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ew“ =~ ‘+ Ta ana Aone camo V/my| ¢-Mosaicos Shu cyuatonmpeuse Com (CM) n Ose VB, VA V.5-N. 10 - DEZEMBRO 2016 - ISSN: 2316-5303 Ear a mn LIVRE EXPRESSAO: A PERSPECTIVA FREINETIANA DE EDUCAR FILHO, Aristeo Leite! “A educago no é uma férmula de escola, mas sim uma obra de vi- dal” (FREINET, 1991, p. 9) Este texto foi elaborado a partir de anotagGes de estudos e de aulas das quais parti- cipei, tanto como estudante quanto como professor, em cursos de formacao de professores, semindrios e oficinas. Ha muito tempo estudo a vida e a obra desse educador francés, critico da escola tra- dicional e reformulador das teorias da Escola Nova. Descobri que sua pedagoaia e suas idei- as e praticas sdo capazes de fomentar nas nossas cabegas de professores brasileiros uma verdadeira necessidade de fazer uma revolucao nas nossas escolas. Dos pedagogos contem- poraneos, sem duivida, ele é o que mais nos oferece contribuigées para reinvencdo da esco- la. Suas idelas pedagdgicas so inovadoras por sua dimens&o social, explicitas na defesa de uma escola centrada na crianca, que é vista néo como individuo isolado, mas fazendo parte de uma sociedade. Sua pedagogia foi sendo tecida na perspectiva da construcdo de uma escola viva, ativa e dinamica e, simultaneamente, contextualizada do ponto de vista social e cultural. Falar de Freinet e da atualidade da sua pedagogia hoje se faz muito necessério. Pri- meiramente, porque, ndo obstante a produgdo académica sobre a Pedagogia Freinet ter crescido significativamente no Brasil nos tiltimos anos, ainda se fala pouco nas universida- des, nos cursos de licenciaturas, sobre esse educador, suas técnicas € os principios da sua pedagogia. E, ainda, porque, sendo ele um inovador das praticas pedagdgicas de uma escola para 0 povo, é tudo 0 que precisamos conhecer e refletir para construirmos uma escola dife- rente, acolhedora de criangas com as mais diversas inféncias. © texto que segue esté estruturado em trés partes centrais, a saber. Na primeira, ‘Marcas do educador, trato especificamente de algumas marcas que influenciaram as ideias praticas to inovadoras e revolucionérias de Célestin Freinet. Na segunda parte, Pedagagias, procuro associar os nomes pelos quais sua pedagogia ficou conhecida a alguns dos principios que norteiam sua pratica educativa, Na ultima, Livre expresso e seus suportes, abordo es- pecificamente a Livre Expresso € os recursos que Freinet usava para praticé-la com as cri- ancas. Por fim, algumas consideracdes instando a reinventar a escola. * Professor Adjunto do DEDI, Departamento de Estudos da Infancia da Faculdade de Educacdo da Universidade o Estado do Rio de Janeiro, Professor do curso de Pés-graduacdo em Educacio Infant da PUC-Rio, Diretor da escola Oge Mita - R3, Email aristeoleitef@gmail.com “ARTIGO ENCOMENDADO: LIVRE EXPRESSAO: A PERSPECTIVA FREINETIANA DE EDUCAR | 3 {do Instituto de Aplicacao Fernando Rodrigues da Sivera (CAp-UER)) “e-Miosaicos - Revista Multiiscpinar de Ensino, Pesquisa, Extensso € Cultura Cc e-Mosaicos V.5-N. 10 - DEZEMBRO 2016 - ISSN: 2316-9303 I - MARCAS DO EDUCADOR Freinet_ (1896-1966), _educador francés, teve "uma personalidade miltipla, em permanente ebulico” (OLIVEIRA, 1995). Um dos seus amigos dizia de brin- cadeira que Freinet tinha pelo menos vinte ideias novas por dia. Em sua trajetdria de vide, podemos identificar algumas marcas que merecem ser explicitadas para uma melhor compreensdo de onde vém suas ideias e préticas t8o inovadoras e revolu- cionérias, Celestin Freinet foi, verdadeiramen- te, um homem do seu tempo, de uma época rica de esperancas, on- de os ideais progressistas, sob 0 impacto da Revolugso de Outubro tiveram um impulso considerdvel Uma época, no entanto, profunda- mente marcada por duas guerras e pela maior crise econdmica até en- tao vivida pelo mundo capitalista. ‘Ao longo dos quarenta e seis anos de sua carreira, ela incarnou (sic) na sua prépria vivencia, muitas das lutas, avancos e recuos do corpo docente francés (OLIVEIRA, 1995, p. 91). Antes de tudo, Freinet foi um pro- fessor primatio. Foi um pacifista, parti- cipou da Primeira Guerra Mundial na con- digo de jovem soldado (1915), retornou com uma —_leso pulmonar causada por gases téxicos, o que comprometeu sua satide pela vida inteira. Optou por ser pro- fessor com 0 intuito de acabar com as guerras no mundo. Foi autodidata. Quando estava no terceiro ano da Escola Normal masculina, que totalizava quatro anos, foi convocado pelo governo francés para ir & guerra. Toda sua formag3o se deu ao longo da sua carreira como professor autodidata. Além de estudar os autores da pedagogia na busca de resolver 0s problemas que apareciam no cotidiano de sua classe, Freinet ia a quase todos os eventos, con- ressos e seminarios sobre pedagogia na nM io cre a, Europa, Dentre muitos pensadores que estudou, baseou-se em Montaigne e Pes- talozzi — com 0 qual demonstrou bastante afinidade. Outros estudiosos contribuiram para a formaco do pensamento freinetia- no, dentre eles também esto as figuras de Ferriére (a sua primeira influéncia), Montessori e Decroly, além de Dewey, Claparéde e Makarenko (educadores do movimento escolanovista). Makarenko trouxe contribuigdes aos pressupostos freinetianos, ao referir-se a um trabalho coletivo e produtivo feito de fora para den- tro das escolas e baseado numa pedago- gia psicolégica. Freinet no teme reconhecer as contribuiges dos pioneiros da Es- cola Nova & progressive construgo de sua obra (...). No entanto, ne- nhuma dessas apropriagdes se faz com senvilidade, ou mesmo com fir delidade. Na verdade Freinet apo- dera-se do pensamento desses au- tores de uma forma que poderia ser chamada, no sentido etimolégico da palavra, de “subversiva’(...) (OL- VEIRA, 1995, p. 124). Ele foi um humanista, que lutou pela vida inteira. Primeiro, quando retor- nou da Primeira Guerra. Ele foi atingido fortemente com uma doenga pulmonar, ficou em convalescenca entre a vida e a morte. Vencendo a morte, rejeitou ser aposentado como ex-combatente jovem & foi trabalhar como professor da escola piiblica (1920). Depois, no campo de con- centracgo na Segunda Guerra. Preso e mandado para o campo de concentra- Go de Var (1940), ficou mais uma vez gravemente doente. Sua esposa Elise, com ajuda de amigos, depois de muita luta, conseguiu sua transferéncia para 0 hospi tal do campo de concentraco. J interna- do, recomegou suas atividades educacio- nis: alfabetizou pessoas idosas que rece- biam cartas dos seus familiares e nao sa- biam ler nem escrever; organizou grupos de expresso artistica; criou um jornal, “ARTIGO ENCOMENDADO: LIVRE EXPRESSAO: A PERSPECTIVA FREINETIANA DE EDUCAR | 4 {do Instituto de Aplicacao Fernando Rodrigues da Sivera (CAp-UER)) “e-Miosaicos - Revista Multiiscpinar de Ensino, Pesquisa, Extensso € Cultura Cc e-Mosaicos V.5-N. 10 - DEZEMBRO 2016 - ISSN: 2316-9303 mesmo escrito & mo; escreveu _pegas teatrais para serem representadas pelos grupos de companheiros prisioneiros. Ain- da no campo de concentracéo, comegou a escrever seu livro Conselhos aos pais, Ao ser libertado, mais uma vez, derrota a morte. Como internacionalista, defendia © esperanto como lingua universal e no vie sentido nos nacionalismos exacerba- dos. © seu intemacionalismo socialista compreendia que a classe trabalhadora é uma s6 no mundo inteiro € que as divises em paises (brigas entre os burgueses que operam 0 Estado) no devem ser defendi- das pelo povo. Foi marxista, No inicio da sua car- reira docente, leu as obras de Marx e de Lénin. O pensamento dialético 0 cativou. Ele usou as ideias desses autores para combater a filosofia positivista. Sua peda- gogia é uma pedagogia do movimento, da superacéo de obstéculos. E uma pedago- gia para 0 povo, para as classes popula- res. Sua obra é marcada por um aspecto que tem suas raizes no pensamento mar- xista, 0 “materialismo escolar”. A concep- do de trabalho tem um lugar importante na Pedagogia Freinet. Ele criticava o tra- balho alienado e defendia uma educacéo de cardter politécnico, que favorecesse criangas @ adolescentes a refletirem criti- camente sobre as formas de exploracao do trabalho e 0 trabalho fragmentado e alienador. Para Freinet, o trabalho é uma necessidade para os homens, nao fazia distinggo entre trabalho intelectual e ma- nual. Como a maioria dos "ex- combatentes progressistas” dos anos 1920, ele foi filiado a0 Partido Comunista Francés por muitos anos. Influenciado pelos idedrios republi- cano, socialista e libertério da Escola Nor- mal que frequentou (os trés primeiros a~ nos), Freinet fol um democrata. Suas técnicas pedagdgicas estavam baseadas na vivéncia da democracia na escola, pro- tagonizou as chamadas Escolas Democra- nM io cre a, ticas, Para ele, além das técnicas pedagd- gicas, os aspectos politico e social 20 re- dor da escola nao deveriam ser ignorados pelo professor. Dizia: “a democracia de amanha se prepara na democracia da es- ola". Foi um militante em defesa da escola piiblica. Um dos seus livros mais importantes se chama Uma escola para 0 ovo. Engajado no movimento dos profes- sores revolucionarios, filiou-se a0 PFC, foi dirigente sindical e escreveu varios artigos em revistas e jornais do sindicato e do partido. Freinet se envolveu em. varios movimentos sociais dos quais saiu hostili- zado ou perseguido. Suas ideias passaram a incomodar 0s conservadores franceses, e Freinet foi afastado da escola publica de Saint Paul. Apés sua saida, criow uma es- cola privada e laica, a Escola de Vence, construida a partir de 1934 com a ajuda de doagdes e participagio dos pais, mas o Ministério de Educagio recusou-se a reco- nhecé-la oficialmente. N3o obstante esse no reconhecimento, trabalhou sem esmo- recer, criando o Conselho Cooperativo (gestao patticipativa), os jornais murais, a imprensa escolar, as fichas autocorretivas, a corespondéncia escolar, os ateliés de arte, as aulas-passeio e o Livro da Vida. Patticipou ativamente dos movimentos “Abaixo os manuais escolares”, ocasi- 3o em que escreveu um livro com esse titulo, Possuidor de uma profunda consci- €ncia social, abandonou os tradicionais manuais escolares € criou com seus estu- dantes um material de trabalho que res- pondia as questées que Ihes eram postas pela vida, passo a passo com a constitui- Go de conhecimentos sobre as diferentes areas do saber. O texto intitulado Abaixo os manuais escolares, @ época, revolucio- nou as ideias sobre os pesados compén- dios escolares que serviam de apoio & educacao de criancas e adolescentes. Ma- nuais daquele tipo, enciclopédicos, nao tinham nenhuma relacdo com a vida e lidavam com os contetidos de forma frag- mentada. Freinet sugeria que professores “ARTIGO ENCOMENDADO: LIVRE EXPRESSAO: A PERSPECTIVA FREINETIANA DE EDUCAR | 5 {o Instituto de Aplicacao Fernando Rodrigues da Siveira (CAp-UER)) V.5-N. 10 - DEZEMBRO 2016 - ISSN: 2316-9303 “Shemsans “Reva Nabasopine de Fone, Pama, Diente «Gite we e-Mosaicos a) e estudantes construissem seus proprios textos e fichas de estudos. Outro movi- mento no qual ele se engajou na Franca foi a luta dos professores por "25 alunos ho maximo por turma” (1956). Foi cooperativista, sua pratica sempre foi socializada com os colegas do- centes. Foi um pioneiro na proposicao de uma pratica pedagdgica centrada na coo- peraco. Seu trabalho pressupée a coope- rag no s6 entre os estudantes, como também entre os professores. Criou u- ma cooperativa de trabalho com professo- res (1924) de sua aldeia, e essa coopera- tiva suscitou o movimento da Escola Mo- dernana Franca. Criou =o CEM, Cooperativa do Ensino Leigo (final dos anos de 1940), em Vence, que reunia mais de 20 mil professores. Junto com sua esposa Elise, fundou a Federacio Interna- ional dos Movimentos da Escola Moderna (Fimem), em 1956, que hoje reine educa- dores de cerca de 50 paises. Freinet mor- reu em 1966. Foi um otimista e persistente por caracteristica pessoal. Defendeu sem- pre a ideia de que “é preciso ter esperanca otimista na vida”, IT- Pepacocias "Freinet sempre acreditou que é preciso transformar a escola por dentro, pois é exatamente ali que se manifestam as contradigées sociais” (SAMPAIO, 1989). Critico da escola “tradicional” e da Escola Nova, Freinet foi criador, na Franga, do movimento da Escola Moderna. Criou uma Pedagogia do traba- Iho. Para ele, a atividade € o que orienta a pratica escolar, e 0 objetivo final da e- ducagao é formar cidadaos para o trabalho livre e criativo, capaz de dominar e trans- formar 0 meio e emancipar quem o exer- ce, Como dever do professor, coloca a criaggo de uma atmosfera laboriosa na escola, de modo a permitir 8s criancas fazer experiéncias, procurar respostas pa- ra suas necessidades e inguietagies, aju- dando e sendo ajudadas por seus colegas @ buscando no professor alguém que or- ganize o trabalho. Sua pedagogia também é conheci- da como a Pedagogia do sucesso. Dife- rentemente da maioria dos pedagogos modernos, 0 educador francés néo via valor didético no erro. Acreditava que o fracasso desequilibra e desmotiva o estu- dante, por isso 0 professor deve ajudé-lo a superar 0 efro. "Freinet descobriu que a forma mais profunda de aprendizado é o envolvimento afetivo", diz Rosa Sampaio (1989). Propés, finalmente, uma Pedago- gia do bom senso. Com parabolas inspi- radas na sua infancia rural, com simplici- dade, ele faz reflexes profundas sobre a educacdo das criancas, como: "E assim que sempre nos enganamos, quando pre- tendemos mudar a ordem das coisas € obrigar a beber quem néo tem sede!” (FREINET, 1991, p. 17) “E lamentavel qualquer método que pretenda fazer be- ber 0 cavalo que ndo esta com sede. E bom qualquer método que abra o apetite de saber ¢ estimule a poderosa necessida- de do trabalho.” (Idem, p. 19). Baseada nos interesses e nas vivéncias das crian- gas, em suas culturas, atitudes e nos valo- Tes na Pedagogia do bom senso, a apren- dizagem resulta de uma relacio dialética entre acéio e pensamento, ou teoria e pré- tica. O professor se pauta por ume atitude orientada tanto pela psicologia quanto pela pedagogia. Assim, o histérico pessoal dos estudantes interage com os conheci- mentos novos, e essa relago constréi seu futuro na sociedade. © mais delicado da nossa tarefa de inovadores nao é treinar as criancas para deslancharem com tenacidade no sentido da vida, mas habituar os educadores a se manterem apoia- dos nos pés, segundo as leis do bom senso e da natureza, (Idem, p. 98) “ARTIGO ENCOMENDADO: LIVRE EXPRESSAO: A PERSPECTIVA FREINETIANA DE EDUCAR | 6 {do Instituto de Aplicacao Fernando Rodrigues da Sivera (CAp-UER)) “e-Miosaicos - Revista Multiiscpinar de Ensino, Pesquisa, Extensso € Cultura Cc e-Mosaicos V.5-N. 10 - DEZEMBRO 2016 - ISSN: 2316-9303 Segundo Freinet, a mais eficiente arma para manter vivos nas criangas os tracos vitais que tanto interessam a prati- @ educativa € a possibilidade que o edu- cador tem de voltar a ser crianca e de utilizar-se, em beneficio de seus estudan- tes, das experiéncias vividas na sua pro- pria inféncia. Se o educador for capaz de colocar-se no lugar das criancas e lem- brar-se do préprio sentimento quando era elogiado ou criticado, sera possivel avaliar melhor as consequéncias de cada gesto e palavra, bem como entender que suas atitudes podem estar marcando, definiti- vamente, a vida dos seus estudantes. Considerando sua pratica, afirmava que seu Unico talento como pedagogo talvez fosse a capacidade de ter conserva- do uma impressao to total da juventude que isso Ihe permitia sentir e compreen- der, como crianca, as criangas que educa- va. Freinet procurou encarar como se fos- sem seus prdprios problemas as dificulda- des apresentadas pelas criangas. Ele che- gou a parafrasear a citagio de Jesus, a- firmando que € necessario tornar-se uma crianga para entrar no reino da Pedagogia. Para ele, a escola era um canteiro de obras, e no um templo. Nela, as crian- Gas deveriam envolver-se, 0 tempo todo, em trabalhos reais, desafiadores e criati- vos. A palavra trabalho deveria recuperar seu real significado, sem fragmentagées, incluindo seus aspectos intelectuais, ma- nuais e sociais. Neste ambiente de traba- iho integral e integrador, “a crianga nunca se cansa de procurar, de experimentar, de realizar, de conhecer e de subir, concen- trada, séria, refletida, humana” (FREINET, 1998, p. 84). Sua pedagogia defende a esponta neidade infantil, por oposicgo & abstracao da cultura escolar burguesa e do magis- tercentrismo da escola tradicional. Freinet nutria profunda admiraggo pela sabedoria natural das criangas do campo, que che- nM io cre a, gavam & escola carregadas de pequenos insetos, flores e animais do bosque. TIT - LIVRE EXPRESSAO E SEUS SUPORTES A concepcio de livre expressao de Freinet funda-se na ideia de liberdade de expresséo_universalmente consagrada a partir das revolugGes burguesas que cons- tituiram os estados nacionais, a saber, 0 direito de qualquer individuo manifestar, livremente, opinides, ideias e pensamentos sem cometer crime. Diante de uma escola tradicional, na qual criangas e jovens de- veriam ficar calados e quietos para apren- der, isso ja seria extremamente inovador. A livre expresso é de vital importancia na Pedagogia Freinet. Os suportes para a livre expresso eram variados. Os estudantes tinham a oportunidade de exercitar a ctiatividade, exprimindo seus sentimentos, emogoes, impresses e reflexdes, através das ativi- dades artisticas (desenho, pintura, escul- tura, colagem, construcSo, miisica, mimi- @, teatro) e das atividades de expressao (como a fala, os textos escritos). Alm disso, utilizavam diferentes recursos: mé- quinas fotogréficas, projetor de diapositi- vos, cémeras, toca-discos, entre outros. Freinet dedicou @ vida 2 elaborer técnicas de ensino, que funcionavam como canals da livre expresso e da atividade cooperativa, com o objetivo de criar uma nova educacgo. Debrugou-se nesse traba- lho porque considerava a escola da sua época uma instituigéo alienada da vida e da familia, feita de dogmas e de acumula- Go estéril de informago e, ainda, em geral, a servico apenas das classes domi- antes. "Freinet colocou professor e estu- dantes no mesmo nivel de igualdade e camaradagem’, diz Rosa Sampaio (1989). Embora tenha retirado o tablado do pro- fessor, tenha levado uma impressora para dentro da sala, ambiente que era arruma- do em ateliés variados e nao permanen- tes, que mudavam em funcao das neces- sidades do trabalho e/ou com o interesse da turma, como educador, ele no se o- “ARTIGO ENCOMENDADO: LIVRE EXPRESSAO: A PERSPECTIVA FREINETIANA DE EDUCAR | 7 {do Instituto de Aplicacao Fernando Rodrigues da Sivera (CAp-UER)) “e-Miosaicos - Revista Multiiscpinar de Ensino, Pesquisa, Extensso € Cultura Cc e-Mosaicos V.5-N. 10 - DEZEMBRO 2016 - ISSN: 2316-9303 punha as aulas tedricas. No entanto, esas 86 aconteciam quando uma crianga ou o professor explanava sobre assuntos de interesse da classe. Afirmava que o traba- Iho do estudante comeca sempre nos tex- tos livres, que é a base da pedagogia Esses s&o textos efetivamente livres, na forma e no tema, Eles so a expresso do desejo e da curiosidade da crianga ao mesmo tempo em que indicam e deixam claramente expressos os temas de seu interesse eleitos como importantes. A produgéo do texto livre parte da vontade do estudante e se da no instante em que essa vontade se manifesta, ¢ nao em alguma aula ou momento especifico para isso, Segundo os defensores do Mé- todo Natural: "sé assim ele trara as vanta- gens que reconhecem essenciais: espon- taneidade, vida, criacéo, ligacdo intima e permanente com o melo e @ expresséo profunda da crianga e do jovem.” (SAM- PAIO, 1989) A livre expresso é um conjunto de “dizeres” que faz a globalidade do ser, pois ¢ por meio dela que a crianca se ex- pressa de forma verdadeira, sincera e es- ponténea, através da fala, do gesto, da produgo de textos. Para que isso aconte- 2, contudo, a escola devera representar para ela um ambiente acolhedor e de con- fianga. O professor deve demonstrar o prazer de escutar e/ou ler os textos livres das criangas. A livre expressao é uma pos- sibilidade de as criangas se expressarem e se colocarem no mundo com suas ideias sentimentos sobre tudo e todos. Diante dessas possibilidades, des- tacamos a importancia de um espaco es- colar que permita essas trocas de experi- éncias, para que 0 trabalho pedagdgico propicie a participacéio ativa dos estudan- tes, compreendidos como sujeitos ativos de sua aprendizagem. Para isso, 0 educa- dor precisa, antes de tudo, conquistar as criangas/estudantes, estabelecendo a con- vivéncia num clima de confianga e segu- ranga na sala de aula, e as necessidades € nM io cre a, 0s interesses deverdio funcionar como mo- las propulsoras do processo educativo. (...) A pratica da expressio livre segundo a experiéncia por tentati- vas, em Freinet, é considerade eta- pa indispensavel no processo de re- laces entre crianca e 0 meio, e en- tendida como trabalho resultante da reflexdo © analise (..) instru= mento de expresséo dos seus pen- samentos (PEREIRA, 1997, pp. 82- 85), Para Freinet, a comunicacéo é uma necessidade da crianca, e é essa compre- ensio que justifica a livre expresso como principio vertebrador na estruturacéo de suas técnicas de ensino. “Essa comunica- Go, que se concretiza por meio de dife- rentes linguagens, tem na expressdo ver- bal seu elemento central” (FREINET, 1979, p. 12). Segundo Elise Freinet (1979), 0 e- lemento central da obra de Célestin Frei- net é a livre expresso. Para ele, “a livre expresso no é invengdo do cérebro par- ticularmente privilegiado: é a prépria ma- nifestaco da vidal”. Para ele, “A vida pre- para-se pela vida" (FREINET, 1979, p. 25). CONSIDERACGES FINAIS [i] Ndo tenha medo de sujar as maos, de se machucar com uma martelada, de hesitar nos casos em que 2 crianca mais viva domina a situacdo, de tatear, de se enganar, de recomecar. Assim é a vida, e € 0 esforco que fazemos lealmente, pa~ ra_dominar seus incidentes, que constitui 0 principal elemento da nossa educago (FREINET, 1996, p. 92). Afinal no € de hoje que pedago- gos ousados pensam e repensam a escola, uma instituigdo resistente as mudancas. Alguns chegam a dizer que a “escola no- “ARTIGO ENCOMENDADO: LIVRE EXPRESSAO: A PERSPECTIVA FREINETIANA DE EDUCAR | © {do Instituto de Aplicacao Fernando Rodrigues da Sivera (CAp-UER)) “e-Miosaicos - Revista Multiiscpinar de Ensino, Pesquisa, Extensso € Cultura Cc e-Mosaicos V.5-N. 10 - DEZEMBRO 2016 - ISSN: 2316-9303 va” & uma das coisas mais velha na histd- ria da humanidade, Sécrates j4 dava aula caminhando pelos jardins, na antiguidade. Mas a escola no mundo inteiro parece que, com rarissimas excegdes, se mantém nos moldes da escoléstica, como dizia Freinet. Freinet nos desequilibra, nos tira da zona de conforto, com a intensidade no de quem esta a produzir teoria peda- gdgica, mas, sobretudo, pela sua pratica, que se realiza como praxis, pois nao des- vincula teoria da pratica, nem pratica da teoria. Leva-nos a refletir sobre 0 real sig- nificado de uma pedagogia tradicional, autoritéria, longe da vida e fora do contex- to de vivéncia das criangas. Sua critica & escola tradicional no poupa os professo- res, quando critica a postura do docente que, sem se preocupar com as “entreli- nhas” de uma educaco imposta, trabalha com conteuidos compartimentados, em que o mestre manda e os alunos simples- mente obedecem sem se expressar. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS: FREINET, Célestin. A edtucaco do traba- tho. Trad. Maria Ermantina Galvao G. Pe- reira. S40 Paulo: Martins Fontes, 1998. . Para uma escola do pove. Trad. 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