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O PRINCIPIO ANARQUISTA Em seus comegos, a anarquia apresentou-se como uma simples negagav. Negagao do Estado e da acumulagao pessval do capital. Negagao de toda especie de autoridade. Negagao ainda das formas estabelecidas da socitedade, embasadas na injustiga, no egoismo absurdo © na opressao, bem como da moral corrente, derivada do Codigo Romano, adotado e san- ta. For nessa lu tificado pela Igreja c a, engajada contra a autoridade, nascida ne proprie seio da Internacional, que o partido anarquista constitui -se como partido revalucianari » istinto. Eh evidente que espiritos tio profundos quanto Godwin, Proudhon ¢ Bak neyayao. A alirmayio —a concepydo de uma suviedade livre, m, née podiam limitar-se a uma simples sem autoridade, avangando para a conquista do bem-estar material, intelectual e moral — seguia de perto a negagdo; ela era a sua contrapartida. Nos escritus de Bakunin, tanto uanto naqueles de Proudhon, ¢ também de Stirner, encon- tramos profundas consideragdes relativas aos fundamentos histérivos da idéia anti-autoritaria, a parte que ela desem- penhon na historia, ¢ aquela que deverd desempenhar no ‘senvolvimento futuro da humanidade, “Nada de Estado’ sua forma negativa, tinha um profundo sentido alirmative ou “nada de autoridade”, malyrado em suas bocas. Era um principio flosdfico e pratico, signi ficando ao mesmo tempo que todv o eonjunte da vida das soviedades, tude — desde as relagdes cotidianas entre indivi duos até as grandes relaydes das ragas para além dos ovcanos — podia e devia ser reformado, ¢ o seria necessariamente, 34 O PRINCIPIO ANARQUISTA cedo ou tarde, segundo os principios da anarquia: a liberdade plena © completa do individuo, os grupamentos naturais € tempordrios, a sulidariedade, passada av estade de hébito so cial. Eis por que a idéia anarquista apareceu de repente grande, irradiante, capaz de arrebatar © inflamar os melho- res espiritos da épova Pronunciemos a palavra, ela era [iloséfica. Hoje, riem da filosofia, Entretanto, nao riam no tempo doD ao alcance de todos ¢ vonvidandu todos a adquirir nogdes g ciondrio filosofico, de Voltaire, que, colocande a Gilosafia rais de todas as voisas, faaia uma obra revolucionaria, da qual encontramos os vestigios, na sublevagao do campo, nas gr n- des vidades de 1793 © no entusiasmo ardente dos voluntérios da Revolugao. Naquela época, os esfomeadores temiam a fi- losolia. Mas os curas ¢ 08 homens de negavios, ajudados pelos [i- losofos universitarius alemiaes, servindo-se de jargao incom- preensivel, conseguiram a perfeicgdu tornar a filosofia inatil se no ridicula. Os curas ¢ seus adeptos tanto disseram que a Filosofia ¢ hesteira, que os ateus acabaram por crer nisso. Kos especuladores burgueses — os opurtunistas brancos, azuis & vermelhos — tanto riram de filosofo, que os homens sinceros cairam na esparrela. Qual especulador da bolsa, qual Thiers, qual Napoleao, qual Gambetta nao repetin isso para facilitar seus negavios? Assim, a filosofia é razoavelmente desprezada hoje. Pois bem, o que quer que digam os curas, os homens de negocios © aqueles que repetem o que aprenderam, a anarquia foi compreendida por seus fundadores como uma grande id¢ia filosdlica, Ela ¢, com efeito, mais de que uma simples causa de tal ou qual agdo, Ela é um importante principio flosdfico. E uma visio de conjunto que resulta da téntica compre sao dus fatos suciais, do passado histérivo KROPOTKIN Ja humanidade, das verdadeiras causas do progresse antigo e moderno. Uma concepgao que n&o se pode aceitar sem sentir modilicarem-se todas ay nussas apreciagSes, grandes ou pequenas, dos grandes fendmenos sociais, bem camo das pequenas relagées entre nos todos em nossa vida cotidiana. Ela é um principio de luta de todos os dias. E se é um principio nessa luta, ¢ porque resume as aspiragdes profun- das das massas, um principio, falseado pela ciéncia estatista ¢ pisoteado pelos opressores, mas sempre vive ¢ ativo, sempre cvriando v progres Ela que existem suciedades, buscou modi fivar as relagdes mituas, vu, malgrado e contra todos os opressores. exprime uma idéia que, em todos us tempos, desde eu m dia as transformara, desde aquelas que se estabelecem entre homens encerrados na me: a habitayfo, até aquelas nternacionais. que pensam estabelever-se em grupamentos Um principio, enfim, que exige a revonstrugio de toda a ciéncia fisica, natural e social. ek Esse lade positive v reconstrutor da anarguia nae vessou ie desenvolver-se. KE, hoje, a anarqe tem de carregar so- bre seus ombros um fardo bem maior do que aquele de seus comegos. J nao é uma simples luta contra camaradas de oficina que se arrogaram uma autoridade qualquer num agrupa- ment operario, Nao é mais uma simples luta contra chefes de outrora, nem mesmo wma simples luta contra um patrao, um juiz ou um policial. fh tudo isso, sem ditvida, pois sem a luta de todos os dias, para que chamar-se revolucionario? A idcia e a agi sao in- separaveis, se a id¢ia tem ascendéncia sobre v individus; e, sem ago, a propria idéia atrofia-se. E ainda bem mais do que isso. E a luta entre dois gran es principios que, em todos os tem pos, encontraram-se em oposigo na sociedade: o principio de liberdade © aquele de 36 O PRINCIPIO ANARQUISTA coergio. Dois principios que, neste momento, inclusive, vaio je nove engajar uma luta suprema, para chegar nevessaria- mente a um novo triunfo do principio libertario, Observai a vossa volta. O que restou de todos os partidos que outrora se anunciaram como partidos eminentermente revolucionarias? — S6 dois partidos esta em oposigdo: o partido da coergao e o partido da liberdade; os anarquiste ¢, contra eles, todos os outros partidos, qualquer que seja sua etiqueta, do: que, contra todos esses parti os anarquistas sao os Todos linicas a defender por inteira o principio da liberdad os outros gabam-se de tornar a humanidade feliz mudanda ou suavizando a forma do agoite. Se eles gritam “ahaixo a corda de canhamy da forea”, é para substituf-la pelo cordao de seda, aplicado no dorso, Sem agoite, sem coergao, de um modo ou de outro, sem o ageite do salario on da fome, sem aquele do juiz ou do policial, sem aquele da punigao sob uma forma ou outra, eles nao podem conceber a saviedade. So nds ousamos afirmar que puniydo, policia, juiz, salario e fome nunca foram, ¢ jamais serfo, um elemento de progresso; & se ha progresso sob um regime que reconhece esses instru- mentos de coergao, esse progresso ¢ conquistade contra esses instrumentos, ¢ nav por eles. a luta em que nos engajamos. E qual jovem coragde honesto ndo haterd vom a idéia de que ele também pode vir tomar parte nessa luta, ¢ reivindicar contra todas as minorias de opressores a mais bela parte do homem, aquela que fer tados os progressus que nos cercam ¢ que, malgrado isso, por isso mesmo, foi sempre pisoteadal Mas nao é tudol Desde que a divisao entre o partido da liberdade ¢ 0 par- tide da coergao tornau-se cada vez mais pronunciada, este ultimo agarra-se cada vez mais nas formas moribundas do passado. KROPOTKIN Sabe que tem diante de si um principio poderoso, capaz je dar uma forga irresistivel 4 revolugio, se um dia for bem compreendido pelas massas. E ele trabalha para apoderat se de cada uma das correntes que formam juntas a grande corrente revolucionaria. Pie a mao sobre o pensamento vo munalista que se anuncia na Franya ¢ na Inglaterra, Bu va apoderar-se da revulta operdria contra o patronato que se pro- duz no mundo inteiro. E, em vez de encontrar auxiliares nos socialistas menos avangadas que nds, encontramos nel , nessas duas diregGes um adversario astuto, apuiando-se subre toda a forga dos pre conceitus adquiridos, que faz desviar o sovialismo para vias obliquas e que acabaré por apagar até o sentido socialista do movimenty uperario, se os trabalhadures nao perceberem a tempo © nav abandonarem seus atuais formadores de opi- nido. O anarquista vé-se, assim, forgado a trabalhar sem des- canso¢ sem perda de tempo em todas essas diregdes, Deve fazer subressair a parte grande, filoséfica, do princi- pio da anarquia. Deve aplicé-la 4 cigncia, pois, por isso, ele ajudaraé a remodelar as idéias: ele combaterd as mentiras da historia, da economia social, da filosolia, v ajudaré aqueles que ja o fazem, amitide inconscientemente, por amor a ver dade cientifica, a impor a marca anarquista av pensamento do século. Deve apviar a luta ¢ a ayitagio de tados as dias contra opressures € preconveitos, manter o espirito de revolta em toda a parte onde © homem sente-se oprimide € possui a co- ragem de revoltar-se. Deve fazer fracassar as espertas maquinaydes de todos os partidos, vutrora aliados, mas hoje hostis, que trabalham para fazer desviar para vias autoritarias, os movimentos nas- cidos como revelta contra a upressio du capital e de Estado. 38 O PRINCIPIO ANARQUISTA enfim, em todas essas diregSes, ele deve encontrar, adi- vinhar pela prépria pratica da vida, as novas formas que os grupamentos, sejam de oficio, sejam territoriais © locais, po derao assumir numa seciedade livre, liberta da autoridade dus governos e dos esfumeadores. A grandeza da tarefa a ser realizada nao ¢ a melhor inspi- rayo para o homem que sente a forga de Lutar? Nao &, tam- bém, o melhor meio para apreciar cada fato separado que se produz na corrente da grande luta que devemus sustenta:

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