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mn = HERMENEUTICA 5 z a rate monn te ered toeeecenreniva: ratkeaah sil I humana. Seu objetivo é atingire formular um I jo do ser. A fenomenc fe) ae 2 JDEOLOGIAS Sana betk & Slo a i ens cei ee aes S| ua filosofia ndo constitui uma criagdo e lo, um circulo qu aes eee meétodo re le romper todo © qualquer pacto c < i idealismo. De forma alguma pretende negar sua relagao como vivido, i isso, 0 probl (a Ricoeur é o da herme 4 NIM eteoyear bg (Aamo Maver Sa Rune eens “af , Ree ae vozEs ESC) Dados Internacionais de Catalogacio na Publicacio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Ricouer, Paul, 19132008. ermenéuticae deologias / Poul Rcover. 3. ed. ~ Petropolis: Vozes, 2013, (Colagdo Texos Flosics) 6° reimpressao, 2020, Is0N 9769532657123, 1. Ciencias socials - Metodologa 2 Hemenéutica 3.Idealogla | Thlo, 1o12940 cop.2 Indices para catélogo sistematico: 1, Hermenéutica e ideologias : Filosofia 121 Paul Ricoeur Hermenéutica e ideologias Organizagdo, tradugdo e apresentacao Hilton Japiassu y EDITORA VOZES Petropolis © 2008, Edtora Vozes Lida Rua Frei Luts, 100, 25688-900 Petrépolis, RJ ‘wor.vazes.com.br Bras ‘Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poders ser reprodualda ou transmitda por qualquer forma e/ou quaisquer melos (eletronico ou mecanico, inluindo fotocépia e gravacdo) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissao escrita da editora, ‘CONSELHO EDITORIAL, Diretor Cilberto Gongaives Garcia Editores Aline des Santos Carneico Ezrlan Josué Pasini Marilac Loraine Oleniki Welder Lancieri Marchint Consetheiros Francisco Moras Ludovico Garmus Teabaldo Heidemann Volney J. Berkenbrock Secretirio executive ‘Jodo Batista Kreuch Editoragao: Shella Ferreira Neva Diagramagao: AG'SR Desenv. Grafico Capa: André Esch ISBN 978-85.52637123 Esta obra teve 4 edigbes anteriores, publcadas pela Ealtora Francisco Alves, 0b o titulo Interpretagao e ideologtas. Ealtado conforme o novo acordo ortogralic, Este lvro fol composto e impresso pela Editora Vores Lida, Sumario Apresentacao ~ Paul Ricoeur: filésofo do sentido, 7 Parte I: Fungdes da hermenéutica, 21 1. A tarefa da hermenéutica, 23 2. A funcao hermenéutica do distanciamento, 51 Parte Il: Ciéncia e ideologia, 71 1. Introdugao, 73 2. Critérios do fendmeno ideologico, 77 3. Ciencias sociais e ideologia, 87 4, A dialética da ciéncia e da ideologia, 98 Parte I ritica das ideologias, 107 1. A alternativa, 111 2. Por uma hermenéutica critica, 142 Parte IV: Sinal de contradicao e de unidade?, 159 1. Os neoconflitos nas sociedades industriais avancadas, 161 2. Dois anteparos ideol6gicos, 168 3. Replica a ideologi conflito, 178 }or uma nova estratégia do Apresentagao Paul Ricoeur: fil6sofo do sentido ‘A obra de Paul Ricoeur pode ser justamente considerada como uma das mais ricas e profundas de nossa época. Seu ponto de partida € uma analise rigorosa da vontade humana. ‘Seu objetivo é atingir e formular uma teoria da interpretacdo do ser. A fenomenologia constitui um momento decisivo de ‘sua metodologia. A originalidade de Ricoeur esté em néo fa- zer filosofia a partir de filosofia, Nao reflete a partir de ideias. ‘Seu pensamento nao se abriga nem se repousa no pensa- mento dos outros. E um pensamento que recria, que se serve do pensamento dos outros como de um instrumento. Eviden- temente, sua filosofia nao constitui uma criagao ex nihilo, um circulo que se fecha em si mesmo, porque nao pode ha- ver filosofia sem pressuposicées. Trata-se de um pensamen- to que se propée a adotar um método reflexivo capaz de rom- per todo e qualquer pacto com idealismo. De forma alguma pretende negar sua relacao com o vivido. Pelo contrérrio, tem em vista o esclarecimento, mediante conceitos, da existén- cia. E esclarecer a existéncia é elucidar seu sentido. Por isso, © problema proprio a Ricoeur €o da hermenéutica, vale dizer, © da extracao e da interpretacdo do sentido, Percebeu que todo o pensamento modemo tornou-se interpretacao. Assim, a questao que se Ihe revela essencial nao é tanto a do erro ou da mentira, porém a da ilusao. Para se descobrir a verdade deve-se dissipar essa questao. Toda a crise atual da lingua- gem pode ser resumida na oscilacao entre a desinistificacao ea restauracdo do sentido. E.o projeto de Ricoeur nao é ou- tro senao o de redescobrir a autenticidade do sentido gracas a um esforco vigoroso de desmistificacao. Tal esforco come- ‘ca com a construcao de uma Filosofia da vontade, tendo por objetivo reconciliar Descartes ¢ Kierkegaard, atraves de uma meditacao sobre a linguagem. O método utlizado € o fe- Fomenolégico, tentando compreender o que descreve, para descobrir seu sentido. Para atingir mais diretamente o essen- cial da questéo de vontade, Ricoeur coloca entre parénteses 08 temas religiosos da falta e da transcendéncia, Sua eldét- ‘ca da vontade supde a suspensao do juizo sobre os dogmas religiosos do pecado original e das reiac6es do homem com Deus. A suspensdo do juizo sobre a falta original permite-Ihe © estudo sem preconceito da falibilidade empirica da vonta- de humana. E a desconsideracdo provisoria da transcendén- cia permite-the restituir 0 poder criador simbélico vontade, mediante a poesia. A vontade precisa ser isolada e purificada. Nao pode ser analisada apenas pelo método que se funda no estudo dos atos objetivantes de percepcao e do saber, nem tampouco pelo que reduz suas andlises a um modelo inico: a existéncia vivida. A vontade precisa ser estudada em si mes- ‘ma. Seus componentes essenciais s40 0 projeto, a execucao € 0 consentimento. Isto implica a correlacao do voluntario e do involuntario. Porque querer é projetar um mundo, apesar U Contra os obstaculos. Querer também é projetar uma in- tengao que, pelo consentimento, converte-se em necessida- de “softida” e retcmada pelo consentimento, Em seu esforco de desmistificacao, Ricoeur suspende o Paréntese que introduzira entre a falta e a transcendéncia, para instaurar uma dialética do voluntario e do involuntario, dominada pelas ideias de desproporcéo, de polaridade do nito e do infinito, de intermediério ou de mediagao. Em finitu- dee culpabilidade nao estuda mais o problema da realidade do mal, mas o problema de sua possibilidade, vale dizer, da falibilidade. A finitude ndo basta para explicar o mal. O im- Portante é saber que a finitude possibilita a insergéo do mal na realidade humana. O pathos da miséria torna-se um pon- to de partida de uma filosofia do homem. O homem nao é um simples meio entre o ser e 0 nada. A “intermediariedade” do homem consiste em operar mediacdes entre contrétios ou correlativos. A fonte da falibilidade reside em certa nao coin- cidencia do homem consigo mesmo. O homem é um ser que néo coincide consigo mesmo. E um ser que comporta uma negatividade. O papel da filosofia consiste em refletir sobre esse caréter patético da miséria, que se revela nos niveis.do conhecer, do agir e do sentir Noplano do conhecer, a primeira caracteristica do objeto 6a de aparecer. O homem nao cria o real. Ele o recebe como ‘uma presenca. Sua percepcao se abre ao rhundo. Percepgao finita. Toda viso é um ponto de vista. © mundo é 0 horizonte de todo objeto, que s6 é percebido em parte. Hé possibilida- des infinitas de capté-lo. Muitos pontos de vista nos escapam. No entanto, podemos dizé-los: pela linguagem, falamos das fisionomias ocultas e no percebidas das coisas. Falamos de- las em sua ausénicia, Neste sentido, a palavra transcende to- os os pontos de vista. A realidade nao se reduz ao que pode set visto. Identifica-se também ao que pode ser dito. Hé uma sintese do visto e do dito numa filosofia do discurso, mas que 86 se aplica a ordem das coisas. No mundo humano perma- nece uma dualidade: 0 dado e o sentido sao irredutiveis. O homem nao é um dado. Ele se define por ser uma tarefa, uma sintese projetada. Nem por isso se reduz a mera subjetivida- de, Esta vinculado ao mundo exterior mediante seus interes- ses € seus sentimentos. O ser do objeto € sintese, a0 passo que o ser do homem é conflito, pois nele se inscreve, como componente essencial, a possibilidade do mal, embora o mal constitua sempre um escandalo que se impée ao homem. Escandalo presente, injustificavel racionalmente. Doride a importancia do discurso filoséfico para revelar as fontes radi- cais da existéncia. Donde também a importancia da lingua- gem simbélica, capaz de restaurar e de fazer uso de uma filo- ‘sofia da imaginacao. Bachelard dizia que a razdo recomeca, mas é a imaginacéo que comeca, pois é a imagem poética ‘que nos introduz na raiz do ser falante. Para Ricoeur é o sim- bolo que exprime nossa experiéncia fundamental e nossa si- tuacdo no ser. E ele que nos reintroduz no estado nascente da linguagem. O ser se dé ao homem mediante as sequéncias ibolicas, dé tal forma que toda viséo do ser, toda existén- ‘la como relacao ao ser, ja € uma hermenéutica. O que im- porta, finalmente, € que o homem nao se contente com sua linguagem primaria e esponténea para exprimir toda a sua experiencia. Ele precisa chegar a uma interpretacao criado- ra de sentido, a essa atitude filosofica do compreender. Para além da experiéncia das coisas e dos acontecimentos, situa- se 0 nivel da linguagem filosofica, linguagem interpretativa capaz de revelar uma experiéncia ontolagica que é relacdo do_homem com aquilo que 0 constitui homem, vale dizer, ional, quer dizer, pretende ela- borar uma filosofia da linguagem capaz de elucidar as mit plas funcées do significar humano. Se o simbolo nos leva a pensar, devemos pensar. Embora parta do cogilo, Ricoeur do pretende elaborar uma filosofia da consciéncia. Sua filo- sofia muito mais um trabalho de tomada de consciéncia, mediante a desmistificacao das ilusdes da consciéncia, da consciéncia como ilusao. E como a hermenéutica visa a uma decifragao dos comportamentos simbolicos do homem, a um “trabalho de pensamento que consiste em decifrar o sen- tido oculto no sentido aparente”, os estudos antropolégicos de Ricoeur néo podem ignorar o pensamento corrosive da psicanalise freudiana, O sentido da hermenéutica freudiana Consiste em mostrar que o lugar do cogito encontra-se ocu- pado por um falso cogito, que Freud chama de narcisismo. O falso cogito deve passar por um processo de dissolucao. O objetivo da filosofia consiste em atingir uma explicacao do verdadeiro, vale dizer, um fornecimento de sentido, 0 que s6 pode ser feito mediante a interpretacao do simbolismo e 0 Proceso de dissolugao das ilusées: “E necessario que mor- am 0s idolos para que vivam os simbolos”. Um dos méritos da hermeneutica freudiana consiste em libertar o sujeito hu- mano de sua crenga ingénua em sua autonomia imediata e em sua certeza inaquebrantavel. Mas ela nao se deu ao traba- Iho de se perguntar por que e como deve chegar a sua ver- dadeira relacéo consigo mesma. Por isso Ricoeur elabora uma simbélica mais radical da consciéncia, que se encontra na raiz de todas as determinacdes historicas e espirituais do homem. Tal simbélica, por seu contetido, remete-nos aquilo que ha de obscuro, de regressao de inconsciente no ho- imem aliénado. Por sua intencdo, éla sé apresenta como um apelo a redescoberta do principio ontolégico da consciéncia. Eis 0 duplo movimento da hermenéutica de Paul Ricoeur, que © leva a fazer da arqueslogia freudiana, do sentido de sua ‘anélise interpretativa das manifestacdes do inconsciente, uma espécie de infraestrutura do pensar filoséfico. Para tanto, preci- sa superar a metodologia fenomenolégica, pois esta acredita, por simples reducao, ter acesso a um cogito suficientemen- te depurado. A fenomenologia precisa ser superada por um pensamento que descobriria, numa objetividade nao pensa- da, fundamento altimo do pensamento. Ricoeur concebe a filosofia como uma atividade, como uma larefa ao mesmo tempo conicreta, temporal e pessoal, muito embora com pretensdes a universalidade: ‘Tenho algo a descobrir de proprio, algo que ninguém. Possui a tarefa de descobrir em meu lugar. Se minha existéncia tem um sentido, se ela nao é va, tenho uma Posicao no ser que 6 um convite a colocar uma ques- tao que ninguém pode colocar em meu lugar. A es- treiteza de minha condicao, de minha informacao, de ‘meus encontros e de minhas leituras jé esboca a pers pectiva finita de minha vocacao de verdade. No entan- to, por outro lado, procurar a verdade, quer dizer que aspiro a dizer uma palavra vélida para todos, que se destaca sobre 0 fundo de minha situacao como um universal. Nao quero inventar, dizer o que me agrada, mas aquilo que & (Histoire et vérité) Em todos os trés niveis de profundidade em que pode- mos encarar a atividade filosofica - nivel da vida cotidiana, ni- vel da vida cientifica e nivel propriamente reflexivo ~ consta- tamos que ela sempre esté as voltas com os problemas de fundamento e de origem. Ser filésofo é ter acesso a velha questo aristotélica: “o que € 0 ser”, “ "0 que € que &” (Ti to on), radicalizada por Leibniz, quando a formulou de um modo dramatico: “Por que hé algo (0 ser) e néo antes o nada? E esse tipo de questdo que nos leva a penetrar na or- dem da razao. Depois do cogito cartesiano, essa questdo se dividiu em duas: de um lado, a questao do ser, da natureza e de Deus; do outro, a questao do homem. Dai o duplo sentido da filosofia posterior, sempre oscilando entre esses dois polos. Essa tensao constitui o carater dramatico da filosofia. Ha duas possibilidades de existir, de viver, de o homem compre- ender a si mesmo e de explicar as coisas: reagrupar tudo em forno do Unico cent¥6 que é o homem, ou fazer com que tudo

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