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NEGÓ CIO JURÍDICO

e interpretação
Andrea Zanetti
Agenda
• A classificação do negócio jurídico
• Teoria do fato jurídico
• Noção
• Negócio jurídico no Código Civil de 2002
• Art. 112 e 113 do CC
• Alguns princípios aplicáveis a interpretação do negócio
jurídico ( autonomia privada, função social, boa-fé e equilíbrio)
Estrutura geral

Fato jurídico em sentido amplo

Fatos naturais (fatos Fatos humanos (atos


jurídicos stricto sensu) jurídicos lato sensu)
Modalidades de fato jurídico em sentido amplo

Fatos naturais (fatos


jurídicos stricto sensu)

Acontecimentos naturais Acontecimentos naturais


ordinários (decurso do tempo, extraordinários (força maior,
nascimento, morte, frutificação) enchentes, terremotos)
Modalidades de fato jurídico em sentido amplo

Fatos humanos (atos jurídicos lato


sensu)

Fatos ilícitos Fatos lícitos

Ato jurídico em sentido


estrito ou ato jurídico Negócio jurídico Ato-fato jurídico
lícito
Ex. contrato Ex. achado
Ex. Fixação ou compra e venda, de tesouro
transferência de testamento, pelo
domicílio, promessa de enfermo
pagamento de recompensa, mental,
débito, intimação, confissão de dívida prescrição
notificação
Negócio Jurídico: CC/1916 x CC/2002
• CC/1916: Teoria Unitária (não distingue do ato jurídico)

• CC/2002: Teoria Dualista (figura autônoma)

Ato Jurídico em Sentido Estrito Não há acordo de vontade


Há declaração expressa de
Negócio Jurídico
vontade; vontade qualificada
Negócio Jurídico - Noção
Negócio jurídico - Antônio Junqueira de Azevedo (2004, p. 16):

• Como categoria - fato jurídico (declaração de vontade + efeitos constitutivos de direito).

• In concreto, negócio jurídico é todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o
ordenamento jurídico atribui efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de
existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide.

Negócio Jurídico Declaração de vontade direciona a produção


dos efeitos jurídicos (desejados)

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Exemplos em outros ordenamentos jurídicos

A declaração ou acordo de vontades, Ele é o ato pelo qual o indivíduo


pela qual os particulares se propõem a regula, por si, os seus interesses, nas
conseguir um resultado, que o direito relações com os outros (atos de
considera digno de sua especial tutela, autonomia privada): ato ao qual o
seja com base na declaração ou no direito liga os efeitos mais conformes
acordo, seja complementado com à função econômico-social e lhe
outros fatos ou atos. CASTRO Y caracteriza o tipo (típica neste
BRAVO, 1985, p. 34 (livre tradução) sentido). BETTI, 2008, p.88
Negócio Jurídico: CC/1916 x CC/2002
O ato de autonomia da vontade ou autonomia privada está
habitualmente presente nos conceitos de negócio jurídico

• CC/1916: Autonomia da vontade - caráter individualista

• CC/2002: Autonomia privada – caráter social

• Diretrizes da CF/88
• Prevalência dos valores coletivos sobre os individuais
• Prevalência de valores como equidade e boa-fé
• Função social do contrato
Teoria do Negócio Jurídico
TEORIA VOLUNTARISTA (OU DA VONTADE) - Willenstheorie
Savigny, Windscheid, Enneccerus

- O núcleo do negócio jurídico é a vontade interna, a intenção do declarante;


- Considera apenas a vontade em si;
- Alguns doutrinadores afirmam a influência significativa dessa teoria no CC/2002

Art. 112, CC/2002. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção


nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem (Teoria
Subjetiva)

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Teoria do Negócio Jurídico
TEORIA OBJETIVA (OU DA DECLARAÇÃO DA VONTADE) - Erklärungstheorie
Relatos de Brinz e Thon

- O núcleo do negócio jurídico não é a vontade interna, é a vontade externa


que se declara.

- A eficácia do negócio repousa em sua declaração

Obs.: Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a


boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

11
A função hermenêutica da boa-fé
Qual o sentido da boa-fé previsto no art. 113, CC

• Art. 113,CC. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os


usos do lugar de sua celebração.

• Pautado pela perspectiva sentido ético, comportamento esperado e interesse comum das
partes – pode servir como princípio de integração
- relacionado ao conteúdo contratual,
- extensão interpretativa
- sentido da declaração

Obs. Aplicação aos negócios em geral(testamento, contrato, casamento)


Boa-fé objetiva

Outras funções da boa fé:

Art. 422, CC – Criação de Art.187, CC – Função corretiva


deveres anexos, secundários
Visão atual

As teorias são complementares e não devem ser tomadas de modo extremo. É


preciso observar a vontade interna e a externa, ainda que em algumas hipóteses
possa haver preponderância de uma ou outra. Ex. art. 112 em conjunto (vício de
vontade como erro) com o art. 113 (declaração de vontade).
A aplicação do art. 113 do CC

STJ, REsp n. 715.894/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 26/4/2006,
DJ de 19/3/2007, p. 284.

• Cláusula, em contrato de abertura de crédito em conta corrente, que estabeleceu juros


remuneratórios, sem fixar a taxa aplicável
• Cláusula que prévia a possibilidade de preenchimento ou definição unilateral da taxa aplicável
pelo banco
• Segunda Seção do STJ decidiu ser abusiva a disposição contratual que permite o preenchimento
do conteúdo do contrato ao arbítrio da instituição financeira (cláusula potestativa pura).
A aplicação do art. 113 do CC

Diante disso, e considerando que as instituições financeiras não se sujeitam ao


limite de 12% para a cobrança de juros remuneratórios, a Segunda Seção aplicou
juros correspondentes à média de mercado nas operações da espécie. Para tanto,
fundamentou o preenchimento do conteúdo da cláusula de acordo com os usos e
costumes, e com o princípio da boa fé (arts. 112 e 113 do CC/02).

STJ REsp n. 715.894/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção,


julgado em 26/4/2006, DJ de 19/3/2007, p. 284.
A aplicação dos art. 112 e 113 do CC

TJSP; Apelação Cível 1096122-54.2020.8.26.0100; Relator (a): Carlos Dias Motta;


Órgão Julgador: 26ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 40ª Vara Cível;
Data do Julgamento: 09/12/2021

• Ação declaratória de inexistência de débito c. c. anulação de lançamentos em


cadastros de inadimplentes envolvendo contrato de prestação de serviço

• Controvérsia sobre o termo inicial do contrato de prestação de serviços celebrado


entre as partes, bem como sobre a eventual exigibilidade de multa por rescisão
antecipada do aludido contrato.

• Continua…
Continuação…

• Consideração da real intenção das partes, ao invés dos termos literais do contrato e da boa-fé
objetiva (conduta colaborativa e esperada das partes) artigos 112 e 113 do Código Civil
• Contrato e disposição contida no formulário anexo, apontam o início do contrato em agosto de
2019
• Todavia, consoante as trocas de mensagens entre as partes, durante as tratativas, o
representante da empresa autora solicitou a indicação no contrato que os seus efeitos
retroagiriam a agosto de 2017 e o representante da empresa ré anuiu com o solicitado. A data
de agosto de 2019 se referia apenas à incidência do desconto em nota fiscal.

TJSP; Apelação Cível 1096122-54.2020.8.26.0100; Relator (a): Carlos Dias Motta; Órgão
Julgador: 26ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 40ª Vara Cível; Data do
Julgamento: 09/12/2021; Data de Registro: 09/12/2021
Continuação…

• Diante disso, reconheceu-se a intenção das partes e não se ateve à literalidade do instrumento
para reconhecer o termo de início do contrato em agosto de 2017 e, consequentemente, o
cumprimento do prazo de vigência de trinta meses.

• Manifestação de vontade de encerramento da relação contratual observou o prazo do contrato


e o prazo de aviso prévio (noventa dias do termo final), previsto no contrato.

• Não havendo razão para aplicação de multa contratual por rescisão antecipada do contrato.
Reconhecimento da inexistência de débito.

TJSP; Apelação Cível 1096122-54.2020.8.26.0100; Relator (a): Carlos Dias Motta; Órgão
Julgador: 26ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 40ª Vara Cível; Data do
Julgamento: 09/12/2021; Data de Registro: 09/12/2021
Negócio jurídico: contrato
A boa-fé objetiva será modulada pelas características do negócio
Apresenta gradações
A interpretação poderá incluir outros dispositivos do CC e mesmo da legislação
especial (poderá ocasionar a revisão contratual, inclusive)

Contratos Civis e Empresariais

Contratos de Consumo
Contratos existenciais

Diálogo das fontes


STJ, REsp n. 1.692.763/MT, relator Ministro Moura Ribeiro, relatora para acórdão
Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 11/12/2018, DJe de 19/12/2018
Caso (relevância dos princípios – casuística): Contrato de arrendamento rural cuja
cláusula de preço foi fixado em produto (sacas de soja) ou se equivalente em dinheiro.
Estipulação que contraria o art. 18, parágrafo único do Dec. 59.566/66 (o arrendamento
rural deve ser fixado apenas em dinheiro), o que determinaria a nulidade da cláusula e a
impossibilidade de cobrança dos valores na execução proposta.
Todavia, no caso, o que se verificou foi a avença firmada há mais de 16 anos, não
havendo notícia de que o arrendatário tenha apresentado qualquer objeção a cláusula. A
manifestação do arrendatário só se deu nos embargos à execução, aproximadamente
quatro anos após o advento do termo final do contrato. A atitude do arrendatário evidencia
comportamento contraditório, na visão da terceira turma do STJ, contrariando a boa-fé
objetiva prevista no art. 422 do CC (nemo potest venire contra factum proprium).
TJMG - Apelação Cível 1.0000.20.070262-9/001, Relator(a): Des.(a) Mônica
Libânio , 11ª Câmara Cível, julgamento em 08/04/2021, publicação da súmula
em 09/04/2021
Caso: Relação de consumo. Ação revisional de contrato bancário referente a cartão de crédito e sua
vinculação automática a empréstimo consignado. Situação que não evidencia para o consumidor as taxas
aplicáveis em prática que contribui para a superendividamento do consumidor.
* Mitigação da pacta sunt servanda - princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e do
dirigismo contratual.
*Revisão que também decorre da boa-fé objetiva - Admite-se a revisão da taxa de juros remuneratórios
quando evidenciada a sua discrepância em relação à média de mercado. Nos termos do art. 6º, III, do
diploma consumerista, é direito básico do consumidor "(...) a informação adequada e clara sobre os
diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição,
qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem (...)".
TJMG - Apelação Cível 1.0000.20.070262-9/001, Relator(a): Des.(a) Mônica
Libânio , 11ª Câmara Cível, julgamento em 08/04/2021, publicação da súmula
em 09/04/2021
Trecho da ementa (Diálogo das Fontes):
“O art. 52 do CDC ainda traz previsão específica sobre dever de informação no âmbito dos
contratos envolvendo a concessão de crédito. Constatada dubiedade, o negócio jurídico deve ser
interpretado de maneira mais favorável ao consumidor/aderente, em atenção às normas insculpidas
no art. 47 do CDC e no art. 423 do Código Civil. A prática comercial, cada vez mais corriqueira, de
se revestir com a roupagem do cartão de crédito negócios jurídicos com natureza de empréstimo
consignado consiste em artifício para a fixação de elevadas taxas de juros no âmbito de
empréstimos consignados, sem que se assegure nenhuma vantagem ao consumidor. Trata-se de
prática comercial predatória, violadora da função social do contrato e que contribui para o
superendividamento…”
Referências bibliográficas

• CASTRO Y BRAVO. Frederico. El negocio Jurídico. Madrid: Civitas, 1985


• BERNARDES DE MELLO, Marcos. Teoria do Fato Jurídico, v.1, 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
• BETTI, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico. Campinas/SP: Servanda, 2008. t. II
• GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil - Parte geral, 23. ed.
São Paulo: Saraiva Educação, 2021.
• GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. ordenador e atualizador Edvaldo Brito; atualizadora
Reginalda Paranhos de Brito. – 22. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.
Referências bibliográficas
• GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Parte Geral, v.1, 19. ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2021.
• LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado – parte geral. Vol. 1. Ed. Saraiva: São Paulo, 2004
• MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado, t. III. Atualizado por Marcos
Bernardes de Mello Marcos Ehrhardt Jr. São Paulo: RT, 2012.
• MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Teoria geral do negócio jurídico. São Paulo, Atlas, 2009.
• MOTA PINTO, Carlos Alberto. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Ed. Coimbra, 2005
NEGÓ CIO JURÍDICO
e Lei de Liberdade
Econô mica
Andrea Zanetti
Agenda
• Critérios práticos relevantes para a interpretação
• A função hermenêutica da boa-fé objetiva
• Critérios práticos relevantes para a interpretação
• Considerações sobre os §§ 1º e 2º do art. 113 (Lei de
Liberdade Econômica)
• Aplicação a partir de análise de julgado
Qual o sentido e alcance do conteúdo do negócio (declaração de vontade)?
Antes das alterações da Lei nº 13.874 de 2019

Busca-se apurar a vontade concreta das partes, não prevalecendo o sentido


-
literal e abstrato (art. 112, CC);

Faz-se necessário observar outros elementos objetivos (presunção da


boa-fé, usos e costumes do local. Art. 113, CC);

Negócios jurídicos benéficos (ou gratuitos) e renúncias de direito devem


ter interpretação restrita (art. 114, CC).

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A função hermenêutica da boa-fé
• Art. 113,CC. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme
a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

A boa-fé objetiva apresenta modulações, gradações que serão dadas pela


particularidade de cada negócio.
• Aspectos relevantes para a interpretação
Aspectos Descrição
Consideração do negócio em si (elemento fático) 1º- Características
2º - Duração
3º - objeto do contrato
4º - partes envolvidas
5º - limites legais
6º - obrigação relacionada ao objeto do contrato

Microssistema em que o negócio está inserido Leis especiais (regulamentos específicos, princípios
(especificidades do elemento normativo) específicos do microssistema)
Regime jurídico aplicável (elemento normativo) Lei e princípios, cláusulas gerais e conceitos vagos
para preenchimento, normas de acesso
Leis especiais
STJ, REsp n. 1.692.763/MT, relator Ministro Moura Ribeiro, relatora para acórdão
Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 11/12/2018, DJe de 19/12/2018
Caso (relevância dos princípios – casuística): Contrato de arrendamento rural cuja
cláusula de preço foi fixado em produto (sacas de soja) ou se equivalente em dinheiro.
Estipulação que contraria o art. 18, parágrafo único do Dec. 59.566/66 (o arrendamento
rural deve ser fixado apenas em dinheiro), o que determinaria a nulidade da cláusula e a
impossibilidade de cobrança dos valores na execução proposta.
Todavia, no caso, o que se verificou foi a avença firmada há mais de 16 anos, não
havendo notícia de que o arrendatário tenha apresentado qualquer objeção a cláusula. A
manifestação do arrendatário só se deu nos embargos à execução, aproximadamente
quatro anos após o advento do termo final do contrato. A atitude do arrendatário evidencia
comportamento contraditório, na visão da terceira turma do STJ, contrariando a boa-fé
objetiva prevista no art. 422 do CC (nemo potest venire contra factum proprium).
TJMG - Apelação Cível 1.0000.20.070262-9/001, Relator(a): Des.(a) Mônica
Libânio , 11ª Câmara Cível, julgamento em 08/04/2021, publicação da súmula
em 09/04/2021
Caso: Relação de consumo. Ação revisional de contrato bancário referente a cartão de crédito e sua
vinculação automática a empréstimo consignado. Situação que não evidencia para o consumidor as taxas
aplicáveis em prática que contribui para a superendividamento do consumidor.
* Mitigação da pacta sunt servanda - princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e do
dirigismo contratual.
*Revisão que também decorre da boa-fé objetiva - Admite-se a revisão da taxa de juros remuneratórios
quando evidenciada a sua discrepância em relação à média de mercado. Nos termos do art. 6º, III, do
diploma consumerista, é direito básico do consumidor "(...) a informação adequada e clara sobre os
diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição,
qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem (...)".
Contexto da Lei de Liberdade Econômica –
Lei 13.874 de 2019
• Função: estabelecer normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade
econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador.
• Introduziu os §§ 1º e 2º do art. 113 – indicação de critérios de interpretação dos negócios jurídicos
em geral já consolidados pela doutrina, jurisprudência (relações empresariais e civis – paritárias).
• Origem da norma – desdobramento da Medida Provisória 881
• Há crítica de linhas doutrinárias
• Estrutura e organiza a temática para a interpretação dos contratos paritários civis e empresariais,
precedidos de negociação
• Necessidade de reflexão e estudo
As alterações da Lei nº 13.874, de 2019
(Lei de Liberdade Econômica)
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua
celebração.
§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que:
I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio;
II - corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio;
III - corresponder à boa-fé;
IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e
V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do
negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração.
§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos
negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei.
Confirmado pelo comportamento das partes após a celebração (I)

O intérprete deve considerar todas as circunstâncias do negócio, desde as


tratativas, logo o comportamento das partes de modo a firmar ou infirmar os
termos do contrato e, em especial, coibir o comportamento contraditório (venire
contra factum proprium)

Obs. Tal aspecto não se restringe aos contratos civis e empresariais e nem
limita, na linha interpretativa da boa-fé objetiva outros efeitos que a conduta das
partes pode criar a exemplo da supressio e surrectio, tu quoque, entre outros.
Corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de
negócio (II)
i. Usos conceito aberto. Sentido possível, entre outros, prática habitual das partes relacionadas
ao negócio

ii. “O costume é a prática reiterada e uniforme de um comportamento (elemento material) que


gera a convicção de sua obrigatoriedade, a ´opinio juris et necessitatis´ (elemento
psicológico)” (AMARAL, 2019, p.113)

iii. As práticas do mercado são práticas negociais de um determinado setor (mercado) ou de


uma região que apresenta características particulares já consolidadas.
For mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se
identificável (III)
a. Previsão do art. 423 do CC – interpretação favorável ao aderente
diante ambiguidades e cláusulas contraditórias.
b. Ampliação: aplicação aos contratos em geral, não apenas aos
contratos de adesão.
Máximas
• Interpretação contra a parte que redigiu o instrumento (interpretatio contra
proferentem).
• Qualquer obscuridade é imputada a quem redigiu a estipulação (ambiguitas contra
stipulatorem est).
Corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão
discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade
econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no
momento de sua celebração (IV)

1ª - Expressão “racionalidade econômica”, poderá remeter a


questão das trocas eficientes entre as partes e a alocação do risco
para um determinado contrato (linha da Análise Econômica do
Direito)
2ª - Em uma visão de equilíbrio:
Assim:

“a racionalidade econômica das partes adquire um sentido jurídico próprio,


que não reivindica o monopólio da razão frente à Economia. O sentido de
promover não eficiência, mas liberdades. E liberdades no plural, dada a
diversidade de perfis acolhida e resguardada pelo Direito Brasileiro, sem
descurar das garantias institucionais que moldam a operação de uma Ordem
Econômica não apenas guardada, mas, em parte, constituída pelo Direito
vigente.” (RAMOS e CATALAN, p. 18, 2021)
Expressão da Autonomia privada
Art. 113. ...
§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas
e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei.
- Liberdade contratual de estipular a interpretação do contrato considerando as
particularidades do negócio, do setor e do mercado
- Não serão tolerados abusos - desvios da finalidade pretendida pela lei, função econômica-
social do negócio, boa-fé e bons costumes (art. 187, CC)
- Impossibilidade de afastar a aplicação de preceitos de ordem pública e normas cogentes
- -Trata-se de autonomia privada, no sentido diverso da “autonomia da vontade”
Negócio Jurídico: interpretação
• REGRAS PRÁTICAS (GONÇALVES, 2022, p.134)

- Na dúvida, interpreta-se de forma menos onerosa para o devedor (in dubiis quod minimum est
sequimur);

- Cláusulas contratuais não devem ser interpretadas isoladamente;

- A anulabilidade de uma cláusula ou disposição não implica invalidade de todo o negócio


jurídico

- Na cláusula suscetível de dois significados, interpretar-se-á em atenção ao exequível


(princípio do aproveitamento)

41
TJRJ, Vigésima quinta Câmara Cível, Apel. 0208730-81.2018.8.19.0001 - Des(a). Rel,.
WERSON FRANCO PEREIRA RÊGO, Julgamento: 30/03/2022. www.tjrj.jus.br

CASO: Ação de indenização por danos materiais pela supressão do tempo contratualmente previsto de
afretamento de dois navios-sonda, destinados ao uso de empresa especializada em exploração e extração
de petróleo no Rio de Janeiro. Contrato com sucessivas prorrogações e, no último aditivo, foi exigido que
a empresa, proprietária dos navios e sonda, realizasse altos investimentos (US$ 880.000.000,00)
destinados às adaptações especiais para a empresa exploradora de petróleo, com o compromisso da
continuidade do contrato por tempo determinado. A docagem para as adaptações superou a previsão de
150 dias (que não seriam computados para o prazo de afretamento), o que não obstou a continuidade da
relação contratual, pois a empresa ré utilizou os navios por aproximadamente dois anos, quando resiliu
unilateralmente o contrato com a supressão de parte do prazo de afretamento previsto no contrato. (TJRJ,
Vigésima quinta Câmara Cível, Apel. 0208730-81.2018.8.19.0001 - Des(a). REl,. WERSON FRANCO
PEREIRA RÊGO, Julgamento: 30/03/2022. www.stj.jus.br
Fundamentação (TJRJ, Vigésima quinta Câmara Cível, Apel. 0208730-81.2018.8.19.000)

• Relação paritária entre empresas de grande porte e que demanda a observância de


especificidades do mercado art. 133, ,§ 1º, V do CC
• Considerar que apenas o prazo estimado de 150 dias de docagem poderiam ser
contabilizados para efeito de suspensão do contrato, implica na interpretação mais
favorável àquele que estipulou a cláusula – o que contraria o art. 113,§ 1º, IV do
CC (Interpretatio contra stipulatorem).
• Vedação ao comportamento contraditório (non venire contra factum proprium).
Afinal a empresa ré acompanhou os trabalhos de adaptação do navio e, em nenhum
momento questionou o excesso de prazo destinado à adaptação - art. 113,§ 1º, I do
CC
Continuação… (TJRJ, Vigésima quinta Câmara Cível, Apel. 0208730-
81.2018.8.19.000)
• Vedação ao comportamento contraditório (non venire contra factum proprium).
Afinal, a empresa ré acompanhou os trabalhos de adaptação do navio e, em nenhum
momento, questionou o excesso de prazo destinado à adaptação - art. 113,§ 1º, IV
do CC
• “Exercício arbitrário, potestativo puro, de revogação de cláusula suspensiva
expressa. Inadimplemento contratual da Ré” e “dever jurídico sucessivo de
recompor os danos patrimoniais decorrentes.”
• Decisão de Condenação da empresa ré ao pagamento do afretamento diário
subtraído da empresa autora para cada sonda.
CASO: Interpretação de acordo para partilha de bens

AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÃO A CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ACORDO. INTERPRETAÇÃO. Os


negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé, sendo que, nas declarações de vontade se
atenderá mais à intenção nelas consubstanciada, do que ao sentido literal da linguagem – art. 112 e
art. 113, ambos do CC. Interpretação do negócio jurídico que deverá corresponder a qual seria a razoável
negociação dar partes – art. 113, § 1º, do CC. Hipótese na qual, em dissolução de união estável, quanto ao
pagamento da meação da agravada, relativamente à partilha do imóvel comum, as partes acordaram uma
data limite para venda pelo varão e, ainda outra, para que ele próprio a adquirisse. Para o vencimento de
ambas as datas, sem solução, acordaram a incidência de correção monetária sobre o capital e pagamento de
aluguel, o que não pode ser interpretado como uma terceira opção ao devedor, mas compensação da parte
adversa pelo uso do imóvel sem o pagamento de seu crédito. Possibilidade de execução. Improcedência da
impugnação ao cumprimento de sentença mantida. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.(Agravo de
Instrumento, Nº 70083266866, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Afif Jorge Simões Neto,
Julgado em: 28-04-2020)
Referências bibliográficas

• CASTRO Y BRAVO. Frederico. El negocio Jurídico. Madrid: Civitas, 1985


• BERNARDES DE MELLO, Marcos. Teoria do Fato Jurídico, v.1, 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
• BETTI, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico. Campinas/SP: Servanda, 2008. t. II
• GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil - Parte geral, 23. ed.
São Paulo: Saraiva Educação, 2021.
• GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. ordenador e atualizador Edvaldo Brito; atualizadora
Reginalda Paranhos de Brito. – 22. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.
Referências bibliográficas
• GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Parte Geral, v.1, 19. ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2021.
• LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado – parte geral. Vol. 1. Ed. Saraiva: São Paulo, 2004
• MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado, t. III. Atualizado por Marcos
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