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O ‘ESTRANHO’ (1919) NOTA DO EDITOR INGLES DAS UNHEIMLICHE (@)EDIGOES ALEMAS: 1919 Imago, 5 (5-6), 297-324. 1922 SKN. 5, 229-73. 1924 G.S., 10, 369-408. 1 1924 Dichtung und Kunst, 99-138. 1947 G.W,, 12, 229-68 (b)TRADUGAO INGLESA: ‘The “Uncanny” 1925 C.P,, 4, 368-407. (Trad. de Alix Strachey.) {A presente.tradugao inglesa ¢ verso consideravelmente modificada da publicada em. Este artigo, publicado no outono de 1919, ¢ mencionado por Freud numa carta a Ferenczi de 12 de maio do mesmo ano, na qual diz que desenterrou um velho texto de uma gaveta e 0 esta reescrevendo, Nao se sabe quando foi originalmente escrito e o quanto mudou, embora a nota citada de Totem e Tabu, na pag. 300, adiante, mostre que 0 tema ja estava presente em sua mente em 1913. As passagens ligadas a ‘compulsdo a repeti¢ao’ (ver em [1] segs.) devem, de qualquer maneira, fazer parte da revisdo. Esses trechos incluem um resumio de boa parte do conteddo de Além do Principio de Prazer (19209) @ falam deste como ‘ja concluido'. A mesma carta a Ferenczi, de 12 de maio de 1919, anunciava que um rascunho desse titimo trabalho estava terminado, ainda que, de fato, o livro s6 tivesse sido publicado um ano mais tarde. Mais detalhes serao encontrados na Nota do Editor Inglés a Além do Principio de Prazer, Edigao Standard Brasileira, Vol. XVIII, pag. 13, IMAGO Editora, 1976. ‘A primeira segao do presente artigo, com a sua extensa citagao de um dicionério ‘alemao, apresenta especiais difculdades para o tradutor. Espera-se que os leilores no se deixem desencorajar por esse obstaculo preliminar, pois 0 artigo esta cheio de material importante & interessante e vai muito além dos topicos simplesmente linguisticos. OESTRANHO 'S6 raramente um psicanalista se sente impelido a pesquisar o tema da estética mesmo quando por esttica se entende nao simplesmente a teoria da beleza, mas a teoria das qualidades do sentir, O analista opera em outras camadas da vida mental © pouco tem a ver com os impulsos emacionais dominados, 05 quais, inbidos em seus objetivos e dependentes de uma hoste de fatores simulténeos. fomecem habtualmente © material para o estudo da estética, Mas acontece ocasionalmente que ele tem de interessar-se por algum ramo particular daquele assunto;e esse ramo geralmente revela-se um campo bastante remoto, negligenciado na literatura especiaizada da estética. (© tema do ‘estranho' & um ramo desse tipo. Relaciona-se indubitavelmente com 0 que 6 assustador - com 0 que provoca medo @ horror; certamente, também, a palavra nem sempre 6 usada num sentido claramente definivel, de modo que tende a coincidir com aquilo que desperta 0 medo em geral. Ainda assim, podemos esperar que esteja presente um nucleo especial de sensibilidade que justificou 0 uso de um termo conceitual peculiar. Fica-se curioso para saber que nucleo comum @ esse que nos permite distinguir como ‘estranhas’ determinadas coisas que estdo dentro do campo do que & amedrontador. Nada em absoluto encontra-se a respeito deste assunto em extensos tratados de estética, que em geral preferem preocupar-se com © que ¢ belo, atraente e sublime - isto é, ‘com sentimentos de natureza positiva - e com as circunstancias e os objetivos que os trazem tona, mais do que com os sentimentos opostos, de repulsa e afigdo. Conhego apenas uma tentativa na literatura médico-psicolégica, um artigo férll, mas no exaustivo, de Jentsch (1906). Mas devo confessar que nao fiz um exame muito completo da literatura relacionada ‘com esta minha modesta contribuigao, particularmente da literatura estrangeira, por razées ‘que, como pode ser faciimente adivinhado, estéio nos tempos em que vives; de forma que meu artigo’® apresentado a0 leitor sem qualquer pretensao de prioridade. Em seu estudo do ‘estranho’, Jentsch destaca com muita razdo 0 obstaculo apresentado pelo fato de que as pessoas variam muito na sua sensibidade a essa categoria de sentimento. De fato, © proprio autor da presente contribui¢ao deve declarar-se culpado de particular oblusidade na matéria, onde a extrema delicadeza de percepgao seria mais adequada. Ha muito tempo que nao experimenta ou sabe de algo que the tenha dado uma impressio estranha, e deve comecar por transpor-se para esse estado de sensibilidade, despertando em si a possiblidade de experimenté-lo. Todavia, tais dificuldades fazem-se sentir poderosamente em muilos outros ramos da estética; nao precisamos, por causa disso, desanimar de encontrar exemplos nos quais a qualidade em questo sera reconhecida sem hesitacdes pela maioria das pessoas. De inicio, abrem-se-nos dois rumos. Podemos descobrir que significado velo a ligar-se 8 palavra ‘estranno’ no decorrer da sua historia; ou podemos reunir todas aquelas propriedades dde pessoas, colsas, impressées sensorias, experiéncias e situagdes que despertam em nds 0 sentimento dé estranheza, ¢ inferir, entao, a natureza desconhecida do estranho a partir de tudo 0 que esses exemplos tém em comum. Direi, de imediato, que ambos os rumos conduzem ‘20 mesmo resultado: 0 estranho ¢ aquela categoria do assustador que remete ao que € conhecido, de velho, @ ha muito familar. Como isso € possivel, em que circunstancias o familiar pode tornar-se estranho assustador, @ 0 que mostrarei no que se segue. Acrescente- ‘se também’ que minha investigagao comegou realmente ao coligir uma série de casos individuais, e s6 foi confirmiada mais tarde por um exame do uso lingUistico. Na exposi¢ao que farei, contudo, seguirel o curso inverso. " A palavra alema ‘unheimich’ € obviamente 0 oposto de ‘heimlich’ [domestica] ‘heimisch* [nativo']- 0 oposto do que 6 familar; @ somos tentados a concluir que aquilo que é ‘estranho’ & assustador precisamente porque nfo é conhecido e familiar. Naturalmente, contudo, nem tudo 0 que novo € nao familiar € assustador a retagao nao pode ser invertida. 'S6 podemos dizer que aquilo que € nove pode tomar-se facilmente assustador e estranho; ‘algumas novidades so assustadoras, mas de modo ‘algum todas elas. Algo tem de ser acrescentado a6 que novo e no familiar, para torna-lo estranho. De um modo geral, Jentsch nao foi além dessa relagao do estranho com 0 novo € nao familar. Ele atribui o fator essencial na origem do sentimento de estranheza a incertoza intelectual; de maneira que 0 estranho seria sempre algo que ndo se sabe como abordar. Quanto mais orientada @ pessoa esta, no seu ambiente, menos prontamente terd a impresso de algo estranho em relagdo aos objetos ¢ eventos nesse ambiente. Nao & dificil verficar que essa definigao esta incompleta e, portanto, tentaremos operar para além da equacdo ‘estranho’ = ‘nao familar’. Em primeiro lugar, voltar-nos-emos para ‘outras linguas. Mas 0s dicionarios que consultamos nada de novo nos dizem, talvez apenas porque nés préprios falamos uma lingua que é estrangeira. De fato, temos a impressao de que muitas linguas nao tem palavra pata essa particular nuanga do que ¢ assustador Gostaria de expressar a minha gratidao ao Dr. Theodor Relk pelos seguintes excertos: LATIM: (KE. Georges, Deutschlateinisches Worterbuch, 1898). Um lugar estranho locus suspectus; numa estranha hora da noite: intempesta nocte. GREGO: (Léxicos de Rost e de Schenkl). 1.0 1- (isto é, estranho, estrangeiro). INGLES: (dos diciondrios de Lucas, Bellows, Flugel e Muret-Sanders). Uncomfortable uneasy, gloomy, dismall'uncanny, ghastly; (ofa house) haunted; (of a man) a repulsive fellow. FRANCES: (Sachs-Villatte). Inquiétant,sinistre, lugubre, mal son aise. ESPANHOL: (Tollhausen, 1889). Sospechoso, de mal agilero, ligubre, siniestro. ‘As linguas italiana e portuguesa parecem contentar-se com palawas que descreveriamos como circunlocugdes. Em arabe e hebreu ‘estranho! significa 0 mesmo que ‘demoniaco’,‘horrivel. Voltemos, portanto, ao alemao. No Wortebuch der Deutschen Sprache (1860, 1, 729), dde Daniel Sanders, a seguinte entrada; que reproduzimos integralmente aqui, encontra-se sob ‘a palavra ‘heimlich’. Destaquel com Italicos uma ou duas passagens. Heimlich, adj, subst. Heimlichkelt (pl. Heimlichkeiten): |. Também heimelich, heimelig, pertencente a casa, ndo estranho, familiar, domestico, intimo, amistoso etc. (a) (Obsoleto) pertencente a casa ou a familia, ou considerado como pertencente (cf. latim familaris, familiar): Die Heimlichen, os membros do lar; Der heimliche Rat (Gen. xi, 45; 2 Sam. xxiii 23; 1 Chron. xii, 25; Wisd. vil. 4), hoje mais habitualmente Geheimer Rat [Conseiheiro Privado. * (b) De animais: domesticado, capaz de fazer companhia ao homem. Em oposicao 4 selvagem, e.g. ‘Animais que nfio so selvagens nem heimlich’ etc. ‘Animais selvagens... que ‘880 educados para serem heimlich e acostumados ao hmem. ‘Se essas jovens criaturas so criadas desde os primeiros dias entre os homens, tornam-se bastante heimiich, amistosas’ tc = Assim também: (0 cordeito) ¢ t80 heimiich e come da minha mao.’ ‘Nao obstante, a cegonha € um belo heimelich passaro. (6) inimo, amigavelmente confortavel: 0 destrutar de um contentamento tranquilo etc, despertando uma sensagdo de repouso agradével e de seguranga, como a de alguém entre as “quatro paredes da sua casa, ‘Ainda € heimlich para voc® © seu pais, onde estranhos estio abatendo os seus bosques?’ Ela nao se sentia muito heimiich com ele." ‘Ao longo de uma alta, heimich, sombreada vereda.... junto a um sussurrante, sentimental e balbuciante riacho silvestre.’ Destruir a Heimiichkeit do tar.’ 'Nao conseguia encontrar prontamente outro lugar 0 intimo © heimlich como este.’ ‘Nés o visualizamos 140 confortavel, tao encantador, to aconchegante e heimiich. ‘Em tranquita Heimlichkeit, cercada por estreitas paredes. ‘Uma dona de casa cuidadosa, que sabe como fazer uma agradavel Heimlichkelt (Haustichkeit [domesticidade]) com os mais escassos meios.’ ‘Q homem que alé recentemente fora tao estranho a ele, pareciathe agora muito mais heimlich: ‘Os proprietarios de terra protestantes: no sé sentem ... heimich entre 0s seus subordinados caldlicos.’ ‘Quando tudo fica calmo e heimlich, € 86 a quietude vespertina espreita a tua cela.’ ‘Trangtilo, encantador € heimlich, rnenhum outro lugar mais adequado para o repouso dees.” ‘No se sentia absolutamente heimlich quanto a isso.’ - Também [em compostos] ‘O lugar era to sereno, to isolado, tao sombreadamente-haimiich, Os fluxos e influxos da corrente, sonhadores © embaladores- heimich* Ct. em particular Unheimiich [ver adiante]. Entre os autores suigos da Suabia, particularmente, com frequéncia como trissilabo: ‘Como uma tarde parevia outra vez heimelich a Ivo, quando estava em casa.’ ‘Estava t&o heimelig na casa.’ ‘A sala calida e a tarde heimelig.’ “Quando um homem sente, de coragao, que é to pequeno, e to grande 0 Senhor - isto é que & verdadeiramente heimelig.’ ‘Pouco a pouco sentiram-se 4 vontade e heimelig entre si.’ “Amavel Heimoligkeit’. ‘Em nenhum outro lugar estara to heimelig como estou aqui’ ‘Aquele que vem de longe... cortamente n&o vive muito heimelig {heimatich [em casa. treundnachbariich (de modo amistoso, em boa vizinhangal) entre as pessoas,’ ‘A cabana onde antes repousara tantas vezes entre os seus, to heimelig, t&o feliz.’ ‘A corneta do sentinela soa 180 heimelig da torre, e a sua voz convida com tanta hospitalidade.” ‘Voce vai dormir ali, 140 macio e célido,t80 maravilhosamente heimlig - Esta forma de palavra merecé tomnar-se geral dio modo a evitar que este sentido perfeltamente bom do vocébulo se tome obsoleto, através de uma facil confusdo com WM [ver adiante). Ct"Os Zecks [nome de familia] séo todos ‘noimiich.” (no sentido Il) “Heimiich’? © que vooe entende por heimlich”’ “Bem... s80 como uma fonte enterrada ou um acude seco. Nao se pode passar por ali sem ter sempre a sensagéo de que a agua vai brotar de novo." “Oh, nds chamamos a isso ‘unheimlch’; vocés chamam heimich’. Bem, 0 que faz voce pensar que ha algo seoreto e suspeteso acerca dessa familia?” (Gutzkow), (4) Particularmente na Silésia: alegre, disposto; também em relago ao tempo (lima) Il. Escondido, ocuito da vista, de modo que os outros nao consigam saber, sonegado 408 outros. Fazer alguma coisa heimlich, isto 6, por ras das costas de alguém: roubar heimlich reunides e encontros heimlich; olhar com prazer heimlch @ derrota de, alguém; suspirar ou lastimar-se heimlich: comportar-se heimiich, como se houvesse algo a esconder, caso de amor, amor, pecado heimch; lugares heimlich (que as boas maneiras nos obrigam a esconder) (1 ‘Sam: v. 6). 'A cmara heimiich’ (privada) (2 Reis x. 27). Também, ‘a cadeira heimlch. ‘Langar 20 pose ou Heimtichkeiton’. - ‘Conduzidos os cavalos heimilich adiante de Laomedon.’ - ‘Tao reticente, heimlich enganoso,¢ malicioso para com os cruéis senhores... como franco, aberto, simpatico ¢ sollcto para com um amigo na desoraca.’ “Voce ainda tem que aprender o que ¢ mais heimlich segredado para mim.’ ‘A arte heimlich (magica). ‘Onde a divulgago publica tem. ‘que parar, comegam as maquinages heimlich.’ ‘A lberdade € 0 lema sussurrado de conspiradores heimich e o grito de batalha de revolucionarios declarados.’'Um efeito santo heimich Minhas brincadeiras heimich ‘Se nao lho dao aberta ¢ escrupulosamente, ele pode apanhé-lo heimlich © inescrupulosamente.’ “Ele tinha telescépios acromaticos construidos hhoimiich e secretamente.” ‘Daqui por diante, desejo que nao mais haja nada heimlch entre nds. - Déscobri,revelar, tair as Heimiichkeiton de alguém; tramar Hiemlichkeiten por trés de minhas costas’.'Na minha época estudamos Heimlickeiten:: ‘A méo da compreensdo pode anular sozinha 0 fetgo impotente de Heimliahkeiten (de ouro escondido), ‘Diga,oride ¢ 0 lugar de encobrimento... em que lugar de oculla Hoimlichkeif?’ ‘Abelhas, que fazem o fecho de Hoimlichketen’ (sto &, 0 lace). ‘Aprendido em estranhas Heimichkeiten’ (sto &, 0 lacre). “Aprendido em estranhas Heimichkeiten’ (artes magicas) Para composts, ver acima, Ic. Note-se. particularmente 0 negativo ‘un’: misterioso, _sobrenatural, que desperiahorrivel temor:Parecendo-the bastante unheimiich e fantastico. “AS horas unheimiich e temiveis da noite.’ ‘Ja sentira desde ha muito uma sensagso hunheimlic e ‘até mesmo horrivel.’ ‘Agora estou comegando. a ter um sentimento unheimlich.”...’Sente um horror unheimlich:. ‘Unheimlich ¢ imével como uma imagem de peda.’ ‘Uma névoa unheimlich chamada nevoeiro da colina. ‘Esses jovens palidos sao unheimlich e esiao tramando Deus ‘sabe que desordem.'“Unheimlich" é o nome de tudo que deveria ter permanecido.... secreto & ‘culto mas veio & luz’ (Schelling). - ‘Encobrir 0 divino, cercé-lo de uma certa Unheimiichkeit. Unheimiich poucas vezes ¢ usado como oposto ao significado II (acima). (© que mais nos interessa nesse longo excerto & descobrir que entre os seus diferentes matizes de significado a palavra ‘heimlich’ exibe um que é idéntico ao seu oposto, ‘unheimlich’. _Assim, 0 que ¢ heimiich vem a ser unheinich. (Cf. a citagao de Gutzkow: ‘Nos 0s chamamos “unheimioh’; vocés © chamam “heimich’) Em geral, somos lembrados de que a palavra “heimiich’ ndo deixa de ser ambigua, mas pertence a dois cofjuntos de idéias que, sem serem contraditerias, ainda assim s80 muito diferentes: por um lado significa o que @ familar _agradavel ©, por outro, 0 que esté ocultlo € se mantém fora da vista. “Unheimiich’ & habitualmente usado, conforme aprendemos, apenas como o contrario do primeiro significado de ‘helmich’, © no do segundo. Sanders nada nos diz acerca de uma possivel conexto genética entre esses dois signicados de'heimlich’: Por outro lade, percebemos que Schelling diz algo que dé um novo esclarecimento 0 conceito do Unheimilich, para 0 qual certamente nfo estavamos preparados, Segundo Schelling, unheimlich € tudo © que deveria ter permanecido secrete e oculto mas veio luz. [Aigumes dividas que, desse modo, sufgiram, sao afastidas se consubtamos 0 dicionario de Grimm. (1877, 4, Parte 2, 873 e segs.) ; Lemos: Heimich, ad, e adv. vernaculus, occultus: MAA. heimelth, heimlich, (P. 874.) Em sentido igeiramente diferente: ‘Sinto-me heimlich bem, liberto do medo." [81 (0) Heimich tambem se diz de um lugar livre da influéncia de fantasmas... feria, amistoso, inimo. (P. 675: °+) Familiar, emigavel, franco. 4.Da iia do ‘familiar’ pertencente a case’, desenvolve-se outra idéla de algo afastado dos olhos do estranhos, algo escondido, secreto; e essa ideia expande-se de muitos modos (P. 876.) ‘Na margem esquerda do lago jaz uma campina heimiich na floresta. (chiller, Wihelm Tell, 14... Licenga poética, assim raramente usada no discurso modermo. Heimih @ usado em conjungao com um verbo que expressa o ato de ocular: ‘No segredo do seu tabernéculo ele esconder-me-a heimlich. (Ps. xxvi. 6.) .. As-partes heimich do corpo humano, pudenda... 'os homens que nao morreram foram feridos nas suas partes heimlch. (1 Samuel v.12.) (c) Funcionérios. que dao importantes conselhos, que tém que ser mantidos em segredo, em quesi6es de Estado, sdo chamados conselheiros heimich; 0 adjetivo, de acorde com 0 uso modemo, foi substituido por geheim [secreto]... ‘Farad chamou o nome de José “ele, a quem os segiedos s8o revelados” (consetheiro heimlich). (Gen. xl. 45.) (P. 878.) 6. Heimilich, como se diz. do conhecimento - mistico, alegérico: um significado heimlich, mysticus, dvinus, occuftus, fguratus. (P. 878.) Heimlich num sentido diferente, como afastado do conhecimento, inconsciente.... Heimich tem também o significado daquilo que obscuro, inacessivel a0 conhecimento... ‘Vocé néo-vé? Eles n&o confiam em nds; éles temem a face heimlich do Duque de Friedland.’ (Schiller, Wallensteins Lager, Cena 2.) 9.A nogao de algo oculto e perigoso, que se expressa no ultimo paragrafo, desenvolve- ‘se mais ainda, de modo que ‘heimlich’. Assim: ’As vezes sinto-me como um homem que caminha pela noite e acredita em fantasmas; cada esquina para ele @ heimlich e cheia de terrores (Kinger, Theater, 3. 28.) Dessa forma, heimlich é uma palavra cujo significado se desenvolve na diregto da ambivaléncia, até que finalmente coincide com 0 Seu posto, unheimlich. Unheimlich &, de um modo ou de outro, uma subespécie de heimlich. Tenhamos em mente essa descoberta fembora no possamos ainda compreendé-la corretamente, lado a lado com a definigao de ‘Schelling do Unheimlich. Se continuarmos a examinar exemplos individuals de estranheza, essas sugestées tomar-se-80 inteligivels a nés. Quando passamos a rever as coisas, pessoas, impressdes, eventos e situagSes que conseguem despertar em nés um sentimento de estranheza, de forma particularmente poderosa e definida, a primeira condigdo essencial & obviamente selecionar um exemplo ‘adequado para comegar. Jentsch tomou como étimo exemplo ‘dévidas quanto a saber se um ser aparentemente animado esté realmente vivo; ou, do modo inverso, se um objeto sem vida ndo pode ser na verdade animado’; ¢ ele refere-se, a esse respeito, & impressio causadla por figuras de cera, bonecos e automatos engenhosamente construidos. A estes acrescenta 0 estrantho efeite dos acessos epiléticos e das manifestagdes de insanidade, porque excita no espectador a impressdo de processos, aulomaticos © mecénicos, operando por tras da aparéncia comum de atividade mental. Sem aceitarinteiramente esse ponto de vista do autor, toma‘lo-emos como ponto de partida para as nossas prdprias investigagSes, porque no que se segue ele nos lembra um escitor que, mais do que qualquer outro, teve éxito na criagdo de efelos estranhos. Escreve Jentsch: ‘Ao contar uma histéria, um dos recursos mais bem-sucedides para cia facimente efeitos de estranheza € deiiar 0 letor na incerteza de que uma determinada figura na historia @ um ser humano ou um aut6mato, e fazé-lo de tal modo que a sua ateng#io no se concentre diretamente nessa incerteza, de maneira que ndo possa ser levado a penetrar no assunto e esclarecé-lo. imediatamente. Isto, como afirmamos, dissiparia rapidamente 0 peculiar efeito emocional da coisa. E.T-A. Hoffmann empregou repetidas vezes, ‘com éxito, esse artfcio psicologico nas suas narrativas fantésticas. Essa observagdo, indubitavelmente correta, refere-se principalmente a histéria de ‘O Homem da Areia’, em Nachistcke, de Hoffmann, que contém 0 original de Olimpia, a boneca ‘que aparece no primeiro ato da Opera de Offenbach, Contos de Hoffmann. Mas n8o posso achar - @ espero que @ maioria dos leitores da histbria concorde comigo - que o tema da boneca Olimpia, que € em todos os aspectos um ser humano, soja de alguma forma 0 unico elemento, ou de fato'0 mais importante, a que se deva atibuis a inigualével atmostera de estranheza evocada pela histtia. Nem essa atmasfera ¢ elevada pel fato de que o proprio. autor trata 0 episédio de Olimpia com im leve toque de sativa e 0 use para ridiclarzar a idealizagdo que a jover faz da sua amante. O tema principal da histéria 6, pelo cbirrio, algo Giferente algo que the da 0 nome e que & sempre reintroduzido nos momentos crticos: & 0 tema do Homem da Area’ que aranca os olhos das eriangas. Esse conto fantastico principia com as récordagdes de inféncia do estudante Nataniel [A despeito da sua felcidade presente, no pode banir-as lembrangas ligadas @ morte misteriosa ¢ apavorante do seu amado pai. Em certas notes, sua me costumava mandar a ctiancas cedo para a cama, prevenindo-as de que ‘o Homem da Areia estava chegando'; e, por certo, Nataniel no deixaria de ouvir os pesados passos de um visitante, com o qual o pai estaria ocupado toda a noite, Quando indagada acerca do Homem da Areia, a sua mae na uagem; a baba, porém, verdade negava que tal pessoa existisse, exceto como figura de odia Yarshe uma informago mais precisa: ‘E um homem perverso que chega quando as criangas nao vao para a cama, ¢ joga punhados de areia nos olhos'delas, de modo que estes saltam sangrando da cabega, Ele coloca entéo 0s olhos num saco e os leva:para a meia-lua, para alimentar os seus fos. Eles esto acomodados lé em cima, no ninho, ¢ seus bicos sao curvos como bicos de coruja, e eles 08 usam para mordiscar os olhos dos meninos e das meninas desobedientes.” Embora © pequeno Nalaniel fosse sensivel e tivesse idade bastante para ndo dar crédito a figura do Homem da Arela com tais horriveis alributos, ainda assim o medo fixou-se no seu coragao. Determinou-se a descobrir que aparéncia tinha o Homem da Areia; e uma noite, quando o Homem da Areia era outra vez esperado, ele escondeu-se no escritrio do pai. Reconheceu 0 visitante como ‘sendo 0 advogado Copélio, uma pessoa repulsiva que amedrontava as criangas quando, ocasionalmente, aparecia para jantar, e ele agora identicava esse Copélio com o,temido Homem da Areia. No que diz respeito ao resto da cena, Hoffmann ja nos deixa em duvida se o que esiamos testemunhando € o primeiro deliio do apavorado menino, ou uma sucessio de acontecimentos que devem ser considerados, na historia, como sendo reais. O pai e o convidado estéo trabalhando num braseiro incandescente. O pequeno intrometido ouve Copélio invocar: ‘Aqui os olhos! Aqui os olhos'", & trak-se ao soltar um alto grito, Copélio apanha-o e estd prestes a langar brasas tiradas do fogo ‘em seus olhos, jogando estes depois no braseiro, mas o pai Ihe implora que solte 0 menino @ salvarihe os olhos. Depois disso, 0 rapaz cai em profundo desfalecimento; ¢ uma longa cenfermidade p0e fim a sua experiéncia. Aqueles que optam pela interpretagao racionalista do Homem da Areia niio deixam de reconhecer, na fantasia do menino, a persistente influéncia da historia contada pela baba. Os punhados de areia que deveriam ser jogados aos olhos da crianga, transformam-se em pedacos de carvao em brasa, tirados das chamas; e em ambos os casos destinam-se a fazer com que 0s seus’olhos pulem para fora. No decorrer de uma outra Visita do Homem da Areia, um, ano depois, 0 pai é morto no escritério por uma exploséo. O advogado Copélio desaparece do lugar sem deixar qualquer vestigio alrés de si. Nataniel, agora um estudante, cré ter reconhecido esse fantasma de horror da sua infancia num oculista itinerante, um italiano chamado Giuseppe Coppola, que na cidade universitaria, se oferece para vender-lhe barémetros. Quando Nataniel récusa, 0 homem prossegue: ‘Nao quer barémetros? Nao quer barémetros? Tenho também dtimos olhos, dtimos. olhos!' 0 terror do estudante atenua-se quando descobre que os olhos oferecidos so apenas inofensivos éculos, e compra um pequene telescépio de Coppola. Com a ajuda do instrumento ele observa a casa em frente, do professor Spalanzani, @ ali espia a bela mas estranhamente silenciosa e imével ha de Spalanzani, Olimpia. Logo se apaixona por ela to violentamente que, por sua causa, esquece a moga talentosa e sensivel de quem esti noiva. Mas Olimpia é um autdmato, cujo mecanismo foi feito por Spalanzani © cujos olhos foram colocados por Coppola, 0 Homem da Arela. © estudante surpreende os dois Mestres discutindo quanto a0 seu trabalho manual, © oculsta leva embora a boneca de madeira, sem 0s olhos; © 0 ‘mecanico, Spalanzani, apanha no cho os olhas sangrentos de Olimpia © os arremessa a0 peito de Nataniel, dizendo que Coppola os havia roubado do estudante. Nataniel sucumbe a um novo ataque de loucura e, no seu delirio, a recordagao da morte do pai mistura-se a essa nova experiéncia. ‘Apressa-te! Apressa-te! anel de fogo!” grita ele. ‘Gira, anel de fogo - Hurrah! jra -' Cal entéo sobre.o professor, 0 ‘pai’ de Apressa-te, boneca de paul Linda boneca de pau, Olimpia, ¢ tenta estrangulé-to, Reanimando-se de uma longa e grave enfermidade, Nataniel parece, por fim, estar recuperado. Pretende casar-se com a sua noiva, com a qual se reconciliou. Um dia estavam ele ¢ ela passeando pelo mercado da cidade, sobre o qual a alta torre da prefeitura lanca a sua enorme sombra. Por sugestio da moga, sobem a torre, deixando em baixo 9 imo dela, que caminhava com eles, Do alto, @ atengdo de Clara € atraida para um curioso objeto que se ‘move ao longo da rua. Nataniel observa essa coisa através do telescépio de Coppola e cai num novo ataque de loucura, Gritando ‘Gira, boneca de pai’. tenta jogar a garota da torre. O imo da moga, levado pelos gritos desta, salva-a e apressa-se em descer com ela em seguranca. La nos sabemos a ‘em cima, na torre, 0 louco corre em circulos berrando ‘Gira, anel de fogo!” origem das palavras, Entre as pessoas que comecaram a se juntar em baixo, desiaca-se a figura do advogado Copélio, que voltou de repente. Podemos supor que foi a sua aproximagao, vista através do telescopio, que langou Nataniel ao seu acesso de loucuras Enquanto, as pessoas que observam a cena se preparam para subir e dominar 0 louco, Copélio ri e diz: Subitamente Nataniel fica imével, avista "Esperem um pouco; ele vai descer por si propri Copélio e,'com um grito selvagem de ‘Sim! Otimos olhos - otimos dlhos!’, lanca-se por sobre o parapeito. Seu corpo jaz nas pedras da rua com o orénio despedagado, enquanto o Homem da Areia desaparece na multidao. Esse breve sumério nao deixa duvidas, acho eu, de que o sentimento de algo estranho esta ligado diretamente a figura do Homem da Areia, isto 6, a idéia de ter 08 olhos roubados, e ‘que 0 ponto dé vista de Jentsch, de uma incerteza intelectual, nada tem a ver com o efeito. A incerteza quanto @ um objeto ser vivo ou inanimado, que reconhecidamente se aplica & boneca Olimpia, é algo irrelevante em relagao a esse outrd exemplo, mais chocante, de estranheza. E verdade que 0 escritor cria uma espécie de incerteza em és, a principio, nao nos deixando saber, sem divida propositalmente, se nos esta conduzindo pelo mundo real ou por um mundo puramente fantastico, de sua propria criagao. Ele tem, de certo, 0 direito de fazer ambas as coisas; e se escolhe como palco da sua ago um mundo povoado de espiritos, dem6nios © fantasmas, como Shakespeare em Hamlet, em Macbeth e, em sentido diferente, em A Tempestade e Sonho de uma Noite de Verdo, devemo-nos curvar a sua decisao e considerar 0 cenario como sendo real, pelo tempo em que nos colocamos nas suas maos. Essa incerteza, porém, desaparece no decorrer da historia de Hoffmann, e percebemos que pretende, também, fazer-nos olhar através dos éculos ou do telescépio do demoniaco oculista -talvez, na verdade, 6 proprio autor em pessoa tenha feito observagdes atentas através de tal instrumento, A conclusdo da histéria deixa bastante claro que Coppola, 0 oculista, € realmente 0 advogado Copelio ¢ também, portanto, o Homem da Areia Nao se trata aul, portanto, de uma questao de incerteza intelectual: sabemos agora que nao devemos estar observando © produto da imaginagao de um louco, por tras da qual nos, com a superioridade das mentes racionais, estamos aptos a detectar a sensata verdade; @, ainda assim, esse conhecimento no diminul em nada a impressao de estranheza. A teoria da incerteza intelectual é, assim, incapaz de explicar aquela impresséo. ‘Sabemos, no entanto, pela experiéncia psicanalitica, que 0 medo de ferir ou perder os olhos & um dos mais terriveis temore das criangas. Muitos adultos conservam uma apreensao esse aspecto, @ nenhum outro dano fisico @ mais temido por esses adultos do que um ferimento nos olhos. Estamos acostumados, também, a dizer que estimamos uma coisa como 1a menina dos olhos. 0 estudo dos sonhos, das fantasias © dos mitos ensinou-nos que a ansiedade em relagdo aos proprios olhos, o medo de ficar cego, é multas vezes um substituto dio temor de ser castrado. © autocegamento do criminoso mitico, Edipo, era simplesmente uma forma atenuada do castigo'da castragao -'o Unico castigo que era adequado a ele pela lex fallionis. Podemos tentar, com fundamento racionalista, negar que os temores em relagao aos olhos derivem do mado da castfagao, e argumentar que € muito natural que um érgio tao preciso como o olho deva ser guardado por um medo proporcional. Na verdade, podemos ir Jer que 0 proprio medo da castragéo no contém outro significado, nem outro segredo mais profundo, do’ que um justificével medo de natureza racional. Esse ponto de vista, mais além e porém, nao considera adequadamente a relacdo substitutiva entre o olho e o érgao masculino, ‘que se verfica existir nos sonhos, mitos e fantasias; nem dissipa a impressdo de que @ ameaca de ser castrado excita de modo especial uma emogao particularmente violenta e obscura, © que é essa emogao que dé, antes de mais nada, intenso colorido a idéia de perder outros ‘6190s. Todas as demais duvidas so afastadas quando sabemos, pela andlise de pacientes neuréticos, dos detalhes do seu ‘complexo de castragdo’ e compreendemos @ enorme importancia desse complexo na vida mental de tais pacientes, ‘Ademais, eu no recomendaria a qualquer oponente da concepcao psicanalitica que escolnesse particularmente essa historia do Homem da Areia, para apoiar o argumento de que a ansiedade em relagéo aos olhos nada tem a ver com 0 complexo de castragao. Por que razAo, ento, colocou Hoffmann essa ansiedade em relac&o tdo intima com a morte do pai? E por que o Homem da Areia aparece sempre como um perturbador do amor? Ele separa 0 infeliz Nataniel da sua noiva e do irmao desta, seu melhor amigo; ele destr6i o segundo objeto do seu amor, io no momento em que recuperou a sua Clara @ esta prestes a unir-se ventyrosamente a ela. Na historia, elementos como estes & muitos outros parecem arbitrarios e sem sentido, na medida em que negamos toda ligagao pia, @ linda bonece; € leva-o ao sul entre os medos relacionados com os olhos € com a eastrag8o; mas tornam-se inteligiveis td logo substituimes 0 Homem da Areia pelo pai temido, de cujas macs @ esperada a castragdo.Ariscar-nos-emos, portanto, @ referir © estranho efeito do Homem da Areia & ansiedade pertencente ao complexo de castragao da infancia. Contudo, uma vez atingida a ideia de que podemos tornar um fator infantil como este responsavel por sentimentos oe estranheza, somo encorajados a verificar se podemos aplca-la a outros exemplos do estranho. Na historia do Homem da Areia, encontramos 0 outro tema destacado por Jentsch, de uma boneca que parece ter vida, Jentsch acredita que se cria uma condigio partcularmente favoravel para despertar sentimentos de estranheza, quando existe uma incerteza intelectual uanto @ um objeto ter ou no vida, e quando um objeto inanimado se torna excessivamente parecido com um objeto animado. Ora, certamente as bonecas sao intimamente ligadas com a vida infant, Lembremo-nos de que, nos primelros folguedos, de modo algum as criangas distinguem nitidamente objetos vivos de objetos inanimados, e gostam particulatmente de tratar {as suas bonecas como pessoas vivas. De falo, tenho ouvido ocasionalmente uma paciente declarar que: mesmo aos olto anos de idade, ainda estava convencida de que as suas boneces certamente ganhariam vida se ela as olhasse de uma determinada forma, extremamente concentrada. De modo que, também aqui, nao é dificil descobrir um fator da inféncia Curiosamente, porém, ainda que a historia do Homem da Areia aborde 0 despertar de um medo da primitiva infanciaa idéia de uma ‘boneca viva’ ndo provoca absolutamente 0 medo; a6 criangas no temem que as suas bonecas adquiram vida, podem até desejé-o, A forte de sentimentos de estranheza nao seria, nesse caso, portanto, um medo infantil; mas, antes, seria fant. Parece haver aqui uma um desejo ou até mesmo simplesmente uma crenga contradieao; porém, talvez seja apenas uma complicagao, que nos pode ser itil mais tarde. Hoffmann @ 0 mestre incompardvel do estranho na literatura. Sua novela Die Elixire des Teufels [0 Elixir do Diabo] contém toda uma série de temas a que se é tentado a atribuir o obscura e intrincada para que nos” feito estranho da narrativa; mas uma historia por dem: aventuremos a um sumario da mesma, Ja mais para o final do livro é que 0 leitor fica a saber dos fatos, que até entéo the haviam sido ocultados, dos quais se origina a agao; com o resultado de que nao fica, por fim, esclarecido, mas de que cai num estado de completa estupefagao. © autor acumulou excessivo material da mesma espécie. Em consequéncia disso, a compreensao da histéria como um todo sofre, ainda que nao a impress4o que provoca Devemo-nos contentar em escolher aqueles tomas de estranheze que se destacam mais, a0 mesmo tempo em que verificamos se também podem ser facilmente atribuidos a causas infantis. Todos esses temas dizem respeito ao fendmeno do ‘duplo’, que aparece em todas as formas e em todos 0s graus de desenvolvimento. Assim, temos personagens que devem ser considerados idénticos porque parecem semelhantes, iguais. Essa relagao @ acentuada por processos mentais que saltam de um para outro desses personagens - pelo que chamariamos telepatia -, de modo que um possui conhecimento, sentimento e experiéncia em comum com 0 ‘outro. Ou 6 marcada pelo fato de que o sujeto identfica-se com outra pessoa, de tal forma que fica em divida sobre quem @ 0 seu eu (sel), ou substitui o seu proprio eu (self) por um estranho, Em outras palavras, ha uma duplicagao, divisdo e intercémbio do eu (self). E, finalmente, ha 0 retorno constante da mesma coisa - a repeticdo dos mesmos aspecios, ou caracteristicas, ou vicissitudes, dos mesmos crimes, ou até dos mesmos nomes, através das diversas geragbes que se sucedem. , © tema do ‘duplo' foi abordado de forma muito completa por Otto Rank (1914). Ele ppenetrou nas ligagdes que o ‘duplo' tem com reflexos em espelhos, ‘com sombras, com os espirtos guardiGes, com a crenga na alma @ com 0 medo da morte; mas langa também um raio de luz sobre a surpreendente evolugao da idéia. Originalmente, 0 ‘duplo’ era uma seguranca ‘contra a destruigao do ego, uma ‘enérgica negagao do poder da morte’, como afirma Rank; e, provavelmente, a alma ‘imortal' foi o primeiro ‘duplo’ do corpo. Essa invengao do duplicar como defesa contra a extingdo tem sua contraparte na linguagem dos sonhos, que gosta de representar a castragao pela duplicagao ou multiplicagao de um simbolo genital. O mesmo desejo levou os antigos egipcios a desenvolverem a arte de fazer imagens do morto em materiais duradouros. Tais idéias, no entanto, brotaram do solo do amor-proprio ilimitado, do narcisismo primario que domina @ mente da crianga e do homem primitivo. Entretanto, quando essa etapa esta superada, o ‘duplo’ inverte seu aspecto. Depois de haver sido uma garantia da imortalidade, transforma-se em estrainho anunciador da morte. ‘A ideia do ‘duplo’ no desaparece necessariamente ao passar 0 narcisismo primario, pois pode receber novo significado dos estadios posteriores do desenvolvimento do ego. Forma-se ali, lentamente, uma atividade especial, que consegue resistir ao resto do ego, que tem a fungao de observar e de critcar o eu (sell) e de exercer uma censura dentro da mente, & da qual tomamos conhecimento como nossa ‘consciéncia’. No caso patoligico de delirios de observagéo, essa atividade mental torna-se isolada, dissociada do ego e discernivel ao ,olho do terapeuta. © fato de que existe uma atividade dessa natureza, que pode tratar 0 resto do ego como um objeto - isto &, 0 fato de que o homem ¢ capaz de aulo-observagao - torna possivel investir a velha idéia'de ‘duplo’ de um novo significado e atribuir-the uma série de coisas - sobretudo aquelas coisas que, para a autocrtica, parecem pertencer a0 antigo narcisismo Superado dos primeiros anos. Nao 6, contudo, apenas esse ultimo material, ofensivo como € para a critica do ego, que pode ser incorporado @ idéia de um duplo. Hé também todos os fuluros, no cumpridos ‘mas possiveis, a que gostamos ainda de nos apegar, por fantasia; ha todos os esforgos do ego que circunstancias extemas adversas aniquilaram @ todos 0s nossos atos de vontade suprimidos, atos que nutrem em nés a ilusdo da Vontade Livre. [Cf. Freud, 1901b, Capitulo Xil @)1 ‘Apés haver assim considerado a motivagéo manifesta da figura de um ‘duplo’, porém, temos que admit que nada disso nos ajuda a compreender a sensacao extraordinariamente . intensa de algo estranho que permeia a concepgao; & 0 nosso conhecimento dos processos. mentais patologicos permite-nos acrescentar que nada, nesse material mais superficial, podia ‘ser levado em conta na ansia de defesa que levou 0 ego a projetar para fora aquele material como algo estranho a si mesm@, Quando tudo esta dito ¢ feito, a qualidade de estranheza so pode advir do fato de 0 ‘duplo’ ser uma criagao que data de um estadio mental muito primitivo, ha muito superado - incidentalmente, um estadio em que o ‘duplo’ tinha um aspecto mais amistoso. O ‘duplo’ converteu-se num objeto de terror, tal como aps 0 colapso da religio, os deuses se transformam em deménios. f ‘As outras formas de perturbagao do ego, exploradas por Hoffmann, podem ser facimente avaliadas pelos mesmos pardmetros do tema do ‘duplo’. So elas um retorno a determinadas fases na elevagao do sentimento de autoconsideragao, uma regressao a um periodo em que o ego nao se distinguira ainda nitidamente do mundo externo e de outras pessoas. Acredito que esses fatores sao em parte responsaveis pela impressdo de estranheza, ‘embora nao seja facil isolar © determinar exatamente a sua partcipagao nisso. © fator da repetigao da mesma coisa nao apelard, talvez, para todos como fonte de uma sensagao estranha. Daquilo que tenho observado, esse fendmeno, sujeito a determinadas condigdes @ combinado a determinadas circunstancias, provoca™indubitavelmente uma sensagio estranha, que, além do mais, evoca @ sensagdo de desamparo experimentada em alguns estados oniricos. Em certa farde quente de verdo, caminhava eu pelas ruas desertas de uma cidade provinciana na Italia, quando me encontrei num quarteirso sobre cujo carater nao poderia ficar em divide por muito tempo. So se viam mulheres pintadas nas janetas das peduenas casas, @ apressel-me a deixar a estreita rua na esquina seguinte. Mas, depois de hhaver vagado algum tempo sem perguntar 0 meu caminho, encontrei-me subitamente de volta ‘a mesma rua, onde a minha presenga comegava agora a despertar atengao. Afastei-me apressadamente uma vez mais, apenas para chegar, por melo de outro détour, & mesma rua pela terceira vez. Agora, no entanto, sobreveio-me uma sensag8o que sé posso. descrever como estranha, e alegrei-me bastante por encontrar-me de volta a piazza que deixara pouco antes, sem quaisquer outras viagens de descoberta, Outras situagdes, que tém em comum com a minha aventura um relomo involuntério da mesma situaco, as quals, porém, dela diferem radicalmente em outros aspectos, resultam também na mesma sensagdo de desamparo e de estranheza. Assim, por exemplo, quando, surpreendido talvez por um nevoelto, alguém perde 0 caminho numa floresta da montanha, cada tentativa para encontrar 0 caminho marcado ou familar pode levar @ pessoa de volta, por muitas e muitas vezes, a um nico @ mesmo ponto, que pode ser identificado’por algum marco particular. Ou a pessoa pode vagar numa sala escura e desconhecida, procurando a porta ou o interruptor de luz, e esbarrar, vez apos vez, com a mesma pega de mobildrio - conquanto seja verdade que Mark Twain conseguiu,. com extravagante exagero, transformat essa ultima situagao em algo ircesistivelmente comico. Se tomamos outro tipo de coisas, ¢ facil verifcar que também @ apenas esse fator de repetigéo involuntaria que cerca o que, de outra forma, seria bastante inocente, de uma ‘almosfera estranha, e que nos impde a idéia de algo fatidico e inescapavel, quando, em caso contrario, teriamos apenas falado de ‘sorte’. Naturalmente, por exemplo, no damos importéncia a0’ fato quando entregamos um sobretudo € recebemos do guarde-roupa um tiquete com 0 nuriero, digamos, 62; ou quando descobrimos que a nossa cabine num navio tem esse numero, Mas a impressto é alterada se dois eventos, cada qual independente em si ‘ocorrem préximos: se nes deparamos com 0 nimero 62 diversas vezes no mesmo dia, ou se comegamos a perceber que’ tudo o que tem numero - enderecos, quartos de hotel, Ccompartimentos em trens - tem invariavelmente o mesmo, ou, em todo caso, um que contém os mesmos algarismos. Sentimos que isso € estranho. E, 2 no Ser que 0 individuo soja totalmente impermeavel ao engodo da superstigao, ficara tentado a atribuir um significado secreto a essa ocorréncia obstinada de um nimero; entende-lo-8 talvez como uma indicagao 0 periodo de vida a ele designado, Ou suponhe-se alguém empenhado em ler as obras do famoso fisidlogo Hering, e num espaco de poucos dias recebe duas carts, de dois diferentes paises, cada qual de uma pessoa chamada Hering, embora esse leilor de fisiologia jamais tenha tido contato com qualquer pessoa chamada Hering. Néo ha muito tempo um inventivo cientista (Kammerer, 1919) tentou reduzir as coincidéncias dessa espécie a determinadas lots, privando-as assim do seu estranho efeito. Ndo vou artiscar-me a decidir se ele foi ou nfo bem- sucedido (© modo com que exatamente podemos atribuir 4 psicologia infantil o estranho efeito de semelhantes ovorréncias, 6 uma questo que posso tocar apenas tangencialmente nestas paginas; e devo referr ao leitor um outro trabalho, jé concluido no qual o problema foi colocado fem detalhes, mas numa relagao diferente. Pois possivel reconhecer, na mente inconsciente, fa predominancia de uma ‘compulsao @ repeticao’, procedente dos impulsos instintuals e provavelmente inerente & propria natureza dos instintos - uma compulsao poderosa o bastante para prevalecer sobre o principio de prazer, empresiando a determinados aspectos da mente seu caréter demoniaco, e ainda muito claramente expressa nos impulsos das. criangas equenas; uma compulsdo que é fesponsével, também, por uma parte do rumo tomado pelas andlises de pacientes neurbticos. Todas essas consideragbes preparam-nos para a descoberta de que 0 que quer que nos lembre esta intima ‘compulsdo repeticdo’ & percebido como estranho. ‘Agora, no entanto, é tempo de deixarmos esses aspectos do problema, que, em todo caso, s8o dificeis de julgar, © procurarmos alguns exemplos inegéveis. do estranho, na esperanga de que uma anélise destes decida se nossa hipotese 6 valida. Na histéria de ‘© Anel de Policrates’, 0 rei do Egito afasta-se horrorizado do seu anfitriéo, Policrates, porque vé que cada desejo do seu amigo ¢ imediatamente satisfeto, cada cuidado seu prontamente anulado por um amavel destino. © anfitriao tomou-se ‘estranho' para le. A sua propria explicagto, de que também o homem feliz tem que temer a inveja dos Jmulado em linguagem mitologica deuses, parece-nos obscura; o seu significado esta di \Voltar-nos-emos, portanto, para um outro exemplo, em cenario menos grandioso. No caso linico de um neurético obsessive, descrevi como 0 paciente. ficou cerla vez num estabelecimento para tratamento hidropatico e muito se beneficiou disso. Teve 0 bom senso, no entanto, de atribuir a sua melhora no as propriedades terapéuticas da agua, mas 4 situagao do seu quarto, que ficava exatamente ao lado do de uma enfermeira muito ‘obsequiosa. Assim, na sua segunda visita ao estabelecimento, pediu 0 mesmo quarto, mas disseram-he que ja estava ocupado por um senhor de idade, a0 que ele deu vazio ao seu aborrecimento com as palavras: ‘Quero que ele caia morto por causa disso.’ Duas semanas depois © velho realmente teve um derrame. © meu paciente considerou o fato uma experiéncia estranha’. A impressao de estranheza teria sido ainda mais forte se menos tempo houvesse passado entre as.duas palavras ¢ 0 infeliz evento, ou se tivesse sido capaz de apresentar inumeraveis coincidéncias semelhantes. O fato @ que nao teve dificuldades para exibir coincidéncias dessa espécie; mas, entéo, ndo apenas ele, mas também todos 0s neurdticos ‘obsessivos que observe, conseguiram relatar experincias anélogas. Jamais se surpreendem quando invariavelmente se chocam com alguém em quem justamente acabam de pensar, “Ha muito tempo que nao tenho talvez pela primeira vez em-muito tempo. Se dizem certo noticias de fulano’, estarBo certas de receber uma carta desse fulano na manha seguinte, © raramente ocorrerd um acidente ou uma morte sem que isto es tenha passado pela cabeca pouco antes. Tém o habito de referir-se a esse estado de coisas da maneira mais modesta, aizendo que ter ‘pressentiments' que ‘geralmente' se tomnam realidade. Uma das mais estranhas e difundidas formas de superstigdo é medo do mau-olhado, {que fol exaustivamente estudado por um oculsta de Hamburgo, Seligmann (1910-11). Parece jamais ter havido qualquer divida quanto & origem desse medo. Quem quer que possua algo {que Seja a um s6 tempo valioso e frag, tem medo ta inveja de outras pessoas, na medida em que projeta nelas a inveja que teria sentido em seu lugar. Um sentimento como este trai-se por tum olhar, muito embora nao seja posto em palavras; e quendo um homem se destaca devido a alvbulos visivels,e particularmente atributos ndo alraentes, as oulras pessoas esto prontas @ acreditar que a sua inveja se eleva a um grau de intensidade maior do que © habitual, e que essa intensidade a convertera em ago efetiva, Assim, o que é temido & uma intengéo secreta de fazer mal, determinados sinais s8o interpretados como se aquela inten¢ao tivesse o poder necesstirio as suas ordens : Esse ultimos exemplos do ‘estranto’ devem ser referides ao principio due denominei ionipotencia de pensamento’, tomando © nome de uma expressdo usada por um dos meus pacientes, E agora encontramo-nos em terreno familar. A nossa andlise de exemplos do estranho reconduziv-nos & antiga concepgao animista do universe. Caracterizava-se esta pela idéia de que o mundo era povoado por espiritos dos seres humanos; pela supervalorizagao narcisica, do sujeito, de seus proprios processos mentale, pela crenca na onipoténcia dos pensamentos e a técrica de magia baseada nessa crenga; pela atribuicdo, a varias pessoas coisas externas, de poderes magicos culdadosemente graduados, ou ‘mana’; bom como por todas as outras criagBes, com a ajuda das quais © homem, no itrestito narcisismo desse estilo de desenvolvimento, empenhou-se em desviar as proibigbes manifestas da realidade E como se cada um de nés houvesse alravessado uma fase de desenvolvimento individual correspondente a esse estédio animista dos homens primitivos, como se ninguém houvesse passado por essa fase sem preservar certs residues e tragos dela, que so ainda capazes de se manifestar, € que tudo aquilo que agora nos surpreende’ como ‘estranho’satisfaz a condicao de tocar aqueles resicuos de ativiéade mental animista dentro de nés © darshes expressdo.Neste ponto vou expor duas consideragdes que, penso eu, contém a esséncia deste breve estudo. Em primeiro lugar, se a teoria psicanalitica esta certa ao sustentar que todo afeto pertencente a um impulso emocional, qualquer que seja a sua espécie, transforma-se, se reprimido, em ansiedade, entdo, entre os exemplos de coisas assustadoras, deve haver uma categoria em que o elemento que amedronta pode mostrar-se ser algo reprimido que retorna. Essa categoria de coisas assustadoras construiria entdo o estranho; e deve ser indiferente a questao de saber se 0 que é estranho era, em si, originalmente assustador ou se trazia algum outro afeto. Em segundo lugar, se @ essa, na verdade, a natureza secreta do estranho, pode-se compreender por que 0 uso lingiiistico estendeu das Heimliche ‘homely (‘domeéstico, familiar] para 0 seu oposto, das Unheimliche (ver em [1]); pois esse estranho nfo é nada novo ou alheio, porém algo que & familiar e ha muito estabelecido na mente, e que somente se aliendu desta através do proceso da repressao. Essa referéncia 20 fator da repressdo permite-nos, ademais, compreender a definigdo de Schelling [ver em [1] do estranho como algo que deveria ter permanecido oculto mas veio & luz. Resta-nos apenas comprovar a nossa nova hipétese em mais um ou dois exemplos do estranho. Muitas pessoas experimentam a sensagao, em seu mais alto grau, em relago a morte «aos cadéveres, 20 retorno dos mortos @ @ espiritos e fantasmas. Como vimos [ver em {1}, algumas linguas em uso atualmente s6 podem traduzir a expresstio alema ‘uma casa umheimich’ por ‘uma casa assombrada’, De fato, podiamos ter comecado nossa investigagao ‘com esse exemplo, talvez o mais impressionante de todos, de algo estranho, mas abstivemo- nos de 0 fazer, porque 0 estranho nesse exemplo esta por demais miscigenado ao que & puramente horrivel, e € em parte encoberto por ele. Dificimente existe outra quesiao, no entanto, em que as nossas idéias e sentimentos tenham mudado téo pouco desde os primérdios dos tempos, e na qual formas rejeitadas tenham sido tao completamente preservadas sob escasso dlisfarce, como a nossa relagdo com a morte, Duas coisas contam para 0 nosso conservadorismo: a forga da nossa reagéo emocional original @ morte © a insuficiéncia do nosso conhecimento cientifiéo a respeito dela. A biclogia no conseguiu ainda responder se a morte é o destino inevitavel de todo ser vivo ou se é apenas um evento regular, mas ainda assim talvez evitével, da vida. € verdade que a-afirmagao ‘Todos os homens so mortais’ 6 mostrada nos manuais de l6gica como exemplo de uma proposigso geral; mas rnenhum ser humano realmente a compreende, @ o nosso inconsciente tem to poueo uso hoje, como sempre teve, para a idéia da sua propria mortalidade. As religiGes continuam a discutr a importancia do fato inegavel da morte individual e @ postular uma vida apés a morte; os governos civis ainda acreditam que néo padem manter a ordem moral entre os vivos, se no sustentam a perspectiva de uma vida melhor no futuro como recompensa pela existéncia ‘mundana, Nas nossas grandes cidades, anunciam-se conferéncias que tentam dizer-nos como entrar em contato com as almas mais capazes e penetrantes mentes entre os nossos homens de ciéncia chegaram & conclusdo, especialmente perto do final da vida, de que um contato dessa espécie ndo impossivel. Uma vez que quase todos nés ainda pensamos como selvagens acerca desse topico, no & motivo para surpresa o fato de que 0 primitivo medo da morte @ ainda tao intenso dentro de nds e esta sempre pronto a vir & superficie por qualquer provocagao. E muito provavel que © nosso medo ainda implique na velha crenga de que 0 tmorto torne-se inimigo do seu sobrevivente e procura leva-lo para partihar com ele a sua nova existéncia. Considerando 2 nossa inalterada atitude em relagdo morte, poderiamos, antes, erguntar 0 que acontecou repressio, que ¢ a condigdo necessaria de um sentimento primitive que retorna em forma de algo estranho. A repressao, porém, tambem esta presente. Todas as pessoas supostamente educadas, cessaram oficialmente de acreditar que os mortos podem tomar-se visiveis como espirtes, e tornaram tais aparigbes dependentes de condicbes improvaveis e rémotas; ademais, @ altitude emocional dessas pessoas para com os sous morlos, que ja foi uma alitude altamente ambigua.e ambivalente, foi, nos estratos mais ‘elevados da mente, reduzida a um sentimento unilateral de piedade. ‘Agora temos apenas algumas observag0es a acrescentar - pois 0 animismo, a magia e 1a bruxarja, a onipoténcia dos pensamentos, a atitude de homem para com a morte, a repetigo involuntaria € 0 complexo de castragéo compreendem praticamente todos 0s fatores. que transformam algo assustador em algo estranho. , Também podemos falar de uma pessoa viva como estranha, eo fazemos quando the atribuimos intengdes maldosas. Mas ndo é tudo; além disso, devemos sentir que suas jo de poderes especiais. Um bom intengdes de nos prejudicar serdo levadas a cabo com 0 au exemplo disso 6 0 'Gettatore’, aquela estranha figura de supersticao romantica que Schaeffer cém sentimento poético intuitvo e profunda compreenséo psicanalitica, transformou em ersonagem simpatica no seu Josef Montlort. Mas a questo desses poderes secretos leva nos outta vez de volta a0 réino do. animismo. A piedosa Grethen tinha a intuigo de que Mefist6feles possuia poderes secretos dessa natureza que 0 tornaram tao estranho para ela Sie faht dass ich ganz sicher ein Genie, Vielleicht sogar der Teufel bin. \ © efeito estranho da epilepsia e da loucura tem 2 mesma origem. O leigo vé nelas a ago de forgas previamente insuspeitadas em seus semelhantes, mas ao mesmo tempo esta vagamente consciente dessas forgas em remotas regides do seu proprio ser. A Idade Média atribuia, com absoluta coeréncia, todas essas doengas a influ’ncia de deménios e, nisso, a sua psicologia era quase correta, Na verdade, no ficaria surpreso em ouvir que a psicandlise, que se preocupa em revelar essas forcas ocultas, tomou-se assim estranha para muitas pessoas, or essa mesma razao, Houve um caso, apos haver tido éxito - embora nao muito rapidamente na cura de uma moga que fora invalida por muitos anos, em que ouvi essa opiniao expressa pela mae da paciente, muito depois da sua recuperacao. Membros arrancados, uma cabeca decepada, méo cortada pelo pulso, como num conto fantastico de Haul, pés que dangam por si proprios, como no livro de Schaeffer que mencionei acima - todas essas coisas tém algo peculiarmente estranho a respeito delas, particularmente quando, como no ultimo exemplo, mostram-se, além do mals, capazes de atividade independente. Como ja sabemos, essa espécie de estranheza origina-se da sua proximidade ao complexo de castragao. Para algumas pessoas, a idéia de ser enterrado vivo por engano ¢ a coisa mais estranha de todas. Ainda assim, a psicandlise nos ensinou que essa fantasia assustadora é apenas uma Wransformagao de outra fantasia que orginalmente nada tinha em absoluto de aterrorizador, mas caracterizava-se por uma certa lascivia - quero dizer, a fantasia da existéncia intra-uterina. h Ha mais um ponto de aplicagdo geral que gostaria de acresceniar, embora, estrtamentefalando,tenha sido incluido no que j fol dto acerca do animismo e dos modos de agao do aparato mental que foram superados; mas penso que merece destaque especial. Refirome @ que um estranho efeito se spresenta quando se extingue a distingdo entre imaginagao e reaidade, como quando algo que até entéio corisiderévamos imagindrio surge dante de nés na realidade, ou quando um simbolo assume as plenas fungSes da coisa que simboliza, e assim por diante. E esse fator que contribui ndo pouco para o estranho efeito ligado s préticas magicas. Nele, o elemento infanti, que também domina a mente dos neurdticos, & a superenfalizagao da realidade psiquica em comparagao com a realidade material - um aspecto estreitamente ligado a crenga na onigoténcia dos pensamentos. No meio do isolamento do periodo de guerra, caiu em minnas maos um numero da revista inglesa ‘Strand Magazine; e, entre outras matérias algo redundantes, li uma histéria sobre um joven casal que se muda para uma casa mobiiada onde hé uma mesa de forma curiosa, com entalhes de crocodilos na sua superficie. No fim da tarde um odor intoleravel e bastante especifico comega a impregnar a casa; eles tropecai em algo no escuro; parecestne’ verem uma forma vaga deslizando sobre as escadas - para resumir, dé-se a entender que a presenga da mesa faz com que crocodiles fantasmas assombrem a casa, ou que os monstros de madeira adquirem vida no escuro, ou alguma coisa no género. Era uma historia bastante ingenua, mas 0 estranho efeito que produzia era notavel. Para encerrar esta cdletanea de exemplos, que certamente ndo esta completa, vou relatar um outro, tirado da experiéncia psicanalitica; se nao se baseia em mera coincidencia, fornece uma bela confirmagao da nossa teoria do estranho. Acontece com frequéncia que os neuréticos do sexo masculino declaram que sentem haver algo estranho no orgao genital feminino. Esse lugar unheimlich, no entanto, @ a entrada para 0 antigo Heim [lar] de todos os ‘seres humanos, para o lugar onde cada um de nés viveu certa vez, no principio. Ha um gracejo ‘sempre qué um homem sonha com um lugar ou um que diz 'O amor ¢ a saudade de cas: pais e diz para si mesmo, enquanto ainda esta sonhando: ‘este lugar é-me familiar, estive aqui ‘antes’, podemos interpretar o lugar como sendo os genitals da sua mae ou o seu corpo.” Nesse ‘caso, também, 0 unheimiich € o que uma vez fol heimisch, familiar; 0 prefixo ‘un’ [in-] € 0 sinal da repressao, uM No decorrer desta exposigdo, o leitor tera sentido algumas dividas surgirem em sua mente: e teremos agora oportunidade de reuni-las e de expo-las. Pode ser verdade que 0 estranho [unheimlich] seja algo que @ secretamente familiar {heimich-heimisch], que foi submetido @ repressao e depois voltou, € que tudo aquilo que & estranho satisfaz essa condiggo. A escolha do material, com essa base, porém, nao nos permite resolver 0 problema do estranho, Porque a nossa proposta € claramente nao conversivel. Nem tudo 0 ile preenche essa condigao - nem tudo 0 que evoca desejos reprimidos e modos superados de pensamento, que pertencem & pees do individuo e da raga - & por causa disso estranho. Nem esconderemos 0 fato de que, para quase cada exemplo aduzido em apoio da ‘nossa hipdtese, pode-se encontrar outro que @ contradiz. A histéria da’mao decepada no conto de Hauff [ver em [1]} certamente tem um estranho efeito, e podemos atribuir esse efeito a0 complexo de castragao; contudo, @ maioria dos leitores provavelmente concordara comigo em julgar que nenhum trago de estranheza é provocado pela histéria de Herédoto do tesouro de Rhampsinitus, na qual o chefe dos ladrées, a quem a princesa tenta segurar pela mao, deixa- the em lugar da sua propria, a mao decepada do irmao dele. Uma vez mais, a pronta realizacao do$ desejos do Policrates [ver em [1]] afeta-nos indubitavelmente da mesma maneira que afétou 0 sei do Egito; ainda assim, as nossas proprias historias de fadas estao abarrotadas de exemplos de realizagées instantaneas de dasejos. que ndo produzem qualquer efeito estranho ou assustador. Na histéria de ‘Os Trés Desejos’, a mulher & tentada pelo apetitoso aroma de uma salsicha a desejar possuir também uma, e num instante a salsicha surge num ptato diante dela. Contrariado pela sofreguidéo da mulher, o marido deseja que a salsicha se Ihe pendure no nariz. E lé ela fica, pendendo do nariz da mulher. Tudo isso € surpreendente, mas de modo ‘algum estranho, amedrontador. Os contos de fadas adotam muito francamente 0 ponto de vista animista da onipoténcia dos pensamentos de desejos, e mesmo assim nao consigo" imaginar qualquer historia de fadas genuina que tenha em si algo de estranho. Ficamos sabendo que ha estranheza no mais allo grau quando um objelo inanimado - um quadro ou uma boneca - adquite vida: nao obstante, nas historias de Hans Christian Andersen, os utensilios domésticos, ‘a mobilia ¢ os soldados de chumbo sio vivos e, ainda assim, nada poderia estar mais longe do ” estranho. E dificilmente considerariamos estranho 0 fato de que a bela estatua de Pigmalido adquire vida, ‘A morte aparente e a reanimacao dos mortos tém sido representadas como temas dos mais estranhos. Também as coisas desse género $40, contudo, muito comuns em historias de fadas. Quem teria a ousadia de dizer que é estranho, por exemplo, quando Branca de Neve abre os olhos uma vez mais? E a ressurreigao dos mortos em relatos de milagres, como no Novo Testamento, traz & tona sentimentos de forma algyma relacionadas com 0 estranho. Entdo, também o tema que aleanga um efeito indubitavelmente estranho, a repeticao involuntéria da mesma coisa, serve outros propésitos, bastante diferentes, numa outra categoria de casos. Ja deparamos com um exemplo [ver em [1]] no qual empregado para evocar 0 sentimento do cémico: e poderiamos multiplicar os exemplos desse tipo. Ou. por outro lado, funciona como um meio de énfase, e assim por diante. E, uma vez mais: qual é a origem do efeito estranho do siléncio, da escuridéio e da solidao? Esses fatores nao assinalam o papel desempenhado pelo perigo na génese daquilo que ¢ estranho, apesar de que, rio caso das ctiangas, esses mesmos falores so 0s que determinam mais frequentemente a expressto de medo [em vez de estranheza]? E, afinal de contas, estaremos justficados 20 ignorar inteiramente @ incerteza intelectual como um fator, tendo admitdo a sua importincia em relagdo morte? (ver em [1] ¢ 2} E evidente, portanto, que devemos estar preparados para admitir existirem outros elementos, além daqueles que estabelecemos até aqui, que determinam a criago de sehsagdes estranhas. Poderiamos dizer que esses resultados preliminares satisfizeram 0 interesse psicanalitico pelo problema do estranho, € que aquilo que resta pede provavelmente uma investigacdo estética, Isto, porém, seria abrir a porta a duvidas acerca de qual seja ‘exatamente 0 valor da nossa argumentacdo geral, de que 0 estranho provem de algo familar que foi reprimido. . Descobrimos um ponto que nos pode ajudar a resolver essas incertezas: quase todos ‘0s exemplos que contradizem a nossa hipdtese sao tomadds ao dominio da fiego, da iteratura imaginativa. Isto sugere que devemos distinguir entre 0 estranho que realmente ‘experimentamos e 0 que simplesmente visualizamos ou sobre o qual lemos. Aquilo que € experimentado como estranho esté muito mals simplesmente condicionado, mas compreende muito menos exemplos.: DeScobriremos, acho eu, que se ajusta perfeitamente a nossa tentativa de solugdo, e pode-se atribuir, sem excegao, @ algo familiar quo foi reprimido. Mas, também aqui, devemos fazer uma certa diferenciagao, importante e psicologicamente significativa, no nosso material, a qual melhor se elucida se nos voltamos a exemplos adequados. Tomemos 0 estranho ligado onipoténcia de pensamentos, @ pronta realizagao de ‘dosojos, a mialéficos poderes secrotos e ao retomo dos mortos. A condigao sob @ qual se origina, aqui, a sensagdo de estranheza, é inequivoca. Nos - ou os nossos primitives antepassados - acreditamos um dia que essas’possibildades eram realidades, e estavamos convictds de que realmente aconteciam, Hoje em dia no mais acreditamos nelas, superamos esses modos de pensamento; mas ndo nos sentimos muito seguros de nossas novas crengas, @ as anligas existm ainda dentro de nés, prontas para sé apoderarem de qualquer confrrmagdo. Tao logo acontece reaimente em nossas vidas algo que parece confirmar as volhas e rejeitadas crongas, sentimos a sensagao do estranho; & como se estivéssemos raciocinando mais ou rhenos assim: ‘Entao, afinal de contas, ¢ verdade que se pode matar uma pessoa com 0 mero desejo da sua morte!’ ou ‘Entao os mortos continuavam mesmo a viver @ aparecem no palco de suas antigas alividades}’, ¢ assim por diante. De forma inversa, qualquer tum que se tenha livrado, finlmente, de modo completo, de crengas animistas sera ingensivel a esse tipo de sentimento estranho. As mais notaveis coincidéncias de desejo e realizagso, a mais misteriosa repetigao de experincias similares em determinado lugar ou em determinada data, a5 mais lusorias visbes e os mais suspeitos ruidos - nada disso 0 desconcertara ou despertaré a espécie de medo que pode ser descrita como ‘um medo de algo estranho'. A coisa toda é simplesmente uma questao de ‘teste de realidade’, uma questao da realidade material dos fendmenos. {A situagao 6 diferente quando o estranho provém de coniplexos infantis reprimidos, do complexo de castragdo, das fantasias de estar no Utero ete.; mas as experiéncias que provocam esse tipo de sentimento estranho ndo ocorrem com muita freqUéncia na vida real. O estranho que provém da experiéncia real pertence quase sempre ao primeiro grupo [o grupo escrito no paragrafo anterior]. No entanto, a distinga0 entre os dois & teoricamente muito importante. Quando 0 estranho se origina de complexos infantis, a questo da realidade material ndo surge; o seu lugar é tomado pela realidade psiquica. Implica numa repressa0 real de algum conteido de pensamento e num retorno desse contetido reprimide, no num cessar da crenca na realidade de tal Conteudo, Poderiamos dizer que, num caso, 0 que fora reprimido 6 um determinado conteudo ideativo, e, no outro, a sua realidade (material). Esta ‘ultima frase, porém, estende o termo ‘repressao’ para além do seu legitimo significado. Seria mais correto levar em conta uma distingdo psicolégica que pode ser detectada aqui, © dizer que as crengas animistas das pessoas civlizadas estéo num estado de haver sido (em maior ou menor medida) superadas [preferentemente a reprimidas}. A nossa conclis8o podia, enti, afirmar-se assim: uma experiéncia estranha ocorre quando os complexos infantis que haviam sido reprimidos revivem uma vez mais por meio de alguma impresso, ou quando as crencas primitvas que foram superadas parecem outra vez confirmar-se. Finalmente, nao devemos deixar que nossa predilegao por solugdes planas © exposigdo lucida nos cegue diante do fato de que essas duas categorias de experiéncia estranha nem sempre sao nitidamente cistinguiveis. Quando consideramos que as orencas primitivas relacionam-se da forma mais intima com os complexos infants o, na verdade, baseiam-se neles, nao nos surpreenderemos muito a0 descobri que a distingao ¢ muitas vezes nebulosa, © estranho, tal como é descrito na teratura, em histrias e criagbes ficticias, merece na verdade uma exposigo em separado, Acima de tutlo, 6 um ramo muito mais Fertil do que 0 estranho na vida real, pois contém a totalidade deste dtimo e algo mais além disso, algo que rnfo pode ser encontrado na vida real. O contraste enire o que fol reprimido e o-que foi superado nao pode ser transposto para o estranho em fiogdo sem modifcagdes profundas: pois © reino da fantasia depénde, para seu efeito, do fato de que o seu conteUdo nao se submete a0 teste de realidade. O resultado algo paradoxal é que em primeiro lugar, muito daquilo que néo 6 estranho om fiegéo sé-loria se acontecesse na vida real: ¢, em segundo lugar, que existem muito mais meios de criar efeitos estranhos na ficgao, do que na vida real. © oscrtor imaginative tem, enire muitas outras, a liberdade de poder escoiher o seu mundo de representagao, de modo que este possa ou coincidir com as realidades que nos $80 familiares, ou afastar-se delas o quanto quiser. Nos aceitamos as suas regras em qualquer dos casos. Nos conios de fadas, por exemplo,"o mundo da realidade ¢ deixado de lado desde 0 principio, eo sistema animista de crengas é francamente adotado. A realizagao de desejos, os poderes secretos, a onipoténcia de pensamentos, a animacao de objetos inanimados, todos os elementos to comuns em historias de fadas, no podem aqui exercer uma influéncia estranha; pois, como aprendemos, esse sentimento nio pode despertar, a ndo ser que haja um confto do julgamento quanto a saber que coisas que foram ‘superadas’ @ so consideradas incriveis no possam, afinal de contas, ser possiveis; e esse problema ¢ elminado desde o inicio pelos postulados do mundo dos contos de fadas. Assim, verlicamos que as historias de fadas, que ns proporcionaram a maioria das contradigBes em relagdo a nossa hipdtese do estranho, ‘confirmam a primeira parte da nossa proposta - de que, no dominio da ficgdo, muitas dentre as coisas que no so estranhas 0 seriam se acontecessem na vida real. No caso dessas historias, ha outros fatores contribuintes, sobre os quaisfalaremos depois, resumidamente. © escritor criativo pode também escolher um cenatrio que, embora menos imaginario do que os dos contos de fada, inda assim difere do mundo real por admit seres espintuais uperiores’tais como espiritos demoniacos ou fantasmas dos mortos. Na medida em que, permanecem dentro do seu cenério de realidade poética, essas figuras perdem qualquer cestranheza que possam possui. As almas no Infemo de Dante, ou as aparigSes sobrenaturais no Hamlet, Macbeth ou no Julio César, de Shakespeare, podem ser bastante obscuras e terriveis, mas no so mais estranhas realmente do que © mundo jovial dos deuses de Homero. Adaptamos nosso julgamento @ realidade imaginaria que nos & imposta pelo escrito, e consideramos as almas, os esplritos e 0s fantasmas como se a existéncia deles tivesse a mesma validade que a nossa propria existéncia tem na realidade material. Também nesse caso evitamos qualquer vestigio do estranho. ps A situagao altera-se tao logo 0 escritor pretenda mover-se no mundo da realidade comum. Nesse caso, ele aceita também todas as condigdes que operam para produzir sentimentos estranhos na vida real; e tudo 0 que teria um efeito estranho, na realidade, o tem na sua historia, Nesse caso, porém, ele pode até aumentar 0 seu efelto € muliplica-o, muito além do que poderia acontecer na realidade, fazendo emergir eventos que nunca, ou muito raramente, acontecem de falo. Ao fazéo, trai, num certo sentido, a superstigao que ostensivamente superamos; ele nos ilude quando promete dar-nos a pura verdade €, no final, excede essa verdade. Reagimos as suas invengdes como teriamos reagido diante de experiéneias reais; quando percebemos o truque, ¢ tarde demais, @ 0 autor jé alcangou o seu objetivo. Deve-se acrescentar, porém, que 0 seu éxito ndo @ genuino. Conservamos um sentimento de insatistagdo, uma espécie de rancor contra 0 engodo assim obtido. Notel isto particularmente apés a letura de Die Weissagung [A Profecial, de Schnitzler, @ outras historias semelhantes, que flertam com 0 sobrenatural. No entanto, 0 esctitor tem mais um melo que pode utilizar para evitar a nossa recalcitrncia e, a0 mesmo tempo, melhorar as suas chances de éxito. Pode manter-nos & escuras, por muito tempo, quanto & natureza exata das pressuposiqées em que se baseia o munda sobre-o qual escreve; ou pode evier,astuta e engentiosamente, qualquer informacao definida sobre o problema, até o fim. Falando de um modo geral,contudo, encontremos confimago da segunda parte da nossa proposia - de que a fiogao oferece mais oportunidades para criar sensagées estranhas do que aquelas que S30 possiveis na vida real. Estrtamente falando, todas essas complicagSes relacionam-se apenas com aquela categoria do estranno que provém de formas de pensamento que foram superadss, a categoria que provém de complexos reprimidos & mais resistente @ permanece t&o poderosa na feva0 como na experiéncia real, submetendo-se a uma excegéo [ver em [1]. O estranho que pertence @ primeira categoria - a que procede de formas de pensamento que foram superadas = conserva 0 seu carater-nao apenas na experiéncia, mas também na fice8o, na medida em que 0 cenario seja de realidade material; quando se the da, porém, um cenério artificial € arbitration ficgdo, pode perder aquele carater. Deixamos claramente de esgotar as possibilidades de licenga poética e os privilegios desftutados pelos ficcionistas para evocar ou para excluir um Sentimento estranho. De um modo geral,. adotamos uma invariavel atitude passiva em relago @ experiéncia “real e _ submetendo-nos @ influéncia do rosso ambiente [psiquico. Mas o fiecionista tem um poder peculiarmente diretivo sobre nds; por meio dovestado de espirito em que nos pode colocar, ele consegue guiar a corrente das nossas emogbes, represé-la numa direpo e fazé-la fir em coutra, e obtém com frequéncia uma grande variedade de efeitos a partir do mesmo material Nada disso’é verdade e, sem divida, hd muito que vem sendo levado em conéideragao pelos meio aoe extn eslbtca, Dervames para ener resto cargo de peoau, inelunriament, pola triage de expcardetermindos exemplos qv conadizam a nossa teva da cases do esvano, Por consegunt,yolarerios agora a examiner guns deses exes Ja perguntamos [ver em [1]] por que € que a mao decepada na historia do tesouro de Rhampsinitus ndo tem 0 estranho efeito que a mao cortada tem na historia de Hauff. A questao: parece terreno om importa, agra que reconhecomos que calapoa do esranho Crna de complxos primes @ a mats rextnte das ds. A rsporta fc. Na Mista de Herédoto, os nossos pensamentos esto muito mais concentrados na asticia superior do chef ds les, do ue nos sartinnis da pines A pncesa pode moto bo tor bio tna stag esvanta, na vetdade provarenent cal ean; mas ns no emos ta sensagdo, pois nos colocamos no lugar do ladrao, e nao no lugar dela. Na farsa de Nestroy iio Der Zone [0 Homem Diaceade): ula auto mee par evar avaluer Imprssso estan na cena om que o ftv, convencido de qv & un asassino, vata um sipote a do uo,» decada vez vue hl oa fanasa sus via eguende-se Go sigan. le ita com desespero Nae eu mal apenas um homem. Pr que esta ‘assombrosa multiplicagao?’ Sabemos o que aconteceu antes dessa cena e nao partilhamos do tou eo, do modo que aqub que devo er estanho para le tam Sobre nbs um feo irresistivelmente cOmico. Até mesmo um fantasma ‘real’, como O Fantasma de Canterville de Oca Wide pee os © poer de pelo menos despear em ns snimento puss 0 Ino 0 autor comece adverse azando eras respite do fanaa e parmtnge ave So tomer Ibewaces, com ef. ASS, vemos 0 qialo ce fetes enoconls podem independentes do verdadeiro assunto no mundo da ficcdo. Nas historlas de fadas, os contri de pedo -inciné, potato, a8 senses extantas ~ 380 hezoment eliminados. Nos compreendemos isso, e @ por essa razdo que ignoramos quaisquer oportunidades que encontremos nelas para desenvolver tals sentimentos. No que diz respeito aos fatores do silencio, da solidao e da escuridao [ver em [1] ¢ [2], podemos tdo-somente dizer que so, realmente elementos que participam da formagao da - ‘ansiedade infantil, elementos dos quais a maioria dos seres humanos jamais se libertou inteiramente. Em outro trabalho, esse problema foi discutido do ponto de vista psicanalitico.

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