‘6s, brasileiros, nao
deviamos nos chamar
brasileiros. Pela légica da
gramatica, deviamos ser
brasilianos, como os colombianosees—
americanos. Ou brasilenses, como
os israelenses e os canadenses.
Osufixo “eiro” se aplica apraticas
profissionais. Os cafeeiros cultivam —~
café, os engenheiros se dedicam a
engenharia. Tornamo-nos brasileiros
porcausa dos homens que extraiam
o pau-brasil da terra e o levavam para
aEuropaa fim de ser moido até se
transformar em tinta purpura. Era so
0 que os portugueses faziam no Brasil,
no comeco do século 16.
fato de termos ficado para sempre
associados a essa atividade diz muito
do que somos. E mais do que uma
heranga, é uma maldicao. Porque,
quando o navio Mayflower chegou
a Cape Cod com os puritanos que
fundaram os Estados Unidos, em
1620, o pau-brasil do Brasil ja estava
virtualmente extinto. E estava extinto
porque nenhum dos “brasileiros”
originais pensava em fazer como
fizeram os americanos originais. Os
ingleses pioneiros do Mayflower
vieram ao Novo Mundo para ficar,
vieram com suas familias, dispostos
acriar uma nova sociedade, onde
vicejariam seus descendentes. Os,
portugueses pioneiros iam com suas
carayelas ao Brasil para arrancat 0
que lhes fosse de proveito e levar de
volta para Portugal. Os portugueses
queriam someénte se sexyir das terras
que descobriram.
Os portugueses nao ergueram
cidades; contentafam-se em'manter
alguns homens em feiforias. Para
extrair o pau-brasil, valeram-se da
mio de obra indigena. Os indios,
entiio, viviam pelados, abencoados
pela ignorancia, nos reconditos
profundos da Idade da Pedra.
Os portugueses lhes apresentaram
uma novidade extraordinaria:
ferramentas de metal, como ~
anz¢is para fisgar os peixes,
facas para cortar a carne e
machados para derrubar as
arvores, Foi em troca desses
produtos que os indios
praticamente dizimaram as
GAUCHAZH,
re
{eis outras
colunasem|
gauchazh.com
/davidcoimbra
Nos nao deviamos ser brasileiros
4rvores de brasil da Mata Atlantica.
Ha varios livros que contam essa
historia. O melhor é o do Peninha,
aquele-magano-O-titulo ¢ Ndufragos,
Traficantes e Degredados, procure=
na Feira:
Mas a tragédia da extincio do
pau-brasil ndo se restringe ao revés
ecoldgico. Nao. Porque as intengdes
dos chamados “colonizadores”
portugueses nao mudaram através dos
séculos. Eles nunca pretenderam fazer >
do Brasil uma na¢ao. O Brasil existia
para proveito da patria-mae.
O primeiro parque ptblico da. ~
América, o Boston Common, foi
inaugurado em 1634. Um ano depois,
acomunidade fundou a primeira
escola publica do continente, a
Boston Latin School, que ainda
funciona. Mais um ano, e abriu-se a
Universidade de Harvard.
Enquanto isso, no Brasil, a educacdo
publica era obra quase que exclusiva
dos jesuftas, preocupados, sobretudo,
em catequizar os indios. S6 no século
19 é que escolas, universidades,
bibliotecas, estradas e museus foram
abertos, mas nao para atender a
populacio, e sim anova elite formada
pela familia real portuguesa, que
fugira de Napoleao em 1808.
Tudo, no Brasil, sempre foi feito
de cima para baixo. O Estado
sempre pairou sobre as cabecas
dos brasileiros. E por isso que a
comitinidade raramente resolve suas
quest6es por conta propria, sempre
espera que 0 Estado resolva por ela.
Donde, o sucesso do nefasto
populismo.
Agora, 500 anos depois do crime
ecolégico cometido contra a arvore
que deu nome a naciio, o Brasil olha
com indiferenca para o desastre
de Mariana. Faz dois anos que a
barragem se rompeu, e a empresa
responsavel promete entregar as casas
para a populagiio afetada em mais
dois anos ¢ os rios continuam
contaminados ea lama
ainda cobre o local. Quem
se importa? Quase ninguém.
Num pais feito para que dele
se servissem, 0 que néio parece
ter serventia ndo parece ter
importancia.
=