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A Etwzologpa no Tint. Orpp: >, R.R.WN; fob, WHS, Hou ,I-4. WVPEEA, Reuk, JO10. Pr: 64- 94. oologia no Brasil: importancia, status atual e perspectivas futuras ecologia e etnoecologia Priscila Fabiana Macedo Lopes'.2, Renato Silvano'3, Alpina Begossi'« 'Fisheries and Food Institute (FIFO), Campinas, SP, Brasil 2Departamento de Botanica, Ecologia e Zoologia, CB, UFRN, Natal, RN, Brasil 3Departamento de Ecologia, UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil 4CAPESCA (LEPAC, PREAC) e CMU, CP6023, Unicamp, Campinas, SP, Brasil Da Biologia a Etnobiologia - Taxonomia e etnotaxomia, Apresentagao Populagées humanas vém interagindo e acumulando conhecimento sobre o ambiente hé milhares de anos. Tal conhecimento embasou os principios da disciplina ecologia e interessa hoje @ disciplina da etnobiologia Neste capitulo, dois aspectos da etnobiologia sao abordados: a etnotaxonomia e a etnoecologia, com destaque especial a etnoictiologia (estudo etnobiolégico dos peixes). Os estudos de etnotaxonomia, além de serem importantes inventérios de espécies, mostram as similaridades entre a taxonomia folk e a cientifica. Jé a etnoecologia vem preenchendo importantes lacunas da ecologia, como a falta de dados bdsicos para 0 manejo de espécies. Além disso, pode trazer informacées tinicas sobre a situacao de espécies hoje sobre-exploradas. A relevincia dos estudos etnobiologicos para conservacéo é clara, além de aprimorar 0 didlogo entre comunidades locais e responsdveis por iniciativas de conservagao, ajudam a compreender melhor as estratégias de Comrespondéncia: Priscila F. M. Lopes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Depto. Botinica, Ecologia e Zoologia, Campus Universitirio - Lagoa Nova, 590° 70 - Natal, RN - Brasil: priscila@eb.ufm.br 69 70 Lopes, Silvano e Begossi utilizagéo dos recursos, monitorar a abundancia dos mesmos e das iniciativas de manejo ou conservacao e compreender melhor aspectos ecolégicos gerais e complexos, bem como os impactos e alteragées ambientais decorrentes da agiio humana. Introducao A forma como humanos véem e classificam 0 mundo e mesmo a maneira como interagem com os recursos naturais disponiveis, explorando- 0s economicamente, parecem ser fatores comuns a todas as sociedades e culturas (Berlin 1992). Evidentemente, os nomes dos organismos variario conforme a lingua, assim como os niveis classificatérios e as formas de uso, mas permanecerao algumas caracteristicas basicas, tais como o agrupamento em categorias, o qual se assemelha a forma como sistematas taxonomistas agrupam organismos vivos (Berlin 1973). Estes aspectos amplamente difundidos entre sociedades interessaram desde cedo a bidlogos ¢ antropélogos, tendendo algumas vezes mais para uma disciplina ou outra, conforme a abordagem ou mesmo formagao do pesquisador. Independente da abordagem disciplinar, a area que busca entender a interagdo entre humanos e recursos naturais é popularmente conhecida como etnobiologia. Berlin (1992) coloca que nao é facil encontrar uma definigio bem aceita para esta rea de estudo, 0 que é esperado por ser esse um assunto compartilhado tanto por disciplinas de cariter fortemente biolégico quanto por cariter mais humanista, No entanto, 0 mesmo autor sugere que uma grande maioria dos estudiosos concordaria em definir a etnobiologia como uma Area dedicada ao estudo das relagées entre plantas e animais com sociedades humanas atuais e passadas. Por relagdes pode-se entender os mais variados aspectos, de forma que qualquer assunto que lide com plantas, animais © humanos. se enquadrariam no conceito. No entanto, uma rapida folheada no contetido do tiltimo ntimero de periddicos especializados, tal como o Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, mostra que mesmo a interagdo, uso e classific ‘io de sociedades com recursos naturais “nao vivos” enquadram- se na linha de pesquisa em Etnobiologia, como pode ser visto por artigos como os que tratam da classificagiio dos solos pelos maias Yucatec (Bautista & Zinck 2010). Ou seja, este é um campo de estudo dinamico e em plena expansiio, hoje acomodando também gedgrafos, gedlogos, astrénomos, nutricionistas, entre inimeros outros (Padhy e¢ al. 2005). De acordo com Padhy ef al. (2005), a divisio desta area em sub-dreas ou em categorias ainda menores pouco diz sobre a distingao entre elas, a ctnobiologia apenas tornando-as mais especificas. Haveria entio duas divisées principais do campo da Etnobiologia, que traduziriam apenas as relagdes biéticas, deixando relativamente de lado 0 conhecimento e utilizagao de recursos abidticos. Na primeira e mais antiga delas, profundamente marcada pela abordagem inicial da etnobotanica (Robins e/ al. 1916), haveria uma preocupagao com os aspectos concretos (éticos) e econdmicos. Nesta abordagem busca-se entender como e de quais formas os grupos humanos utilizam a natureza. A segunda abordagem preocupa-se com aspectos culturais e abstratos (émicos), como as relagdes espirituais, os tabus e os lugares sagrados. O interessante é que mesmo esta categorizagao geral nao permite a simples compartimentalizagdo da etnobiologia. Por exemplo, Begossi e¢ a/. (2004) sugerem razdes adaptativas para explicar os tabus alimentares de pescadores amaznicos ¢ caigaras brasileiros. Estes poderiam estar evitando peixes carnivoros, especialmente em determinados periodos da vida (doen io, amamentagiio, neonatos), como forma de se resguardar de possiveis toxinas acumuladas por estes peixes. Neste exemplo, ha uma possivel interagio entre fatores abstratos (0 tabu) e concretos (actimulo de toxinas), sendo que o primeiro pode obscurecer o ‘iltimo em uma anilise superficial. O foco do estudo determinara a busca por uma ou outra abordagem, ou justamente a interagdo entre elas. Finalmente, com a mudanga de enfoque e interesses da biologia em torno da situagao de exploragdo dos recursos naturais, iniciada no século passado ¢ acentuada na iltima década, nao é de se surpreender que muito do foco da pesquisa etnobiolégica hoje esteja voltado para 0 manejo de recursos naturais (Gavin 2009; Walters ef al. 2008). A percepgio do uso exacerbado de recursos naturais ¢ alteragao de fungdes ecossistémicas pelo homem (Vitousek ef al. 1997), especialmente por populagdes industriais, resultou na busca por sustentabilidade como forma de amenizar problemas ambientais globais, incluindo a ocorréncia de possiveis catastrofes ambientais, em fung’o de alteragdes climaticas (Rubenstein 1993). Os olhos do mundo voltaram-se entdo para os paises ainda detentores da maior parte dos recursos naturais, os quais sao geralmente pobres e/ou em desenvolvimento. Num primeiro momento, como forma de salvaguardar estes recursos, foi proposto que os mesmos nao fossem de livre acesso, e sim privatizados, conforme descrito por Garret Hardin, no famoso artigo “The Tragedy of the Commons” (Hardin 1968). De acordo com Hardin, se no fosse por meios da propriedade privada ou estatal, os recursos seriam inevitavelmente consumidos 4 sua exaust%io, j4 que o recurso poupado por um seria utilizado por outro. Ou seja, na auséncia de um sistema de propriedade que limite a exploragao, o individuo teria incentivos para utilizar 0 recurso da 71 Silvano e Begossi torn ius Infensa Possivel. Como cada individuo compartilha a mesma lovica egoista, o resultado seria um fracasso coletiyo, lvidentemente, as conclusées deste artigo nao foram bem aceitas por ‘odos, especialmente por estudiosos, muitos etnobidlogos, que jé vinham notande que grupos humanos, especialmente quando organizados em tnidades menores (e..: comunidades), podem ter normas de controle de AceSS0 AO recurso, evitando que o mesmo, seja ele peixe, caga ou recurso vegetal, seja sobre-usado. Num momento em que o mundo b a modos distintos de lidar com as necessidades crescentes de, recursos e com os Constantes insucessos em se tentar manejar 0 uso dos'mesmos a partir de conceitos puramente biolégicos, os resultados destes estudos promissores ¢ trazem informagdes que podem ser cruciais pa a efetivo. Assim, mais uma vez, nao é surpresa se deparar com um ntimero inteiro do periddico Journal of Ethnobiology (volume 29, no. 2, 2009), da Sociedade de Etnobiologia, dedicado a questio do manejo. ¢ sustentabilidade de recursos naturais por diferentes grupos humanos atuais © passados (Lepofsky 2009), Ao longo deste capitulo, duas vertentes mais especificas da ctnobiologia serio consideradas: a etnotaxonomia « a etnoecologia Especificamente, seri considerado 0 uso e Conhecimento sobre peixes por Populagdes humanas, a linha de pesquisa da etnoictiologia, com muitos exemplos brasileiros. Esta escolha nao se da apenas em experiéneia prévia dos autores, mas também em fungao da in econdmica da pesca para pequenas comunidades ¢ para a sociedade como um todo. Além disso, a Pesca é um exemplo claro de como as tentativa manejo podem ser infrutiferas quando somente baseadas em conceitos biolégicos, que excluem a atuago humana e as Possibilidades desta de contribuirem para uma exploragio adequada (Lauck ey uf 1998). Faz-se entio premente a busca por informagdes a respeito de espécies de peixes ¢ Possiveis medidas de controle de acesso aos recursos Pesqueiros. Fecha-se este capitulo justamente com uma andlise dos paralelos ¢ contribuigées da ctnobiologia para a conservagio de recursos naturais, fungao da mportancia de 1. Da taxonomia a etnotaxonomia 1.1 Organizando a compreensao sobre a natureza: da biologia ao folk A necessidade de categorizar ou classificar o mundo (e a natureza) Sio aspectos da cognigao. O cerne da organizagio da meméria & a classificagdo (Estes 1994) ¢, dessa forma, organizamos e categorizamos o Que observamos para lidar com o mundo. Segundo Panchen (1992), ordenar a percepgaio sobre o mundo e as idéias produz.a classificagio. Esse a ecologia a etnobiologia mesmo autor observa que essa necessidade também se aplica ed — animais, que necessitam localizar alimento, abrigo a eee outros. Por exemplo, as préprias categorias “alimento”/“nao ink seriam uma forma de classificagao. De acordo com Hauser ( D, humanidade discrimina de forma mais fina complexa, quando at re aos outros animais, ja que a linguagem permite verbalizar categorias conceituais em construgdes de imersao social, nas quais ha possi ibera iticar e reformular. : - cian ¢ categorizar apresentam caracteristicas ee classificagdo implica que uma colegio (de objetos, por scemp So § : dividida em grupos; a categorizagio significa que a categoria a ur objeto pertence possui propriedades (Estes 1994). =e odo, & importante diferenciar, quando se trata de compreender an ae da sistematica e taxonomia, entre cent lias ease ioe i ar (dar nomes a categorias) e identific ct ees keke. tegcta aiceee sok seguindo com atengao especial a etnotaxonomia. sto a definictes em Um dos autores mais claros com relagio a definig a biossistematica (¢ taxonomia) é Simpson (1962: 10-14). ‘de clnstisnrda alguns termos necessarios para compreender os Brnvehaoe dei iesiteaiiot iteis ainda para compreender os processos anilogos da etno' €ntesis dos autores): pair sin pa estudo cientifico das iors dos organismos, sua ersidade e toda e qualquer relagéo entre eles. i pit ‘feacéo (zoolbgica) é a ordenagiio dos animais em aes (ou conjuntos) na base de seus parentescos, a seja, de associagées p -ontigiiidade, por semelhanca ou por amba. Naesaee Gooldgica) é a aplicaciio de nomes di a a uma das classes reconhecidas numa dada classificagao (200 sgica). Taxonomia é 0 estudo tebrico da classificagdo, incluindo as respectivas bases, principios, normas e regras. ; Ao longo da hist6ria_e especialmente apes cursimento do pensamento grego, a percepgio ¢ compreensio classificatéria rant percorreu muitos pensamentos ou modelos, como a ere e bert (Plato), Historia Animalium, Scala Naturae, ou Escala da Vida’ Sa (vertebrados)/ Anaima (Invertebrados), os conceitos de Pi vena (Aristételes); os sugeridos por filésofos, como E. Kant (1724 2 ‘ He ; naturalistas © bidlogos como Cuvier (1817, La Régne Aria , Agassiz (1857, Ensaio sobre a Classificagao), Milne-Edwards (1 844, ae s i vertebrados através de diagramas de Venn), Mac Leay’s (819, 1821, Horae Entomologicae), © Lineu (1758, Systema Nea): a Alene sugeriu as seguintes categorias em uma hierarquia inclusiva: 0 surgimento do 73 74 Lopes, Silvano e Begossi Classis, Ordo, Genus, i adiconads posteomente Punch 90s Se ee interes 5 ; : (1896), a ciseame Peemar a obra de Kant, “Critica da Razio Pura” taxonaiicas s Peis Prnetbios para dar diregdo. as. discipina Ciferongas cape ninS 4 Homogencidade, o qual determina, que arupadas oon eerents, (ove Ser ignoradas para que as espécies jam diferenges execnres: © Principio da Especiticaczo, o qual determina que divididis en ch ce _Scjam ©nfatizadas, assim , espécies podem ser Sub-espécies; © © Principio da Continuidade das Formas, o qual determina que hi uma conti 2 (Losee 1993), Ontinua, transigo gradual entre espécies istemitica, bem como da biossistemética folk heen, Beteepeao e organizagio mental sobre a A ana ja considera 0s aspectos evolutivos e da ni de ganic 'niGdes acima de G. G. Simpson). Dois livros Simpson (1961) © Prin yee 8, tea: 0 jf citado Animal Taxonomy de ache ion Oe “PIES OF Systematic Zoology (1969) de E. Mayr eae Mayt (1942) ressalta que a mudanga do conceito 2 atengdo. dos cstedaat ea” Pata a do sistemata modemo niio escapou elon ci ae 8enética € evolugio. A evolucio do latica enti i i desenvolimena Ss evela @ acompanhou entio a dinamica do pany é como Huxley, Sein eae, Houye uma transig&o sobre a realidade da esp i eae aa a 4 espécie tem posigo central ¢ ha grande cone ar cal a nev sistemdtica”, onde a importancia da zida para dar lugar a populacd: mbes spécic reduzida populagées ou subespécies 1 342) ra « maiores estudos recomenda-se Ereshefsky ein, diitiectidl ndagagées sobre a red 505 ; ; i aa blake a a das espécies sio muito procedentes para See -— i do andilogas as analises em lingiiisti ; x sal (Chomsky 1979; Choms havetia crilérios ou regras universais de classificagao. on A on as taxonomias biolGgica e folk tém sido eis eom relagao ne rl fae ects biolSagtca ¢ fl ssa pergunta ¢ ae Ga entre ambas as taxonomias, seja ea sua canis: POF exemplo), seja nas formas hierdrquicas inclusivas. Para exemplos veja i s Ss veja Begossi ¢) ia is (1995), Siivine Goon are al. (2008), Diamond & Bishop oe poll a diversidade de espécies Hears feos ae biol6gica, Berlin (1973 ) definiu para ‘ ‘ssificacdo, ou os principios da organizacii oe ipios da organizacio dos . prea sa nomenclatura, onde ha os princhsids Tinga isticos a0; € a identificacdo, abordando a relagio entre os 1) eeologia a etnobiologia caracteres dos organismos e a sua classificagio. Ainda, Berlin (1973) definiu cinco categorias folk: iniciador tinico, forma de vida, género, espécie e variedade. A importincia relativa das formas de vida na sificagdo folk tem sido bastante estudada por Brown (1984) e ha, para alguns grupos, como peixes, certa importincia da categoria “etnofamilia” (Begossi & Silvano 2008; Paz & Begossi 1996), a qual representaria uma forma de vida. A importéncia da utilidade como norteador classificatorio humano (espécies titeis e daninhas, por exemplo, tendem a ser mais notaveis e mais observadas e também € ressaltada na literatura de ctnotaxonomia, tendo como exemplo os trabalhos de Hunn (1982). Este ressalta que a utilidade ¢ importante como estimulo mental & classi Outros aspectos, como conspicuidade, também parecem ser relevantes (Hunn 1982). Berlin (1992) ¢ Clément (1995) apresentam analises sobre essas abordagens. De acordo com Begossi (1993), é ainda provavel que sejam encontrados mais estudos de etnotaxonomia sobre organismos , como, por exemplo, peixes de interesse comercial ou plantas, para mais detalhes: “tei especialmente as de interesse medicinal. Recomend: Atran (1996), Begossi (1993), Begossi & Figueiredo (1995), Begossi & Garavello (1990), Begossi ef al. (2006), Clément (1998). De acordo com Begossi & Avila-Pires (2003), a necessidade de conhecer os animais e plantas que circundavam as vilas levou nossos ancestrais a sistemas de classificagao. Isto, de acordo com os autores, se deu em fungao da necessidade de se conhecer doengas € se adores, impulsionando trabalhos na interface de biodiversidade-classificagio doencas, como Piso (1658), em sua Historia Natural e Médica da India Ocidental. O Brasil, pais de alta biodiversidade, abriu seu territério a pesquisadores e naturalistas' curopeus em 1810, entre os quais Marcgrave (1638), Rodrigues Ferreira (1783, quando esteve no Brasil), Spix ¢ Martius (1817), Langsdorf (1813), Agassiz (1865), Natterer (1817), dentre outros (Vanzolini 2004). Essa_ divers idade de espe ¢ notivel também nas diversas contribuigdes de estudos de etnotaxonomia, que além dos estudos em si, acabam por realizar inventarios locais (Cabalzar ef al. 2005; Clauzet et al. 2005; Marques 1991; Mourio & Nordi 2002). Vale ressaltar a complementaridade dos estudos de taxonomia, ecologia e etnotaxonomia, muito bem exemplificados nos estudos de etnoictiologia no Brasil, que proporcionam, além do conhecimento ctnobioldgico, informagées, muitas ies estudadas (Silvano & Valbo-Jorgensen 2008; vezes novas sobre as espé Silvano 2004). io da viagem (Vanzolini 2004). Data do ini 75 76 Lopes, Silvano e Begossi 2. Da ecologia a etnoecologia ___ Embora 0 conceito de ecologia hoje remeta a uma dea d Ciéncias Biolégicas, muito bem estabelecida e fundamentdy eos empiricamente, pode-se dizer que nem sempre foi assinn Wee ge preocupa-se em entender de forma cientifica 0 meio, com t \dos organismos e processos funcionais, gerando modelos e fazende snovinnae sobre possiveis alteragdes no ambiente. No entanto, a cue eons Femontam a um passado distante, embora a disciplina om cr ey ects surgido apés 0 termo ter sido cunhado pelo naturalists seins. woe Haeckel, em 1869 (Odum & Barrett 2005). A frea se desemetny oust vertiginosamente apés 1900, primeiramente dividida em cooley cence ecologia animal, divisdes taxondmicas artficiais que permangeny vene e ensino académico brasileiro, Mas ja nesta época surgiram m nym comunidade bidtica (F. E. Clements ¢ V. E. Shelford). ¢ fon choi: estudos limnoligicos (R. Lindeman ¢ G. E. Hutchinson) eee alimentar que fandamentaram entio a ecologia geral, De fice ewes Renascimento (séculos XVIII e XIX), jé eram feitos estudos ng ee alimentares, regulacio de populagdes ¢ produtividade bioloaee ne De acordo com Odum & Barrett (2005), mesmo cp baci termo, questdes ecoldgicas jé podiam ser encontradss ene ent 4° fildsofos gregos como Hipécrates e Aristételes, De modo gent, cay deixa a formalizagio académica de lado © as nomenclat implica, vé-se que a ecologia esta presente desde o a ade humanidade, afinal os individuos necessitavam conhecer oan ene redor por uma questio de sobrevivencia, E neste ponte arenes eet separar a ecologia da etnoecologia. As sociedades fae oe faziam uso constante do ambiente e acumulavam conhiet oae tae obviamente nao estava pautado pelo método cientifico de imay questionamento, mas estava latente. O actimulo deste conhecimane sas processo investigativo natural humano ajudou a embaser sean oe milhares de anos depois, a disciplina de Ecologia A disciplina de etnoccologia aparece neste contexto també uso dos métodos. cientificos, preocupada em buscar 6 crehe ae cmpirico que grupos humanos, especialmente aqueles que PE ae de recursos naturais, tém a respeito da ecologia de plane Cem (Diamond 2005; Gadgil ef al, 1993; Huntington 2000). Mais da cae nen einoecologia vem preencher uma lacuna da ecologia: a ee necessarios ¢ urgentes para 0 manejo de recursos naturais, encia de daclos _ Johannes (1998) faz um alerta sobre a importincia de se consi informagGes detidas por estes grupos humanos, em uma abort eS definiu como “manejo sem dados” (“data-less innagermeni’) ee Hoje, a ecologia geral, quando se asar séculos, talvez, ). Este apelo se 14 ecologia a etnobiologia «leu em fungao das dificuldades em se obter dados considerados suficientes © capazes de lidar com a complexidade da natureza através das abordagens ceolégicas convencionais. De acordo com 0 mesmo autor, nao ha nada de novo nesta abordagem, a qual vem sendo empregada por comunidades jumanas que dependem mais diretamente de recursos naturais ha séculos. De fato, ha imimeros casos de coincidéncia entre os métodos de manejo lilizados por estas comunidades tradicionais ¢ medidas de conservacao e inanejo relativamente recentes adotadas por paises desenvolvidos, como protegao dos recursos explorados no espago (reservas) ou no tempo (Epocas ile teprodugio - defesos), manejo de ecossistemas € manejo adaptativo, dlentre outros (Johannes 1998; Johannes 2002; Ruddle & Hickey 2008). © uso da etnoecologia com fins de se desenvolver estratégias de manejo é bastante claro para recursos aquaticos em geral ¢ mais cspecificamente na pesca (Drew 2005; Khumsri ef a/. 2009). Tanto a costa ; figuas interiores brasileiras, por exemplo, representam situagdes quanto onde os dados levantados em estudos de etnoecologia sio mais do que hecessarios para o manejo pesqueiro. As pescarias tropicais, incluindo as brasileiras, sio marcadas pela exploragio de uma alta diversidade de espécies e uso de métodos de pesca miiltiplos, o que dificulta a adogao de medidas de manejo normalmente adotadas por paises temperados, como sistemas de cotas (McClanahan & Mangi 2004; Roberts & Polunin 1993). Ao mesmo tempo, paises tropicais contam com pouca infraestrutura e sio, ha sua maioria, paises em desenvolvimento, onde a pesquisa, especialmente a de longo prazo, é relegada a segundo plano (MacCord ef al. 2007). Neste contexto, o manejo baseado em poucos dados pode ser a nica abordagem possivel em varias situagdes, sendo que a etnoccologia pode fornecer dados biolégicos relevantes, num menor intervalo de tempo © a um baixo custo. Por exemplo, em um estudo na costa brasileira, Silvano ef al. (2006) observaram que pescadores artesanai detém um detalhado conhecimento sobre dicta e habitat de spécies de peixes, algumas das quais ainda pouco estudadas pela ciéncia biolgica convencional. Ao mesmo tempo, esses pescadores ndo apresentaram elevado conhecimento sobre a reprodugio de alguns peixes. Isto tanto pode ser devido a falta de contato dos pescadores com peixes em periodos reprodutivos, especialmente os peixes migratérios, quanto pode indicar que estas espécies estejam sendo capturados antes da primeira reprodugao (Silvano e al. 2006). No entanto, 0 pouco conhecimento dos pescadores sobre a reprodugio dos peixes nao invalida a importincia destes dados. Pelo contrario, os pescadores brasileiros tém informagdes relevantes a respeito de diversos outros aspectos, como dieta e habitat de peixes marinhos ¢ de Agua doce (Costa-Neto & Marques 2000, Paz & Begossi 1996, Silvano & 2002, Silvano & Begossi 2005; Silvano e7 al. 2008). 77 78 Lopes, Silvano e Begossi Um outro exemplo da relevancia inegavel da etnoecologia diz respeito ao levantamento de padries ecoldgicos passados, aos quais néo se tém mais ou jamais se teve acesso, especialmente em paises de menor infraestrutura. Esta situagio é muito evidente no caso da pesca tropical, na qual dados de captura do pescado sé comegaram a ser registrados recentemente. Os cientistas, a principio, aparentemente ignoraram o fato de que populagdes humanas vém explorando recursos pesqueiros ha milhares de anos, e desenvolveram modelos e sugestées de manejo somente com base nos dados registrados corretamente de acordo com os preceitos cientificos. Tais modelos podem ter levado a erros que Pauly (1995) denominou de “sindrome da mudanga da base de comparagao”, a qual representa uma idéia relativamente simples. Os cientistas estabelecem a Situagdo dos estoques pesqueiros a partir dos dados que vém sendo stematicamente coletados. No entanto, no momento de inicio de coleta de dados, muito dos estoques pesqueiros ja se encontrayam sobre-explorados (Jackson 1997). Ou seja, os modelos criados a partir desta base de dados sao incorretos ¢ insuficientes. Sienz-Arroyo et al. (2005) investigaram esta questio utilizando a abordagem da etnoecologia, enfocando uma espécie de garoupa ameagada de extingio, a garoupa do Golfo (Mycteroperca jordani, Serranidae), no México. De acordo com os cientistas locais, os quais agrupam 16 espécies distintas sob a denominagio comum de “garoupa”, havia ainda a Possibilidade de se aumentar a captura da garoupa do Golfo em 5%. Os autores entiio, além de usar dados da literatura pouco disponivel (relatérios, artigos de jornais, relatos historicos e teses), entrevistaram pescadores de trés diferentes faixas etérias em comunidades distintas, perguntando a eles quando tiveram a melhor pescaria desta garoupa. Os resultados mostram uma redugdio de mais de 10 vezes nas quantidades de captura entre as décadas de 40 © 90, sendo que os dados da pesca artesanal sé comegaram a ser sistematicamente amostrados em 1988 (Saenz-Arroyo ef al. 2005). Ou seja, qualquer iniciativa de manejo baseada nos dados coletados cientificamente ja parte de um inicio incorreto, enquanto pescadores Poderiam oferecer informagées pertinentes sobre a situagdo passada dos estoques pesqueiros. Tanto estes autores quanto Pauly (1995) lamentam profundamente a inabilidade dos cientistas em geral de trabalhar em Conjunto com os pescadores ou com pesquisadores de outras disciplinas, incluindo etnobiologia e as areas sociais. Os cientistas tendem entio a desqualificar a informagao etnoccologica ¢ seu potencial de preencher lacunas importantes da ciéncia. Em outras situagdes, a etnoecologia pode sugerir informagdes tnicas © nao buscadas intencionalmente quando do delineamento do estudo. Begossi e seus colaboradores vém estudando ha décadas os tabus 1s ecologia a etnobiologia ilimentares, especificamente relacionados a peixes na mega oe na costa brasileira (Begossi 1992; Begossi & Braga 1992; Hanazaki « \segossi 2006). Um ponto em comum se destaca nesses estudos: a Liat peixes no topo da cadeia tréfica, os chamados ee just ae iqueles mais suscetiveis ao actimulo de toxinas. Em uma extensa ee \lestes dados, Begossi ef al. (2004) sugerem que os tabus poderiam se m imecanismo adaptativo, que evoluiu para evitar ou reduzir os a re infoxicagio ou envenenamento através do consumo de pee a contaminagaio por metais pesados, como mereiirio, & principal en ec une conseqiiéncia recente da exploragio de minérios ©. garimpo le oe cmbora a agua e sedimentos de alguns rios amazénicos pos: ni a naturalmente certas concentragdes destes minérios Rowlet & rie 1995), Além disso, toxinas aquaticas provenientes de es naturalmente e podem resultar em doengas em humanos (Landsberg 02). Pot exemplo, peixes marinhos, especialmente _piscivoros, Peden bioacumular toxinas produzidas por algas dinoflageladas, ¢, se consul es por humanos, podem causar ciguatera, um tipo de intoxicagio oaglane ‘ Scatasta 2006). Da mesma forma, algas de agua doce, especialmente cianobactérias, podem produzir toxinas em excesso (microcistinas) que também se acumulam em peixes © podem eausar danos hepiticos, cdncer Janos ct ‘ais em humanos (Costa er al. |. a i sano de Begoss (2009) comparatam os dados de restrigdes psi (durante doengas € gravidez) de determinados peixes amaz6nicos mains os tabus alimentares dos pescadores (Begossi ef al. 2004) © segundo estudos biolégicos de bioacumulagio de meretirio (Boischio saat 1996). Mesmo tendo sido realizados independentemente e on aes : enfoques (biolégico X ctnobiolégico), os dois estudos chegarat a conclusdes muito parecidas, tanto ao que se refere & restrigo (ou esr proibicdo) a0 consumo de certas espécies de peixes piscivoros, com ce surubim (Pseudoplatystoma spp.), quanto ao que se refere a recomen coo para consumo de certas espécies de peixes herbivoros, comme. p : (Serrasalmidae, varias espécies, principalmente Myleus spp.) (Silvano og 9). a nb cata, podem ocorrer excegdes entre estes pescadores - peixes que deveriam ser evitados em fungio de sua po: io na cadeia ie. ne consumidos e outros que deveriam nao softer restrigdes siio tabus ( 20 ef et al. 2004), Dessa forma, nem sempre 0 conhecimento seine ice : corresponde 4 realidade ecoldgica, situagio na qual os dados cs = checados cuidadosamente. O conhecimento local pode estar pote 0 tn a tuagio ou pode estar correto enquanto o pet aquela determinada s r cor I rca incompleto. Se esta ultima situagao é verdadeira, abre 79 80 Lopes, Silvano e Begos: anela de in nt oportunidade para a descoberta de novas informagdes (Silvano et Embora longe de exaur restrito apenas pesca, fic etnoecologia. De fato, é me andlise e escala temporal, i as possibilidades da etnoecologia, e estando clara a relagao entre a ciéncia ecologia e a Nu dificil dissocia-las dependendo do nivel de que as. informagaes ple caso ainda especifico da pesca, pode-se crer pescadores possam ter aes, #0. conhecimento ecolbgico. local de dlesenvolvidos por bidlowe i249 diversos estudos_posteriormente reesuhechineate itv 80S © ecdlogos, sem, no’ entanto, terem 0 devido ano & Valbo-lorgensen 2008), sugerindo que a etnoecologia pode e: star presente, i i coma de eet lguia'pars » has entrelinhas, mesmo em estudos tidos 3. Os Métodos da FE; Etnoictiologia A etnobiologia base} abordagens mais qualita (Albuquerque & Lucen quantitativas, nas quais numéricos de coleta e ai (Emperaire & Peroni 200 partiu de uma abordagem tnobiologia — um enfoque na ‘ase em uma série de métodos, que vio desde tivas até métodos de forte apelo estatistico ‘a 2004; Alexiades 1996). Abordagens quali- Métodos descritivos associam-se a métodos ndlise de dados, nfo sio também incomuns 7). Tradicionalmente, no entanto, a etnobiologia agate Sosetitiva, com exemplos bastante claros da cee, imitavam a descrever os nomes populares ose he 0S (Oliveira et al. 2009). No entanto, a analses multivariadas e modelagen Taian ae forma geral, no 6 m tipo < a otite Teas aa dizer que um tipo de método é superior tem suas ‘vantagens eve quanto a abordagem quantitativa situagdes. A qualidade fon 88 € aplicam-se melhor a determinadas «los dados coletados e conseqiientemente da pesquisa dar-se~t pelo rigor cienin ‘ escolha do método. Or Cientifico empregado, independentemente da Apesar destas consideragoes se tragar os paralelos da biologi, Primeira tem por tradigao, em das plantas ¢ seus respe mesma etnobotinica hoj importante ressaltar que aqui objetiva- gia com a etnobiologia, lembrando que a abordagens quantitatives, con eee areas como a genética ea ecologia, Sendo assim, revomenda.wa orte apelo matemiatico e/ou estatistico. mais qualitativos recorram eal 08 interessados na descrigdo de métodos enfoquc tem sido prineniincr ailey (1982), entre outros. Neste capitulo, o também serd referente a pos cule @ etnoictiologia, portanto, a metodologia Pesquisas sobre peixes, embora muito do que aqui 1s vvologia a etnobiologia «ni descrito aplica-se em alguns casos também 4 etnobotanica e muito {icqiientemente a etnozoologia de forma geral. Cabe aqui uma breve consideragao sobre a amostragem dos dados, cudo que informagdes mais detalhadas podem ser encontradas em Davis & Wagner (2003), Huntington (2000), Silvano (2004), Silvano ef al. (2008), entre outros. Em geral, 0 pesquisador depara-se com a divida de quem e \juantas pessoas incluir em sua amostra. Mais uma vez, a “receita de bolo” jo se aplica e cada caso deve ser analisado separadamente, tendo em ‘ucnte os objetivos da pesquisa (Davis © Wagner, 2003; Silvano et al. 08). Se a pergunta gira em torno do conhecimento sobre a biologia e ccologia de peixes, a amostra deve estar concentrada nos pescadores, sejam cles homens ou mulheres. No entanto, muitas vezes nao é 0 pescador quem vata” ou “limpa” o peixe, ¢ sim sua esposa ou o peixeiro local (Begossi 1996), 0 que eventualmente pode resultar em um menor conhecimento do pescador em relag&o a aspectos reprodutivos, por exemplo. Se este é 0 foco do trabalho, entao a amostragem deve incluir também as pessoas ‘esponsaveis por lidarem com 0 peixe antes da venda ou consumo. Em outras situagdes, os pescadores mais velhos podem possuir mais conhecimento do que os mais jovens sobre aspectos biolégicos mais complexos e de dificil observagao, como a migragdo dos peixes (Silvano & Kegossi 2005). Por exemplo, em estudo realizado com pescadores de varias idades (de 19 a 80 anos) na Ilha de Buzios (litoral de Sao Paulo), somente 5% dos entrevistados foram capazes de detalhar a rota migratria da enchova (Pomatomus saltatrix), um peixe costeiro de interesse comercial (Silvano & Begossi 2005). No entanto, em estudo posterior em varias comunidades do litoral de Sao Paulo incluindo somente pescadores mais velhos (mais de 40 anos), cerca de metade dos entrevistados citou movimentos migratrios para essa mesma espécie, condizentes com a informagao prévia da Ilha de Buzios (Silvano er al. 2006). Resta ainda a davida sobre quantas pessoas entrevistar. Silvano (2004) recomenda uma caracterizagao prévia da comunidade, que permita estimar o nimero de moradores ou de potenciais entrevistados (ex.: quantos pescadores na comunidade), estimando-se o tamanho da amostra a partir destas informagées preliminares. Ha métodos estatisticos proprios para estimativa de esforgo amostral (e.g.: curva do coletor). No entanto, em estudos com humanos ha tantos fatores a serem considerados (idade, tempo atuando na pesca ¢ morando no local, entre outros) que nem sempre célculos exatos sio possiveis. O importante é que independente destes fatores adote-se critérios bem definidos e que estes sejam seguidos rigorosamente ao longo do estudo ¢ devidamente descritos nas publicages resultantes (Davis & Wagner 2003). Por exemplo, é comum optar por entrevistar pescadores maiores de idade, que atuem na pesca ha pelo menos 51505000000) 000011) 010011000080) pg Nu 81 82 Lopes, Silvano e Begossi 10 anos e que também residam na regiao ha 10 anos (Silvano 2004). Tais critérios asseguram que 0 pescador em questo teve um bom contato com espécies de peixes locais, que sio o interesse do estudo. Se a comunidade € grande e se ha interesse em um conhecimento mais aprofundado, estes critérios podem ser reformulados (¢.g.: acima de 50 anos, com mais de 20 anos de pesca) ou pode-se utilizar a metodologia “bola de neve", na qual um pescador reconhecidamente experiente Tecomenda outros e assim por diante, até que a lista de “experientes” se esgote (Bailey 1982). : Uma outra sugestio sobre 0 tamanho da amostra, em situagdes em que nao se buscam apenas os especialistas, 6 usar o tamanho da comunidade. Supondo, por exemplo, que a comunidade conte com até 50 casas, vale a pena entrevistar todos os pescadores maiores de idade da vila, Ou a0 menos um por residéneia (Begossi e/ al. 2010). Entende-se que “por todos os pescadores” esto aqueles que foram encontrados para as enirevistas © que accitaram participar. Se o trabalho & de curto prazo, uma segunda tentativa de entrevista para aqueles no encontrados anteriormente € valida, Mais tentativas implicariam em desperdicio de tempo, quando este é restrito. Entre 50 © 100 residéncia: pode-se adotar ios como entrevistar uma residéncia e excluir a seguinte (50 % de amostragem) ou se acima de 100, entrevistar uma e pular duas ou até trés residéncias (30 % de amostragem) (Begossi et ai. 2010). Nem sempre as casas esto agrupadas, Ro entanto. Nestas situagdes cabe ao pesquisador definir seu método de amostragem. Por exemplo, em um estudo no Alto Jurud, onde as casas se espalham ao longo da margem do rio, Begossi ef al. (1999) definiram como critério amostrar todos os pescadores da margem esquerda do rio, num transecto pré-definido com base no curso natural do rio. Assim como em qualquer outra Area, a escolha da metodologia a ser aplicada em estudos de etnoictiologia deve ser feita caso a caso, de acordo com a pergunta que se pretende responder e mesmo disponibilidade de ‘empo © recursos para realizagio do estudo. Tanto em estudos de etnotaxonomia quanto em estudos de etnoccologia de peixes, algumas metodologias destacam-se pela sua ampla aplicagao, entre clas 0 uso de entrevistas individuais estruturadas ¢ semi-estruturadas (e.g.: Silvano & Begossi 2002; Silvano & Begossi 2005; Silvano et al. 2008; Silvano etal. 2006), observacao participante e directa e entrevistas em grupos (e.g,: Huntington 1998; Huntington 2000). Entrevistas individuais destacam-se por fornecerem informagdes detalhadas a cerca da(s) espécie(s) de interesse e por esta razao estiio entre 08 métodos mais populares, Se ha 0 uso de um questionirio padronizado a ser aplicado na sua amostra de interesse, entiio & possivel fazer uma abordagem quantitativa. Isto quer dizer que todos os entrevistados ¢ |) ecologia a etnobiologia ‘esponderaio as mesmas perguntas, sejam elas fechadas (categorias pré- sclinidas pelo pesquisador) ou abertas (0 entrevistado discursa sobre a rerunta de forma livre e categorias so criadas & posteriori) (Alexiades 1996). Um método bastante difundido, usado em conjunto com as evistas em estudos de etnoictiologia, é o uso de fotografias ou pranchas loridas dos peixes de interesse. As fotografias sio apresentadas ao ‘wevistado sempre na mesma ordem (determinada ao acaso) para que ele ‘esponda perguntas especificas sobre cada espécie. Este método pode ser uisado tanto em estudos de etnotaxonomia quanto de etnoecologia de perxes. Normalmente quando o intere: do _estudo diz respeito a “lassificagdo dos peixes por comunidades locais, pergunta-se 0 nome popular da espécie (nomenclatura), solicitando-se ao entrevistado ae ssrupe 0s peixes em “familias” ou “parentes”, dependendo do termo used localmente para se referir a espécies relacionadas. Este agrupamento pode vcorrer desde um nivel menor (género) até mais clevado (familia, por cxemplo), se agrupamentos consecutivos sao solicitados. ; Uma outra abordagem consiste em contactar 0 pescador quando ele esté desembarcando 0 seu peixe e fazer perguntas, neste momento, pour ms espécies de interesse (Begossi & Silvano 2008). Estas sdo en a priori, como por exemplo a garoupa, no estudo mencionado acima. L esta forma, somente os pescadores que capturaram 0 peixe em questiio ‘spondem as perguntas, as quais também sao determinadas a priori. Os questiondrios, neste caso, devem ser curtos ¢ diretos, pois 0 pest (cra tempo para responder a muitas perguntas no momento do de: pesqueiro ou da comercializagao do pescado. Hen ee Este método traz.duas vantagens evidentes. A primeira é que no ha como o pescador se confundir a respeito da espécie de interesse, um risco que se corre quando se usa pranchas ou fotografias. Quando o peixe é mostrado “ao vivo”, pode ser que © pescador 0 confunda com outras espécies similares em fungio do. conhecimento ser mais ou menos aprofundado, mas no porque a visualizagiio do peixe nfo é clara ou porgue ® pescador nao esta habituado a identificar objetos em duas dimensdes. en Fotografias, pequenas diferengas usadas para separar espécies pertencentes 4 um mesmo género nem sempre sfio claras. A outra vantagem diz respeito a validagéo dos dados. O mesmo pescador pode ser entrevistado varias vezes sobre © mesmo peixe em periodos diferentes, conforme a sua captura, correspondendo a um tipo de validagao diacronica. Este ee permite ainda a associag’io de pesquisas mais convencionais da biologia. E possivel, por exemplo, abrir o peixe in loco e observar o per aa maturagdo das g6nadas (inspegdo visual apenas) e/ou coletar contet ls estomacal, para confirmagao de algumas das informagdes fomecic pelo pescador (Begossi ef al. 2008; Silvano & Begossi 2010). Neste caso, 83 84 Lopes, Silvano © Begossi geralmente faz-se necessiria a c i g ompra do peixe, a m ec mpra di » a menos que Searra em uma peixaria, onde o peixe seria tratado de qualquer ene onde haja colaboragao do peixeiro. ae 4A relacdo entre etnobiologia e conservacao __ /S stnobiologia, especialmente a etnoecologia, & relacs muito a contribuir com as disciplinas de manejo de ree & tem biologia da conservagao, especialmente quando s¢ estratégias de conservagaio tém de lidar com a questio da womans : © se dos recursos naturais (Begossi er al. 2006). Ann tumana contribuigdes da etnoecologia ja foram descritas acimn qos es Padres temporais na abundancia dos recursos (sindrome oho fcieat comparagdo) (Sienz-Arroyo et al. 2005), apoiar sistemas da ney ee, Hexiveis e diferentes do manejo convencional, como manga, nie iS ou manejo de ecossistemas (Berkes ef al, 2000; Johannes oe ao, Hickey 2008) e gerar novos dados ¢ informagdes bioléwiess hee & ipoteses a serem testadas futuramente (Silvano & Valbec levee Coe Silvano er al. 2006), inclusive sobre espécies Amedgatieg Ou exploradas (Gerhardinger ef al. 2009), Sees _ A seguir, serio comentadas brevemente alguna adicionais dos estudos de etnoecologia para a conserva cdo: dilogo com as comunidades locais envolvidas ou afetadye og nn de conservagio, compreender melhor as estratégias de ant tes recursos (e alterativas de manejo), monitorar a abundancia the explorados ¢ os resultados priticos de estratégiag ae conservagiio © compreender melhor aspectos ecoldcin complenas, bem como os impactos e alteragées ambientaig ETS m dos pontos cruciais no desenvolvimento © in nim estratégias eficazes de conservagao consiste no ‘didlogo ae seats aie comunidades locais envolvidas. ‘A falta de didlogo ¢ comers? COM # ‘io de regras de manejo e conflitos resultantes eden en lum manejo inefieaz. Por exemplo, nas IIhas Galipagos, no Queue eto (Equador), o sistema de manejo da pesca do pepino do mar fer nef ee? em uma situagao de constante conflito com os pe: sie atualmente © manejo envolver os pescadores — diminuido, estudos biol6zicos indicam que 0 estoque vem diminuindo cada vez mais (Shepherd et al. 2004), Nesse sentido, estudos etnobiolégicos permite compreender a percepeio das comunidades locais. sobre explorados, sendo que os bidlogos © responsiveis pelo nea; entao ajustar 0 seu discurso a realidade local, bem como fae aes iniciativas de manejo no conhecimento local dos pescadores, oe 8. emplo, Gio dos recursos Manejo ou terem de pepinos do mar registrar OS recursos ia a ctnobiologia 1 um estudo etnoecoldgico realizado com fazendeiros de gado no interior |v Rio de Janeiro, Silvano ef al. (2005) observaram que os fazendeiros ‘onhecem a importéncia da mata e mencionam alguns beneficios icos (servi¢os ecossistémicos) da floresta, embora ndo exatamente os ‘icsmos beneficios enfatizados pelos bidlogos. Tais informagées ajudam a siesmistificar” os fazendeiros, que poderiam ser estereotipados como ‘snorantes que desmatam somente pensando em lucro pessoal, além de petmitir 0 ajuste da abordagem de servigos ecossistémicos de florestas para nhulizar aqueles mais valorizados pelos fazendeiros, como manutengiio da jwodutividade do solo, sombra para 0 gado ou abrigo contra o vento, dentre wulvos (Silvano er af. 2005). Na Oceania, mais especificamente nas Ilhas ‘lomao (Pacifico Sul), estratégias de manejo vem sendo desenvolvidas de ‘cima a incorporar © conhecimento local dos pescadores, por exemplo, bre areas mais relevantes para crescimento e reprodugdo de espécies de jeises exploradas (Aswani & Hamilton 2004). Outra aplicagao dos estudos etnoecolégicos consiste em auxiliar na ompreensao das estratégias de exploragao dos recursos naturais (no caso, » recursos pesqueiros) adotadas por uma determinada comunidade local jo Rio Piracicaba, interior de Séo Paulo, os pescadores variam as ilhagens de redes de pesca utilizadas de acordo com a época do ano, uiulizando redes de malhagens maiores durante 0 veraio (dezembro a levereiro), quando capturam principalmente 0 corimbata (Prochilodus lineatus), espécie de peixe de maior porte na regio (Silvano & Begossi 001). Um estudo etnoictiolégico demonstrou que esses pescadores conhecem bem a migragio dessa espécie de peixe, que passaria pela regiao de estudo no verde (época das chuvas). Os pescadores do Rio Piracicaba provavelmente aplicam este conhecimento ecoldgico local para definir as (Silvano & Begossi 2002). Outro exemplo consiste na ‘aranguejo-ugd (Ucides cordatus) por catadores nos os pescadores reconhecem tros que Os mesmos estratégias de pes exploragio do mangues do litoral nordeste ¢ norte do Brasil com preciso o sexo dos caranguejos com base nos ras deixam no substrato do mangue, além de estimarem 0 tamanho dos individuos com base no tamanho das tocas (Alves ef al. 2005). Os pescadores utilizam esse conhecimento para capturar preferencialmente os nachos maiores, que tem maior valor econdmico (Alves et al. 2005), 0 que pode auxiliar a manter a sustentabilidade ecolégica desse sistema de coleta, conforme observado em mangues do Para (Norte do Brasil) por Glaeser & Diecle (2004). Outra aplicagdo ainda relativamente pouco explorada do conhecimento ecoldgico local e conseqiientemente dos estudos bioldgicos velere-se a aprimorar 0 monitoramento dos recursos explorados, com base na participagao dos préprios usuarios dos recursos (Begossi 2008). No TTT 85

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