Amos Oz

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AMOS OZ contra o fanatismo Cosi ASAE m0 ASA Ealtores, S.A. se da Boni 1255~ Sl Fibmaseera aes psa 35/1) 2 PORTO rrvcat f Ema abe ioeme renee DELEGAGAO EM LISBOA eg Dare Pan, 9 = 1 Ta btbenio eres 2 {eos SBOK = PORTUGAL POBLICO, Comuniasio Sis cosh romeo PORTUGAL orto, ht dean 8 eas) sso PORTUGAL cierto nikon ‘Da natureza do fanatisono -+++++*+ Da necessidade de chegar a um “compromisso ¢ da sua nature7a «« Do prazer de eserever edo compromisso «+++ — a Da natureza do fanatismo Como curar um fanatico? Perseguir um punha- do de fandticos através das montanhas do Afega- nistao € uma coisa. Lutar contra o fanatismo, outra muito diferente. Receio nao saber muito bem como perseguir fandticos pelas montanhas, mas talvez possa apresentar uma ou duas reflexes acerca da natureza do fanatismo e sobre as formas, se nao de curd-lo, pelo menos de controla-lo. A chave do ataque de 11 de Setembro contra os Estados Unidos nao deve ser apenas procurada no confronto exis- tente entre pobres e ricos. Esse confronto constitui um dos mais terriveis problemas do mundo, mas estarfamos errados se concluissemos que o 11 de Setembro se limitou a ser um ataque de pobres contra ricos. Nao se trata apenas de «ter e nao ter». Se fosse assim tio simples, deverfamos esperar que © ataque viesse de Africa, onde estio os paises m pobres, ¢ que talvez fosse langado contra a Arabia Saudita e os emirados do Golfo, que si0 os estados produtores de petréleo © os paises mais rico. Nao, E uma batalha entre fandticos que créem que o fim, qualquer fim, justifica os meios, € os restantes de 1iés, para quem a vida é um fim, no um meio. Tra. ta-se de uma luta entre os que pensam que ajustiga, © que quer que se entenda por tal palavra, € mais importante do que a vida, eaqueles que, como n pensam que a vida tem prioridade sobre muitos ‘outros valores, convicgdes ou credos. A actual crise Oriente, em Israel e na Pales- mundial, no Mé tina, nio é uma consequéncia dos valores do Islio. Nio se deve A mentalidade dos Arabes, como pro- clamam alguns racistas. De forma alguma. Deve-se a velha luta entre fanatismo e pragmatismo. Entre fanatismo ¢ pluralismo. Entre fanatismo ¢ tolerin- cia. O 11 de Setembro nao € uma consequéncia da bondade ou da maldade dos Estados Unidos, nem smo ser perigoso ou esplen- tem aver com o capit. doroso. Nem tio-pouco com ser oportuno ou com a necessidade de travar ou nio a globalizagio. Tem 4 ver com a tipica reivindicagio fanatica: se penso —= juntamente com que alguma coisa émé, aniquilo aquilo que a rodeia. © fanatismo € {que 0 Cristianismo, do que qualquer Estado, ‘9 fanatismo é um comp tico. Infelizmente, sempre presente na natureza humans, um Bene do Mal para apetidé-lo de algum modo. Aqucles que fase explodir clinicas onde se pratica 0 abortoy hos Estados Unidos, os que incendeiam sinagogas € eaquitas na Alemanba, s6 se diferenciam de Bin Laden na magnitude, mas no na natureza dos seus chimes, Naturalmente, 0 11 de Setembro produziu tristeza raiva, ineredulidade, surpresa, abatimentoy esorientagio e, € certo, algumas respostas racistas csntidrabes ¢ antimugulmanas — por todo o lado. Quem teria ousado pensar que ao século XX se seguiria de imediato o século XI? ‘A minha prépria infancia em J ista gm fanatismo comparado. A Jeru- Ii pelos anos 40, estava mais velho do que o Islio, do do que o Judaismo. Mais velho governo ou sistema poli; yonente jerusalém tornou- salém da minha infanc repleta de autoproclamados profetas, redentores € essias. Ainda hoje, todo o jerosolimitano possui a sua formula pessoal para a salvagio instantinea. ‘Todos dizem que chegaram a Jerusalém uma frase famosa de uma velha eanSo — pant? construfrem eserem construidos por ela, Naa de, alguns Gudeus, ristios, immcalnatitescice, anarquista ereformadores do mundo) acudiraa Jerusalém, nao tanto para a const a construidos por ela, mi rifcadoren Js por ela, mas para serem crucifiados piece tea eae s 20 mesmo tempo. Ha uma desordem mental muite arreigada, uma reconhecida doenga mental chams: da ssindrome de Jerusalém uma pessoa inala 0 ar puro e maravlhoso da montanha ede | repente, inflama-se e pega fogo a uma mesquita a uma igeeja ou a uma sinagoga. Ou entio, tins roupasobe a um rochedoe comes fazer profe ‘Ji ninguém escuta. Mesmo hoje em dia, mesmo ne | Jerusalém actual, em qualquer fila do autocarro € provavel que surja uma exaltada conferéncia na via publica entre pessoas que ni h io se conhecem de nenhum lado, mas que discutem politica, moral cstratégia, Historia, idemtidade, religizoe as verda- deiras intengies de Deus. Os participantes nessas conferéncias, enquanto discutem polit teolog ‘Ber ¢0 Ma, tentam, no entanto, abrir eaminho lugares da fila. Toda lada até aos primeiros Excepto eu. Eu escu- a gente grita, ninguém ouve fo, as vezes, assim ganho a vida. } ‘Confesso que em miiido, em Jerusalém tm eu era um pequeno fanitico limitado por Ye rebral. Com presuncio de superioridade surdo e cego a qualquer ponto ‘fiferente do poderoso discurso judeu sionista da época, Eu era um rapaz Qe ivrrava pedras, um rapaz da Tatifada judaica. Na aedade, a8 primeiras palavras que aprendi a dizer Tor inglés, A parte o yes ¢ 0 no, foram British, $0 ome!, que era 0 que nds, rapazes judeus, costums patrulhas ‘vamos gritar enquanto apedrejévamos 3s britanieas de Jerusalém. Falando de ironias da His- téria, no meu romance de 1995, Uma Pantera na ‘Cave’, deserevo como um rapaz chamado ou com a alcunha Profi perde o seu fanatismo, o seu chauvi- nismo, ¢ muda quase por completo no espago de dluas semanas a0 tornar-se mais relativista. Em se- sgredo, ficara amigo de um inimigo: coneretamente, a cotovel: tam- Iavagem ce! ‘moral, chauvinista, de vista que fosse 1 aligdes ASA, 1998. (N. do E.) (wai 1 - de um sargento da policia britanica muity pouco competente, Os dois encontravam.s condidas e ensinavam inglés ¢ hebraico um tro. E 0 rapaz descobre que as mulheres cornos nem cauda, uma revelagio alive ¢ 0 tem ase ta chy. cante para ele como a descoberta de que se Brtnicos nem os Arabs tém corner ota algum modo, o rapaz desenvolve um sents ccc ee suas erensas a preto e branco. Mas, naturalmens, aga um prego por iso: no final deste pequong Fomance ja nio é uma crianga, mas uma peyuens pessoa mais velha, um pequeno adulto. Grande parte da alegria € do fascinio, do entusiasmo ¢ da singcleza da vida desapareceram., E, além disso, ga nha outra aleunha: os antigos amigos comegam ¢ chamé-lo de traidor. Vou citar a primeira pigina ¢ iia de Una Pantera na Cave, porque julge pee melhor forma de exprimir aquilo que eu penso em ‘matéria de fanatismo, Eo primeiro capitulo de Une Pantera na Caver Fui apelidado de traidor muitas vezes durante a ‘minha vida. Da primeira, tinha eu doze anos € trés meses 2 Jem. Foi iero de um dos extremos de Jerusaet gos de um ano de os Imgeset | nascer no meio da soe las grands dcixarem ies an Estado de Isra alec 1a “jo a grossos tra~ ea man apareseu uma insrigl0 8 BP Ss rede da nossa casa, por baixo da janela da NOGUED SHAPEL — «Profi € wm cards A plas hae ls evantow wi ge Cowes no on reer isi ne iin I aan dear de ser eles? Se a resposta Pa ae que Teta Reh conse carts ae tern dado ao trabalho de aetescentar & sree efor sim, em quecrcunstincis que a gos negros na pare corinha: PROFI Bi apie ate €um acto rele? Tova panied aura que me co de-Profn abeviatra de srofonor sultant da m= ‘srexanina a alas. And je gosto ordenas, mitra i= laram a aleunha ‘nha obsessio jmenso de palaveas, de as reuri verter, combinar — um pouco ao jeito dos avarentos, obcecados por moedas ¢ notas, ou dos jogadores por inha saido as seis e meia da manha para ir buscar o jornal e deparara-se com a inscri¢20 logo por bbsixo da janela da cozinha. Ao pequeno-almoco, enquan- to barrava uma fatia de pio integral com compota de 1B 4 framboess, eravou a faca no boido, quase até ao cabo, ¢ cexclamou com o seu tom pausa. “= Mas que surpresa! Que patifaria cometeu Voss, xceléncia para merecermos tamanho honra?! = Nio o aflijas logo pela manha! — atalhow a mi. nha mie, — Js Ihe basta aturar os outros rapazes. [Nessa altura © meu pai vestia roupa de caqui, como 4 maioria dos homens do nosso bairro, ¢tinha os modos ‘ca vor de uma pessoa cheia de earradas de raza, Erguey 4 faca€ retirou do fundo do frasco um pedago viscoso de doce de framboesa; espalhou-o por igual sobre as metades, da fatiae replicou: = E verdade que hoje em ‘apalavra «traidor+ com demasiads leviandade. Maso que ‘vem a ser um traidor? Sim, 0 que é, com efeito? Fun hhomem sem honra, um sujeito que, as escondidas, por detris das costas, por um qualquer beneficio insuspcito, ajuda o inimigo contra o seu povo, chegando mesmo a esgeagar a sua familia e amigos. E mais infame do que tum assassing, E tu, faz-me o favor de acabar de comer esse ovo! Na Asia hd quem morra de fome, esté aqui es carrapachado no jornal. ‘A minha mie puxou meu prato para sie acabou de ‘comer os restos do meu ovo e pio com doce — nto por forsa do apetite, mas por amor 3 paz — e remat ia quase toda a gente wes = Quem ama, nao atraigox! © leitor pode des- Mais a frente no romance, amente enganada. cobrir que a mae estava complet $5 quem ama se pode converter num taidor. 4 ra homo ¢o reveso doamor: uma das sas opsoe% Fe Mor, julgo, équem muda aos olhos daqueles due rey podem mudar ¢ nio mudardo, daqucles que tre stam mudar e no podem conceber a mudanéay Spesar de quererem sempre mudar os outros, Por aopas palavras, traidor, aos olhos do fandtico, é Guatquer um que muda. E € difll a escolha entre severter-se num fandtico ou converter-se num Nao converter-se num fandtico significa iid certo ponto ¢ de alguma forma, um traidor Eu fiz a minha escolha ¢ esse tes 40s olhos do fanitico. romance ¢ isso a prova fiel- Ttitulei-me especialista em fanatismo compa~ rado. Nao é nenhuma piada. Se alguém souber wde que vi abrir um de uma escola ou unive _ Bditado a parte de excerto da edigto portuguesa de Uma Pantera na Cave. (do E) departamento de Fanatismo Comparado, ca estarg ‘eu para solicitar um lugar de professor ude de antigo jerosoli reabilitado, sinto-me plenamente qualificado pary esse posto. Talver seja chegado 0 momento de today © as escolas, todas as universidades, facultarem pela a minha ano, € come faniticg ‘menos um par de cursos de Fanatismo Comparado, pois este esta em toda a parte. Nao me r as dbvias manifestagdes de fundamentalism e fer- vor cego. Nio me refiro apenas aos fansticos natos que vemos na televisio entre multidoes histéricas {que agitam os punhos contra as cimaras, a0 mesmo tempo que gritam slogans em linguas que nio en- tendemos. Nio, o fanatismo esta em todo 0 lado, Com modos mais silenciosos, mais civilizados. Esta presente & nossa volta ¢ talvez também dentro de nds. Conhego bastantes nio-fumadores que o quei- mariam vivo por acender um cigarro ao pé deles! Conhego muitos vegetarianos que o comeriam vivo por comer carne! Conhego pacifistas, alguns dos meus colegas do Movimento de Paz. israelita, por cexemplo, desejosos de dispararem directamente 3 minha cabeca 36 por eu defender uma estratégia ligeiramente diferente da sua para conseguir a paz Koes 0 tio-s6 No entanto, nao afirmo que {tra alguma coisa ‘com os Palestinianos. aque levante a vor cont qualquer um que qualquer um que lev Seja um fandtico, NSo sugiro que 4 1 opinibes veementes seja um fanstico, mente do fanatismo ide de superioridade manifest Gharo que nao. Digo que 2 5 fo adoptar-se uma att do de consensos certamente,s€ m: te ecolo- brota a moral que impesa a obtens raga muito comum que, gista pode adoptar uma atitude de superioridade rpral que impega a obtengio de consens0s, cnusaré muito pouco dano se 0 compararmoss POF um depurador étnico ou um terro~ todos os fandticos sentem uma pelo kitsch. Muito fre- segue contar até See om rista. Mais ainda, ‘er povem goo pei uentemente, o fandtico s6 cons soe cum mimero demasiado grande para ele ou para ela. Ao mesmo tempo, descobrire- ‘mos que, com alguma frequéncia, sin peferen,tas Nez wig ona fap epi Desprezam este mundo € No 08 faniticos si0 sentimentais incurs sentir do que pensar, pela sua prépria morte. " estio impacientes por trocé-lo pelo -Paraiso». v le ceatanto, 0 seu Paraiso é geralmente imaginado como ‘final de um mats fils ‘Vou contar uma histéria em jeito de divaga- ao: eu sou um reconhecido divagador, estou sem. pre a divagar. Um querido amigo e colega meu, 0 a israclita Sammy Michael, pas- 1 por que todos sou uma vez pela exper 6s ppassamos de vez em quando, de andar de tixi du- ante uim bom tempo com um condutor que Ihe ia {Jando a tipiea palestra sobre como é importante para nds, Judeus, matar todos os Arabes. Samimy Duvia-o em ver de Ihe geitar, «Que homem hor- rivel que voeé éE nazi ou fascista?»,decidiu ie por outro caminho © perguatou-Ihe: «E quem acha {que deveria matar todos os Arabes?» O taxista dis- sez «O que quer dizer com isso? Nés! Os Judeus Israclitas! Temos de o fazer! Nao ha escolha. Veja 56 © que nos fazem todos os Mas quem, tespecificamente, é que deveria fazer © trabalho? ‘A policia? Ou o Exército talvez? O corpo de bom- bbiros ou as equipas médicas? Quem deveria fazer 0 trabalho?» O taxista cogou a cabeca e disse: , excepto um ino meio, que diz timidamente com um fio de vor: «Eu no. Mas todos o mandam calarfuriosos. Uma vez tendo dito ue a conformidade ¢ a uniformidade si0 formas iMbueradas mas expandidas de fanatismo, devo com frequéncia, o culto da perso- leres politicos ou reli juos sedutores, podem tras formas disseminadas acrescentar que, nalidade, a idealizagio de giosos, a adoragao de indi muito bem constituir out de fanatismo. O século Xx parece ter dado mostras ites neste sentido. Por um lado, os regimes excelent totalitirios, as ideologias mortiferas, 0 chauvinis- tno agressivo, as formas violentas de fundamenta- lismo religioso. Por outro, a idolatria universal de ‘uma Madonna ou de um Maradona. Talvez 0 pior aspect da globalizagio seja a infantilizagio do igénero humano — «o jardim de infancia global>, 2 oe tio de bringuedos e aderegos reba ¢ chupa- canes Ans meados do sculo XX mais ano MeNes vr grin de win pats para outroy de um cone ne para outeo —yMmas grow modo até um deter a ior parte das memo momento do século Xt 3 Ta frande parte do mundo tinka, pelo isicas: onde passarei a minha fer € 0 que acontecers € de morrer. Quase toda a rronta anos — sabia que passaria 2 teow em algum lugar proximo, aa aes povoasio vizinha. Todas sabiam de ‘aariam a vida como 0 seus O28 Oe de forma sahante. E que, portando-se bem i iam para thor depois de mortos. © século Xx wosio destas e de outras certezas, cs. A perda destas certezas Zinado 0 meio século mais carreminado de idcologias,seguido do meio século ou Tens de fazer como eu, nio como 0 teu pair ov “Por favor, sé muito diferente de ambos». Ou quan- ‘Tens de muda, tens © casamento do 0s cdnjuges dizem entre si de fazer como eu, ou de contr rio resultard.» Com frequéncia, comeca pela ur- géncia em viver a propria vida através da vida de foutrem. Em anular-se a si préprio para facilitar a u 0 ou 0 bem-estar da geracio fr terri= realizagio do proxi eguinte, © auto-sacriicio eostuma inf seeveatimentos de culpa a0 seu beneficidrioy man Fulando-o ou mesmo controlando- Se ey ivesse Pumcolher entre os dois esterestipos de mic da fe oon anedota judaica — 2 mie que diz 20 filho, “sAcaba 0 pequen: er, ou a que iz, «Acaba © pequeno-a velmente escolheria © vabar 0 pequeno-almogo € morrer, almoco e viver com um sen~ Cimento de culpa para o resto da minha vida. Voltemos agora ao sombrio papel dos fanaticos ‘eao fanatismo no confit entee Israel ¢ a Palestina, fae Israc e grande parte do mundo arabe, O cho- gue entre Israclitas ¢ Palestinianos nao é na sa cegncia, uma guerra civil entre dois segmentos da shesma populagdo, do mesmo povo, da mesma cul- tora, Nao é um conffito interno, mas internacional. Felizmente. Porque os conflitos internacionais so ais faceis de resolver do que os internos — guer~ fas religiosas, lutas de classes, guerras de valores. Disse mais ficeis, nao faceis. Na sua esséncia, a ba~ talha entre Judeus Israelitas ¢ Arabes Palestinianos almoso ou mato-t Imogo ou mate menor de di em ver de prova indo 2¢% pio acabar 0 pequeno 2s mnio é uma guerra religiosa, embora os famiticos de srpos os Lados fasam o impossivel por transforms tr moma guerra religiosa. Fundamentalmente Finis do que um conflito territorial sobre a dole. questi: «De quem é terra?» E um doloroxy sm tem azo e quem fem 12730, conflita entre que! setee duae reivindicagdes muito convincentes, mui- te podeross, sobre o mesmo pequeno pais. Nem igucera eligioss, nem guerra de culeuras, nem des Seedo entre duas tradig6es. Simplesmente um, eedadeira disputa territorial sobre quem € 0 pro- prietirio da casa. E eu acredito que isto se pode resolver. ‘Acredito, de uma forma simples e cautclosa, ques inaginagio psa serve de protecsio pari Nitadh‘omtafanatsmo. Aeredto que us fatto sap de imainar oq #03 iim. Fim como no eso do bbe chorar no quarto Tina pode convetense mum fansco pr ee conse ura liga melhoia. Neste me Mit, bem gosta de os dizer que a Hteratraé {repre tract tontrs fant, qus€a injeedo de imagnasso pos tre Gost de poder estar snplsmente ee yrados do yosso fana~ ples. Infe- amas ficardo indo € assim 630 muitas historias € 0° im utilizados para fomen= 1 nacionalista. que 1 poemass ‘Histéria fora pevioridade evoral nach tat © pide tudo, hs algumas obras Inerseoe ic cr Na oP inipe es, mas podem ajudar. Shaken pode jdar mio: todo o extremismey toda a eruzada sirpigents, toda a forma de fanatieme 6 Sh feipeare seaba, mais tarde ou mais ceds £m teage iP em comédia. No final, 0 fanstico nunca esta ve mais satisfeito, ora morrendo Ora cOn- soem bobo. & uma boa injecsa0. E Gogol judas: faz. com que, grotescamentes amviys letores tomem consciéncia do poco que Sxpeamos, mesmo quando estamos convencidos de rartem por cento de ra740. Gogol ensina-nos que 0 oso proprio nariz pode transformar-se num nmnigo terrivel, num inimigo fanatico até. E pode acontecer que acabemos por perseguit fanaticamen- {eo nosso préprio nariz. Em si, nao é uma mé ligdo. Kafka é um bom educador a este respeito, se bem {que tenho a certeza de que cle nunca pretendeu liamente, 0 longo 43 far 0 dio © 2 5H ‘mais feliz vvertendo~ também pode 7 aque també {quando pensamos que prada de mal. Isso ajuda. Go, poderia falar muito mais Sobre a subtil conexio que vamos deixé-lo para out Taulkner pode ajudar. O posta israelita Yehud 19 melhor do que eu podria faseh quando afirma: «Onde temos £2730 n30 po- dem crescer flores E uma frase muito title Assim, dc certo modo, algumas obras Titerérias podem ajudar, mas no todas. Tse me prometerem nio levar & letra o que ntreversme-ia a assegurar que, pelo me- wentado 0 remy de humor & uma tha vida um fanstico (Ge houvesse tempo e espa sobre Kafka e Gogole vejo entre ambos, mas tra ocasiao.) E William Amijai expressa tud vou dizer, rnos em principio, julgo ter contra o fanatismo. O senti grande cura. Jamais vina fom sentido de humor, nem nunca vi qualquer pessoa com sentido de humor converterse num fandtico, a menos que ele ou ela tivessem perdido ‘ese sentido de humor. Os fansticos sio frequen- temente sarcdsticos, Alguns deles tém um sarcasm ‘muito agudo, mas de humor, nada. Ter sentido de 2s iis. gr ia humor implica a capacidade de se Tumor é relativismo, humor é 2 habi Hraryos como os outros nos veer, Humor é 2 62Pe Sefade de pereeber que, por muito cheia ds +2740 ha pessoa se sinta e por mais tremendamente tenha estado, ha um certo lado da ‘geaga. Quanto mais ra- yoa. E, neste que enganada qu Sida que tem sempre a sua rep oe tem, mais divertida se torna a pess rane pode se ser um israclta convicto da sua £3739 ca epalestiniano convicto da sua razdo ov qual quer pessoa convicta da sua raze. Com sentido de Fever bem pode acontecer que se seja P ‘mente imune ao fanatismo. ‘se eu pudesse comprimir o sentido de humor persuadir povoagdes inteiras imoristicas, imuni- rarcial- ‘em cépsulas e, depois, ‘pengolirem as minhas pilulas hu sudo desse modo toda a gente contra os fan.iticos, Talver um dia chegasse ao Prémio Nobel de Medi ‘om ver do de Literatura. Mas escutem! A si ir o sentido de humor em de fazer com que 0s outros ina, ples ideia de compri capsulas, a simples ideia engulam as minhas pilulas humoristicas para seu proprio bem, curando-os assim do seu mal, j4 est ligeiramente contaminada de fanatismo. Muito 2» «9 fanatismo extremamente infeesiono, vee do que qualquer virus. Pode-se dlmente, até mesmo 30 tentar Jo. Basta ler 0s jornais ou ver “ar como as pessoas Se conver tel eimente em fanatios antifanaticos, em fani- vee tifondamentaitas em eruzados antiihad see rve ndo podemos vencer 0 fanatisms ther Peamos, a0 menos, conte-lo um pause, Coma possatea a capacidade de rirmos de nés ropros 1 eapacidade de nos euidado, mais contagio contra fanatismo f2¢ Vencé-fo ou combate televisio para ¥ mmo os outros nos veer € um outro remé- Mook capacdade de convver com stuagdescvo jente de aprender a final esth em aberto, inclusivam situagbes, de aprender a desfrutar_com_essas idade, também pode ajudar. desfrutar com a diversi NNuo estou a pregar o relativismo moral cotal, com ferteza que no. Tento realgar a nossa capacidade fe nos imaginarmos uns aos outros. Fagamo-l0 2 todos os niveis, comeyando pelo mais quotidiano, Imaginemos o outro quando Iutamos, imaginemos ‘9 outro quando nos queixamos, imaginemos © ou- tro precisamente quando sentimos que temos cem por cento de razio. Mesmo quando se tem cem por io ¢ 0 outro estd cem por cento edul= ‘ecer stil imaginar 0 outro. Na vorade, fazemos isso a todo @ moment O meu “ijmo romance, O-Mesio Afar’, versa sOBre $08 0% vec pessoas espalhadas pelo globo ¢ ae ‘tém entre sea comunicagao quase mistica, Pressentsn a si emunieam constancemente enere si de forms 1°" Iepitica, embora se encontrem disseminados pelos ‘Terra. ide conviver com situacds imaginariamente, em aberto ceento de Fa yocado, continua quatro cantos da ‘A capacidade final em aberto ests para todos nést cescrever um romances Por EXEmP lo, Poe icaventre outras responsabilidad, a necesid ede mos Tevantarmor todas 2s manhs, tomar wm Como seria secu café ecomegar a imaginar 0 outro. Cor ia minha ~e como seria se eu fosse ele? E de jes de Tose ela, expariindia pessoal, na minha propria i nha histéria familiar, nao consigo Ue pensar frequentemente que, com uma Tigeira ‘modificagio dos meus genes ou das circunstancias dos meus pais, eu poderia ser ele ou ela, poderia ser istori 9 Edigbes ASA, 2004. (N. do E.) a dental, poderia ser um Margem Ocidental, : Rodoxo, podcria ser um judew merc de um pas do Tereciro Mundo, poderia ser orient diferent. Poderia ser um dos meus inimi. Bor gon anos, quando ainda era uma erianga, a mi. wha sapientssima avs explicourme com palavras se cimples a diferenga entre um judew © um judew eum mugulmano, mas cristio, nfo entre UM qhere um judeu e um cristo: «Olha,» disse «os Cr thos acreditam que o Messias ja cd esteve uma vez ¢ que, certamente, regressari um dia, Os Judeus de- fendem que o Messias ainda esta por chegar. Por » disse a minha avé «por isso, tem havido tanta raiva, tantas perseguigdes, derramamento de san- | Porqué? Por que nao podemos simples- gue, ddio... ste eoerar todos € er © qUe ACOntES? Se 9 Messias voltar e disser, ‘Oli, estou muito contente por vé-los de novo", os Judeus terio de accitar. Se, pelo contririo, 0 Messias chegar e disser, “Como testio, prazer em conhecé-os’, toda a Cristandade de pedir desculpa aos Judeus. Entretantoy a minha sabia av6 «vive e deixa vivers. Ela era, june 20 fanatismo. Conhecia 0 segredo de viver em situages de fis meio de conflitos nao resolvidos, de outras pessoas. Comecei por dizer que o fanatismo muitas vezes comega em casa. Quero terminar dizendo que 0 antidoto também se pode encontrar em casa, praticamente na ponta dos nossos dedos, Nenhum homem é uma ilha, disse John Donne, mas atrevo- «me humildemente a acrescentar: nenhum homem enenhuma mulher é uma ilha, mas cada um de nés é uma peninsula, com uma nictade unida a terra firme ea outra a olhar para 0 oceano — inal em aberto, no com a diversidade de ligada a familia, aos amigos, igio, 20 pats, 4 nagio, a0 sexo € 3 uitas outras coisas, € a outra metade a desejar que a deixem sozinha a contemplar o oceano. Penso que tos deviam deixar continuar a ser peninsulas. Todo o sistema politico e social que converte cada um de nés numa ilha donneana ¢ 0 resto da humanidade em inimigo ou rival é uma monstruosidade. Mas ao mesmo tempo, todo o sistema ideoldgico, p social que apenas nos quer transformar em molécu- las do continente, também é uma monstruosidade. 33 de peninsula é a propria condigio hy. gio i airy que merecemos continuay mana. £-0 que somos € 0 iran quem certo sentido, em cada casa 2 ada familia, em cada condigio humana, em, sea eelagio humana, temos de facto uma relagig Shure um certo mimero de peninsulas, ¢ sera me. thor que nos lembremos disso antes de nos tentar. mos modelar uns aos outros, de Virarmos as costay tins aos outros ¢ de tentarmos que quem ests ay nosso lado se torne igual a n6s, enquanto que o gue dle ou ela necessitam € de contemplar 0 occang durante algum tempo. E esta €a verdade para g, ‘grupos sociais, para as culturas, para as civilize, para as nagbes ¢, é verdade, para os Isradlitas coy Palestinianos. Nenhum deles € uma ilha e nenhum deles pode misturar-se inteiramente com 0 outro, Estas duas peninsulas deviam estar relacionadas ¢ ‘a0 mesmo tempo, deixadas & sua vontade. : que festa é uma mensagem pouco usual num tempo em que a violencia, a ira, a vinganga, 0 fundamentals mo, 0 fanatismo ¢ o racismo campeiam livremente no Médio Oriente e noutros lugares. Sentido de humor, a capacidade de imaginar 9 outro, a capacidade de reconhecer a capacidade Fy peninsular que existe em cada um de nés, ‘menos constituir uma defesa parcial cont fanitico que todos temos dentro de nés, Pode pelo 4.0 gene Conterés ia de 23 de Janciro de 2002 35

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