De Jerusalém a Roma: a transformagao do cristianismo
apds a queda do templo
Por que a destruigdo de Jerusalém e do templo judaico é a
chave para a compreensao do nascimento do cristianismo
global?
POR GIOVANNY GOMEZ PEREZ
4 DE ABRIL DE 2024
Foto de: BITE
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Em 66 dC, a crescente frustragado da populagao judaica com
a indiferente e insensivel dominagao romana da Judéia
atingiu o seu auge. Apdos uma longa historia de conflito, a
interacgao entre judeus e grupos protegidos pelo poder
romano, tais como colonos romanos, mercadores e
funcionarios imperiais de lingua grega, tornou-se ainda mais
tensa.
Acusando os judeus de nado pagarem impostos, Roma
frequentemente saqueava o tesouro do templo. Além disso,
ele impds governadores gregos que demonstravam pouco
interesse pela Judéia, muito menos pelo Judaismo. A capital
do Império monopolizou posigées de riqueza e influéncia e
mergulhou os agricultores em dividas cada vez mais dificeis
de pagar. A atmosfera estava madura para uma escalada
que poderia terminar em guerra civil.
Confronto entre os judeus e o Império
Uma revolta judaica originou-se em Cesaréia, As margens do
Mediterraneo, cerca de oitenta quildmetros a noroeste de
Jerusalém. Apdos uma vitoria legal local, os falantes de grego
atacaram bairros judeus, com 0 exército romano observando
sem intervir. A noticia chegou a Jerusalém, desencadeando
uma resposta imediata. Apesar das opinides divididas, a voz
dos judeus mais radicais prevaleceu: alguns atacaram aguarnig¢ao local, apelando ao fim da opressao romana. A
cessacao dos sacrificios rituais ao Imperador em Jerusalém
acentuou as tens6es, tornando a guerra um acontecimento
inevitavel.
Seguiram-se sete anos de confrontos sangrentos. A
principio, os rebeldes judeus pareciam levar vantagem. No
entanto, sob o comando de Vespasiano, um general veterano
e experiente, Roma desdobrou quatro legides para subjugar
a sua colonia oriental. Ele avangou com cautela, primeiro
protegendo os portos do Mediterraneo antes de seguir
lentamente em direcdo a capital, Jerusalém.
No entanto, 0 cerco que Roma tecia em torno da capital
judaica foi afrouxado no verao de 68 d.C. com a morte de
Nero. Vespesiano, que anteriormente havia se tornado um
forte candidato para sucedé-lo, deixou a Judéia apds ser
nomeado imperador. No entanto, esse alivio durou pouco.
Para continuar o trabalho, o novo imperador deixou no
comando seu filho Tito, que se mostrou tao, ou mais,
implacavel que seu pai.
0 artigo continua apds o anuncioVespasianoA queda de Jerusalém
Mais uma vez, as legides romanas avangaram em diregdo a
Jerusalém, apertando ainda mais 0 cerco. Desta vez nao
houve escapatoria. Em abril de 70 teve inicio 0 cerco , que
marcou um capitulo sombrio na historia da cidade, pois seus
habitantes foram submetidos a sofrimentos indescritiveis.
Em Setembro, os mais fervorosos rebeldes judeus fizeram a
sua Ultima tentativa de resisténcia para defender o templo.
Fontes fragmentarias sobre a revolta apresentam relatos
contraditorios sobre as intencdes de Tito. Flavio Josefo,
historiador judeu aliado dos romanos, destacou que
procurou preservar o templo como sinal de moderagao.
Em vez disso, Sulpicio Severo, citando o historiador romano
Tacito, sugeriu que Tito tinha um interesse particular em
destrui-la para erradicar as religides judaica e crista, uma vez
que as considerava ramos do mesmo tronco. A veracidade
das suas afirmacdes pode ser discutivel, mas as suas
observagées langam luz sobre uma realidade critica na
historia da igreja primitiva:
...para que as religides judaica e crista pudessem ser
completamente abolidas; pois embora essas religides
fossem mutuamente hostis, ainda assim surgiram dos
mesmos fundadores; Os cristaos eram uma ramificagao dos
judeus e, se a raiz fosse arrancada, 0 tronco pereceria
facilmente.Ao aniquilar os ultimos bastides da resisténcia judaica,
incluindo o grupo tenaz da fortaleza de Masada, Tito marcou
um ponto de viragem. A resisténcia subsequente enfrentou
represdlias ainda mais duras, especialmente sob o
imperador Adriano. Contudo, mesmo antes da queda de
Jerusalém, a interdependéncia entre o Cristianismo e o
Judaismo ja estava a desaparecer na historia.
O cerco e destruigado de Jerusalém pelos romanos sob
Tito, 70 DC / Pintura: David Roberts
Um caminho independente
O Cristianismo, que nos seus primérdios pode ter
funcionado quase como uma extensao do Judaismo,
comecou a tracar 0 seu proprio caminho rumo a
independéncia. Esse processo foi acelerado pela destruigao
do templo judaico em 70 d.C. e pela interrup¢ao dos
sacrificios, elementos centrais do culto daquela nagao.Os golpes de Vespasiano, Tito, Adriano e outros generais
romanos sobre Jerusalém nao significaram o fim da igreja
crista. Em vez disso, serviram como catalisadores para o seu
destino como uma fé universal, estendendo-se para além
dos seus limites originais, no meio da cultura e geografia
puramente judaicas, para um publico global e gentio.
Os primeiros cristaos podem ter percebido a devastagdo que
o Império causou em Jerusalém como uma catastrofe de
dimensées colossais. O seu movimento ainda nascente
estava enraizado nas tradicées judaicas e tinha aquela
cidade como epicentro espiritual, eixo da sua estrutura
organizacional e de autoridade, que se assemelhava aos
alicerces de uma sinagoga. Os Evangelhos e outros escritos
do Novo Testamento reflectiam essa ligagao intima, embora
enfatizassem que Jesus representava o culminar da historia
eo cumprimento definitivo das profecias judaicas. Mas,
apesar dessa profunda tragédia, 0 Cristianismo comecgou a
forjar a sua propria identidade.
Varios dos primeiros escritos que hoje compéem o Novo
Testamento foram dirigidos a crentes dispersos, como a
Epistola de Tiago, que comega: “As doze tribos espalhadas
entre as nacdes”. Em outros documentos, os primeiros
cristaos estavam preocupados em negociar as fronteiras
entre o judaismo e o cristianismo. O apdstolo Paulo, em
particular, opds-se frequentemente, através das suas cartas,
aqueles que queriam manter o rito judaico da circuncisao
como requisito para a salvacao. Suas interpretagdes doAntigo Testamento voltavam repetidas vezes ao modo como
a obra de Jesus culminou na constante oferta de gracga de
Deus aos judeus.
Paulo se opés a circuncisdo como um requisito para a
salvagao, argumentando que a obra de Jesus culminou
na constante oferta de graca de Deus aos judeus.
/ Pintura: Claude Vignon
Ponto de viragem na historia crista
Em suma, como escreveu 0 historiador WHC Frend, “todo o
Cristianismo nesta fase [no periodo apostolico] era
‘Cristianismo Judaico’. Mas era Israel com uma diferenga.”
A destruigdo de Jerusalém e do seu templo marcou um
ponto de viragem decisivo e impossivel de ignorar,
impulsionando o Cristianismo para além das suas raizes
judaicas em direcao a uma vocacao de alcance universal.
Espalhou-se pelo Mediterraneo, em diregdo ao Oriente eultrapassou a Africa; Deixou de ser uma fé profundamente
influenciada pelo seu ambiente judaico inicial para ter um
significado global.
Acredita-se que os apdostolos Pedro e Paulo foram
martirizados em Roma sob o governo do imperador Nero,
coincidindo com o avanco de Vespasiano e Tito sobre
Jerusalém. Pouco tempo depois, Roma assumiu o papel de
Jerusalém como nucleo da comunicagao e autoridade crista,
orientando o debate teoldgico para a filosofia helenistica e
as nocées romanas de ordem, em vez de questdes e
debates morais judaicos. Ja por volta de 70 dC, as
sinagogas judaicas no Mediterraneo tornaram-se o principal
meio de divulgagao da fé crista.
Quando os romanos tomaram Jerusalém, muitos cristaos ja
tinham partido; De acordo com uma tradi¢ao do século IV
recolhida pelo historiador eclesiastico Eusébio, eles
procuraram reftigio em Pela, a nordeste de Jerusalém.
Embora as evidéncias arqueolégicas nao tenham
confirmado totalmente esta historia, o essencial 6 que a
queda da cidade mudou a percepgao de cristaos e judeus,
pois deixou claro que a igreja nascente comecava a tragar o
seu proprio caminho. Isso dificilmente teria acontecido sem
os acontecimentos de 70 d.C. na capital da Judéia.
Apos a captura romana de Jerusalém, muitos cristaos
fugiram para Pela, de acordo com a tradi¢ao do século IV.
/ Pintura: Francesco HayezComo disse certa vez o historiador e estudioso biblico FF
Bruce:
Nas terras fora da Palestina a década que termina no ano 70
marcou 0 fim do periodo em que o Cristianismo poderia ser
considerado simplesmente uma variedade do Judaismo (...)
A partir do ano 70 a divergéncia dos caminhos do
Cristianismo Judaico e do Judaismo Ortodoxo foi decisivo
(...) A partir de agora, a corrente dominante do Cristianismo
teve que abrir caminho de forma independente no mundo
gentio.
Até entao, inumeras incdgnitas surgiram. Como a igreja seria
definida? Como seu culto seria organizado? Conseguiria ele
assegurar autoridade firme, espalhar sua mensagem e
proteger-se de ensinamentos erréneos? Ou seja, apds 0
declinio da estrutura judaica, o que a substituiria? As
respostas a estas perguntas foram reveladas nos trés
séculos que se seguiram a queda de Jerusalém. A sua
destruigao pelo poderoso Império Romano foi um momento
simbolicamente crucial, pois operou mudangas
essencialmente significativas na igreja crista, impedindo-a
de se desenvolver dentro do judaismo. Este evento marcou
um ponto de viragem, nao so na historia judaica, mas
também na historia da igreja crista.
Referéncias e bibliografia
Turning Points (2012) por Mark Noll. Academia Baker.
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