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7 Silber abele s Ml fs Mes. fe epic yo ola Suits Gow eon EMSC (220 | A195 "Adam, Philippe. = Sociologia da doenga e da medicina / Philippe ‘Adam; Claudine Heralich ; tadugao de Laureano Pelegrin. = «Bauru, SP: EDUSC, 2001 146 p ; 2tem. -- (Colegio Saude & Sociedade) ISBN 85.7460-100-4 > Traducio de: Sociologie de la maladie et de la médecine 1 _Medicina social. | Titulo, Iérie, co 362.1 *-188N 209-190646-8 (original) Copyright © €dtions Nathan, Pars, 1994 Copyright © de waducio EDUSC, 2001 _ Oba pubiada com a colaboragio do Minsiéig do Cultura da franga = Centro Naclonal do Livro ‘Tradugio realizada a partir da edigSo de 1994 Direltos exclusivos de publicagio em lingua Portuguesa para o Brasil aquitidos pela EDITORA DA UNIVERSIDADE DO SAGRADO CORACAO) Ras in minds, 10-50 {ep 17011160 Bauru - SP ome (14) 3235-7111 ~ Fax (14) 3235-7219. ( ‘mail: ene edusc.com br » Sumario “7 Prefécio a edicao brasileira 9 Introdugao 15. Capitulo 1 - As déencas na hist6ria das sociedades: dos fla- gels do passado as doengas da atualidade 15 A era das epidemias: o Antigo Regime do rial 20 Os primeiros pasos do desenvolvimento sanitario 24 Doentes doengas hoje 31: Capitulo 2~ ©. surgimento da medicina modema e seu papel no Cuidado das doengas 32 A longa batalha contra a doenca 34 O lento desenvolvimento da medicina cientifica ocidental 38.A “profissao” de médico 4d Hoje: uma sociedade medicalizada 49. Capitilo 3 - Os estados de satide e seus determinantes soci 51. Variabilidade dos estados de satide 54 As explicagées dos diferentes estados de satide {60 Os modelos psicolégicos e sociais + 65 Quais politicas de satide? 69 Capitulo 4 - Satide, doenga e suas interpretagées culturais € sociais : 70 © modelo de significacao cultural da déenca 75 O “senso do mal” nas sociedades modernas 84 Representagdes, informagoes, crengas © ago 87 Capitulo 5 - As relagdes médico-paciente 88. Um modelo consensual de relagao médico-paciente, baseado no tratamento das doencas agudas Capitulo 4 Satide, doenca e suas interpretacdes culturals e socials Todo acontecimento importante da vida humana requer uma txplicacdo: € preciso: compreender sua natureza e encontrar suas causas. A doenga nao escapa a esta exigéncia, O individuo, frente a uma sensagao orgai ca desagradavel e estranha, deve “decodificé-la”, compard= la eventualmente,a outras manifestagoes, decidir se existe algum sinal. grave que exija uma tomada de atitude. Ele deve também conseguir explicar aos outros aquilo que sen- te, se deseja receber ajuda. Tal elaboragao ndo € apenas individual, mas esté liga da ao social e a cultura. Ha muito tempo, diversos traba- thos psicossociolégicos tém mostrado que determinados es- -tados fisiolégicos, como a fome e a dor, ndo s4o dados to- talmente objetivos, mas sdo interpretados em fung§o dos " “ contextos sociais nos quais se produzem.”* O sociéloga. Ho- ward Becker mostrou igualmente, em célebre artigo intitu- lado Comment on devient fumeur de marijuana? (Como a pessoa torna-se fumante de maconha);” que a sensacio de prazer proporcionada pela substdncia nao é imediata: € re- sultado de uma aprendizagem decorrente de sua pertenca a um grupo de fumantes. Aos poucos, pelo contato com os. outros, as percepgdes do novato se transformam. € somen- te assim que ele aprende a sentir como agradaveis as sen- sages fisicas que, em si, sdo ambiguas. De modo mais ge- ral, a pertenga a uma cultura fornece ao individuo.os lim tes dentro dos quais operam-se essas interpretagdes relat vas aos fenémenos corporais e, em particular, a doenca e seus sintomas, O modelo de significagao cultural da'doenga A experiéncia da dor Um dos primeiros estudos que’abordaram a problemé- tica 6 0 de Mark Zborowski,"® de 1952, que analisa os com- -Ponentes culturais da experiéncia da dor'em trés grupos ét- nicos dos Estados Unidos: americanos de origem italiana, de origem judia e de familias protestantes, estabelecidas ha muito nos Estados Unidos. Enquanto os americanos de or gem judia e italiana reagem a dor He maneira muito emocio- nal € so extremamente sensiveis a limites de estimulagio ° 78. O primeito estudo abordando essa problemitica € 0 de S Schachter € | Singer, “Cognitive, Social and Physiological Deter- ‘minants Of Emotional States", Paychological Review, 1962, vol LxtX, p. 379-399. 79. 4. Becker, Outsiders, New York, The Free Press of Glencoe, 1963, traduzido em francés com 0 mesmo titulo por Editions Mé- tailig, Pais, 1985. £80.M. Zborowski, “Cultural Components in Responses to Pain”, Journal of Social Issues, 1952, n® 8, p. 16-30, taduzido em F. Steudler, Sociologie médicale, Paris, Armand Colin, 1972 70 \ dolorosa muito’ baixos, 0s americanos “de origem” tém ten- déncia mais acentuada a minimizé-las. Zborowski analisa icac3o atribuida & dor nos trés diferentes ‘grupos. Para.os “italianos”, a experiéncia tem principalmen- te um sentido imediato, suas reclamagdes $0 mais vivas, mas elas diminuem logo que a dor cede, deixando poucas lembrangas. Em compensacao, as preocupacoes dos ameri- ‘canos de origem judia voltam-se para as conseqiiéncias a longo prazo. Ficam ansiosos com 0 que vira depois mesma apés 0 desaparecimento da dor.’A. mesma intensidade de Teaco nesses dois grupos nao corresponde, assim, & uma mesma atitude frente a experiéncia da dor. Quanto aos ame- ricanos de origem, seu grande estoicismo & acompanhado também de uma inquietacdo. quanto ao futuro e, sua atitu- de, igualmente pragmatica: eles aceitam melhor a hospitali- zaG30 que os membros dos outros grupos e acreditam ser necessario Cooperar com a equipe médica. A discriminacao dos sintomas Alguns anos mais tarde, um estudo feito por Irving Zola," em.grupos de americanos de origem italiana ou irlan- desa, mostrou que essa anAfise poderia se estendida ao pro- blema global da discriminacdo dos sintomas corporais. O ‘autor estudou a desctigdo qué os pacientés faziam de seus sintomas ao clinico geral, a0 oftalmologista ¢ aq otorrinola- ringologista, e comparou com grande preciso a expressio das reclamagées em pares de.doenies, um de origem italia na, outro de origem irlandesa, que tinham recebido o mes- mo diagnéstico. Os irlandeses localizam precisamente com maior freqiiéncié os sintomas, descrevem uma: disfungio circunscrita e minimizam o softimento. Os italianos recla- * 81.1. K. Zola, “Culture and Symptoms. An Analysis of Patients’ Presenting Complaints”, American Sociological Review, 19667 ol. XXX, fi. 615-630; ttaduzido em francés por C. Kerzlich, ‘Médecine, maladie et société, Pars-La Haye, Mouton, 1969, p. 27-41 nm mam de sintomas mais numerosos e mais difusos; eles insis- tem sobre a dor e exageram, afirmando que seu humor é suas relagbes estio pérturbadas. Assim, para um mesmo problema de visio, 4 questdo “Qual é 0 seu problema?” um americano de origem irlandésa responde: “Nao consigo en- xergar o suficiente pata pdr um fio no buraco de agulha ou ler 0 jornal”, enquanto que o paciente de origem italiana responde:."Estou:com uma dor de cabeca que nunca passa, 08 olhos escorrem e ficam vermelhos” ‘As diferengas de reagao segundo as culturas nao se re- ferem somente ao estilo de reclamagao ou a natureza da an- Bistia associada a diferentes sintomas. Conforme as socie- dades, atribuf-se maior ou menor interesse a diferentes 6r- 40s ou diferentes partes do corpo. Nas sociedades ociden- tais, © coragio std revestido de significacées particulares. No Japao, tradicionalmente, € 0 abdémen (hara) que recebe maior atengao. Ele 6 considerado a sede da vida e conden- sa 05 significados que nés atribuimos ao coragio e ao cére- bro. Ainda hoje; sendo a medicina ocidental- dominarite no Japao. 0s japoneses discriminam um grande némero de mo- léstias abdominais que os preocupam.enormemente, e que para nés nada significam. Os modelos explicativos da doenga ‘A modelagdo cultural também engloba, além da percep- ao e da expresso dos sintomas, aquilo que é definido como “doenga” em dada sociedade. Sabe-se que, em algumas delas, fenémenos tidos como patologicos pela medicina ocidental no so considerados sintomas: exemplo disso sio certos grupos 6t- rnicos que acreditam que os vermes intestinais so necessarios & digesta. © ponto mais interessante, porém, é 0 caso daquilo- que 0s antropdlogos chamam de “sindromes ligadas-a cultura”. Uma das mais famosas © mais bem estudadas é constitufda por uma'doenca que 4 medicina cientifica ocidental néo reconhece nem Sabe explicar: 0 susto; ele atinge toda a América Latina, nas opulagdes de origem espanhola como nas de origem indigena. TTodas.as pessoas que sofrem de susto manifestam os mesmos n sintomas: sono agitado, fraqueza, depressio, descuidam da hi- iene da aparéncia no momento de se levantar. A explicaggo do susto dada pelos pacientes, suas familias e curandeiros tradi- cionais 6:que apés uma ocorréncia assustadora, perde-se uma parte essencial, ndo-miaterial, da pessoa. Uma equipe multidisciplinar composta de médicos e etné- logos estudou em pormeriores 0 susto em trés vilarejos mexica- nos." Primeiramente, eles mostraram que nao se trata de uma doenca conhecida da medicina ocidental, uma doenca mental, por exemplo, que na América Latina teria um nome diferente. Para 0s autores, o susto tem uma especificidade, ele “cemonstra ‘como 05 processos culturais © organicos interagem na constru: ‘Gio de uma entidadé desconhecida da medicina ocidental”. Eles igualmente evidenciaram 0 fato de.que 0 susto ocorre em pes: s0as com dificuldade de enfrentar os problemas e as presses da vida quotidiana e em desempenhar seus papéi sociais com efi- ciéncia. Desse modo, 0 susto ¢ apenas um meio de escapar & essa situagao sentindo-se e fazendo-se reconhecer como doente. (Q exame médico dos pacientes atingidos, comparado ao dos ou- tus habitantes Uo vilareju, apresenia umn nmero significativa: mente mais elevado de problemas organicos diversificados e, por vezes, graves. £ assim nécessario compreencler essa afec¢ao em toda sua complexidade: como a reacao organica e psiquica de um individuo a presses € exigéncias sociais, reacao modelada definida de modo especifico dentro de uma sociedade e de uma cultura. Outros antropblogos, Byron Good-e Marie-Jo Delvec- chio-Good” mostraram Como, segundo eles, deve-se com- preender as telagdes entre cultura e fendmenos organicos. Eles analisaram, em particular, as dificuldades que surgem quando os membros das sociedades ndo-ocidentais entram £82. A. J, Rubel; C.W. O'Nell,R. Coliado-Ardon, Susto, a Folk. ‘ess, Univesity of California Press, 198, 83. Ver B. J. Good © MJ, Delvecchio-Good, “The Meaning of Symptoms: a Cultural Hermeneutic Model for Medical Practice", in L Eisenberg.e A. Kleinmann (eds), The Relevance of Social Science for Medicine, D. Reidel, 1980, p. 165-96. 73 em contato com a.medicina cientifica. Esses autores colabo- ram com médicos especialistas de “medicina familiar’ em um hospital americano onde sio consultados pacientes de diversas procedéncias culturais. O modelo por eles propos- to assume, dessa maneira, uma finalidade pratica: ele deve ajudar os médicos a compreender melhor esse tipo de doen- tes seus sintomas. Para os dois pesquisadores, qualquer doenca é um fend- meno significativo e a atividade médica 6 sempre interpreta- tiva, O médico decodifica os sintomas do seu, paciente con- forme as categorias do saber médico, fundamentadas sobre nogdes biolégicas. O doente, por seu lado, tem idéias pré- prias sobre seu estado de satide € cria, para 0 mesmo, um “modelo explicativo"; este pode, em parte, ser individual ‘embora possua também raizes Cultuirais. Os pesquisadores falam ainda da ‘rede semantica da doenga”, para designar 0 conjunto de conceitos e de simbolos que a ela se encontram associados e he conferem sentido. Os médicos, dizem eles, slo conscientes da variedade de percepgio e expresso dos sintomas segundo as culturas, mas eles acreditam que se tra- ta de uma diferenga superficial: os individuos percebem € traduzem diferentemente uma realidade que é sempre a mes- ma e que a medina ocidenal analia abjetivanente, Para 05 antropélogos, a0 contrérlo, 0 modelo explicativo do doente nao é somente uma traducao: a significagao da doen- a faz parte-da prépria realidade e a modela. Varios exemplos poderiam flustrar 0 modelo proposto, ‘como 0 caso de uma chinesa do Vietna que imigrou para os Estados Unidos em 1975. Ela vai a6 consult6rio reclamando de uma dolorosa sensacao de “peso no peito”. © médico ame- ricano pensa em doencas cardiacas, mas os resultados dos ‘exames no confirmam a suspeita e nenhum tratamento con- segue melhorar 0 estado da paciente. Incentivado pelos antro- pélogos a buscar um “modelo explicativo” da doente, o médi- co toma conhecimento.por meio de determinados fatos que, 184. Nos Estados Unidos, a “medicina familiar’ é uma especia lidade. 74 segundo ela, sao a razao de seu estado: ela teve uma vida mui- gM) sea one ilo rates oh ius vega ‘um dia foi brutalmente agredida pelo marido. Ela também sen= te a tristeza’de,ter abandonado 0 Vietnd e ter deixado sua fa- milia. Ap6s esta conversa, 0 diagnéstico do médico orienta-se para a depressao. Esta, porém, nao corresponde, em seus sin- * tomas, & depressgo de um paciente americano; a “modelagao “cultural” refere-se portanto apenas a sua expresso. Na China, (05 sintomas psiquidtricos dao muito mais espago do que no Ocidente a sintortias corporais, € a experiéncia da depressao passa normalmente comp dores no coragio, 0 qué nio é 0 aso nos Estados Unidos ou Franca. O “senso do mal” nas sociedades moderas Nas sociedades onde prevalece.a medicina cientifica moderna, 0 saber médico transmite a todos 0s conceitos € ‘agbes sobre a natureza e as cauisas de seu proble- ma. Luc Boltansk,"* mostrou as condigdes que favorecem.a aquisigdo de tal Yeompeténcia médica” pelo doente: sio as pessoas oriundas dos meios mais favorecidos que interiori- zam melhor as categorias conceituais do saber médico. As razbes so claras:.eles vio com maior freqiiéncia ao médi- co; estando préximos deles pela procedéncia social, eles compartitham.sua visio de mundo e se comunicam com fa- cilidade; enfim, seu elevado nivel cultural torna mais facil a transmissao dos conhecimentos do médico para o paciente Eles so assim os mais inclinados a decodificar suas doen- Gas e.a conversar sobre a mesma conforme as categorias da Medicina. De modo mais geral, a relagio com 0 corpo é modelada pela proximidade de um grupo social com o dis- Curso cientifico predominante nas sociedades industriais. Entretanto isso nao basta para dar-uma resposta a todas as questées do doente. Para a pessoa envolvida, a exigéncia 85. L_Boltanks, “Les usages sociaux du corps Annals, Feono- mies, Societe, Chilton, janeiro feverero 1971, p. 205-31 78 de compreender seu estado, prin¢ipalmente se ele € preocu: pante, vai mais longe: a doenga nao € somente um conjun= to de sintomas que a levou.ao médico, mas constitu um transtorno que ameaca e, as vezes, altera a vida de maneira radical. Deste ponto de vista, 0 paciente coloca questoes na busca de um sentido: “por que isso est acontecendo?”, “por que comigo?”, “por que agora’”. Como nos pacientes estudados por Byron Good, o diagnéstico médico nao é su- ficiente para responder a essas questdes e, 0 “ponto de vis: ta do doente” & somente uma reprodugao, mais ou menos fiel, do saber médico.” Em todas as sociedades, as doengas, € principalmente algumas delas, sao interpretadas de maneira especifica ¢ es- to prenhes no imaginario coletivo, mas a prépria nocao de doenga serve também de suporte a expressao de crengas ¢ valores mais amplos, A interpretagao coletiva da doenca cefetua-se sempre em termos que envolvem a sociedade, suas regras e a visdo que dela temos: a concepcao que temos de doenca'manifesta nossa relagdo com a ordem social. AS representagbes socials da Saude e da doenga Na Franga, esse problema foi abordado por Claudine Herzlich durante a década de 60," consistindo na\ andlise das representacdes sociais da satide e da doenca. O estudo foi feito por meio de entrevistas aprofundadas, junto a mem- bros das classes média ¢ alta, A hipétese do autor era mos- trar a existéncia, relativamente as nogdes de satide e doen- ‘¢a, de conceitos independentes do saber médico. Tratava-se de ver-como, através de quais nogdes.e quais valores, os £6. Ver C. Heraich, “Médecine moderme et quéte de sens: la ma- lacie significant socal”, in M. Aug6, C. Heraich, Le Sens du mal Anthropologie, histoire, sociologie de la maladie, Pais, Archives Contemporaines, 1984, 87. C. Heralich, Santé et maladie, analyse d'une représentation sociale, Paris-La Haye, Mouton, 1969, reedigo, Pars, Editions de VEHESS, 1992. 76 membros de nossa sociedade dio forma e’ sentido as suas experiéncias) organicas individuais € compreendet como, nessas bases, se elabora uma realidade social compartilha- da coletivamente. - (© estudo mostra claramente que a linguagem utilizada para exprimir-se a respeito da satide e da doenca, para in- terpretarSe suas causas, manifestagdes e conseqiencias, nao 6 Uma linguagem do corpo: 6 uma linguagem do indi duo em relagao com a sociedade. A doenga objetiva uma re- lagao conflituosa cont o social. Assim, as pessoas interroga- das elaboram uma teoria causal constituindo uma forma de modelo explicativo. da doenga. Elas consideram que seu acometimento € devido aos efeitos perniciosos de um “esti- lo de vida errado”, sendo-este entendido como reflexo de uma “sociedade competitiva’. O ritmo de vida alucinante, a poluigao do ar, a alimentagao “artificial”, 0 barulho, so in- terpretados como tantos fatores nocivos que fazem violencia 3 natureza intrinsecamente boase proxima do individuo. Frente & sociedade, este 6 caracterizado por sua capacidade Ue resisiéncia a agressao. O individuo € basicamente saudé- vel e a satide ¢ basicamente uma responsabilidade pessoal. ‘A oposicao satide-doenga € um modo concreto de exprimir ‘© que as pessoas interrogadas percebem haver entre o indi- viduo e a sociedade. Sao também critérios sociais, a atividade ou inatividade, a paiticipacdo social ou a exclusdo que so empregados para definit 0 doente ou o individuo saudavel. Estar doente, para as pessoas interrogadas, significa “parar”, ou seja, interromper sua vida profissional. Esta équivaléncia ~ na qual pode-se ver ‘© que B. Good chama de “rede semantica” da doenga - defi- rne-a melhor que © estado geral do organismo. O 'discurso co- letivo ndo é portanto uma cépia, mais ou menos exata, do dis- curso médico, uma enumeragao de sintomas e de fendmenos organicos. Ao contririo, os sintomas, as disfungdes organi- zam-se_em “doenca” na medida em que eles provocam alte- ragées na vida do doente e em sua identidade social. Reciprocamente, os conceitos da satide sao elaborados de acordo com um registro que vai do puramente organico, 7. a sade concebida como uma simples “auséncia de doen- a", a0 social" Os participantes da pesquisa discorrem lon- gamente sobre sua concepgao de satide como um estado. de “equilibrio”. Este corresponde*a possibilidade de’o indi duo dominar da melhor manéita possivel, as pressdes e exi- géncias da vida social. Ela é acompanhada do sentimento de bem-estar fisico.e psicol6gico, do satisfatério desempe- nho de uma atividade, de realizagao e de um relacionamen- to harméni¢o com os demais. O conéeito da satide como equilibrio corresponde exatamenté a andlise de Cangui- them," para quem a satide €um conceito normativd que ul- trapassa o simples estado organico. £ sempre em relacao a estas nogbes, em’que se expri- mem as relag6es da pessoa com seu meio social, que se de- fine 0 proprio sentido da experiéncia do'doente e que se orientardo seus comportamentos. © doente viverd a doenga comé “destrutiva” se, a partir da interrupcao da atividade provocada pela mesma, que se acompanha tanto da destrui- {G40 dos lacos com os outros como de perdas diversas em suae capacidades © om seus papéis, cle nao conseguir visua- lizar nenhuma, possibilidade de reconstruir-sua identidade, dependent inteiramente da integragao social. Ele se esfor- ard, desse modo, para‘lutar com todas as suas forgas con- tra tal situagSo, chegando, se for nécessério, a negar a doen- {ga enquanto isso for possivel. Ao contrério, a doenca € vivi da como “libertadora” se quando ela é entendida como po: sibilidade de fuga de um papel sdcial repressor de sua indi- vidualidade. Neste caso, a doenga, Jonge de representar so- mente uma série de destruicées) permite reencontrar o-“ver- dadeiro sentido da vida’, que nao se encontra em sua di- mensio social. Ela oferece a‘ possibilidade de uma revela- G40, ou mesmo de uma superagao de si. Para outras pessoas, enfim, que tiveram a experiéncia de uma doenga grave, a doenca é um “oficio”. Ela ndo provoca uma mudanga radi cal na auto-imagem. da pessoa, esta conserva um papel va- ' ° £88. G. Canguilem, op. cit, (ver Introdugao), 78 lorizado e preserva sua identidade social pela luta contra a doenga. Este combate torna-se o elemento central de sua vida, 0 equivalente a uma atividade profissional, e base de ‘uma integra¢o social especifica mais persistente. Os registros de elaboracao das representagdes Os antropélogos demonstraram haver uma estrutura nas sociedades tradicionais, subjacente a essas representa- Bes: oda doenga “exdgena”. A sade € algo natural, na “ordem das coisas", se as pessoasestio em harmonia com seu ambiente social ¢ religioso. A doenga, a0 contrdrio, nao € natural, nao provém do individuo em si mas € derivada da invasao, real ou simbélica, de elementos nocivos no orga- nismo, materializando, no mais das vezes, a intengdo de prejudicar de um membro da comunidade, de um feiticeiro, de uma divindade ou de algum ancestral. ‘Também, para as pessoas interrogadas na sondagem de C. Herzlich a doenga é exégena. Uma das idéias-chave que cexplicam seu apareciménto 6a da corporagao lenta, porém continuada, de elementos “preju- diciais”, ligados 4 um estilo de vida prejudicial, por exem- plo a poluicao do ar ou a presenga de produtos quimicos na alimentagao. A interpretaco da doenga nas sociedades mo- dernas se processa, dessa forma, conforme um esquenra uni- versal. Nao obstante, diferentemente das sociedades tradi- ciohais, ndo sao as relacdes entre os membros de uma mes- ma comunidade restrita, oy as dos humanos com:seres so- brenaturais, que so vistas como causa primeira da doenca, mas sim uma relagdo conflituosa com 0 ambiente social ‘como um todo, inclusive em suas repercussdes materiais so- bre o ambiente fisico. Essas representacées esto, inclusive, ligadas ao tipo de relagdes que se institucionalizaram em'torno da doenga nas sociedades industriais a partir do final do século XIX. Foi ‘em razio da responsabilizagao coletiva dos doentes pela se- guridade social que se criou uma estrita semelhanga entre satide e capacidatle de trabalho, entre doenca e invalidez. A 79 equivaléncia exprimida. pelas pessoas interrogadas entre “estar doente” e “estar parado” ¢ historicamente datada: ela tomou sua forma definitiva na Franca, em 1945, com a cria- ‘sao da Seguridade Social. Enfim, pode-se considerar que 0 sentido atribuido a doenca, considerada como 0 suporte de uma relagdo ambivalente com o social, é tipica, a0 mesmo tempo, da época moderna e da pertenga as classes médias ¢ superiores das. pessoas que participaram dessa pesquisa: particularmente, a rejeicao de uma integragaa social confor- mista exprimida pela concepgao da “doenga libertadora’, a marea de um individualismo atual caracteristico dessas ca- tegorias sociai oh Representagées e grupos sociais Outros estudas. sociolégicos inspiraram-se-em uma problematica paralela, especialmente na Inglaterra. Em par- ticular, diversas pesquisas foram feitas com base nos “mode- los etiolégicos”, ow seja, as concepgdes exprimidas pelos membros de diferentes grupos sociais, em rolagio de causas da doenga.” A partir desses trabalhos, aceita-se a existéncia de um pensamento “profano”™ sobre a satide e a doenca, respondendo a uma ldgica independente do saber dos “pro. fissionais” (0s médicos). Esses estudos mostram, como es- creve Rory Williams" que, ao descrever e explicar suas mo- léstias, 0s individuos apdiam-se em vis6es de mundo subja- Centes, quanto ao carater “produtor de sadde” ou “destrui- dor da saide” de seu ambiente social £89. Ver, por exemplo, M. Blaxter, “The Causes of Disease: Women Talking’, Social Science and Medicine, 1983, vol. XVI, p. 59-68, 90. © termo “profano" ver do wocabulrio religioto, para o qual a ‘oposigdo sagradorprofano ¢ essencial, Os socislogos da doenga e «da Medicina empregam ess termo em oposigio ao “profissional”, Eles preferem esses termos a categoria mais restriivas como a opo sigdo entre “Saber do médico” e “saber do doente", ov entre "dis- curso erudite “pensamento popular’ 91. R, Wiliams, A Protestant Legacy: Attitudes do Death and less ‘Among Older Aberdenians, Oxford, Clarendon Press, 1990, 80 Entretanto, esses,trabalhos tém também mostrado as ‘ges Was representagdes segundo os diferentes grupos s diferenga mais importante conterne ao modo como a satide € concebida. Nas classes, populares inglesas, diferentemente das classes médias da Franca na década de 60, a aspiragdo a uma “satide-equillorio”, comparada & realizacao pessoal e ao prazer, 1ndo é mais exprimiida. A sadde 6 identificada seja com a ausér- cla de doenga, seja com.a capacidade de trabalhar. Uma pesqui-' sa francesa de Janine Pierret sobre “os.usos discursivos da sad- de", realizada no final da década de 70; junto a.individuos de status socioecondmicos diversificados, residentes na zona urba- na ou zona rural, apresenta resultados semelhantes: na Franga tambéin, para os membros das classes populares, a sade 6 um instrumento, o mais importante de todos: “Quando se tem saii- de, pode-se fazer de tudo; qualquer coisa é possivel, prinelpal- smente trabalhar’2* Entre os membros’ das classes médias, em ‘compensagao, a satide ora € anunciada ‘como valor pessoal or- ganizadior do comportamento, ora\como a resultante coletiva’das politicas pablicas e de acao do Estado. Esse estudo mostra tam- hhém que uma variavel mais:finay a pertenca aq sctor publico ou 20 setor privado do mercado'de trabalho, pode exercer um pa- pel nas construgées discursivas sobre a satide. Os trabalhadores do setor privado distinguem-se por posigdes mais individualistas ue 05 outros funcionarios. ‘© estudo conduzido por Rory, Williams sobre as “atitu- des diante da doenga, envelhecimento e morte” dos escoce- ses Com mais de sessenta’ anos de. idade das classes-popula- res de Aberdeen permite compreender bem quais sio 0s re- gistros ‘interpretativos que orientany as’representagdes..Para essas pessoad idosas, tendo a experiéncia de uma vida dift cil em uma tegido marcada: por dificuldades econémicas significativas, a satide identifica-se & necessidade do traba- Iho para asobrevivéncia. Ela é enunciada como uma “forga de resisténcia”, e uma “capacidade d8 funcionamento” cujo « 92. J. Peyret “Les significations sociales de la santé: Patis, VEs- sone, Herault”, nM. Auge, C. Herzlich, Le Sens du mal, 7-56. Bt aspecto corporal decorre de uma dimenso moral. £ ao mes- ‘mo tempo no plano praticp'e no plano moral que os idosos habitantes de Aberdeen temem a “fraqueza” decorrente da doenga’e da idade avangada. Para eles, 6 trabalho e aa dade conservam e promovem a saiide e, a0 mesmo tempo, contribuem para-o,reforco da auto-imagem. A ética do tra- balho, bem como influéncias religiosas calvinistas, um “ati- vvismo ascético”, persistente mesmo apés a perda da fé reli- giosa, s4o os principais recutsos sobre os quais as pessoas interrogadas apéiam-se_para-dar sentido e lidar com suas mitagdes corporai Um trabalho interpretativo-em diferentes contextos Conelui-se que, para interpretar os fendmenos organi- os, as pessoas apdiam-se em conceitos, sfmbolos ¢ estrutu- ras de referéncias interiorizadas ‘conforme os grupos sociais € culturais a que pertengam. Em certos casos de doengas muito presentes, no. imaginario coletivo, os conjuntos de sentidos assim formadds adquirem uma forca especifica e impem-se em particular as pessoas afetadas. Susan Sontag utilizou a expresso “doenga como metéfora’™ para descre- ver esse fendmeno a propésito do cancer: este 6 normal- menteyvisto Como a expresso organica da negacao dos de- sejos e do recalque em pessoas com energia vital insuficien- te. Susan Sontag, ela mesma pagiente de cancer, mostrou bem a forma como os doentes podem se sentir prisioneiros de tais representagées sociais negativas construidas em tor- no de uma afecgao. Na maior parte dos casos, contudo, nao se deve enxer- gar has representacdes da doenga ou da satide a simples as- ‘suncao, por parte dos individuos, de um discurso coletivo; eles nao sd0 somenté os suportes de representacdes perfei- tamente coerentes e constitu/das fora deles. A elaboracao a) 193. S. Sontag, La Maladie comme métaphore, Pais, Seu 82 por eles feita apdia-sé em recursos coletivos, empregados e modulados diferentemente em fungfo das experiéicias indi- viduais e dos contextos onde se efetua esse trabalho inter pretativo.: No‘estudo de Rory Williams, por exemplo, pode- se ver de que maneira as pessoas, logo que se sentem doen- tes, procuram manter a coeréncia de suas interpretagbes an- teriores, que $30 também as de seu grupo. Mas elas sao, por vezes, lévadas a modificar seus pontos de vista ¢ a elaborar outras interpretagées, apoiando-se em outros fundamentos, em fungao de experiéncias novas. Assim, certas pessoas atingidas por doencas graves, imposstbilitadas de prossegu com suas atividades normais, chegam a renunciar a seus jul> gamentos morais fundamentados sobre a negagao de qual- quer fraqueza frente & doenca. A aceitacdo dos limites em ‘suas “capacidades.de funcionar”, que elas nesse momento ligam tanto a velhice quanto a doenca assume, por vezes, 0 cardter de uma “libertagao’. ‘i Um estudo realizado por Denise Jodelet™ mostra tam- bém como 0 trabalho interpretativo depende do sistema de relacées que ele ajuda a produzir ao mesmo tempo em que se torna sua expressio. Seu estudo, feito por meio’de entre- vistas e observacdes prolongadas, concentrou-se nas repre- sentagdes dos doentes mentais entre os habitantes de uma comuna rural francesa, Ainay-le-Chateau, onde, hd muitissi mo tempo,‘os doentes sao cuidados em casa, Os moradores do vilarejo, remunerados para tomar conta desses pacientes, 0 mesmo tempo em que tém uma compensagao financeira também buscam, a cada dia, delinear fronteifas materiais'e simbélicas entre si € os “doidos”. Trata-se de manter esses do lado de fora'do grupo, apesar da coexisténcia. Esta preo- cupagao de diferenciagao se exprime por praticas, como evitar 0 contato fisico com os doentes, e em particular com todos 0s seus elementos liquidos ou que tenham tido conta- to com eles: por exemplo, as roupas do doente sio lavadas separadamente dos outros membros da familia. Correspon- e 94, D. Jodelet, Folie et représentations sociales, Pars; PUF, 1989. 83 dentemente, 05 modelos de referéncia para explicar a lou- cura sao, em grande parte, crencas muito antigas originadas do sistema dos humores,” no,qual 0 conceito de flufdo cor- poral é importante. Pela mesma razdo, diversas expressdes das nogées de manchas, de circulagao dos miasmas,.e de contaminagio, baseada no modelo de contagio organico, sio essenciais nas representacies e justificam o distancia. mento ao qual é submetido o paciente. Representagdes, informagdes, crencas e acao Coloca-se com ffeqiéncia 0 problema das rélacdes entre representacdo e ago, entre 0 “dizer” e 0 “fazer”, em relacio & doenga e & sade. Em capitulo precedente ficou evidenciado 0 papel determinante de certos comportamentos no aparecimento de determinadas moléstias. Normalmente médicos e responsi- veis pela satide puiblica que levantam esta questio com a espe- ranga de encontrar uma relagao simples e direta entre informae ‘do e crenga de um lado, e comportamento:de butro lado. Eles speram, bascados nisso, poder éstabelecer ages preventivas. ‘Um modelo que propoe explicar pelo estado das “cren- {¢as” a adogao de um “comportamento saudavel” (modificago dos habitos alimentares ou 0 abandono do cigarro, por exem- plo) foi também elaborada nos Estados Unidos no quadro das campanhas de satide pablica. Trata-se do “modelo das crengas sobre a sade” (Health Belief Model). Idealmente, segundo ‘esse modelo, as modificagdes de Comportamentos estdo liga- das a dois fatores: de um lado, a percepgaio de uma ameaga para a satide; de outro lado, a percepcao de que a adogio de determinado comportamento pode reduzir essa ameaga. Cada um desses fatores baseia-se em crengas subjacentes, de fato, sobre a aceitagdo das informagoes dadas pelo corpo.médico: renga na realidade da ameaga e de suas conseqiiéncias, cren- e 195. Ver capitulo 2 96.1! Rosenstock, “Why People Use Health Services”, Millbank ‘Memorial Fund Quarterly, 1966, vol. XLIV, p. 54-127. 84 gana eficécia das medidas preventivas. Porém, entendeu-se que um tal modelo. tem fraco poder preventivo. As recentes companhas de-alerta sobre a aids podem servir de-exemplo: as ‘enquetes chiamadas de KABP (Conhecimentos, Atitudes, Cren- as, e Priticas)” mostram’ que a populagao foi, em, poucos anos, muito bem inforntada e considera a aids como um gran- de perigo. As mudancas de comportamento sexual, entretanto, sao dificeis e a intolerancia parece ter sido mais canalizada do ‘que suprimida’ Tal modelo supe primeiramente que os individuos so per- {eitamente racionais e que, para eles, evitar os riscos para a sade Cconstitui sempre 0 objetivo primordial. Além disso, ele nao.consi- dera:uma crenga ou informagao isoladamente sem se perguntar como ela se integra nos complexos conjuntos constituidos pelas representagées. Estas agem, assim, como filtros pelos quais 0s in- dividuos interpretam, aceitam ou rejeitam as novas informacoes. Enfim, ele considera os lagos entre informagies, crengas e formas de conduta ém nfvel puramente individual. Ora, ainda a propos toda aids, certos estuclos mostram que a informaco Conta menos, tna etloydo de comportamentos preventivos, do que o sentimento de proximidade pessoal da daenca'e o fato de conhecer pessoas doentes, A informagio assume significado e valor de incentivo & acdo em razo da insercao numa rede de relagées sociais. ‘Além do mais, a atual valorizacao da sadde, tal como se vé nna midia, no se encontfa uniformemente distribuida pelas cama- das spciais. Nas sociedades industriais desenvolvidas, ao contré= ‘io das do Terceiro Mundo no qual 0 conceito de sagide continua beirando a nogao de sobrevivéncia, a sate inscreve-se na plura- lidade dos sistemas de significagdo pelos quais fazemos uma re- presentago do.mundo em que vivemos. A medida em que ela 97. KABP-= Knowledge, Attudes, Beliefs and Practices (informa es, attudes, crengas e patias). Ver sobre o problema J-P. Mott, W, Dab, M. Pollak e al, “Les Atitudes et comportements de Franca face au sida’, La Recherche, 1? 223, jilho-agosto 1990, p. 888.95, 98. Sobre este Gitimo ponto, letor poderd reportarse ao artigo de G: Paicheler eA. Quemin, *Une inolérance diffuse: rumeurs sur Jes rigines du sida”, Sciences sociales et santé, 1994, vo. XI We 4, p.A1-72. 85 ava lugar a variados consumos médicos,-mas também alimenta- ._ res, esportivos, de moda, viu-se expandir 0 campo das atividades, dos objetos asituagbes em relagdo as quais a nogdo de satide po- deria estar operante. Enuncia-se e avalia-se em-tetrnos da satide ‘um némero sempre crescente de fendmenos individuais e coleti- vos. O corpo tomou-se signo: a satide esta em tudo e tudo esta na sadde. Para 0 individuo, ~ isso quanto mais elevada for sua ca- tegoria social ~ a satide inscreve-se na temitica da liberdade de ‘expresso e da realizac3o pessoal. Numerosds estudos, entretan- to, mostram que & medida que se desce’a escala social, o discur- 0 de valdrizagao da satice se rarefaz e fica mais desligado da rea- lidade das situagdes dos comportamentos.” Se se deseja compreender realmenté como os saberes, representacdes e discursos fazém sentido para a acdo, sera conveniente sempre reporté-los as necessidades quotidianas da vida das pessoas de um lado'e, de outro lado, as carac- teristicas de suas relagGes sociais. Os elementos da estrutu- ra social, bem como 0s sistemas de valor e as referéncjas culturais também tém uma fungao. Cuidar da satide e da ali- mentagio, por excmplo, deperide, em grande parte, de vé- rios tipos de recursos e limitacdes, relacionados ao trabalho, a renda ou a vida familiar. Parar de bebet ou de fumar pode ser uma decisao individual, baseada em alguma informagao * ow norma, mas é preciso, para se apreciar a dificuldade en- volvida, compreender suas implicagées relacionais estabe- lecidas pela cultura do grupo de pertenga do individuo. 99. Ver, por exemplo, M. Calnan eS, Williams, “Styles of life and the salience of health”, Sociology of Health and Iliness, 1991, vol XII, p- 506-29. Capitulo 5 . . As relagSes médico-paciente . Para 0 individiio que se sente ou se supde doente, com- -preender a natureza de seu estado ¢ the dar um significado no € suficiente: € necessdrio passar por um tratamento. © encontro ‘com a Medicina e com 0 médico é sempre um’ momento drama- tico. Para os médicos também a relago com os doentes repre- senta um sério problema.e é importante saber que eles esto cada vez mais atentos ao faio. Esta preocupagio pode ser bem, pratica: € preciso levar-se em consideragao as opiniGes dos pa- Cientes se se deseja que eles obedegam as prescrigées. De outro » lado, 0s médicos nao ignoram que a principal causa de reclama- ‘Ges dos usudrios dos servicos de saiide, como indicam numero- sas pesquisas, refere-se & “comunicacao” entre doentes e méci 6s. Para\alguns, porém, a atengio volta-se para outro ponto. AS- sim, desde 1927, Francis Peabody, médico americano,"® defen- 100, F. Peabody, “The Care of the Patient", The Journal of the ‘American Medical Association, 1927, n° 88, p. 877-82. 87

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