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\PITULO APRENDIZAGEM Paulo Roney Kilpp Goulart- Paulo Elias Gotardlo Audebert Delage + Viviane Verdu Rico «Ana Leda de Faria Brino INTRODUGAO. A aprendizagem é um tema recorrente entre as disci- plinas preocupadas com algum aspecto do comportamento humano, sejam as diversas abordagens da psicologia, as neurociéncias ou a pedagogia, para citar algumas. Todavia, embora possamos encontrar com facilidade material de qualidade sobre uma variedade de tépicos dentro do tema = processos de aprendizagem, mecanismos newrais da aprendi- zagem, aprendizagem associatina, aprendizagem por tentativa e erro, déficits de aprendizagem etc. ~, raramente encon- tramos tuma definicao formal de aprendizagem. Aparen- temente, trata-se de um daqueles conceitos que todos parecem compreender, mas ninguém é capaz de definir. O fato é que os episédios reconhecidos como casos de apren- dizagem sio tio variados e as explicag6es que cada disci- plina privilegia sio tio diversas (e, por vezes, até incompa- tiveis entre si) que se torna realmente dificil arriscar uma definigéo suficientemente abrangente e coerente o bastante para agradar a leitores de todas as predilegées teéricas. Este capitulo nio busca fornecer essa definigio abran- gente, Nao pretendemos englobar todas as facetas que possam vira ser atribufdas ao “fendmeno” aprendizagem, nos seus mais diversos tratamentos. Pelo contririo, 0 objetivo aqui ¢ identificar caracteristicas comportamen- tais minimamente definidoras daquelas ocorréncias reco- nnhecidas como aprendizagem. Por certo, os humanos nio sio 0s tinicos animais capazes de aprender, entio, nossa definigéo de aprendizagem precisa ter caracteristicas que sejam observadas também em outros animais. Conside- remos, ento, 0 que no comportamento de um organismo nos faz reconhecer um caso de aprendizagem. O QUE E APRENDIZAGEM? No laboratério de condicionamento operante, dizemos que um rato aprendeu a pressionar a barra quando essa resposta passa a ser frequente, sendo que observamos no passado que cle no a emitia em quantidade significa tiva, Se ouvimos uma mae dizer que seu filho finalmente aprendeu a andar de bicicleta sem rodinhas, supomos imediatamente que, hd pouco tempo, aquela crianga nio ‘era capaz de se equilibrar por conta prépria e pedalar a0 mesmo tempo, Se perguntamos a uma crianga o que ela aprendeu na escola, esperamos que ela nos conte algo novo, que nao era capaz de fazer anteriormente. Uma pessoa, tendo sua pia de cozinha entupida, pode afirmar que aprendeu, “da pior forma possivel”, a nao jogar restos de comida no ralo, mas somente concordaremos que ela de fato aprendeu se passar a jogar 0s restos em outro lugar no futuro. Em todos esses exemplos, reconhecer ou nao algo como aprendizagem depende de se considerar 0 estado presente de algum aspecto do comportamento de uma pessoa em comparacao com seu estado anterior. Apren- dizagem, entao, é uma demonstracio de comportamento novo ou modificado. E uma alteragdo no modo como um individuo responde a parcelas relevantes do mundo. No entanto, nem toda alterago na relacao do orga- nismo com o ambiente qualificar-se-4 como aprendizagem. Certas ocorréncias podem modificar temporariamente a maneira como um organismo responde. Por exemplo, uma pessoa que acabou de assistir a um filme de terror pode responder por algum tempo de mancira exacerbada a certos ruidos, mesmo aqueles com os quais est familiarizada. Em manipulagoes experimentais, é possivel observar um ruido provocar um sobressalto maior que o usual em um rato quando antecedido por um choque elétrico. Outro ‘exemplo de modificacio circunstancial da maneira como 0 organismo responde a partes do mundo € quando certos eventos deixam de evocar as respostas que normalmente evocam se forem apresentados em ripida sucesso ou de modo continuado. E 0 que acontece quando vocé simples- mente deixa de notar 0 ruido da sua geladeira, por exemplo. Alteragdes desse tipo na relagao dos organismos com 0 ambiente (conhecidas na literatura técnica como “sensi- bilizagdo” e “habituacdo”, respectivamente) so exemplos importantes de modulagao da influéncia dos estimulos (ou da sensibilidade do organismo, dependendo do ponto de vista), mas nao serao tratados como casos de aprendi- zagem, devido ao seu cardter transitério € pontual. Essas Go situag6es em que um determinado arranjo ambiental ‘causa uma modificagio no responder, mas esse responder modificado esté restrito & ocorréncia daquele arranjo espe- cifico: sem 0 choque, 0 rato do exemplo citado voltaré a responder aos ruidos da mesma maneira que antes de ter experimentado a sucesso choque-ruido, Estamos interes- sados aqui em mudangas na relagio do organismo com 0 ambiente que sejam duradouras, no sentido de perdurar € repercutir no responder futuro do organismo, mesmo que ele nao volte a ter contato com o arranjo ambiental especifico que originou a mudanca no responder. As condi- ‘gBes que favorecem esse tipo de modificas’o duradoura no responder dos organismos sero discutidas no decorrer deste capitulo. (Ourtra ressalva é feita por Catania (1998/1999) em seu livro Aprendizagem. O autor comenta que se, apés encarar um eclipse solar, um observador tiver dano permanente nos olhos, seu comportamento futuro certamente seré alterado, mas, “se alguém afirmasse que essa alteracio é um caso de aprendizagem, provavelmente discordarfamos” (p. 22). Certamente, nesse caso, a relagio daquele orga- nismo com toda estimulagio visual passa a ser diferente do que foi no passado, mas isso ocorre porque ele deixou, de ser sensivel aquela parcela do mundo. Nao que ele responda de modo diferente... Ele nao é mais capaz de responder! Claro que hi situagdes em que deixar de responder a um estimulo é um caso de aprendizagem, como seria nao jogar restos de comida na pia. A diferenga € que, nesses casos, 0 individuo é capaz de perceber 0 evento, ainda que nao responda de maneira especifica a cle. O individuo responde de outras maneiras (joga restos, de comida no lixo, por exemplo) pode, inclusive, vir a Aprendizagem 21 responder da maneira que nio responde hoje (volta a jogar 0s restos na pia). Ao observarmos uma mudanga no modo como determinado individuo interage com certos eventos, ambientais, devemos considerar se o organismo perma- nece sensivel aquele conjunto de acontecimentos antes, de reconhecermos aquela mudanga como sendo aprendi- zagem. Para a Anilise do Comportamento, ambiente no diz respeito a todo o universo que circunda o organismo, mas justamente aqueles eventos que exercem influéncia de fato sobre o seu comportamento (ver, por exemplo, Tourinho, 2001). Portanto, podemos considerar que aqueles eventos aos quais um organismo responderia se tivesse um aparato visual intacto deixam de ser “ambiente” para a pessoa que teve dano visual permanente. Quando falarmos em “ambiente”, entio, estaremos nos referindo a aspectos do mundo que um organismo ¢ capaz de perceber (ver no Capitulo 3 como a percepgio pode ser tratada de uma perspectiva analitico-comportamental). Apés essas consideragGes, podemos, agora, arriscar uma definigao comportamental de aprendizagem. Aprendizagem é qualquer mudanga duradoura na maneira como os orga nnismos respondem ao ambiente. Tal definigao sera suficiente para identificarmos a maioria dos casos de aprendizagem, seja na natureza, no laboratério ou na escola, mas ainda é necessitio que consideremos os meios pelos quais a modi cagio da “relagao organismo-ambiente” se dé, Essa relacio, a qual nos referimos de maneira mais ou menos genérica até entio, diz respeito a relacio funcional observada entre eventos ambientais ¢ respostas do organismo, ou seja, a relagdo entre estimulos ¢ respostas, Assim, a “mudanga na rela¢io organismo-ambiente” que caracteriza a aprendi- zagem pode ser tanto a modificacio de uma relagio esti- mulo-resposta preexistente como o estabelecimento de uma relagio estimulo-resposta nova. As relagdes entre estimulos € respostas nio sio todas, iguais. Alguns estimulos estao fortemente vinculados a uma resposta, de modo que a resposta ocorre praticamente toda ver que 0 organismo entra em contato com 0 esti- mulo (como a contragio da pupila no contato com uma fonte de iluminagao intensa). Outras respostas, embora claramente ligadas a certo estimulo, nfo acontecem sempre que o estimulo esta presente (como abrir a porta da gela- deira) e ainda podem se relacionar com outros estimulos (a porta do carro, de casa, do armério). A literatura da Andlise do Comportamento costuma dividir as relagées comportamentais em duas categorias ~ “comportamento respondente” e “comportamento operante” ~, dependendo das correlagdes entre eventos ambientais ¢ comportamen- i 22 Temas Clésscos da Psicologia sb a Gica da Andlise do Comportamento tais que as descrevem, Apresentaremos a seguir uma breve caracterizagao dessas duas classes de relagdes comporta- mentais, antes de abordarmos as maneiras como elas se estabelecem e/ou se modificam, ou seja, os processos de aprendizagem propriamente ditos. Comportamento respondente © termo “comportamento respondente” é usado em Anélise do Comportamento para se referir aos compor- tamentos conhecidos como reflexos, costumeiramente caracterizados como reag6es involuntirias do organismo a certos eventos. O exemplo mais célebre ¢ o reflexo de salivar dos caes, estudado por Ivan Petrovich Pavlov (1849- 1936). As relagdes comportamentais ditas respondentes so as mais fundamentais encontradas em organismos que apresentam sistema nervoso central. Em termos analitico- comportamentais, sio caracterizadas por uma reagao alta- ‘mente provavel do organismo a um estimulo especifico do ambiente (Catania, 1998/1999; Millenson, 1967/1975; Skinner, 1953/2000; Skinner, 1974). Sob condigdes Stimas,! a resposta ocorrerd toda vez que o organismo entrar em contato com o estimulo. Diante de uma relagao estimulo-resposta desse tipo, um analista do comportamento diré que o estimulo cliciow a resposta reflexa (Figura 2.1). Bliciar é0 termo usado para dizer que a resposta foi provocada pelo estimulo. Quando a resposta reflexa do organismo a determinado estimulo nao precisou ser aprendida, usa-se o termo incondicionado ou primério para se reerir tanto a0 estimulo quanto a resposta (Catania, 1998/1999; Millenson, 1967/1975; Skinner, 1953/2000). Os seres humanos nao precisam aprender a contrair a pupila diante de uma luz intensa, Esse reflexo é, portanto, um reflexo incondicionado. As relagdes respon- dentes incondicionadas sio inatas e foram selecionadas na histéria de cada espécie em razao de seu valor de sobrevi- véncia. Por exemplo, afastar a mao rapidamente de uma fonte de calor é um reflexo importante na manutengio de “0 comportamentoreflexo obedece a algumas lis que tegem a sua ocor- réncia, Por exemplo,o estimulo incondicionado tem que ocorrer em intensdadesuficiente paa eliciar a respostaincondicionada, de modo que existe um limia a partir do qual o esimulo produ aresposta. Uma fonte de calor pouco intesa provavelmentenio provoardo afstamento inresstivel da mio. Além disso, quanto maior a intensdade do estimulo, maior a forsa (ou magnitude) da respostarflexa © mais rapidamente cla se segura ao estimulo (menor laténcia ente estimulo e resposta). Uns cratamento mais completo das leis do reflexo pode ser encontrado «em Catania (1998/1998), Millenson (1967/1975) e Skinner (1938). ‘Som atto @ repentino Rosposta de sobressalto us UR FIGURA 2.1 Exemplo de um comportamento reflexo incondicionado, no qual US (anconditioned stimulus) é estimulo incondicionado ¢ UR (unconditioned response) € a resposta incondicionada. As sigas se referem aos termos em inglés, sendo as siglas usadas na literatura nossa integridade fisica. Assustar-se com um som alto ¢ repentino é um reflexo relevante, pois prepara o organismo para uma potencial situacao de perigo. Comportamento operante No século 19, Edward L. Thorndike (1874-1949) descreveu pela primeira vez que 0 comportamento dos animais era influenciado por seus efeitos. Ele construiu uma variedade de caixas-problema, nas quais colocava dife- rentes animais, Esses animais deveriam aprender a resposta que abriaa caixa, que lhes permitia sair da mesma e comer o alimento colocado fora dela. Por tentativa e erro, todos os animais aprendiam tal resposta (puxar uma corda, abrir tum trinco etc.). Primeiramente, os animais abriam a caixa por acaso, enquanto se movimentavam dentro dela. Com © passar do tempo, movimentos que permitiam o escape da caixa ocorriam apés intervalos de tempo cada vez. mais curtos a partir da insergao do animal na caixa. Com a resposta jd aprendida, os animais passavam a abrir a caixa {quase que instantaneamente, assim que eram colocados li dentro. A aprendizagem era avaliada pela redugao no tempo que o animal levava para escapar da caixa-problema nas insergdes sucessivas do sujeito dentro do aparato. A partir dessas observagies, Thorndike (1898/1911) elaborou a Lei do Efeito, que basicamente dizia que 0 comportamento era modificado em fungao de seus efeitos. Na década de 1930, Burrhus Frederic Skinner (1904- 1990), ao estudar comportamento reflexo em ratos, cons- tatou que muitos comportamentos nao podiam ser expli- cados em termos de relagées reflexas (como se supunha na época). Diferentemente do observado nos reflexos, naqueles comportamentos nao havia uma relacio de deter- minagio absoluta de um estimulo antecedente sobre uma determinada resposta, porque ou havia impreciséo em se verificar a ocorréncia de qualquer estimulo que pudesse estar controlando uma resposta observada, ou, quando verificada sua presenga, a apresentacéo do estimulo no era garantia de ocorréncia da resposta. A relagao entre esti- mulos e respostas era marcada pela flexibilidade: a probabi- lidade de ocorréncia da resposta variava ao longo de miilti- plas exposigées ao estimulo. Além disso, varios estimulos podiam estar relacionados com a mesma resposta e varias, respostas com o mesmo estimulo. Unindo suas observa- Bes aos estudos de Thorndike, Skinner identificou que, nesses casos, a ocorréncia ou nao das respostase sua relagio com os estimulos que as antecediam eram influenciadas, por suas consequéncias passadas. Alguns eventos ambien- tais consequentes, isto é, que ocorrem apds a emissio de uma resposta pelo organismo, fazem com que respostas, semelhantes a ela tenham maior ou menor probabili- dade de ocorrer no futuro (Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999; Millenson, 1967/1975; Skinner, 1953/2000, Skinner, 1974). Se a resposta passa a ocorrer com maior frequéncia cm situagdes semelhantes aquelas em que a consequéncia foi produzida, dizemos tratar-se de uma consequéncia reforcadora. Se, ao contririo, a frequéncia dda resposta diminuir naquelas situagdes, dizemos que a ‘consequencia ¢ aversiva. Vejamos um exemplo: Todos conhecem a curiosidade das criangas. Qualquer objeto novo as fascina de tal maneira que elas logo se apro- ximam e manipulam o objeto. Ao ver uma tomada, uma crianga se aproxima e ndo demora muito para comegar a colocar 0 dedo ou até mesmo objetos em seus orificios. Em um determinado momento, ela leva um pequeno choque e se afasta da tomada. Ser4 pouco provivel que ela volte a colocar 0 dedo ou objetos em seus orificios, visto que choques costumam ter fungées aversivas. Em ‘outta situagao, esta mesma crianga vé uma bola ¢ comega a manipulé-la, Ela aperta.a bola, joga a bola, observa a bola, pulando, chuta a bola etc. Se houver um adulto presente, provavelmente ele brincard de jogar a bola com a crianca. Todas essas consequéncias da resposta de manipular a bola sio potencialmente reforcadoras, 0 que se confirmaré se a ctianga frequentemente pegar e brincar com uma bola quando esse objeto estiver presente no seu ambiente. Certas respostas, portanto, tornam-se mais ou menos provaveis em situardessemelhantesaguelas nas quaiscostumam ‘star correlacionadas com determinadas consequéncias, Dito Aprendizagem 23 de outra forma, os contextos semelhantes aquele no qual certas respostas foram consistentemente acompanhadas de reforcadores tém maior probabilidade do que outros de evocar aquelas respostas. Por isso, a Andlise do Compor- tamento descreve 0 comportamento operante por meio da triplice contingéncia, que envolve no s6 a resposta e a consequéncia, mas ainda o contexto em que ocorrem (Figura 2.2). Esse contexto, a estimulacao antecedente & resposta, recebe o nome de estimulo discriminativo (S°).. Em principio, podemos imaginar que as respostas podem se tornar mais ou menos frequentes de maneira genera- lizada, a despeito do contexto, mas basta uma inspesao mais arenta para notarmos que nao ¢ isso © que acon- tece. Consideremos 0 exemplo de churar uma bola. O que chamamos de resposta, “chutar bola’, se pensarmos bem, ja é uma relagio entre estimulos € respostas: como seria possivel chutar uma bola na auséncia de uma bola? ‘Ainda assim, a presenga da bola nem sempre vai evocar respostas de “chutar bola”. Imaginemos que tenhamos obscrvado que a crianga em questao normalmente chuta a bola quando hé um adulto presente, que se engaja em chutar a bola de volta. Entao, a rela¢do comportamental, nesse caso, inclui a presenga da bola e de um adulto. Essa relasio seri modificada dependendo das consequéncias. Se o adulto costumeiramente se engajar em jogar bola com a crianga, chutar a bola sob aquelas condig6es ser mais provivel no futuro, Por outro lado, se aquele adulto estiver rotineiramente cansado e nio brincar com a crianga, a relagio serd enfraquecida. No caso dos operantes, a relagio entre o estimulo ante- cedente ¢ a resposta nao considerada uma relagio de cliciagao. Respostas de “chutar a bola” sio emitidas em determinadas situagées e sua emissio é modulada pelas suas consequéncias. Relages comportamentais modu- ladas pelas consequéncias si0 amplamente encontradas na natureza, nas mais variadas espécies. Skinner estudou cesses comportamentos com pombos e ratos por meio de uma cimara experimental ~ a famosa Caixa de Skinner =, que permitia 0 controle automatizado da apresentacio de eventos ambientais antes ¢ apés a ocorréncia de uma [aaa] ————> [Giuiarabo] > Fscebebaeoiotel ? R s FicuRA 2.2 Fsquema de uma tiplice contingéncia operante. S° € 0 estimulo antecedente (estimulo discriminativo), R a rexsposta € S* 0 es- timulo reforgador. 24 Temas Clissicos da Psicologia soba Grica da Anlise do Comportamento resposta arbitrariamente definida (tradicionalmente, bicar um disco transiluminado, no caso de pombos, ¢ pres- sionar uma barra, no caso de ratos). Quando os animais cefetuavam a resposta requerida, o aparato disponibilizava, por exemplo, um bocado de ragdo. O ambiente do animal era organizado de modo que seu comportamento operava sobre o ambiente, produzindo uma consequéncia, dai o nome “comportamento operante”. E importante ressaltar, todavia, que, do ponto de vista do organismo, é irrelevante se a consequéncia foi ou nao produzida por seu comportamento, Se eventos reforgadores se sucederem de modo contiguo a uma resposta em determinada situaclo, a resposta tornar-se- 4 ligeiramente mais provavel sob situagées similares, no futuro. O préprio Skinner (1948) identificou situagies em que a contiguidade acidental entre respostas e conse- quéncias produzia um aumento transitério na frequéncia daquelas respostas, as quais ele denominou “comporta- mentos supersticiosos”. Uma vez que 0 ambiente esteja configurado de modo que a contiguidade resposta-conse- quéncia seja recorrente, serdo produzidas relagdes entre estimulos e respostas estaveis caracteristicas do “compor- tamento operante”. O conceito original de comporta- mento operante vem sendo refinado desde sua origem, como é comum ocorrer na ciéncia (Todorov, 2002), mas a relagdo entre resposta e consequéncia mantém-se central em sua definigio. Vimos, entao, que os organismos jé nascem com 0 potencial para responder prontamente de maneira adap- tativa a alguns eventos ambientais. Sio os chamados teflexos incondicionados, que j4 “vém de fibrica”, por assim dizer; nao dependem de aprendizagem para ocorrer. Entretanto, é possivel que novos estimulos passem aeliciar respostas semelhantes no decorrer da vida do organismo, tendo como ponto de partida as relagdes reflexas esti- mulo-resposta incondicionadas. Por sua vez, os operantes so caracterizados pela flexibilidade ¢ arbitrariedade das relagdes entre estimulos e respostas, possibilitando varia- bilidade comportamental para além da observada nas relagdes reflexas. Em todos os casos, a determinagio dos estimulos € respostas que participario das novas rela- es comportamentais do repertério de um organismo é produto da histéria especifica de contato de cada orga- nismo com seu ambiente durante a sua vida. A seguir, abordaremos os principais processos de aprendizagem encontrados na natureza, tendo como base as relagdes estabelecidas entre estimulos ambientais ¢ respostas do organismo. PROCESSOS BASICOS DE APRENDIZAGEM Condicionamento respondente Como dito antes, a partir dos reflexos incondicionados € possivel produzir novos reflexos, chamados condicionados. Oss reflexos condicionados sio originados a partir de uma histéria decondicionamento respondente (também chamado. de condicionamento classico ou pavloviano). Essa possibili- dade de condicionamento permite que o comportamento reflexo inato seja modificado de acordo com as necessidades de adaptagio do organismo as mudangas no ambiente em aque vive (Skinner, 1974). Da mesma maneira como ocorre com reflexo incondicionado, no reflexo condicionado um estimulo clicia imediatamente uma resposta. Entretanto, cesta relagdo entre o estimulo e a resposta se desenvolve durante a vida do organismo (ontogénese), em ver de ser determinada pela histéria evolutiva da espécie (filogénese) (Catania, 1998/1999; Skinner, 1974). Os principais estudos que contribuiram paraa compre- ensio do condicionamento reflexo datam do inicio do século 20. Foi o ja citado fisidlogo russo Ivan P. Pavlov quem sistematizou uma metodologia de estudo do condi- cionamento respondente. Dai o fato de este ser chamado também de condicionamento pavloviano. Nossa exposicio do condicionamento respondente sera centralizada nos estudos de Pavlov, mas ¢ importante ressaltar que contin- géncias respondentes sio foco de investigacio ainda hoje (ver Rescorla, 1988; 2000, por exemplo). Em 1927, Pavlov estudava a atividade digestiva de cles quando se deparou com um fenémeno interessante, Ele percebeu que os cies nfo salivavam apenas quando tinham comida na boca (que é um reflexo incondicio- nado), mas também quando viam a vasilha de comida, quando entravam na sala em que eram alimentados ¢ até mesmo quando viam o tratador ou ouviam seus passos (Keller, Schoenfeld, 1950/1974; Millenson, 1967/1975). A partir dessa observagio, Pavlov supds que a resposta de salivacao a esses estimulos havia sido aprendida e pés-se a testar essa hipétese com experimentos que usavam 0 pareamento regular entre estimulos “neutros”? ¢ 0 esti- imporeante resaltar que 0 estimulo é considerado “neutra” em relacio & resposta reflexa que esti em foco, mas provavelmente ser cstimulo eliciador para outras respostas. Por exemplo, o som de uma sineta € originalmente neutro para a resposta de salivar, mas pode ter funcio eliciadora sobre a resposta de virar a cabesa na diregéo do som. ‘Alimento na boca. ————> _Salivagao us UR Som + Alimento na boca ———> _Salivagao NS us UR Som —————> Salivago cs. CR Ficura 2.3 Esquema do processo de condicionamento respondente ‘As siglas usadas significam: US, estimulo incondicionado; UR, res- posta incondicionada; NS, estimulo neutro: CS (conditioned stimu- 4), estimulo condicionado; CR (conditioned respons), resposta con- dicionada. As siglas se referem aos termos em inglés, sendo as siglas usadas na literatura mulo incondicionado, 0 que se tornou 0 procedimento classico para a producio de uma relagio reflexa condicio- nada (Figura 2.3). Basicamente, 0 que Pavlov fazia era tocar um som (esti- mulo neutro) sempre que colocava alimento na boca do io (estimulo incondicionado), coletando as goras de saliva produzidas (resposta incondicionada). Esse procedimento foi feito regularmente, por alguns dias. Em seguida, Pavlov comesou a apresentar o som (estimulo condicionado) sozinho, verificando a ocorréncia da resposta de salivaca0 (resposta condicionada). O que ocorre no condiciona- mento respondente, entio, é que um estimulo neutro passa a eliciar uma resposta reflexa, como produto do parea- ‘mento frequente entre esse estimulo ¢ um outro eliciador (que pode ser incondicionado ou condicionado). Quando o estimulo originalmente neutro passa a eliciar a resposta, recebe o nome de estimulo condicionado. A resposta, por sua vez, embora seja semelhante A resposta eliciada incondicionalmente, recebe o nome resposta condicio- nada, por estar sendo eliciada em decorréncia de apren- dizado por condicionamento, ¢ nao por uma relacio inata entre estimulo e resposta (Catania, 1998/1999; Millenson 1967/1975). Nesse experimento descrito, 0 pareamento do estimulo neutro com o estimulo incondicionado ocorreu de modo que os dois foram apresentados ao mesmo tempo. Entre- tanto, essa no é a dinica configuragio temporal possivel Aprendizagem 25 da ocorréncia dos estimulos no condicionamento respon- dente. © estimulo neutro pode também ser apresentado antes ou depois do estimulo incondicionado (ou de outro cestimulo condicionado). Na verdade, ha diversas maneiras de pareamento ¢ cada uma delas tem um efeito diferente na forca do condicionamento (Catania, 1998/1999). Por exemplo, quando o estimulo neutro € apresentado imedia- tamente antes do estimulo incondicionado, 0 condicio- namento € mais eficaz do que quando ambos so apre- sentados a0 mesmo tempo. Quando o estimulo neutro € apresentado depois do incondicionado, o condiciona- ‘mento respondente dificilmente acontece. O tempo entre a apresentacéo dos estimulos no pareamento também. é uma varidvel relevante: para que 0 condicionamento ocorta, a distincia temporal entre os estimulos nio deve ultrapassar certo limite e, quanto mais préximos entre si, mais ripido ocorre o condicionamento. Para que os efeitos do condicionamento respondente se mantenham, isto €, para que a relagao entre estimulo eliciador condi- cionado e resposta condicionada perdure, é necessério que, pelo menos de tempos em tempos, 0s estimulos condicio- nado e incondicionado sejam novamente pareados. Caso contririo, observa-se um processo de extingio da relagio reflexa condicionada (extingio respondente): gradual- mente, o tempo entre a exposicéo ao estimulo condicio- nado ¢ a ocorréncia da resposta aumentaré ¢ a magni: tude da resposta diminuiré até, finalmente, aleangar niveis, préximos aos observados antes do condicionamento. No caso dos seres humanos, o condicionamento respon- dente pode ajudar a explicar alguns comportamentos comuns. As nossas emogées sio, em grande parte, expli- cadas por condicionamento respondente. Quando nosso coragio bate forte ao ouvirmos uma miisica que tocava muito quando namorivamos determinada pessoa, estamos diante de um caso que envolve um reflexo condicionado. Quando nos apavoramos diante de uma pessoa que nos Jembre, de algum modo, alguém que nos assaltou, estamos diante de outro caso de condicionamento respondente (este tema seré abordado com maiores detalhes no Capi- tulo 6). Muitos casos de fobia, por exemplo, resultam de condicionamento respondente, como medo generali- zado de cies ou medo de dentista. Uma mordida de um cio bravo pode tomnar todo ¢ qualquer cio um aversivo condicionado, ¢ a exposig¢io a um procedimento espe- cialmente doloroso no consultério dentario pode Fazer ‘mesmo com tudo que se relacione com dentista. Além disso, contingéncias respondentes tém sido implicadas em aspectos da drogadigo, tanto em estudos comporta- 26 ‘Temas Clissicos da Psicologia sob a Otica da Andlise do Comportamento mentais (p. ex., DeGrandpre, Bickell, 1993) como neuro- fisiolégicos e bioquimicos (ver, p. ex., Everitt, Robbins, 2005, para uma revisio). Condicionamento operante Nabreve exposigao feita sobre comportamento operante, falamos sempre de respostas que produuzem consequéncias, mas ¢ importante dizer que o Bchaviorismo Radical nao define um comportamento operante pela forma (ou topo- srafia) especifica da resposta, e sim por sua fungao; uma resposta emitida por um organismo nunca ¢ idéntica a outra. A chance de que o organismo apresente uma resposta topograficamente idéntica a anterior é muito pequena, de modo que ocorrerao variagdes nas formas das respostas. O analista do comportamento reconhece todas as respostas que tiveram sua frequéncia aumentada por um mesmo tipo de consequéncia como da mesma fungéo.! Pensemos ‘no comportamento de abrir uma porta, por exemplo. O modo como uma pessoa abre a porta depende de uma série de fatores. Pode abrir a porta com a mio direita ou com a mao esquerda. Pode abri-la apoiando 0 coto- velo na macaneta, porque tem as maos ocupadas, Pode ainda pedir que alguém que a acompanha abra a porta. Enfim, ha diversas formas (topografias) de se abrir uma porta, mas todas elas tém a mesma fungao: ter acesso a0 ambiente que se encontra atris da porta. E por isso que o analista do comportamento nio fala apenas em respostas, mas em clase de respostas, no sentido de que existe todo um grupo de ropografias possiveis que tém a mesma fungio, ‘ou seja, que tém sua ocorréncia influenciada pela mesma consequéncia (Catania, 1998/1999; Skinner, 1953/2000). Todas as respostas usadas para abrir uma porta formam a classe de respostas “abrir a porta”. Outra razio para a adogao da nogao de classe ¢ légica: a consequéncia que segue uma determinada resposta nao pode reforcar essa ‘mesma resposta, porque ela ocorreu antes da consequéncia. Quando filamos que uma resposta é reforcada, portanto, «estamos, na verdade, falando do aumento da probabilidade fatura de respostas de uma mesma classe. ‘A mesma nogio de clase se aplica quando falamos de estimulos, Embora falemos costumeiramente em 0 esti- °E comam esse termo ser tomado com a conotagio de que as respostas funcionam, agem, de modo a produsie cera consequncia, fou que sua fancio € produz-la. Entretanto, 0 sentido mais apro- priado para 0 termo “fungio” nesse contexto seria 0 usado na mate- indtca: 0 aumento ou 2 manutengio da frequéncia das respostas da classe R.¢ fiona da apresentagdo contingente da. consequéncia X. ‘milo, 08 eventos que o organismo encontrar em diversas ocasiées nao sio necessariamente os mesmos, nem so semelhantes em todos os aspectos. Mais adiante, veremos como diversos eventos ambientais podem vir a ser agru- pados em uma mesma clase de estémulos, isto & um conjunto de estfmulos que, mesmo no sendo exatamente idénticos entre si nem aos que 0 organismo encontrou no passado, esto relacionados com uma mesma classe de respostas. ‘Sao muitos os exemplos de aprendizagem operante, envolvendo desde comportamentos mais simples, como levar a colher até a boca durante uma refeigo, a compor- tamentos mais complexos, como a resolucéo de problemas mateméticos. Todos dependem da correlacao entre eventos ambientais antecedentes, respostas e eventos consequentes. Essa correlagao entre eventos, quando produz a modifi- cacao da probabilidade de que certos estimulos antece- dentes e certas respostas coocorram, recebe o nome de condicionamento operante. Em condig6es artificialmente arranjadas, como no laboratério, isso ¢ obtido basicamente pela disponibilizacao de certos eventos ambientais como consequéncia para a emissio de determinadas respostas e no de outras sob uma estimulacao antecedente especifica (Catania, 1998/1999; Skinner, 1953/2000). Na natureza, ocondicionamento ocorre quando determinadas ages do organismo consistentemente promovem 0 contato com consequéncias ecologicamente relevantes, 0 que costuma acontecer em contextos especificos. Por exemplo, se um babuino jovem permanece préximo de uma fémea, igno- rando 0 macho alfa que se aproxima com os dentes & ‘mostra, provavelmente seré violentamente atacado. Se ele sobreviver, é provavel que nao se aproxime daquela fémea, ou somente o faga na auséncia do macho alfa e trate de se afastar rapidamente ao avisté-lo. O analista do compor- tamento reconheceria af uma contingéncia natural (visdo do macho alfa — permanecer préximo a fémea —> softer agressao) promovendo a aprendizagem. Quando falamos cm “ages que consistentemente promovem contato com consequéncias ecologicamente relevantes", pode parecer que cada resposta de um orga- nismo precisa produzir determinada consequencia para que seja reconhecida uma contingéncia. Nao é esse 0 caso. A contingéncia operante consiste na coocorréncia regular entre respostas ¢ consequéncias em dada situacio, mas nao é essencial que cada ocorréncia de uma classe de resposta seja acompanhada da consequéncia que define aquela classe. Na verdade, as contingéncias mais comuns parecem ser aquelas em que a consequéncia é produzida para algumas ocorréncias de uma classe de respostas, nao para todas. Tomemos como exemplo um passaro que forrageia virando pedras com seu busca de pequenos insetos. Nem todas as pedras revi- radas serdo abrigo de insetos, mas seu comportamento de virar pedras seré mantido se pelo menos algumas delas apresentarem alimento em quantidade suficiente para suprir a demanda energética do animal. Em outros casos, a disponibilidade da consequéncia no ambiente do organismo depende nao da quantidade de respostas, efetuadas, mas da passagem de um periodo de tempo antes que a resposta ocorra, Imagine uma pessoa que recebe mensalmente uma correspondéncia importante, mas ainda nao notou que ela chega sempre apds as 14 h do quinto dia itil. Nem todas as respostas de abrir a caixa de correio “produzirio” a consequéncia prevista: no importa que a pessoa verifique sua caixa de corteio todo dia ou 1 vez por semana, a carta somente estaré ld se a caixa for aberta apés as 14 h do quinto dia itil de cada més. A literatura de Anilise do Comportamento estuda esse tipo de contingéncia em que a relagao entre respostas e reforcadores é intermitente sob as rubricas Reforcamento Intermitente e Esquemas de Reforcamento. Catania (1998/1999) divide os esquemas de reforca- mento em trés tipos basicos: © Aqueles em que a produsio do reforgador depende da ocorréncia de um niimero fixo ou varidvel de respostas, como no exemplo do péssaro forrageando (conhecidos como esquemas de razdd) ‘© Aqueles em que a produsio do reforcador depende nao apenas da emissio de uma resposta, mas da passagem de um intervalo de tempo fixo ou varidvel, como no exemplo da carta (conhecidos como esquemas de intervalo) # Aqueles que dependem da taxa de respostas ou do ‘espagamento temporal entre respostas. 0 em Hi ainda uma variedade de esquemas complexos derivados da combinagao de esquemas bésicos. Cada arranjo de contingéncias que caracteriza um esquema produz um padrao de respostas peculiar, com taxas de respostas € distribuigao distintas. A lireratura da érea & tao rica que mesmo um tratamento superficial extra- polaria em muito 0 escopo deste capitulo. (Para um tratamento pormenorizado, ver Catania 1998/1999; Ferster, Skinner, 1957). H uma série de eventos “ecologicamente relevantes”, eventos ambientais importantes de serem considerados Aprendizagem 27 para a sobrevivéncia do organismo, tais como alimento, Agua, contato sexual, eventos danosos etc. Embora tenhamos até entio enfatizado exemplos de fortaleci- mento de relagées entre estimulos ¢ respostas, é impor- tante ressaltar que 0s processos que envolvem o enfra- quecimento de relagées comportamentais também sio processos de aprendizagem. Como dissemos anterior mente, as consequéncias que estio correlacionadas com a diminuigao da frequéncia de certa classe de respostas em determinado contexto sio chamadas “aversivas”. Aqueles eventos cujo valor reforgador ou aversive decorre da histéria da espécie (filogenese) s40 denominados incon- dicionados ou primétios. Uma enorme variedade de estimulos, entretanto, adquire valor reforgador ou aver- sivo ao longo da vida do organismo ao serem pareados com eventos que ja apresentam uma dessas fungées. Isso ocorte por um processo de aprendizagem com 0 qual o leitor jé esté familiarizado, 0 condicionamento respondente. Esses eventos recebem 0 nome de reforga- dores/aversivos condicionados ou secundarios. Vejamos ‘0 exemplo do dinheiro como reforcador condicionado. Dinheiro é um produto da cultura humana ¢ nao da histéria da espécic. Na verdade, nao passa de pedacos de papel ou citculos de metal. Entretanto, é um reforgador condicionado poderoso, pois a0 longo de nossa vida ele foi pareado a praticamente todos os reforgadores incon- dicionados e condicionados que existem.‘ Com dinheiro,, adquitem-se alimento, 4gua potivel, protecdo (roupas, calgados, casas etc.), diversao, entre outras coisas. Nao é de se estranhar que muitas pessoas fagam qualquer coisa para ter acesso a este reforgador. Primérios ou secundérios, a questao é que qualquer resposta que permita ao organismo obter os eventos reforgadores ou evitar 0s eventos aversivos seré forta- lecida no seu repertério comportamental. Por outro Jado, respostas que produzam eventos aversivos ou climinem reforgadores serdo enfraquecidas. Tanto © fortalecimento como o enfraquecimento de uma classe de respostas em uma dada situagio sao casos de aprendizagem: a relacio do organismo com parcelas do ambiente se modifica de alguma forma duradoura. ‘Quando um reforgador condicionado tem seu valor reforgador com base em vatios reforcadores primétios, costuma-se chamé-lo de refor- sador generalizado, Por essa relagdo com vitios reforgadores primé- fios, 0 reforgador condicionado generalizado pode ser efetivo quando contingente a diversas classes de respostas (Catania, 1998/1999). 28 Temas Classicos da Psicologia sob a Otica da Anilise do Comportamento Além disso, os dois processos frequentemente estio envolvidos em uma mesma aprendizagem. O babuino do exemplo citado pode aprender a ficar longe da fémea na presenga do macho alfa; ao se aproximar, produz consequéncias aversivas; e pode aprender também a se aproximar dela na auséncia do macho alfa; quando se aproxima, produz consequéncias reforcadoras. Temos duas relagdes comportamentais com suas probabili- dades de ocorréncia modificadas cm fungio de suas consequéncias: especificamente “aproximar-se da fémea na presenga do macho alfa" diminuindo a frequéncia € “aproximar-se da fémea na auséncia do macho alfa” aumentando a frequéncia. Os processos que levam a essas variagdes na aprendizagem operante serio descritos a seguir. Quando um comportamento é mantido por suas consequéncias, dizemos que ele foi reforcado (fortale- cido) € que a consequéncia é, portanto, reforcadora. Quando, ao contrério, um comportamento diminui de frequéncia (ocorre menos) ou deixa de ocorrer em decorréncia de suas consequéncias, dizemos que ele foi punido (enfraquecido) e que a consequéncia é, entao, punitiva ou punidora (Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999; Skinner, 1953/2000). Os termos “pu: tivo" ¢ “reforgador” nao se referem a caracteristicas intrinsecas dos estimulos, mas sim & fungio que exer- ceram sobre dada classe de respostas. Note que 0 que define se a consequéncia ¢ reforcadora ou punidora nao €0 estimulo em si, mas o seu efeito sobre a frequéncia da resposta. Nao se pode, portanto, definir a priori se uma consequéncia ser punitiva ou reforgadora. Essa regra se aplica tanto aos reforcadores condicionados quanto aos incondicionados. Um mesmo estimulo pode ser reforcador para um individuo e punitivo para outro. Na verdade, um mesmo estimulo pode desem- penhar as duas fungdes para um mesmo individuo, a depender do contexto. Por exemplo, quando estamos com fome, o alimento torna-se altamente reforcador. Se comemos demais, entretanto, a mera visio da comida pode nos causar néuseas. No primeiro caso, a comida € potencialmente reforgadora, pois é provavel que emitamos respostas para obté-la; no segundo caso, € um estimulo potencialmente aversivo, pois ¢ provavel, que respondamos de modo a evité-la. Além disso, respostas podem tanto produzir a apresentacao de um evento quanto produzir a sua remogio, Em certos casos, a introdugio de um estimulo pode ser reforsadora ¢ sua eliminacio punitiva (um sorvete, por exemplo). Em outros casos, a introdugo de um estimulo pode ser punitiva e sua eliminagio reforgadora (digamos, um choque elétrico).° O proceso de condicionamento pelo qual um orga- nismo aprende a responder diferencialmente na presenga ou auséncia de um estimulo antecedente é chamado de diseriminagao. A discriminacio ocorre quando o compor- tamento do organismo é controlado® pela presenca ou. auséncia de determinado padrao de estimulagao antece- dente, Ao analisar 0 comportamento, 0 pesquisadoi tifica aquelas propriedades do ambiente que se relacionam, cde maneira significativa com o comportamento sob anilise. ‘As propriedades que consistentemente participam juntas do controle do comportamento sio identificadas pelo experimentador como um “estimulo”. Os casos em que ‘uma resposta somente ¢ evocada por um mesmo agrupa- mento de propriedades, ou seja, de um mesmo estimulo, costumam ser denominados “discriminagao simples”. Um exemplo é um cio fazer festa quando seu dono chega a casa, ‘mas no o fazer quando a empregada chega. Entretanto, hd casos em que o organismo responde de maneiras distintas a diferentes combinagées de dois ou mais agrupamentos de propriedades. Suponhamos que, de manha cedo, 0 cio busque a atengio do dono ¢ ignore a empregada, mas, a0 meio-dia, busca a atengao da empregada ¢ ignore 0 dono. Casos desse tipo costumam ser identificados como “discriminagio condicional”, pois se entende que a fungio dos estimulos (“dono” e “empregada’, no nosso exemplo) len- ‘Uma maneira de se referie a Fangio dos estimulos que o leitor encon- traci com frequéncia na literatura € que certos etimulossi0 “reforga- dores porto (se reforgam quando acresentados, somador a0 ambiente) € “punidores megatieo?” (Ge punem quando climinados, suberaidos); enquanto outros estimulossio “reforcadores negatvos”(e sua subtracio do ambiente é reforcadora)e ‘punidores postive (se sa adic € puni- tiva). As wezes, no entanto, pode parecer confaso dizer que um estimulo aversivo (geralmente danoso) tem fungéo reforgadora. Uma maneira de evita a confuso seria considerarnio que um evento ~ chogue létco, por exemplo ~estésendo intoduzido ou reirado do ambiente, mas que 4 “introdugio do choquc’ € um evento ambiental ea “eliminagio do chogue” €outeo. O primeizo ¢ um evento potencialmente punitive, pois respostas que produzem a “introdugao do choque” geralmente diminuem de fequéncia, a0 asso que o segundo ¢ potencalmente reforgador, pois respostas que produzem “a eliminagio do choque” tendem a se tornar mais frequentes (ver, p. ex, Michael, 1975; Baron, Galizio, 2005; 2006) ‘Quando dizemos que o extimalo antecedente controla a ocorréncia de determinado comporamento, quetemos dizer gue, por te sido reforgada na sua presenga, a classe de respostas tem maior probabilidade de ocorer rnovamentediante deste estimulo. F equivalence a dizer que o estimlo antecedent evo” a resposta que produr determinada consequéncia. Vale lembrar que controlar dicriminacivamente determinada rsposta, ente- tanto, é diferente deeiciar (como ocorre com 0 comportamento reflex). & modificada dependendo de outros estimulos (“manhi cedo” ou “meio dia’), os estimulos condicionais. Cada um, desses casos ¢ tratado de uma maneita especifica na Andlise do Comportamento, mas ambos sio exemplos do processo mais amplo de discriminagio.’ Vejamos um exemplo de como 0 responder discriminado se estabelece. Digamos que vocé se mude para um apartamento novo € no conhega seus vizinhos. Vocé aprendeu, ao longo de sua vida, a cumprimentar as pessoas (a0 menos aquclas que esto sempre presentes no seu ambiente). Todas as manhas vocé encontra dois moradores do prédio, que vio trabalhar no mesmo horirio que voce. Inicialmente, 1 presensa de ambos evoca a resposta de cumprimenté- Jos com um “bom-dia”, porque essa classe de respostas foi amplamente reforcada na sua histéria, Acontece, entre tanto, que apenas um dos moradores responde ao cumpri- mento, enquanto 0 outro se limita a continuar o que esta fazendo sem sequer olhar na sua diregao. Por alguns dias, vvocé ainda insiste em cumprimentar a ambos, afinal de contas, essa classe de respostas est muito bem estabe- lecida no seu repertério comportamental, mas a reagio de ambos os moradores permanecem as mesmas. Com 0 passar do tempo, voce vai deixando de cumprimentar 0 moradot que nunca responde ao cumprimento, porque «ssa resposta nunca é reforgada na sua presenga. Ja 0 outro morador, que devolve o “bom-dia", écumprimentado por vocé diariamente, porque vocé aprendeu que, na presenga dele, o cumprimento sera seguido de reforco. Quando falamos do procedimento de discriminacio, portanto, estamos falando que uma determinada classe de respostas é mais frequentemente seguida de uma conse- quéncia especifica na presenga de um estimulo do que de outro (ver Figura 2.4). Isso faz. com que esta classe de respostas torne-se mais provavel diante do primeiro estimulo, chamado de S®, ¢ praticamente no ocorra na presenca do outro estimulo, condi¢ao chamada de S* (Catania, 1998/1999). No exemplo dado, o morador que responde ao seu cumprimento seria 0 S® para a resposta de dizer “bom-dia’, enquanto o outro morador seria 0 S* para a mesma resposta. O reforcamento diferencial (contato "De fo, alguns autores defendem que os exemplos de controle de estimulos tradicionalmente estudados sob a rubrica dscriminacdo condicional pode- ram ser vistos como controle antecedente por combinagées de estimulos, ‘mas sem um caréter condicional, hieriequico (p. ex., Thomas, Schmide, 1989). Nesst visio, as respostas de “buscar atencio" do cio seriam contro- ladas pelos estimulas compostos “dono + manha’ e “empregada + arde ras ndo pels estimilos compostos “dono + tarde” “empregada + manhi”. Aprendizagem 29 s a s* FIGURA 2.4 Esquema do procedimento de discriminagao. S° é cestimulo discriminativo, R a resposta, S*o estimulo reforgador ¢ S* (S-dela) representa a auséncia com o reforco em certas situagdes e no em outras) é essen- cial para o estabelecimento de controle discriminativo. Se © comportamento for reforgado com frequéncia similar ‘em qualquer situagao, nao hd raz3o para que o individuo atente para o contexto (estimulo antecedente).. ‘Nao custa realgar que parar de dizer “bom-dia” para 0 vizinho que nunca responde também é um caso de aprendizagem, porque respostas que néo produzem modificacdes no ambiente ndo tém fungio adaptativa ¢ tendem a reduzir em frequéncia. De certo modo, vocé aprende a ndo dizer “bom-dia” para aquela pessoa. Ha, no cotidiano, diversas situagdes que exigem que comportamentos diminuam de frequéncia no repertério do individuo. Para enfraquecer uma relagéo compor- tamental operante, é preciso, inicialmente, saber quais as consequéncias que a mantém, Vejamos 0 exemplo de uma crianga que constantemente emite respostas de “fazer birra” no supermercado sempre que a mie diz que nao vai comprar 0 doce que ela pediu. A crianga se joga no chao, bate pés e mos, grita, chora etc. Esse € um padrdo de comportamento inaceitavel socialmente ¢, portanto, precisa ser eliminado do repertério da crianga. Como essas nao sao respostas inatas de um ser humano, é muito provivel que estejam sendo mantidas por suas consequéncias. No caso, quase sempre a crianga obtém da mie o que quer ao emitir uma resposta que se insere na classe “fazer birra”. Entao, como eliminar esse comportamento? O melhor é fazer com que a classe de respostas “fazer birra” deixe de produzir as conse- quéncias que produz normalmente. A mae poderia deixar de atender ao pedido da crianga quando ela faz birra. O que se observa com esse procedimento é que, de inicio, a birra aumenta, como que para chamar mais a atencao da mie, mas, como o reforgamento nunca ocorre, essa classe de respostas vai ficando menos frequente até praticamente deixar de ocorrer. A este procedimento de quebra da relagio entre uma classe de 30. Temas Clisscos da Prcologia soba Grca da Analise do Comportamento respostas ¢ a consequéncia que a mantém di-se 0 nome de extingdo operante (Catania, 1998/1999; Millenson 1967/1975; Skinner, 1953/2000) O padrio de resposta descrito no exemplo € tipico do proceso de extingao operante. Como a classe de respostas em processo de extingao foi muito reforcada na histéria do individuo, ¢ esperado que nao seja tio facil eliminé-la de seu repertério. E em decorréncia dessa questao do reforgamento que ha um aumento abrupto na frequéncia de uma classe de respostas submetida a uma condigao de extingéo antes que possamos observar a redugao de sua ocorréncia. Esse fendmeno tem sido amplamente observado com os mais diversos tipos de comportamento operante em diversas espécies (Catania, 1998/1999). Acontece ainda que dificilmente a resposta que passou pelo processo de extingio deixa de ocorrer indefinidamente. Ocasionalmente, essa resposta pode voltar a ser emitida e, se pensarmos bem, € adaptativo que assim seja. Para que um organismo tenha maior chance de sobrevivéncia, é preciso que tenha uma vatiabilidade comportamental a partir da qual novas respostas possam ser reforcadas, a depender das exigéncias do ambiente. Se a cada processo de extingio classes de respostas deixassem, de existir, terfamos um organismo com um repertsrio comportamental muito restrito e, consequentemente, com menor capacidade de se adaptar as mudangas no ambiente. O fenémeno do ressurgimento de respostas que foram reforgadas na historia do organismo (Reed, Morgan, 2006), observado durante a aplicacio do proce- dimento de extingao a uma dada classe, sustenta essa hipétese. O prinefpio unificado do reforgo Embora tenhamos descrito os condicionamentos respondente ¢ operante em separado, atualmente ¢ bastante difundida na Anélise do Comportamento a nogio de que essa separacéo € meramente didatica. Como 0 leitor deve ter percebido quando falamos dos eventos reforgadores/aversivos condicionados, hé na natureza uma sobreposigio, ou entrelagamento, de contingéncias operantes ¢ respondentes. Os estimulos que funcionam como reforcadores sio necessariamente estimulos eliciadores de uma resposta reflexa. Em uma contingéncia operante (S° — R ~ S*), em que 0 esti mulo “eliciador” (reforcador) é consistentemente corre- lacionado com 0 estimulo discriminativo, temos uma contingéncia respondente “embutida” na contingéncia operante. Como consequéncia disso, 0 estimulo discri- minativo também pode assumir funcio eliciadora (da resposta eliciada pelo reforcador) e pode inclusive servir como reforcador condicionado para outras respostas operates. Além disso, as relagGes reflexas podem servir de ponto de partida para o desenvolvimento de rela- ‘Ges operantes. Tome-se como exemplo o reflexo de sucgao dos bebés humanos. 4 nos primeiros momentos de vida qualquer estimulagao tatil dos labios de um bebé elicia um padrao de sucgao, importantissimo para 0 scu contato inicial com alimento. Entretanto, apenas uma parcela restrita do ambiente disponibiliza alimento. Com o passar do tempo, 0 contato com as consequéncias diferenciais faz com que as respostas de sugar sejam evocadas apenas pelos estimulos relevantes.. O mesmo ocorre com o choro. As criancas rapidamente aprendem a chorar com maior frequéncia em dadas ocasides em fungio das consequéncias do chorar, isto é das mudangas produzidas no ambiente por intermédio do comportamento dos cuidadores.* Ambos os tipos de condicionamentos tém em comum © estabelecimento de uma nova relacio entre estimulos ¢ respostas. No condicionamento respondente, a corre- lagio entre um estimulo neutro e um estimulo eliciador faz. com que o estimulo inicialmente neutro passe a eliciar a resposta reflexa. No condicionamento operante, estimulos ¢ respostas que coocorrem em corrclagéo com um estimulo “eliciador” (0 reforgador) passam a ocorrer juntos com mais frequéncia. Nos dois casos, uma relagao S-R ¢ fortalecida pela correlagao com um estimulo eliciador. A diferenga est4 nos arranjos ambientais que produzem essas relacdes € no controle do estimulo sobre a resposta. Reconhecendo essa afinidade, os pesquisadores Donahoe e Palmer (1994) propuseram 0 Prineipio Unificado do Reforgo. & ideia, basi camente, é que em ambos os condicionamentos ocorre 0 mesmo processo de fortalecimento. Em linhas gerais, 0 sistema nervoso dos organismos capazes de aprender esté configurado de modo que os estimulos ¢ as respostas que consistentemente ocorrem contiguamente a um estimulo liciador terio maior probabilidade de ocorrer juntos no "Uma parcea considerivel dos eventos ambientais que influenciam 0 comportamento humano é composta por produtos do comportamento de outer. Em Andlse do Comportamento, 0 comportamentos que so estabelecidose mantidos por consequéncas medidas por outosindividuos sto estudados soba rubrica de “Comportamento Verbal’, uj formulacio ginal pode ser encontrada em Skinner (1957) edeserita no Capieul 7 Aprendizagem 31 Contingéncia respondente Contingéncia operante Estimulo Fospasa Estimulo = Estima -eieador™ Fespost| Eatimulo Resposa (torgado relexa ellador retexa + Estimulo Estimulo Tes peters i siaier J] town Faimao iced? |_| Reap 3 rofrgadon relloxa Estimuio imulo pa FiGURA 2.5 Diagrama ilustrando a apren- Eatimulo Resposta| Tessin dizagem sob a perspeciva do Principio oo ae operant Unifcado do Reforga Tanto contingen- y Estimulo “eliciador” Resposta | cias respondentes como operantes correla- (reforeacon retlexa Estimulo Resposta raflaxa 4 operate futuro,’ independente de como tais eventos se correla cionem em primeito lugar. Dessa perspectiva, os qualifi- cativos “tespondente” e “operante” caracterizam os proce- dimentos que o experimentador usa no laboratério para 20 inp wifi do ron

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