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SOBRE O SENTIDO E A REFERENCIA (1892) A igualdade! desafia a reflexdo, dando origem a questdes que no sto faceis de responder. E ela uma relagdo? Uma relagdo entre objetos? Ou entre nomes ou sinais de objetos? Em minha Begriffsschriff assumi a iltima alter- nativa, E as razBes que parecem apoiar esta alternativa sao as seguintes: a aea=b sto, evidentemente, sentengas de valor cognitivo diferentes, pois a =a sustenta-se a priori e, segundo Kant, deve ser denominada de analitica, enquanto que sentengas da forma a = b contém, freqtientemente, extensdes muito valiosas de nosso conhecimento, e nem sempre podem ser estabele- cidas a priori. A descoberta de que 0 sol nascente nfo é novo cada manha, Publicado pela primeira ver sob o titulo de “Ober Sinn und Bedeutung’ em Zeitschrift far Philosophie und philosophische Kriuk, NF, 100 (1892) pp. 25-50. E republicado em G. Frege, Funktion, Bogrif, Bedeutung: Funf logische Studien, ed. G. Patzig, Gettingen, Vandenhock & Ruprecht, 1962, pp. 40-65 1. Uso essa palavra no sentido de idenidade, etendo ebeoincigem™ 2. Begritfschrf eine der arithmetischen nachgebildete Formelsprache des reinen Denkens, Halle, 1878, §8(N. do), 3. Na Conceitografia (1879) a igualdade€ uma relagio que sed ente nomes ou simbolot 0 sinal A & ‘igual o sina B, caso tenham o mesmo conteudo conceitual. Frege pordm slerta, no presente artigo, ae telasSo de igusldade entre simbolos ou snais corte oisco de ser tomada como uma mera abre- Ving. Com isto, do presente artigo em dante, ele passa. utlizaraigualdade como ura elago que se di entre objotos endo mais ene sinais.Ficou assim banie a hipdtese da gualdade vie a serum mera abreviago arbitriria,jé que ela nos pode dar informasOes originals sobre fatos do mundo, Tal Go que sedi quando sob dstnias apresentagbes reconbecemos 0 mesmo objeto (N. do). ne = BY no sentido de“a £0 mesma que B" ou LOGICA E FILOSOFIA DA LINGUAGEM mas é sempre o mesmo, foi uma das descobertas astronémicas mais ricas em conseqtiéncias. Mesmo atualmente, o reconhecimento de um pequeno plane- ta ou de um cometa nem sempre é evidente por si. Assim, se quiséssemos considerar a igualdade como uma relagio entre os objetos a que os nomes “a” e “b” se referem, entio a = b nfo pareceria diferir de a= a, caso a= fosse verdadeira’. Desse modo, expressariamos a relagdo de uma coisa consi- go mesma, relagdo que toda coisa tem consigo mesma, mas que munca se dé entre duas coisas distintas. Mas, por outro lado, parece que por a= b quer-se dizer que os sinais ou os nomes “a” e“ 80, a discussdo versaria sobre esses sinais: uma relagdo entre eles seria asserida’ Mas tal relagdo entre os nomes ou sinais s6 se manteria na medida em que eles denominassem ou designassem alguma coisa. A relagdo surgi- ria da conexdo de cada um dos dois sinais com a mesma coisa designada. Essa conexdo, porém, ¢ arbitréria. Ninguém pode ser impedido de empregar qualquer objeto ou evento arbitrariamente produzido como um sinal para qualquer coisa, Com isto, a sentenga a = b néio mais se referiria propriamente & coisa, mas apenas & maneira pela qual a designamos; niio expressariamos por seu intermédio, propriamente, nenhum conhecimento. Mas é justamen- te isto 0 que queremos expressar em muitos casos. Se 0 sinal “a” difere do sinal “b” apenas enquanto objeto (aqui, por sua configuracaio), no enquanto sinal ~ isto é, nfo pela maneira como designa alguma coisa - entio 0 valor cognitivo de a = a seria essencialmente igual ao de a ~ b, desde que a= b seja verdadeira. Uma diferenga entre elas s6 poderd aparecer se a diferenga entre 0s sinais corresponda uma diferenga no modo de apresentagao do obje- to designado. Sejam a, b, ¢ as linhas que ligam os vértices de um triangulo com os pontos médios dos lados opostos. O ponto de intersegio de ae b & ‘o-mesmo que o ponto de intersecdo de be c. Temos, assim, diferentes desig- nages para o mesmo ponto, ¢ estes nomes ("“ponto de intersegao de ae 6” € ” referem-se & mesma coisa; ¢ neste 4. O emprogosigematic, ou quasesistemsico, de aspas para indicar a distingdo entre uso © mengto aparece pea primeira vez no presente artigo (N. do T) 5. Aqui ens demais ocorréncias, optemos por trairo verbo behaupten co substantive Behauptung, respectivamente, por aster’ “asergdo’, Asserit 0 ato pel qual manifestmos, publica ¢ exterior ‘mente, a verdade de um juio, A assergi & 0 contd relativo a esse ato de assert. As Tinguagens ‘natursis, 20 contirio da concetogeafia, ado se uilizam de um sinl para indicat que um julzo & ‘verdadeiro ou que foi assrido. Cumpre tambm dizer que assciar a uma proposigho a expresso“ verdade que." tmpouco forcceforgaassertva a um penstmento. O que imprime asserglo a um conteidoasserive (a mera apreensto de um pensamento) & um certo modo de express, uma ‘erta manera de profilo, ¢ 0 contento de seriedade e compenetragdo que oenvolve(N. do). bo SOBRE 0 SENTIDO E A REFERENCIA (1492) “ponto de intersegao de b e c”)® indicam também os modos pelos quais esses pontos sto apresentados. E, em conseqiéncia, a sentenga contém um gem no conhecimento. E, pois, plausivel pensar que exista, unido a um sinal (nome’, combina- do de palavras, letras), além daquilo por ele designado, que pode ser chama- do de sua referéncia (Bedeutung), ainda o que eu gostaria de chamar de 0 sentido (Sinn) do sinal, onde esta contido o modo de apresentacdo do objeto’. Conseqilentemente, segundo nosso exemplo acima, a referéncia das expres- sbes “o ponto de intersegto de a e b” e“o ponto de intersegdo de be c” seria a mesma, mas no os seus sentidos. A referéncia de “estrela da tarde” e “estrela da mana” € a mesma, mas nao 0 sentido” Nesse contexto fica claro que, por “sinal” e por “nome”, entendo qualquer designagdo que desempenhe o papel de um nome préprio'!, cuja referéncia seja 6. Observe-se que Frege aqui omiteo artigo defini der quando menciona as diferentes designapies de ‘um mesmo pont (*Schntipunk von a und 8” ee), que € aparentemente um lapso. Como 0 letor pereobe, seguimos Fielmenteo original alemdo (N. do T). 7. Um conceito bisico da semantics fregeana ¢ a nogdo de nome (Name). Ele assim denomina qual- «quer sal, ou combinasio de sinus, que se refira a (bedeuted) algo, em vez de meramenteindicé-lo (ndewte. Grundgeetze, I p26. Ele amplia a n0¢40 de nome quando os distngve em nomes de ‘objets (ou expeess008nominativas)— como nomes propris,descigdesdefinidas,sentengas ele. —€ ‘nomes de fungi (ow expresses predicativas)~nomes de propriedades (ncluindo copula) fungBes, relagdes et. (N- do). 8. Aoleitorcumpre aera para o fato de que Frege se uiliza da palavra Bedeutung, em seu sentido te: ‘ico, ora na acepgdo de ‘referéci’ e ora na acepeo de ‘referent’, indstntamente(N. do). 9, Em sua Conceitograia Frege dispunka da nogio de coniido asserivel. E no presente artigo que le introduzadisting entre senridoe referénca de uma expressto, seja esta um nome proprio, um termo concetual ou uma sentensa (N. do T). 10, Frege aqui uma vez mas omite artigo definido em estrela da mani ‘estrela da tarde’ o que pode ser interpretado como um lpso, jd que ele fo alls 0 primeiro a chamar a tengo para a fune20 do artigo definido quando anteposto «um nome concitual(N. dT). 1H. Um nome proprio (Eigenname), em acepsio iegeana, é ur sale, como tal, tem condipSesrestri- tas de significado. Um nome proprio & uma expressto saturada que deve designar ou se eri um objeto determinado, e de um mado determinado, Dada a diterenga radical entre abetoe conceto, "um nome réprio no pode designar urn conceito ¢ assim nla pode exerer a fonglo de predicado, ‘As expresses que se seguem S30 exemplos de aomes proprios, na acepedo egeana: 1)"Aristteles 2) ‘Ulisse 3) numerss como’, ) demonstrativs singulaes como ‘este 5) enominagdes de objeos inicos ~ como "Venus 6) descrigdes definidas~ . go dstipulo de Platio eo mestre de ‘Alexandre Magno’ 7) ‘Estrela da Mant’ 8) "quem descobria forma eliptia das rbitas planetéras 9) proposes, enquanio expresses saruradas que dsignam valores de verdade. Por esses exemplos pode-s observar que nem tid o que Frege denomine de “nome prpri” coincide eom o uso ordind- fg desta expresso. Essesexemplos nos permitem induzir uma classifiagSo para os nomes propos: ‘jmomes simples ei) nomes complexos ou nomes descrtivor ou descrigdes. A cancepgto fregeana de {que todo nome pr6pri ordinirio deve ter nto apenas um referents, mas tamibém um sentido, segue-se

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