grafia de corpo:
uma “pode o analista frente A questao trans):
oque
B TRIRO
CLEIDE PEREIRA MOM Krecola Brasileira de Psicandlise (EBp)
Psic analista Membre leas brasileie
eda Associagao
1 Trabalho apresenta-
do no XXII Encontro
Brasileiro do Campo
Freudiano - A queda
do falocentrismo,
ocorrido entre 23 € 25
de novembro de 2018,
no Rio de Janeiro.
2 LACAN, J. 0
semindrio, livro 25: 0
momento de concluir.
(1977-19788) Inédito,
Aula de 11 de abril de
1978.
Mundial
inhas contribuiges tém como ponto de
partida a interrogaio de como a queda
do falocentrismo tem incidido nos novos ar.
ranjos da sexuacio do século XXI. A transexu
alidade tem sido uma das questées prementes
que ocupa a cena contemporanea e tem con-
vocado os analistas a entrarem no debate. No
tocante ao processo transexualizador, poucas
sao as demandas que chegam ao consultério
do analista, pois os sujeitos que o vivenciam
tém procurado os servicos publicos, como os
Centros de Referéncia em Satide Mental e os es-
pacos LGBT. Através do fragmento de um caso
clinico, atendido em um servico que acolhe de-
mandas para troca de nome social, interrogo
sobre as aporias do sujeito para dar conta do
que do gozo nao é recoberto pela ldgica falica.
Para Lacan’, um sujeito tera que se haver
com a sexualidade, saber como se enreda com
0 asexo, isto é, com a asexo(ualidade), esse ne-
ologismo que designa uma diferenga sexual
sem referente, ou seja, 0 que esta para além
do binarismo masculino-feminino que res-
soa na propria linguagem. Nesse neologismo,
190encontramos a letra a mintiscula que, no cam-
po lacaniano, é uma notagiio para o objeto a,
apontando para o que nio é absorvido pela ar-
ticulacdo significante. Trata-se, entao, de situ
ar a légica da sexuagao em uma assimetria ra-
dical cuja biissola ¢ 0 objeto a-sexuado: 0 que
do corpo se extrai como satisfagao pulsional,
fazendo objegao A relacdo sexual. Nesse sen-
tido, é preciso considerar a ndo-relagao entre
os sexos quando se trata do real do gozo, i
plicado no dizer-se homem ou mulher.
A alteridade do gozo que um sujeito pode
experimentar - como dito homem ou mulher
trans ~ nao é considerada nos estudos de géne-
ro e nas instituigdes que acolhem aqueles que
querem “mudar” de sexo. Ha muitas vezes um
transbordamento de gozo nos sujeitos que bus-
cam os processos cirtirgicos e a hormoniotera-
pia, levando-os a se depararem com a vacuida-
de do ser, com o que nao é revestido pela tela
da fantasia ou mesmo das performances sexuais.
No Seminario 18, Lacan elege o falo como
semblante privilegiado para qualificar o que
se passa entre os sexos. Nessas condicées, “o
falo é muito propriamente, o gozo sexual como
coordenado com um semblante”, abrindo ca-
minhos para formas de gozo que parodiam um
gozo que permanece alheio para o sujeito. Para
esse Outro do gozo, como enfatiza Lacan‘, a
linguagem fornece apenas escafandros, pois
nem tudo é conjungao entre 0 gozo e o sem-
blante. O que do gozo nao consente com a
medida do falo nao pode ser recoberto pelos
avancos do saber médico, sobretudo quando
3 LACAN, J. O semi-
ndrio, livro 18: De um
discurso que ndo fosse
semblante. (1970-1971)
Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2009. p.
32.33.
4 Ibidem, p. 139.
1915 BASSOLS, M. O
feminino, entre centro
e auséncia. Opcio
Lacaniana online, Sé0
Paulo, n. 23, jul. 2017.
6 Caso atendido pela
aluna Andréa Dio-
nizio, no ambito do es-
tagio supervisionado
do curso de Psicologia
da UFPB
atiauos ae meneade, ANC TAIN a AYpgys
na
um profocolo a ser segitide para obte, ne
4
; ity
do processo transexualizador, Mo
A partir da psicandlise, podemos dizer
om
é importante considerar que o CORO esty
ar.
ticulado a um RO70} um “novo” COFpO & Um,
construgao que nao prescinde do modo i
este corpo foi phonetisado’ com as mareg.n”
Outro, marcas que constituem o. Primei
: E TO es.
bogo que introduz as diferencas BNificant,
i =e es
e dao o esteio do que se constituira como Posi.
si-
cao sexuada.
Fragmento clinico
través de um caso clinico sob minha sy.
pervisdo’, destaco um fragmento Cujos
elementos norteadores nos ensinam a vislum-
brar o endereco da questio trans para além das
solugGes universalizantes.
Grace, mulher trans, 19 anos, procura o cen-
tro de referéncia para mudar de nome; vive um
processo de transi¢’o, com uso de horménios
passados pelo endocrinologista. Enquanto nio
tira a certidao para conseguir emprego, faz
programa, “se jogando nas noites”. Sofre cons-
trangimento sempre que necessita utilizar o
documento de identificagao: “as pessoas estio
vendo uma mulher e chamam o nome de um
homem, ficam olhando estranho”
Nao se reconhecia como “veado”, como cha-
mavam os meninos, devido aos tragos afemina-
dos. Desde muito cedo, aos quatro anos, perce-
beu que era diferente; brincava com as bonecas,
192
~Lmesmo que escondido da mae, Além de gostar dos brinque-
‘al como “de menina’, aos nove anos
|,
dos considerados om geri
comegott a participar do corpo coreagrdfico da banda mar
o que Ihe permitia usar a mesma roupa das meninas que
tegram a banda. A mae nao queria deixar, mas ela ia assim
mesmo. Aos onze anos, comecou a usar sutia € trajes femini-
nos: “Fur saia na mia vestida com roupa de menina, com blusi-
ainrha, andava sem problemas. Eu me via sempre femini-
como aquele Gregorio”, Esta insercao Ihe deixa
“coisa” com a qual se identifica.
nha,
na, nao me via
tranquila, pois encontrou a
Quando questionada sobre o que era essa “coisa”, respondeu:
“antes eu era gay e s6 agora me encontrei como trans’, Com
quinze anos, comecou a ver as mudangas, primeiro no rosto
e depois no corpo, como os “peitos crescendo”. Pedia para os
colegas da escola a chamarem de Grace: “Eu sou assim, vou
crescer assim agora”. O pai a chama de Grace, mas as vezes diz:
“Gregorio era um menino tao bonito e olha como esta hoje?”.
Grace diz (sorrindo): “Mais bonita ainda”.
Sente vergonha quando fica de frente para os meninos:
“Eu me sinto mulher, mas com um defeito”. Sobre esse “defei-
to”, diz: “o pénis é o defeito”; “mesmo que no possa ter filho,
fazer a cirurgia 6 uma ‘coisa’ que pretendo alcancar, mesmo
sabendo que é uma cirurgia arriscada”.
Sobre os relacionamentos amorosos, destaca que nunca
ficou com meninas. Foi surpreendida pela mae do namorado
quando, ao dormir pela primeira vez na casa dele, interroga:
“E sua namorada? Entao cuide dela!”.
Ensinamento do caso
G race ensina sobre as aporias de um sujeito para lidar
com 0 que nao é recoberto pelo processo de transexu-
alizacdo. Tem falado de questdes nunca ditas, como correr
o risco de fazer a cirurgia para retirar esse “defeito” que nao
193a faz. uma verdadeira mulher. Sob transferéncia, talve
possivel vacilar a certeza de que a anatomia é ° obstaculn,
interropar sobre 0 que éuma mullet para além da Norma
deparando-se com o que do goz0 86 pode ser recoberte, wie
“escafandros” que mantém o lugar da mulher essencialmen.
te vazio. O enigma do goz0 feminino como alteridade Tadical
é tamponado pelo “defeito anatémico”, que nao cumpre sua
funcao de velar 0 nada.
Ha uma intimidade opaca do gozo do corpo coreogrificg
e a escuta podera levar 0 sujeito a confrontar a Precarie.
dade do género trans frente ao mistério do Corpo falante
qual porta 0 gozo que nao se coletiviza. A eleicao de iia
nome préximo ao de batismo, fazer-se corpo coreografico na
banda marcial sdo recursos improvisados (e nao Prét-d-por-
ter) e acolhidos na transferéncia. Grace monta sua histéria
e localiza a menina na infancia que teve que se haver com
as consequéncias de que a anatomia nao é o destino. A psi-
candlise tem seguido na aposta de solugées singulares que
fazem vacilar certezas. O encontro com a “coisa trans” pode
tocar o modo inclassificavel do gozo.
7 Seia