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Uma MARILIA PONTES SPOSITO efspectiva nao escolar ‘MARILIA PONTES SPOSITO ¢ professora no estudo soctoldgico da Faculdade do Educagto dose. 210 da escola Se a escola tem ocupado o centro da reflexdo sociolégica sobre a educagao. n Brasil. é preci ma reflexdio apresenta algumas rupturas e a obretudo aquela que nasce na USP no de 1950, quanto algumas dessas orientagdes permi- tem, ainda hoje, oferecer caminhos suges- tivos, capazes de enriquecer a compreen- so sobre a instituigao escolar, sobretudo em um momento caracterizado por uma profunda crise de sua agao socializadora. SOCIOLOGIA DA EDUCACAO E SOCIOLOGIA DA ESCOLA Apesar da legitimidade da expressio ‘sociologia da educagia” como ambito es- peeifico de pesquisa, area de estudos e dis- sil, nos anos 1950, quando afirmava: “A Sociologia divide-se em varias disei- plinas, que estudam a ordem existente nas relagdes dos fendmenos sociais de diver- S08 pontos de vista iredutiveis, mas com plementarese convergentes. Contudo, nada se disse (até aqui) sobre as chamadas ‘so- ciologias especiais', como a Sociologia Econdmica, a Sociologia Moral, a Socio- logia Juridica, a Sociologia do Conheci- mento (a Sociologia da educagie), ete. A rigor, essa designagdo ¢ imprépria. Como acontece em qualquer ciéncia, os métodos sociclégicos podem ser aplicados dé inves- tigagdo e a explicagao de qualquer fend- meno social particular sem que, por isso, se deva admitir a existéncia de uma disci- plina especial, com objeto e problemas préprios!... Sobourosaspectosouso mais oumenos livre detais expressées facilita a idemificagae doteor das contribuigdes, sim- plificando, assim, asrelagoes do autor com © puiblico. Isto parece ser suficiente para Justificar 0 emprego delas, ja que carecem de sentido légico os intentos de subdividir, indefnidamente, 0s campos da Sociologia” (Femandes, 1960, pp.29-30 —grifosmeus). Trata-se, assim, de examinar, sob 0 ponto de vista sociolégico, os fendmenos educativos e nile apenas uma divisto arbi- twésia disciplinar que nao encontra econos processos sociais reais Mesmo na Franga, por exemplo, esse recorte institucional de dominios tem sido objeto de critica contemporainea, levando Derouetaafirmar que tanto Pierre Bourdicu REVISTA USP, 5 ‘como Raimond Boudon nio se considera- vam socislogos da educagiio. Sua interro- saci sempre incidiu sobre o modo como a sociedade se perpetua e € a partir dessa questio de sociologia geral que eles se in- teressaram pelos efeitos sociais da escola (Derouet, 2000, p.199). firma, também, ‘que opoderexplicativo des paradigmas que ambos construiram ultrapassa, em grande parte, o dominio da educagio. As palayras do proprio Bourdieu reiteram essa orienta- ‘fo: “A sociologia da educagiio configura seu objeto particular quando se constitui como ciéncia das relagoes entre a reprodu- 40 cultaral ea reprodugto social, ou seja, no momento em que se esforga por estabe- lecer a contribuigio que o sistema de ensi- no oferece com vistas & reprodugto da es- trotura das relagSes de forga.e das relagSes simbélicas entre as classes” (Bourdieu, 1978, p. 298) (1). Mas uma ovtra segmentagao interna 20 campo de estudos precisa, também, ser examinada. E inegévelque asociologia da cducagio, desde 0 seu nascimento, a0 se dedicar a analise dos processos socializa- dorese, portanto, a educagio, privilesion o exame da escola, embora, como afirmam. Dorv-Bellate Van Zanten (1992, . 1),uma “verdadeira sociologia da edueagio" reco- britia um campo extremamente vaste, pois “os mecanismos por meio dos quais uma sociedade transmire a seus membros seus saberes, o saber-fazer eo saber ser que ela estima como necessirios a sua reprodusio sao de uma infinita variedade” 19 Paulo, 57, p. 210226, maro/maio 2003 1 fo omer fomiosdo dedaunie, Co, Came Prto(2001,p, 78am (ye, pa ob, “o quo a pemqsadoemcadaeno prteikr~erbrde emp fono modo ps vel od, vate a rari sbeinade feng (cin do som fara e alma epecica pala ol ee rope Sredeiodaewavad foaesnbiias ent edo, of agens soc pes, dle, ries 211 2 Fo Seton (200), nis reskamdoyesde Naber fmioradoecncce dest Fipraioenvccgrac. 2 ‘osuloagncnengnanie ‘Mecrendrce Seagecet ‘Dcddooloes dened obs la, ¢ l= mid, con [arceumalom moran ‘ee dntnia de og. 212 No Brasil, o estudo de outras situagoes. educativas ¢ de praticas socializadoras observadas na familia, nos grupos de pa- £05, nas trocas informais na esfera publica, no mundo das associagdes, nos movimen- tos sociais ¢ nas relages com a midia tem significado um caminho promissor de am- pliagiio do campo de preccupagdes da so- ciclogia da educago mas, ainda, bastante incipiente. Para Frangois de Singly. o excessive re- corte disciplinar impediria a cireulagso de idéiase de investigagdes que enriqueceriam areflexio, Um exemplo interessante, trazi- do poresse autor, ilustra a recorréncia dese mesmo fenémeno na sociologia da eduea- a0 francesa e diz respeito a0 tema da “so- cializagao" politica, comodominioreconhe- cido no interior das ciéacias politicas. Ao tentar investigar como filhos e filhas se al ham ou nao diante das tomadas de posi- g6es politicas de seus pais, a socializagae politica se constitui de maneira auténoma como area de investigagao que acaba sendo freqiientemente ignorada pela sociologiada educagao (Singly, 2000, p. 271). Poderiamos, talvez como um pressupos- to provisério, considerar que, ao serem recobertasas duas preocupagdes—a socio- logia da educagao se torna, de fato, uma sociologia da escola —, esta orientagio correspondeua um amplo esforgo de com- preensio do fendmeno da reprodugde soci- al a partir dos sistemas escolares, forma dominante de socializagao das novas gera- gGesno séeuloXX. Como afirma Bourdieu (1989), 0 modo de reprodugao da socieda- de contempla uma dominante escolar. Masasmutagdes sociais observadasnas ltimas décadas exigem daqueles que se debrugam sobre os fendmenos da sociali- zagio contemporanea e da reprodugiio s0- cial um olhar ampliado para outros agen- ciamentos presentes na formagio e no de~ senvolvimento dasnovas geragdes, Ocorre © reconhecimento da perda do monopélio cultural da escola, ¢ a cultura escolar — apesar de sua especificidade — tende a se transformar em uma cultura dentre outras, Nao obstante o conjunte de transforma- g6e5 observadas, resta a conviegao de que © estudo da escola ainda constitui campo importante da reflexto sociolégica sobre a educagio, desde que incorporado no qua- dro de uma maior complexidade das rela- g0es entre as agéncias socializadoras (2). A pertinente expresso de Helofsa Feman- des (1994) “sociedade escolarizada™ re~ tém a relevaneia da eseola quando afirma estaressa instituigaono centro das referén- cias idemtificatérias do mundo moderno, independente de nossa adesio ov critica, Uma orientagaio mais aberta impediria ndo sé queasociologia dacducagao se tans- formasse apenas em uma sociologia da es- cola, mas resultaria em uma recusa & seg- mentagio interna do campo de estudes que jiasociologia. Nointeriordesse duplo movimento — uma concepsto ampliada da sociologia da educagao ea critica ao exees- sivo recorte disciplinar presente nas deno- minadas sociologias especiais—estariacon- tida a proposta de uma perspectiva no es- colar no estudo sacialégico da escola. O ESTUDO DA ESCOLA SOB A PERSPECTIVA SOCIOLOGICA Se a escola ocupou lugar central no pensamento sociolégico no exame da re~ produgao social ¢ dos processos sociali- zadores, 0 modo como essa instituigte foi concebida mudou no interior das orienta- ges tedricas a0 longo do tempo. Emile Durkheim talvez retrate, como um dos fundadores da sociologia, uma das reflexdes mais sistematicas ¢ consistentes sobre a natureza socializadora da escola, institvigao privilegiada para a inserao do individuomodemonoespagopiblica. Preo- cupado com ges sociais marcadas pela solidariedade organica, caracterizadas porintensadivisac do trabalho social ¢ efetivamente sujcitas & anomia, o pensador francés diagnosticavaa importincia da agao socializadora a ser cempreendida pelas geragées adultas sobre os imaturos (Durkheim, 1975). Nosestudos posteriores, ao se debrugar stegrago social em forma- REVISTA USP, So Paulo, 0.57, p. 210-226, margo/mato 2003 sobre a insuficiéncia da diferenciagao, traduzida pela intensa divisto do trabalho social como fator de integragio social, menos convicto de sua capacidade de aerar a solidariedade social, Durkheim percebe que os grupos profissionais seriam a ins- tincia mediadora entre 0 individvo ¢ a s0- ciedade, eapazes de agenciar a existéncia do moderno individu moral (Pizzormo, 1977; Marraceelli, 1999) E inegavel que, ao definir a vida social pela densidade das trocas morais, Durkheim considerava a moral como essencialmente racional © de fundamento social, press pondo nela trés elementos: a disciplina que incide sobre a necessidade da autoridade impessoal e do domi coricntagao da ago humana; a adest0 a0s eropos sociais que exprimitia 0 altrvismo em oposigao a0 egofsmo natural dos ima- taros; ea atonomia da vontade, exprimin- do 0 exame racional e a livre adesio as regras (Durkheim, 1963) ‘Assim, o fondamento social da moral implicaria a idéia de que ela deveria ser explicadac ensinada, ou seja, objetode agao deliberada das geragdes advltas sobre as novas geragdes, substituindo o lugar até jodaregracdaleina entao assumido pelos sistemas religiosos na formaco das sepresentagdes e dacons- ciéncia coletiva. Para socidlogo esta seria aagao privi- legiada da escola que. diante da familia, apresentaria vantagens inequivocas. Sem negar que os rudimentos da moral pederi- am ser ensinados no interior do grupo fa- miliar, Durkheim via neles os limites da- dos pela intensidade das relagdes afetivas. Naescola,ocardter impessoal e publicodo aprendizado da disciplina c da avtoridade daregra, a descoberta da alteridade eo uso da razio seriam assegurados pela agio do professor,na condigao de mediadorentre a crianga e o mundo social (3). (O modelo de Durkheim para a ansilise daagaoescolarsempreesteve situadoalém de uma perspectiva estritamente ligada a aprendizagem, analisando a instituigaoem suas fungdes socializadoras mais amplas. Arealizagao hist6rica desse modelo corres- pondew aescola republicana francesa —lei- REVISTA USP, 5 za ¢ ptiblica — presente no movimento da integracao ¢ construgao do Estado Nacio- nal observado a partir do final do século XIX. Caracterizado pela presenga de fortes tragos universalistas, esse modelo comega aentrarem crise nos dltimos trinta anos do século XX, com a massificagao do sistema de ensino e a forte presenga de populagses migrantesna composigao do publico esco- lar (Dubst, 1996; Dubet ¢ Martuccelli, 1998), No Brasil, onascimento da reflexio 50- ciolégica sobre a educagao foi amplamente ancorado na perspectiva de Durkheim, sis- tematizada por Fernando de Azevedo, em seus trabalhos dos anos de 1940 (Azevedo, 1940; 1964) (4). Azevedo voltou-se para as aplicagdes do estudo da sociologia na busea de novos rumos educacionais para a sociedade brasileira em proceso de trans- formagio. O imediato pés-guerra, sobretdo du- rante a década de 1950 ¢ inicio de 1960, marca forte presenga dos estudos funcio- nalistas sobre a educagio escolar,em espe- cial Talcott Parsons, nos Estados Unidos, mas com ramificagdes na Europa. Em bus- cados fundamentos eapazes de tornar pos- sivel uma nova ordem social, a andlise da sealidade escolar foi realizada procurando compreender as possiveis variaveis que estariam condicionando o seu funciona mento (Zago, Carvalho e Vilela, 2003). A partirde meados dos anos 1960 nasce um pensamento critico sistemético que marcou novas aproximagSes no Ambito da sociologia em tomo da agao efetiva desen- volvida pela instituigao escolar. Para Van Zantené nesse perfodo que emerge na Fran- ga. dominio que poderiamos chamar da “sociologia da educagao”. Esse perfodo é marcado pelos primeiros estudosdesenvol- vidos por Pierre Bourdieu — Os Herdeiros (1969) e A Reproducdo (1975) -. pela ané- lise da escola desenvolvida por Baudelot ¢ Establet (1971). ¢ pelas formulagées do marxismoestruturalistade Louis Althusser (id). Assim, a sociotogia da educagto ca- racteriza-se, nesse momento, pela andlise. critica e dentincia das desigualdades esco- Jares como uma expressao das desigualda- 0 Paulo, 057, p. 210.226, marco/maio 9 tecetfombrobncir tl dr croc fogs do ss ote 3 cnn erg, Too Open devia ona cet ktnecn dx des Cle ori sr ‘Saumedsbsenardeer ‘énapascanoo noes thee oboe sf rents oan or dope 1975 cre de Der an fora cae 4 Sao o xin do seck- login eticaciaal no Brad coneler: Cutho. 198 1902; Gowsia, 1989 Maze, 2 213 5 sha om bo do cla pica desencadeadas na Aicada de 950 paca.ap ‘oroo oo Ls de Darast © er (D8) nao enna rescndnan no pr fra ‘rove om 19, oct Tando om mcs do soc 92238 en cis com 2 eccordoun nomena de ‘isin pn os | oe thee lence sentence cevetoee Stes maaan 1980 reget bea 8 Mexno a cso pope Fuca de Dien renga peel ingots aol fama cles Conn ea Bile, «erie do sels podigigen chen omc Fimo eh see caveman do Same ey ra doghges operon anaes sila as Es feces sctterptinn Ooo de come ck 2 acco rmpots pcg ics cs bas Linsplnase bcos inl less b> ow @ ei dn neces dade de osieoots le, 2000. 9 A sco dos estab reno exe nace com onpo oe peguea tes a AoeUrvos ra gsr ‘dar ans ID8D seb ae init oo extra taco relemo(Meko, 2003] Ost Taos de fo wenn prosro r fomlaci Maio Scho donors, para a compreenaio das raoresior ofa cbsavs dos adie exo ro ibis oun bdo frfconortes defor 11900; 1902, Dee Van Teneo Sr (1990, 214 desestruturaisdasociedade capitalista(Van Zanten, 2000). Apesar das peculiaridades, a sociologia dacducagao no Brasil viveu fortemente sob a influencia da produce européia, sobre~ tudo a partir des anos 1970. Com as mu- dangas de rume no desenvolvimento eco- némico eno modelo politico (5)— 0 golpe militar de 64 — a reflexio sobre a escola permaneceu, mas adquiriu outros caminhos, incorporando as novas orientages que se firmavam na Franga (6). Ao investigar os compromissos da instituiga0 escolar coma reprodugio da ordem social dor pensamento sociolégico armou-se das fer- samentas te6ricas dispontveis, ampliando significativamente o teor da reflexao em- preendida, A incorporaaede alguns auto- res foi, no entanto, conformada pelo debate politico-ideoldgica do periodo, impedindo mmuitas vezes 0 desenvolvimento de uma perspectiva analitica mais densa da reali- dade escolar (7) Mas acriticadas desigualdades. a partir: de perspectivas macrossociais, também sofreu algumas limitagdes em decorréncia de um recorte excessivamente estrutural que, ao cultivar um raciocinio dedutive — ouseja,asconclusdes dos estudos estavam delimitadas a partis de suas premissas ini- ciais—, resultou, muitas vezes, no abando- no dos caminhos rigorosos da pesquisa empirica, Nesse tipo de andlise poueo es- pago estaria sendo contemplado para os elementos propriamente politicos dos fe- némenos edueatives. Sab um ponto de vi tacstrito das andlises de Althusser, teérico dominante do periodo, o reine da luta polt- tica aparecia como terrene da ilusio, pro- ‘vocando escassa margem de consideragao para o ator e a ago politica na conforma- glo da vida desses aparelhos idealégicos (Van Zanten, 2000) (8). Com onaseimento da Nova Sociologia da Educagao na Inglaterra por meio dos estudes sobre o curriculo ¢ linguagem de- senvolvides por Michael Young (1971) ¢ Basil Bernstein (1975), no inicio dos anos 1970, ¢ com a diversificagie teérica dos anos 80, pela incorporagaio das perspec vas interacionistas¢ ctnogrificas (9), 0 in- teresse pela instituigao escolar permancee. Masapesquisaca andlise sedeslocampara 0s processos internas A instituigio tentan- do compreender como as rotinas, praticas, modos de ensino e aprendizagem, a sele- a0 de contetidos e as interagoes na sala de aula entre professores ¢ alunos constituem, elementos de controle, instalam relagdes de podere produzem desigualdades, na0s6 em decorréncia das classes sociais, mas, também, de fondo étnico e de genero, No Brasil, a énfase nas situagses mi- crossociais, propiciada poressas pesquisas. renavou os estudos sociolégicos sobre a escola, embora com resultados bastante de- siguais. A partir de meados dos anos 1980, verificou-se um movimento de diversifiea- 80 teérica, semelhante ao observado em. alguns pafsesda Europa dos quais.areflexio brasileira sempre esteve muito préxima, especialmente Frangae Inglaterra. A influ- eneia de duas autoras mexicanas, Justa Ezpelettac Elsie Rockwell(1985), também foi bastante significativa nos anos 80 com oestudodocotidianoescolarsobuma pers- pectiva etnografica, embora esse tipo de orientagdo ja estivesse sendo adotado por Pato (1991) a partir das formulagoes de Agnes Heller. Essa ampliagao de referencias tedricas susciton, também, algumas criticas diante dasevidentesdificuldadesde articulagao das perspectivas voltadas paracestudominucio- sodainstit ga0escolarcom processosmais amplos de natureza estrutural (Forquin. 1993; Van Zanten, 2000: Mafra, 2003). De qualquer modo, 0 arco teérico am- pliadoe as novas pesquisas caminharam ao Jado de movimento pela democratizagac do pais, que voltou a incorporar no debate publico a importincia da educagio escolar como direito democritico © a necessidade dese investigare propor alteragées profun- das das praticas escolares, evitando-se os elementos mais perversos do sistema de ensino no que se sefere A reprodusao das desigualdades. Mas, se a escola continuow ocupando o foco de interesses da pesquisa sociolégica sobre a educagio, € preciso, ao menos. examinar perspectivas quecontribuam para REVISTA USP, Sao Paulo, 0.57, p. 210.226, margo/mato 2003 alargar nossa capacidade de compreensao ede anilise. Dentre clas situa-se um:eour- 0 analitico ¢ metodolégico importante: a perspectiva nao escolar ou, como afirmam Barrére e Martuccelli (2000), a “via nao- escolar”. Esse recurso exprime postura in- telectual que reitera as orientagées defen- didas por Florestan Fernandes eos socislo- ‘gos seus discipulos, ha quase meio século, condenandoassociologiasespeciaise oex- cessive xecorte ¢ institucionalizagao dos dominios da pesquisa sociolégica. Assim, os argumentos a seremexpostos procuram. de um lado evidenciar a continuidade da importancia do estudo da escola, mas sob uma 6tiea que ndo € estritamente escolar e nem segmentada, evitando-se, assim, os ardis de uma pretensa sociologia especifi- a, “a sociologia da escola” UMA PERSPECTIVA NAO ESCOLAR NO ESTUDO DA ESCOLA Ao examinar esse aparente paradoxo contide na jungie de “nae escola:” com a escola, € preciso considerar uma distingao importante entre a categoria analitica ~ escola — © a unidade empirica — escola — objeto de investigagao, A relevanciaanalt- tica da instimic&e escolar nao implica ne~ cessariamente o seu estudo empirico, sen- do.sse 0 primeiro aspecto da via nacesco- lar no estudo sociolégico da escola. O se- gundo reside na idéia de que, mesmo con- siderando-se aescola como unidade emp{- siea de investigagao, € preciso reconhecer que elementos naoescolares penetram, con- formam ¢ sto criados no interior da insti- tuigoe merecem, por sua vez, também ser investigados. Mas 0 ponte de vista aqui defendido nao constitui uma novidade aa sociologia praticada no Brasil. Ele € caudatario de alguns estudos pioneizos ¢ traduz um con- junto de orientagSes importantes que ali- ‘mentaram investigagdes, embora nao hege- ménicas, ne campo de pesquisa sociologi- ca sobre a educagao, nos dltimos anos. Assim, uma primeira maneira de situar essa questiono proprio pensamento socio logico paulista recupera algumas das for- mulagdes produzidas na década de 1950.¢ inicio dos anos 1960 ‘Ac tratar da sociologia produzida na USP, José de Souza Martins (1998) consi- deta que esse periodo, além de definir um estilo de trabatho, criow um elenco de in- Sagagdestesricase préticas que sto ainda hoje fundamentais a pesquisa sociologi- ca, poistratava-se de uma postura profun- Edsconto Popuct 974, oponrdose on Wt, xan ds mod Sos pen og ofr dade \Wonecheacinets apni Som mg ape ert nin solos de degen cases, 0 and eps uno Seto code mode oe oto ‘Sens Eso Oe prs pcr nad onions sie p09 Sort ngs sspekectteches kates amet sunseaesact coments Ean 12Nofin dos ers 1970 fom ‘eetroa moan naa Fezdo Morel Cone 1080 1943 Joni 1981 sega ono a open 00 dor asides de Alo Fotraine ie ie 13 Usaceakuicimpotaeds pscloga cod adres Pos dejan View Cones ese nspetcrah Cones [190/, © ango de Mtr 11974) oxi, 0 port do puspteadnsocadnseag’s a, 9 vobrncto da fersitnds mario ro ‘oe devas orgs 216 possibilidades e expressio, Osestudos de- seavolvidos por Marialice Foracchi (1965: 1972) também espelham esas orientagdes 0 centrar sua anélise sobre os estudantes vniversitarios tendo como pane de fondo as transformagoes da sociedade brasileira © os dilemas das classes médias das socie- dades dependentes. Arreflexao que se esboga nese perfodo procuraaarticulagio de fenémenos que nao so funcionais ¢ traduziriam 03 descom- passos € os ritmos diversos nos processos de mudanga da sociedade brasileira ¢ as realidades cotidianas dos sistemas escola- res, perspectiva nem sempre presente na pesquisa dos anos posteriores. Sob esse ponto de vista o trabalho de doutorado de Celso Beisiegel (1974) cons- ‘itui uma coatribuicao importante, ao ana- lisar as diferentes formas como amudanga social searticula coma mudangaeducacio- nal (10). O primeira aspecto da perspectiva no escolar ao estudo da escola situada como categoria analitica ¢ no empirica traduz dessa forma, 0 cixo acima apresentado, o seja,tumaorientagao paraodesenvolvimen- to da sociologia tal como foi pensada por Florestan Fernandes ¢ seus diseipulos, ca- sacterizadapeloexame daszelagdesentze a mudanga social e a mudanga edueacional O estado dos mecanismos de mudanga social estimulou a investigagdo sobre o lu- gar da escola no interior das expectativas das classes populares urbanas, formadas a partir de intensos processos de miaracao. Essessegmentos alimentavam perspectivas de sua integragao a sociedade urbana ¢ in- dustrial pela mobilidade social ascendente Asnovas percepgocs sobre o valor da esco- latidade produzem formas de presséo e de organizagio para imprimirna correlagiode forgas, sempre desfavoravel aos grupos do- minados —aqueles que se situam na base da lade —, algumas conquistas, A partir dessas orientagdes, proceso. de expanséo do ensino puiblice ¢ inicial- mente estudado por Beisiegel (1964) ¢ es- ‘timula um conjunto de pesquisas que recu- peram a partir de momentos hist6ricos di- versos a busca de oportunidades escolares © de direitos educacionais empreendida pelos scamentos populares da sociedade brasileira As investigagbes sobre a demanda por escolaridade analisaramoperiodo populista (Sposito, 1984) © 0s anos posteriores, as dgcadas de 1970 ¢ 1980, até 0 inicio da de~ maocratizagao do pais (Sposito, 1993) (11). Esses trabalhos busearam compreender a singularidade da sociedade brasileira di- ante dos processos gerais do deseavolvi- mento capitalista modemonos paises avan- cados que uma compreensao meramente cstruturalista da vida social no consegui- ria reter ou explicar. Por essas razdes foi precisorecorzer aalgunsinstrumentos ana- nticos do campo das relagses de poderins- titufdas nos sistemas politicos representa~ tivos, examinar 0 papel dos agentes politi- cos como mediadores entre az demandas de grupos ¢ a ago do Estado ¢ as orienta goes prevalecentesnointerior dademocra- cia populista (O desenvolvimento desse tipo de in- vestigagio — 0 estudo das demandas ¢ ex- pectativas de escolaridade de grupos po- pulares em suas formas de agao coletiva— buscou, tambem, ferramentas te6ricas ¢ modos de compreensio desses conflitos no interior das categorias analiticas da so- ciologia dos movimentos sociais que se expande no Brasil a partir do final dos anos 70 (12). |A formagao de novos atores ¢ lutas s0- ciais a partic da demanda pelo discito & escola. afragilidade de sua organizacao.as formas de intervengao, as relagoes dificeis dessas populagéescom o sistema educative ¢ a distincia da instituigdo em relagae a0 universo de interesses dos setores popula- sesconstituicamumeampo de reflexdo que explicitou a importincia analitica da esco- Ia a partir de suas bordas ou franjas, enfim, das situagses menos visiveis: © baisro, as relagoes de vizinhanga © as expectativas familiares (Avancine, 1990; Ghanem Junior, 1992) (13). A investigagto das for- mas ¢ da capacidade de agao coletiva dos ‘Brupos sociais em torno da demanda edu- cativaapontou, ao mesmo tempo, osdesen- contros entre esses anseiose a sua precéria REVISTA USP, So Paulo, 0.57, p. 210-226, margo/mato 2003 realizagao, circunscrevendo com os mar- cos da desigualdade social uma conquista que virtualmente exprimia uma concepgio moderna ¢ democratica de direitos. ‘Uma hipstese investigativa também alimentava essas orientagSes de pesquisa: sair dos limites fisicos da instituigao para melhor compreendé-la & luz de processos sociais dinimicose a partirdos sujeitos que acla aspiravam, Tais atores — moradores das periferias, homens e mulheres adultos, jovens e criangas — sistematicamente nao tinham mecanismos publicos de manifes- tagio tanto pela impossibilidade de acesso escola como pelos modos de gestio ¢ de organizagdo do trabalho escolar, em geral centralizados em torno das orientagdes de atores profissionais (14). Enfim, o estudo das formas de agao coletivae suas demandas educativas foie € ainda marcado pelo reconhecimento da impoztancia da escola ~ na condigao de ca- tegoria analitica —na conformagio dos es- tilos de vida, das aspiragdes ¢ das lutas sociais de varios movimentos sociais (15) dasociedade brasileira, embora, sobopon- tode vista empirico, nao tenha side acrga- nizago escolar o ponto de partida da pes- quisa realizada. Uma sociologia da educa- ao empobrecida pela segmentagao do ze- corte disciplinar nio aleangaria um pata- mar explicativo mais denso que a sociolo- gia como disciplina oferece para além de suas especialidades (O segundo aspecto da perspectiva nao escolar no estudo empirica da eseola res- ponde, do mesmo modo, a uma orientagao 4 defendida pela sociologia praticada nos anos 50, sobretude a partir das andlises de Antonio Candido, mas profundamente ar- ticulada as grandes preocupagdes propos- tas por Florestan no estudo da mudanga social. Em 1955, a0 fazer um balango da socio logia da educagao, Candido tratava da retragao de ovtros temas diante dacvidente importaneia do estudo da escola, traduzi- do, nesse momento, por uma demanda de conhecimento da prépria instituigao, dian- te da auséncia de investigagses sobre as situagdes de ensino (Candido, 1973a). REVISTA USP, 5 No artigo de 1956 — “A Estrutura da Escola” — Candido abre perspectivas para um conjunto de investigagSes, ao se apro- priar da designagao de Znanieck (1973), considerando a escola come grupo social instituido. A: propSe umesquemaana- Iitico de estudo da escola a partir da imbrieagto de duas orientagdes: parte da vida escolar seria determinada por grupos ‘externos a ela mesma ¢, sob esse ponto de vista, seria relevante o estudo dos compo- nentes burocriticos dos sistemas escolares, derivados da agao do Estado que exprimia novas formas da racionalidade da socieda- de moderna opostas & dominagao tradicio- nal, naacepgdo de Weber (1977). Por outro Jado, parte da vida escolar estaria definida pelos padsdes de sua sociabilidade interna que demandariam, assim, esforga seciols- gico paraa sua compreensao, Essa vertente analitica foi raduzida, exemplarmente, em alguns estudos sobre a escola como aque- Jes desenvolvidos por Luiz Pereira (1967: 1971), Joao Baptista Borges Pereira (1976). entre outros No artigo de 1955 — “Perspectivas da Sociologia da Educagao” ~ Candide tam- ‘bém aponta duas orientagdesextremamen- teimportantes que abrem caminho parauma possibilidade de pesquisa da via nao eseo- Jarno campo de estudo dos estabelecimen- tos de ensino. A primeira volta-se para a ideia de que as priticas observadasnointeriorda escola tanto recriam dimensdes da vida social. como as filtram e muitas vezes sto criagdes cespecificas do grupo. Alertava para a im- portincia dasinteragdes que nao seriamde- correntes da estrita observancianormativa fixada pelos regimentos escolares ov de grupos sociais externos A instituigao (16). A segunda trilha aberta pelas reflexdes de Candido volta-se para a critica da “ilu- sto pedagégica” de Durkheim que, emsva formulagio, defis aagao unilateral da geragao adulta sobre os imaturos, estes considerados “tabula rasa". a 0 ato educative como Examinava, ¢ esse talvez seja 0 aspecto pioneiro e mais estimulante de suas andli- ses, 0 potencial conflitive eas tensdes que cexistiriam nas relagdes entre as geragoes 19 Paulo, 57, p. 210226, maro/maio 2003 140s ends ds gus joe De rcaparon aspects fis se cleor ti et feb, pas compari Komen un crn i neseo ce np ono ppb ar ooo reeaen dog dp sca sbe sce doe ISposig, 1994; 2000, Dye 200; Na, 2000) 15 Ose se ss ds gies ngs, drags Sono do rast om lr cotmpdn oo fod persona do ta, navezqu 2030 ‘hg ober bana dvoid en ‘corcomngan nse 1s qos dos sos db fron Coa, 198; St se 200) 16 Cano ate ctr, ada enor aco dno exc reloade n> Bra pela pscclog e pla secelaga pan da dc do de 1900 abo eenpce isa kel orenozee Pato, 1991; Cano, 19 217 17 fe wo de ib dor fren, Hie Sr (200), simaqusamcdogadoc ech din 89 mano em pouasarolge dotaho a ‘esodocntrodeaba ra onen, pe ei {qe as don oan Cerne p16 Aime fm i pio mb, exponen 9 rt do nite sexi tos qioeesecerecentacane hia 218 adultas ¢ educandos, estes sitios ofere- condo resistencias a0 twabalho educativo empreendido pelos primeiros. Propunhaestudo da sociabilidade ine sente a0 grupo de alunos ¢ a investizagao de svas expectativas que nao se esgotavam nas relagdes formais previstas pela insti- ‘migdo. relativas aos processos de ensino- aprendizagem. Trata-se, assim, jAnesse mo- mento, de uma abertura analitica para o exame dos aspectos propriamente no es- colares que pudessem estarinterferindona vida da instituigao. Reiterando esse conjunto de possibili- dades propostas por Candido, em um re~ corte contemporanco, Duru-Bellate Agnes ‘Van Zanten (1992) evidenciam que a con- digao de aluno deve ser objeto problems code investigagaono ambito do estudo so- cioldgico da escola: nao se nasce aluno alguém torna-se aluno. Para que tal pers- pectiva seja considerada é preciso. ao me- nos, rs pressupostos: a dissociagio entre censinoc aaprendizagem que faz nascera nogio de trabalho escolar a ser realizado poreriangas¢ jovens;o reconhecimentode que esse trabatho do alunongo se resume a sesposta as exigeneias explicitas insexitas nos programase regulamentos oficiais, mas as expectativas implicitas da instituigao ¢ dos professores (reputo como importante integrar o conjunto de percepgées que cle elabora em sua socializagdo extra-escolar na familia © outras instincias, sendo mmarcantes as orientagdes que derivam ago 26 de sua origem social ou étniea come do fato de terem nascido homens ou mulhe- 125): finalmente,anecessidade dereconhe- cer que 0 aluno € expresso também de una forma peculiar de suainsercaono ciclo de vida—a inféncia ea juventude—catego- rias espectficas e dotadas de wma autono- mia relativa na sociedade ¢ na literatura soviolégica (Durv-Bellat e Van Zanten, 1992, p. 179). Aanilise do oficio do aluno (Pessenoud. 1994) jé constitui um caminho importante porque, a0 reconstmuiro modo pelo qual os estudantes constituem suas estratégias de agdo diante das exigéncias normativas da instituigao, revelauma possivel dissociagao entre as expectativas dos educadores ¢ a pratica dos educandos (17). Mas é ainda incuficiente paraa compreensio do sujeito — aluno — em uma dimensto mais global que poderia ser apreendida pela adogao de os de outras “sociologias” recursos anal neste caso a sociologia da infancia ¢ da joventude. As andlises de Hobsbawn (1989) sobre a revolugao cultural na segunda metade do século XX estdo profundamente asticula- dasa0 aparecimento da moderna condigao juvenil com a expansao da escolatidade. Passerini (1991) situa esse segmento.como metéfora da mudanga social, uma vez que esse periodo marca o aparecimento de um mundo adolescente ¢ juvenil elativamente auténomo, nao s6 na sociedade como no interior da escola. Eparacssasmudangas quea sociologia norte-americana se volta mais intensamen- te no inicio da década de 1950. Mas ¢ pre~ ciso considerar que anos antes, na década de 20, os teéricos da Escola de Chicago tentaram estabelecer uma radiografia com- preensiva dos fendmenos decorrentes de ‘um creseimento urbano andmalo provoca~ dopor um intenso flusomigrat6rioem uma sociedade industrial emergente, Esses e5- rudos voltavam-se especialmente para 03 jovens ¢ a formagio desses agrupamentos — as gangues — com base territorial nos baisros pobres com cesta homogeneidade étnica — os guctos: Esses grupos de pares fora da escola ado deixam de ser de considerados. no int- cio dos anos 40, de forma contrastante com ‘osagrupamentos uvenisque encontram sua referéaciana vida escolar. O estudo desen- volvido por William Foot Whyte ~ Street Corner Society (1943) — evidencia formas diferentes de agrapamento entre os jovens dependendo ou nao da presenga da escola em sua vida. Os corner boy’ (classe oper’ ria)eos college boys (classes médias) cons- tituiriam grupos diferentes na condicac de jovensmoradores de um mesmo bairro, em, razio da sua origem de classe que delimi- aria, em ultima instincia, as possibilida- des de acesso ov nao ao sistema escolar. Em sew estudo, Whyte jé apontava para a REVISTA USP, So Paulo, 0.57, p. 210-226, margo/mato 2003 importancia da experiéncia escolar na for- magic dos coletivos juvenis, mesmo para aqueles que pouco permaneciamana escola, A passagem pela instituigao escolar, mes- mo que proviséria, produzisia alguma am- bivaléncia nos processos de identifieagao com os valores do baisro ¢ da familia de origem. Na andlise desse trabalho pionei- ro, Bellat Van Zanten (1992) apontam que a desvalorizagao da cultura de origem dos corner boy’, realizada pela escola, os impedia de sc integrar facilmente no siste- ma cultural de seus pais sem hes dar nun- ca, também, as aspirag3es © os meios de tomarem-se college boys. Assim, a sub- cultura delingUente apareceria, para alguns. como um moda de repridio aos modelos da classe média, salvando ao mesmo tempo sua dignidade (Durut-Bellate Van Zanten, 1992, p. 187) Jina décadade 50, comadisseminagao do acesso a escola secundatia formou-se uma cultura juvenil (os teenagers) ampla- mente marcada pelas formas de sociabili- dade decorentes do acessoa0.ensinomédio (high school). Parsons(1974)talvezsejauma das expresses mais importantes desse tipo de anilise, pois, ao assumir o estatuto anémico da condigao adolescente na socie- dade—nemeriangacnem adults —.conside- ravasexperiéncia desses grupos como pro- duto das tensdes entre dois sistemas identificatsrios: de um lado os valores da instituigso escolar —aimportinciadoestu- do, a adeso aos processos de selegao ine- rentes as atividades escolares— ede outro, (0s valores dos grupos de pares. Na gestao dessa ambivalencia ocorreria o processe de socializagao empreendido pela escola que, demodb global, no cstaria ameagado, Para alguns poucos, essa secializagio da insti- tig fracassariac eles transformariam os grupos de pares em mecanismos de fomentagie de atividades delingUentes. ‘Mas, para a maioria, essa subcultura juve- nilno interior daescola seriacmineatemen- te integradora, pois esses agrupamentos forneceriam fortes mecanismos de solida- riedade e de organizagdo das identidades. possibilitando a passagem da esfera priva- da da familia, mareada pelas relagdes pes- REVISTA USP, 5 soais, para a esfera publica de cardter and- imo ¢ impessoal, Niosé pelotratamento funcionalistados fendmenos sociais a eritica a Parsons foi feita, mas, também, nesse caso. porque, a0 tomar a experiencia ipica de adolescentes © jovens de classe média, generalizou 0 aleance de sua explicacdo, sem considerar as diferengas que sempre marcaram arela- ‘¢80 daescola a partir da condigao de classe do seu public. Mas ¢ evidente que a0 estava em questao, em suas formulagdes, a cficdcia socializadora da escola na trans- missio de valores ¢ formagio de persona- lidades, eficécia essa transformada em ob- jeto de questionamento central do pensa- mento sociolégico contemporiinco. Sessa forma de compreensao do estu- do da escola a partir de uma série de préti- cas emodos de vida nao estritamente esco- Iares —a perspectiva nao escolar — j4com- poe © quadzo de preocupagées de algumas correntes socioldgicasnostiltimoscingtien- ta anos, seria preciso indagar qual seria a relevancia especifica de sua consideragio, neste momento, para o desenvolvimento dos estudos sociolégicos sobre a escolana sociedade brasileira awal, B inegavel que a escola ptiblica ~ sua expansioe precdtia qualidade ~ ainda ocu- pa o centro da anilise sociolégica sobre a escola, Intensificado nos anos de 1990, nao sopelaextensiodaescola fundamental mas pelointensocrescimentodasmatriculasno casino médio ¢ pelo rejuvenescimento da populagao do ensino supletivo, esse movi- mentocriou novos piblicosescolarese trou ‘xe Atona novas modalidades de incorpora- ‘gio, selegdo e exclusio dos segmentos tra- balhadores ¢ subalternos da sociedade. O mesmo processo de mutagao social que constitui a “sociedade escolarizada”. ‘ouseja, acducagaoescolarcomo ferramenta ‘essencial para a sobrevivencia do indive duo moderne ne mundo (habilidades, co- nhecimentos ¢ saberes. competéncia para ‘uma melhor participagao na esfera publica © afirmagao de sua autonomia como suje to), produz uma enorme crise das possibi- lidades de mobilidade social ascendente via escola pela escassa capacidade de absor- 0 Paulo, 057, p. 210.226, marco/maio 18 Fem Dube 2001), emerge Ieee dos psi dbo de ensign de [pis eanelondnadenanta {he ipe do comes enocce com pir de da emia edb dake JON Bal, 2 mae psenga ‘Sena nine a, ‘orbin, no anata ape, Fexinen ches ao dteada, etanda nove: pus e dpa shmas do eda do ver asm pe 220 ¢aonomundo do trabalho dessa populagao escolarizada. Astransformagéesesteuturais nas tiltimas és décadas provocaram, entre outros efeitos, 0 desassalariamento ¢ 0 de- semprego. Essa crise da mobilidade social produz, para José de Souza Martins (1997; 2002), em seus estudos criticos sobre a nogio de exclusio, o aparecimento de uma nova desigualdade social — processos de inclusto precéria ¢ subalterna —e a multi- plicagao de desigualdades que fomentam ages pela afirmagio de novos direitos(18) Estariam sendo. assim, observadas dife- rengas substantivas em relagio aos proces- sosdeexpansiodocnsino iniciadosnosanos SO nos centros urbanos brasileisos. A disse- minagio das oportunidadesescolares trans- forma 09 diplomas em bens comuns, que perdem sva capacidade de eredenciar os individuos para o mundo do trabalho, ¢ in- uz ama buscacada vez mais fortedenovas oportunidades, configurando umademanda endégena de escolaridade (Bule, 2000) Nos anos 1950 ¢ 1960. sobretudo com a expansio dos gindsios estaduais, havia inscrita na atividade escolar uma dupla fungao socializadora: o transito sistemsti- co dos imaturos ao mundo adulto e. a0 mesmo tempo, sua insergao em uma socie- dade urbana c industrial (Pereira, 1976. p. 103). Nessa nova ordenagio estava locali- zada a possibilidade de mobilidade social ascendente, ambicionada pelos alunos. Assim, apesar das tensies increntes a esse proceso ¢ das caracteristicas da popula- ¢0 usudria daescola, de origem ruralond= migragao recente, naohavia, potencialmen- te, uma negagao dos possiveis beneficios advindos da educagdo escolar. No Brasil, esse movimento de expan- sto conviveu com as orientagdes seletivas tradicionais dos sistemas de ensino ¢ traz em seu bojo uma nova figura, “os exclu- dosde dentso” Bourdieu, 1998). Poressas razGes, as dimensdes mais especificas do tabalho realizado pela escola enquanto local de transmissio e de aprendizado de saberes continuam a ser objeto de critica sociolégica em razio da multiplicagao das desigualdades sociais que essa nova situa- 80 aponta, Bocas mutagées no sistema de ensino, emcontexto de crise de mobilidade social. atualizam as discusses em torna da ago socializadora realizada pela escola, n30 sé apartirde suaeficdcia, masde seus limites. Para Frangois Dubet (1991; 1994; 1996), sum dos produtos da massificagao do ensi- no francés —o intenso cxescimento doaces- 0 8 escola observado a partir dos anos 80 — pode ser traduzido na denominada “desinstitucionalizagao”. Nao sé ainstivui- 80 escolar nao constréi um conjunto de seferéncias estaveis ~ tanto no terreno do conhecimento, como em relagio aos mo- delos culturais — a partir das quais os alu- nos orientam sev processo de desenvolvi- mento, como, avoperar com uma multipli- cidade de registros, muitas vezes contradi- 1Grios, faz com que a subjetivagdo seja mais um esforgo do sujcito para conviverecom- binar diferentes demandas do que uma cla- ra agdo do mundo institucional adulte, co- laborando para o desenvolvimento dos educandos. Como afirma Sirota (2001, p. 17), a respeito das andlises empreendidas por Dubber, “os atores se socializam mediante casas diferentes aprendizagens ese consti- tucm como sujeitos, na medida de sua ca- pacidade de dominar suaexperiéncia. dese tornarem autores de sua propria educagio. Nesse sentido, toda educagao é uma anto- edvcagao, ov seja, ndo € apenas uma inculeagao, ¢ também um trabalho sobre si Esse processo evidencia suas tensdes a partirdeum recortedasclassessociais, onde ‘os menos provides de recursos materiais ¢ simbdlicos so aqueles que constrocm tan- to uma experiéncia dolorosa de rebaixa- mento da estima de sicomo de setraimento on de revolta. Sob esse ponto de vista as relagdes en- tre as geragdes — adultos e educandos ~ passama ser muitomais caracterizadas por uma cesta nogao de crise do que a tradicio- nal idéia de conflito geracional (Dubet 1987; Barrére ¢ Martuccellli, 2000). Nio 56 pela perda do monopslio no processo de formagio das novas gerages, compo ja foi observado, mas pelas earacte- REVISTA USP, So Paulo, 0.57, p. 210-226, margo/mato 2003 risticas internasaos sistemasescolares atu- ais, incapazes de responder aos novos de- safios postos por sua expansio, a reflexio sobre a escola tem sido acompanhada de um certo diagnéstico de sua crise onde a violéncia seria uma das expressdes maio- res (Sposito, 1998; 2001). Onovo publico que freqiienta a escola, sobretudo adolescente ¢ jovem (19). passa aconstituirno scuinteriorum universo cada vezmais autonome de interagées, distancia- do das referéncias institucionais, trazendo novamente. em sua especificidade, a ne- cessidade de uma perspectiva no escolar no estudo da escola, a via nao escolar na acepgao de Barrére e Martuccelli (2000). (Como afirmam esses autores, a autonomi- zagao de uma subeultura adolescente en- gendra, para os alunos da massificagao do ensino, uma reticéncia ou uma oposiga0 3 agio do universo normative escolar, cle mesmo emerise. A escola cessa lentamen- te de ser modelada somente pelos eritérios da sociabilidade adulta ¢ vé penctrar os critérios da sociabilidade adolescente, exi- gindoum modo peculiar de compreensioe estudo (Barréze e Martuccelli, 2000. p.256). A “cidade dos estudantes” (Rayou, 1998) repoe nas escolas piiblicas brasilei- ras antigos temores, pois quando se trata dos estabelecimentos relegados, situados na periferia das grandes cidades, a presen- ¢a de jovens — pobres e negros — reunidos evoea 05 grandes temores das elites bran- cas¢ oligérquicasdiante do comportamen- to potencialmente disruptivode uma maio- tia silenciada, © conhecimento dessa sociabilidade, das formas de solidariedade, de seus con- flitos © de suas praticas ¢, ainda, algo para ser enfrentado pela reflexio sociolégicano Brasil. De um lado € preciso considerar que esse empreendimento académico diz res- prito a legitimidade do campo dos estudos sociolégicos sobre infancia ¢ juventude. Mesmo se considerarmos os estudos pio- neiros de Marialice Foracchi, houve um arrefecimento das iniciativas apenas lenta- mente retomadas a partir da segunda meta- de dos anos 80 (20). REVISTA USP, 5 Em um balango sobre a sociologia da ‘educagao, na Franca, em 1993, Isamberti- Jamati clucida as resisténcias a esse em- preendimento que, talvez,explicitem aque- Jas presentes na sociclogia brasileiza: “fa- zeruma sociologia dos alunos era conside- rado extremamente dificil. quando come- cei costumavamos dizer que fazer pergun- tas acriangase jovens era sociologicamen- te muito dificil, porque eles cram muito ‘cambiantes, instaveis, o que poderia sex interessante para a psicologia, mas impe- dia que formassem sociologicamente uma verdadeira populagio” (apud Sirota, 2001. p. 15) (21). Mas, apontando perspectivas mais fa- voriveis para esse tipo de pesquisa, obser va-se o reconhecimento da forga de cle- mentos externos na vida da institigio es- colar, modelando parte de sua crise. Sob o ponto de vista dos jovens ¢ adolescentes, alm da familia e da midia, a denominada forga da “cultura de rua” derivadadasrela- ‘des de amizade no bairro passa também a ser considerada (22). Seoentorno da escola acaba interferin- do na vida escolar ¢ a sua permeabilidade 08 processos extemos se torma mais evi dente, um conjunto de nexosestabelecidos deve, 20 menos, ser submetido a pesquisa © interrogagio sobretude quando se con- sidera a importancia da socializagao no grupo de pares. Come ja foi observado, recorrendo as contribuigdes de Candido, se avidaescolar é amplamente determinada pelas relagdes sociais a ela externas, em seu interior nao ‘corre a mera transposigao: ha reeriagao, transformagio ou produgdo de novas rela ‘ges soci ‘exemplo, ao menos tr8s modalidades na interagio entre a cultura da rua © a vida . Por essas razdes ¢ a titulo de escolar podem ser observadas. Em primeiro lugar, alguns estudos evi- denciam que os mecanismos da sociabili- dadee deseconhecimentotipicos daruacdo baizro nao sto necessariamente os mesmos que ocorrem no estabelecimento de ensino. No ambiente escolar haa criagao de formas de convivencia que podem tansformar ou ‘opor-se & propria cultura de rua (23). 19 Paulo, 57, p. 210226, maro/maio 2003 20a redo pec pre n pangetes

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