. Potenciais impactos, sobre os estudiosos, da sua própria
condição de crentes ou de não-crentes quando se trata da abordagem do fenômeno religioso.
QUESTÃO METODOLÓGICA BÁSICA
. Partir de um conceito para chegar ao fenômeno e à sua
reconceituação. QUESTÕES FUNDAMENTAIS À RELIGIÃO
COMO OBJETO DE ESTUDOS
O que é a Religião? Qual a natureza, dimensões e funções do
fenômeno nas sociedades humanas? Trata-se de um fenômeno englobante – um “fato social total" – ou uma dimensão das sociedades humanas mais ou menos autônoma das demais dimensões que as constituem? A RELIGIÃO COMO OBJETO DE ESTUDOS - Antiguidade Clássica e além: . Hecateu de Mileto (546-480 a.C.) e Heródoto (485-420 a.C.) – descrições. . Pré-Socráticos – crítica racionalista da religião. . Sob Alexandre, o Grande (356-323 a.C.), profusão de estudos sobre as religiões orientais, seus mitos, ritos e costumes religiosos. . Evêmero (ca. 330-ca. 250) – interpretação pseudo-histórica da mitologia em seu livro A Inscrição Sagrada. . Cícero (106-43 a.C.) – De Natura Deorum. - Idade Média: . Pedro, o Venerável (1092-1156), abade de Cluny – obras sobre o judaísmo, o islamismo e heresias. . Roger Bacon (1214-1294) – escritos sobre as religiões dos Tártaros, muçulmanos e judeus. . Ibn Hazn (994-1064), Livro das soluções decisivas relativas às religiões, seitas e escolas. . Averróis (Ibn Rosbd, 1126-1198). . Saadia (892-942) e Maimônides (1135-1204). A RELIGIÃO COMO OBJETO DE ESTUDOS - Modernidade: . J. Fr. Lafitau (Moeurs des sauvages américains comparées aux moeurs des premiers temps, Paris, 1724) – comparação entre as religiões do Novo Mundo e as da Antiguidade. . Ch. de Brosses (Du culte des dieux fétiches ou Parallèle de l’ancienne religion de l’Egypte avec la religion actuelle de la Nigritie, Paris, 1760) – fetichismo como primeiras formas de culto. . Fontenelle (Discours sur l’origine des fables, 1724, mas redigido em fins do séc. XVII) – perspectiva animista. . François Dupuis (L’Origine de tous les cultes, 1794) – deuses como força motrizes dos astros. . Freiderich Creuzer (Symbolik und Mythologie der alten Völkern, besonders der Griechen, 1810-1812) – tenta reconstruir as fases primordiais das religiões “pelagianas” e orientais e mostrar o papel dos símbolos. A CIÊNCIA DA RELIGIÃO, HISTÓRIA DAS RELIGIÕES OU RELIGIÕES COMPARADAS Friedrich Max Müller (1823-1900), Mitologia Comparada (1856) – precursor. Definição – disciplina acadêmica – de matriz empírica e fenomenológica – que investiga as religiões em todas as suas manifestações. Em termos metodológicos, as religiões são consideradas "sistemas de sentido formalmente idênticos“ a despeito da considerável diversidade de sua manifestação. Objetivos – inventariar os mais diversos fatos constitutivos do “mundo religioso” e promover a compreensão histórica do surgimento e desenvolvimento de religiões particulares, a identificação de seus contatos mútuos e a investigação de suas interrelações com outras áreas da vida social. A partir de um estudo de fenômenos religiosos concretos, o material é exposto a uma análise comparada. Isso leva a um entendimento das semelhanças e diferenças de religiões singulares a respeito de suas formas, conteúdos e práticas. O reconhecimento de traços comuns entre as diferentes religiões permitiria a definição de elementos que caracterizam universalmente o fenômeno religioso, concebido como fenômeno humano universal. RAMIFICAÇÕES
. Psicologia da Religião – instituída por volta de 1890, dedica-se à
experiência religiosa individual.
. Geografia da Religião – impactos do meio ambiente.
. Antropologia da Religião – religiões “primitivas”, “origem da
religião”, funções dos símbolos, do mito e do ritual.
. Sociologia da Religião – configurou-se em fins do século XIX,
assumindo então uma vigorosa inflexão funcionalista. Émile Durkheim (1858-1917) foi um de seus grandes expoentes. ALGUMAS PERSPECTIVAS ANTROPOLÓGICAS
Edward Tylor (Primitive Culture, 1871) – estabelecer as origens da
religião, cuja definição básica seria “a crença em seres espirituais” (animismo) subjacente a todos os sistemas religiosos. Tais crenças evoluíram à concepção da existência de seres espirituais responsáveis pelos eventos e fenômenos naturais, levando, por fim, o politeísmo a evoluir em benefício do monoteísmo, no qual o poder das várias divindades é circunscrito a uma única, o “animismo do homem civilizado”. Tylor concebia a existência de três formas básicas de “apreensão” do mundo: a ciência, a magia e a religião. ALGUMAS PERSPECTIVAS ANTROPOLÓGICAS
Lucien Lévy-Bruhl (Les fonctions mentales dans les sociétés
inférieures, 1910) – o pensamento primitivo é essencialmente mítico. O mundo não é apreendido em seu sentido natural; antes, é amplamente investido de emoção e de noções acerca de entidades sobrenaturais. Ainda que perceba as distinções gerais entre fenômenos como pássaros, árvores e pedras, essas não são concebidas apenas como objetos naturais, na medida em que podem ser receptáculos de poderes místicos ou possuírem características sagradas. Segundo Lévy-Bruhl, as representações não só controlam a percepção do mundo como também se fundem com ele, implicando em que os “primitivos” vejam o mundo de maneira diferenciada. Fenômenos como sonhos e visões, considerados subjetivos pelo pensamento moderno, seriam tão reais quanto a percepção cotidiana, ordinária. ALGUMAS PERSPECTIVAS ANTROPOLÓGICAS
Edward E. Evans-Pritchard (Witchcraft, Oracles and Magic Among the
Azande, 1937 e The Nuer, 1940) – crenças e ritos místicos formam um “sistema de ideias” expresso na ação social. Apesar da racionalidade de seu pensamento, para os Azande não há diferença entre as ações naturais e as ações de magia, espíritos e feitiçaria. A feitiçaria é ubíqua, um fator normal na vida social. Tais crenças fundamentavam uma teoria da causalidade que servia de complemento à teoria da causalidade natural. Sobre os Nuer, “algumas características do seu modo de vida só podem ser compreendidas se levarmos em conta o seu meio, e também alguns aspectos de sua estrutura política só podem ser compreendidos se considerarmos os seus meios de vida.” Para Evans-Pritchard, as concepções religiosas estão ancoradas em uma realidade social e material, assim como para Marx e Weber. ALGUMAS PERSPECTIVAS ANTROPOLÓGICAS
Alfred R. Radcliffe-Brown (Structure and Function in Primitive Society,
1952) – “discípulo” de Durkheim, considera errônea tanto a caracterização da religião como ilusória, com base em seu status epistemológico, quanto a intenção de estabelecer as suas origens. Visa compreender as crenças e práticas religiosas como parte de um complexo sistema pelo qual os seres humanos vivem em sociedades organizadas. O essencial reside nas funções sociais da religião, isto é, na sua contribuição à formação e manutenção da ordem social, devendo o analista focar sua atenção nos rituais mais do que nas crenças. A compreensão da religião deve fundamentar-se na tentativa de estabelecer as suas relações com a vida social de uma comunidade específica, ainda que tais relações sejam muitas vezes indiretas e difíceis de caracterizar. MIRCEA ELIADE E A FENOMENOLOGIA DA RELIGIÃO
Propunha a existência de uma experiência religiosa universal e considerava
que a religião devia ser compreendida no interior de “seu próprio campo de referência”, como um fenômeno religioso. Para Eliade impõe-se o respeito ao caráter fundamentalmente irredutível da experiência religiosa, e “qualquer tentativa de captar a essência de tal fenômeno por meio da psicologia, da sociologia, da economia, ou de qualquer outro estudo, é falsa, na medida em que lhe escapa seu elemento central e irredutível, o elemento do sagrado” (Patterns in Comparative Religion, 1958). Eliade considera que o historiador da religião deve decifrar o significado profundo do fenômeno religioso, concebendo-o em termos de seu sentido e de sua história. Toda experiência religiosa autêntica implica em um esforço desesperado por descobrir o fundamento das coisas, a sua realidade última. Mas toda expressão ou formulação conceitual destas experiências religiosas estão inseridas em um contexto histórico. Assim como Jung, o autor vincula a religião a um inconsciente humano em busca do sentido cósmico. MIRCEA ELIADE E A FENOMENOLOGIA DA RELIGIÃO Todos os fenômenos religiosos possuem um caráter simbólico, o que faz do ser humano um homo symbolicus. “Quando uma árvore se torna objeto de culto, ela não é venerada na sua condição de árvore, mas na de uma hierofania, isto é, uma manifestação do sagrado. E todo ato religioso, pelo simples fato de sê-lo, está relacionado a um significado que, em última análise, é ‘simbólico’, na medida em que se refere a seres ou valores sobrenaturais”. (Methodological remarks on the study of religious symbolism, 1959) A religião, e a cultura primitiva em geral, são caracterizadas por um esquema estruturado subjacente que unifica, por meio do simbolismo, diversos aspectos da existência no interior de uma unidade cosmológica. Neste processo, os homens “arcaicos”, na cultura pré-capitalista, sentem-se como parte de um cosmos vivo, e a sua existência não é fragmentada, diferenciada ou alienada. Ademais, o simbolismo manifesta-se a partir de modelos arquetípicos, entendidos como “modelos exemplares” ou “paradigmáticos”.