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Caputo INLINE CUTS D TN HUTCH ITTN TACO MONTE TR RY RONAN ATTEN ATOR Quando um professor ensinamatematica, fistea, ge CMH NUT He Recon Tonn TEN NU EUSTON TC tye Shrieese dees pros einen Co Caen TeLUUC aN TUCO SLs de Tato, saberes “destituidos%: 0 que ensinamos: Thoje nas escolas aos alunos éclescle logo destiturtlo pelarealidade de uma velovidadecadavezmaion, ETUC 1 textopprocurarelletinsobre ypapel da educacao e dos Oe Feieere eX Uosrotet eTNCONE NO ak AY Mea CUTAMELO LTC ‘Olexto relere a importincia de men -daygem editcativa bascadanos direitos humanos USCC GT i paraaagendadasustentabilidades ajpaz,as alteracoes climaticas xe PTI tonextere keen RIE Otexto dialogacom'o tema TEM WC Ayo DLAC tac TURRETS ol iretossu Too LULLLLCahs PU ireekeCsen tt eee FAO acte eta SOAKING Min) oe uTer A edlucaco e 05 nossos futuros comuns Agena 2030, Em 2015, os paises do mundo estabeleceram um acordo em torno d composta por 17 Objetivos do Descnvolyimento Sustentivel. Foi um passo de grande significado, um marco no mulitueraismo, Desde entdo, 2 maiora dos documentos ¢ Agenda, Naturalmente, nesse as iniciativas das Nagdes Unidas tem com horizonte ess dade € aoa como Tema ano, o Dia Mundial do Professor chama a atengao para esta r¢ Re forgaroxprofessores, construirsoriedadessustentires 0.4." Objetivo do Desenvolvimento Sustentivel tornou-se, desde entio, uma referencia cativas nacionais ¢ internacionais: “Garantir 0 acesso a educagio in- paraas politicas ed asiva, de qualidade e equitativa, ¢ promover oportunidades de aprendizagem ao longo mbm, da vida para todos”. A qualificagio e a formagio dos professores passarama se uma prioridade da ago multilateral. Neste texto, quero sublinhara forma como a Agenda 2030 coloca a susrencabilidade no centro das preocupagices internacionais e, ao faé-lo, convida a educagdo a assumir uma perspectiva mais ampla ea reonganizar-se para “construir sciedades sustentaveis”. Ape- sar de sabermos que as metas desta Agenda nio sero atingidas até 2030, nem por isso csse documento deixou de contribuir, signifcativamente, para uma compreensio mais ampla dos temas educativos e da ag yds professes Celebrar a consciéncia ¢ libertar o futuro Ha cerea de cinquenta anos, Ivan Illich publicou uma obra com um titulo em inglés - Ce- lebration of awareness ~ ¢ outro em francés ~ Libérer Faventr. Foi o titulo frances que prevaleceu na edigio portuguest ~ Libertar 0 fauro ~, expressio de que me aproprici paraapresentareste livro, Pensaro futuro, ¢ pensar zo futuro, implica este duplo movimento: conseigneia e iber- Lucio, Conscincia em face dos desafios presents e faturos,o que obriga a enfrentar os dlilemas presentes sem por em jogo as possibilidades futuras, Libertacio que quer dizer, lade de participar ¢ de tomar decisoes sobre as nossas vidas. Iném, deliberagio, capac A educagio serve para nos ajudara proteger ea libertaro futuro, Nada fazer que ponhi ca risco o futuro, Tudo fazer para preservar ¢ ampliaras possibilidades de escolha e de- isio das geragies futuras, Esses dois movimentos io exatamenteo contro do que te- “31 10s feito no ims tempos. Arratada para uma Kigica de sobrevivéncia, imposta pel, sucessivas crises (inanccia, climitica,pandémica), a vida contemporinea tem sido may cada por um presetivmo que reduzatemporatdade sociale fecha do no imedliatismo, Nao se trata de criticar um presentismo da existéncia, da vida, mas um presentismo d, sobrevivéncia que ignora ¢ anu. 0 futuro. A edlucago tem de ser eapaz de se abrir an futuro, de abrir futuros. um trabalho que tem de ser feito em comum. Cinco temas centrais para ofuluro Ofhando para a Agenida 2030, mas também para os discursos mais recentes do secteti- rio-geral das NagBes Unidas, Ant6nio Guterres, identificamos facilmente cinco temas centrais que reconfiguram as nossas perspectivas educativas no sentido da construgio de sociedades sustentiveis. [Antes de sobre eles reletirmos, é importante marcar a centralidade dos direitos huma- nos, de uma intengio educativa pautada pela defesa e promogiio dos direitos humanos. Ernesse sentido que o secretirio-geral das Nagoes Unidas decidiu langar um grande pro- ‘grama multilateral, designado A nossa agenda comum. Nesse programa, voltado para 0 futuro os ovens desempenkam um papel fundamental ‘Nassua concretizacio, aeducaglo ocupa um lugar maior, como se comprova pelo fato de a primeira iniciativa ter sido a realizagio da cdipula das NacBes Unidas, Transformando «a educagio, reaizada em Nova York no més de setembro de 2022, na qual se faz uma mengio diretatimportincia da formacio de professores como um desafio global. Chama-se a atenglo que, para aingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentivel,fal- tam mais de quarenta milldes de novos professores na educacio priméria¢ secundaria. ‘A transformagio da educaglo s6 aconteceri se os professores forem profissionalizados, formados, motivados eapoiados paraliderar o processo ¢ guiar seus alunos para alcanar seus objetivos ¢o seu bem-cstar, informa um dos documentos preliminares. Primeiro tema: a paz. \educagio deve tet como grande oricntagio a paz, no num sen- tido retérico, mas na possibilidade de organizarmos as escolas ¢ os ambientes educativos como lugares de convvialidade, de aprendizagem do viver com o outro, com os outros. Ivan Ilich disse-o de maneira extraoniniria quando escreveu olivto Tools for contivia- Airy (1973), isto €, a construgio de instrumentos que nos permitam viver em comum. A cedueagdo é um desses instrumentos, talvez mesmo 0 mais importante. 32 Sequndo tema: as ateraeselindticas. N questio climitica aequrin, recentemente, ‘uma cnorme centralidade, Hi a consciéncia mundial de que, se niio mudarmos de vida, ce mio puserins fim a uma sovieade constmista¢ predadora dos recursos naturis, a Humane no vera quaquer futuro, A cducagio de base humanista tem de pensar num “umanismo mais do que humano”, que integraosdiritosdo planeta ede todosos eres ccespévies. Esta deve er uma inhaestruturante do curriculo eda cducagio, sempre cam opropssito de maior justiga climtica, como reconhecimentoc a inspiracio em comuni ches cultura que sempre souberam viver em pazcom aTerra, Terceio tema: as deviqualdades. A cata crise ~ economics, financeira, pandémica, cli mitica, 1umentam as desigualdades no mundo. E impossivel imaginar um futuro sau- vel com desigualdads to acentuadas, Muitos futuristas chegam aimaginar um futuro ‘com 4/5 das pessoas vivendo com uma renda minima ¢ sem trabalho, substituidas por robis, Ji nio éa utopia do lazer e do tempo livre, mas a do pesadelo da pobreza ¢ da in- dignidade. Combater as desigualdades € também valorizar as diversidades (de género, de ‘vida, de culturas, de formas de pensar ¢ de viver...). Devemos recusar os identitarismos que nos fecham ~ “identidades ssassnas”, esereve Amin Maalouf 1ggg) ~¢ valorizar asdiversidades que nos abrem, O comum nunca é 0 menor denominador comum, mas o trabalho em comum. Fisa trefa maior paraa qual nos deve prepara educacio. Quarto tema: o digital. As quest®es do digital eda ineligeacia artificial esti alterando defiitivamente 0s nossosfuturos. A sua utilizacdo é muito importante para novas pedla- gogias€ novos ambientes educativos. Mas todos conhecemos os perigos desses novos “meios”. E iui citar o discurso de Ant6nio Guterres na 77.* sessio da Assembleia Geral dias Nagoes Unidas, proferido no dla 20 de setembro de 2022: “As plataformas digitais, baseadas num modelo de negécios que monetiza in- ignagio, raivae negatvidade, esto causando danos inealculiveis a comuni- ddadesesociedudes. Discursos de 6dio, desinformagio e abuso ~ direcionados especialmente a mulheres e grupos vulneriveis — estio proliferando. Os nos- sos dados estio sendo comprados e vendidos para influenciar © nosso com- portamento, sem levar em consideragio a privacidad A inteligénciaanificil pode comprometer a integridade dos sistemas de informagio, da midia e até ha propria democracia, A computacdo quintica pode destruir a seguranca ci bbeméticae aumentarorisco de mau funcionamento de sistemas complexos”. Precisamos nos preparar para este mundo. A melhor forma é pela educacio, 3 Quinto tema: a demografia. Por tim, precisamos entender as imensas consequtncias th mor revolugo de nosas soiedaes, a revolugo demogrificy, com conseyécin py ptcipacio na vida poli, sociale econdmica, na transmissio do parindnio fia, nas ntmicasintengeracionas, a habitago, nasa, nos transports, mas cides, ny consumo ¢, sobretudo, na elucaglo, Deixem-me dar um exemplo para explicaradimen. sto dessa revolugio, recorrendo a valores médios tio mundo, Em 1920, hé cem anos, a expectaia de vid er de go anos ~ tudo acontecia entre dua geraies. Cinquenta era de Bo anos ~ tudo acontecia entre tres, anos depois, em 1970, a expectativa de vida sgeracies, Hoje, em 2022, a expectatia de vida aumentou para Bo anos ~ tudo acontece cate quatro gerades. E daqu a trinta anos, mais pido do que nos cicls anteriores, tudo apontaparzumaexpectativade vida de 100 anos -tudoaconteceré entre cinco gera- «es. Alguém consegueimaginar una mudanga mas profunda com consequencias para areducago para futuro? Para enfrentar esses desafos & preciso recuperar um pensamento que se projeta num tempo ongo, Temos todos os motives parascrmos pessmistascpoueos para sermosoti- nist, O mundo parece cada ver mais desreguad ao sabor de todo tipo de dtadores, Mas denunciar esse mundo nfo deve nos inpedir de culivaraesperana, no sentido de uma das grandes obras do século XX, 0 Princpio Esperang, do iléofoalemio Ernst Boch (198), que nos lembra a doce spes, ou sea, a esperana que se culiva, que se aprende, aesperancaaprendida, Faturos comuns Histricamente,o processo ce construgio dacidadana nacional fer-se por meio de uma escola queadquri una fora uniforme ietcachomogénea em todo o mundo) um cariulo uniforme(acutara eral que todos dexem possi). ‘Aforma escolar consolida-se ao longo do século XX, det maneinaque, pouco a pouco, vamos esquecendo a exiténca de outras formas de cducar. Simultancamente, definem- -seas bases de um curculo escolar que adquireconfiguragis muito semelhantes em todoo mundo, Nas décadas nas do século XX, te ugar process ce valorizagio de um novo conceito oviderio. Deposcacidadania, a economia, Em torno do “capital humano”vulguriza-se ‘tse de uma ligacio dicta entre aeducagio eo desenvolvimento econémico, uma visto que dominaas polticaseducatvas até os dias de hoje 34 forma da escola, o conhecimento escolar a ligagio com a economia tém de ser re vpensalos luz das realdades contemporineas. por meio de um processo de metamor fowe da escola. escolar, As escokis continu: \ primera face da metamorfose &a mudanga da form nizadas segundo modelos que serviram no passado, mas ji on jo servem no presente: cespacos fechados, tendo como nicleo central a sala de aula, na qual um professor dé as «uns ligies aos alunos durante um determinado periodo de tempo. O pensamente dico- mica tem-nos feito perder muito tempo. A questo ndo é um ensino centrado no pro- fessor versus uma aprendizagem centrada no aluno, A questio &a constru 1 de espagos «-de processos educativos que permitam aos alunos trabalhar o conhecimento, uns com osoutrose comos professores. A segunda face éa concepgio de curriculo, ‘enquanto “percurso dos alunos”, Deve haver uma base comum, mas 0 mais importante €aaquisicio das inguagens (alfbética, matemtica, cienttica, artistica), Nao se trata apenas de valorizar 0 “comum” dle cultura geral, mas sobretudo 0 “comum” do 6 enquanto “curso dosconhecimentos”, mas. dominio das linguagens, Também os percursos dos alunos devem ser individualizados, permitindo ritmos ¢ escolhas impossiveis num modelo escolar uniforme. Mas essa dife- renciagio tem de ser abertura de possibilidades e nunca confirmagio das desigualdades de nascimento. Devemos ter muito cuidado com as vias que acabam em becos sem sai Aterceira face &a valorizacio da dimensio humana. A educagio nao pode ser reduzida a mera formacio técnica para o desenvolvimento econdmico. Juntemos uma filésofae um neurocientista, Martha Nussbaum (2010) refere-se & empatia como elemento decisivo para a aprendizagem. Assume, assim, a importincia de uma relagio humana que no se limita & aquisigao de téenicas ¢ de competéncias. Anténio Damésio (2020) fala-nos das ‘emocoes ¢ dos sentimentos como provocadores das aprendizagens. Ao fazé-lo, enrique- eo fendmeno educativo com dimensdcs subjetivas que sio centrais para o processo de conhecimento. O grande ensino é aquele que desperta dividas, que encorajaa dissidén- cia, que prepara o aluno para a partida, diz-nos George Steiner (1994). Educar niio apenas formar “recursos humanos”. Por um momento, acreditamos que digital ia ser uma imensa janela para todos os mun- os, culturas ¢ conhecimentos. ilusio tomnou-se pesadelo, Uma das nossas maiores surpresas€ fragmentagio ¢o hiperindividualismo que reinam no cibermundo, Na rede Ppodemos ser tudo o que quisermos, transformar-nos nos herdisexaltados, gloriosos, que proclamam a sua “liberdade total” num universo totalmente vigiado. 35 | ee sesso ly, Contrarianente ao que espera, a reve nd team seks mat prt wis edo, Mp, aie, sates um hr ne yams poe das que pens cm Iron qe eqns mss TEKS cigs je mica Hy {emi revonstrire cantan cumno clement centeal da edueayie € da sacie dale Fecomam ndoemete pra vina “comand eee, mapa coi, ile deal, iste pari que acim sem ast, indepenenteme, tedequemsomoson does, Nese sentido ascent num prio decom espa "1 doa deencunto, mo entre semelantes, mas entre dif coun decomprer, aque implica capac de eriqcceros mutant swvsas capers pessoas ate do mu, ‘i no os tata una patria comm (a cdania nacional), Preisamosrecarer a da, cotati pra exper ques expert hes: wna Tera comum eu Fy tmnide paritad, \Terracomum, a Terra-pitia de Eiar Morin, revela-nos a importincia da ciencia, de wna cultura cenit sem a pal no i aprendizagem. A Humane pata ch. lo fragmentado, divi, a escola tea de constuiras condi para uma vi em coma, Ni se trata deunir,anifcialmente,o que éiferent, mas ce iar ambientes que permitam trabalhar emycomumn, pensar em cunjunto, partir uma relexZo sobre as mesmos objeto, so tengo par impo ds artes edo dogo. Num mu Ess imbao, esse pensamcnto ees pra no se Fizem no vazio, necesita eins. trumentos, cde inguagens,quesbacgncia, a riage o conhecimento pdem formecer, Ocibermmundo esti incentivanclo uma sucessio interminivel de mondlogos entre iguais, escola tem constr as condigdes para um dslgo entre diferentes, assente no eo thecimento,nacompreensio mite num debateeslarecdo informa, Cepaco pico ecomum da educagdo A metamorfos desc ter uma quart fea construc do esp pico ¢ comm dca, No slo XIX, aed foi rar para dentro de um gar “Sagrado”, a eco Hoje, precsanos de um movimento de profanagio, no sentido que Giorgio Agamben (2006) este ermo,devolier um objeto sagrado ao uso plc, Diode onto mod: precisa ever contrat sci asinado no séulo XIX ~“deem- “N08 05 vossasfilhos, nds os evlucaremos nas escolas” — ¢ trabalhar em conjunto para o 36 reforgo de umespago piblico que unteaescola com outrasinstiuigies, es professares com os pais eoutrosatores sociais, Nio se educa apenas no interior do recint escolar (0 espago piblico ¢ comum da educago tem de ser uma esfera de discussio, mas também de delberagio e de agio. se trata apenas de ouvir os cidadios, mas de inscreve-los como pareciros num esforgo educativo que pertence ao conjunto da cidade, da polis. $6 assim conseguiremos criar novos vinculos ¢ responsabilidad, evoluir para uma maior presenca dos professores da sociedade na construgio das politica piblicas de educagio. 0 comum € mais do que o pablico, na medida em que assenta necessariamente num es- forgo de partlha de participagdo e de decisio colet Nao é unificagio a partir de um qualquer imaginério do mundo, seja nacional, seja outro, mas antes abertura a priticas de colaboragio e de cooperagao. Nestacapacidade de construiro comum esta forga de uma sociedade sustentivel. Acdu- caclo tem um papel insubstituivel nesse processo, tanto pela capacidade de transmitir uum conhecimento cientifico atento aos grandes temas do nosso tempo como pela criago dde ambientes de estudo e de trabalho bascados no trabalho conjunto e na cooperacio. Fortalecer 0s professores ¢ uma condigio necesséria para que a educagio cumpra a sua isso na construgio de sociedades sustentiveis. 37 aul UCHR Temado Dia Mundial do Professor 2016 VY LeU OMe) ‘Multis vezes se assume, de fito. se nao mesmo em TUATHA TOC fyeelteSSoxesrnO ene ate Ca AneSoeTeUAHUTTCeee enero wanton ener A objecio revel muito, tanto que é quase fatal para A possibilidide de haver uma referencia ctentifiea na CUTE Nace encosy rea tessixco set Ue CeTeN CniceennnencotticeCocomncosselItutessceny ence tone tees FUNC UAC USC nese Cees Cue) eR CGC {HNCe ocelot cose ico Hessen BUSA) Yet mitem levar para a vidama escola as consequtencias (a econrrnad neta VDT Nadla substitui um bom professor Nada substiui um bom professor. Nada. Nach mesmo, Nada o substtui para apresen- tar o mundo, todos os mundos, aos mais novos. Nada o substitu’ para dar aos alunos 4 possibilidade de chegarem ma ilo. is longe, aonde nunca chegariam sem 0 seu trabalho, semasua dedica Em tempos do digital, ¢ preciso dizer que a relacio humana ¢insubstiuivel.f preciso dizer que os professores tém uma responsabilidad maior, maior de todas: colocara sua autoridade a servigo da liberdade dos alunos, Para isso, precisamos de professores inteirs, seguros, confiantes. E aqui surge um pri- eiro problema, que se arrasta hii anos. Como construir essa confianga num tempo em Nada substitu’ um bom professor. Na construgio publica da educagio, na construgio de umm espaco habitado por todos os alunos, independentemente do seu “cheiro, cor, linguagem ou encadernagio” como dizia Jodo dos Santos (1983, p.33)- [As Familias podem, e devem, dar aos seus filhos a educagio que considlerem mais adequa- da. As religides, também, As comunidades, também, Mas a educagio escolar ~¢ sobre- tudo a escola piblica ~ & de um outro tipo: aqui apresenta-se a humanidade toda, ¢ nto apenas uma parte da humanidade, uma dada visto familiar, religiosa ou comunitiria, Por isso, cigncia é io importante como matrz do curticulo, Eas artes, também. F certo que quando se educam criangas iguais com eriangas iguais, da mesma “cor” ou “encadernagao”, tudo parece mais ici. Mas, nessa facilidade, perde-se o sentido do “co- mum” do espago em que partilhamos as nossa diferengas ¢ nos construimos como so- ciedadle, Nessa facilidade, perde-se aescola enquanto lugar de todos, nas sta gales nas suas diversidade: Aqui surge um segundo problema, bem patente em certs ideologias. Os pais & que de- de falar da fiberdade dos alunos, melhor dizendo, do direito dos alunos a uma educagio com veriam ditar “cor” da escola, ¢ isso chamam “liberdade de escolha”. Esquecem-s a humanidade toda, feta de dilogo, para que todos aprendam a consiver, a virer com o outro, com todos os outros. 4 A escola niio é apenas um servigo, por mais qualidade que tenha. 2, acima de to, wna instiuigo, que nos constr como sociedad, que nos abe ao mundo eas ots. ue ala a liberdade dos alunos, que permite a cada um construi um futuro a que nua teria chegado se tivesse fad em “casa”, na escola dose fuga de nascimento ‘Nada subtituiu bom profesor. Na capaci de estar presente mas escolase no espa- 60 piblco da educa, Na capacidade para orgunizaro trabalho dacentee para partici- parnas politica pblcas de educagio, ‘Terceito problema: sistematicamente, as politicas educatvas definem-se conia os pro- fessores, ¢ raramente, ou nunca, com cles, como se s6 assim se conquistasse a cumplici- dade mididtica de que a politica se alimenta. A partcipacao¢ dif, demora tempo, exige trabalho. Mas sem ela nfo vale a pena a retGrica constant sobre aimportincia do professors. Fica tudo nacasca das palavras. A vida deve ser conduzida na procura dle envolvimento das pessoas, de um reforgo da proximidad, nao de una proximidade vazia,patemnalista, mas de uma proximidade que promova aparicipagio ea decisto, E muito curioso que haja apelos tio pungentes para um consenso em toro das politicas «dase ou da justia, com o envolsimento de todos os “parceiros” de todos os “profis sionas", mas quando o mesmoapelo surge na irea da Educaco, fal-se da “estabilidade™ eda “continuidade” das politica, mas logo se esquecem os professores, que constituem o grupo profisional mais numeroso emai quaifcado das sociedades contempordneas. Estranha incoeréncia, Recomendacées para uma profissdo com futuro Asrés batalhas enunciaas ~ pelo prestigio da profissto, pea defesa da escola piblica € pela partcipagio dos professores nas poiticaseducativas ~ no se gunham com uma atitude defensiva, A escola pica niose defend nas trincheiras do passado, mantendo « consersando rotinas de um tempo qu indo 60 nosso. Acscolapiblica defende-se com um pensamento de faturo, compreendendo as mudan- ‘25 profundas na aprendizagem e na relagio com 0 conhecimento, no trabalho docente ¢ ‘num espaco piblico da educagao que vai muito além dos muros da escola. 42 Estamos perante transformacdes 6 compariveis is que acomteceram em meados do sé culo XIX, quando se consofidou, em todo mundo, o modelo escolar que ainda hoje pre- ralece, A geragio atual é a geragio que vai mudar as escolas, Nao sabemos como seri o futuro, mas sabemos que este modelo escolar tem os dias contados. Debaivo dos nosses olhose, porveres, perante certa indifereng a nossa parte, nova, Para compreendé-ta, precisamos de coragem, de um: sti surgindo uma realidade abertura ao futuro, de uma profissio forte, dentro ¢ fora, na escola e na sociedade, Estas reflexdes abrem espago para uma reinterpretacao, em cinco andamentos, da Re- comendacdo da OIT/UNESCO relativa ao estatuto dos professores, adotada em 1966. Entre aspas sio transcritos os panigrafos do texto que orientam a leitura, 1¢andamento “6. O ensino deve set considerado uma profissio, cujos membros prestam tum servigo pablico; esta profissio exige dos professores niio apenas co- nhecimentos profundos ¢ competéncias especificas, adquiridos ¢ mantidos através de estudos rigorosos ¢ continuos, mas também um sentido das suas responsabilidades pessoais e coletivas tendo como objetivo a educacio ¢ 0 bem-estar dos alunos. seu cargo.” Este primeiro andamento parece quase desnecessirio, mas no é - 0 ensino deve ser considerado uma profissio. Parece ébvio, mas no é. Na verdade, alguns dos equivocos «que ainda hoje atingem os professores prendem-se ao fato de muitas pessoas no cons derarem 0 ensino uma profissio, Diz-se que quem sabe alguma coisa naturalmente sabe ensing sobretudo com todas as ajudas que o digital proporciona. As politicas de “desprofissionalizagio” , hoje Wo ativas em varias regides do mundo, dos Estados Unidos Asia, passando pelo Reino Unido, pela Austriliac por alguns paises do norte curopeu, a estio para o demonstrar. Para que a pertenca, o enraizamemto profissional? Para que a construgio de uma identi- dade, de uma profissio? Para que complicar essa coisa tio simples, ao aleance de qual quer um, que € ensinar criangas? I justamente porque esta conversa niio é inocente e tem informado muitas politicas qu vale a pena recordar a Recomendagio de 1966 ¢ olema do Dia Mundial do Professor, € 2016 - Valorizar os professores, melhorar o seu estauuto. 43, 2."andamento “1g, O objetivo da formagao profissional de um professor deve ser o desenvol- Vimento dos seus conhecimentos gerais ¢ da sua cultura pessoal; a sua aptidio Para ensinar ¢ educar; a sua compreenstio dos principios que presidem ao es- tabelecimento de boas relagdes humanas no interior do pats ¢ além-fronteiras; sua consciéncia do dever que lhe incumbe de contribuir, pelo ensino ¢ pelo cxemplo, para progresso social, cultural e econdmico.” “39. A orgaizagio de um periodo probatério, para a entrada na profissio, deve ser considerada pelos professores e pelos scus empregadores como um ‘momento iil para encorajar €iniciar 0 jovem professor a construire preserar s ¢ a promover o desenvolvimento das suas qualidades logo com as organizagées de professores, devem mK ra P “ga, As autoridades, em di promovero estabelecimento de um vast sistema de instituigdese de servigos de aperfeigoamento, postos gratuitamente d disposiclo de todos os professo- res. Aeste sistema, que deve oferecer uma grande variedade de escolhas,¢ iil associar os estabelecimentos de formagaio de professores, a instituigdes ciemti- ficase culturas eas orgunizagdes de professores.” esse seguntdo andamento,a Recomentagdo toca num ponto decisivo falandoda forma- que tantas vezes nos recusamos a ver. do “profissional” dos professores. Deixamo-nos tentar por interminveis dis sobre 0s conhecimentos, as capacida- des ou as competéncias, por guerras entre os ditos “contetidos” as ditas “pedagogias cow didsticas”, por repartigdes das cargas horirias entre grupos, departamentos ¢ dis iplina, eesquecemo-nos de fazer as perguntas necessérias: Como é que se forma umn professor como um profissional? Como é que se aprende a profissto? Para responder a essas perguntas, precisamos, nas universidades, nas insttuigbes de ensino superior, de um lugar proprio, especifico, dedicado & formagio de professores, sem a fragmentacio que hoje existe. E nesse lugar tem de haver profissio, escolas, € professores, ¢ cultura profissional. Tem de ser um “terceiro lugar”, e no apenas um acade' “lugar imerno” ck A idea de “terceiro lugar” ou de “terceiro espago” explica bem a necessidade de juntar tuniversidades ¢ escolas, com base numa “terceira realidade”, sem cair nos discursos 44 cotdmicos habituais, valorizando ora a universidade como lugar da teoria, ora a escola como lugar da pritica As dicotomias fecham o pensamento ¢ impedem a construgio de nova ideas e propostas, Nada se faz numa ligicabindria. A saida esti sempre num “ter- eciro ugar” que ¢ muito mais do que a simples soma dos dois lugares anteriores, (0 que é verdade paraa formacio inicial é mais verdade ainda para o period de indugao profissional, esse perfodo to decisivo, mas tio descuidado de integragdo na profissio, durante o qual nos tornamos professores, A auséncia de estratégias de acolhimento, de sovializago profissional, ragiliza,e muito, a profissio dacente, E depois vem a formacio continuada, Reproduzimos “calogos de formacdo", cursos ¢ mais cursos, em ver de construirmos uma reflexdo conjunta, partthada, em torno daes- cola, doensino edo trabalho docente, Reproduzimos modelos “academizantes”, no pior sentido do termo, em ver de reforcarmos os professor sua capacidade de anise ¢ de reflexao ainvestigagio dos professores sobre o seu préprio trabalho. Sem estatripla revolugdo ~ na formagaoinical, na indugio profisional ena formagio continua — dificil mente conseguiremos valoriza os professores ¢ 0 scu estatuto, andamento “85, O trabalho do professor € tio especial e tio til que deveria ser onganizado ¢ facilitado de modo aevitar toda a perda de tempo e de energias.” O terceiro andamento € curto, mas da maior importincia, Nos tltimos anos, a queixa mais ouvida dos professores ¢ a burocracia, a imensidio de tarefas, tantas vezes initeis, um.o seu dia a dia. E tém razio, que infer {As possibilidades tecnoldgicas multiplicam infinitamente os impulsos buroctiticos ~in- quéritos, questionirios, relatérios, tabels,estatisticas etc. - que, gragas is teenologis, silo a custo quase zero para os burocratizadores, mas tem custos clevaissimos para os burocratizados, ‘Tudo nos desvia do nosso trabalho, do tempo, da reflexdo, de uma relacio serena com a profissio, Precisamos “limpar” o dia a dia dos professores de tudo 0 que isso traz ~ um 10, des- {grande esgotamento pessoal, uma falta de sentido na nossa relago coma prof motivagio ¢ mal-esta. 45 Etambyém daqui que vem um desgaste coletivo, a impossibilidade de encontea © (6% ca disposigo para rabalhar com os colegas, para a cooperagin, para a colepalire docemte, parao tio necesstrio reforgo do coletivo profissional, Ora, é no reforgodesse coletivo que se define prance: parte de futuro da pris. liberdade de onganizacao do trabalho docente, nia avaliago interpares, no pape! 4 eter cer por aqueles professores que, devido ao seu reconhecimenta pelos colegas, even ser uma refertncia no espago da escola eda profissio, Que grande politica sera esta do ponto 85 da Recomendagio: ibertaro trabalho do professor de modo aeitar tos x perda de tempo e de enengias. 2andamento “g, Bimportante reconhecer que as organizagées de professores podem con- tribuir, e muito, para o progresso da educagio ¢ que, por isso mesmo, devem ser associadas i claboragio das politicas educativas.” “76, Asautoridades devem reconhecer a importincia da partcipacio dos pro- fessores, través da suas organizagdes ou por outros meios, nosesforgos ten- ddentesa melhorara qualidade do ensino, nas investigagdes pedugigicas, bem ‘como no desenvolvimento e dif sto de novos e melhores métodosdeensino.” Este quarto andamento ¢ tio dbvio que dispensa grandes explicagdes. Os pontos 9 ¢ 76 da Recomendagio dizem tudo, E, no entanto, ainda ha muita gente que olha para os pro- essores ¢ para as suas organizagdes como um “problema” para as politicas educativas. Nao pereebem a importincia da iberdade, da liberdade que é participaglo, da partici- pagio que é“fizer parte” da decisio, ¢ no apenas ser “consultado”, Pensam o futuro, a politica, com os olhos de ontem. Apenas como representagio. Quase nunca como participagio. Esto fechados no passado. eandamento “10. k) Deve existir uma cooperagio estreita entre asautoridades competen- tes ¢ as organizagbes de professores, dle empregadores, de trabalhadores € de pais, as instituigdes cultura, academicas e dle investigacto, com vista Aefinigao das poiticas educativas e dos seus objetivos.” zg. Convém promovera participagao dos professores na vida sociale pil ca,n0 seu proprio interesse, do ensino e da sociedad no seu todo.” 46 0 quinto andamento parece idéntico ao anterior, mas no é. Pretende chamara atengio », um espago que tem “escolas”, mas que tem muitas otras istiruigées, muitos outros higares de aprendizagem, de cultura e de formagao para o espago piblico da educa Acduc ico nunca coube apenas nas fronteiras escolares, mas hoje ainda menos. As no- vas formas de acesso ao conhecimento, as novas dindmicas de aprendizagem, bem como a existéneia de socicdades mais eapazes e mais preparadas, abrem uma realidade nova exigem um novo contrato social em torno da educagdo, muito diferente daquele que celebramos hi 150 anos, Nesse tempo, impds-se um “modelo escolar” que trouxe quase tudo para dentro da es- cok Agora, € preciso devolver uma parte da educagio & sociedade, compreender a ca- pilaridade educativa, a malha de possibilidades,fisicas¢ virtuas, dle aprendizagem ¢ de cconhecimento, Estamos perante uma realidade radicalmente nova que vai transformar as escolas ¢a forma como serio habitadas pelos alunos pelos professores, E para esta abertura que precisamos da participacao dos professores na vida social ¢ pii- blica, na polis, na cidade, “no seu proprio interesse, do ensino e da sociedade no seu todo”. E para este debate que precisamos de professores com uma voz respeitada e reco- rnhecida, que falem dos temas da educagio, no espago piblico, a partir do conhecimento, no da ignorincia, a partir do compromisso, ¢ daindiferenga ou do cinismo, Liberdade para educar Vale a pena ainda mencionar o ponto 61 da Recomendagii da OLT/UNESCO de 1966, porque sem liberdade nao hi ensino nem educact “61. Nocxercicio das suas fungOes, o corpo dovente deve usuftuir de liber- dade acadmica, Os profes ores esto nus melhores condigdes para definit ‘0s meios e métods le ensino mais adequados aos seus alunos ¢, por isso, devem ter um papel decisivo na escolha dos materiais de ensino, na selegio dos manuais¢ na aplicagdo dos métodos pedagégicos, no ambito dos pro- gramas aprovados ¢ em colaboragdo com as autoridades escolares.” Ha muito que as sociedades tem dificuldace em dar um rumo & educagio das suas erian- ‘gas, Sera isso a “crise” da educagio? Se tivermos, primeiro, a coragem de reconhecer que “nio sabemos”, podcremos, entio, procurar um sentido para o ato de educar, As metiforas do molde ou daescultura no nos ajudam. A metiforada plantae do jardineiro, 47 tambmnio, A melhor metiforacuativaé aig prepara parame igri desconhecido Para que serve educa? Para ibrar fut, ndvis etigg antcipadamenteas cranes para a tare que hes pence, rev ara prepara rem um mundo comum, esereveu Hannah Arendt (2001). F frequent atriuira Jean-Jacques Rousseau a orjgem de tra as isis de wma ped gia que recusa a autora, Seri? Parece que sim, quando citamos esta passigem de (ilirida aumjovem professor: “a crianga so deve fareraqil que quer”. Puree quenio, quando lemos astinhasseguntes: “Mas mio deve querer sendin o que quiserdes uel aa; io deve dar um passo que notes previo; no deve aria aca sem uesabaiso que ai dizer”. A autridade existe para instauar uma realidad nova para autrizara autonomiadaqueles que esto dando os primeirs pasos (Oshumanos nose eucam socinbos. Pecisum de mestrese de coegas. $6 no encon- tro eno didogo é posse! educar uma crianc. A autoeducago ¢ importante, mas tem limites. Valea pena recor-4o num tempo pés-pandémico sobrecarregado de iusBes tcenolgias, acs vrais comaprendizagen dias “personalizadas, its fora dum espgo de pata, Arelagioentreum mestre eum dsp é feta de encontro trabalho, empatia colabo- racio, confianga, No hi nenhum futuro se no fortalecermos essa relaglo, no sentido tanta ezsexplicado por George Steiner: “Ensinr,cnsinarbem éser iimplice de possbiidades transcendentes, Uina ver desperta, es rian exasperante que se senta na dima fila povleri escreveros versos ou conjeturaro teorenna que ocupario séculos, Una soci, comodo aero desenfread, que no hone os seus pro- fessores, uma sociedad defeiuasa” (2005, 148). {paraiso que serealiberdale dos professors, para despertara iberdade dos alunos, Porque naa, nada mes, substi um bom professor. 48

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