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conn Persie rh) Eduardo Franga Paiva (Org.) Bee TCE fo 11 coNE OES Eduardo Fran¢a Paiva (1) : m4] Br BTA (e Teo aN Ue Men ONE es governar no mundo portugués Srrat ots, 41711) eae PSE ELITES E MUDANGA POLITICA. © caso pa ConspiRAcAO DE 1641! Mafalda Soares da Cunha? APRESENTAGAO. Esta comunicagdo narra o processo que culminou na pris julgamento e posterior execugaio de um grupo de pessoas, socialmente muito heterogéneas, em agosto de 1641, Os fundamentos da conspirago € da sentenga séo ccnhecidos; alegava-se que a conspiragio visava a queda do recém-chegado D. Joao. IV ao trono ¢ a restituigdo da Reino de Portugal a Filipe IV de Espanha. Crime de alta traigdo ¢ lesa-majesiade, punivel, portanto, com a mais pesada pena. Num ensaio de micro-historia onde se reconstituem as redes de parentesco, alianga e cumplicidade entre os acusados, descobrem-se as tensdes que airavessavam varios segmentos sociais, desvendando o feixe de motivag6es para a acdo conspirativa. A ago remontara, por isso, ao infeio do ano de 1641 ¢ & complexa teia de interesses que em fevereiro presidiu 4 tomada de decisdo de abandono de Portugal ¢ acolhimento em Casiela por parte um grupo de fidalgos de clevada condigio. Sem qu:stionar o mébil conbecido da conspiragao do verao de 1641, a hipétese interoretativa que aqui se equaciona confere uma nova centralidade a0 t6pico do controle politico sobre as pragas do Norte de Africa - Ceuta ¢ Tanger — que se mantiveram fiéis ) soberania hispanic: revelando-as como pegas fulerais nas estratégias defensivas dos reinos de Portugal e de Castela e dos seus impérios coloniais. Sugere-se ainda que a continuidade no posto das elites dirigentes anteriores & aclamagao, em vez de produzir os consensos desejados na 1, Esta questéo serd mais extensamente desenvolvido em CUNHA, Mafalda Soares ¢ 2OSTA, Leonor Freire. D. Jodo IV. Lisboa, Circulo de Leitores, capitulo 4 (no: prelo). 2. Prolessora da Universidade de Evora, Portus) 326 Bratn-Por cat consolidagao da rebelido politica, criaram insatisfagdes mais ou menos generalizadas entre as elites politicas. Nas antigas, pelo receio da ascensio da facgao dos aclamadores; entre os conjurados de 1640, pelo defraude das expectatiyas de aceder rapidamente as posigdes politicas centrais. Defendo, por isso, a hipétese de que essa proposta de restituigdo a Castela foi conduzida por uma rede constituida por adeptos do retorno a situagio anterior. Ou seja, governacdo de Margarida de Mantua e da dupla Soares/ Vasconcelos ¢ nao a do partido castelhanista — populares ou parcialidade infecta - que durante a década de 1630 se opés as propostas politicas do conde-duque, Insere-se indiretamente nos vastos debates sobre a leva de revolugdes que assolou a Europa nesta altura e, mais precisamente, sobre arise da Monarquia Hispnica que, entre outros fatores, teve na politica uniformizadora do conde-duque de Olivares um importante desencadeador. A bibliografia é vasta e as interpretagdes controversas, como se sabe. A EQUiVOCA CONTINUIDADE Ao assumir o trono de Portugal, D. Joao IV, aconselhado por Francisco Lucena, decidiu nao remunerar diretamente a participayfo na aclamagao e optou por manter os nomeados para os cargos, bem como a hereditariedade dos oficios maiores da Casa Real. Procurava evitar uni mal comum dos portugueses que no dizer de Francisco Manuel ¢2 Melo eram “gente que por aquela emulagdo que os leva a sentirem mais 0 proveito alheio que o préprio”.* Com poucas excegées, mantcve igualmente os titulares dos principais postos da governagdo nos diferentes conselhos. O tnico onde tiveram cabimento muitos aclamadores foi no recém-criado Conselho da Guerra (11/12/1640). Foi, de resto, a defesa do Reino que acolheu a maioria dos conjurados de 1640 que foram imediatamente nomeados para os governos de armas da proyincias ¢ para as fronteiras. Também de entre este grupo, mas em circulos mais préximos da pessoa do rei, foram recrutados 0 vedor da fazenda do reino e os diplomatas. 3. MELy, Francisco Manuel de, Zacito Portugués. Vida, Morte, Dittos e Feitos de El Rey Dom Jodo IV de Portugal. Pref. ¢ leitura de Raul Rego, Lisboa, Livraria Sa da Costa Editora, 1995, p. 90. 4 — FIDALGOS, anIsTOGRATAS, GRANDES COMERCIANTIS NO MUNDO LUSC-BRASILEINO 327 Esta opgao, destinada a gerar consensos entre as elites sociais, provou mal desde o inicio. Criou jim clima de confronto potencial, logo visivel no ambiente de constantes rumores e intrigas que enxameava a corte, na rivalidade entre titulares e fidalguia antiga, os adeptos da gestao de Margarida de Mantua dos secretarios e 0 grupo dos aclamadores. Com efeito, » levantamento de dezembro colhera de surpresa a maior parte da grande nobreza portuguesa. Uns porque estavam em Madrid, para onde, havia pouco, tinham sido chamados por Filipe IV; Outros porque residiam fora de Lisboa e eram marginais & rede de conhecimentos € contatos dos adeptos de D. Joao. Foram colocados Peranie um fato consumado e, embora todo o reino se tivesse pronunciado com grande rapidez e trangililidade, nao menos certo era que “entreparam- 8€ 0S povos, ndo sem maravilha, a um Senhor que os visinhos jamais tinham visto, nem ouvido quigd os distantes”.4 Se esta facilidade surpreendera Francisco Manuel de Melo, reconhecia-se que a questo era ainda mais melindrosa no que respeitava a fidalguia antiga. Um panfleto andnimo (atribufdo talvez,& mao de Francisco de Lucena) sob a forma de carta do duque D. Teoddsio II a seu filho aconselhava-o a fazer-se “temer € respeitar dos maiores fidalgos, que como vos virio nascer vassallo, ¢ cles por Portugueses siio invejosos, ¢ soberbos, mais com rigor e medo se sujeitardo que com amor e brandura”. E continuava: “como muitos desses fidalgos nirf, e folgario convosco sendo Duque, ines deis, vos hiio de perder 0 respeito, que se vos deve como a Rei De fato, a sihita mudanga de condigio que o levantamento de dezembro impusera ao duque tornava necessdria prudéncia na relacéio com a fidalguia, que estava longe de se comportar como um corpo homogéneo. O mesmo ocorrera, ‘le resto, antes da aclamagéio, Fernando Bouza Alvarez ¢, ccpois, J.-F. Schaub clarificaram-no bem, ao dotectarem as tensdes que atravessavam 0 grupo nobiliérquico na década de 1630.6 Olivares e os com pouco auso que 5 4. MELO, Francisco Manuel de, Técito Portugués..., op. clt., p. 81 5. LIMA, Durval Pires de, Carta que se escrevew u el-rei D. foao 4° vm nome de sew Pai © Duque Dom Theaddsto em 8 de Fuereiro de 64/, Lisboa, Oficina Grafica Santelmo, 1941, p. 7-10. 6. BOUZA ALVAREZ. Fernando, “Como se tivesse sido de furno. Memécie ¢ juico do Portugal os Filiyes ante a Restauragio de 1640", in Portugal no tempo dos Filipes. Politica, cu'wre, representagoes (1580-1668), Lisboa, Edigaes Cosmos. 2000, p. 185-205; ¢ SCHAUB, Jean-Fréderic. Le Portugal ao tempy du Conte-Duc Olivares (1621-1640). Le conflit de juridictions comme exercice de ta politique, Madrid, C usa de Velazquez, 2001. 328 Busi-Pornvcat, secretarios Soares e Vasconcelos impuseram um processo de reestruturacio da elite politica 4 margem das redes clientelares organizadas desde o tempo de Filipe Il, a partir de Madrid, pelas grandes familias de politicos luso-castelhanos. O que gerara grande insatisfagdo com formagao de facg6es, como ha jé algum tempo demonstrou Ant6nio de Oliveira,” A Restauragao, com a inerente cisao politica, dera voz apenas a alguns destes. Nao integrou, todavia, grande parte dos que propunham o retorno & forma de governagio anterior a Olivares e aos secretérios, mas que eram castelhanistas fiéis. E, ao manter a clique de Miguel de Vasconcelos/Diogo Soares em postos de poder, D. Jodo IV abriu uma frente de conflitualidade, revelando definitivamente a artificialidade dos consensos desejados. ANGUSTIAS E INCERTEZAS Em 7 de fevereiro de 1641 safram da barra do Tejo dois navios. Num bergantim partiram secretamente seis fidalgos com suas familias. Entre eles D. Pedro Mascarenhas e D. Jeronimo Mascarenhas, filhos do vice-rei do Brasil, marqués de Montalvao. No outro, iam os governadores nomeados para Ceuta e Tanger, também com familia ¢ criadagem. Dias mais tarde, vir-se-ia a saber em Lisboa que aportaram em poitos de Andaluzia com a intengdo de se acolherem em Castela, em sinal de protesto de fidelidade a Filipe IV, que consideravam ser 0 legitimo soberano de Portugal. Dias depois, nova defec¢ao ¢ o mesmo motivo. Desta vez, porém, eram apenas D. Francisco de Meneses, alcaide-mor de Proenca, o Barrabis de alcunha, com o seu criado e Pedro Gomes de Abreu, senhor de Regalados, com toda a sua familia. Temendo-se a inclinagdo do marqués de Montalvao por Castela, ordenou-se, ainda nesse més de feverciro, a partida de um novo navio para o Brasil, onde ia embarcado 0 jesuita Francisco de Vilhena com ordens expressas para apurar a lealdade do vice-rei. Estava, por isso, mandatado para, em caso de necessidade, o destituir e nomear novo governo na Baia. 7. OLIVEIRA, Anténio de, “O atentado contra Miguel de Vasconcelos em 1634” ¢ “Oposi¢do politica em Portugal nas vésperas da Restauracao”, in Mavimentos sociais e poder em Portugal no séeulo XVII, Coimbra, Instituto de Hist6ria Econémica ¢ Social-Faculdade de Letras, 2002, p. 373-405 ¢ 689-717. 4 — FIPALGOS, ARIST -CRATAS, GiANDES COMERCIANTTS NO MUNDO LISO-BRASILEIRO 329) Nos Agores, a situag%o era complexa. Se havia noticias de que em varias ilhas se tinha aclamado D. Joiio com satisfagdo, em Angra, o mestre- de-campo castelhano D. Alvaro de Viveiros teimara em manter-se fiel a Filipe IV. Fora necessdrio enviar uma frota e homens para reduzir a resisténcia das tropas castelhanas aquarteladas no castelo de Sao Filipe. O cerco iniciou-se em 21 de margo. Mas D. Alvaro resistiria com denodo, 86 capitulando cerca de um sno mais tarde. De igual modo, no Norte de Africa, as pragas de Ceuta e Tanger persistiam na submissao a Castela. De Angola, do Rio de Janeiro ¢ do Oriente nada se sabia ainda e receava-se © desenrolar do sucesso. J&no més seguinte, mais sulressaltos. A 6 de abril, frustrou-se outra fuga de nove aficionados a Castela, dando-se-Lhes ordem de prisio. Um deles era Belchiov Correia da Franca, um outro Diogo Brito Nabo. Mais suspeitas conduziram ainda a prisio de Gongalo Leitéo de Vasconcelos, corregedor do efvel da corte. Também 0 embaixador da Catalunha a Portugal, D. José de Salas, barao de Arene, que se pressupunha vir como representante de nagio aliada e com comum 6dio a Castela foi, por indicios varios, considerado parcial de Filipe IV ¢ despedido da corte. Nao, todavia, sem que antes deixasse desconfiangas de ter entabulado conversagdes com fidalgos ¢ dignitarios portugueses afiliados do monarca castelhans. Quase no imediato, dois irmaos Sousa — D. Lourengo, capitao da guarda alema, e D. Jodo, miisares e servidores no pago desde o tempo da Duquesa de Mattua ~ por intrigas ¢ receios fundados na conhecida amizade com os iugitivos de fevereiro, foram considerados suspeitos de conspirarem contra D. Joao ¢ logo afastadus dos seus postos e desterrados, um para as fronteizas da Beira, 0 outro pare © Algarve. Em principios ox cm meadus de abril, confirmava-se em Lisboa uma angustiada inauiet eo que vinha ja de dezembro anterior. Soubera-se que © Infante D. Duare fora preso em Ratisbona por forgas do imperador da Alemanha no dia 4 de fevereiro. Mui.a da fidalguia portuguesa vivia nestes espera relativa ao :lestino dos parentes que a aclamagao surpreendera fora do Reino. Alguns, sobretido os que combatiam nas guerras européias dos Austrias ou que por qualquer motivo estavam iva Ge Madrid, fazendo uso de estratagemas variados, lograram recolher-se a Portugal rapidamente. D. Jodo IV ajudara ao retorno, disponibilizando barcos ¢ meios. O mesmo nao ocorria, porém, aos que estavam em Madrid, Mais vigiados, tinham maior meses uma inguieta 330 Brast-Portucat dificuldade em fugir e, com isso, prolongavam a estada ¢ a afligao da parentela em Portugal. As disposigdes diplomaticas, que todos sabiam cruciais para o devir do Reino, iam seguindo o seu curso, mas ainda sem quaisquer resultados a vista. E tudo se afigurava complicado e difici). Nas fronteiras “corriam as disposigdes com maior confusio que utilidade, de que se originava, sendo o dinheiro pouco, gastar-se inutilmente”, A auséncia de confrontos abertos, se ajudou a Preparagao da defesa, ao conserto das fortificagdes e ao levantamento de tropas, também aumentou a tensdo da expectativa. Nao se combatia, mas temia- se permanentemente a ofensiva castelhana, que se julgava estar sempre iminente. Finalmente, no inicio de junho, o marqués de Toral abriu hostilidades em Elvas. Sobre o sucesso das escaramugas as opinides desencontraram-se. Na corte, o ambiente era de inquietagao fervilhante. A euforia dos primeiros dias apés a aclamagdo fora substituida por um clima de desassossego e desacerto, No turbilhao dos acontecimentos ¢ das preocupagdes, D. Jodo oscilava entre os conselhos de uns e as opinides de outros. As informagées chegavam a um ritmo que se compaginava mal com os seus hébitos mais antigos e também mais queridos. “No labirinto das ideias muito diferentes daquelas que placidamente tantos anos cultivara, passava El-Rei D. Joo de um cuidado a outro cuidado no inicio do seu governo”, sobretudo, em “consideragao des dilatados anos em que outros exercicios fizeram habito na natureza de El-Rei assistindo em Vila Vigosa” Desagrado e descontentamento existiam também. Eram sobretudo visiveis entre a nobreza mais grada que, atenta 4 sua honra ¢ pergaminhos, ponderava meticulosamente as mercés feitas as demais fidalguias, comparando-as com as outorgadas as suas casas. Por isso, ¢ como sempre, as nomeagées realizadas pelo monarca ~ que quase mais nao fizeram que confirmar o disposto por Filipe IV — eram comparadas, deixando alguns queixosos da desatengao régia. Entre eles, 0 7? marqués de Vila Real, D. Luis de Noronha e Meneses, D. Miguel Luis de Meneses, seu filho ¢ 2° duque de Caminha ¢ o arcebispo de Braga, D. Sebastiao de Matos ¢ Noronha. ERICEIRA, conde da (D. Luis de Meneses), Histéria de Portugal Restaurado, vol. 1, Porto, Livraria Civilizagao Editora, 1945, p. 293. 4 — FIDALGOS, AKISTOCRATAS, GRANDES COMERCIAL NO MUNDO LUSO-uRasitRO 331 A FUGA DE FEVEREIRO OU A POSSIBILIDADE DE RETOMAR PorTUGAL ATRAVES DO IMPERIO A fuga de f.dalguia tio grada em fevereiro gerou inquietagdes graves problemas politicos. Na motivagdo para esta fuga sobressaem com alguma evidéncia tanto a recusa da legitimidade da aclamagao do duque de Braganga, que sem hesitarem apelidavam de traigfo, quanto a convicgao de que a retomada de Portugal seria breve. Desejavam, pois, participar dessa re :uperagao ¢, com essa atitude, afastar qualquer risco de comprometimento com a situagio criada em Portugal, Além de que nas. mos dos dois governadores nomeados e confirmados estava a oportunidade: de ev tar a entrega de duas pragas tio estratégicas quanto Ceuta ¢ Tanger, © que ndo era matéria de somenos. Vingava também a pereepgio de que da ligeireza com que se informasse 0 marqués de Montalyao, e da Persuasiio que das cartas dos seus filhos, dependia o seu aliciamento 0 impedimento da adesdo do Brasil 4 causa brigantina. D. Pedro Mascarenhas escreveu, portanto, ao pai, explicando que a Sua posigao fora sempre a mesma e que s6 as circunstdncias o tinham obrigado a simular 0 apoio ao duque de Braganga. Para defender a brevidade da recuneragio de Portugal, descrevia a siwagio calamitosa e desgovernada em que este se encontrava: que nao hd fazenda no mundo, que baste para isso, mormente gastando- se como se gasta, sem conta, nem razdo; ¢ senda vedor da Fazenda D, Miguel de Alme:da s6; ¢ assim tem gasto quatrocentos mil cruzados, com 08 quiais se terdo levantado ao pé de oitocentos homens: e nenhuma outra Prevencio se tem feito, E continua 0 rol de desgragas: ‘Tomaram-se am as, € munigées, que estavam para ir para V. Ex" para esta Ocasido; € 0 que se tem gasto, é do cabedal da India, para onde iam este ano seis embarcagdes. Hoje se trata s6 de uma; e essa temo que no va per falta de cabedal. A isio se acrescenta, que este homem levanici: todos 05 tributos com que fallario os efeitos do assento; € assim € fora. que Parem os assentistas. E enfim Portugal se levantou sem dinheiro, sem armas, sem muuigées, sem artilharia, sem gente, e sem capitiies para disporem; e elegeu para rei a um homem parvo, mau e traidor por natureza. Veja V. Ex* agora, como poderd ter isto bom fim 332 Brasit-Por: ucan Nao podia, com efeito, ser mais claro! Advertia também que nao devia 0 marqués de Montalvao despachar navios para Portugal, mas sim para Castela, pois dessa forma “Ihe tiramos a substancia por todos os caminhos”, Insinuava ainda que de Lisboa nao havia interesse, nem possibilidade de socorrer o Brasil. nem ele, D. Pedro, tinha ouvido mais falar em tal assunto, “como se tal coisa nfio houyera no mundo, nem fora necessirio para nada”.? Discurso similar fizera a marquesa, na carta que em 6 de fevereiro enderegou ao marido e fez seguir através de seu filho D. Pedro. Parecia- The “que era coisa certa nao entregares vés o Brasi temos nao sabe que coisa é Brasil”. Como ela prépria afirmava, dessa vez eserevia livremente, pois antes “por nos dizerem que haviam de ver as ¢ “que este rei que cartas nfo nos atrevemos a alargar mais que a mostrar contentamento”,!0 A partida destes fidalgos tinha, assim, um alcance mais amplo do que © simples protesto de fidelidade ao rei que consideravam legitimo. Implicava uma estratégia definida que visava entravar 0 processo de autonomizagdo de Portugal, através da apropriagao das suas fontes de receita ultramarina, onde o Brasil pontuava. Se a este dado se acrescentar a questo das pragas norte-africanas, a questo fica ainda mais ¢vidente. Com efeito, ¢ tal como a prépria duquesa de Mantua reconhecia, Ceuta revestia-se de uma importancia estratégica inequivoca para a seguranga da Monarquia Hispanica. Era “chave de Africa e Espanha”,!! determinante para a conservagao das costas da Andaluzia e a seguranga das armadas para Sevilha, além das vantagens militares que oferecia para facilitar a redugao do reino de Portugal. Na vizinhanga, a praga de Tanger, embora menos relevante, reforgava estas possibilidades ofensivas ¢ defensivas entre 0 Atlantico ¢ 0 Mediterraneo. Desie ponto de vista, a possibilidade de manter Ceuta e Tanger sob a dominagio castelhana nfo era um trunfo despiciendo. Desde finais do século XVI que a Monarquia Hispanica enfrentava agudas dificuldades na manutengao dos seus estados no norte da Europa. O conflito aberto com as Provincias Unidas e com Franga, para além de sorvedouro continuo € aflitivo de dinheiros ¢ homens, nao tinha saldo positivo, nem se afigurava 9. MADAHIL, Ant6nio Gomes da Rocha, Cartas da Restauragdo, sep. de O Instituto, Coimbra, 1940, p. 52-3. 10. MADAHIL., Ant6nio Gomes da Rocha, Cartas da Restauragao, op. cit, p. 65-6. 11, MELO, Francisco Manuel de, Tacit Portugués..., op. cit., p. 105. 333 4 — Fipaucos, anstockatas, Gann CONBIRCIANT?S NO MUNDO LLSO-BRASI que Em contrapartid: , a avangada turca obrigara a reabrir a frente do Mediterraneo. Sucedendo a algumas tomadas emblematicas (Tiinis), Filipe III de Espanha reorientara os seus esforgos de conquista para 0 Magreb atlantico com alguma felicidade (Larache, 1610, ¢ Mamora, 1614». Densificavam-se, assim, as possessées ibéricas nessa orla, no sse a ter. 9 entretanto, ia corroendo as suas fronteiras territoriais. intuito de aleangar maior eficdcia contra a praga dos corsdrios marroquinos ¢ salvaguardar a integridade das frotas ocedinicas. Embora as motivages fossem essencialmente defensivas, apds quase um século essa rea converteu-se numa regifio, se ndo de expansao, pelo menos de consolidagdo da esiera de influéncia dos Habsburgos ibéricos. No entanto, 9 levantamento da Catalunha, a agressiva politica francesa e a continuidade do desgaste provocado pela pirataria mugulmana faziam perigar essa estratégia mediterranica e, mais importante, criavam potenciais, mas arriscados embaragos As costas castelhanas O curso do tempo revelaria, porém, que esta questo de Ceuta e do Norte de Africa nao estava ainda encerrada. Os acontecimentos subseqiientes prulongaram a inguictagdo sobre estas fronteiras, repercutindo-se cori relevo na conspiragao revelada em julho de 1641. Ja no que respeita ao Brasil ¢ apesar das expectativas contrarias dos familiares, © marqués de Montalvao acabou por aclamar D. Joao IV na problemas de maior, enviando a Lisboa uma delegagao chefiada pelo seu filho D. Fernando e da qual também fazia parte o Padre Antonio Vieira. fA sem MoBi1z:.¢A0 DE RECURSOS: A RE! 10S CONSPIRADORES A 28 de julho foi dada ordem de prisio a D. Sebastido de Matos e Noronha, arcebispo de Braga, ao Marqués de Vila Real, a0 Duque de Caminha, a D. Francisco de Castro, bispo Inquisidor-Geral, a Nuno de Mendonga, 2° conde de Vale de Reis, a Gongalo Pires de Carvalho e Lourengo Pires de Carvalho, seu filho e provedor das obras reais, a D. Anténio de Ataide, 5° Conde da Castanheira, a Rui de Matos de Noronha. 1° Conde de Armamar, a Antonio de Mendonga, comissério da cruzada, a Frei Luis de Melo, religioso da Ordem de Santo Agostinho, eleito bispo de Malaca, a Paulo de Carvalho, vereador da cfimara ¢ a seu irmao Sebastido de Carvalho, desembargador, a Luis de Abreu de Freitas, escrivao di cimara do rei, a Jorge Fernandes de Elvas, a Diogo Rodrigues de Lisboa ¢ seu filho Jorge Gomes Alemo, a Simao de Sousa Serrao e dois ‘a4 Brastt-Poxrucat filhos seus, a Crist6vao Cogominho, guarda-mor da Torre do Tombo e seu irmao Fernio Cogominho, bispo de anel de Braga, a Manuel Valente Vilasboas, escrivio da Tavola de Setibal, a Anténio Correia, oficial maior da secretaria de estado no tempo de Miguel de Vasconcelos. No dia seguinte, prendetam D. Agostinho Manuel e D. Francisco de Faric, bispo de Martiria. Logo depois, Matias de Albuquerque. Esta leva de prisdes sucedia no dia 24 de julho & noite, quando foram encarcerados Pedro Baega, Belchior Correia da Franca e Diogo de Brito Nabo. A via da deniincia tivera 0 seu vértice no Conde de Vimioso, recém-chegado do Alentejo. Os autos do processo sumério que se seguiu compreendem as cartas que Os réus escreveram a el-rei, os interrogatérios aos varios presos ¢ testemunhas, os libelos acusatGrios, os recursos interpostos pelos advogados dos réus e, finalmente, as sentengas. Estas pegas processuais permitem duas narrativas complementares. Uma que, embora fragmentaria e prismatica, descobre 0 tipo de participagao especffica de cada um, as respectivas motivagdes, bem como a responsabilidade individual que consideraram adequado assumir; outra que apresenta a viso de conjunto da evolugdo do processo conspirativo. A segunda nao corresponde & simples sorna das partes e incorre na possibilidade de simplificagio de um processo a8saz complexo e matizado. No intuito de evitar os dois riscos, optar-se-4 pela reconstrugdo global da teia de relagées a fim de descobrir a rede social constituida ao longo do tempo, bem como as motivagdes comuns e estratégias de agdo adoptadas. Far-se-Ao em simultineo incursdes micro-analiticas a fim de transmitir a complexidade ¢ diversidade das posig6es individuais. Confirma-se que 0 Jevantamento de 1 de dezembro colheu de surpresa sectores importantes da fidalguia e de uma parte muito significativa da principal nobreza titular portuguesa. Verifica-se que esse mesmo gollpe esteve longe de suscitar reacgGes unanimes, criando um indisfargavel mal-estar em muitos fidalgos residentes em Portugal. E que, até 0 voluntarismo apoiante das primeiras horas, em alguns casos se desvaneceu. De entre os varios cursos de acgao possfveis, as escolhas variaram em fungdo dos meios e recursos que cada um péde ou conseguiu accionar. Tumus as posigdes extremas dos quc assuimirai claramente os seus afectos, seja pela fuga para Castela, seja pela promogao determinada da restituigao do reino aos Braganga. Para outros, porém, a situagéo apresentava contornos menos evidentes, pelo que, fosse por prudéncia, 4 — FIDALGGS, ARISTO-RATAS, GRANDES COMERCIANTES NO AMINDO LUNO-HeasHLEIKO 335 fosse por cAleulo cstratégico, resolveram dissimular as suas inquietagdes € preparar as mudangas ocultamente; outros oscilaram na posigao que foram tomando por genufna indecisio. Muitos, provavelmente a maioria, mantinham-se, todavia, em expectativa. A confusdo era auléntica e compreensivel. De fato, e como um parecer andnimo sugeria, depois da aclamagao de D. Joao IV “houve tanta confusao neste Reino pela variedade dos jufrus, que menos perturba a multidao das novidades que a variedade das opinides”.|2 O inicio do processo conspirativo pode, por isso, datar-se logo do dia 1° de dezembro. O caso do arcebispo de Braga constitui desse fato um exemplo claro e até certo ponto apercebido pelos proprios conjurados. O que nao lhes foi claro, como nao foi claro ao monarea, foi a contumacia do seu desagrado, qu: se fundava tanto na dificuldade de cortar os lagos teoricamente perpétuos do juramento feito ao rei Filipe, quanto no receio das conseqiiéncias que necessariamente ocorreriam quando este recuperasse oreino de Portugal E esse temor foi, talvez, principal elemento agregador das vontades @ agdes dos conspiradores de 1641, como todas as confissdes © testemunhos dos réus provavam ao invocarem a inevitavel e iminente perda do reino como um dos fatores da sua decisio. Davam nesse motivo todo o crédito 4 argumentagao do arcebispo de Braga. Sabiam-no no coragio do governo portugués e portanto conhecedor de toda a verdadeira ¢ confidencial informagio. Acreditavam nos dados fornecidos pelo préprio relativamente a situagao das forgas castelhanas e 4 vontade e calendarios de atuagdo de Madrid, j4 que cle nao Ihes escondera que comunicara secretamente com a duquesa de Mantua ¢ que enviara missivas aos governantes castelhanos através de D. Joio Soares de Alarcio, o governador de Ceuta que fugira em fevereiro. Posicionava-se ¢ era tomado como 0 cabecilha da organizagao. Iniciou 0 processo de aliciamento pelos que lie estavam mais préximos. Familiaves consangiiineos e dependentes seus, sobretudo do estado eclesidstico, mas igualmente apoios politicamente mais relevantes como eram os seus companheiros do Conselho de Estado, o Inquisidor- Geral ¢ o marqués dle Vila Real. Recrutou a maior parte dos outros entre servidores ou beneficérios directos da influéncia de Miguel de Vasconcelos e de Diogo Soares. 12. BL, Add. 20933, fl. 133. 336 Baasu-Poxtucat, De entre eles, Belchior Correia da Franca! ¢ Diogo Brito Nabo eram dois nomes ja conhecidos, tendo até sido presos por suspeigo de afiliaga, a Castela, Ambos procediam de familias com implantagac, residé icia e Posse de cargos menores - adail e alcaide - de governo militar em pragas norte-africanas de Ceuta e Tanger. Brito Nabo era aind:, por via matrimonial aparentado com negociantes: era cunhado de Pedro «le Baega, tesoureiro da alfandega. Assim, a rede de familiar destes dois conjurados possibili:ou a comunicagio com esse elemento central no aparelho mevcantil e financeiro da Monarquia Hispanica e figura grada entre a comunidade de cristios-novos. O seu nome completo era Pedro de Baega da Silveira e apresentava uma jé longa carreira com negécios vultuosos que se espraiavam pelos impérios portugues e espa thol e que Ihe permitiram enyolver-se directamente nas finangas da monarquia.!4 A partir desta triade de base — 0 arcebispo, o Franca e 0 Baega ~, a rede compusera-se. Cada um contatou os seus mais chegados que tinham enfado ao Braganga ou proximidade conhecida a Miguel de Vasconcelos. A partir dessas comunicagées, foi-se espalhando a informagio ¢ angariando-se novos adeptos. Os papéis e 0 nivel de interveng3o eram todavia muito desiguais. Ativos e proeminentes parecem ter sido de fato estas trés figuras. Os demais foram usados como pedes, ao sabor do evoluir da conjura e das necessidades circunstanciais. Antes de mais para alargar 13. Brés da Franca, av6 paterno de Belchior, tendo prestado servigos na Armada Real ccm gverras em Tanger, fora por sete anos adail de Ceuta por nomeagdo de D. Miguel de Meneses, 1° duque de Caminha, Estabelecera-se nessa praca em 1607 com sua mulher D, Anténia de Magalhdes € com os quatro filhos. Casara Belchior com D. Maria da Franca, natural de Ceuta; DORNELAS, Afonso, “Governadores capitées gerais de C.uia", Historia ¢ Genealogia, vol. 4, Lisboa, 1916, p. 140. Pelo memorial de servigos que esta senhora apresentou a Filipe IV em 1657, fica- se a saber que Belchior contava uma folha de servicos & monarquia de 41 anos, que chegara ao honroso posto de mestre-de-campo e que fora por conservar a lealdade de fiel vassalo que fora sentenciado e ela perseguida com suma crueldade motivo a que acrescia ainda 0 fato de ser natural de Ceuta, Pelos detalhes entende- se que, depois da Ree!auraco, a vida de todos os familiares diretos fora atribulada € dificil. A narrativa sublinha igualmente a afeiga0 de Belchior Correia da Franca 4 Castela, a sua insergao no meio militar ¢ as suas ligagdes familiares ao Norte de Africa, muito em particular a Ceuta, que préprio governo filipino continuara # explorar através dos seus descendentes. Cf. AGS, SP, L. 1476, documento isolado. “Memorial de Maria da Franca” de Madrid, 8 de novembro de 1657. 14. Cf, BOYAJIAN, James C, Portuguese bankers at the court of Spain 1626-1650, New Brunswick, New Jersey, Rutgers University Press, 1983, passim. 4 — FIDAtos, asTockstas, GRANDES COMERCIANTES NO MEXDO LUSOHERASTEENO 337 © leque de ades6es, mas também para fungoes especificas associadas a0 espago social em que cada um se movia Pelos contatos diretos do arcebispo foram envolvidos os seus parentes ¢ bastantes eclesidsticos, através de quem se procuravam alargar as conexdes a grupos familiares fidalgos ou de magistrados, Na maioria dos casos nao ultrapassou, todavia, 0 campo da conversa ou até da mera -onjetura. Interessa, por isso, sublinhar que uma parte significativa da conjura se fundava muito mais na plausibilidade das adesoes ¢ na Posterior atribuigdo de papéis, do que em apoivs garantidos pelo Consentimento expresso dos proprios. O que nao pode, no entanto, iludir a coeréncia do planc engendrado pelo arccbispo e 0 facto de a defini das adesdes procurar cobrir os campos de apio vitais para o bom sucesso do contragolpe: autoridade social e politica conferida pela presenga de 0 dignidades eclesids'icas e titulos; meios financeiros através da rede do Baega; capacidade riilitar esperada pela influéncia de Correia da Franca ¢ da lideranga de Matias de Albuquerque. Nessa légica, a angariagao de adeptos no Conselho de Estado seria significativa. Pelo convivio nesse érgio o arcebispo acedera ao conhecimento sobre a posigdo e sentir dos diversos membros em relagao as varias matérias em aprego. O que explica a abordagem do arcebispo ao Inguisidor-Geral e av marqués de Vila Real. A aceitagio deste era fulcral, J4 que golpe carecia de uma cabega ilustre, Nao que tivesse grande consideragdo por ele ¢ pelo filho, duque de Caminha: “nao havia nele valor para nada e 0 mesmo dizia do filho duque”.!5 O mesmo pensavam outros, como Francisco Manuel de Melo afirmaria que “era 0 marqués facil de persuadir e dificil em discursar”.'¢ Reconhecia, porém, o arcebispo, a afeigio do marqués a Castela, e estava disposto a explorar essa via. A antipatia oculta A causa de Braganga, os seus agravos para com © novo rei ¢, sobretudo, os seus receios sobre a solugao do imbréglio sucess6rio relativamente & sua casa pesavam. Era verdade que a confirmago do titulo de duque por Jodo IV Ihe arrefecera a animosidade. O arcebispo acreditava, porém, que a parentela afecta a Castela 0 incentivava e que a vaidade o acicataria. E que a sua tinica filha casara em Castela, onde residia, e 0 seu cunhado, conde de Tarouca, bandeara- 15. BL, Add. 20933, fl. 195-197v. Carta do arcebispo de Braga de 15 de agosto du 1641. 16. MELO, Francisco Manuel de, Téicito Portugués... op. ¢it., p. 297 338 Be su-Portucas se em fevereiro para Madrid. Para o persuadir acenava-se-lhe ainda 2om © cargo de capitao-general ¢ com uma interven;io recatada: dizia-Ihe o areebispo que a “um marqués bastaya sair com quarenta criados «lizendo paz, liberdade e tributos fora para se aquietar 0 povo estando feita a facgao”.!7 A participagdo do marqués na conjura fi, com efeito, pouco ativa. Sabia do caso nos seus pormenores, é certo. Mas apoiava-o discretamente € ndo sem alguma ambigiiidade. Nao se lhe denunciaram conversas se ndo com o arcebispo, com 0 Bacga ¢ 0 Franca. Se 0 negociante nos seus testemunhos o dava peremptoriamente como aliado, outros desmentiam essas afirmagées to taxativas. Um dos preses confessara até que a certa altura o “tinham por traidor porque souberam que aconselhara a Sua Majestade nao mandasse sair deste porto a armada”. Por seu turno, o Franca dissera que o marqués considerava as propostas de Baega “uma doideira” e que queria dele era dinheiro para acabar de consertar a quinta de Alvalade ¢ nada mais; afirmara o mesmo do duque de Caminha, pois também cle enxotara o Baega. Contudo, o seu nome e o do filho surgiram sempre nos demais interrogatérios. Pelo contexto percebe-se, porém, que essa nomeagao sistemAtica tinha origem no arcebispo e que era por ele usada instrumentalmente como determinante factor de persuasdo e da credibilidade do go! No essencial, a defesa do marqués de Vilu Real e do duque de Caminha escudavam-se nesta passividade de acgio, embora o marqués tivesse alguma dificuldade em camuflar a sua afeigéo a Castela que se entroncava nus passado de sx: vigos remuncrados com relevantes mercés outorgadas pelos Austrias. Procura”’s, todavia, neutralizar esse argumento ao justificar que ele prAnrio admitira a D, Jodo IV que “até oito de Dezembro [...] fora castelhano” e que o p:6prio rei lhe respondera que “também 0 ano passady aqui [a Lisboa] viera obedecendo a el-rei de Castela”.!® Surpresa undnime suscitou 0 envolyimento do Inquisidor-Geral. Pensava-se que era um dos homens “onde a virtude mais luzia ¢ a intervengao estava em seu ser retraido de conversagées, acapuchudo por clausura, religioso na clausura da casa”.!9 Rumores fixados em panfletos 17. BN, PBA 476, auto de acusagao do duque de Caminha, fis. 7-20. 18. BN, PBA 476, Carta do marqués de Vila Real de 29 de julho de 1641, fl. 22. 19. ERICEIRA, conde da (D. Luis de Meneses), Histdria de Portugal Resiaursdo, op. cit. vol. I, p. 502 4 — FIDALGOS, ARISTOCRATAS, GRANDES COMERCIANTES NO MUNDO 1LSO-nRASIEIBO 339) Procuravam descortinar as causas da acusag&o, presumindo que talvez se fundasse no fato de receber correio semanal de Castela, que nao era devassado por tratar de matéria de segredo de Inquisigdo. Ora parece que, cipagao foi reduzida. Pouco conversara com 0 arcebispo de fato, a sua pai sobre a quest&o, embora o tivesse feito com outros, mas nao angariara ninguém para o grupo. A sua principal culpa radicava em ter conhecimento da conjura e nao a delatar. Foi, todavia, pela sua rede familiar que surgiram os nomes de Gongalo ¢ Lourengo Pires de Carvalho. Sem mais razao, no entanto, que a de serem muito seus parentes ¢ amigos, embora Lourengo tivesse também sido particularmente chegado ao falecido secretariv Vasconcelos. Ja sobre Belchior Correia da Franca e Pedro de Baega os testemunhos sho inequivocos € até os revelam como agentes encarnigados e fervorosos da conspiracao. Foram ativos nos contatos e delinearam parte dos preparativos para o golpe. Tal como os outros, defendiam que a tomada do reino era inevit4vel e foram eles os dois que com Manuel Valente Vilasboas, Antén.o Correia e Diogo de Brito Nabo planearam enviar um homem a Castela (lar noticia da conjura que se aprontava em Portugal. Baega fez contatos entre a comunidade mercantil crista-nova e assegurava que, tal como ele, ofereceri a conjura. Nomeaia uns seis, mas sugerira a outros conjurados que havia mais, pois “quinnentos ou sciscentos homens de negdcio estavam descontentes em raziio das feiras e contratos que perdiam”.?0 Disponibilizava ainda a sua rede de contatos para fazer chegar cartas a Castela, via Inglaterra ou Flandres. O exagero das palavras de Baega era no entanto muito persuasivo. Usava-as para conferir maior crédito & conjura. embora o dinheiro que emprestava ou distribuia efetivamente também constituisse um poderoso argumento. Os elementos que implicavam este grupo eram, todavia, frdgeis € nada permite reconhecer uma forga contréria 4 secessio de Portugal comum a todo o grupo mercantil. Tal como acontecia noutros segmentos sociais, as cisdes foram transversais a0 grupo e nem sequer respeitaram inteiramente redes familiares. Correia da Franca era quem assegurava os contatos com 0 meio militar ¢ garantia a adesdo nao s6 de “gente do meio” como de soldadesca. A sua insergao nesse meio concedia credibilidade as suas noticias sobre 1m meios financeiros para suportar 20. BN, PBA 476, Incuirigio a Belchior Cortcia da Fri 340 Brastt-Porrucat a matéria, ajudando a convencer os demais da iminéncia do ataque castelhano, Nesse plano encaixava Matias de Albuquerque. A ade:ao a Filipe IV do seu irmao Duarte Coelho de Albuquerque que ficara em Madrid langava uma primeira suspeigao sobre a sua pessoa, Depois, a importancia do seu posto no Alentejo fazia-o Petigosissimo, caso estivesse disposto a traiy D. Jodo IV. Segundo confessara 0 marqués de Vila Res |, €ra esse 0 papel que Ihe tinha sido destinado pelo Primaz, pois Ihe confidenciara que 0 Albuquerque andava dividindo as forgas peias fronteiras para que, em qualquer parte que o inimigo aiacasse, achass: pouca resisténcia. 0 plano geral parece ter sido © de incendiar a cidade de Lisboe em quatros pontos distintos para divertir as atengSes, entrar no palicio e matar © rei, a rainha, o principe, as infantas ¢ os que assistissem a0 seu servigo, O ato teria lugar no inicio de agosto, uns dizem a 5, outros a 10. Importante era sincroniza-lo com a avangada das tropas castelhanas qu2, segundo informagdes dos conspiradores, se desenvolveria por terra pelo Alentejo até Lisboa, ¢ por mar pelo desembarque nas praias dla costa de Oeiras. Era ainda entendimento comum que a oposigao seria fraca e que a populagao, que tivera um papel totalmente passivo no 1° de dezembro, “facilmente se voltaria A primeira voz que se desse pez Castela”.2! A adesao dos principais seria logo obiida pela distribuigio generosa de mes 2s a todos os que as solicitassem e a redugdo popular conseguida pelo exemplo destas autoridades. Aos fidalgos que resistissem, destinava-se-lhes o cArcere. Chamariam depois a Duquesa de Mantua para torqar conta do governo. Nos argumentos adiantados nas confiss3es dos conspiradores fica clara a angiistia com que se vivia este periode de grandes incesicvas, O fator do receio ¢ da inevitabilidade da derrota de Por ‘gal mobilizava as gentes, catalisando descontentamentos e agravos individuais. No entanto, © a aferir pelos libelos acusatérios ¢ pelas senteng»s, 0 golpe nao convocara um numero significative de vontades, pois s6 dez foram sentenciados a pena capital. E verdade que os eclesidsticos estavam escudados pela imunidade do seu estado. Talvez por isso, os trés principais prelados — arcebispo, bispo eleito de Malaca e bispo de Martirtia — tenham ficado presos vitaliciamente sob a formula - ERICEIRA. conde da (D. Luis de Meneses), Histéria de Portugal Restaurado, op. cil. vol. I, p. S04 4—Fipaicos, akistocmtas, Giants CoMERcIANTES No MUNDO WNOsHRANILLIRO 34 juridicamente possivel que era a de reclusdio, Os demais foram, porém, considerados inocentes ¢ libertados com alguma brevidade Omisso nas acusagées e nas provas obtidas ficava um t6pico que atravessara varias vezes os interrogatérios ¢ os testemunhos dos africanas e, mais inquiridos. Trata-se da questo das pragas nort genericamente, da submissao ou ndo das conquistas porluguesas a D. Joao IV e do seu impacto na sobrevivéncia do Portuga chegada da infor nagio do levantamento avs diversos territorios fora demorada e ainda mais o retorno das noticias da aclan lagdo, havia espago para dvida sobre a decisao, Por isso também em Madrid se fizeram diligéncias para cativar os goyernantes das coldnias ¢ para desviar as armadas que regressavam. A ambos os partidos interessavam os recursos © o controle desses espacos ultramarinos. Em Lisboa viera-se a saber, pela confissio de um frade que retornara havia pouco de Sevilha e de Madrid, que o conde-duque e Diogo Soares oO negdcio ficara sem efeito, por ordem do conde-duque ¢ do proprio Filipe restaurado, Como a © tinham comissionado para se deslocar ao Brasil e Cabo Verde. IV. Nao se sabe exatamente qual era a intengio da jornada, mas a confissiio versava a iroca de comunicagoes entre Castela e o grupo dos que em Portugal conspiravam. Ficava a suspeita de uma estratégia para retomar Portugal a partir das conquistas atlanticas, como, de resto, também sugeriam us cartas de fevereiro de D. Pedro de Mascarenhas. No que respe'ta a Ceuta e a Tanger, a fuga para Castela dos seus governadores abortara nao apenas a chegada das noticias da aclamagao, como 0 seu control por Portugal. F nquanto em Ceuta, Madrid deu ordens para logo se substituir D. Francisco de Almeida no govemo, transformando- a em presidio, o conde de Sarzedas manteve-se como governador de Tanger, Talvez porque a sua fidelidade inspirasse menos cuidados, pois era genro do 4° conde de Linhares, grande afeigoado de Madrid. As suspeitas que em Lisboa desde cedo impenderam sobre Correia da Franca e Brito Nabo, o encamigamento de ambos na mudanga politica € a severidade da :entenga podem também associar-se A perda destas pragas. O enraizamento de ambos no Norte de Africa terd também facilitado a conexéo com o marqués de Vila Real que servira longamente em Marrocos e que, depois da morte do irmao, ficara governador- Proprietario de Ceuta. E a perda da praca reforgava, seguramente, a ma 22. BL. Add. 20933, tls 138-139y. $0 Baast-Porriicat imagem que em Portugal se tinha do marqués. Afinal, nio conseguira garantir a fidelidade da sua gente a D. Joao IV! A centralidade desta questao emergira aquando da selecgao de pessoa para ir a Castela advertir da conjura. Diogo de Brito Nabo nao se ofereceu para ir, j4 que se entendia que “nao fosse ele [...] jurar na alcaidaria para onde o rei o mandava o juramento de fidelidade e homenagem porque se de Castela o soubessem que havia jurado, o haviam de castigar”, mas apenas o fazer através da sua capitania, por um parente. No dia seguinte insistiam: “se ndo havia de ir desta cidade nem havia de ir jurar...”.23 Ou seja, o seu posto era simultaneamente um tranfo que possibilitava a comunicagao com Castela, embora fosse grande a preocupacdo em evitar que aclamasse D. Joao IV. Porventura, porque reconheciam a influéncia das suas redes de parentesco em Ceuta. Com efeito, esta potencial capacidade de mobilizagio surge muito expressivamente nas cartas que Diogo de Brito Nabo, ja ventenciado, enviou ao monarea, implorando cleméncia. Esgrimia 0 sew potencial maior argumento: mandei dizer a Vossa Majestade pelo corregedor Pedro Fernandes Monteiro que se he a Vossa Majestade convém a restauraga) da prayu de Ceuta me obrigarei mandando meu irmao com fianga de tornar quando no caminho lhe nfo suceda um erro fortuito ¢ nisto entendo que nao haverd divida alguma porque toda a gente principal daquela praga que pediram ¢ admitiram govemador castelhano sfo todos meus parentes por parte de minha mie e me fardo tanta mercé que 66 por me segu’arem a Vida arriscaro as suas fazendo finezas no servigo de Vossa Majestade24 Conciusio Feitas as acusacées e cumpridos todos os tramites processuais, foram exaradas as sentengas. As execugoes das sentengas de oito das dez penas capitais foram marcadas para finais de agosto. O governo em Lisboa conferiu grande atengdo ¢ aparato ao evento, ao qual se diz que assistiram mais de 50.000 pessoas. Foi crucnto ¢ sanguinério, mas aplaudido pelo povo. 23. BN, PBA 476, fl. 50. Inquirigao a Diogo de Brito Nabo em 5 de agosto c 1641. 24. BNF, FP, n® 27, fl. 479-480. Cartas de Diogo de Brito Nabo, alcaide de Ceuta a D. Joao 1V, de 20 ¢ 22 de agosto de 1641. — Fiatos, attstorkavas, GRANDES COMERCIANTES NO MUNDO LLSO-BKASILEIRO 343 Reconhece hoje a historiografia a relevancia deste tipo de Tepresentagdes do poder e quanto sao ainda mais importantes em periodos revoluciondrios. Com efeito e como muitos reconheciam na propria “o castigo referido fazia €poca, entre os quais os préprios castelhanos: mais duvidosa a conquista de Portugal, entendendo que el-rei D. Joao se nao arrojara a tanto empenho, se duvidara da seguranga e obediéneia dos Animos de seus vassalos”,?> Talvez 0 caso nao tivesse tido proporgdes tio alargadas se o monarca tivesse substituido imediatamente nos postos do governo ¢ do pago as figuras tidas como mais afectas & governagdio de Diogo Soares e de Miguel de Vasconcelos. Fora, todavia, uma decisao politica. Se a pratica {overnativa provou que essa opgdo gerara mais embaragos ¢ intrigas que ‘8 consensos pretendidos, confirmava-se igualmente que a pressio surda para.a renovagao Jo pessoal politico por parte dos aclamadores tivera enfim vencimento. Os termos espetaculares da remodelagdo e ruptura politica demonstravam que D. Joao IV estava irreversivelmente envolvido na nova situagde. Todos o entenderam, mas as condigées, tanto interna quanto externamente, man inham-se dificeis. O proprio monarca tinha ainda uma longa aprendizagem da politica a fazer. Contava com os seus mais chegados. um grupo que no era, todavia, nem coeso, nem suficientemente experimentado, 0 que, tal como o arcebispo de Braga sagazmente suspeitara, daria azo a outros sobressaltos politicos. 25. ERICEIRA, conde da (D. Luis de Meneses). Histéria do Portugal Restaurado. op. cit., vol. 1. p. 320. tande parcela do saldo positivo produzido pelo Encontros Brasil- Portugal: sociedades, culturas e formas de governar no mundo Pret Wo tise stcr-te tls, 010 B94 spear ete Ue seco pode ser apreciado nessa obta coletiva. As relacdes Brasil-Portugal sao estudadas a partirde um Pe doo ore (ee eer Ce Nee st kee ey Peele nus seuteeest cere May tm cc Re meso ate iim carte Gisele jeie mee m ui neca cetlecim oeteutes seco ou té-l0 julgade de maneita demasiadarpente ideologizada’ seu carcter planetario. Enconiros é eiueee te crete Mire soe Uae ates foram construfdas por imposi¢6es e por acordos, sob tenses. e sob Eee terele rel rere or ete deers crete (oe eee meal) E Yee larel 3 afetos, de projetos compartilhados, de ganhos coletivos, de Ta adaptados, de identidades 6 de valores reconstruidos, muitas vezes misturando-se entre siesses movimentos. Tudo isso envolveu, mesmo que de maneifa diferente, mesmo que sob formas distintas, homens e mulheres que viveram entre es séculos XVI e XVIll e que nesse periodo foram clasificados por sua “condicao” (livre, ravo, liberto, servo) € por sua “qualidade” (branco, negro, preto, crioulo, indio, e.por uma enorme quantidade Pecan ca iter secs eerie Wnts ees mC ue ul ea Mele sleet ataeercety to ero ate Nee eee a histéricas relagdes Brasil-Portugal envolveram nao apenas os agentes que Bene eee entree lesc cir eroe Mone Mime he aMol Le Ue An eerie cir tur closure emcee cee Me tec tC Ge colt Nolen lete(eceseeN CUE Ieee Ot nO Cole Nelo teal area ten eile risa uel} cas $6 ganha sentido quando Jastreada em conceitos tais como transite, mol lade, sociabilidades, experimentos, meslicagens, impermeabilidades e conexdes, 0 que nao extermina tensdes € confliios, nem tampouco condena a Historia a essas chaves algo simplistas, se tomadas @m piano exclusivo. Exatamente pela dimensao aqui emprestada ao termo é que ele fol suprimido do titulo do livro. Vice emcees uemeean mnete mcs Vis Uti Wt cca eee Tet olt st) EW Meo dior ge Melestchllgy oitmeCens orcas plier) eeltie eae elceecte(s (eae (e 3) ‘seguem inspirando reunioes de hoje. Pensar as relacoes a partir de toda eer ects il et mit leect 1s omelet tee acre trac ltl Meola} aparentemente apartadas, relativizar e atenuar fronteiras de historia e de Retiree ent eet epee ewe ahi feet We. tyehe) is CaM OM 18 elem (isc et ee Ot as me le ere ole Role ee leer (sg uric eae mere me Met Wawel sei lat ec} suas formas de organizacao, tudo isso podera ser conferido nos textos que Grol. - ite f P| || oe er istoriauimg SAE RN TSE BUS 56 38 to Estado de Mires Geis

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