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2. A evolucao das duas abordagens distintas [...] 0 leitor comum teré de decidir se quer respostas simples ou titeis As suas perguntas — neste, como em outros assuntos econd- micos, ele nao pode ter ambas. Joseph Alois Schumpeter, economista austriaco-americano, 1932 Arist6teles achava que os principais centros de comércio deveriam ser estabelecidos longe das grandes cidades, mas os arquedlogos mostram que ele nao foi ouvido: as zonas comerciais ficavam sem- pre no centro dessas cidades. Em 1776, o livro A riqueza das na- ges, de Adam Smith, dizia que os ingleses deveriam se abrir para © livre-comércio, mas a histéria revela que mais direitos aduanei- ros foram coletados na Inglaterra do que na Franga durante os primeiros cem anos apés a publicagao do livro de Smith — ainda que hoje se considere que a Franga tenha sido o bastiao do prote- cionismo. A “sabedoria convencional” conta-nos que a Inglaterra enriqueceu com politicas smithianas de laissez-faire e de livre-co- mércio, enquanto historiadores econdmicos que se aprofundaram no assunto chegam sistematicamente a resultados bem diferentes. William Ashworth escreveu: Se houve uma via especificamente inglesa/britanica de industria- lizagdo, esta foi menos uma cultura distintamente tecnocéntrica empreendedorista do que uma via predominantemente defi- nida em um arcabouco institucional encabegado pelas contri- buigdes (taxas) sobre determinados produtos e uma barreira tariféria.! 63 Digitalizado com CamScanner Como os pases ricos fearam rcos..e por que os palses pabrescontinyan ite Os economistas de Chicago — que, grosso modo, Fepresentam alicerce tedrico da atual onda de globalizagao e das instituicées é Washington — proclamam ao resto do mundo que Bovernos i duais ¢ municipais nao devem intervir na economia, Na Fealidade Richard M. Daley, prefeito de Chicago, gasta milhoes de dara, fundos publicos para estabelecer incubadoras de inddstrias de alta tecnologia. Até em uma mesma cidade 0 fosso entre a Tetéricae realidade é enorme. Em Washington D.C., a US Small Business Administration [Administragao Federal para Pequenas Empresas] apoia empresas privadas norte-americanas com dinheiro federal, em empréstimos e garantias que somam mais de US$ 20 bilhdes. Nao muito longe, as instituigdes de Washington — 0 Banco Mundial e o FMI - pros- seguem em sua tradicional politica de estabelecer “condicionalida- des” para os paises pobres, o que os impede de criar instituicdes de fomento similares no Terceiro Mundo. HA alguns anos, o estado do Alabama usou US$ 253 milhdes para subsidiar uma instalagio da Mercedes-Benz. Servidores do estado afirmam que a presenga da fabrica gerou uma receita que recuperou os custos em cinco anos, € o negécio trouxe outras quatro montadoras de automs- veis.? Essa 6a mesma ldgica aplicada historicamente por paises em via de industrializagio, ainda que, de modo geral, eles tenham usr do tarifas em vez de subsfdios diretos. ‘Tanto no caso de subsidies quanto no caso de tarifas, a populagdo como um todo se enconter rd em situagao melhor no futuro, mesmo que os custos sejamn & passados ao consumidor, Tal ldgica sempre troca os interesses Ue Curto prazo dos consumidores pelos interesses dle longo pease do* mesmos consumidores nos seus papéis de produtores. qu? i mais postos de trabalho com salirios relativamente maivtes que antes. A revista Newsweek saudou a iniciativa empress rista do estado do Alabama, mas normalmente critica 09 M8 pobres que tentam adotar mecanismos semelhantes. OS eso tas ortodoxos criticam a existéncia tanto da Admiinisteayae Fete de Pequenas Empresas quanto da politica industrial do Aluba” 64 Digitalizado com CamScanner 2. Kevolugao das duas abordagens distintas Mas eles nao sio ouvidos nos Estados Unidos, onde a “alta teoria” abstrata s6 ¢ aceita para determinar as politicas do mundo pobre. Em termos praticos, a grandiloquente retérica econdmica & para exportagiio, para 0 consumo alheio, enquanto principios pragmaticos completamente diferentes sio adotados na realidade doméstica. George W. Bush prega 0 livre-comércio para o benefi- cio de todos. Na realidade, os Estados Unidos subsidiam e prote- gem uma série de produtos, da agricultura a industria de alta tec- nologia. Paul Krugman, que tem sido muito influente em politica comercial e industrial fora dos Estados Unidos, critica 0 fato de que, no pais, ninguém obedece a teoria ricardiana de comércio: A concepgao de comércio como competicao quase militar é sabe- doria convencional entre formuladores de diretrizes politicas, li- deres empresariais e intelectuais com influéncia. [...] Aeconomia nio apenas perdeu o controle do discurso; o tipo de ideias que apresentado num manual de economia neocléssica nao encaixa de modo algum nesse discurso? Hé um padrao importante aqui: desde o tempo dos pais-fun- dadores, os Estados Unidos sempre estiveram divididos entre duas tradicoes, a das politicas ativistas de Alexander Hamilton (1755- 1804) ea da maxima “o governo que menos governa, governa me- lhor’, de Thomas Jefferson (1743-1826). Hamilton foi uma figura- -chave na criagao do primeiro banco central dos Estados Unidos, em 1791, enquanto Thomas Jefferson combateu o banco central e contribuiu para fech4-lo em 1811. Com o tempo e o habitual pragmatismo americano, essa rivalidade foi resolvida colocando jeffersonianos a frente da retérica e hamiltonianos a frente da di- retriz politica. Os atuais teéricos econdmicos tém um importante Papel na geracao da retérica jeffersoniana/ricardiana, que — con- forme Paul Krugman salientou acima — nao ¢ muito influente no mercado doméstico. Nisso os Estados Unidos seguiram o exemplo da Inglaterra. Na década de 1820, um membro da Camara dos Deputados dos Esta- dos Unidos comentou que, como tantos outros produtos ingleses, 65 Digitalizado com CamScanner Como os paises ricos ficaram rico: as teorias de David Ricardo pareciam ter sido " S40 produridas para fins de exportagao. A maxima americana da década d Penas © 184) Single. com ieerany, Oris qe dy eBuirao, Impor. O que Tealmente ia do Pensamenty veria acontecer), —“Nao faga como os ingleses dizem para fazer, faca como ses fizeram” — hoje pode ser atualizada para “Nao faca americanos dizem para fazer, faga como og Americanos 4, Pafses ricos tendem a impor ds nagées Pobres prdéprios nunca seguiram e provavelmente nunca s ta olhar além da “alta teoria”, a fim de observar acontece. Existe a disciplina académica de hist6ri econdmico (0 que os tedricos disseram que de mas nao a disciplina de histéria das politicas €condmicas (quais politicas publicas foram efetivamente seguidas). Thorstein Veblen distinguiu teorias “esotéricas”, as teorias abstratas reservadas a9 sacerdécio iniciado, e “exotéricas”, as teorias praticas paraa Pessoa comum. O problema é que as teorias “esotéricas” tiveram muito menos influéncia do que os historiadores do pensamento econd- mico nos levam a acreditar, Mesmo assim, tém sido usadas como um baluarte ideolégico para fins de Propaganda desde Adam Smith. Bom exemplo disso é a atual teoria predominante do co- mércio internacional, a qual “prova” que todos serdo igualmente ticos quando sujeitos a uma economia puramente de mercado. Uma observacao semelhante — a de que as nagdes mais ricas Beralmente tem muito mais restrigdes comerciais do que sua ide logia admite ~ foi feita no século XVIII pelo economista italiane Antonio Genovesj (1712-1769); H4 08 que querem dizer de comércio; them sem reg € outra nao lar, exportey duas coisas quando falam em liberdade uma licenga absoluta para que fabricantes trabs ulamentagao de medidas, pesos, formas, sors eS Menos absoluta para que comerciantes fagamt chr 'm € importem tudo o que queiram, sem restrigoe> tarifas ou direitos aduaneiros, No entanto, es: 56 Digitalizado com CamScanner 2, Aevolucao das duas abordagens distintas Historicamente, 0 livre-comércio mundial foi uma quimera. Os pafses que menos aderiram a cle durante os momentos cruciais de seu desenvolvimento tornaram-se as economias mais bem-suce- didas do mundo, O argumento-padrao dos dias atuais ¢ mostrar que a riqueza esta fortemente correlacionada com a “abertura” das economias. E como comparar a renda de individuos que ainda esto frequentando a universidade com a daqueles que se forma- ram e ja esto no mercado de trabalho, para em seguida concluir que a educagao nao vale a pena, pois os estudantes universitarios tém rendas menores. No passado, um perfodo de protecao do se- tor industrial foi imperativo para todos os atuais paises ricos. A fungao educativa desse periodo ¢ enfatizada pelo termo “tarifa de aprendizado” (Erziehungszoll, oppfostringstoll), usado em lin- guas germanicas. O equivalente em inglés ¢ “prote¢ao da industria nascente” (infant industry protection), algo que praticamente todos consideravam necessdrio, Nao tem sentido comparar os paises que passaram por essa fase com os que nao passaram. A distancia entre a ret6rica e a realidade torna-se ainda mais perturbadora quando os mesmos autores usam diferentes teorias para diferentes fins. Problemas que aparecem em lugares distantes sao resolvidos de acordo com principios esotéricos e abstratos. Quando os problemas a serem resolvidos esto mais perto de casa, ‘© bom senso, o pragmatismo ¢ a experiéncia si entrar em cena. Adam Smith - cuja obra A riqueza das nao a luz durante a Revolugio Americana ~ alegou que os Estados Unidos iriam cometer um grave erro se tentassem proteger Su industria manufatureira. Uma razio importante para luta nor- te-americana pela independéncia em 1776 foi quea Inglaterra ha- via proibido inddstrias manulatureiras nas coldnias americanas (entre as excegbes estavam alcatrao ema 0 ingleses careciam), como sempre fizerany os senhor De forme reveladora, no mesmo livro (embora emt segao dte- rente) Adam Smith declarou que s6 as nagoes com UN nduist manufatureira nativa poderiam ganhar uma guerra. Alexander lo autorizados a veio stros, produtos dos quai colonia “7 Digitalizado com CamScanner Como os pases ricos fearam rico... Ror que OS pases otras con tina Hamilton, o primeiro secretério do ‘Tesouro dos Pstag Iera Adam Smith. Agindo sabiamente, estabelecey ale comercial dos Estados Unidos com base ya dust Smith, fundada na experiencia, de que somente Nagdes lege Ani, indy ganham guerras, nado na alegagao teérica do AULOr so] Misty bre gt -comércio. me. Seguindo a pratica da Inglaterra, em vez de SCBUIT Sua te Estados Unidos protegeram sua indtistria manufatureirg cerca de 150 anos. A teoria em que se assenta a ordey atual afirma que o livre-comércio levard 4 “equalizagio dos Pre dos fatores’, isto é, os pregos do fator-trabalho ¢ do fatorapng tenderao a ser os mesmos em todo o mundo. Poucos economist dizem aos filhos que eles podem come¢ar uma carreira Profissg. nal lavando pratos (atividade na qual eles teriam uma “Vantagen comparativa”) no lugar de buscar uma carreira como advogady ou médico, jd que a equalizacdo dos Precos dos fatores esti logo ai na esquina. Como cidadaos, os economistas entendem que aeso- Iha da atividade econ6mica determinaré 0 padrao de vida de sew: filhos. Mas, no nivel internacional, os mesmos economists sia incapazes de manter essa opiniao, Pois sua caixa de ferramentas est4 montada num nivel tao alto de abstragdo que nio conten ferramentas disponiveis para distinguir qualitat amente asatve dades econdmicas, Nesse nivel, a teoria econdmica padrio “prov! que uma nagdo imagindria de engraxates ¢ de pessoas Lavan Pratos alcancar4 a mesma riqueza que uma nagio compost! w advogados e corretores imobilidrios, A m, os economistas Ao selham as criangas da Africa a partir de um entendimento oo pletamente diferente do que usam quando aconselham os P° Prios filhos, Como disse Thorstein Veblen sobre esse problema instintos dos ¢conomistas foram contaminados por sua ee .,_ Dizer que uma nacido se especializa de acordo com a Vantagens comparativas” equivale a dizer que elt 8° Oe naquilo em que é telativamente mais eficiente, quando con “Outta nacdo, O Apéndice 1 mostra como essa teoria 40 &" i, durante ™ econémie, 68 Digitalizado com CamScanner 2. Aovolugio das duas abordagens distintas criaa possibilidade de uma nagio conseguir uma “vantage com parativa” em ser pobre ¢ ignorante, Isso acontece porque a teoria do coméreio que constitui a base da atual ordem econémica mun dial imagina nagdes trocando horas de trabalho idéntico — despro vido de quaisquer caracteristicas qualitativas — por outras tantas horas de trabalho, em um sistema onde a produgao esta ausente. A teoria ricardiana do comércio vé uma hora de trabalho da Idade da Pedra como equivalente a uma hora de trabalho do Vale do Silfcio. Assim, prevé que a integragio desses dois tipos de econo- mias produzira harmonia econdmica ¢ equalizagao dos salarios. Em termos muito gerais, podemos distinguir dois tipos prin cipais de teoria econdmica. Um deles se baseia em metiforas da natureza, geralmente da fisica. Exemplos dessas metaforas sio “a mao invisivel” que mantém a Terra em 6rbita em torno do Sol (segunda metade do século XVIII), ou a metafora do equilibrio, com base na fisica da década de 1880. O que este livro chama de manual-padrao baseia-se na metifora do equilibrio, que os pro- prios fisicos abandonaram na década de 1930. Essa teoria € cons- truida de cima para baixo, a partir de uma metéfora abstrata. Um “economista” é, essencialmente, alguém que analisa o mundo com 08 6culos ¢ as ferramentas proporcionados pela metitora. teoria que a profissio usa para as criangas da Africa, A outra modalidade de teoria econdmica baseia-se na expe- rigncia adquirida, construida de baixo para cima, a partir de fun- damentos, ¢ muitas vezes se apresenta como politica pratica antes de ser destilada em teoria, A cidade-estado de Veneza usou um determinado tipo de politica econdmica ao longo de seculos, mui- to antes de o economista Antonio Serra codificar essa pratica em teoria e explicar por que ela funcionava, Da mesma maneira, (1 bos na Idade da Pedra mastigavam casca de salgueiro, a fim de curar dores de cabega, milhares de anos antes de a Bayer deno minar a substancia ativa de dcido salicilico (salix = salgueiro) e produzir aspirina, Os primeiros marinheiros medievais do Me- diterraneo evitavam o escorbuto levando consigo laranjas ¢ li- 69 Digitalizado com CamScanner Como os paises ricos fcaram ricos...€ Por que 0s paises pabros contin ————a 1 boty es moes séculos antes de a vitamina C ser is as em 1999, ‘i p sivel curar doengas ~ econdmicas ou outras ~ a partir dj Pos. igs praticas, sem que se compreendam completamente os meca ani mos em funcionamento, Esse tipo menos abstrato de economia normalmente s¢ baseia em metéforas biolégicas, nio em metiforas da fisica, O corpo i mano tem sido uma metéfora para as ciéncias sociais desde a ¢y dificagao do direito romano. Sua manifestagao mais célebre talye, esteja no Leviata, de Thomas Hobbes, tanto em termos de andl. politica quanto na impressionante gravura do frontispicio, que mostra a encarnacio do Estado literalmente formado a partir de seus cidadaos.’ Esse tipo de teoria baseia-se em uma compreen- sao qualitativa e holistica do “corpo” a ser estudado, e oferece um modo de compreensao em que elementos importantes - como as sinergias entre partes distintas, mas interdependentes - nio sao redutiveis a ntimeros e simbolos. Charles Darwin (1809-1882) iniciou um novo tipo de metéfora biolégica em que mudangas na sociedade, como inovagGes, vém a ser como mutagées na na- tureza, enquanto sua némesis tedrica, o naturalista francés Jean Baptiste Lamarck (1744-1829), acreditava que tra¢os adquiridos podiam ser transferidos hereditariamente. As duas abordagens complementam-se bem, quando transferidas do campo bioldgice para 0 econdmico. A abordagem de Lamarck é uma metitoraale quada para a economia, pois 0 conhecimento e a experiencia PE” dem se acumular ao longo de geragoes. Essa teoria ba seada na eX periéncia ~ aberta a sinergias, bem como a mudangas ~ ¢4 uses por economistas quando, como consumidores individuais. 7 capazes de distinguir qualitativamente atividades econdmicas saconselhando 08 préprios filhos a especializar-se 1a e000" mundial seguindo a vantagem comparativa de lavar putes fas Essas metdforas t¢ém vantagens e desvantagens: As mel! " abstratas da fisica s recom ys eer P np 0 poderosas na preciso de st Goes: 0 livre-comeércio leva ao nivelamento dos saldios jn ses ricos e pobres (& equalizagao dos pregos dos fatores) 10 Digitalizado com CamScanner 2. Aevolugao das duas abordagens distintas blema-chave € que a economia baseada na fisica é incapaz de captar diferengas qualitativas entre atividades econdmicas, que resultam em diferengas quantificdveis nas remunerages. Os mo- delos abstratos que vém da fisica desperdigam tanto os elementos criativos proporcionados pelo Renascimento quanto as taxono- mias que criam ordem na diversidade, uma contribuicao funda- mental do Iluminismo. Independentemente da escolaridade de uma pessoa que lava pratos em um restaurante, seu salério nunca subird até o nivel de um engenheiro de alta tecnologia. Sem mudar de profissio, a pessoa especializada em lavar pratos especializa-se em ser relativamente pobre em qualquer mercado de trabalho. O fato de que nagées também podem se especializar em ser pobres é inconcebivel para os economistas que trabalham com metéforas baseadas na fisica, pois a teoria deles nao possui as ferramentas com as quais se distinguem qualitativamente as atividades eco- némicas. Por isso, eles nao aceitam que paises pobres devam enga- jar-se em atividades que poderiam aumentar o nivel geral dos sa- larios, como fizeram todos os paises atualmente ricos. Modelos baseados na fisica também sao incapazes de lidar com novidades e inovagées, ou seja, com o fato de que algo qualitativamente novo pode acontecer no mundo. Eles também deixam escapar sinergias, vinculos e efeitos sistémicos que constituem a “cola” que une as economias e as sociedades. A afirma¢io de Margaret Thatcher de que “nao existe essa coisa de sociedade” é uma conclusio direta e légica da economia do manual-padrao. Francis Bacon (1561-1626) é uma figura importante na his- t6ria do conhecimento econdmico baseado na experiéncia. Ele foi impulsionado por aquilo que Veblen chama de “curiosidade desinteressada”: um espirito indagador sem fins lucrativos. A pro- pésito, Bacon morreu de uma pneumonia que contraiu ao sair durante uma nevasca para rechear frangos com neve, tendo em vista testar 0 efeito do congelamento na conservacio de carne. Os frangos foram conservados, Bacon nio. As reagées as teorias abstratas de David Ricardo — tanto na Inglaterra, pelo reverendo n Digitalizado com CamScanner ficaram ricos.. © POT que os palses pobres continua obras feos ricos ficara bs como os paises Mi (1831), quanto nos Estados Unidos, por John hae Jones (1831)s° 4 idm oe hn 1834)” — foram essenelt ron (1834)’ - retornar a Bacon. No enti Jmente tentativas to, essa economia que parte da expe. ite se baseia em metéforas biolégicas, que so os precisas ¢ No produzem respostas bem definidas, ; na experiéneia trazem Atona conflitos de escolha ‘stem em teorias baseadas na fisica, que tendem a favorecer 0 mesmo tipo de politicas econémicas independen- femente do contexto. O livre-comércio, por exemplo, é necess4. rio para criar riqueza em muitos contextos, mas em outros ele reduz a riqueza de uma na¢ao. Como resultado disso = tal como na citagdo de Schumpeter, no comego deste capitulo =, a econo- mia nos leva a uma escolha entre explicacdes simples que nao sio muito relevantes e explicagdes complexas que sao mais relevantes, Usar 0 corpo humano como uma metéfora para a sociedade tem a vantagem de destacar sinergias, interdependéncias e com- io de metdforas baseadas na fisica, Richard rigncia geralme! muito mene Teorias b que raramente adi plementaridades. Ao contra: a metéfora do corpo também capta a ideia de seres humanos co- mo seres espirituais, cujo cérebro criativo é um fator econémico. Afinal, a forca motriz basica da sociedade econémica é 0 que Friedrich Nietzsche chama de “o capital do espirito e da vontade”: © novo conhecimento, o empreendedorismo e a competéncia or- ganizacional, publica e privada. Recentemente, a moderna econo- mia evoluciondria tentou capturar novamente esses elementos € aplic4-los para favorecer politicas industriais nos pafses do Ter- ceiro Mundo, Nao precisamos enfatizar a polémica, pois em muitos aspectos esses dois tipos de pensamento econdmico siio complementares. Precisamos de ambos, assim como precisamos dos pés direito € setgaaan itn ie baseada ne fica nos di una thet ne none 4 uma ilusio de ordem no caos que nos todeia, . : mas ¢ importante saber que esse recurso nos leva a abdicar 22 Digitalizado com CamScanner 2. Aevolugao das duas abordagens distintas da compreensio de uma série de aspectos qualitativos do mundo econdmico, Esquecer que os modelos baseados na fisica, extrema- mente simplificados, nao sao a realidade em si pode levar a erros graves. Um exemplo é a mancira como a globalizagdo tem sido introduzida como terapia de choque. Em vez da esperada equali- zagao dos precos dos fatores, muitos paises j experimentam uma polarizagio nos precos dos fatores em comparagao ao resto do mundo. Os paises ricos tornam-se mais ricos, enquanto muitos paises pobres permanecem cada vez mais pobres. Uma vez que isso nao pode acontecer nos modelos baseados na fisica, a comu- nidade internacional precisa de muito tempo até que decida agir para corrigir essa tendéncia indesejada. O problema é que os mo- delos baseados na fisica — que praticamente monopolizaram o dis- curso — tendem a excluir justamente os fatores que criam a rique- za, fatores que estao presentes nos paises ricos, mas nao nos paises pobres: concorréncia imperfeita, inovagdes, sinergias entre os se- tores econémicos, economias de escala e escopo e a presenca de atividades econémicas que tornam possiveis esses fatores. Voltare- mos a eles adiante. A economia alternativa baseada na experiéncia — a metodologia usada na Escola de Negécios de Harvard — ser referida coletiva- mente como 0 “outro cdnone”.’ Trata-se de um conceito que pre- tende unir as abordagens e teorias econdmicas que usam os fatos observaveis, a experiéncia e as li¢ées aprendidas como pontos de partida para teorizar sobre a economia. Desde o final do século XV, somente a economia do “outro canone” — com sua insisténcia em que as atividades econdmicas difundem o crescimento de ma- neiras qualitativamente diferentes — foi capaz de tirar da pobreza nago apés nacao. Logo que o crescimento econdmico foi alcan- gado, as nagées hegemOnicas trocaram, em sequéncia, a economia baseada na biologia pela economia baseada na fisica, tal como a Inglaterra o fez no final do século XVIII e os Estados Unidos o fi- zeram em meados do século XX. Para esclarecer como suas politi- 73 Digitalizado com CamScanner Como os palses rica ficaram rics... por que os palses pobres contnuam ibe cas funcionaram e por que essas nagoes bem-sucedidas m exploraremos em algum detalhe 0 “outro canone”, Durante séculos, o tipo de teoria econdmica baseada a expe. riéncia dominou sozinho. A teoria abstrata padrao atual tem me. nos de 250 anos, com raizes na escola fisiocrata que dominoy 4 politica econdmica da Franga pré-revolucionria por Um breye perfodo. Escrevendo na época em que a Revolucgio Industrial ja estava em pleno andamento, Adam Smith, embora classificadg como antifisiocrata por seus contemporaneos, transmitiu alguns ensinamentos fisiocréticos. Mas 0 modelo abstrato 86 se consoli- dou com David Ricardo e sua obra Principios de economia Politica e tributagao, de 1817. Como veremos, em trés ocasides esses prin- cipios abstratos trouxeram miséria, fome e enormes problemas sociais quando aplicados em contextos inadequados. A visio de mundo da Guerra Fria trouxe consigo a virtual ex- tingao da tradicao do “outro canone’, baseada na experiéncia, A teoria de Ricardo tornou-se 0 tinico jogo dispontvel, tanto para @ esquerda quanto para a direita do espectro politico. A figura 2 exibe a drvore genealégica da economia, conforme reproduzida na contracapa do livro Economics, dominou o ensino de economi udaram, de Paul Samuelson — 0 manual que ia por mais de uma geracdo, Tanto © comunismo quanto o liberalismo — Joseph Stalin e Milton Fried- man — tém rafzes histéricas em Ricardo. A Guerra Fria foi essen- Cialmente uma guerra civil entre duas facgbes da economia rca diana, nao obstante clas compartilharem muitas caracteristicas comuns: em suas formas maduras, elas tendem a nao reconhecer aimportancia da tecnologia ¢ do empreendedorismo, ou qualquet Papel do Estado, No Comunismo, o Estado deveria “definhat”: Para atingir o equilibrio titico, o comunismo" substituia o mer cado por uma Snorme calculadora, Assim como os social-dem0~ cans tendem a ser as Primeiras vitimas de guerras civis ent? Feast liberais, no fogo cruzado entre a direita ea esquet* ricardiana a tradigao do “outro cdnone”, menos abstrata, pratic mente se extinguiu,!! 1% Digitalizado com CamScanner 2. Aevolucio das duas abordagens distintas Filésofos Praticantes Escoldsticos Mercantilistas Fisiocratas Escola classica Socialismo Economia neoclassica Figura 2, A arvore genealégica da economia segundo Samuelson (1976). 8 Digitalizado com CamScanner Pobres Onin, Como os paises ricos fcaram rieos...€ Por que 0s pasos poate eSnpoud eu 2 oyuawi2ayu09 ou opea Figura 3. A érvore genealégica do “outro cdnone”. ‘oe Seq eluoud>e ep SUOUED ou;no,, o :apepijeal ep e|WOUODS Digitalizado com CamScanner 76 2. Aevolugao das duas abordagens distintas Tradigdcs raramente desaparecem por inteiro, Muitos econo- mistas, insatisfeitos com os dois extremos, continuaram a traba- thar nas alternativas: minha obra fica em divida com eles, A figu- ra 3 mostra a drvore genealégica dos quinhentos anos da economia alternativa, A tradi¢ao do “outro canone” foi a que determinou a politica econdmica de todas as nacées que transitaram da pobreza A abundancia. A Inglaterra comegou a seguir esse caminho em 1485 e continuou nele durante séculos. A Europa continental se- guiu esse exemplo. Os paises nérdicos — hoje téo dependentes do livre-comércio por causa dos seus diminutos mercados domésti- cos — seguiram a mesma politica ao longo de séculos, até que, em momentos diferentes, estiveram prontos para competir global- mente. Os Estados Unidos fizeram a mesma coisa, comegando lo- go apés a Independéncia de 1776 e, em seguida, na década de 1820, de forma mais agressiva. Meu objetivo nao é apresentar 0 mosaico de teorias que chamei de “outro canone” como exemplo rigido de verdades eternas. Pelo contrario, a “verdade” em termos de politica econémica é sempre um fenémeno complexo. O mundo real apresenta escolhas confli- tantes (trade-offs) muito dificeis, em condigées de incerteza ao longo do tempo e até mesmo durante geracdes. Qualquer reco- mendacio de diretriz politica depende do contexto e das questdes estruturais (o conveniente termo em alemao é Strukturzusammen- hange) e, consequentemente, de conhecimento especifico. No Apéndice Il, o “outro cinone” é comparado 3 economia do ma- nual-padrao, Essa comparacio teré maior apelo para os econo- mistas profissionais. Norman Victor, um tedrico do comércio internacional, descre- ve sucintamente a atual economia do manual-padrao: “Uma das coisas agradaveis sobre a economia como ciéncia é que ela é ape- nas um modo de pensar, Nao ha conhecimento factual.” Nesse mundo teérico, a realidade e o conhecimento factual entram oca- sionalmente como elementos perturbadores. Quando um amigo 1 Digitalizado com CamScanner i aram ricos...@ Por que 0s palses pobres co, Como os paises ricos ficar Palses Pobre coninuy _ © repreendeu porque sua teoria nao se coadunaya com ong Tanto pior para os fatos”13 fatos, Ricardo teria respondid or para os Como sugeri anteriormente, os dois polos da economia | diana desenvolveram-se em algo semelhante a uma religiagu - rante a Guerta Pra, as economias baseadas na realidade~ a5 go las hist6ricas, na Europa, ¢ a escola institucionalista, nos ine Unidos ~ foram desalojadas ¢ virualmente dessparecer™ a economia ricardiana, a forma tende a ganhar prioridade sobte observagdes da realidade. A economia do manual-padrag ctiags como uma abstragao de um cendrio econémico, da mesma form, que 0 jogo de xadrez. 6 criado como uma abstracao de un centrig de guerra. Mas, assim como a guerra no Traque nao é Tesolvida pelas regras do xadrez, os problemas da pobreza do Mundo nag sao resolvidos por uma teoria econdmica cujas varidyeis mais im. portantes nao contém conhecimento factual.!5 Na tradi¢ao do “outro canone”, sé se alcanga conhecimento no nivel macro por meio do conhecimento factual detalhado do que acontece no nivel micro. Na verdade, esse tipo de compreensig exige que o economista mova-se constantemente, subindo e des- cendo entre os niveis alto e baixo de abstracao. E uma estratégia oposta & descrita acima por Victor Norman: relevancia aqui é 0 aspecto central, a forma s6 é considerada se refletir fatos relevan- tes. A economia do “outro canone” Possui uma grande caixa de ferramentas, na qual cabem todas as ferramentas que possam re- fletir os aspectos relevantes da realidade. Na economia neocléssica de hoje, 0 foco esté mais na matematica e na Precisio do que no objeto de andlise em si. Como outros j4 observaram, a caixa de ferramentas ¢ os incentivos da profissio combinaram-se para fazer com que mais economistas Prefiram estar errados, sendo precisos, a estar certos, trabalhando com aproximagées, No tocante a com- Preensao qualitativa, 0 rigor mateméatico tornou-se rigor mortis. A teoria abstrata padrao, tal como tem sido aplicada nos paises Pobres, pressupde um mundo sem variagéo e diversidade, sem atritos e escolhas conflitivas, onde o conhecimento novo é gf 78 Digitalizado com CamScanner 2. A evolugao das duas abordagens distintas tuito e chega as pessoas simultancamente, como mana que cai do céu (“informagio perfeita”). Se este fosse um livro escrito exclu- sivamente para economistas, aqui seria o local para discutir as pre- missas da economia neocléssica, premissas que estdo Ii porque seus proponentes escolheram modelar a sociedade com base na fisica da década de 1880. Entraremos na discussao das premissas especificas de forma breve, apenas para sinalizar a mae de todas as premissas: a hipdtese da equidade. Ao remover todas as dife- rengas — entre seres humanos, entre atividades econémicas,"* entre nagdes —, a profissio de economista fez. sua escolha. A simplici- dade foi escolhida a custa da relevancia. A economia perdeu a arte de organizar 0 mundo através da criagdo de categorias ¢ taxono- mias que caracterizaram o surgimento das ciéncias modernas du- rante o Iluminismo. Ao fazé-lo, eliminou todos os fatores que di- ferenciam qualitativamente a “empresa” de engraxar sapatos de um menino de doze anos, localizada em uma favela em Lima, e a Microsoft. Isso eliminou qualquer explicagao das razées pelas quais Bill Gates e seu pats sio mais ricos que 0 engraxate e seu pais. Ambas foram enquadradas na generalizagao da “empresa re- presentativa” Sofisticar 0 modelo basico com alegorias e aderecos pode agradar os modeladores — existem muitos desses modelos -, mas é pouco provavel que esse método produza, no piiblico em geral, o tipo de compreensao que pode induzir uma mudanga de diretriz politica. A premissa central da “informagao perfeita” significa, na reali- dade, que a humanidade é constitufda por individuos iguais, que sdo verses clonadas do homem sem qualidades de Robert Musil.” Como sugeriram os economistas alemaes do século XIX, a quanti- ficacdo nesse tipo de teoria implica somar quantidades despro- vidas de quaisquer qualidades (qualititslose Gréfen), trabalho e capital desprovidos de quaisquer qualificagoes. A conclusao tio orgulhosamente alcangada pela teoria-padrao de comeércio inter- nacional, de que ele proporcionaré “equalizagao dos pregos dos fatores”, na verdade jd est4 incorporada nas premissas basicas da 9 Digitalizado com CamScanner Como os pases reas fcaram ricos.. por qUE 05 pases pobres cortnuan propria teoria: uma teoria em que todos Os elementos Sao iden. cos s6 pode apresentar um resultado cheio de igualdades, Uma das consequéncias do modo como a economia volveu no século XX é a perda de duas importantes di tempo (hist6ria) e espaco (geografia). O mundo da econ, nou-se um mundo de conto de fadas, sem tempo, SP ACO € attito, um mundo de harmonia automatica e atemporal, onde um carva. lho cresce em propor¢Ges enormes ao mesmo tempo queé levado Para 0 corte (ou seja, tempo nulo). Um dos efeitos desse elevady nivel de abstragao € que acontecem repetidamente coisas que nao deveriam acontecer, como a crise financeira asiatica eo fato de que algumas na¢oes se tornam mais pobres na globalizacio. Conforme aplicada aos paises pobres, a atual economia neo- classica deixa de reconhecer a importancia dos rendimentos cres- centes (0 fato de que, em algumas atividades econdmicas, 0s custos caem quando 0 volume de producao aumenta), das mudangas tec- noldgicas (cuja possibilidade varia amplamente com as atividades econdmicas) e das sinergias (fatores que, ao atuarem em conjunto, produzem as causagées, ou Tea¢Oes cumulativas, que geram a mu- danga estrutural que chamamos de desenvolvimento econdmico). Acima de tudo, essas abordagens tedricas nao admitem a diversida- dee a heterogeneidade. Meu argumento é que, como resultado dos fatores acima mencionados, o crescimento econdmico éatividade- ~especifico, ou seja, pode ocorrer em algumas atividades econémi- as, mas nao em outras. Esses fatores esto algumas vezes presentes nos “modelos de brinquedo” dos economistas, inclusive em mode- los desenvolvidos pelas instituigdes de Washington. No entanto, talvez como um equivoco do “método cientifico”,a economia neo- cléssica, com poucas excegdes, sé admite um fator da realidade de cada vez." Outros aspectos do mundo real devem aguardar sua vez do lado de fora —e também sao considerados isoladament® A maior parte da caixa de ferramentas dos economistas consiste ‘m ferramentas baseadas na fisica. Por isso, a teoria-padrio ¢ Politicas padronizadas Sempre saem ganhando. A fim de com Se desen. iMensies. ‘Omia tor. 80 Digitalizado com CamScanner 2. Nevolucio das duas abordagens distintas preender a dindmica da riquera ¢ da pobreza, 0 “outro cinone” exige que a ha fisica sejam abandonadas. Rendimentos crescentes de escala é um principio que pode ser usado sem que seja totalmente compreendido, como vimos nos casos da ma: igagdo da casca de salguciro para curar dores de cabega ¢ do consumo de citricos para prevenir 0 escorbuto. HA muito tempo os curopeus reconheceram os efeitos criadores de riqueza da industria, sem necessariamente relacionar isso a rendi- mentos crescentes. O senso comum precede a ciéncia. Conforme Edward Misselden (um antigo economista inglés) disse na década de 1620: “Antes, sabfamos pelo senso comum; agora, sabemos pe- la ciéncia.” A famosa fabrica de alfinetes de Adam Smith é consi- derada a origem dos rendimentos crescentes. Como de costume, © que aconteceu antes de Adam Smith é ignorado. Xenofonte (c. 427-355 a.C.), cuja obra Oeconomicus deu A economia seu nome, descreveu rendimentos crescentes sistémicos em seu livro Poroi. Em 1613, Antonio Serra — a quem Joseph Schumpeter se referiu como “o primeiro a compor um tratado cientifico (...] so- bre politicas e principios econdmicos”" — descreveu os rendimen- tos crescentes ¢ os circulos virtuosos de riqueza que eles produzem com muito mais clareza que Smith o fez em 1776. O economista alemao Ernst Ludwig Carl (1682-1743) descreveu o fendmeno dos rendimentos crescentes nos trés volumes de sua obra,” usando 0 exemplo da mesma fabrica de alfinetes depois tornada famosa por Smith, Desde que Antonio Serra pds os rendimentos crescentes de es- cala no centro dos mecanismos geradores de riqueza, eles tiveram uma vida conturbada na historia do pensamento econdmico. Au- torizado a apresentar suas ideias ao vice-rei em L613, Serra foi ri- dicularizado e enviado de volta a prisdo, onde ele provavelmente morreu alguns anos depois. im 1750 as ideias de Serra foram res- suscitadas pelo primeiro professor de economia do sul da Ale- manha, Antonio Genovesi. Mais tarde, os rendimentos crescentes foram abandonados por Robert Malthus (1766-1834) e seu amigo a1 Digitalizado com CamScanner

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