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Cartas de um Viajante Francés a um seu Amigo residente em Paris Sobre o Cardcter ¢ estado presente de Portugal Traduzidas da Lingua Francesa na Portuguesa por Um Portugués assistente em Paris. Paris 1784 FACULDADE DE LETRAS UNIVERSIDADE DO PORTO 2001 Ficha ‘Técnica: Cartas de um Viajante Francés ‘Aurora: Cristina Alexandra Monceira de Marinko Edigio; Faculdade de Letras da Universidade do Porto Tiragem: 200 ex Arranjo grifico, impressio ¢ acabamentos: Tip. Nunes, Lda - Poreo PREFACIO PORTUGAL DOS CiRIOS E DAS TOURADAS « (..) Fsperimos, a tiritar no vencinho da manha, 0 eéa de vidro das primeitas horas de luz, 0 nevoeito cor de sarja do equinécio, os frisos de espuma que haveriam de trazer-nos, de rmistura com os restos de feita acabada das vagas ¢ os guinchos de orrego da Agua no siffo das rochas, um adolescente Ioito, de coroa na cabeca ¢ beigos amuados, vindo de Aledcer Quibir com pulsciras de cobre trabalhado dos ciganos de Carcavelos ¢ colares baratos de Tanger 20 pescaco, (..). ANTONIO LOBO ANTUNES, As Naus' O manuscrito n° 1089 da Biblioteca Publica Municipal do Porto, intitulado Cartas de um Viajante Francés a um seu amigo residense em Paris sobre o cardcter ¢ estado presente de Portugal integra um conjunto de «Cépias de varios papéis avulsos» assinado por Frei Indcio de $.Carlos», constituindo um tomo 4°, ¢ apresenta, no scu canto superior direito, a ANTUNES Anténio Lobo, As Naus, Lisboa, 1988, p.247, continuanda: « (...) ¢ rudo n que pudemos observar, enquanto apertévamos os termémetros nos sovacos © cuse piamos obedientemente o nosso sangue nos tubos do haspital, foi © oceano vazio até & linha do horiconre coberta a espasos de urna crosta de vinagrciras, Familias de verancantes tardios acampados ma praia, ¢ os mesties de pesca, de calgas enroladas, que olhavam sem entender © nosso bando de gaivotas em roupio, empoleiradas a tossir nos lemes ¢ nas hélices, aguardando, ao som de uma flauta que as visceras do mar emudeciam, o$ relin- chaos de um cavalo imposstvel.» Ml cloquente classificagéo de suspeito!. Uma tal censura poderd tefetir a autenticidade duvidosa do documento que sc estabelece em correspon- déncia epistolar para garantir certa efi de real situagdo comunicativa, *O Index especifica a composigo do volume: primeiro, «Cartas de um viajante francés sobre 0 cardcter ¢ estado presente de Portugal» p.1; segundo, «Breve de Piv 7° para o restax belecimento dos Jesuitase, p.59 ; terceira, eDissertagio sobre o N.9 do Cap. 5 dos Nimetos- Ista est Lex Zelotypiay, p.61; quarto, «Estatutos dos Missiondtios de Mesao Frion, p.6 quinto, «Relagio do motim havido no Porto em 1661 sobre 0 tributo do papel selado... p.85; sexto, » Dissertagéo sobre mediar ou nao Cainaro entre Arphaxad e Sala...», p.89; sé mo, « De (..) sobre as Epistolas atribu(das a S. Indcio Martis..», p.113; oftavo, «Bulla Incrutabili_ noticia do que sucedeu a seu respeito neste Reino», p.163; nono, «Ultimos sen- timentos do Arcebispo de Braga D. Fr. Cactano Brandio», p.180; décimo, «Aviso ‘mesmo respeito...», p.188; undécimo, «Discurso sobre a validade de um matriméniow,p.190; duodécimo, « «Revolugdo de Carlos 4° de Espanha contra o Real ¢ Supremo Consclho ¢ Resposta deste», 2200; décimo terceiro, «Sentenca de um Juiz Ordindrio num feito crime p. 207; décimo quarto, « Nota sobre a sucessio dos filhos de réus de sua Majestade...», p.208; décimo quinto Carta de uma fidalga a El Rei D.Joa05® por este a esquivar depois de a ter gozado com promessa de casat», p.247; décimo sexto, «Carta Régia a Francisco d*Almada para o recrutamento de tropa... p. 222; décimo sétimo, «Problema do Xadrera, p.224; décimo oitavo, «Carta da Sectetirio de Fscado ao juix de fora da Figueira», p.234; décimo nono, «Carta bdo General Francés Berthiet a0 Papa e deste aquele>, p.234; vigésimo, «Decreto da R.D.Marial* ao Visconde de Vila Nova da Cerveitan,p.235; vigésimo primeiro, «Breves de Clemente 13 20 Rei D.Jasé I e a0 Marqués de Pombal ¢ respostaa destes», p.236; vigésimo segundo, «Resolugdo sobre a autoridade de muddar uma religiosa de um para outro convento pot castigo dado pelo Supericer do mesmo conventon, p.248; vigdsimo terceito, «Decreto do Principe Regente para depor do ministério a José de Seabrae, p.262; vigésimo quarto, «Carta célebre de um juiz de fora novo 20 seu antecessor ¢ resposta deste», p.263; vigésimo quinto, «Carta sobre a eloquéncia de Francisco de Pina», p.264; vigésimo sexto, «Discurso de Mr. Merlin ao concelho dos 500», p.272; vigésimo sétimo, «Censura feita a uma tradugio de Teologia Moral do Sarrago, impressa no Porco em 1798 e resposta a ela», p.301; vigésimo oitavo, »Chagas de S.Francisco-provas delas-, p.304; vigésimo nono, «Gazeta histérics ¢ politica do tempo eterno, presente, pretérito ,..r, p.306; trigésimo, «Disticos postos na Era de um Morgado», p.310: trigésimo primeiro, «Bula que concede varias gracas aos freirdticos», p.311; trigésimo segundo, «Flei¢io dus Mordomos de Baco... na sua festas, p.314s trigésimo terceito, «Fpitafio a extinta Mesa Censéria», p.323; trigésimo quarto,«D... a0 Secretério da Mesae; tiltimo, «Formulirio por que o soberano apre- senta ao Papa algum sujeito para beneficio», 9.324 Iv de resto em citcunstancias explicitadas, produzindo, assim, um seguro efeito de maior perversidade, num quadro tradicional de susceptibilidades nacionalistas. Imaginérias, construidas sobre a montagem de outros teste- munhos pejorativos que circulavam jé na Europa civilizada ¢ arrogante, desconhecedoras em rigor de um referente querido ¢ injustigado, estas Cartas ameagariam a falsa inocéncia patrioteira que recusa 0 valor docu- mental de uma ficcao menor, culturalmente desfocada, enfermando do mal da maioria dos escritos de viajantes estrangeiros sobre Portugal. Se € facil aceitar com Diderot que «le voyageur qui, a chaque tour de roue, jette une note sur ses tablettes, ne se doute pas qu’il écrit un men- songe» ¢ sobretudo que «le voyageur n’échappe pas sa culture: son récit en dic plus long sur ses propres préjugés que sur les moeurs des peuples visités»,? um denominador comum critico sobre a realidade portuguesa, abarcando dois séculos, afigurar-se-a irrefutdvel, tanto mais que ele é ainda, no essen- cial, coincidente com o diagnéstico ¢ a posicao intelectual dos estrangeira- dos, no século XVIII. Obviamente os castigos, mesmo os de hoje em dia, citando 0 Montaigne «Des cannibales» ¢ 0 Lévi-Strauss com a sua falacia de toda a narrativa de viagens, nao deixario de desvalorizar 0 enorme edificio delirante destes escritos, saidos de uma mesma maquinacdo estrangeira, par- tilhada por esses deslumbrados ¢ traidores - denominados pelo nosso setc- centismo de judeus — que haviam abragado as Luzes frequentemente extcav- agantes pata ousar provocar 0s nossos bons ¢ antiquissimos costumes’. * DIDEROT Denis, Voyage cn Hollands, Ed. EM/ La Découverte, 1982, ‘onde acrescenta: « J'ai fait bien du chemin, j'ai vu beaucoup de villes; voila ce que commun avec Ulysse et tous les couriers. Pour les moeurs des hommes, c'est une étude dont je n'ai pas tardé de me dégotiter. Il faut un long séjour pour connaitte avec un peu d exactitude les phénoménes les plus communs» ‘ MONTAIGNE, Miche! de, Essais I, Paris, PUR, 1965, p. 205: “(...) Or, je trou- ve, pour revenir 4 mon propos, qu'il n'y a rien de barbare et de sauvage en cette nation, & ce quion méen a rapporte, sinon que chacun appelle barbarie ce qui n'est pas de son usage: comme de vrai il semble que nous n'avons autre mirede Ia verité er de la raison que 'exem- ple cx ideé des opinions ec usances du pays ou nous sommes.(...) Prevendo j4 uma recepgio negative, Silvio Mondanio faz acompanhar 0 manuscrito de algumas reflexes fundamencalmente legitimadoras do mesmo para o distinguir, desde logo, das eputadamente antipaticas Lettres sur_le Portugal écrites 4 l'occasion de Ja guerre actuelle par un Chatelet et des détails sur les finances de cc Royaume, ao mesmo tempo que assegura nele um «bom conhecimento do pais, nio encobrindo os defeitos de Educagao, nem as qualidades do clima, fertilidade das terras ¢ virtudes peculiares dos Portugueses», em suma, o equilibrio das perspecti- vas posiciva ¢ negativa, de que o mais civilizado dos povos nao estard isen- co, Distancia-o igualmente das Viagens escritas pelo inglés James Murphy, nascidas de «poucos ¢ irregulares exames do pais, ou de prejuizos bebidos em fontes impuras, ou da nimia credulidades, e que provam a injustica de que é objecto Portugal, no dizer de Silvio Mondanio, em costumes «con- forme as mais nagdes», para logo se descait num esforgado isolamento da castidade portuguesa, depois de reconhecer a decadéncia semclhante 3 de outros povos: «A Religiao tem de mistura algum fanatismo, mas o divino, o politeis- mo co materialismo principalmente que combatem a existéncia do ente supremo, nao infeccionam os mesmos ares, como sucede em tantas nagdes cultas do nosso hemisfério.» Prossegue, alertando pata o perigo das generalizagées de defeitos par- ticulares, informagées precipitadas ou testemunhos de curtissimas estadas, contrariado pela seriedade destas Cartas «que tém corrido pelas mios de curiosos», Deste modo, a sua intencéo morigeradora, reforgada pela citagio de Erasmo em epigrafe, projecta-se igualmente no equilibrio da formulagdo encontrada pelo tradutor: as cartas serio o espelho fiel que assinala manchas na beleza intrinseca de Portugal. A transparéncia da VI escrita e toda uma retérica de apagamento da subjectividade visam a autoridade de um olhar competence, «bem conhecido pelos seus distintos talentos», como pela elegancia das suas obras, afastando qualquer possibili- dade de ataque grosseiro, até numa insistente definigéo do tom_, que seduziram 0 tradutor, como devero captar o leitor, persuadido da capaci- dade fotogréfica, «lareza, ingenuidade ¢ conhecimentos» assim cuida- dosamente construidos nas Cartas. Num sentido difecente, mas ilustran- do por exceléncia a representacdo de uma objectividade, produto da cién- cia naturalista do século XVII, Heinrich Friedrich Link, acompanhante do conde de Hoffmanseg, numa sua visita de estudo ao nosso pals entre 1797 ¢ 1799, ha-de deliciar os que preferem uma imagem nacional en rese, & custa endo apenas de um apagamento do sujeitor, conforme nota Fernando Clara, «mas também, ¢ apatentemente como consequéncia, um outro apagamento de certas zonas do objecto» * . Este traduror do original alemdo da obra de Link combateré, ainda, o cardcter excessivamente inter- pretativo da sua vetsio francesa para oferecer uma leitura privilegiada das «zonas de siléncio», mais expressivas no quadro de saturacao das estratégias argumentativas e discursivas. Alias, a malicia das tradugées de Literatura de Viagens, também ela protegida por essa retérica da candura limpida, tem vindo a ser proble- matizada no actual esforgo de reavaliagao desta escrita, ao ponto de se considerar que elas deviarn ser essencialmente cottigidas, como refere, por exemplo, Maria Laura Bettencourt Pires, a propésito da obra beckfordiana que desde ha muito, pede uma traducao revista na integra, capaz de ulera- passar as falhas da reedi¢ao de 1983, reprodutora das incorrec¢des da ver- séo publicada cerca de crinta anos antes ¢ a visio preconceituosa, na sua LARA, Fernando, « A construgio de um pais: Heinrich Friedrich Link e Portugal, uum caso de literatura de viagenss, Revista da Biblioteca Nacional, Lisboa, s.2, 8(1) 1993, pp.23-39. Na ultima pagina deste artigo arguto, 12-se: «O Portugal de Link ¢ os por tugueses dele sio isso mesmo, tal qual como ele diz: dele. (...). VI expresso, de Boyd Alexander e de Joao Gaspar Simées.°D. Maria Amelia Vaz de Carvalho, ainda que doure romanticamente a pilula de certa decadéncia setecentista, ter o mérito de destacar 0 empenhamento sério de William Beckford em conhecer o pais, do mesmo modo que André Parreaux the ha-de conceder o privilégio de reconhecer que explorou com inceligéncia ¢ sensibilidade, durante trés visitas a Portugal, © nosso meio, rico de interesses para um and-puritano de «voltairianisme persistant’, Com efeito, a relativizagio contemporanea do valor documental destas obras, por parte de Castelo Branco Chaves, autor de Os livros de Portugal no Século XVIII ¢ ojecc ia, que realga a «superticialidade ou propésito denegridor dos forasteitos vendo aqui o arguciro «sem cepararem ou fingindo desconhecer a tranca que exis- tia alhures», trai-se na assungao de que «na esséncia no variam»; a mesma visio «incorrecta, insuficiente, deturpada, malevolente», no mesmo obsti- nado «combate ao clericalismo € ao poder absoluto dos monarcas penin- sulares», convergem, afinal, na coincidéncia necessdria de alguma verdade * PIRES, Maria Laura Bettencourt, William Beckford < Portugal. Uma visio ddiferente do Homem ¢ do Escritor, Lisboa, edigdes 70, 1987. Na pagina 252, considera ‘que «parece haver da parte dos autores da cradugio uma tendéncia para apresentar Beckford de forma preconceituosar, e que a introdusSo da edigia de 1954 wapresentava 0 seu autor de forma ainda mais negativa do que o préprio texto», manifestando cambém 2 «profunda indignacde que qualquer beckfordiano sente ao verificar que, ndo havendo em Portugal tradugdes modernas de aly, nem de Recollections, que nunca foram vertidas na integra para portugués, cenha sido reeditada em 1983 a mesma versio recheada de incor- recc6es que tinha sido publicada trinea anos antes.» CARVALHO, Maria Amdlia Vaz de, Em Portugal eno Estrangeito, Ensaios Criticos, Lisboa, 1899, «Portugal visto pelos esttangeiross, p.121: » (...) Esse entrou no nosso esplrito peninsular; penecrou-se dos nossos gostos; saturou-se das nassas impresses; respirou o incenso dos nossos altares; comeu o doce dos nossas conventos, deliciou-se com a [ruta saborosa dos nossos pomares; viveu da nossa vida indolente ¢ sonhadora, passada a0 sol das touradas, ou na sombra cépida das ceriménias cultuais; foi o peninsular meio poeta que era preciso ser para nos julgar; (..)- PARREAUX, André, Beckford et lec Portugal, Lisboa, Bertrand, 1958, pp.28 ¢ 51 ‘Vill eo mais perturbante dela nio seré tanto a dos ciumentos maridos hacionais que vigiam a bela mulher portuguesa, a das mas estradas hospedatias imundas, a de uma aristocracia abiilica e militares indisci- plinados'. A verdade unificadora dessas obras € a sua provocagio maior, dissimula-sc vigilante, castradora ¢ poderosa sob os palcos tristes do reina- do de D.Maria - com rapazinhos, desempenhando papéis femininos, quando nao pesados homens barbudos, na pele da mais volatil das prince- sas — nas garras, ainda que paradoxais, do governo pombalino, constitui- se na propria energia explosiva das Cartas do Barbadinho, na doléncia das Noticias Litetdrias de Portugal. Concrariando jé esta linha, a «Introdugao» a Lisboa Setecentista vista por estrangeiros "promove os relatos de viagens a «um género maior da literatura setecentista», descnvolvido por burgue- ses, pequenos ¢ grandes aristocraras respondendo a uma cxigéncia gradual de cosmopolitismo na sua educagio, mesmo excluindo. Portugal, destino mais éxético, do tradicional Grand Tour. Contudo, no abandona a boa prudéncia quanto a cerros ¢ injustigas resultantes» de um preconceito anti- peninsular expresso pot viajantes em estudo, passeio, missio duvidosa, mais ou menos cultos, sobretudo suficientemente educados para sentirem muito da nossa realidade social ¢ artistica apesar de tudo pouco estimu- lance. Importard necessariamente distinguit o olhar de um sueco, de um italiano on de um francés do século XVIII, j4 que os seus paises apresen- tam, ao tempo, diversas graus de civilizagio, determinantes do maior ou menor contraste com a experiéncia portuguesa ¢ isto independentemente de uma basica superioridade do visicance que transporta o orgulho de um " CHAVES, Castelo Branco, Qs livros de viagens.em Portugal no Século XVIlL ea sua projcesfo curopeia, Lisboa, ICALD Biblioteca Breve, 1987, pp.42-43. ° SANTOS, Piedade Brag, RODRIGUES, Teresa: ROORIGUES Teresa; NOGUEIRA,Margarida $4, Lisboa Setecentista vista por estrangeiros, Lisboa, Livrus Horizonte, Colecgio Cidade de Lishoa, 1992, 2* ed., 1996, pp.9-13.. reino de seputagao esplendorosa {mais activa na cegueira dos menos ele~ vados); Ruders, vindo que era de uma Suécia de ambiente cultural iodesto, evicaniki-se tials « bandessende suas Bleich, nintaids 6 Hien pitico quadro critico de um Portugal em franca evolugdo”, Beckford, cujo olhar se havia jd deliciado com as obras de arte dos melhores museus da Europa, e nao excluindo a depressio pela morte da sua jovem esposa, mar- ginalizado pela colénia inglesa que suspeitava de uma sexualidade ambigua, regista essencialmente um espanco indignado perante o aparta- mento dos sexos, 0 artufismo teatral nas igrejas portuguesas, uma socia- bilidade deficiente ambém ao nivel das artes... Nao serd de negligenciar a nota de [sabel Oliveira Martins, em Willi rgan_ Kinsey, Uma Llustragio de Portugal, sobre a viragem que se dé nos anos 80 do século XVIII «com o advento de um tipo de viajante que comeca a escrever como quer, sem obedecet a convengdes»', insistindo na primazia da informacéo sobre a expansio da subjectividade. E a este titulo, usufruindo desta mutagio, 0 manusctito que nos ocupa ganharia consisténcia contra toda uma heranga duvidosa de travel lars ¢ palimpsestos contaminados, a0 mesmo tempo que nio poderia deixar de legitimar, neste plano, uma das obras mais odiadas desta tradicio, a saber , Sketches of Society and Manners in Portugal in a Series of Letters de Archur William Costigan, que se esconde atrés de um pscudénimo herético, depravado € muito inteligente, no por acaso companheiro de armas de José Anastécio da Cunha, na praga de Infantaria de Valenca do Minho, centro privilegiado de debate intelectual progressivo " AFONSO, Maria Joao da Rocha, « © teatro portugués sctecentista visto por Carl 1. Ruders», in Revista da Biblioteca Nacional, $.2. 9 (1), Jan. / Jun, 1994, p.36. Também esta autora projecta a correccao na leitura deste autor, possivel com a futura edigio de todas as cartas, desta feita sem corres, interessante por oferecer um equilibrio de pontos de vista que scontrapée. “| MARTINS, Isabel Oliveira, William Morgan Kinsey. Uma Iustcagio de Portugal, Lisboa, edigbes 70, 1994, pp.21-22. Com efeito, dele se disse que «este homem, para exalar 0 veneno que Ihe roia 0 coragao contra o governo ¢ a nagéo portuguesa, dos quais se con- siderava ofendido, serviu-se de um nome suposto para merecer mais crenga ¢ soltar livremente as rédeas 4 sua maledicéncia»” . Conforme esclarece Maria Zulmira Bandarra de Sousa, que identifica Costigan com James Ferrier, magéa ¢ comandante do Regimento de Artilharia do Porto, este militar «era um filho da Europa do progresso e, como tal, nio podia deixar de se revoltar contra a situacio de completo atraso, estagnacio miséria em que Portugal se encontrava mergulhado, sentimento que os proprios estrangeirados portugueses partilhavam»!! , Na mesma linha, Augusto Reis Machado desfaz 0 preconceito que anatemizou esta obra, é certo com limitagées, para a inscrever no sensivel € valioso universo de Herculano, Antero, Oliveita Martins ¢ Esa de Queirés, para ja nao falar da solidariedade estrangeitada de Setecentos, que visa langar directrizes para um pafs nova, dotado «de uma maior consciéncia dos defcitos nacionais ¢ o conhecimento dos préprios defeitos como base primeira para uma radical transformagion'*, Nao serd, de resto, dificil de imaginar a repugndncia que o Portugal mariano ter suscitado ao culto miliar ingles, trazido pelo Conde de Lippe para leccionar artitharia, aquando do inter- rogatério feito pela Inquisicao de Coimbra, a propésito da condenagio do distinto matematico, José Anasticio, por ler criminosamente Rousseau, Voltaire, Hobbes, fazer um funeral catélico a um cao, conviver algo © BRANCO, Manuel Bernardes, Pozsugal ¢ os Extrangeiros, pp.284-285, " SOUSA, Maria Zulmira Bandarra de, «() Relato de Viagem de Costigan sobre Portugal, in Revista de Esmdos Anglo-Portugueses, Lisboa, INIC, Centro de Estudos Comparados de Linguas e Viteraruras Modernas, 1992, niimero 2,p.99. Esta obra, apds a sua publicacdo, «passow a constituir uma leitura quase obrigat6ria para todos aqueles que tencionavam tumat ao nosso paisr. * MACHADO, Augusto Reis, «Preficios a Costigan, Arthur William, Cartas sobre, a Sociedade ¢ os Costumes de Portugal 1778-1779, Lisboa, Liséptima Edigoes, 1989, vol.I,p.23. xt indecorosamente com umas quaisquer Margaridas, na companhia de trin- ta e seis oficiais estrangeiros da mesma praga, auténtico «foco de pestilén- cia mental», 2 exacta matéria que iluminava a Europa, mas que aqui atira- va com a fina flor da intcligéncia para o siléncio. Afiguram-se, assim, aceitiveis «os defeitos dominantes: a auséncia de uma forte preocupagéo moral, uma sensualidade avassaladora, uma graca torpe e soet, uma lin- guagem desregrada, uma enorme falta de cultura, praticas supersticiosas em vez de verdadeiro sentimento religioso, um acentuado relaxamento de costumes, uma excessiva indulgéncia perante os préprios defeitos e os defeitos das pessoas amigas»"’, espelho talvez nao exagerado de um pats ainda dado a Autos de fé, moribundos e por isso mesmo mais patéticos. O proprio José Anastacio da Cunha lamenta 0 «sono letargico em que nos consumimos» desde o século XVI, derramada a Literatura de Camées em sbagatelas literarias», sem grandes pintores, um tnico estatudrio, um inico arquitecto, «a partir de entéo, mais nao temos feito que estagnar na ignorancia ¢ suscitar o desprezo dos estrangeiros»"* Accitando a evidéncia de alguns argumentos de Coimbra Martins que apontam em Noticias Literdrias de Portugal «uma viséo do pas superficial, € um juizo sumério sobre a cultura (ou incultura) portuguesa», a integrar "Idem. ibidem. pp.15-25. Para se poder avaliar a imagem que James Ferrier podia tet levado de Portugal ¢ da sua Inquisiggo, afigurar-se-ia fundamental a consulta de Joio Pedro FERRO, O Proceso de José Anasticio da Cunha, Lisboa, Palas Editores, 1987,.nomeadamente a 254: ee (..) E pareceu a todos os votos que 0 réu pela prova da Justiga e suas confissies estava legitimamente convicto no crime de heresia, apostasia, por se persuadir dos erros do. deismo, tolcrantismo ¢ indiferentismo, tendo para sie crendo que se salvaria na observin- cia da lei natural, como a sua razao c a sua consciéncia tha ditassem sem a sujeitar a algu mas leis ou preceitos e sem a regular pelos dogmas da religido revelada em que no acred- arava. (...)» " CUNHA, José Anastécio da, Noticias Literitias de Portugal 1780, Lisboa, Seara Nova, 1971, passim. Xu na imensa «diatribe corrente dos estrangeirados», afigura-se-nos, apesar de tudo, sensivel a aparente desordem de um texto chorado, de resto no rigor do que é dito, e licida a posigo mais de doléncia do que verdadeiramente de militincia sobre muita vacuidade portuguesa”, De resto, a desorgani- zagio ( o trabalho litersrio desse efeito, bem entendido) textual constitui exptessio eloquente na pena do gedmecra, mestre das proporcies ( e das ji no pouco desproporcionadas volipias da sua Poesia) e inegdvel péndulo de uma justa dentincia, em mais de um momento: «{..) Quanto aos nossos pseudopatriotas, que tio bem lograram embriagar-nos de orgulho com as suas traidoras hossanas ¢, ao cscon- derem-nos assim os nossos defeitos, os perpetuam ¢ os tormam, enfim, ircemediveis, estando sempre prontos a tocat a rebate (...) (..) Verd que sou muito mais inclinado a louvar que a vituperar ¢ que, se niio sou assaz.traidor assaz cobarde para erigir em virtudes 08 vicios do meu pafs, também no sou téo desnaturado que os lembre todos ¢ que Ihe trace dele um quadro demasiado injurioso ¢ descsperador: s6 me refiro aos que, fiel ao que me pedistes ¢ ao préprio interesse da Patria, se me afigu- raram pertinentes: © Idem, ibidem.p.71: « (...) so as lagrimas vertidas pelos meus olhos, lagrimas que ‘© amor do género humano e das tuas virtudes me obrigam a derramay(...). Esta emotivie dade, geradora deste texto «desordenado», exprime-se igualmente quando © matemético fala de Camdes ¢ do abandono a que a patria o votou, como esté patente nas paginas 43, 45. Ainda, neste plano, a obra termina com uma confissio de amor pela patria ¢ com a inequivoca conclusio « (.) Pobre de mim! Scythia quid cristius ora? Huc tamen ex Roma barbarus ipse fugitr MARTINS, Anténio Coimbra, «© estrangeirado de Valengas, in Anasticio da Cunha 1744/ 1787 0 matemitico ¢ 0 poeta, Actas do coléqui internacional seguidas de uma antologia de textos, Lisboa, Imprensa Nacional, Estudos Gerais Série Universitéria, 1987, pp.172-173. XI Mas, José Anastacio da Cunha previa perfeitamente, com os talentos infelizes de Portugal, _ «que talento houve ja feliz em Portugal,?», clamara Almeida Garrett a resisténcia ( ainda hoje?) castica ¢ bafienta dos que persistem na wcegueiray, segundo o autor, de nao reconhecer a nagio do inotor deste texto, 0 de uma teméria «perturbada ¢ quase aniquilada por longos ¢ continuados sofrimentos», consciente de que s6 podera dirigir-se «ao cidadio sincero ¢ inscruido» ¢ nao precisamente aqueles «cujos curtos voos dependem sempre de alguma opiniao favorita, de alguma paixao, de algum interesse particular ¢ que se mostram sempre dispostos a rejeitar tudo o mais cam desprezor” Nao por acaso 0 distinto matemético escolhe chorar Portugal na lin- gua de Voltaire, exilio ¢ prudéncia por parte de quem cemia ser julgado hovamente, consciente que estava do desfasamento cultural entre este Reino da Estupidés e a civilizagio do autor de Candide ou desse odiado James Ferrtier. Depois dos ltigubres interrogatérios nos cdrceres da Sofia, em Coimbra, é remetido para a Inquisicao de Lisboa, sujeito a Auto pabli- co de Fé com hébito penitencial, onde abjurou as suas heresias, de vela de cera amarela na méo, tendo incorrido em excomunhao maior, conhecerd a reclusio, ainda que benigna, na Congregagio do Oratério, conseguindo ® CUNHA, José Anasticio da, op cit., pp-75,79.Nesta pagina final, continu « (..) Sim, mesmo naquilo que um falso patriota quereria fazer passar por invectivas contra a Pétria veri 0 verdadeito cidadéo que apenas 2 lamento e reconhecer4, ralvez com algum espanco, que a amo.(..)» Enas paginas 73, 74, onde nora: bol © quatro que tenho estado a esbogar apresenta, sem diivida, muitas imperfeigoes: jf Ji vai o tempo em que teria podido tomi-lo menos indigno da vossa atengio. Nio obstante, atzevo-me a garantir-vos que é fiel e verdadeiro; ouso garantir-vos que € mais completo « mais exacto do que seria no caso de prodigalicar mais pormenores ‘Atrevo-me a supor que me nio desprovard querm quer que tenha lido os nossos autores com menos cegueira do que é costume fazélo, (..) » » GARRETT, Almeida, Obras Completas, Lisboa, Empresa da Hist 19 04, p. 237. de Portugal, XIV anular o degredo em Evora, apesar de desticuido definitivamente das suas fungdes de docente universitério ¢ de oficial. Documento sobejamente conhecido dos investigadores, as Cartas de um_Viajanse Francés consta do recente estudo de Fernando Augusto Machado sobre Rousseau cm Portugal’ quc se interroga quanto “A possfvel tolerincia ou feigio autoctitica (com intuito correctivo) dos frades que incluiam tal manuscrito na Livraria do Real Convento de S.Francisco” no * CUNHA, José Anastécio da, ibidem, pp.73-75. Temos citado a obra na acertada versio do Professor Joel Serréo que publicou o manuscrito em primeira mao. Na sua «Introdugao», jue) Serr, em 1965, sublinha o ‘«lidimo pactiotismo» que ressuma destas paginas, notando que clas concernem a «todos quantos, entre nds, entendem nao haver incompatibilidade aluma entre 0 amor da Ptria e © amor da verdade, pendendo a crer que 56 no hicido equacionamento dos problemas nacionais se inicia a solugio idénea deles», numa clara alusio a politica portuguesa da época em que ele proprio escreve e para concluir lucidamente: a Ged Ora, se porventura assim é, ressalta com bastante clareza a necessidade de estu ubjee- tivamente frustragies como as de José Anasticio da Cunha, que nfo foram tecidas sé no plano pessoal, pois que assumiram significado nacional () E, antes, para que possamos decidis, em plena consciéncia, que 0 oprébio se ndv repita, decidindo alterar as condigées que historicamente o permitiram.» F repetia-se. MACHADO, Fernando Augusto, Rousseau em Portugal, Porro, Campo das Letras, 2000, p. 284: « (..) Tal titulo far lembrar as Lettres éerites de Portugal sur U éiat ancien et actucl de ce Reyaume, mas «ém pouco de comun entre si as duas obras. Vai mais de encontra a0 quadro tragado por Dumourier em Etat présent di Rowyaume de Portugal (oad Imprescindivel para 0 estudo do nosso Setecentismo, esta tese da conta de umas argicia fundamental para a perseguigio da tal impliciude, aediscrigto da implicitudes na expressio do préprio autor, com que se exprime a essencial presenca rousseauiana, em. Portugal. Sem essa intelipéncia, esta leitura nao existiria. & de registar igualmente a sua conclusio central para o estudo da Literatura Portuguesa de que Almeida Garrett é «além de fervoroso 0 mais integral « eminente dos discipulos de Rousseau no nosso pals, mesmo com diversos posicionamentos criticos», vide p.585. Porto, rico na perspectiva de panoramica geral com que caracteriza as vicissitudes nacionais que subjazem ao destino do malfadado gedmetra. Quem o escreve assegura, a partida, o rigor no tempo ¢ nas diligéncias que investiu nesta caracterizacéo, para nao falar da «imparcialidade, brevidade ¢ clareza» com que se propse pintar um quadro fiel de um pais «belov «digno de ser conhecido», de acordo’com a sua meméria, mas previne, sugerindo um horizonce de negatividade, ao mesmo tempo que propde ao destinatério francés que as esconda dos portugueses a fim de evitar «a raiva de uma nacéor: « Preparai-vos, pois pata ouvitdes verdades.» Quanto & geografia ¢ as produgées do pais, matéria primeira e de nenhuma polémica, 0 aucor é breve, j4 que, conforme salienta, a simples consulta de um atlas conhecido satisfaz uma bésica curiosidade; Portugal tem uma posicao privilegiada, no seu didlogo com o mar, e tem vinhos capazes de superar os melhores, os rios proporcionam-lhe notdvel fertili- dade, so fantdsticas as suas laranjas, abundante a caca, numerosos as lam- preias e salmées...Rica em tudo o que é precioso para a vida, temperada no clima, abengoada, entio, por Deus, esta nacéo famosa na Europa, como saliencaré, pela grandiosa empresa dos Descobrimentos, é habitada por gentes mais duras no trabalho € mais sébrias do que os vizinhos castelha- nos. E em tema tio subjectivo, o autor legitima o seu julzo nao sé com as suas observacdes, mas também com conhecimento de Franceses cultos que vivem na Corte, para enfatizar a brava resisténcia portuguesa contra Castela, mesmo depois de quase morrer com D.Sebastido, em Africa, a mesma com que hdo-de vencer mares e rasgar novos mundos. Contudo, o plebeu ¢ facilmente brutal, vingativa a natureza do Portugués que se manifestava, ainda durante o reinado de D Joao V, em duelos e mortes ficeis, presungosa toda a sua populacéo, mesmo a mais polida, como a castelhana nao sabe ser, exprimindo, deste modo, uma limitagSo importante na capacidade de conhecer 0 outro ¢ de aprender, 0 que 2b initio justifica a impossibilidade de aceitar as Cartas de um Viajante XVI Francés...56 esta presungao impede de lucidamente acolher a perspicicia imparcialidade do estrangciro, to mal visto em Portugal, orgulhoso ( e que nao inclui a sua inteligéncia), insistindo em recusar a universalidade das Luves, principio unificador dos povos pensantes. Aqui o viajante, nota ainda, € areu, falso, inventor da sua ascendéncia ariscocrdtica, ignorante, num princfpio ridiculo sé explicdvel pela ignordncia da sua plebe e por coda uma tradicao panegirica da patria que superlativiza os portugueses. O olhar francés reconhece uma proteccio excessiva do sexo feminino® que experimenta, enue nds, «um duro cariveiro», limitador da sociabilidade na Corte, aspecto que resultard naturalmente da comparacio cultural com a experiéncia france- sa, em que o contraste é inegivel. Sublinha igualmente a honradez por- tuguesa na fidelidade 20 monarca e nos negécios, sendo os portugueses pouco dados 3 inventividade artistica ¢ cientifica, porém bons imitadores ¢ esponta- neos no discurso. Subtraindo a estes defeitos, no fundo, os estrangeirados, dissolve tal cegueira numa disseminagao das qualidades curopeias que con- vergem no Homem iluminado, livre de uma tacanha identidade: « (..) Porém repito, aqueles Portugueses que pela continuagao dos seus estudos, ou viagens, se ém.cle- vado acima das preocupagées da sua patria séo uns estimaveis sujeitos, Destes tratei muitos em que achei a policia francesa, o engenho italiano, a honra inglesa € todas as mais vireudes que condecoram os varios povos da terra, (..)» * A este propésito, afigura-se curiosa a recente obra de Ana Vicente, As Mulheres Portuguesas Vistas por Viajantes Extcangcicos (Séculos XVIIL XIX ¢ XX), Lisboa, gética, 2001 em cujos «Excertos de livros de viagens do século XVII» s6 se confirma esta perspecti- va do viajante francés. Na pagina 49, acrescenta: +E assim que a mulher é abjecto de dese- je por parte dos viajantes © quase sempre esse desejo ndo pode ser concretizado. A sexuali- dade ¢ um dos interessantes dominantes dos viajantes esttangeiros, (..)v. Na pagina regista: .Ft.Bartholomeu dos Mértires, em que nio sabemos qual havemos de admirar mais, as virtudes do herdi ou a pena do escritor: ¢ Jacinto Freire de Andrade na sua Vida de Jodo de Castro, em que se pds quase a par do florido Quinto Curcio. Estes trés homens, que temas traduzidos na nossa lingua, cxccuraram com sumo primor as Leis Severas da Histéria.Tem mais Fr.Bernardo de Brito ¢ 0 scu continuador Anténio 24 Brandao, ambos Monges Cistercienses ¢ Cronistas de Portugal, cuja Histéria escreveram com muito asseio, ainda que as vezes exagerada; € cheia de erros de Critica. E se quisermos juntar os que escreveram em Latim e Castelhano, acharemos © fecundo_Manue] de Faria ¢ Sousa, Saltistio Portugués, DJerénimo Osério, O eloquente Diogo de Teive, cujos comentarios de rebus ad Dium gestis, se podem comparar aos de César € outros muitos. Na Poesia, tém os Portugueses cambém urn lugar muito distinto. O seu grande Camées, apesar dos defeicos inevirdveis do seu século, é bem digno de admiragéo que sempre lhe tributaram as Nag6es polidas. No génio pascoril, € muito estimdvel Diogo Bernardes, « Ansénio Ferreira, Bernardino Ribeiro, e Ft, Bernardo de Brito com a sua Silvia de Lizardo. O amenfssimo Poeta Francisco Rodrigues Lobo, nas suas Obras Pastoris excede tudo quanto se pode desejar ¢ iguala, se nao vence, os methores antigos. A sua Primavera ¢ Pastor Peregtino ¢ 0 romance Pastoril mais excelente que tem a Europa e merece 0 mesmo lugar que no Romance Heréico se d4 a Theagenes, ¢ Charides. Enfim, na Poesia cém os Portugueses muitos ¢ muito estiméveis Poetas. Poucos anos hé que nesta Corte de Lisboa faleceu Pedro Anténio Gargao, cujas odes sio 0 modelo mais perfeito da poesia lirica e de quem os Portugueses fario para o Futuro, 0 mesmo caso que fazemos de Hordcio. Na Teologia nada tém os Portugueses digno de ler-se, assim como também na jurisprudéncia. Os autores que tém em Direito séo uns meros praxistas ou Consulentes que afogam a razio_ debaixo de enormes vo- lumes, sé bons adv nies odo Na Oratéria tém o eloquence Bispo de Leiria D Anténio Pinheiro, © Douto Tedlogo Diogo de Paiva de Andrada, € o grande Padre Anténio Vieira que seria um Crisésamo ou um Ledo, se nao quisesse adaptar-se aos vicios do seu século, Os seus sermées no meio dos seus vicios ¢ agudezas falsas tém rasgos e pedacos dignos de Cicero. Em Matematica, Medicina, Filosofia ¢ Humanidades nao tém os Portugueses auror de maior nota, 25

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