de Borges Coelho, tomandoa trajetéria de suas per- sonagens prineipais como uma busca de constituisio de novas identidades, Procura-se entio problematizar esse processo, con cebendo-o numa perspectiva s6cio-hist6rica de relacio com a alteridade e 2 meméria, eulminando com uma teflexio acerca dda constituigio das identidades africanas. Palavras-chave: Joo Paulo Borges Coelho; Constituigio de iden- tidades; Alteridade; Meméri escrever um trabalho que pudesse trazer a tona varios elementos que esto nao apenas presentes na narrativa de As visitas do Dr. ‘Valdez (COELHO, 2004), sinais da producio pessoal desse autor, mas também em estreita sintonia com certos elementos essenciais que tém caracterizado aquilo que, sob 0 risco de grande (e enganosa) generali- zacio, temos chamado de literaturas africanas de lingua portuguesa. C omo Ieitor “neéfito” da obra de Borges Coelho, eu gostaria de “Trabalho final apresentado a disciplina “Literaturas africanas de lingua port sa” (Topico: "Projetos literitios na Africa de lingua portuguesa”), ministeada pela Profa. Dra, Maria Nazareth Soares Fonseca, durante o 1° semestte de 2005, no Programa de Pos-praduagio em Letras da DUC Minas: “ Tsic6logo; mestre em Psicologia Social (UFMG); doutor Porttignesa (PUC Minas); professor da PUC Minas. mv Literaturas de Lingua Gad Gospcde Peag, Bel Vaan Te TB 207 1 Bomar A aga Um primeiro contato com a obra ja faz com que fique ressaltada, como uma possibilidade de leitura, a forma como a natureza ~ na sua diversidade de elementos e dimensées sensoriais - ¢ tomada como um. elemento de caracteriza¢ao nao do espaco mas das préprias persona- gens. A relagao que se estabelece com o mar, com a terra ¢ com o pré- prio ar ilustra a constituigao de uma subjetividade tipicamente aftica- na, capaz de perceber e valorizar certos elementos da experiéncia que, na maior parte das vezes, sio ignorados, desvalorizados ou tomados ‘como “coisa” por outros povos. Esses elementos indicam ser essa uma lieratura extremamente “ecoldgica”, de meu ponto de vista. Dentre os diversos aspectos que dat poderiam ser depreendidos ou mesmo re- lacionados, ressalto também 0 destaque que a dimensio da miisica ¢ do som ocupa na obra. Sem desprezar tais aspectos — por si dignos de andlise ~ pretendo focalizar minha leitura em uma outra dimenséo, que, para mim, figu- ra como eixo central a partir do qual a narrativa pode ser lida: a rela- ‘cao entre identidade e meméria, compreendendo essa identidade como um movimento que se constitui na relagio com a alteridade. Dessa forma, tenciono desenvolver uma leitura que coloque em evidéncia como a dinamica de identidade das personagens principais se consti- tui na relagdo e na oposicao de umas com as outras, guardando também uma relagio especial com o tempo a tradica0, por meio da mem: Procedo dessa forma para evitar o risco de me tornar genérico ou mes- mo superficial, ainda que essa opga0 nao pretenda, em nenhum mo- mento, esgotar as outras possibilidades de leitura do texto. Como apoio tedrico que forneca subsidios para o desenvolvimento de tal leitura, procuro tomar as contribuig6es de autores que abordam © conceito de identidade na sua complexidade e diversidade, proble- matizando inclusivea nogio de “identidades africanas”., Pretendo, da, utilizar © conceito de “meméria coletiva” como parte da compre- ensio a ser construida no que se refere aos processos identitérios. ine Ta a Pg, Rae 9 Tepe OT esto, asdtee mandi en A vst Oe ade. d Bogs a nin trie mia os vistas do Valen de Bs Cos A IDENTIDADE COMO CONSTRUCAO SOCIO-HISTORICA Antes que seja efetivamente analisada em As visitas do Dr. Valdez (COELHO, 2004), creio ser importante discutir brevemente como a questo da identidade se revela um conccito delicado, passivel de ser compreendido sob miltiplas perspectivas. Quando se pretende falar de uma “identidade africana”, a tarefa torna-se entdo ainda mais pro- blematica, Em um artigo que visa a fazer uma ampla revisio de como o tema “identidade” tem sido tratado nos iltimos anos! pelas ciéncias Sociais, Cerulo (1997) aponta trés tendéncias bisicas: a primeira diria de esta. dos voltados as questdes coletivas ligadas a género/sexualidade, raca/ etnia classes, os quais buscariam compreender as implicagées coleti- vas ¢ politicas que resultariam de definigdes dessas categorias; uma se- gunda tendéncia estaria relacionada a estudos voltados para processos de identificagao pessoal, também ligados ao coletivo; ¢ a terccira ten- «léncia vineular-se-ia a estudos voltados para as novas tecnologias de ‘comunicagao e para as novas formas de contato por estas ocasionadas. Actedito que a forma como tal conceito sera abordado neste traba. tho talvez se aproxime mais da primeira tendéncia apontada por Ge- rulo (1997), jé que tomo como ponto de pattida as contribuigées de Jacques (1998). A autora, ao discutir o conceito de identidade sob o Prisma da Psicologia Social, deixa clara a diversidade de concepgées que envolvem sua definigdo, assim como as dicotomias ¢ 0s Processos implicados na sua constituicao. Entretanto, em todas as suas varia Ses, esse conceito diria basicamente de uma identidade que “[..] se referea um conjunto de representagdes que responde a pergunta “quem és" (p. 161). Jacques considera também que essa representagao de si €m resposta a pergunta “quem és” seja uma articulagao entre a iden dade pressuposta, a agdo do individuo e as relagbes nas quais este esté " Cerulo (1987) faz uma anilise dos trabalhos publicados a partir de 1980, ot ess te ee Bae TE TTB sag) 18 ear. ala envolvido concretamente, Dessa forma, as identidades podem ser com- preendidas como “formas hist6rico-sociais de individualidade” (p. 165). Desviando agora nosso olhar para a obra As visitas do Dr. Valdez (COELHO, 2004), gostaria de chamar a aten¢fo para as suas trés per sonagens principais: Sa Caetana, $4 Amélia ¢ Vicente. As duas primei- ras, velhas senhoras ¢ patroas que trazem em si a ambigtiidade de iden- tidades nada simples, so filhas da mulata Ana Bessa com estrangeiros distintos ¢ j4 entre si guardam uma relagio de semelhanea ¢ diferenga: si apenas meias-irmas. Guardam também no corpo ¢ na pele os si- nais dessas ambigtiidades, que parecem se dissolver apenas na relagao que estabelecem com os criados. Assim, $4 Caetana transforma-se, por exemplo, na Grande Senhora, No que se refere aos criados, ve~ mos a transmissio hereditaria de um lugar também ambiguo, que sig~ nifica subservigncia, mas que também confere algum sentido a vida tal como foi aprendida. Ai nos deparamos com Cosme Paulino, que viveu e morreu sendo fiel a tal lugar, ¢ também com seu filho Vicente, her- deiro dessa “tradigao” mas que, mesmo em sua fidelidade canina, come- ca a questionar alguns lugares muito estabelecidos ¢, subvertendo a ordem, da lugar a novos arranjos identitatios. Chamo a atengao para a forma como cada lugar ~ cada identidade ~ na verdade se constitui e sustenta-se apenas pela manutengio das fun- ges as quais esté atrelado. $6 se € patrdo, senhor(a), quando se tem criados, Em contrapartida, s6 se € um criado na relagio que se estabe~ lece com aquele que manda. © grande paradoxo em que todos os per- sonagens se vem € que tais lugares, tao velhos ¢ tao estabelecidos, ¢ que datam de geracdes, ja estio desgastados ¢ corrofdos. Ao mesmo tempo, esses personagens ainda nao dispdem de novos lugares ¢ posi ges que Ihes possibilitem o exercicio de novas identidades. De meu ponto de vista, o fio da obra desenvolve-se justamente nessa tensio ¢ transigao entre os corrofdos lugares ¢ 0 desafio do deslocamento rumo a novas ¢ antes improvaveis posigdes. O que creio ser fundamental, entretanto, é a interdependéncia entre esses lugares, isto é, como a mudanga de um implica a mudanca do outro e desta depende. Tar Ta Gos do Pog, Bo Hote 16 p15, st 7007 ei, aerate e mara em As sas do De Vale. de Bogs Cacho IDENTIDADE E ALTERIDADE: ENTRE O EU E © OUTRO Avangando um pouco mais nas nossas possibilidades de elabora- ‘cao, podemos tomar Morin (1996) como um autor que também abor- da o conceito de identidade, Sua concepcio parece sintonizada com a perspectiva de uma construcéo sécio-histérica, a partir da qual temos desenvolvido nossos argumentos. Entretanto, a0 elencar os principios sobre os quais compreende que a identidade seja construida, 0 critico enfatiza uma dimensio que acredito ser fundamental: a dimenséo da alteridade ea forma como lidamos com ela. Nessa perspectiva, refere-se.a trés grandes aspectos. © primeiro se- ria a compreensao da identidade como um sistema baseado na diferen- ga entre o sie 0 “nao-si”, com valor de salvaguarda do si e com recha- 0 do “nao-si”. O segundo seria o de que o eu realiza uma certa unida- de, mas operando a partir de dois principios associados, 0 de exclusio € 0 de inclusio: “[O] principio de exclusio € inseparavel de um prin- cipio de incluso que faz com que possamos integrar em nossa subjeti vidade outros diferentes de nés, outros sujeitos. Podemos integrar nossa subjetividade pessoal numa subjetividade mais coletiva: ‘nés™ (MORIN, 1996, p. 51). Por tiltimo, 0 autor refere-se ao prinefpio de intercomu- nicagio com o semelhante, que deriva do principio de inclusao. Considero essa definicdo importante porque, a partir dela, com- preendemos que os processos de constituigao de identidade dizem respeito a um processo basico de autoconhecimento, o que ndo é nada facil ~ seja para uma pessoa ou para um povo. Indo mais além, vemos que esse é um proceso construido coletivamente, a partir de elemen- tos histdricos e relacionais, numa dindmica de inclusdes ¢ exclusdes. A identidade, apesar de ser uma “representagio de si”, pressupGe neces- sariamente uma relagio com o outro ~ seja essa uma relagio f desafiadora. No que se refere & obra sob andlise, creio ser interessante tomar agora a apari¢ao do Dr. Valdez, criacio de $4 Caetana e Vicente para animar $4 Amélia. Surgindo inicialmente de forma bastante caricatu- Tai Caspde Pag, Ba Paare ep SL SLOTS Baad ga ral, inspirado na figura de um velho médico, branco, que habitava 0 passado da familia, esse novo Dr. Valdez acaba por se tornar ele pr- prio uma outra personagem a operar mudaneas profundas néo apenas em $4 Amélia mas principalmente em seus criadores. Chamo a atengao para 0 jogo que é estabelecido nesse movimento de representagio. Trata-se, basicamente, do aprendizado, até entio inédito, da experiéncia de ocupar outros lugares: o criado negro ocu- pando o lugar do médico branco e sendo acolhido como visita na casa das senhoras; a velha senhora passando pela experiéncia de servir cha ou cerveja ao criado, de té-lo a0 seu lado no sofé. Tal jogo remete-me 2 imagem de uma técnica utilizada em psicoterapia de grupo © que tem sua origem no teatro: o psicodrama. Neste, cada pessoa passa a representar 0 papel de outrem, de modo a poder entrar em contato com outros pontos de vista ¢, assim, ter a chance de modificar 0 seu proprio. No que se refere a dinamica aludida por Morin (1996) ~ de inclu- sio € exclusto ~ pode-se ver como a criacio do Dr. Valdez potencia- liza esses processos em Vicente. Ele escolhe os elementos “brancos” a incluir ou excluir na personagem que interpreta, ao mesmo tempo em que preserva ou esconde os seus préprios elementos originais. No de- senvolvimento de sua représentagao, ocorre uma espécie de amélga- ma, no qual, pouco a pouco, o simulacro branco que antes representa va Dr. Valdez vai se desfazendo, até que a prépria nogao de que tudo no passa de uma representagao é incorporada aquele sistema de rela- Ges ~ a mascara Mapiko representa bem esse momento. A auséncia de simulacro dé-se quando fica visivel que tudo no passa mesmo de representagio. Ea identidade nao , ela propria, um conjunto de repre- sentagdes? Seria uma mascara — ou mesmo um conjunto de méscaras? Tanto Vicente quanto S4 Caetana sio profundamente transforma- dos por essa nova possibilidade de relativizar os lugares ¢ as relagées que estabelecem uns com os outros. Diante desse afrouxamento de lu- gares antes tio rfgidos, podem vir 8 tona novas possibilidades nao apenas pessoais mas também de contato com afetos que os ligam mu- 16 ad Cape de Fes, Bo toe 16,918 0 ent i mA ita De Vale. é Bos en tuamente. Ao lado dos processos pessoais assinalados por essa mu- danga, pode-se também fazer uma alusio aos processos mais amplos, que envolvem 0 povo africano e suas relagbes com os colonizadores. Nesse sentido, h4 uma tensio especial entre passado e presente. IDENTIDADE E MEMORIA: ENTRE O PASSADO E O PRESENTE, Se nos referimos aos processos de constituigio de identidade como formas sécio-histéricas de individualidade (representagao do eu), € também importante pensarmos como essa construgao se da, conside- rando a articulagio entre passado ¢ presente. Numa referéncia ao con- texto afticano, a pergunta talvez seja como se da o processo de consti- tuicdo de identidade nessa tensio entre a tradicio ~ seja a tradigio cul- tural dos povos, seja a tradigio imposta pelas relaces com os coloniza- dores—¢ a pos-modernidade, nas identidades miltiplas que esta enseja. Reporto-me entio aum argumento utilizado por Stuart Hall (1998) quando aborda a importincia das questoes ligadas & identidade ¢ a modernidade: (... as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo so- cial, esto em declinio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando @ individuo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada “crise de identidade” é vista como parte de um processo amplo de mudanca, que esta destocando as estruturas¢ os processos centtais das sociedades modernas abalando os quadros de referencia que di individuos uma ancoragem estvel no mundo social. (p. 7) Diante desses movimentos de tenso, que unem passado e presen- te, individual ¢ coletivo, recorro a um outro conceito como forma de avangar em nossa possibilidade de leitura: o de meméria coletiva, de Maurice Halbwachs (1990). Temos contato, entio, com uma concep- cao de meméria coletiva relacionada a experiéncia pessoal. Para Halbwachs, o trabalho de meméria é sempre uma construgio do grupo mas também do sujeito, de forma que o individuo retoma 03 ‘ad Cepeda Peg, Bab Pola 18 p AV TST, eh O a ear A gle modos de pensamento e experincia préprios da comunidade & qual pertence. Ao mesmo tempo em que a lembranga esta inserida em um processo social especifico, ela também é sustentada pelo apego afetivo a uma comunidade ~ que é, antes de tudo, uma comunidade afetiva, Ocorre assim a identificagio do sujeito com a mentalidade do grupo no passado, podendo-se inclusive prescindir de sua presenca concre- ta, O sujeito pode entao retomar as capacidades de pensar e lembrar, tal como fazem os membros daquele grupo. A memsria individual po- de ser entendida, a partir dessa perspectiva, como um ponto de cor vergéncia e como uma forma particular de articulagio de diferentes influéncias sociais. © nosso novo Dr. Valdez traz 8 tona as marcas profundas que pon- tuam a relacéo dos individuos entre si, mas que tém sua origem em re- lag6es muito mais antigas do que esses préprios individuos podem imaginar. O desafio de superar tais marcas, de produzir novas possibi- lidades relacionais, vem de encontro, portanto, nao apenas as dificul- dades concretas ¢ atuais mas ao tabu de fazer uma ‘oria diferente daquela de nossos pais € antepassados. Essa heranca, que é afetiva e traz em si gostos doces ¢ amargos (se bem que essas categorias, por ve- zes, se confundem — como bem atestaria Cosme Paulino), implica a posicao de um snjeito que tem sempre um pé na sua histéria passada ¢ outro gue se levanta em direcio ao futuro, O caminhar faz-se justa- mente pela alternancia entre esses dois pontos de apoio. A fixacao apenas em um deles significa a total imobilidade, imagem que é retra- tada na prépria obra. Os deslocamentos inicial ¢ final das persona- gens, a condicdo de S4 Amélia (que inspira a vinda de Dr. Valdez) re- metem ao desafio, a dificuldade ¢ & necessidade de que os tempos se alcernem. Esse é, inclusive, o ritmo da prépria narrativa, que vai alter- nando cenas passadas e presentes. E é essa alternancia que produz a histéria e conduz ao futuro. ae Ba ap de Pg ae 0 6.9 WATT, 2007 Iced, tds» mandi As ists do Dr Vale, d Bares eho A TITULO DE (IN)CONCLUSAO: CONSTRUGAO E DESCONSTRUGAO DE IDENTIDADES AFRICANAS Tomando as discussdes efetuadas sobre a identidade ~ nas relagoes gue estabelece com uma dimensio sécio-hist6rico-culeural, nas rela- goes de incluso e exclusio que se dio a partir do contato com 0 ou- 110, nas relagdes entre as marcas da tradicao e os desafios pés-moder- nos resta-nos perguntar especificamente acerca das identidades afri- canas. Vimos que a identidade, a partir dessas representac6es sobre as quais se funda ~ e que podem variar de acordo com 0 grau em que se inspiram em contetidos imagindrios -, torna-se um terreno sobre 0 qual os sujeitos podem se erguer ou no qual podem se afundar. Renan (1994) e Appiah (1997), sob perspectivas bem distintas, buscam pro- blematizar aspects ligados & constituicio de uma identidade africana € A forma como esse terreno pode se tornar menos pantanoso. Renan (1994) compreende a naco como uma alma ou um princi- pio espiritual formado de elementos passados ¢ presentes. Esse passa- do estaria relacionado a uma experiéneia comum de esforcos e sacri cios, ¢ aquilo a que se refere como presente estaria, por sua vez, rela- cionado ao desejo de permanecer juntos, de fazer viver no tempo a heranca comum. © autor enfatiza um aspecto emocional envolvido nessa concepedo de nacdo e busca diferencid-la das nogoes de raga e nacionalidade. ‘J4 Appiah (1997) parece trazer uma perspectiva ainda mais critica, buscando desconstruir aquelas que considera como bases imagindrias das identidades africanas — justamente as nogdes de raca, de experién- cia hist6rica comum e de presenca de uma metafisica compartilhada. Para © autor, essas bases falaciosas seriam perigosas ¢ pressuporiam falsidades sérias demais para serem ignoradas. Acreditando em uma identidade africana em formacio, Appiah delega uma grande respon- sabilidade aos intelectuais, pela forca que concede a uma perspectiva mais analitica ¢ racional. A diregao de seus argumentos também vai de encontro A construcio de uma identidade que confira poder, através ‘oi Cas do Pay, Dab Raton, 8 16 INTIS, eka Bead A gala da conscientizagio dos lugares que a Africa vem ocupando e das suas possibilidades de desenvolvimento no contexto global. ‘As questdes abordadas por esses dois autores parecem aglutinar os temas que foram trazidos por este trabalho, no seu desenvolvimento. ‘Ao mesmo tempo, vistas em conjunto, essas questoes também tradu- zem um pouco das vivéncias das personagens da obra de Borges Coe- Iho nessa construgdo/desconstrugio de identidades, marcadas por suas relagdes umas com as outras, com seus préprios corpos, com seus lu- sgares sociais, com a tradigao ¢ com os desafios das mudangas atuais. O ue esta sendo retratado em As visitas do Dr. Valdez. (COELHO, 2004) talvez seja essa vivéncia sofrida ¢ necesséria da mudanga de lugares, que no esto prontos mas so construidos nas relagdes com o outro, que nunca serao estaveis ¢ que, mesmo orientados para um futuro, trazem as marcas inegaveis de um passado contundente. A busca ¢ 0 sofrimento de cada personagem, na sua diversidade, sio a busca por essa “identidade africana”, tal como pode ser articulada hoje, Agstract his paper aims at reading Joao Paulo Borges Coelho’s works taking his main characters’ routes as a search for the constitu- tion of new identities. It problematizes that process, designing it ina social and historical perspective ofa relationship with alter- ity and memory, culminating in a reflection on the constitution of African identities. Key words: Joao Paulo Borges Coelho; Constitution of identi- ties; Alterity; Memory, TSO a Cap a ag, Rear nTesp TA a OT deat, asad mei en swiss do Vln Ge Boe Costa Referéncias APPIAH, Kwame Anthony. Identidades africans. 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