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De Jerusalém a Roma: a transformagao do cristianismo apds a queda do templo Por que a destruigdo de Jerusalém e do templo judaico é a chave para a compreensao do nascimento do cristianismo global? POR GIOVANNY GOMEZ PEREZ 4 DE ABRIL DE 2024 Foto de: BITE e@ Facebook e Twitter e@ Whatsapp Ouga este artigo em formato podcast: Em 66 dC, a crescente frustragado da populagao judaica com a indiferente e insensivel dominagao romana da Judéia atingiu o seu auge. Apdos uma longa historia de conflito, a interacgao entre judeus e grupos protegidos pelo poder romano, tais como colonos romanos, mercadores e funcionarios imperiais de lingua grega, tornou-se ainda mais tensa. Acusando os judeus de nado pagarem impostos, Roma frequentemente saqueava o tesouro do templo. Além disso, ele impds governadores gregos que demonstravam pouco interesse pela Judéia, muito menos pelo Judaismo. A capital do Império monopolizou posigées de riqueza e influéncia e mergulhou os agricultores em dividas cada vez mais dificeis de pagar. A atmosfera estava madura para uma escalada que poderia terminar em guerra civil. Confronto entre os judeus e o Império Uma revolta judaica originou-se em Cesaréia, As margens do Mediterraneo, cerca de oitenta quildmetros a noroeste de Jerusalém. Apdos uma vitoria legal local, os falantes de grego atacaram bairros judeus, com 0 exército romano observando sem intervir. A noticia chegou a Jerusalém, desencadeando uma resposta imediata. Apesar das opinides divididas, a voz dos judeus mais radicais prevaleceu: alguns atacaram a guarnig¢ao local, apelando ao fim da opressao romana. A cessacao dos sacrificios rituais ao Imperador em Jerusalém acentuou as tens6es, tornando a guerra um acontecimento inevitavel. Seguiram-se sete anos de confrontos sangrentos. A principio, os rebeldes judeus pareciam levar vantagem. No entanto, sob o comando de Vespasiano, um general veterano e experiente, Roma desdobrou quatro legides para subjugar a sua colonia oriental. Ele avangou com cautela, primeiro protegendo os portos do Mediterraneo antes de seguir lentamente em direcdo a capital, Jerusalém. No entanto, 0 cerco que Roma tecia em torno da capital judaica foi afrouxado no verao de 68 d.C. com a morte de Nero. Vespesiano, que anteriormente havia se tornado um forte candidato para sucedé-lo, deixou a Judéia apds ser nomeado imperador. No entanto, esse alivio durou pouco. Para continuar o trabalho, o novo imperador deixou no comando seu filho Tito, que se mostrou tao, ou mais, implacavel que seu pai. 0 artigo continua apds o anuncio Vespasiano A queda de Jerusalém Mais uma vez, as legides romanas avangaram em diregdo a Jerusalém, apertando ainda mais 0 cerco. Desta vez nao houve escapatoria. Em abril de 70 teve inicio 0 cerco , que marcou um capitulo sombrio na historia da cidade, pois seus habitantes foram submetidos a sofrimentos indescritiveis. Em Setembro, os mais fervorosos rebeldes judeus fizeram a sua Ultima tentativa de resisténcia para defender o templo. Fontes fragmentarias sobre a revolta apresentam relatos contraditorios sobre as intencdes de Tito. Flavio Josefo, historiador judeu aliado dos romanos, destacou que procurou preservar o templo como sinal de moderagao. Em vez disso, Sulpicio Severo, citando o historiador romano Tacito, sugeriu que Tito tinha um interesse particular em destrui-la para erradicar as religides judaica e crista, uma vez que as considerava ramos do mesmo tronco. A veracidade das suas afirmacdes pode ser discutivel, mas as suas observagées langam luz sobre uma realidade critica na historia da igreja primitiva: ...para que as religides judaica e crista pudessem ser completamente abolidas; pois embora essas religides fossem mutuamente hostis, ainda assim surgiram dos mesmos fundadores; Os cristaos eram uma ramificagao dos judeus e, se a raiz fosse arrancada, 0 tronco pereceria facilmente. Ao aniquilar os ultimos bastides da resisténcia judaica, incluindo o grupo tenaz da fortaleza de Masada, Tito marcou um ponto de viragem. A resisténcia subsequente enfrentou represdlias ainda mais duras, especialmente sob o imperador Adriano. Contudo, mesmo antes da queda de Jerusalém, a interdependéncia entre o Cristianismo e o Judaismo ja estava a desaparecer na historia. O cerco e destruigado de Jerusalém pelos romanos sob Tito, 70 DC / Pintura: David Roberts Um caminho independente O Cristianismo, que nos seus primérdios pode ter funcionado quase como uma extensao do Judaismo, comecou a tracar 0 seu proprio caminho rumo a independéncia. Esse processo foi acelerado pela destruigao do templo judaico em 70 d.C. e pela interrup¢ao dos sacrificios, elementos centrais do culto daquela nagao. Os golpes de Vespasiano, Tito, Adriano e outros generais romanos sobre Jerusalém nao significaram o fim da igreja crista. Em vez disso, serviram como catalisadores para o seu destino como uma fé universal, estendendo-se para além dos seus limites originais, no meio da cultura e geografia puramente judaicas, para um publico global e gentio. Os primeiros cristaos podem ter percebido a devastagdo que o Império causou em Jerusalém como uma catastrofe de dimensées colossais. O seu movimento ainda nascente estava enraizado nas tradicées judaicas e tinha aquela cidade como epicentro espiritual, eixo da sua estrutura organizacional e de autoridade, que se assemelhava aos alicerces de uma sinagoga. Os Evangelhos e outros escritos do Novo Testamento reflectiam essa ligagao intima, embora enfatizassem que Jesus representava o culminar da historia eo cumprimento definitivo das profecias judaicas. Mas, apesar dessa profunda tragédia, 0 Cristianismo comecgou a forjar a sua propria identidade. Varios dos primeiros escritos que hoje compéem o Novo Testamento foram dirigidos a crentes dispersos, como a Epistola de Tiago, que comega: “As doze tribos espalhadas entre as nacdes”. Em outros documentos, os primeiros cristaos estavam preocupados em negociar as fronteiras entre o judaismo e o cristianismo. O apdstolo Paulo, em particular, opds-se frequentemente, através das suas cartas, aqueles que queriam manter o rito judaico da circuncisao como requisito para a salvacao. Suas interpretagdes do Antigo Testamento voltavam repetidas vezes ao modo como a obra de Jesus culminou na constante oferta de gracga de Deus aos judeus. Paulo se opés a circuncisdo como um requisito para a salvagao, argumentando que a obra de Jesus culminou na constante oferta de graca de Deus aos judeus. / Pintura: Claude Vignon Ponto de viragem na historia crista Em suma, como escreveu 0 historiador WHC Frend, “todo o Cristianismo nesta fase [no periodo apostolico] era ‘Cristianismo Judaico’. Mas era Israel com uma diferenga.” A destruigdo de Jerusalém e do seu templo marcou um ponto de viragem decisivo e impossivel de ignorar, impulsionando o Cristianismo para além das suas raizes judaicas em direcao a uma vocacao de alcance universal. Espalhou-se pelo Mediterraneo, em diregdo ao Oriente e ultrapassou a Africa; Deixou de ser uma fé profundamente influenciada pelo seu ambiente judaico inicial para ter um significado global. Acredita-se que os apdostolos Pedro e Paulo foram martirizados em Roma sob o governo do imperador Nero, coincidindo com o avanco de Vespasiano e Tito sobre Jerusalém. Pouco tempo depois, Roma assumiu o papel de Jerusalém como nucleo da comunicagao e autoridade crista, orientando o debate teoldgico para a filosofia helenistica e as nocées romanas de ordem, em vez de questdes e debates morais judaicos. Ja por volta de 70 dC, as sinagogas judaicas no Mediterraneo tornaram-se o principal meio de divulgagao da fé crista. Quando os romanos tomaram Jerusalém, muitos cristaos ja tinham partido; De acordo com uma tradi¢ao do século IV recolhida pelo historiador eclesiastico Eusébio, eles procuraram reftigio em Pela, a nordeste de Jerusalém. Embora as evidéncias arqueolégicas nao tenham confirmado totalmente esta historia, o essencial 6 que a queda da cidade mudou a percepgao de cristaos e judeus, pois deixou claro que a igreja nascente comecava a tragar o seu proprio caminho. Isso dificilmente teria acontecido sem os acontecimentos de 70 d.C. na capital da Judéia. Apos a captura romana de Jerusalém, muitos cristaos fugiram para Pela, de acordo com a tradi¢ao do século IV. / Pintura: Francesco Hayez Como disse certa vez o historiador e estudioso biblico FF Bruce: Nas terras fora da Palestina a década que termina no ano 70 marcou 0 fim do periodo em que o Cristianismo poderia ser considerado simplesmente uma variedade do Judaismo (...) A partir do ano 70 a divergéncia dos caminhos do Cristianismo Judaico e do Judaismo Ortodoxo foi decisivo (...) A partir de agora, a corrente dominante do Cristianismo teve que abrir caminho de forma independente no mundo gentio. Até entao, inumeras incdgnitas surgiram. Como a igreja seria definida? Como seu culto seria organizado? Conseguiria ele assegurar autoridade firme, espalhar sua mensagem e proteger-se de ensinamentos erréneos? Ou seja, apds 0 declinio da estrutura judaica, o que a substituiria? As respostas a estas perguntas foram reveladas nos trés séculos que se seguiram a queda de Jerusalém. A sua destruigao pelo poderoso Império Romano foi um momento simbolicamente crucial, pois operou mudangas essencialmente significativas na igreja crista, impedindo-a de se desenvolver dentro do judaismo. Este evento marcou um ponto de viragem, nao so na historia judaica, mas também na historia da igreja crista. Referéncias e bibliografia Turning Points (2012) por Mark Noll. Academia Baker. @ Facebook e Twitter

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