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ANDRE’ FRANCO MONTORO INTRODUCAO A CIENCIA DO DIREITO 25. edigao, 2.3 tiragem 1 O CONCEITO DE DIREITO SUMARIO: 1. Origens do voc4bulo: 1.1 Problemas de epistemologia juridica; 1.2 Definigao nominal e real; 1.3 Origem dos vocébulos “direito” e “jurfdico” ~ 2. Pluralidade de significagdes do direito — Cinco realidades fundamentais: 2.1 Direito-norma: 2.1.1 Direito positivo ¢ Direito natural; 2.1.2 Direito estatal e nao-estatal; 2.2 Direito-faculdade; 2.3 Direito-justo; 2.4 Direito-ciéncia; 2.5 Dii to-fato social; 2.6 Outras acep¢des — 3. Direito-conceito andlogo: 3.1 Conclusdes; 3.2 Analogia: 3.2.1 Analogia intrinseca ‘ou de propor¢ao; 3.2.2 Analogia extrinseca ou de relagio; 3.2.3 Analogia metaférica — 4. Aplicago dos princfpios da analogia as diversas significagdes do direito: 4.1 Analogia de relagdo: 4.1.1 Analogia entre as significagdes fundamentais do direito. Primado da Lei ou da Justiga? Formalismo jurfdico e humanismo juridico; 4.1.2 Outra analogia: Direito positivo e Direito natural; 4.2 Analogia intrinse- ca: Direito estatal ¢ Direito nao-estatal — 5. Outras formulagées: 5.1 “Conceito de direito”, Joao Mendes; 5.2 “Uma concepgio sociolégica do direito”, Lévy-Bruhl; 5.3 “Justo, contetido essencial da norma juridica”, F. Geny; 5.4 “O Direito e o materialismo hist6rico e dialético”, K. Marx; 5.5 “Concepgio quantica do direito”, Goffredo Telles Jénior - 6. Bibliografia. 1. Origens do vocabulo 1.1 Problemas de epistemologia juridica Ao estudar o direito como ciéncia, devemos naturalmente exa- minar sua definigo, assim como o lugar que ele ocupa no conjunto das ciéncias e a natureza de seu objeto. Tais problemas pertencem ao campo da Epistemologia Juridica. Epistemologia, do grego epistéme (ciéncia) ¢ logos (estudo), significa etimologicamente “teoria da ciéncia’”. Nesse sentido, podemos 30 inTRoDUGAO A CIENCIA DO DIREITO iéncia do direito, ainda 5 “tratar da ciéncia de ainda que dizer, com Machado Neto, que “trait (lec Epistemologia” | ‘9 mi i-lo, D : eae eee He ea filoséfica, ore imprecisio e divertinde de conceitos sobre a exata Se oe ft Fale eas ae cide ciéncia” (Vocabulaire incfpios, das hip6teses ¢ dos i “epistemologie” eae ot eritique de la Philosophie, varbote, “epistemntogse”) E, ae 8) esclarece que a palavra inglesa ee By ihechtiona ee a a i “teoria do ou mar toda a “teo cl reseiogal Da ae forma, os italianos, em Bara “ contumnai deans chigemelgele e teoria do conhecimento, I CO Eads ae Ss roblemas citados: definigao de direito, sua posi¢: a q i as cidncias a natureza de seu, objeto constituem inquestionavelmente temas de Epistemologia do Direito. 1:2. Definig@o nominal e real Conceituar 0 direito é defini-lo. E ha duas espécies de definigao: a) nominal, que consiste em dizero que uma: palavra ounome significa, b) real, que consiste em dizer'o que uma coisa ou realidade é, Em ‘obediéncia 4 recomendacao da légica, € 0 que vamos fazer em relacao ao direito. Estudaremos, ‘primeiramente, a significagao da palavra, Examinaremos, em seguida, a realidade ou realidades que constituem 0 direito: O estudo das palavras e da linguagemém geral:é da maior importancia. Quando-um vocdbulo é empregado: durante: varias gera- ges para designar uma realidade, ele se apresenta cheio de contetdo e significado. O nome € a'experiéncia acumulada e constitui, de certa forma, 0 limiar da ciéncia. 1.3 Origem dos vocdbulos “direito” e “juridico” Que significa a palavra “direito”? Qual a sua origem? neh _ Nas linguas modernas encontramos dois eito conjuntos de termos utilizados para exprimir a ed idéia de direito. gaia ee Conjunto liga-se ao vocdbulo “direito”, que encontra caldsniae 2 : as Tinguas neolatinas e, de forma geral, nas Ifnguas (espanhol); Recht in, Droit (francés); Diristo (italiano); Derecho H t (alemio); Right (inglés); Dreptu (romeno). “A. L. Machado Net énulioidev oy Sava, 1969, 9 Compéndio de introdugio & ciéncia do Direito, Sao Paulo, Ehoj sSfhec} a ae oe reeonhecido dea linguagem & elemento fundamental no estudo “Doutrina de linguagem peewee € a filosofia. V. “Filosofia da Tinguagem” ea 'gem jurfdica”, no item, 4.2.4, Capitulo 9 do presente volume. CONCEITO DE DIREITO 31 : Essas palavras tém sua origem num vocdbulo do baixo latim: directum ou rectum, que significa “direito” ou “eto”. Rectum ou directum € 0 que € conforme “Directum” a uma régua. i : Mas, ao lado desse, existe outro conjunto de palavras que, nas Iinguas modernas, liga-se 2 nogdo de direito. Esse conjunto € representado pelos vocdbulos: ‘“jurfdico”, “jurisconsulto”, “judicial”, “judiciério”, “jurisprudéncia” etc., que encontram, também, similar em quase todas as linguas modernas. i Qual a origem desses vocdbulos? E visfvel que a etimologia dessas palavras encontra:se no termo latino jus (juris), que sig- “Jus” nifica “direito”. Mas, se remontarmos um pouco além © formos investigar a significagio originaria do vocdbulo jus, encontraremos, pelo menos, duas origens diferentes indicadas pelos filésofos. Alguns pretendem que jus se tenha constitufdo no idioma latino, como derivado de jussum, participio passado do verbo jubere, que significa mandar, ordenar. “Jussum” E apontam, nesse sentido, certas formulas que eram usadas nas Assembléias Curiais em Roma, nas quais os cidadios, depois de discutirem as leis, decidiam sobre a sua promul- gacdo. A férmula usada, entéo, para encerramento da discussao, era a seguinte: jubeate quirites (mandai cidadios); ou ent&o, adsentite jubere quirites (concordai em mandar, cidadios). Outros preferem ver no vocdbulo jus uma derivagao de justum, isto é, aquilo que é justo ou conforme a justiga. “Jus dictum est quia est justum”, diz Isidoro de “Justum” Sevilha (Etymol., cap. 3): Como confirmagao dessas hipdteses sao indicadas vocdbulos de uma tradigdo ainda mais antiga. Assim, ligado & nogao de jussum (mandado), indicam alguns autores, como radical remoto de jus, 0 vocdbulo sainscrito ya, que significa vinculo de onde deri- “Ya” vam palavras como: jugo, jungido, conjuge (cumyi, vinculo comum). Os que pretendem ver, no vocdbulo jus, de justiga ou de santidade (justum), encontram, por sua vez, como raiz remota, 0 vocabulo do idioma védico yds, que significa bom, santo, divino, de onde parece terem sido originadas as expressoes Zeus (Deus ou © pai dos deuses, no grego) © Jovis (Jipiter, no latim). uma derivagio da idéia “Ys” a2 INTRODUGAO A CIENCIA DO DIREITO Assim, para citar alguns autores que mais diretamente estudaram, © problema, podemos mencionar, entre os defensores da primeira hip6tese, Jhering, que afirma: “Jus significa ‘vinculo’, da raiz sAnscrita Yié (ligar), de onde derivam: jugo, jungir e outras inGmeras palayrag” 3 No mesmo sentido € a, opiniao de Pott, Meringer e outros.4 Mas, de outro lado, ilustres autores, como Schrader, Mommsen e Breal adotam a tese de que a palavra jus. liga-se ao que € justo, santo, puro. Para Mommsen, jus aproxima-se de jurare. E Breal, to estudo sobre a “Origem das palavras que designam o direito e a |e no latim”, afirma que 0 vocdbulo, jus. encontra-se ligado as _palavras nos povos da Itélia, Pérsia ¢ India, e exprimiria uma idéia correspondente as nog6es mais elevadas que possa conceber 9 espfrito do homem. O pensamento ancestralmente contido nessa palavra seria o da, vontade ou do poder divino.* Evidentemente, a esta segunda acep¢ao também se ligam famosos textos de Direito Romano, como aquele,em que. se define 0. direito como “a arte do bem e do justo”, ars. boni et aequi (Celso), ou a jurisprudéncia como “o conhecimento das coisas divinas ¢ humanas ‘e a ciéncia do justo e do injusto”, “Surisprudentia est divinarum atque humanarum rerum notitia, justi atque injusti scientia” (Ulpiano, Dig., I, 1). : ‘Segundo Lachance, € ainda possivel que 0 vocdbulo jus proceda de juvo, juvare, ajudar, proteger. O direito seria, nesse sentido, uma protecao destinada a defender os homens contra qualquer violéncia.” Para completar a indicagZo das origens do yocdbulo “direito”, convém citar, também, a palavra grega correspon- “Dike” dente. Trata-se do vocdbulo diké (direito), por sua vez ligado a raiz indo-européia dik, que. significa indicar. Nao h4, entretanto, nas Iinguas modemas palavras vinculadas ao diké grego. Apenas nos trabalhos eruditos esse termo € mencionado. Esse fato confirma um dos aspectos conhecidos da historia da cultura. Quase todas as palavras ligadas ao direito sao de origem latina, © que revela a influéncia poderosa do direito romano sobre 0 direito moderno, ao lado da influéncia quase nula da cultura grega, nesse particular. jaus ou jous, © Ihering, R. von, Espirito del derecho romano, § 165. © Ver F. Senn, De la justice et du droit, Sirey, cap. II, p. 25, 0. F. Senn, loc. cit. V. L, Lachance, “Définition nominale du droit”, in de droit en Aristote et S. Thomas, § 2. © Michel Breal, “L'origine des mots désignant le droit et la Nouv, Rev. Historique de Droit, 1883, p. 603. © Loc. cit. A, ‘Le concep! Joi en latin” 9 CONCEITO DE DIREITO 33 Em outros setores, como na filosofia, nas artes e nas ciéncias especulativas, foi profunda a influéncia da cultura nelénica. Mas, no campo do direito, quase nada Grécia encontramos que nos ligue a Grécia. A influéncia e Roma decisiva nesse campo foi de Roma. O génio pratico dos romanos contrasta com a sabedoria teérica dos gregos. No campo do pensamento puro os gregos foram notdveis. Pode dizer-se que nfo houve em Roma fildsofo que merega ser posto ao lado de Sécrates, Platéo ou Aristételes. Mas, do ponto de vista prético — ¢ o direito se situa nesse campo ~, os romanos foram insuperdveis. E monumento jurfdico que eles deixaram a humanidade, o Direito Romano, comunicou-se até nés ¢ ainda influi poderosamente no direito contemporaneo. 2. Pluralidade de significagdes do direito — Cinco realidades fundamentais Nao podemos nos limitar.ao estudo do vocébulo, Devemos passar do plano das palavras para o das realidades. Consideremos as expressdes seguintes: 1 — 0 direito nao permite 0 duelo; 2 — o Estado tem 0 direito de legislar; 3 — a educagio € direito da criang: 4 — cabe ao direito estudar a criminalidade; 5 — 0 direito constitui um setor da vida social. Se atentarmos para a significac¢io do vocdbulo “direito”, nessas diversas expressdes, verificaremos que, em cada uma, ele significa coisa diferente. Assim, no primeiro caso - “o direito nao permite o duelo” — “direito” significa a norma, Norma a lei, a regra social obrigatéria. ___Na segunda expressio — “o Estado tem o direito de legislar” —.“direito” significa a facul- Faculdade dade, o poder, a prerrogativa que o Estado tem inigdeitrrss er saestl aco saline 4 Na terceira expressao — “a educacao € direito la crianga” — “direito” significa‘o que € devido, Justo Por justiga. fa quarta expresso — “cabe ao direito estudar a criminalidade” — “direito” significa _ Ciéncia léncia, ou, mais exat te, a ciéncia do direito. INTRODUGAO A CIENCIA DO DIREITO 34 tte -linell titui um. setor da: vig, ‘lti io — ‘‘o direito const la Ne. icine Haken — “direito” € considerado como fendmeng Fato Social da vida coletiva, Ao lado dos fatos econémicos, artisticos, culturais, esportivos etc., também direito € um fato social. ¢ Temos, assim, cinco realidades diferentes a que correspondem i ireit do mais detido nos revela es fundamentais do direito. Um estu lo n henna destas, podemos chegar, ainda, a outras significacdes, de menor importancia. , yore UE Facamos um exame répido dessas significagdes. 2.1 Direito-norma Direito, no sentido de lei ou norma, é uma das ‘acepg6es mais comuns do vocdbulo. Muitos autores o denominam “direito objetivo”, em ‘oposigao ao “direito subjetivo” ou “direito-faculdade”, que € sempre uma prerrogativa do sujeito (subjectum). : Essa denominagio, no entanto, é imprépria, porque _Outras acepgoes do direito, como justo ou fato social, sio, também, objetivas. Direito objetivo nao € apenas a lei. Intimeras definigdes correntes referem-se & acepgao do direito como lei. Assim, por exemplo, a de Clévis Bevildéqua, que, em sua Teoria Geral do Direito Civil, conceitua 0 Direito como “uma regra social obrigatéria”. Ou a de Aubry e Rau: “O Direito. € 0 conjunto de preceitos ou regras, a cuja observancia podemos obrigar o homem, por uma coergao. exterior ou fisica’.* E esse, também, 0 caso da definigéo de Ihering, que considera o direito como “um conjunto de hormas, coativamente garantidas pelo poder ptblico”.? Mas, direito, na acepgio. de norma, ou lei, indica realidades diferentes, quando se refere: a) ao direito Positivo e ao direito natural; b) ao direito estatal e ao. direito nao-estatal (ou social). 2.1.1 Direito positive e Direito natural fis © Direito positive € constituido pelo Conjunto de_normas elabo Por uma sociedade determinada, pata reger sua vida interna, Bee ; social. vreito natural significa coisa di E itufe ml iferente. ee rinciplos que servem de funda: Direite mee P Teg mento ao Direito positivo: caso. indies aati ain dica realidades diferentes num ¢ noutt0 eras interpretacdes inexatas do Direito natural decorrem, © C. Aubry; C. Rau, C aed ‘ © Ihering, Zeck im’ Rechn, pe tin Cuil francais, Patis, 1936, § 1°. | CONCEITO DE piREITo do fato'de se atribuir sign; exatamente, do f UIT significacg, - sinica significag4o a0 vocébulo “direitg” parte Untvoca, isto é, uma or exemplo, fam és, rate me Direito p sit sta de Oudot," juri francés, para q ILO Positive e o Direito nat Haden Jurista dois Cédigos paralelos. Terfamos, 20 lado cada we, Costituiriam positive, uma correspondente de Direito natural. "7M 40 Direito Na concepeio de Oudot © dos chamaos , raionalistas”, © vocabulo “direito”, aplicado ac tog; esnatualistas Direito positivo, teria a mesma Significacao, Seria wu Ora, essa concepeaio_ do Direito natural € inaceitayel, O Direi natural, na sua formulagao classi . ireito ca, no € um conj paralelas ¢ semelhantes 8s do Direito positive, Macon gfe ,normas os ne 7 é to Ditsito postive. constinido por aqulas omnis Gos seme fundamento a este, tais como: “deve se fazer o bem”, “dar ac; um_o gue Ihe 6 devido”, “a vida social deve Ser_cons wala ae contratos_deve ados” etc., normas essas que sao de outre hatureza e de estrutura diferente das do Direito Positivo."! 2.1.2 Direito estatal e nao-estatal Distingaéo semelhante devemos estabelecer entre 0 direito estatal € 0 direito nao-estatal, também chamado direito grupal ou direito social, por Gurvitch,!?, Lévi-Bruhl,” Geny " © outros. A palavra “direito” aplica-se geralmente as normas juridicas elaboradas pelo Estado, para reger a vida social, como por exemplo 0 Cédigo Civil, a Constituigao, 0 Cédigo Comercial, as demais leis federais, estaduais e municipais, os decretos etc. : Mas, ao lado do direito estatal, existem outras normas obriga- t6rias, elaboradas por diferentes grupos sociais e destinadas a reger a vida interna desses grupos. Esto nesse caso, pelo menos em grande ‘Le droit naturel est 1a collection’ des régles du just e de rian aye Souhaitable de’ voir immediatement Retarara positives”, Oudot, Premiers éssais de philosophie du droit, 1846, § 67. a As normas do direito positivo, diz. Kelsen, tém a estrutura Ae uma _roposfo hipotética condicional: Se o inquilino nao pagar o aluguel, ele pest enki 4 Uma agdo de despejo; se o eleitor nao votar, estaré silent As normas de Direito natural so proposigdes diferentes: 0 bem Rea , im Pessoa humana deve ser respeitada, a sociedade deve ser consti . Gurvitch, Le temps présent et Vidée du droit sedan te Le da Ver Capitulo 11, n, 7, da Terceira Parte (p. 358), € Cap ate . 545). san a O° it, I, P ® Lévy Bi es “ee du droit”, in Introduction a l’émde du droit, Av. nas rere tif, F. Geny, Science et technique. en droit privé posiif, ay §.19. 36 INTRODUGAO A CIENCIA DO DIREITO - i direito religios . Sehri jreito esportivo, O aa sO irc versitério, o dire i cionais etc: — parte, 0 direito On etc.), 08 usos ¢ costumes neha ionais ctc, eee Be abt as normas trabalhistas derivadas de convengoes © mesmo ocorre co! ao estatais. te s fontes nao ¢ eee rei fepatamaltob e demais normas que regulamentam a vida sie uma universidade, quando elaborados ‘por esta, Constituem seal % jireito universitério. je ; bps al a aeteto da comunidade esportiva constitui ireito que vigora : = i a “atividade esportiva est4, entre nds, como em outros paises, regulamentada nfo pelo Estado, mas pelas proprias organiza as e até mesmo cédigos que get do Se igi, atividade esportiva. Existem, el a alk esportivos, incumbidos da aplicagao de ‘tais’‘normas, Grande parte do moderno Direito do trabalho, que regula as relagdes de emprego, foi, principalmente nos pafses da Europa, elaborada pelas préprias organizagdes interessadas. Os ‘sindicatos e outras organizagées operdrias e patronais, através de usos e contratos coletivos, foram estabelecendo normas, que passaram a regular, com forga obrigatéria, as relagdes de trabalho em cada categoria profis- sional. Nao foi o Estado que elaborou essas normas, Foram os préprios interessados. No Brasil 0 processo foi diferente. O estatuto basico dos direitos dos trabalhadores, a CLT - Consolidagao das Leis-do Trabalho = foi outorgada pelo Presidente Getélio Vargas (Dec.-lei 5.452 de 01.05.1943), Entretanto, ao lado das leis .¢.decretos estatais, grande parte das normas que regem as relacdes de trabalho decorre de acordos coletivos € entendimentos realizados_diretamente pelas organizacoes Tepresentativas de empregados e empregadores. Ocorreu, assim, fend- Sede eke ae a0 europeu, como, demonstra Oliveira Viana, 10 Do dicto reigoce TD re pata. direi ee y a0 exemplos © direito canénico, o direito deca budista, claborados pelas proprias comunidades de criaturas, ‘ormas precisas, a atividade espiritual de milhoes AS regras edi inuliplicam, ¢ os ees Pelos- organismos ‘internacionais;" que. 0 © Costumes internacio t6ria, foram mais, com forga obriga Fur, nas Obra ng tos por Guryitch, Geny, Lévy Br do direito ndo-estatal_ oy sa ee outras, tantas manifestay* “ V. Oliveira V; ‘ Leroy, "Le doit hee (28 Dolticas brasileiras, 1. OXimpio, 1949; Mexim Gurviteh, “Droit ouvrier” td Mrodigio a La coutunte ouvridre, 2v., Paris, 190% nation datorité, Dolléary pou,“ CAP. I; 8. Panuncio, Le droit sindical Ns, Histoi lice 4, Histoire du mouvement ouvriér, Paris, Colin, 1953: CONCEITO DE DiREITO 37 Como observa Gurvitch, esse direj " existit dentro do Estado, ao lado do ae Pete ak nao-estatal pode do Estado, como 0 direito universitétio ou 9 direito elado, Dentro do Estado, como 0 direito can6nico, que dispoe Bebe mata. Ao lado enquanto o Estado regula outras atividades. Acima do a ligow, os usos & costumes internacional. © Estado, como Teremos oportunidade de voltar ao é amplamente estudado pela Socisloga mii problema, ae moderno.'© Mas, por ora, importa esclarecer que o ieee a od aplicado ao direito estatal ¢ ao dircito nao-estatal, tem fonitients diversa € nfo. unfvoca. E por isso que muitos autores cape que se denomine “direito” a esses ordenamentos juridicos Tie Tais autores defendem a tese do “monismo juridico”. Negam cardter juridico aos ordenamentos nao-estatais. Afirmam, como Kelsen, que s6 h4 um ordenamento) juridico: o estatal. Recusam o “pluralismo juridico”. O que revela que nao € no mesmo sentido que se emprega a palavra “direito”, num e noutro caso. E por s6 admitirem o sentido estrito de “direito” que muitos autores negam o caréter juridico dos ordenamentos nao-estatais. 2.2. Direito-faculdade Passemos A segunda das acepgGes fundamentais que enumeramos: © direito-faculdade ou direito-poder. © vocébulo direito, com freqiiéncia, € empregado para designar 0 poder de uma pessoa individual ou coletiva, em telagéo a deter- minado objeto, O direito de usar um imével, cobrar uma divida, propor uma ago sao exemplos de direito-faculdade ou direito subjetivo. Nesse caso, também, o direito de legislar ou de punir, de-que o Estado é titular, 0 pétrio-poder do chefe de familia etc. Cada um desses direitos € uma prerrogativa ou faculdade de agir. Uma facultas agendi, em Oposig¢ao ao direito-lei, que € uma norma agendi. E 4 jireito como “o poder moral E nesse sentido que Meyer define 0 di és de fazer, exigir ou possuir alguma coisa”..’ E Ortolan, como “4 °° 6, Gurvteh, Sociologia jurdica, Rio, Kosmos, 1964, cap i Le temps tere et Vidée de droit scctal, Paris, J, Vrin, 1932: F. Geny, Science 1 Miri, on dro Pid noind S19; Ti, Lévy-Brub, Introduction 2.7206 26 “yy (em eolaboragae): Paris, Ed. Roussean, 1951, ¥. LP. 701 2 Dro, Hat, Vecchio, "A propos de Ia conception étatique du droit, init noweat, Sirey, 1938, p, 282 ¢ ss.; Maxime Leroy, Le Code chile le drei Moet Pars! G. Metin La révolte des faits contre le Code, Pans, Ce G Renard, Le droit en retard sur les fats (1930), Pas Droit et juris la theorie de V'institution, Paris, Sitey, 1930, M.'E. Mees, Posofs del derecho, ed. Labor, 1937 ry 38 INTRODUGAO A CIENCIA DO DIREITO faculdade de exigir dos outros uma ago oH ibe er bt ana vez, refere-se a este sentido ao definir 0 Cire! REG lade de exercer aqueles atos, cuja realizagao univers: aa ao ited A coexisténcia dos homens”.!® Esse ¢ também 0 aspecto tocalizado por finigao de ‘direito: “€ 0 interesse Ihering ao propor _ seguinte def protegido pela lei”.” er zs sustifica ‘A expressao “direito subjetivo” explica-se © fe Sueica poraue © direito ss acepgao € realmente—um_poder—do_sujeito. E uma facutdade Teconhecida 20 sujeito ou titular do direito. ; Devemos, entretanto, distinguir duas acepgoes nitidamente dife- rentes de direito subjetivo: a) 0 direito-interesse; b) 0 direito-fungao, Muitos direitos sdo concedidos ou reconhecidos no interesse de seu titular como meios de permitir-lhe a satisfacao de suas necessidades materiais ou espirituais. E 0 caso do direito @ vida, & integridade fisica ou a liberdade, o direito de’ usar um imédvel ow reivindicar ‘uma propriedade. A esse tipo de direito subjetivo dé-se a denominagao de direito-interesse. F ARES ¢ f Mas, ao lado do direito-interesse, institufdo’em beneficio de seu titular, h4 outra categoria de direitos subjetivos, ‘institufdos em beneficio de outras pessoas. E 0 direito-fungio, como o patrio-poder do chefe de famflia, que é conferido ao pai no intéresse do filho. 0 mesmo ocorre com o direito de julgar ou de legislar, atribufdos ao juiz ou a legislador, em beneficio da coletividade. 2.3 Direito-justo : A palavra “direito”, como dissemos, é ainda’ suscetfvel de outra significagao, claramente distinta’ das anteriores, que coloca 0 direito em outra perspectiva e 0 relaciona com © conceito de justica. ‘Trata- se do direito na acepgio de Justo. ___ Dentro dessa acepeao, devemos distinguir, também, dois sentidos diferentes, mine fee “direito”, na acepgao de justo, designa o bem Por injustiga. Por exemplo, quando dizemos que “o-salério an a © pensamento de Kant, o direito tem por finalidade garanit formulados age (7S ,iberdades. Seu’ principio fundamental pode ser assi™ Por eiemipibre Pita uma norma que possa ser praticada’universalmen'e se-ia impraticd yoy vet erst © furto em regra universal? Nao, porque !ome vere naticavel a coexisténcia entre os homens. ‘Como ‘nao € possivel eS ropried: . i it0 Geveugto de sts ROR que pode ser universalizada, O dieto de ex? etc. s0 normas ore es Prestado, 0 direito de exigit 0 pagamento do s! s que podem ser universalizadas e, por isso, juridicas. ow iri Ihering, Espirito do direito Tomano, § 70, CONCEITO DE DiREITo 39 ¢ direito do trabalhador”, devido por justiga”’. “4 ee b) Outras vezes “justo” significa a“ Por exemplo: quando digo que “nao é di quero sie nao € ee a justiga. Sao duas acepgoes diferentes, se be: ‘ com 0 conceito de justiga, m que ambas relacionadas A primeira acepgao Pode ser denominada “Gusto. objetivo”, —" direito, nesse caso, € aquele bem que € devido a uma Pessoa por 4 exigéncia da justiga. Nesse sentido 0 respeito. A vida € devido a todo homem, 0 pagamento € devido ao vendedor, a aposentadoria é devida ao empregado, o imposto € devido, ao Estado. etc. Asse sentido é que se refere a definicao de S. Tomés, segundo aqual “direito € 0 que é devido a outrem, segundo uma igualdade” 2 E, também, a essa acepcio do direito que se refere o famoso conceito de Ulpiano: “Justica € a vontade constante ¢ perpétua de dar a cada um 0 seu direito”.”! Definicao que remonta aos mais antigos estudos sobre o direito e a justica. Em Aristételes e Platao, por exemplo, encontramos a mesma definicao com Pequenas variagdes. A palavra “direito” é af empregada no:sentido de “justo objetivo”. Eo bem devido a outrem, segundo uma igualdade. EB 0 objeto da justiga. Acepgao fundamental, como veremos, que é' retomada hoje por ilustres juristas, como Karl Engisch, Michel Villey e outros. A ela corresponde,com exatidao, 0 vocdbulo jus. E significa o que € devido por justica. E esse o significado da palavra “direito” na Declaragéo Universal dos Direitos Humanos. A segunda acepeao ligada ao conceito de justiga 6, como vimos, 4 conformidade com a justiga. No exemplo’ visto — “nao € direito condenar um anormal” ~ direito é sinénimo de justo, mas’ justo af Sinifica um qualificativo. Indica a conformidade com as exigéncias ‘a justica, > @ palavra “direito” significa “aquilo que ¢ Conformidade” ¢o, bs mM a justica, ireito condenar Bene im anormal”, oy & Tomas, De justtia, Tl, q, 80, © a “Justia est corstans ef perpeits ‘oluitas jus suum euigue tibuend”, “Regras de Ulpiano”, livro I, constante do Digesto, livro I. “De justitia et fie’ 10 pr. Esse texto é reproduzido nas Institutas, de Justiniano, livro stitia, est De justitia et jure, principium”, em termos quase idénticos: iS traduzir ‘onstans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuens”. E freqient aie ERPétua por permanente, continua, 0 que néo é rigorosamente cert a pessoa. querva F. Senn, “perpétuo” significa “o que dura tanto tempo aire” (De la Sim, a virtude da justia no homem deve durar sua vida i a ySstice et du droit, p. 2, n. 2). «ridico, trad. J. B. Machado, Karl Engisch. Tntrodugao, ao pensamento juridico, trad. *. r ic Droit, a, Gulbenkian, 1972; Michel Villey, Seize essais de Philosophie du Drot er lig =p. TI. INTRODUGAO A CIENCIA DO DIREITO Encontramos definigdes de direito que se meron. ain aoe itar a de Liberatore: udo o que a CE dots cami es” onde est4 claramente indicada conformidade com regra de conduta. 40 2.4 Direito-ciéncia Num plano inteiramente diferente dos eigen a pales alte & com freqiiéncia, empregada para designar a “ciéncia do direito”, Quando falamos em estudar “direito”, formar-se em dircito, doutor ou bacharel em direito, iio ou objeto de direito, € no sentido “ciéncia” regamos a palavra. ce ‘Goue 28 jefinigoes Se aireito que 0 consideram sob este prisma, podemos citar 0 classic conceito de Celso: “Direito é a arte do bom e do justo” (“jus est ars boni et aequi”), ou a defini¢o de Hermann Post: “Direito € a exposicao sistematizada de todos os fenémenos da vida juridica ‘¢ a determinagfo de suas causas”.’ 25 -Direito-fato social Finalmente, numa perspectiva distinta‘das anteriores, a palavra direito € empregada principalmente pelos socidlogos, mas também pelos juristas, no sentido defato social. El hecho del derecho (O fato do direito) é 0 titulo de obra coletiva de Cabral Moncada e. outros (Ed. Losada, 1956), na qual Olivecrona estuda “‘o direito, como fato”. Ao realizar o estudo de qualquer coletividade, a sociologia distingue diversas espécies de fenémenos’ sociais. Considera ‘os fatos teligiosos, econédmicos, culturais e, entre eles, o direito. O direito é, entio, considerado um setor da vida social, inde- pendentemente de sua acepgao como. norma, faculdade, ciéncia ou justo. E, como setor da vida social, deve ser estudado sociologica- mente. E dentro dessa perspectiva que se situa a Sociologia do Direito. Sob esse aspecto, Gurvitch define o direito como “uma tentativa para realizar, num dado meio social, a idéia de justica, através .de um ftom de normas imperativo-atributivas” 25 i ao definir 6 dies oa eepeta ote qNe-86 coloca Tobias Bara evolucionais da sociedede © conjunto das condigdes existenciais é » Coativamente asseguradas”> ou em formula ™) Liberatore, Comp. di Filosofia del Diri o 22 C Beviléus, Teoria Cou me ee nee 8 pp cunitch, Sociologia juridica, Kosmos, 1946, introd, §V. fun eesti de Direito, cap. V, em Obras completas de Tobias gare, ies lac. do Livro, 1966, Estudo de Filosofia, t. 2, p. adota, com modificagées, a definigio de Ihering: “0 direito é 0 conjunt® | CONCEITO. DE DIREITO 41 mais atual, 0 conjunto das Condigdes de exi. ténci; da sociedade, coativamente asseguradas”, isténcia e desenvolvimento Na mesma linha est4 situada a obra de Olivecrona Law as fact, 19 ‘act, 1980, 2.6 Outras acepcdes As acepgoes fundamentais que ac; foe mais interessam ao estudo jurideo, Ciera stem nar so as que ainda outras menos importantes, que sio de uso rel ae Assim, a palavra direito é usada, muitas vezes, aati tributo ou taxa, por exemplo, quando ‘se fala em aichoir ait - garios ou aduaneiros, fande- Direito € ainda empregado com 0 significado de “ geométrico. Por exemplo, um “segmento direito” mente, Teto. E, ainda, usado para indicar uma Operagao certa: “Este célculo esté direito”. Isto é, aritmeticamente certo. Pode-se usar a palavra para designar um “homem direito”, no sentido de ter uma conduta moralmente correta. Direito pode significar, finalmente, oposto a esquerdo: lado “direito”. Evidentemente, essas ltimas acepgdes nao apresentam interesse juridico. So mencionadas apenas como objetivo de fazer, na medida do possfvel, uma andlise exaustiva das significagdes do direito, que podem ser assim sintetizadas: ¢ “reto”, no sentido » isto €, geometrica- ACEPCOES FUNDAMENTAIS DIREITO POSITIVO DIREITO NATURAL DIREITO-NORMA DIREITO ESTATAL DIREITO NAO-ESTATAL IREITO-INTERESSE DIREITO-FACULDADE { DIRETTOFUNGAO { DEVIDO POR JUSTICA DIREITO-JUSTO CONFORME ‘A JUSTICA DIREITO-CIENCIA DIREITO FATO-SOCIAL 5 lo. poder de condigses de vida da sociedade, coativamente ascayrat® Pe vimento Piblico”. Tobias Barreto acrescenta as condigoes de blico, Ambos consideram (evolucionais) ¢ dispensa a referéncia ao poder pul sociedade, para assegurar © direito como fenémeno social, criado pela prépria # Sua vida e desenvolvimento.

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