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Grupoterapia Psicanalitica DAVIDE. ZIMERMAN Héuma longa polémica geradora dos seguintes questionamentos: a grupoterapia inspi- rada e processada em fundamentos psicanaliticos pode ser considerada uma “psicand- lise verdadeira”? Ela pode ser denominada “grupandlise”? Os autores se dividem nas respostas, desde os grupoterapeutas, que mais discretamente advogam a simples deno- minagdo “grupoterapia”, até aqueles que assumem com absoluta naturalidade a condi- gio de grupanalistas, como sao os reconhecidamente competentes ¢ sérios colegas da Sociedade de Grupanilise de Lisboa. Nessa controvérsia, nao levo em conta a opi- nido francamente contraria em relagdo ao método grupoterdpico de pretensdo psicana- Iitica, que é provinda de psicoterapeutas e psicanalistas, os quais, embora muitas vezes se trate de profissionais respeitaveis, nunca trabalharam com grupos Nao vale a pena aqui nos aprofundarmos nesse t6pico, pois isso exigiria uma discussao por caminhos controvertidos e complicados, algo que est4 fora do propési- to do presente capitulo; no entanto, eu particularmente assumo a posigao de que, nao obstante existam claras diferengas com a psicandlise individual em diversos aspec- tos, nao me resta a menor dtivida quanto a possibilidade rejativa 4 obtengao de resul- tados autenticamente psicanaliticos, com evidentes transformagGes caracterolégicas e estruturais do psiquismo do sujeito. Por outro lado, da mesma forma como nas psicoterapias individuais, também as grupoterapias podem funcionar psicanaliticamente com uma finalidade voltada ao insight destinado a mudangas caracterolégicas, ou podem se limitar a beneficios terapéuticos menos pretenciosos, como o de uma simples remogao de sintomas; além disso, podem objetivar a manutengo de um estado de equilfbrio (por exemplo, com pacientes psicéticos egressos, ou borderline, etc.); ou ainda ficarem limitadas unica- mente a busca de uma melhor adaptabilidade nas inter-relagdes humanas em geral. HA um outro aspecto que necessita ser registrado: o fato da psicoterapia grupal ser mais barata que as individuais esta longe de ser reconhecido como um aspecto alvigareiro e singularmente vantajoso, pela acessibilidade que isso poderia represen- tar para uma ampla fatia da populacao. Pelo contrério, ser mais barata a desqualifica e desvaloriza, em um meio s6cio-cultural como 0 nosso, no qual hd um apelo ao consumismo daquilo que melhor impressione aos outros, pelo que possa significar um melhor status e, certamente, por um culto a propriedade privada. O que importa consignar é que importantes autores tém manifestado a sua posi- do de que nao se justifica a existéncia de uma concepcdo psicanalitica que faa uma separagao e distingdo profunda entre os problemas que se passam no individuo e nos grupos. Assim, podemos mencionar, dentre outros, 0 nome do proprio criador da 128 « aimerman sosorio psicandlise — visto que em imimeras oportunidades Freud afirmou que “a psicologia individual e a social nao diferem em sua esséncia” — 0 de Bion, que foi um grande criador e entusiasta da dinamica grupal em bases psicanaliticas, e 0 de Joyce Ma Dougall, que, em uma entrevista concedida a revista Gradiva (n. 41, p. 16, 1988) fez esta surpreendente declaragio: “...E tive o prazer de descobrir que as terapias de grupo tocavam em aspectos da personalidade que nao eram notados na psicandlise individual”. Existem muitas variagdes na forma, no nivel ¢ no objetivo grupoterdpico, os quais dependem fundamentalmente dos referenciais te6rico-técnicos adotados pelos respectivos grupoterapeutas. Na América Latina e em circulos psicanaliticos de al- guns outros pafses que sofreram uma nitida influéncia kleiniana, estes tiltimos refe- renciais fundamentaram toda a pratica grupoterdpica de sucessivas geragdes de grupo- terapeutas, ¢ isso prevalece até a atualidade, embora venha se observando uma tendén- cia & adogdo de novos modelos de teoria e técnica. Particularmente, ainda conservo e utilizo os principais fundamentos da escola Kleiniana, no entanto, sem aquela conhecida rigidez que a caracterizou em certa €po- ca, ao mesmo tempo adotei uma linha pluralista de referenciais provindos de outras escolas e, acima de tudo, fui sofrendo transformagées na forma de entender e traba- Ihar psicanaliticamente com grupos, a medida que fui aprendendo o que os pacientes me ensinavam na clinica privada. Dessa forma, incorporo-me aqueles que pensam que a problemética atual vai “mais além” da conflitiva cléssica das pulsées e defesas, fantasias e ansiedades, agres- so destrutiva ¢ culpas, etc. O aspecto predominante na atualidade consiste em que sé reconhega em cada individuo € no grupo como um todo, além da habitual presenca dos sintomas e tracos caracterolégicos, o desempenho de papéis, posigdes, valores, modelos, ideais, projetos, atitudes, configuragdes vinculares, presses da realidade exterior, sempre levando em conta que a subjetividade permanentemente acompanha ¢ & insepardvel dos processos da cultura e da vida social contemporanea. De modo algum, isso implica subordinar a terapia psicanalitica as condig6es da cultura atual, mas, sim, em ajudar as pessoas do grupo a se harmonizarem com ela, a partir da aquisigao de uma liberdade interna. Os limites da pessoa se estendem aos do grupoe da sociedade na qual estdo inseridos. A ideologia grupal preconiza que o costumeiro movimento inicial de “eu frente a eles” se transforme gradativamente em “nés frente aos problemas do mundo’ Achei ser necessério fazer essa introdugo, porque as consideragées que se- guem neste capitulo acerca dos aspectos eminentemente praticos da grupoterapia psicanalitica em grande parte refletem a atual posi¢do do autor e, portanto, é bem possfvel que nao reflita exatamente um consenso entre os grupoterapeutas latino~ americanos. Em obediéncia & proposigao didatica deste livro, utilizarei um esquema que descreva separadamente as situagdes que dizem respeito A formagdo de um grupo de finalidade psicanalitica e aos fendmenos que se processam no campo grupal, procuran- do, sempre que possivel, ilustrar com vinhetas clinicas. FORMACAO DO GRUPO A formagio inicial de um grupo desta natureza passa por trés etapas sucessivas: 1} encaminhamento, 2) selegdo, 3) grupamento. COMO TRABALHAMOS CoMGRUPos + 129 Encaminhamento. A etapa da divulgagdo, junto a demais colegas, tendo em vista 0 encaminhamento de pacientes para a forma¢do de um grupo, é importante particularmente para um terapeuta que esteja se iniciando na pratica de grupoterapia e ainda nao tenha uma expressiva procura por parte de pessoas interessadas em trata- mento grupal. O realce deste aspecto justifica-se pela razdo de ser muito comum, e, muito frustrante, que o terapeuta j4 tenha um ou dois interessados, com o contrato terapéutico alinhavado e possa decorrer um perfodo de tempo significativo até que se defina um terceiro e um quarto ou quinto pacientes, o que pode gerar desisténcias dos primeiros, e assim por diante. Nestes casos, € recomendavel a pratica de manter algu- ma linha de comunicagao com os poucos pacientes ja selecionados, inclusive com a possibilidade de manter sess6es individuais para os que se sentem mais necessitados até que se atinja o ntimero minimo de trés pessoas. E util fazer a ressalva acerca do fato de que alguns grupoterapeutas preferem iniciar a grupoterapia com qualquer ntimero, inclusive com uma tinica pessoa, enquanto aguardam a entrada de novos elementos. Este importante passo inicial de um encaminhamento satisfatério, ainda dentro da hipdtese de que se trate de um grupoterapeuta iniciante, implica preenchimento, no minimo, de uma condigao bdsica: a de que ele tenha para si uma definigao muito clara quanto ao nivel de seus objetivos terapéuticos e, portanto, de qual € 0 tipo de paciente que ele divulga e aguarda que Ihe seja encaminhado. Essa condigio é relevante na medida em que se sabe que um mesmo paciente borderline, por exemplo, pode funcionar exitosamente e muito se beneficiar num grupo homogéneo, enquanto ele pode fracassar em um grupo formado exclusivamente com pacientes neuréticos, que funcione em um nivel egdico muito mais integrado que o dele. Um ponto controvertido relativo a politica de encaminhamento diz respeito ao fato de que alguns autores tém expressado uma preferéncia no sentido de que, uma vez que Ihe tenha sido encaminhado um paciente por alguém de experiéncia, consi- deram-no automaticamente inclufdo, evitando entrevistd-lo individualmente para impedir a “contaminagao” do campo grupal. Pelo contrario, em nosso meio, de modo geral, postulamos a necessidade de que o grupoterapeuta entreviste, uma ou mais vezes, paciente que Ihe foi encaminhado com o objetivo de cumprir a segunda etapa da formagao do grupo: a selecao. Selecdo. A primeira razdo que justifica a indispensabilidade do crivo de selegao de um determinado paciente para um determinado grupo diz respeito ao delicado problema das indicagées e contra-indicagdes. A segunda razo € a de evitar situagdes constrangedoras — por exemplo, o risco de compor o grupo com a presenca de duas pessoas que individualmente tenham sido bem selecionadas, porém que na sessdo inaugural tomam evidente a impossibilidade de virem a se tratar conjuntamente. Uma terceira razio é a de diminuir 0 risco de surpresas desagradaveis, como, por exemplo, um permanente desconforto contratransferencial, uma insuperdvel dificuldade do pa- ciente para pagar os valores estipulados, ou para os dias e hordrios combinados, etc., assim como também o de uma deficiente motiva¢ao para um tratamento que vai Ihe exigir um trabalho sério, érduo e longo. Este ultimo aspecto costuma ser um dos fatores mais respons4veis pelos abandonos prematuros. Em relagio as indicagées considera-se que a grupoterapia de fundamentacao psicanalitica é, lato senso, extensiva a todos os pacientes que nao estiverem enquadra- dos nas contra-indicagdes abordadas adiante. Em sentido estrito, pode-se dizer que em algumas situagdes a grupoterapia se constitui como tratamento de escolha. As- sim, autores que tém uma sélida experiéncia no tratamento de pacientes adolescen- 130 ZIMERMAN & OSORIO tes, tanto individualmente como em grupos, preconizam a indicagdo prioritéria des- tes tiltimos. Uma outra indicagao que pode ser prioritdria € quando o proprio consulente manifesta uma inequivoca preferéncia por um tratamento grupal. Da mesma forma, sabemos que determinados pacientes nio conseguem suportar 0 enquadre de uma terapia individual, devido ao incremento de temores, como, por exemplo, os de natu- reza simbiotizante, homossexual, com o terapeuta. A experiéncia clinica ensina que tais pacientes que fracassaram em terapias individuais por ndo terem suportado uma relagdo bipessoal intima podem funcionar muito bem em grupoterapia (€ claro que, para outros casos, a reciproca também verdadeira). Quanto as contra-indicagées, os seguintes pontos merecem uma consideragao especial para aqueles pacientes que: + Esto mal-motivados tanto em relagdo a sua real disposigao para um tratamento longo e dificil quanto ao fato de ser especificamente em grupo. Nao é raro que algumas pessoas procurem um grupoterapeuta sob a alegacdo de que querem ter uma oportunidade de “observar como funciona um gupo”, ou que vdo unicamen- te em busca de um grupo social que Ihes falta, e assim por diante. + Sejam excessivamente deprimidos, parandides ou narcisistas: os primeiros, por- que exigem atengao e preocupacao concentradas exclusivamente em si préprios € titil repetir que isso nao exclui que possam evoluir muito bem em grupos homo- géneos, compostos exclusivamente com pessoas mais seriamente deprimidas); os segundos, pela razao de que a exagerada distor¢do dos fatos, assim como a sua atitude defensivo-beligerante, pode impedir a evolugdo normal do grupo; os tercei- ros, devido & sua compulsiva necessidade de que 0 grupo gravite em torno de si, © que os leva a se comportarem como “monopolistas crénicos”. + Apresentem uma forte tendéncia a actings de natureza maligna, muitas vezes envolvendo pessoas do mesmo grupo, como € 0 caso, por exemplo, da inclusio de pacientes psicopatas. + Aqueles que inspiram uma acentuada preocupagio pela possil riscos agudos, principalmente o de suicidio. * Apresentem um déficit intelectual, ou uma elevada dificuldade de abstra¢do, ou de entrar em contato com o mundo das fantasias (tal com costuma ocorrer com pacientes excessivamente hipocondrfacos), pela razdo de que todos eles dificilmen- te podero acompanhar 0 ritmo de crescimento dos demais de seu grupo. + Aqueles que estéo no auge de uma séria situagao critica aguda, em cujo caso é recomendavel o esbatimento da crise por um atendimento individual para depois cogitar incluf-lo numa grupoterapia. + Pertencem a uma certa condigao profissional ou politica que representa sérios riscos para uma eventual quebra do sigilo grupal. * Apresentam uma histéria de sucessivas terapias anteriores interrompidas, o que nos autoriza a pensar que se trate de “abandonadores compulsivos” (nestes casos, hd um sério risco de que este tipo de paciente faca um abandono prematuro, com uma forte frustragao para todos do grupo). idade de graves Grupamento. Os termos, conceitualmente sinénimos, “grupamento” ou “com- posigao” designam um arranjo, um “encaixe” das pegas isoladas, sendo que, no caso de uma grupoterapia, referem-se a uma visualizagdo antecipada de como serd a partici- pacdo interativa de cada um dos individuos selecionados na nova organizagao gestal- tica. Neste contexto, o sentimento contratransferencial do grupoterapeuta durante as COMO TRABALHAMOS ComGRUPos « 131 prévias entrevistas de selegdo funciona como um excelente indicador quanto & previ- so de como seré a complementaridade dos papéis a serem desempenhados. Fadequado incluir um adolescente em um grupo cuja totalidade é composta por adultos? E vidvel a inclusao de um paciente homossexual num grupo em que ele sera © tinico nessas condigdes? Podem participar de um mesmo grupo psicoterépico ana- litico pessoas que tenham algum grau de conhecimento ou de parentesco? Esta indicada ainclusdo de um paciente que seja escessivamente silencioso? Ou que esteja atraves- sando uma crise aguda? Essas sao algumas das intimeras questdes que costumam ser levantadas, e cujas respostas ndo podem ser dadas com regras fixas, porém podem ser respondidas, em grande parte, através do feeling contratransferencial relativo ao grupamento, para cada situagdo em particular. No entanto, muitas vezes, 0 sentimento contratransferencial despertado pela entrevista preliminar com um indivéduo, tendo em vista o grupamento, pode conduzir a equivocos de selecdo. Vale ilustrar com uma situagdo da minha clinica grupal: por ocasiao da formagao de meu primeiro grupo de finalidade psicanalitica, incluf uma pessoa que desde o inicio se mostrou exageradamente loquaz, debochada, jubilosa e com uma permanente irriquietude; enfim, um claro estado de funcionamento manja- co que quase impossibilitou que © grupo tivesse um curso normal. Decorrido algum tempo, perguntei-me o que teria me impelido a uma selegdo to desastrosa e, j4 mais experiente, encontrei a resposta: os outros pacientes que j4 estavam selecionados antes dele apresentavam caracterfsticas mais marcadamente depressivas e de timi- dez, e inconscientemente eu estava ansioso com a possibilidade de que o grupo resul- tasse “sem vida”; assim, a presenga de um “agito manfaco” seria a minha salvagio... E necessdrio levar em conta que as consideragdes anteriores a respeito da sele- 40 e inclusdo de pacientes em um grupo referem-se unicamente a situago da com- posig&o inicial de um grupo que vai comegar a funcionar, porquanto a conduta em relacao a pacientes a serem incluidos num grupo jé em andamento obedece também a outros critérios. Pode servir como exemplo desta tiltima afirmativa a experiéncia que tive com um paciente homossexual que me procurou para tratamento grupal em duas ocasides. Na primeira delas, eu estava selecionando e compondo um grupo novo, com pacien- tes normalmente neuréticos e, nao obstante ele ter me despertado uma empatia, deci- di nao inclui-lo no grupo movido por um desconfortével sentimento contratransfe- rencial ao imagin4-lo entregue a uma possfvel rejeigdo dos demais, uma rejeigdo extensiva a mim também, com 0 risco do grupo logo se dissolver. Na segunda oca- sido, quase 2 anos apés, ele me procurou novamente, minha reagdo contratransferencial foi de absoluta aceitagdo, e eu Ihe propus a necessidade de declinar 0 seu nome e a sua condigao de homossexual para o grupo poder compartir comigo a decisto dele ser inclufdo. Ele aceitou essa premissa, e durante umas quatro sessdes o grupo anali- sou as respectivas anguistias que a situagao nova despertaria; apés, foi incluido, per- manecendo neste grupo por 5 anos aproximadamente, no sé com um bom aproveita- mento, como também a sua participagdo auxiliou todos demais a ressignificarem fantasias, tabus e preconceitos em relagdo 4 homossexualidade. Guardo uma convic- g&o de que, caso esse paciente fosse selecionado na primeira ocasiao, nao teria havi- do a evolugao favordvel que houve, pois era muito forte a carga de ansiedades paranéides que estavam presentes nos movimentos iniciais deste grupo. 132 ZIMERMAN & OSORIO ENQUADRE (SETTING) GRUPAL O enquadre é conceituado como a soma de todos os procedimentos que organizam, normatizam ¢ possibilitam 0 processo psicoterdpico. Assim, ele resulta de uma con- juncao de regras, atitudes e combinagdes, como, por exemplo, local, horérios, mime- ro de sess6es semanais, tempo de duracdo da sesso, férias, honordrios, niimero de pacientes, se ser aberto ou fechado, etc. enquadre grupal nao se comporta como uma situa¢do meramente passiva e formal, unicamente para a facilitagdo de aspectos praticos do funcionamento do gru- po; pelo contrdrio, ele est4 sujeito a uma continua ameaga em vir a ser desvirtuado e serve como um cendrio ativo da dinamica do campo grupal, que resulta do impacto de constantes e miltiplas pressdes de toda ordem. Além disso, o estabelecimento de um setting, por si s6, também funciona como um agente de agao terapéutica, tendo em vista que ele assegura uma necessaria colocagao de limites, delimitagdo de fungoes e também pode funcionar como um “continente”. Vale repetir que uma condi¢ao bési- ca para que uma grupoterapia funcione de forma adequada é a de que, independente- mente da combinagdo do enquadre no qual o grupo vai trabalhar, a sua constancia seja preservadaao maximo, sem uma rigidez radical - é claro, porém, que com bastante firmeza. Segue a enumeragao dos principais elementos que devem ser levados em conta na configuragao do setting do campo grupal: + Homogéneo ou heterogéneo. Por grupo homogéneo entende-se aquele que € composto por pessoas que apresentam uma série de fatores e de caracterfsticas que, em certo grau, so comuns a todos os membros. Esses grupos também costumam ser chamados “grupos especiais”. Pode servir como exemplo um grupo que seja compos- to unicamente por pacientes deprimidos, borderline, drogadictos, etc. Grupo heterogéneo designa uma composigao grupal em que ha uma maior di- versificagao entre as caracterfsticas basicas de seus membros. E 0 caso de uma grupoterapia analftica em que, por exemplo, um dos integrantes seja uma moga histé- Tica, um segundo, um senhor de meia idade, obsessivo, um terceiro é estudante soltei- ro com problemas de identidade de género sexual, e assim por diante E claro que a conceituagao de grupo bomogéneo ou heterogéneo é muito relati- va, dependendo do aspecto que serve de referencial, pois o grupo pode ser homogé- neo quanto & patologia (por exemplo, deprimidos) e, a0 mesmo tempo, ser heterogé- neo quanto a idade, sexo, tipo e grau da doenga, etc. A reciproca também é verdadei- ra, isto €, um grupo heterogéneo na forma de patologia (como antes exemplificado) pode ser homogéneo em muitos outros aspectos. Na pratica clinica parece ser consensual entre os grupoterapeutas que, em uma grupoterapia analitica com pacientes neuréticos, é desej4vel que o grupo seja heterogé- neo quanto a um certo tipo e grau de patologia, estilo de comunicagao e desempenho de papéis, para que se propicie uma maior integragao dos individuos através de uma complementaridade de suas fungées; ao mesmo tempo, é necessdrio que haja um minimo de homogeneidade nos niveis intelectuais ¢ s6cio-culturais. Nao sendo as- sim, corre-se 0 risco de que falte uma possibilidade de entrosamento, ritmo e um idioma comum de comunicagao entre os integrantes do grupo, bem como que o mem- bro mais “diferente” seja expulso, ou se auto-expulse devido ao sentimento de margi- nalizagio. COMO TRABALHAMOS ComGRUPos « 133 + Aberto ou fechado. Por grupo aberto entendemos aquele que nao tem prazo de término previamente fixado, ficando claro que, na eventualidade de haver vaga no grupo, ou diante da safda de algum membro, por interrupgao ou por término, ele poderd vir a ser substitufdo por um outro. Ao contrério, grupo fechado alude ao fato de que a combinagio feita com o grupo origindrio prevé que, uma vez composto 0 grupo, nao entra mais ninguém. Virtualmente, todos os grupoterapeutas diante de grupoterapias psicanaliticas adotam o método de trabalhar com grupos abertos, de duragio ilimitada. No entanto, podem ocorrer duas eventualidades: a primeira é a possibilidade de que, apés decorri- dos alguns anos, 0 proprio grupo queira se transformar em grupo fechado, até o seu término. Ainda nao tive essa experiéncia, porém alguns autores que a tiveram recomen- dam que nesses casos deve ser fixada uma data de finalizago. A segunda possibili- dade, com a qual jé tive uma experiéncia, é a de fundir dois grupos que estavam com um ntimero reduzido de integrantes, transformando-os em um grupo tinico. Conside- ro que foi uma experiéncia bastante interessante e que nao trouxe maiores problemas. + Nimero de pacientes. Em caso de grupoterapia analitica, 0 ideal é que o miimero de participantes nao seja inferior a 4 ¢ que nao passe de 9. Na verdade, o ntimero étimo deve ser ditado pelo estilo particular de cada um, o que varia muito de terapeuta para terapeuta. Particularmente, trabalho melhor com um ntimero médio de 6 pacientes. * Sexo e idade. Em relacio ao sexo dos pacientes parece ser quase unnime a posigdo dos grupoterapeutas em preferir uma composigao mista, o que propicia uma série de vantagens inegdveis. Os que se posi¢ionam contrérios a isso alegam que um grupo misto representa um sério risco de ocorréncia deactings de envolvimento afetivo e sexual, eventualidade que nunca ocorreu ao longo de minha pratica. Quanto a idade dos pacientes ha uma maior diversificagdo de opinides, alguns defendendo «.necessidade de manter uma homogeneidade de idade, enquanto outros preferem uma ampla diferenga etéria para que ocorram vivéncias mais completas, em que cada um poderd se espelhar no outro. Inclino-me mais para essa segunda posi¢Zo desde que no haja discrepancias maximas. + Ntimero de sessdes por semana e tempo de duragio da sessfio. Alguns grupoterapeutas preferem realizar uma sesso semanal, porém de duracdo longa; ou- tros grupanalistas adotam a realizago de trés sessOes semanais como uma forma de manter um enquadre 0 mais similar possivel ao de uma psicandlise individual; no entanto, a maioria no nosso meio, entre os quais me incluo, trabalham com duas sessGes semanais. Em relago ao tempo de duraco da sesso, ela costuma variar de acordo com 0 nuimero de pacientes, 0 ntimero de sessdes semanais e 0 esquema referencial teérico- técnico do grupoterapeuta, Aqueles que trabalham com uma sesso semanal geralmente izam um tempo que fica nima média de noventa minutos (alguns preferem um tempo de duas horas); os demais, habitualmente, reservam a duragao de sessenta minutos por sesso. + Tempo de duragao do grupo. Um grupo pode ser de “duragdo limitada” ou de “duragao ilimitada”. A primeira situagao diz respeito aos grupos fechados, enquanto a segunda comumente acompanha os grupos abertos. 134 2IMERMAN & OSORIO Os grupos de duragao ilimitada prevalecem na clinica privada de cada grupote- rapeuta, com a ressalva de que em determinado momento a totalidade grupal resolva estabelecer uma data para o encerramento definitivo. Os grupos de duragao limitada geralmente acontecem em instituigdes, € podem adquirir duas modalidades. A pri- meira é a de funcionar em regime de grupo fechado e deverd existir um tipo de combi- nagio relativa ao tempo de durago, o qual varia muito em fungo das particularida- des proprias de cada instituigao. A segunda possibilidade € a de que o grupo de dura- do limitada funcione em regime aberto (permite o rodizio de pacientes), porém com um prazo combinado de término, e nestes casos geralmente se utiliza a tética de combinar que, ao final da data prevista ~ digamos, 2 anos — proceda-se a uma avalia- ¢40, com o direito de prosseguirem por mais um perfodo, ou nao. Observador co-terapeuta supervisor. A presenga de um observador que se mantivesse mudo durante todo o curso da grupoterapia que ele deveria assistir sistema- ticamente e se limitar a fazer apontamentos era preconizada pelos pioneiros como uma forma de perceber os eventuais pontos cegos do grupoterapeuta e de dinamizar a dinamica do campo grupal através do natural surgimento das dissociag6es que reprodu- ziriam aquelas que os filhos vivenciaram com a dupla dos pais. Na atualidade, esse recurso estd reservado &s situagSes de ensino. Eu mesmo passei por essa experiéncia de ser observador durante o inicio de minha formagao ¢ posso testemunhar 0 quanto ela é ttil. Quanto a co-terapia, ela tem sido bastante utilizada, principalmente por aqueles que trabalham com criangas, adolescentes e familias. Parece que da bons resultados; noentanto, é necessdrio destacar que deve haver uma harmonia entre os dois terapeutas: caso contrério, 0 grupo, através de um jogo de identificagdes projetivas de seus pré- prios conflitos nos grupoterapeutas, poder conseguir criar uma atmosfera de rivalidade e competi¢ao entre ambos. A efetivagdo de uma supervisdo sistematica, parece-me que ninguém duvida, deve ser uma tarefa obrigatéria para quem est iniciando, e é recomendAvel que pros- siga por um bom tempo para aqueles que desejam ampliar os seus horizontes e nao querem ficar presos numa forma estereotipada de trabalhar com grupos. Outras combinagées. E claro que existem intimeros outros detalhes que devem ficar bem esclarecidos, como € 0 caso da modalidade e da responsabilidade pelo pagamento, o plano de férias, etc. Todavia, desejo me referir mais especificamente a0 fato de que os grupoterapeutas nao sao uniformes quanto ao procedimento em rela- ¢&o ao modo como os pacientes devem participar na grupoterapia, as regras de conduta exterior, como, por exemplo, a importantissima questo do sigilo, etc. Alguns grupoterapeutas preferem fazer uma longa dissertagao inicial, esmiu- gando detalhe por detalhe aquilo que se espera de cada um e do que presumivelmente vird a acontecer. Outros, no entanto, preferem fazer as combinagoes iniciais basicas e, a medida que o grupo for evoluindo e situagdes novas forem aparecen—do (inclu- sao de algum paciente novo, algumas formas de acting preocupantes, problemas com horérios ou pagamentos, necessidade de viagens, participagdo excessivamente silenciosa,etc.), vio analisando as situagdes que surgem e, a partir daf, estabelecem algumas combinagées a mais. Eu me incluo entre estes tltimos. Entrada de um novo elemento. Cabe um registro quanto ao procedimento da entrada de um elemento novo em um grupo j4 em funcionamento. A técnica que eu utilizo € a de que, uma vez tendo selecionado um individuo para uma vaga existente, COMO TRABALHAMOS Com GRUPOS + 135 pego a sua permissdo para declinar o seu nome no grupo ¢ esperar pela democratica deliberagao do mesmo. Aliés, uma das formas de avaliar a evolugao mais ou menos exitosa de um grupo é pela maneira mais ou menos receptiva com que recebem uma pessoa nova e ainda desconhecida, MANEJO DAS RESISTENCIAS A resisténcia costuma ser definida como sendo tudo o que no decorrer de um trata- mento analitico — ou seja, atos, palavras ¢ atitudes do analisando — se opde ao acesso deste ao seu inconsciente. No entanto, é de fundamental importancia que se faga a distingdo entre as resisténcias realmente obstrutivas ao livre curso da andlise e aque- las que devem ser acolhidas como bem-vindas, porquanto traduzem a forma de como cada um e todos se defendem diante das suas necessidades e angiistias. Na situagdo grupal importa muito discriminar quando a resisténcia est4 provin- do de uma pessoa em particular, ou se ela est sendo coletiva. Nesta ultima hipétese, cabe ao grupoterapeuta se questionar se 0 grupo nao est4 reagindo a alguma impro- priedade sua. A experiéncia clinica comprova que as formas de manifestagées resistenciais mais comuns, quer da parte dos individuos isoladamente, ou da totalidade grupal, costumam ser as seguinte: + Atrasos e faltas reiteradas. + Tentativas de alterar as combinagées do setting (por exemplo, continuados pedi- dos por mudangas de hordrios, telefonemas, intervengao de familiares, pedidos por sessées individuais, etc.). + Prejuizo na comunicagao verbal através de siléncios excessivos, de reticéncias ou, ao contrario, uma prolixidade initil. + Enfase excessiva em relatos da realidade exterior, ou em queixas hipocondriacas, com 0 rechago sistemdtico da atividade interpretativa dirigida ao inconsciente. * Manutengiio de segredos: isso tanto pode ocorrer por parte dos individuos em relagdo as confidéncias que fizeram particularmente ao grupoterapeuta na entre- vista de selegao, mas que sonegam ao restante do grupo, como também pode ocorrer por parte do grupo todo em relagio ao terapeuta daquilo que eventual- mente eles falaram entre si, fora do enquadre grupal. + Excessiva intelectualizagao. + Um acordo, inconsciente, por parte de todos, em nao abordar determinados as- suntos angustiantes, como, por exemplo, os de sexo ou morte. + Complicagdes com o pagamento e horérios. + Surgimento de um (ou mais de um) lider no papel de “sabotador”. + Uma sistemitica tentativa de expulsao de qualquer elemento novo. + Excesso de actings, individuais ou coletivos. + © grau méximo da manifestagao resistencial é 0 da formagdo de impasses terapéuticos, ou até mesmo o das tao temidas “reagdes terapéuticas negativas”. As causas mais provaveis que determinam o surgimento de resisténcias no cam- po grupal analitico costumam ser as seguintes: + Medo do surgimento do novo (especialmente quando hd o predominio de uma ansiedade parandide). 136 ZIMERMAN & OSORIO + Medo da depressio (a ansiedade depressiva os leva a crer que vo se confrontar com um mundo interno destruido, sem possibilidade de reparagao). + Medo da regressio (de perder o controle das defesas neurdticas, como as obsessi- vas, por exemplo, ¢ regredir a um descontrole psicético). + Medo da progressdo (0 progresso do paciente poze estar sendo proibido pelas culpas inconscientes que o acusam de “ndo merecitento”) + Excessivo apego ao ilusério mundo simbiético-narcisista + Evitagdo de sentir humilhagao e Vergonha (de se r2conhecer e ser reconhecido como alguém que ndo € e nunca ser aquilo que ele cré ser ou aparenta ser). + Predominio de uma inveja excessiva (e, por isso, no concedem ao terapeuta 0 “gostinho” deste ser bem-sucedido com ele). + Manutengdo da “ilusdo grupal” (nome que designa uma situagdo especifica da dinamica grupal, que se manifesta sob a forma de “nosso grupo est sempre oti- mo”, “ninguém é melhor do que nés”etc,) através da qual o grupo se ilude que € auto-suficiente. + Por ultimo, vale dizer que a resisténcia do grupo pode estar expressando uma sadia resposta as possiveis inadequagdes do grupoterapeuta. Pelo menos seis tipos de resisténcia que podem surgir a partir de determinados individuos merecem um registro especial: 1) silencioso: a experiéncia mostra que a melhor forma de manejar com esse tipo de paciente é ter paciéncia, fazer pequenos estimulos sem permitir uma pressdo exage- rada; 2) monopolizador: 0 manejo com esse paciente é 0 do continuo assinalamento de sua enorme necessidade de ser visto por todos, diante do intenso panico de cair no anonimato, ficar marginalizado; 3) desviador de assuntos: como o nome diz, trata-se de um tipo de paciente que “capta” o risco de certos aspectos ansiogénicos, e consegue dar um jeito de mu- dar para assuntos mais amenos, embora interessantes; 4) atuador: como sabemos, as atuagGes substituem a desrepressdo de reminiscénci- as, a verbalizagdo de desejos ¢ conflitos, e o pensar as experiéncias emocionais; por essa razio, tanto no caso de o individuo estar atuando pelos demais, ou se tratar de um acting coletivo, representa uma importante forma de resisténcia; 5) sabotador: 4 moda de um lider negativo, através de intimeras maneiras, um indivi- duo pode tentar impedir que um grupo cresca exitosamente € que os seus compo- nentes fagam verdadeiras mudangas, pois cle se revela como um pseudocolaborador © prefere as pseudo-adaptagées, 6) ambiguo: trata-se paciente que apresenta contradigo em seus nticleos de identida- de, por isso maneja os seus problemas com técnicas psicopaticas € com isso gera uma confusdo nos demais, ao mesmo tempo em que aparenta estar bem integrado no grupo. Manejo técnico. Como antes foi referido, é de fundamental importancia a ade- quada compreensio 0 manejo das resisténcias que, inevitavelmente, surgem em qualquer campo grupal; caso contrério, 0 grupo vai desembocar em desisténcias ou numa estagnacdo em impasses terapéuticos. O primeiro passo, como jé foi dito, € a necessidade de que o grupoterapeuta saiba fazer a discriminagdo entre as resistencias que sdo de obstrucio sistemdtica e as que simplesmente so reveladoras de uma maneira de se proteger e funcionar na vida real. COMO TRABALHAMOS ComGRUPOS_+ 137 A segunda discriminagao que ele deve fazer € se a resisténcia é da totalidade grupal, ou se é por parte de um subgrupo, ou de um determinado individuo, em cujo caso hd duas possibilidades: ou o individuo esté resistindo ao grupo, ou ele é um representante da resistencia do grupo. O terceiro passo do grupoterapeuta é o de reconhecer, ¢ assinalar ao grupo, o que esta sendo resistido, por que, por quem, como e para que isso est4 se processando. Finalmente, o quarto passo € 0 de que o coordenador do grupo procure ter claro para si qual a sua participagdo nesse processamento resistencial, e isso nos remete ao importantissimo problema da contra-resisténcia, a qual pode assumir miiltiplas for- mas de o préprio grupoterapeuta se aliar as resisténcias dos pacientes do grupo. TRANSFERENCIA E CONTRATRANSFERENCIA E de consenso entre os psicoterapeutas que o fendmeno essencial em que se baseia 0 processo de qualquer terapia psicanalitica € o da transferéncia, termo que embora empregado no singular deve ser entendido na forma coletiva, ou seja, como uma abreviacao de miltiplas e variadas reagdes transferenciais. Particularmente nas grupoterapias, as transferéncias aparecem de forma multi- plae cruzada, segundo quatro vetores: 1) de cada indivfduo em relago ao grupoterapeuta; 2) do grupo, como uma totalidade gestéltica, em rela¢do ao grupoterapeuta; 3) de cada individuo em relacdo aos seus pares; 4) de cada um em relacio ao grupo como um todo. Além disso, cada uma dessas formas pode adquirir distintos modos, graus e niveis de manifestagées, através de um jogo permanente de identificacdes projetivas e introjetivas. No obstante isso, na atualidade, acredita-se que em todo processo terdpico ha transferéncia, mas nem tudo deve ser entendido e trabalhado como sendo transferén- cia, Assim, existem controvérsias acerca da concep¢ao de qual € 0 papel do psicote- rapeuta nessas situagdes. Para alguns autores, ele, sempre, ndo é mais do que uma mera figura transferencial modelada pelas identificagdes projetivas dos personagens que cada paciente carrega dentro de seu interior. Para outros, o psicanalista € também um objeto real, com valores e idissioncrasias préprias e, como tal, ele vird a ser introjetado. ‘Assim, cada vez mais expressdes como “pessoa real do analista” e “alianga terapéutica” est4o ganhando espago nos trabalhos sobre transferéncia. Da mesma forma, vem ganhando forga o ponto de vista de autores que créem que a atitude do analista é em grande parte responsdvel pelo tipo de resposta transferencial dos pacien- tes. Para uma compreensio mais profunda do fendmeno da transferéncia € titil que facamos uma reflexio a partir desta questéo: O fenémeno transferencial é unicamen- te uma necessidade de repeti¢ao (nos termos classicos, tal como Freud postulou) ou, antes, € a expresso de repeti¢do de necessidades (nao satisfeitas no passado)? Uma grupoterapia psicanalitica permite observar com clareza o quanto esta presente a se- gunda postulagao. Esse aspecto relativo 4 necessidade das pacientes terem um novo espaco e uma nova oportunidade de reexperimentarem antigas e mal-resolvidas ex- periéncias emocionais é muito importante que esteja bem claro para o grupoterapeuta, porquanto ele determina uma atitude psicanalitica interna de natureza mais empatica. 138 ZIMERMAN & OSORIO Habitualmente, as transferéncias sao classificadas, em fungdo de sua qualidade afetiva, como “positivas” ou “ No entanto, essas denominagdes, embora consagradas no jargio psicanalitico, nao so adequadas pelo fato de conotarem um jufzo de valor moralistico, Ademais, sabemos que muitas transferéncias considera- das “positivas” no passam de conluios resistenciais, enquanto que outras manifesta- g6es transferenciais de aparéncia agressiva, rotuladas como “negativas”, podem ser positivas do ponto de vista psicoterdpico, desde que bem absorvidas, entendidas e manejadas. A tendéncia atual é a de considerar o fendmeno transferencial nao tanto pelos afetos que veicula, mas muito mais pelos efeitos que produz nos outros, através do mecanismo conhecido como “‘contra-identificagao projetiva”, quando essa se proces- sa dentro da pessoa do psicoterapeuta, caracterizando o conhecido fenémeno da con- tratransferéncia. A contratransferéncia, como antes foi ressaltado, resulta essencialmente das contra-identificagdes projetivas dos pacientes, razdo porque ela tanto pode servir como um instrumento de empatia como pode assumir caracteristicas patogénicas, caso 0 psicoterapeuta se confunda e se identifique com os objetos parentais nele projetados. Também é indispensdvel que tenhamos bem clara a distingio entre o que é con- tratransferéncia propriamente dita e o que é simplesmente a transferéncia pessoal do préprio terapeuta em relacdo aos seus pacientes. Uma vez que o analista tenha condi- des de fazer essa necesséria discriminago, entdo, sim, ele pode utilizar os seus sentimentos contratransferenciais como um meio de entender que esses correspondem auma forma de comunicagdo primitiva de sentimentos que 0 paciente nado consegue reconhecer €, muito menos, verbalizar. No processo grupal, é importante que todos os componentes da grupoterapia desenvolvam a capacidade de reconhecimento dos proprios sentimentos contratrans- ferenciais que os outros Ihe despertam, assim como os que ele despertou nos outros. Isso tem uma dupla finalidade: uma, a de auxiliar a relevante fungao do ego de cada individuo em discriminar entre 0 que é seu e 0 que € do outro; a segunda razdo é ada necessidade, para o crescimento de cada pessoa, de que ela reconhega, por mais pe- noso que isso seja, aquilo que cla desperta e “passa” para os outros. Finalmente, cabe destacar 0 sério risco de que se formem surdos conluios transferenciais-contratransferenciais, sob modalidades como as de: um ilusério “faz de conta”; uma reciproca fascinacao narcisistica; um vinculo de poder de natureza sadomasoquista, etc. Um conluio inconsciente que representa um sério prejuizo para uma grupoterapia psicanalitica € quando 0 espaco do campo grupal est4 unicamente ocupado pela idealizagao, pois assim fica inibido o surgimento de sentimentos agres- sivos contidos na chamada “transferéncia negativa”, e sem a andlise da agressao e da agressividade um tratamento analitico ndo pode ser considerado completo. COMUNICACAO As grupoterapias, mais do que o tratamento individual, propiciam o surgimento dos problemas da comunicago e, portanto, favorecem o reconhecimento e 0 tratamento de seus costumeiros distirbios. ‘A normalidade ¢ a patologia da comunicagao abarcam um universo to amplo de configuragées que seria impossivel detalh4-los aqui; no entanto, em estilo telegra- fico, alguns pontos devem ser destacados: Como TRABALHAMoS ComcGRuPos + 139 + Falar nao é 0 mesmo que comunicar; assim, a fala tanto pode ser utilizada como instrumento essencial da comunicag4o como, pelo contrario, pode estar a servico da incomunicagao. + Cada paciente, assim como cada grupoterapeuta, tem um estilo peculiar de transmi- tir as suas mensagens que, de modo geral, traduz como € a sua personalidade (assim, pode-se reconhecer 0 estilo arrogante do narcisista, o dramatico do histéri- co, 0 detalhista ¢ ambiguo do obsessivo, 0 evitativo do fébico, 0 falacioso do “falso self", 0 autodepreciativo dos deprimidos, o defensivo-litigante dos para- néides, 0 superlativo do hipomanfaco, e assim por diante). + Ede especial importincia que 0 grupoterapeuta observe detidamente o destino que as mensagens de uns ressoam nos outros, principalmente o de sua atividade interpretativa. + E/igualmente importante que o grupoterapeuta esteja atento as multiplas formas de comunicagio ndo-verbais (gestos, posturas, maneirismos, choro, riso, vesti- mentas, tonalidade de voz, somatizagées, actings, efeitos contratransferenciais, etc.). O que deve ser enfatizado é o fato de que, nas grupoterapias em que o emissor (grupoterapeuta) ¢ 0 receptor (grupo) ndo estiverem sintonizados num mesmo canal, a comunicagao nao se fard. Isso € particularmente importante para os problemas da interpretagao. ATIVIDADE INTERPRETATIVA Ainda que a interpretago nao seja o tinico fator terapéutico, ela é, sem divida, o instrumento fundamental. No entanto, € util estabelecer uma distingao entre interpre- taco propriamente dita e atividade interpretativa, tal como ela est descrita nas “in- tervengées do grupoterapeuta” no capitulo deste livro que versa sobre “Como agem ‘0s grupos terapéuticos?”. A interpretagao consta de trés aspectos: 0 contetido, a forma eo estilo, além, naturalmente, de um sélido respaldo teérico-técnico, e cada um desses permitiria uma alongada e relevante abordagem sobre a sua normalidade e patologia. Todavia, nao pretendo fazé-la aqui, pois seria uma exposicdo relativamente longa, € ela pode ser lida em um outro texto similar (Zimerman, 1993). Creio ser util partilhar com o leitor as profundas transformagdes que vém se processando em mim em relagdo a técnica interpretativa nesses meus 30 anos de continuada pratica grupoterdpica. Assim, bem no inicio de meu trabalho com grupos terapéuticos psicanaliticos, mantive-me obediente aos postulados que os ensinamentos vigentes na época postulavam: sempre interpretar 0 grupo como wm todo, inclusive evitando a nominagao dos individuos; sempre interpretar no aqui-agora transferencial nunca na extratransferéncia; evitar incluir na interpretacdo os aspectos infantis do passado pela razao de que o grupo é uma abstragao e, portanto, diferentemente dos individuos, ele nao tem uma histéria evolutiva desde a infancia; entender o campo grupal sob uma éptica kleiniana, isto é, sob a égide das pulsées destrativas e das respectivas ansiedades de natureza psicética. Minha fidelidade a tais princfpios durou pouco tempo: tudo me parecia algo artificial e eu me sentia um tanto violentado e, a0 mesmo tempo, como que violentan- do os pacientes. Aos poucos, e cada vez mais, fui me permitindo fazer mudangas técnicas quanto 4 atividade interpretativa nos seguintes sentidos: 140 ZIMERMAN & OSORIO + Discriminar as individualidades, ainda que sempre em conexdo com o denomina- dor comum do contexto grupal. + Uma maior valorizacio dos aspectos extratransferenciais. + Nao faco mais uso de uma forma sistemdtica de interpretar no aqui-agora-conosco (com excegao, é claro, das situagdes em que a ansiedade cmergente do grupo estiver, de fato, ligada a mim). + Em contrapartida, utilizo mais uma atividade interpretativa constante de pergun- tas (que instiguem indagagdes e reflexdes); clareamentos; assinalamentos (de paradoxos, lapsos, desempenho de papéis, formas de linguagem nao-verbal, etc. abertura de novos vértices de percep¢do dos fatos; confrontos com a realidade exterior, ete. + Uma maior importincia e utilizagao ao assinalamento de como os pacientes util zam as suas fungdes do ego, notadamente as de percepcdo, pensamento, lingua- gem, comunicagao, juizo critico e conduta. + Valorizo os aspectos positivos da personalidade, como, por exemplo, os que es- to nas entrelinhas de muitas resisténcias e atuagdes. + Enfatizo o desempenho de papéis fixos e estercotipados presentes no grupo e que reproduzem os da vida Id fora. * Uma valorizagao especial aos problemas da comunicagao, em suas miltiplas ma- nifestagdes. * Uma maior valorizagao dos aspectos contratransferenciais tanto porque isso pode ser um importante veiculo de comunicagao primitiva como porque pode levar 20 risco de contrair conluios inconscientes com os pacientes. + Permitire, de certa forma, estimular que os prdprios pacientes exergam uma fun- Ao interpretativa. + Fazer, ao final de cada sesso, uma sintese (nao é 0 mesmo que um resumo) das principais experiéncias afetivas ocorridas a0 longo dela, sempre visando a uma integragdo e coesao grupal. ACTINGS Sabemos que os actings ocorrem como uma forma substitutiva de nao lembrar, ndo pensar, nao verbalizar, ou quando as ansiedades emergentes dos pacientes nao foram devidamente interpretadas pelo psicanalista. Por essa razo, eles se constituem num importantfssimo elemento do campo grupal, uma forma de comunicar algo, que tanto pode ser de natureza benigna, e até sadia, como pode adquirir caracteristicas bastante malignas. ‘Dentre estas tiltimas, além do risco ndo-desprezivel de que possa ocorrer um envolvimento amoroso entre pessoas do grupo, um acting que devemos considerar grave é 0 que diz repeito a uma quebra de sigilo do que se passa na intimidade do grupo, inclusive com a divulgacao publica de nomes das pessoas envolvidas. Guardo uma convic¢do que muito do declinio das grupoterapias analiticas se deve a um des- crédito que em grande parte foi devido a esse tipo de atuagio, o qual costuma resultar de uma selecio mal feita. Os actings também podem estar a servigo das resisténcias do grupo ¢ se confun- dem com o desempenho de alguns papéis, tal como foi descrito no t6pico relativo as resisténcias. COMO TRABALHAMos comGruPos + 141 CRITERIOS DE CURA Conquanto eu esteja empregando o termo “cura” por ele ser de uso corrente na prati ca analitica, creio que, acompanhando Bion, o conceito dessa palavra est4 muito ligado & medicina, no sentido tinico de uma remogio de sintomas; por conseguinte, a expresso mais adequada seria a de “crescimento mental”. Em termos mais estritamente grupais, pode-se afirmar que um proceso exitoso da grupoterapia psicanalitica, em uma concep¢ao ideal, deveria abarcar os seguintes aspectos das mudangas psiquicas: + Diminuigdo das ansiedades parandides ¢ depressivas. Isso implica que os indivi- duos possam assumir a parcela de responsabilidade pelo que fizeram ou deixa- ram de fazer para os outros e para si mesmos. + Desenvolvimento de um bom “espirito de grupo”, com um sentimento geral de “pertencéncia” e de coesio. * Capacidade de comunicagao e interagdo com os demais, sem a perda dos neces- sdrios limites. * Uso adequado das identificagdes projetivas, sendo que isso tanto vai possibilitar uma menor distor¢do de como eles percebem os demais, como 0 desenvolvimen- to de uma empatia, ou seja, a capacidade de se colocar no lugar do outro. + Ruptura da estereotipia cronificada de certos papéis. + Desenvolvimento da capacidade de fazer reconhecimentos: de si proprio; do ou- tro como pessoa diferente e separado dele; ao outro, como uma expressao de consideragdo e gratidao; e reconhecer o quanto cada um necessita vitalmente ser reconhecido pelos outros. + Em pacientes muito regressivos, a passagem do plano imagindrio para o simbéli- co, 0 que, por sua vez, permitiré a passagem da posigao de narcis-ismo para a de social-ismo. * Desenvolvimento do senso de identidade individual, grupal e social, assim como o de uma harmonia entre essas. © Capacidade de elaborar situagdes novas, com as respectivas perdas e ganhos. * Capacidade de fazer discriminagdes entre aspectos dissociados: do que é dele e 0 que é do outro; entre o pensar, o sentir e 0 agir; entre a ilusdo e a realidade, etc. * Capacidade de se permitir ter uma boa dependéncia (é diferente de submissao ou simbiose), assim como o de uma relativa independéncia (é diferente de rebeldia, autoritarismo ou de “nao precisar de ninguém”). Aquisicao de novos modelos de identificagao e, ao mesmo tempo, uma necesséria des-identificagdo com arcaicos modelos de identificagdes patégenas. + Desenvolvimento das capacidades de ser continente de ansiedades — das de ov- tros e das suas proprias. Transformagao da onipoténcia em capacidade para pen- sar; da omnisciéncia pela capacidade de extrair umaprendizado com as experién- cias emocionais; da prepoténcia pela humildade em reconhecer a fragilidade e a necessidade dos outros. * Desenvolvimento de uma fungdo psicanalitica da personalidade, expressao de Bion que designa uma boa introjecao do psicanalista e, portanto, uma capacidade para alcangar insights e, no grupo, poder fazer assinalamentos interpretati vos. Em resumo, um verdadeiro crescimento mental de cada individuo do grupo con- siste no fato dele ter tirado um aprendizado com as experiéncias emocionais vividas 142 + zimerman&osorio nas reciprocas inter-relagdes que 0 grupo propiciou, de modo a se posicionar na vida pensando que o realmente valioso é adquirir a liberdade para fantasiar, desejar, sen- tir, pensar, comunicar, softer, gozar e estar junto com os outros. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ZIMERMAN, D.E. Fundamenios bésicos das grupoterapias. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

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