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V. se existe Oo irrepresentavel ‘Scanned with CamScanner A questio formulada no meutitulo nao exige, como é evi- dente, uma resposta de sim ou nao. O seu objecto é acima de tudo o se: mediante que condicdes se podem declarar certos acontecimentos irrepresentaveis? Mediante que condigGes se pode dar a essa irrepresentabilidade uma figura conceptual especifica? E claro que esta investi- gacdo nao é neutra. Ela é antes motivada por uma certa intolerancia a respeito do uso inflacionista da noc3o de irrepresentabilidade e da constelacdo de noges vizi- nhas: 0 inapresentavel, o impensavel, o intratavel, o irres- gatavel. Este uso inflacionista faz, com efeito, cair sob um mesmo conceito e envolis com ae mesma aura de sos e de | nosées, que vio mies a anemia mosaica da representacio, até a Shoah, passando pelo sublime kan- tiano, pela cena primitiva freudiana, pelo Grand Verre de Duchamps ou pelo Quadrado Branco sobre Fundo Branco de Malevitch. A questao consiste entdo em saber como, e em que condicées, é possivel construir um tal conceito, que se propée cobrir univocamente todas as esferas da experiéncia, Gostaria de iniciar esta questio geral a partir de uma investigacao mais restrita, que recai sobre a represen- tagaio enquanto regime de pensamento da arte. O que , ora identificando esta modernidade com o principio posi- tivo deuma autonomia generalizada — da qual faria parte a emancipagio antifigurativa -, ora identificando-acom o fenémeno negativo de uma perda da experiéncia, cuja inscrigo consistiria na subtracgfo da figuragio. Esta fibula é cémoda mas inconsistente. Porque 0. regime representativo da arte nfo é aquele em que aarte_ ‘tem como tarefa produzir semelhangas. E o regime no qual as Semelhangas esto submetidas ao triplo cons- trangimento que acabamos de ve odelo de visi- bilidade da palavra que organiza ao mesmo tempo uma certa retencio do visivel; uma regulagao das relacdes entre efeitos de saber e efeitos de pathos — comandada pelo primado da «acco», que identifica 0 poema ou0 quadro com uma histéria ~; um regime de racionalidade proprio da ficco, que subtrai os seus actos de palavra a0s critérios de autenticidade e de utilidade norma das palavras e das imagens intrinsecos de verosimilhanca_e de conveniéncia. Esta separacao entre a razio das ficcdes e a raziio dos fac~ tos empiricos ¢ um dos elementos essenciais do regime representativo., Daqui se deduz que a ruptura com a representagio na arte nflo é a emancipago em relagio a semelhanga, mas antes a emancipaco da semelhanca em relagao a 160 esetsiplo constrangimc® aa va ie-Rguaso ice eal romanesco- em tudo distinto: o realismo romanest” Oa, que ¢ 0 realismo romanesco? £ semancipagiods semelhanga em. elacio a representacao. E a perda ne proporgdes e das conveniéncias representativas. Tal 0 transtorno que 0S criticos contempordaneos de Flaubert denunciam a propésito do realismo: doravante, esta tudo no mesmo plano, 0s grandes e os pequenos, os aconte- @mentos importantes e os episddios insignificantes, ‘és homens e as coisas, Tudo esta em igualdade, igual- mente representavel. E este «igualmente representavel» éamuina do sistema representativo. A cena representa- tivade visibilidade da palavra opde-se uma igualdade do visivel que invade 0 discurso e paralisa a accao. Porque este novo visivel tem propriedades muito particulares. impoe presenca. Mas essa presenca é, ela ~ Por um lado, a palavra ja nao esta iden- tificada com o gesto que faz ver. Manifesta a sua opaci- dade prépria, o cardcter subdeterminado do seu poder de «fazer ver». E esta subdeterminagio torna-se o modo da apresentaciio sensivel proprio da arte. Mas, a0 mesmo tempo, a palavra encontra-se invadida por uma propre” dade especifica do visivel — a sua passividade. O desem- penho da palavra é atingido por essa passividade, essa inércia do visivel que vem paralisar a acco ¢ absorver as significacoes. Beste transtorno que crigiio durante 0 séeulo x1x. Ao ni 21 non gl iM" esté em jogona querela da des- ovo romance, a esse — | : ‘Scanned with CamScanner rensura-se o primado da des- primado da deserigao é “de facto, o de um visivel que nao faz ver, que destitui a acgio dos seus poderes de inteligibilidade, isto &, dos seus poderes de distribuicao ordenada dos efeitos de saber e dos efeitos de pathos, Esta poténcia é absorvida pelo pathos apatico da descrigao, que fiunde vontades e significagdes numa sucessdo de pequenas percepcdes, em que a actividade e a passividade jd nao sio distingui- veis. Aristételes opunha o hath‘olon, a totalidade orgénica da intriga poética, ao kath'ekaston do_historiador, que segue @ sucesso empirica dos acontecimentos. Ora, no uso «realista da semelhanga, a hi ada. O katl’olon é absorvido pelo kath’ekaston, absorvido pelas pequenas percepces ~ cada uma delas afectada pela poténcia do todo, na medida em que, dentro de cada uma, a poténcia do pensamento fabricador e sig- nificante se iguale A passividade da sensagio. Assi 0 realismo romanesco, no qual alguns véemn o acme da arte Yepresentativa, ¢ 0 seu exacto contrario. Ele €a— _evogagio das mediagGes e das hierarquias representa- ‘tivas. No lugar destas, impie-se um regime de identi- “dade imediata entre a decisio absoluta do pensamento eapura factualidade. Porestavia, encontra-se também revogado oterceiro grande aspecto da ldgica representativa, aquele que atri- buia representacao um espaco especifico. E isto que um poema em prosa de Mallarmé, com um titulo emblemé- tico, poderd simbolizar. «Le spectacleinterrompu» mos- 162 = ‘Scanned with CamScanner externa. Mas postula-a no mesmo gesto que abo Fictos, a esfera da representacdo da das outras eating da experiéncia. 5 en Num tal regime da arte, qual pode ser a consistén- cia e qual a significaciio da nocio de irrepresentabili dade? Esta TOGO ‘pode marcar a diferenca entre dois “Fegimes da arte, isto é, a subtraccGo das coisas da arte ao sistema da representacao. Mas nao pode ja signifi- car, como nesse regime, que existem acontecimentos ¢ situagdes subtrafdos por principio &conexio adequada de um processo de exibigo com um processo de signi- ficagio. Com efeito, aqui, os temas jé nfo esto subme- tidos & regulagio representativa do visivel da palavra, jd no esto submetidos & identificagao do proceso “de significagio para a constrigao-de-uma-histéria, E possivel, se quisermos, resumir isto na formula de Lyotard, quando ele falava de\uma «falha da regula gio estavel entre o sensivel e o inteligivel». Mas, pre- cisamente, esta «falha» significa a saida do universo representativo, isto é, de um universo que define crité- rios de irrepresentabilidade. Se hé falha de regulagio representativa, isto quer dizer, de acordo com Lyotard, que exibicdo e significagio podem conciliar-se mutua- mente até ao infinito, que o seu ponto de concordan- ciaestd em toda a parte e em lugar nenhum. Esté onde quer que se possa fazer coincidir uma identidade entre sentido e nio-sentido com uma identidade entre pre- senga e auséncia. 168 prepresentagao do inumano Or, esta possibilidade nao conhece objectos que a gosham em falta pela sua simples singulatidade. E mos- trou estar perfeitamente adaptada a representacio des- ses fendmenos ditos irrepresentveis - os campos de concentracao e de exterminio. Gostaria de o demons- tarpropondo, deliberadamente, dois exemplos sobeja- mente conhecidos de obras consagradas ao horror dos campos e ao exterminio. Retiro 0 primeiro do inicio de AEspécie Humana, de Robert Antelme: Saf para mijar. Ainda era noite. Outros, ao meu ua | mijavam também; nio nos falavamos. Por tris do urinol estava.a fossa das atrinas, com um pequeno muro no qual estavam sentados outros tipos, com as calgas para baixo. Um pequeno telhado cobria a fossa, mas no o urinal. Atris de nés, barulhos de galochas, tosses, eram outros 2 chegar. As latrinas nunca estavam desertas. A esta hora, ‘um vapor flutuava por cima dos urinéis [..). A noite de Buchenwald estava calma, O campo era uma imensa maquina adormecida. De tempos a tempos, 08 projecto- res cintilavam nos miradouros. O olho dos $S abria-se ¢ fechava-se. Nos bosques que circundavam 0 campo, 6 ‘patrulhas faziam rondas. Os cies deles nioladravam. AS |) sentinelas estavam tranquilas. : a Ecostume ae Mic SE cso sriéncia is = meee nate elementals privada de qualquer hori- 16s ‘Scanned with CamScanner Zonte de expectativa e encadeando, : simplesmente, uns atrds dos outros, ts 0s pequenos actos e as pequenas percep- oes. E esta escrita é testemunha daquela forma especifica de resisténcia que Robert Antelme quer por em evidéntia: aquela que transforma a redugao concentracionéria & vida nua na afirmagao de uma pertenga fundamental & espécie humana, até nos seus gestos mais elementares. £, porém, daro que oi escrta paratsica nda nascey da ereriénia dos campos. E também a escrita de O Estrangeiro de Camus, €a do romance behaviorista americano. Indo mals amis, éa escrita flaubertiana das éa escrita juenas percepgoes unidas~ Este siléncio nocturno do campo lembra-Hids, Com eft, outros siléncios; aqueles que caracterizam, em Flaubert, @s momentos amorosos. Proponho a escuta, em eco, de um desses momentos que marcam, em Madame Bovary, Oencontro entre Carlos e Ema: Ela tornou a sentar-se e retomou a sua obra, uma meia de algodao branca que estava a remendar; trabalhava de cabega baixa; nao falava. Carlos também nfo. Ao passat por baixo da porta, o ar empurrava alguma poeira sobre as lajes; ele via-a arrastar-se, e ouvia somente o bater inte- rior da sua cabega, com o grito de uma galinha ao longe, (U_ Pbrovosna capoeira. Talvez em Robert Antelme o tema seja mais trivial e a linguagem mais bdsica do que em Flaubert — mas é, todavia, notavel que a primeira linha dessa cena de uri- nol e do préprio livro seja um alexandrino: Sai para mijar. 166 Ainda era noite, © estilo paratdxico flaubertiano torna- -seaqui, se assim se pode dizer, uma sintaxe parataxica. Maseste relato da espera, antes da partida do comboio, assenta na mesma relacao entre exibicao e significacio, omesmo regime de rarefacco de uma e outra. A exp. réncia concentracion4ria vivida por Robert Antelmeea aperiéncia sensorial inventada de Carlos e Ema expri- ‘fem-se segundo a mesma légica das pequenas percep- ¢fes somadas umas As outras, e que produzem sentido dimesma maneira, pelo seu mutismo, pelo apelo auma aperiéncia auditiva e visual minimal (a maquina ador- “mecida € a sonolenta capoeira da quinta; os cides que ladram.e o grito das galinhas.aalonge).. Assim, a experiéncia de Robert Antelme nio é «irre- presentavel» no sentido de nfo existir linguagem capaz dea dizer. A lin; guagem existe, a sintaxe existe” Nao enquanto linguagem e sintaxe da excepcio, mas, pelo_ contrdrio, como modo de expressio propria do regime estético das artes na sua generalidade. O problema seria , inverso. A linguagem que traduz esta experiéncia ‘io lhe ¢ minimamente propria. Esta experiéncia de uma desumanizacao programada diz-se, naturalmente, no modo da identidade flaubertiana entre o humano eo inumano, entre a subida de um sentimento unificador de dois seres e um pouco de poeira misturada pelo arna sala comum de uma casa rural. Antelme quer traduzir uma experiéncia vivida ¢ incomparavel de ¢ spedas ‘mento_da experiéncia. Ora, a linguagem que €° CON” sidera estar em conformidade com ess experiencia € 167 ‘Scanned with CamScanner essa linguagem comum da literatura, na qual desde hd im século a absoluta liberdade da arte se identifica com a absoluta passividade da matéria sensivel. Esta expe- riéncia extrema do inumano nio conhece nem impos- sibilidade de sentacaio nem lingua prépria. Naoha “uma lingua propria do testemunho. LA onde o testemu- 10 deve exprimir a experiéncia do inumano, reencon- “fnumano, da identidade entre sentimentos humanos ¢ movimentos inumanos. £ a prépria linguagem por via da qual a ficedo estética se opds A ficcdo representativa. Poderiamos entiio dizer, em rigor, que o irrepresentivel habita precisamente.ai, nessa impossibilidade de uma experiéncia se dizer na sua prdpria lingua. Mas esta identidade de principio entre o préprio.e.oimpréprioéa marca em si do regime estético da arte, ~~ Eo que nos pode mostrar um outro exemplo, reti- rado de uma outra obra significativa. Estou a pensarno comego de Shoah, de Claude Lanzmann, filme em tomo do qual circula, porém, todo um discurso do irrepre- sentavel ou do interdito da representagao. Mas em que sentido este filme testemunhard uma «irrepresentabili- dade»? Ele no afirma que o facto do exterminio possa subtrair-se & apresentagao artistica, Nega somente que esse equivalente possa ser dado por uma encarnagio ficcional dos carrascos e das vitimas. Porque aquilo que hd para representar ni sfo carrascos e vitimas, é 0 pro- cesso de uma dupla supressio: a supressiio dos Judeus ea supressio das marcas da sua supressio. Isto é per- 168 ~~ lav" Ye an Wr erepreset 0 ial AO.) ge otestemusios Ne” oupteSSH yenuncia a representar @ segun 50 dramatica ie ntavel sob a forma de uma acc’ ti i a a primeira frase provocal specifica, como 0 anuncia a Pp dias...» Seo ai filme: «A accao comega nos mes a el que ocorreu, e do qual nada resta, pce: ae tado, ser por via de uma accao, uma ficcdo inventada de novo e que comeca hic et nunc. Sera pelo confronto entre apalavra proferida, aqui e agora, sobre aquilo que foi, e a realidade materialmente presente e ausente nesse lugar. Mas este confronto no se limita a relac&o nega- tivaentre o contetido do testemunho e 0 vazio do lugar. ‘Todo 0 episédio inicial do testemunho de Simon Srebnik ma dareira de Chelmno é construido segundo um jogo bem mais complexo de semelhanga e de dissemelhan¢a. Acena de hoje parece-se com 0 exterminio de ontem por via do mesmo siléncio, da mesma calma do lugar, pelo facto de hoje, no avancar da rodagem, como ontem, nO fincionamento da maquina de morte, cada um estar n° seu posto, simplesmente, sem falar do que est4 a fazer. Mas esta semelhanga poe a nu a dissemelhan¢a radical, aimpossibilidade de ajustar a calma de hoje com a calma de ontem. A inadequagio do lugar deserto & palavra que © preenche da 4 similitude um cardcter alucinatério. Esse sentimento, expresso pela boca da testemunha, écomunicado de maneira diferente ao espectador, por via desses planos de conjunto que o mostram mintsculo no meio da imensa clareira. A impossivel adequagao do 169 ‘Scanned with CamScanner lugar & palavra e ao préprio corpo da testemunha toca 0 amago dessa supressio por Yepresentar, Toca o incri- vel do acontecimento, programado pela prépria légica c ‘oborada pela logica negacionista: ainda que um de vés fique para testemunhar, ninguém o acredi- tard, ou seja: ninguém acreditard no preenchimento deste vazio or aquilo que direis. julgar-se-d ser uma alucinagdo. fa isto que corresponde a palavra da testemunha enquadrada pela cimara. Vem confirmar o incrivel, vem confirmar a alucinagio, a impossibilidade de as palavras preen- cherem esse lugar vazio. Mas esta palavra inverte-lhe a légica. E 0 aqui e agora que esté a alucinar, submerso na incredulidade: «Nao creio estar aqui», diz Simon Srebnik. Oreal do holocausto filmado é, entio, o real da sua desa- parico, o real do seu cardcter inacreditavel. Este real do inacreditavel, a palavra da testemunha di-lo nesse dis- positivo do semelhante/dissemelhante. A cdmara, por seu lado, fa-lo percorrer, mintisculo, a clareira imensa. Fé-lo, assim, percorrer o tempo e a relagiio incomensu- rivel entre o que a palavra diz e o que o lugar testemunha. Mas este percurso do incomensurivel e do inacreditavel nao é ele préprio possivel sem um artificio da cdmara. Ao ler os historiadores do exterminio, que dele nos dio as dimensdes exactas, ficamos a saber que a clareira de Chelmno nio era to imensa quanto isso®. A cAmara 45 Também se tem esta percep¢io no filme de Pascal Kané, La Théorie duane, ‘em que o cineasta reencontra o lugar onde desapareceram varios membros da sua familia, 170 a teve de a aumentar, subjectivamente, para marcar a des- proporcao, para realizar uma accao 4 medida do aconte- cimento, Teve de truncar a representagao do lugar para dar conta do real do exterminio e do desaparecimento das suas marcas. Este breve exemplo mostra que Shoah levanta uni- camente problemas de irrepresentabilidade relativa, de adaptacao dos meios e dos fins da representaco. Se se souber o que se quer representar — designadamente, para Claude Lanzmann, 0 real do inacreditavel, a igual dade do real e do inacreditavel -, nio ha uma proprie~ dade do acontecimento que impeca a tepresenta¢a0, que impega a arte, no sentido do artificig. Nao ha uma inepresentabilidade como propriedade do aconteci- ment (4 apenas escolhas. Escolha do presente contra ahistoricizacao; escolha de representar a contabilidade dos meios, a materialidade do proceso, contra a repre~ sentagiio das causas. Ha que deixar 0 acontecimento na suspensao das causas queotomamebeldeatodae qual- quer explicagio por via de um principio de razio sufi- ciente, quer seja ficcional ou documentirio. j Mas 0 respeito desta suspensio em nada se ove aos meios artisticos 20 ange a aa —* se opGe a légica do regime estético . ae ae an pee a acada investigagio seguramente inas- pana pela Légica representativa da verosimilhanca m Mika. ‘Scanned with CamScanner _ ees Edipo de Corneille a ser reconhecido como ‘pado. Esta forma é, em contrapartida, perfeitamente Congruente com a relagdo entre a verdade do aconteci- Mento e a invengio ficcional prépria do regime estético das artes. E a investigagio de Lanzmann inscreve-se numa tradicao cinematografica que conquistow os seus louros. Trata-se da tradicfo que, 4 luz da cegueira de Edipo, opde o enigma simultaneamente desvendado € preservado de Rosebud - que é a «razio» da loucura de Kane, a revelaciio no final da investigacio, e fora da investigacio, da nulidade da «causa». De acordo com a légica prépria do regime estético, esta forma/investi- gacao abole a fronteira entre a encadeamento das fac- “tos ficcionais e o dos acontecimentos reais. E por isso “que esquema Rosebud péde ainda recentemente servir num filme «documentario» como Reprise, onde a inves- tigaco se destina a reencontrar a operaria do pequeno documentirio de 1968 sobre o regresso ao trabalho na fabrica Wonder. A forma da investigagio que reconstitui a materialidade de um acontecimento, deixando a sua causa em suspenso, revela-se conveniente para o caric- ter extraordinario do holocausto, sem no entanto lhe ser especifico. Também aqui a forma adequada é uma forma imprépria. O acontecimento no impée, nem impede, por si sé, qualquer meio artistico. E nao impée A arte qualquer dever de representar_ou.de_n: desta owdaquela maneira. representar a2 ae Ahipérbole especulativa do irrepresentavel Assim, a «falha da relaciio estavel entre o sensivel eo inteligivel» pode perfeitamente entender-se como ili: mitagio dos poderes da representacio. Para a inter- pretar no sentido do «irrepresentavel» e dar certos acontecimentos como irrepresentiveis, é preciso ope- raruma dupla sub-repgio: uma primeira que recaia sobre o conceito de acontecimento e uma outra sobre ‘oconceito de arte. £ esta dupla sub-repgiio que € apre- sentada pela concepcio de Lyotard sobre uma coinci- déncia entre um impensavel no seio do acontecimentoe uminapresentivel no seio da arte. Heidegger «os Judeus» poe em paralelo um destino imemorial do povo judeu eum destino moderno anti-representativo da arte. Ambos testemunhariam de maneira semelhante uma miséria primeira do espirito. Este sé se poe em marcha quando é movido por um terror primeiro, por um cho- que inicial que o transforma em refém do Outro, esse outro indomével que, no psiquismo individual, da sim- plesmente pelo nome de processo primrio. O afecto inconsciente que nao penetra somente o espfrito, mas que, mais propriamente, o abre, 6 0 estrangeiro dentro de casa, sempre esquecido e cujo espirito deve esquecer até o esquecimento para se poder assumir como dono de si mesmo. Este Outro, na tradicao ocidental, teré adquirido o nome de Judeu, o nome do povo testemu wnha do esquecimento, testemunha da condicio origi- nal do pensamento que é refém do Outro. Daise ae que o exterminio dos Judeus est inserito no projectode an ‘Scanned with CamScanner

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