You are on page 1of 10

July-December 2014 • Volume 5 • Number 2 • p.

68-77

O riginal A rticle Open Access


http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/aviation
: http://dx.doi.org/10.15448/2179-703X.2014.2.19593

A relação entre instituições, fatores humanos e


segurança operacional na aviação
The relationship between institutions, human factors and
operational safety in aviation
Paulo Cezar Rodrigues Villas Bôas1
1
Prof. Dr. of the Faculty of Aeronautical Sciences, Pontifical Catholic University of Rio Grande do Sul - FACA PUCRS, Porto Alegre, RS. Commander of Douglas MD11,
Boeing B767 and B737, Lockheed Electra and Embraer Phenom 300. Flown with VARIG, Ethiopian Airlines and GOL, having held the position of Director of Operations
and Chief Pilot at Bertol Aerotaxi.

RESUMO
Este trabalho pretende enfatizar a relação entre organização e indivíduo, ou seja, o papel da cultura organizacional
na implementação dos fatores humanos no cotidiano operacional de uma empresa aérea e a influência deste
processo no grau de segurança operacional. Objetiva, de forma concisa, apresentar parte do conjunto de
conceitos que formam os fatores humanos em aviação, incluindo, a doutrina CRM. Cultura organizacional,
processos psicossociais e tecnologia embarcada são correlacionados de forma processual, evidenciando a
perspectiva sistêmica dos fatores humanos em aviação. A conclusão mais relevante recai na importância
do comprometimento institucional com fatores humanos, influenciando positivamente o grau de segurança
operacional das organizações.
Palavras-chave: Arranjo Institucional; CRM; Gerenciamento; Segurança operacional; Aviação

ABSTRACT
This paper aims to examine the relationship between the organization and the individual, i.e., the role of
organizational culture on the implementation of human factors in the daily operations of an airline company,
and the influence of this process on the level of operational safety. It intends to concisely present part of the
set of concepts that form the human factors in aviation, including CRM procedures. Organizational culture,
psychosocial processes and airborne technology are correlated in a procedural form, demonstrating the systemic
perspective of human factors in aviation. The most relevant conclusion lies in the importance of institutional
commitment to human factors, positively influencing the level of operational safety of organizations.
Keywords: Institutional Design, CRM, management, safety, aviation.

Pontifical Catholic University of Rio Grande do Sul Corresponding Author:


Porto Alegre, RS, Brazil Paulo Cezar Rodrigues Villas Boas
pvillas@gmail.com
Editor
Thaís Russomano Received: December 15, 2014
Microgravity Centre PUCRS, Brazil Accepted: December 26, 2014
Executive Editor
© 2014 EDIPUCRS
Rafael Reimann Baptista
Faculdade de Educação Física e Ciências do Desporto, PUCRS, Brazil This work is licensed under a
Creative Commons-Attribution 4.0 International.
e-ISSN: 2179-703X http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
O riginal A rticle Villas Bôas PCR – A relação entre instituições, fatores humanos ...

Introdução cotidiano. Estas incertezas emergem num contexto


de informações incompletas sobre o comportamento
No intuito de elucidar e contextualizar alguns dos dos outros indivíduos no processo de interação
conceitos presentes em fatores humanos em aviação, se humana. As instituições apresentam aspectos formais
faz necessário discutir o papel das instituições e a sua e informais. Os primeiros são caracterizados pelos
correlação com a segurança operacional (segurança regulamentos e procedimentos formais, os outros são
de voo). determinados pelas convenções, normas e padrões de
Com o incremento tecnológico das aeronaves o conduta. Os enquadramentos informais são inescritos,
fator humano ganhou relevância quando comparado correspondendo a formas de comportamento que
com a confiabilidade dos equipamentos. Em outras subjazem e complementam as regras formais. São infor-
palavras, os aviões passaram a apresentar menos avarias mações socialmente transmitidas (North, 1990:03-04).
fatais e a falha humana letal ganhou destaque em Organizações são grupos de indivíduos unidos
função da crescente complexidade operativa, produto por propósitos comuns, em busca destes objetivos
da tecnologia embarcada. Este contexto propiciou a (North, 1990:05). As instituições podem fornecer
emergência de estudos focados em fatores humanos, dos informações, reduzir os custos de transação, dar maior
quais cursos como o CRM (gerenciamento de recursos credibilidade aos acordos, estabelecer princípios de
em equipe) ganhou destaque, objetivando a mitigação coordenação, facilitar as operações recíprocas e mudar
de erros em prol da segurança das operações de voo. a concepção dos agentes em relação aos seus interesses.
No entanto, supõe-se que a qualificação e A coordenação de crenças, obtida por meio das
o treinamento das equipes em fatores humanos instituições, evita as instabilidades das ações coletivas
não é completamente eficiente se não houver o (Goodin e Klingemann, 1998:469-70).
comprometimento institucional com o tema, ou seja, A principal característica das instituições é a de
que o setor diretivo de uma empresa de transporte reduzir o cenário de imprevisibilidade promovendo
aéreo esteja realmente comprometida com uma cultura uma estrutura de interação humana estável, definindo
de segurança operacional pró-ativa. a motivação e a função de utilidade dos indivíduos,
bem como os custos de transação e transformação. As
1 Arranjo institucional instituições balizam as trocas e mudanças promovidas
pelas pessoas (North, 1990:06) Também garantem o
Cultura organizacional ou o arranjo institucional cumprimento dos contratos, por meio de um cenário
é a maneira como se molda institucionalmente uma de continuidade no quais os benefícios advindos
organização, podendo influenciar diretamente no superam os custos da violação. Ao reduzirem a
comportamento dos indivíduos. Empresas de aviação desinformação, as instituições induzem a cooperação
possuem arranjos institucionais que podem estar ou dos indivíduos. Promovem um quadro de regulação,
não focados na relevância dos fatores humanos e da restrição e observância, que juntos propiciam
segurança operacional na aviação. transações a um custo compatível para as partes.
A cultura de uma empresa ou organização representa Desta forma promovem um escopo de oportunidades
um vetor de vital importância no equacionamento e incentivos para todos (North, 1995:25). Com regras
dos comportamentos e respostas dos indivíduos. Uma claras, precisas e impessoais é possível aumentar a
organização que basicamente apenas sanciona as ações produtividade e cooperação entre os funcionários de
individuais apresenta resultados diferenciados daquela uma empresa aérea, bem como fortalecer uma visão
que os aplica coletivamente (Anca et al., 2010:13). coletiva na qual a segurança operacional possa ser um
Regras institucionais diferentes produzem variações valor institucional inestimável.
nas preferências dos indivíduos (North, 1990:81). As As instituições também promovem a tentativa de
instituições regulam as escolhas dos indivíduos (Goodin, solução de problemas considerados fundamentais como
1996:09). Tripulantes, despachantes e mecânicos, entre as escolhas e ações coletivas. Os indivíduos, numa
outros, que participem de uma organização cujo arranjo empresa, possuem comportamento estratégico, visando
institucional promova, incentive e fiscalize efetivas agregar o máximo de vantagens individuais, num cenário
práticas de segurança operacional, podem aceitar e institucionalmente balizado. Portanto, as instituições
assimilar cursos como o CRM mais facilmente. promovem o incremento da previsibilidade, reduzindo
O arranjo institucional representa as regras do jogo incertezas e favorecendo a estabilidade nas relações
em uma empresa, são os balizamentos socialmente humanas. A manutenção de um arranjo institucional
criados que dão forma as relações humanas. Elas é menor que o dispêndio existente no contexto da
reduzem as incertezas promovendo a estrutura do incerteza (Goodin e Klingemann, 1988:647-8). Se
Aviation in Focus 2014; 5(2):68-77 69
O riginal A rticle Villas Bôas PCR – A relação entre instituições, fatores humanos ...

erros não intencionais são tratados coercitivamente, a aérea, contribuindo positivamente para as políticas de
consequência imediata pode passar pela omissão e falta segurança nas operações de voo.
de cooperação das equipes, evidenciando um contexto Os agentes assalariados inseridos no campo das
de deterioração nas práticas operacionalmente seguras. relações de trabalho podem ser considerados racionais,
O dilema ou impasse da ação coletiva é caracterizado utilitaristas e centrados no interesse, dentro do contexto
pelo comportamento racionalmente orientado dos pelo qual se associa emprego e salário com a própria
indivíduos que pode levar a um resultado incerto ou sobrevivência. Não se pretende reduzir as escolhas
imprevisível, favorecendo a formação de um cenário dos indivíduos a preceitos unicamente racionais, no
de desequilíbrio. No caso, cada agente adota uma entanto, esta estratégia pode ser considerada como
estratégia própria, desconsiderando a possibilidade de preponderante quando esta diretamente relacionada
coordenação com o outro. Na condição de equilíbrio, com a manutenção do emprego. Pode se definir “(...)
cada indivíduo adota uma estratégia visando à utilidade como uma medida de benefícios, na mente de
coordenação com os outros, mesmo que haja um custo um cidadão, que ele usa para decidir entre caminhos
na alteração da estratégia. Isto ocorre devido aos custos alternativos de ação” (Downs, 1999:57). Desta forma,
de transferência serem menores que os da desordem o utilitarismo dos empregados estaria centrado na
(Cox e McCubbins, 1993:86-8). Arranjos institucionais manutenção de benefícios continuados, no caso, a
ou culturas organizacionais confusas, de caráter pessoal, preservação do emprego, do salário e a possibilidade de
favorecendo determinadas pessoas, em detrimento da eventuais promoções. “Por ação racional, entendemos
impessoalidade, podem desagregar a produtividade a ação que é eficientemente planejada para alcançar
das equipes. Por exemplo, a lista de senioridade para os fins econômicos ou políticos conscientemente
tripulantes é uma ferramenta que pode ser utilizada selecionados pelo ator” (Downs, 1999:41). Para o autor
como uma garantia de imparcialidade na evolução o “(...) modelo poderia ser descrito como um estudo de
profissional. No entanto, a mesma não necessariamente racionalidade política de um ponto de vista econômico”
abrange todos os setores de uma determinada empresa (p. 36). Olson (1999:21) afirma que a “(...) combinação
aérea, cuja seleção pode ocorrer em função de regras de interesses individuais e comuns em uma organização
informais. sugere uma analogia com o mercado competitivo”.
As instituições regulam a intermediação de Olson (1999) formula uma teoria para grupos
interesses, definindo as regras do jogo e os ganhos sociais e organizações baseada na ação individual. De
angariados neste (Goodin e Klingemann, 1998:685). acordo com o autor, as organizações são essencialmente
O jogo é uma representação formal das escolhas provedoras de benefícios indivisíveis e generalizados
estratégicas. Ele consiste num conjunto de jogadores, na para os participantes. Estas não se sustentam sem
especificação das opções ou estratégias dos jogadores, o oferecimento de vantagens seletivas daquelas
na descrição dos resultados possíveis diante das opções disponíveis na esfera pública devido à necessidade
escolhidas pelos jogadores e na determinação dos ganhos de estímulo para seu financiamento, pois os membros
de cada jogador em relação aos resultados obtidos. Na de um grupo iriam desejar usufruir os benefícios,
padronização ou coordenação dos jogos, o problema rejeitando arcar com o custo de manutenção. O
é a incerteza em relação às estratégias que serão custeio só ocorreria mediante a possibilidade de
adotadas. Se a opção dos indivíduos for pelo equilíbrio, ganhos diferenciados daqueles que não contribuíssem.
ainda existe a dificuldade em coordenar a estratégia Promovendo-se a seletividade nos ganhos, por meio
específica para este fim. Outro dilema da ação coletiva de arranjos institucionais específicos, é possível
é baseado no fato do indivíduo não confiar e não poder incrementar o estímulo à participação. A aquisição
antecipar a jogada do outro, aumentando os custos de benefícios diferenciados por parte dos indivíduos
da ação estratégica e as possibilidades de um cenário engajados em processo aquisitivo é que irá estimular
de desequilíbrio (Cox e McCubbins, 1993:87-9). uma ação racional individual voltada para os objetivos
Arranjos institucionais que favorecem as ações coletivas coletivos. Em outras palavras, só ganha quem faz.
coordenadas, que diluam a competição individual, Através da seletividade de benefícios, o autor procura
podem implementar o grau de segurança operacional privilegiar o mérito da ação individual coletivamente
de uma organização. Como hipótese, podemos orientada em detrimento do oportunismo decorrente
mencionar a questão da nomeação para as posições do não engajamento.
de instrutor e checador de voo e simulador, embasada Olson (1999) e Downs (1999) estão preocupados
em critérios de proficiência técnica e fatores humanos, com a lógica do oportunismo; se um benefício é
podem conferir uma condição de imparcialidade e oferecido para todo um grupo, independente da ação
legitimidade ao arranjo institucional de uma empresa individual em busca referida benesse, a racionalidade
Aviation in Focus 2014; 5(2):68-77 70
O riginal A rticle Villas Bôas PCR – A relação entre instituições, fatores humanos ...

individual direcionará o agente para o consumo sem Também assume que os indivíduos procuram maximizar
contribuição. a conquista de objetivos existentes num conjunto de
Estes fatos podem ser utilizados como suporte preferências, agindo estrategicamente. Neste contexto,
na afirmação de que as ações coletivas, no ambiente as instituições fornecem as informações relevantes
empregatício de uma empresa aérea, são de ordem destinadas a orientar o comportamento dos indivíduos,
racional e estão centradas na utilidade para obtenção criam mecanismos de cumprimento dos acordos,
e manutenção de um benefício, no caso, o emprego, penalizando aqueles que se afastam do arranjo. Os
evidenciando a importância de um arranjo institucional indivíduos aderem aos padrões de comportamento, pois
que privilegie o trabalho em equipe e a necessidade de o custo do abandono é maior que o da incorporação.
adesão aos procedimentos formais. Os balizamentos Quanto mais uma instituição contribuir na resolução
estruturais influenciam no comportamento dos dos dilemas da ação coletiva mais eficiente ela será.
indivíduos, bem como evidenciam a necessidade dos Desta forma, pode se estabelecer uma ligação entre a
indivíduos em racionalizar e maximizar a utilidade análise das instituições sob a perspectiva histórica e
de suas ações dentro de fronteiras determinadas por a teoria da escolha racional. A idéia da importância
estruturas exógenas (Goodin e Klingemann, 1998: das instituições na resolução dos problemas da ação
159-91). coletiva, que significa fazer a cooperação parecer
As instituições também podem ser apreendidas, sob possível e racional para os agentes envolvidos (ver Hall
a perspectiva histórica. Neste caso as escolhas iniciais e Taylor, 1996).
e os compromissos resultantes são determinantes nas Goodin and Klingemann (1998:684-5) definem as
decisões subsequentes. Se as opções iniciais não são instituições como reguladoras de acesso e da utilização
compreendidas, a lógica subsequente do processo de recursos. Elas delimitam quais interesses e como
também poderá não ser (Peters, 1999). As escolhas estes podem ser obtidos. Segundo Boudon, citado
efetuadas quando uma instituição está sendo formada, por Tsebelis (1998:37): “(...) se a probabilidade de
ou quando um procedimento é iniciado, terão recompensa é pequena, a utilidade esperada de um
expressiva e contínua influência sobre o processo grande esforço é negativa, e as pessoas param de
no futuro (Skocpol, 1992). Por meio das escolhas e fazê-lo”. Arato e Cohen (1999:10) afirmam que a
experiências passadas é que as instituições modulam lógica das ações coletivas também está estruturada
as preferências do presente, pois a história é o estudo em políticas inclusivas. O sucesso das instituições
de como o passado influencia o presente e o futuro estaria vinculado a sua capacidade de agregar os
(Goodin, 1996)1. indivíduos em torno de propósitos comuns, ou seja,
Neste contexto de continuidade, as instituições transformar membros em participantes . Assim, aderir
correspondem ao principal fator na estruturação ao arranjo institucional de uma empresa de aviação
das ações coletivas e nas consequências geradas. pode representar uma estratégia individual inclusiva,
Os arranjos institucionais priorizam preferências ou seja, mantém-se o emprego e as benesses advindas,
e utilizam fatores acessórios como as ideias, num cumprindo-se os procedimentos institucionalizados
contexto de interação entre as partes. As instituições, pelo arranjo.
sob o ponto de vista histórico, são procedimentos de A partir da perspectiva institucional acima debatida
ordem formal e informal, rotinas, normas e convenções e possível afirmar que o arranjo institucional existente
enraizadas nas organizações, com características que nas empresas aéreas influência diretamente na eficácia
vão sendo moldadas e replicados ao longo do tempo. das políticas de segurança operacional adotadas, bem
As instituições, analisadas sob a perspectiva histórica, como na efetiva utilização dos fatores humanos. Se os
também consideram o potencial das ideias e crenças indivíduos não são institucionalmente estimulados a
na sua composição; que há ênfase na dependência adotar estas práticas e princípios os resultados podem
do arranjo inicial; que a relação com o indivíduo é ser questionáveis.
abrangente e que existem assimetrias de poder no Vale notar as expressivas mudanças na condição do
seu funcionamento e desenvolvimento. A escolha piloto a partir da invenção do avião. De aventureiro
racional pode ser usada para especificar a relação audaz ao gerenciamento de sistemas e tomada de
entre instituições e ação, e pode ser definida como decisões, com crescentes responsabilidades e autoridade
aqueles aspectos do comportamento humano que decrescente fora da cabine de comando, induzindo uma
são instrumentais e baseados no cálculo estratégico. perspectiva de frustração profissional (Blain, 1970:65).
Este processo tem consonância com as atitudes dos
1
Para maiores esclarecimentos ver Peters (1999), Skocpol (1992) e
pilotos em prol de sua valorização profissional, com a
Goodin (1996). consequente tentativa de impor aos outros profissionais
Aviation in Focus 2014; 5(2):68-77 71
O riginal A rticle Villas Bôas PCR – A relação entre instituições, fatores humanos ...

de uma empresa aérea um padrão comportamental de forma que as operações de voo sejam seguras e eficientes.
subserviência, imprimindo lembranças negativas e Os conceitos de CRM apregoam o aprimoramento na
duradouras naqueles que progrediram a altas posições interface entre indivíduos e máquinas, na aquisição
diretivas (Blain, 1970:64), agregando um cenário de informações no tempo adequado, em liderança, no
complicador na efetiva tentativa de se implementar trabalho em equipe, na resolução de problemas, na
institucionalmente os fatores humanos em aviação. tomada de decisões e constante consciência situacional.
Assim, a cultura de segurança de uma empresa Planejamento, vigilância e divisão na carga de trabalho
aérea é criada a partir dos seus dirigentes sendo estão diretamente correlacionados com consciência
permeada por toda a organização e medida na área situacional, que se entende, preliminarmente, como
operacional (Anca et al., 2010:73). Se este cenário a percepção de condições operacionais e contin-
não estiver adequadamente estruturado, programas gências, conectadas de forma causal a incidentes ou
e qualificações como CRM e LOFT podem apenas acidentes.
cumprir os requisitos da agência local de aviação civil Cabe ressaltar que acidente e incidente, segundo
ao invés de efetivamente promover mudanças em prol o documento NSCA 3-13 (CENIPA 2014:08-10) do
da segurança operacional. Se ressalta, portanto, o papel Comando da Aeronáutica, apresentam definições
dos dirigentes de uma empresa aérea na condução deste de amplo espectro. Genericamente, acidente é toda
processo. ocorrência aeronáutica relacionada a operação de uma
aeronave que resulte em lesão grave ou óbito, bem como,
2 Fatores humanos dano material, falha estrutural ou desaparecimento do
equipamento. O incidente, por sua vez, nos termos do
Fatores humanos em aviação é o conjunto mesmo documento, se caracteriza por qualquer evento
multidisciplinar que utiliza os princípios e métodos que afete ou possa afetar a segurança da operação, sem
da psicologia social e comportamental, das ciências que, no entanto, se configure um acidente. Pode-se
sociais, da engenharia e fisiologia, a fim de aperfeiçoar depreender que a diferença entre os dois conceitos está
o desempenho humano, reduzindo os seus erros na fundada no grau das consequências decorrentes de um
interação com máquinas (Anca et al., 2010:04). acontecimento envolvendo indivíduos e aparelhos no
Esta perspectiva se baseia na premissa de indivíduos cenário de uma operação de voo.
trabalhando em equipes, de forma sinérgica, operando Já NOTECHS (Pilots’ Non-Technical Skills) se
dispositivos, visando o cenário de maior segurança concentra nas habilidades psicossociais ou habilidades
possível. Este conceito agrega os princípios da não técnicas, e é uma abordagem paralela aos conceitos
ergonomia com o trabalho em equipe em prol da de CRM, exclusiva para pilotos. Pode ser definida como
segurança das operações de voo. No entanto, se o conjunto de aptidões cognitivas e sociais destes
reconhece a falibilidade humana, de forma que se tripulantes que não estão diretamente relacionadas com
procura continuamente mitigar e gerenciar os erros o controle da aeronave, no gerenciamento de sistemas
e ameaças. e no cumprimento dos procedimentos operacionais
Para que estes princípios e métodos sejam (Anca et al., 2010:185). Portanto, NOTECHS inclui a
compreendidos foram criados programas e conceitos, perspectiva de alerta situacional, processo de tomada de
que nem sempre são devidamente explicitados. Com o decisões, liderança, trabalho em equipe e a capacidade
objetivo de facilitar este entendimento, lista-se a seguir de lidar com o estresse e a fadiga (Anca et al., 2010:182).
a reprodução dos mais difundidos. Estas aptidões complementam a capacitação técnica
O CRM (Corporate Resource Management) é a dos pilotos, mitigando a emergência de erros ou
aplicação prática dos princípios dos fatores humanos na problemas operacionais. A partir desta definição, se
área de aviação (Anca et al., 2010:05). Em português desenvolveu uma metodologia para ser utilizada no
a sigla significa gerenciamento dos recursos em equipe. NOTECHES. O objetivo foi avaliar individualmente
O significado da letra “C” foi mudando em função da as habilidades psicossociais dos pilotos, analisando
abrangência do grupo social considerado. Inicialmente, deficiências subjacentes, ou seja, as não evidentes,
focada nos pilotos atuando na cabine de comando, seus durante as avaliações (recheck).
princípios foram disseminados posteriormente para a Tripulações vigilantes despendem a atenção
tripulação, com a inclusão dos comissários de bordo e necessária em relação às tarefas requeridas e reagem
todos os setores de uma empresa aérea. Portanto, de imediatamente as novas informações. Elevados
Cockpit houve a transição para Crew and Corporate. níveis de comunicação são associados a escassos
CRM significa a utilização conjunta de todos os recursos erros operacionais. Questionamento, assertividade e
disponíveis (informação, pessoal e equipamentos) de posicionamento são comportamentos que garantem
Aviation in Focus 2014; 5(2):68-77 72
O riginal A rticle Villas Bôas PCR – A relação entre instituições, fatores humanos ...

que as informações estejam disponíveis e que a O SOPs (Standart Operating Procedures) abarca
comunicação seja efetivada no tempo apropriado um conjunto de procedimentos que, quando
(Anca et al., 2010:137-8). adequadamente seguido, assegura a emergência de
O LOFT (Line Oriented Flight Training) se refere à estratégias e contramedidas em prol da segurança
utilização de simuladores em conjunto com um cenário operacional. Portanto, proficiência operacional está
de treinamento que reproduza, da forma mais realística diretamente relacionada com o comprometimento das
possível, o ambiente operacional de um voo, visando o tripulações em cumprir na íntegra os procedimentos
aprimoramento na qualificação de pilotos. Portanto, o previstos no SOPs. Aderência ao prescrito é a ideia
treinamento LOFT procura combinar a capacidade dos central que permeia o uso do SOPs. Estatísticas
simuladores em reproduzir fielmente as características do fabricante Boeing indicam que desvios dos
de aeronaves com um cenário autêntico, reproduzindo procedimentos previstos no SOPs são fatores con-
eventos do cotidiano operacional em tempo real. Não tribuintes de aproximadamente um terço de todos os
se induz os pilotos a erros neste tipo de programa, o acidentes com fatalidades em aviação. Estes desvios são
treinamento é uma experiência de aprendizado. produto da omissão, ou seja, não fazer algo previsto, ou
O LOSA (Line Oriented and Flight Audit) consiste desacerto, no caso, efetuar um procedimento de forma
em um programa que foi idealizado para identificar equivocada ou executar uma ação que não deveria
ameaças latentes a segurança operacional e erros de ocorrer (Anca et al., 2010:70-1). A recorrência nos
desempenho da tripulação. O objetivo do LOSA é desvios, criando uma normalidade alternativa, na qual
auditar os processos de gerenciamento das ameaças os membros das equipes tem consciência de não estarem
e erros por parte das equipes. A coleta de dados seguindo os procedimentos é chamada de violação.
ocorre por meio do acompanhamento aleatório Violações tendem a ser tratadas no escopo disciplinar,
das operações de voo na cabine de comando. Os não se atendo unicamente ao viés educativo.
observadores do LOSA são qualificados para observar As Normas compõem um conjunto de regras
e registrar como as ameaças e erros são encarados e informais, geralmente procedimentos inescritos, que os
mitigados. As tripulações não são identificadas, e grupos adotam para regular o comportamento dos seus
se procura apurar desvios de procedimentos, como membros (Anca et al., 2010:89). Normas consonantes
aproximações desestabilizadas ou a não leitura de com o arranjo institucional ou cultura organizacional
checklists. A análise destas informações, no caso, como de uma organização promovem a estabilidade nas
as equipes gerenciam as ameaças e os erros, permite relações entre os membros de um grupo. A estabilidade
que as empresas introduzam contramedidas em prol institucional impacta positivamente o grau de segurança
da segurança operacional. operacional de uma organização.
Portanto, habilidades desenvolvidas por meio dos O Papel social se refere ao conjunto de com-
princípios CRM, como incremento na comunicação, portamentos associados a uma posição, cargo ou
gerenciamento da carga de trabalho e construção de função em uma organização, grupo ou equipe (Anca
uma doutrina baseada no trabalho em equipe, formam et al., 2010:88). Estes comportamentos influenciam
a base de um programa de gerenciamento de ameaças diretamente nas relações interpessoais das equipes
e erros (Anca et al., 2010:287-9). (Green et al., 1996:105) e são produto das escolhas dos
A comunicação efetiva e a consolidação de um indivíduos. As instituições (Goodin, 1996:09) regulam
processo de tomada de decisões representam as bases da estas escolhas. Informações incongruentes, ou seja,
liderança e do trabalho em equipe. O elemento central procedimentos escritos e normas informais divergentes
neste cenário recai sobre o princípio do quê, e não de podem causar uma situação de conflito entre os
quem está certo ou errado. Por meio do gerenciamento diferentes membros de uma equipe. Da mesma forma,
das ameaças, a tripulação pode reduzir o grau de erros informações imprecisas ou não claramente difundidas
potenciais durante um voo. podem promover uma situação de ambiguidade no
O TEM (Threat and Error Management) é um entendimento dos papéis dos indivíduos (Anca et al.,
programa que enfatiza as ameaças e erros passíveis de 2010:88-9).
ocorrerem em um voo, evidenciando as estratégias O Status é a posição relativa de um indivíduo no
e contramedidas apropriadas no enfrentamento da conjunto do grupo o qual pertença, ou seja, sua posição
questão. Estas estratégias têm um caráter proativo hierárquica (Green et al., 1996:104). Geralmente,
em consonância com a complexidade do ambiente quanto maior o status do individuo, maior será o
de uma operação aérea. Dados obtidos pelo LOSA seu poder e influência no grupo. O status, tal qual o
propiciaram a estruturação do programa TEM (Anca papel social, estabelece o adequado comportamento
et al., 2010:297). dos membros de um grupo (Anca et al., 2010:90). A
Aviation in Focus 2014; 5(2):68-77 73
O riginal A rticle Villas Bôas PCR – A relação entre instituições, fatores humanos ...

dificuldade ou desinteresse de uma organização em A principal incumbência do PM é a de efetuar o


definir claramente o status de seus membros pode acompanhamento do voo, bem como o desempenho
gerar situações de conflito, impactando negativamente do PF, objetivando detectar qualquer ameaça ou erro
o grau de segurança operacional. que possa prejudicar o grau de segurança operacional.
O Poder é a possibilidade de impor a própria Se alguma ameaça é detectada, se inicia um processo
vontade numa relação social, mesmo ocorrendo de ações assertivas que irá identificá-la, anulando
resistências (Weber, 1994:33). Esta capacidade tende assim o erro, ou identificando o erro e anulando as
a ser estruturada na coerção, ou seja, na imposição. O consequências negativas. Monitoramento em voo é
poder no sentido weberiano influi negativamente os uma habilidade que tem que ser treinada, praticada e
fatores humanos aplicados a aviação. avaliada. Comandante e co-piloto podem se alternar
O Poder Simbólico significa um contexto na qual nas funções de PF e PM.
existe anuência pronta e automática dos membros A Ameaça é um evento que ocorre alheio a influência
de uma equipe em relação a autoridade constituída da tripulação, incrementando a complexidade de uma
(Bourdieu, 1998:07,08-114). Neste caso, a autoridade operação de voo, requerendo atenção e gerenciamento.
pode ser legitimada pelo arranjo institucional existente, Por sua vez, o Erro é uma situação inevitável na aviação.
ou seja, a organização explicitamente endossa o seu As pessoas são falíveis e erram. Partindo desta premissa,
preposto. Isto não significa obediência incondicional, o desempenho de uma equipe não pode ser avaliado sob
pois líderes e seguidores atuam de acordo com os a perspectiva de uma operação efetuada com erros ou
balizamentos impostos pela organização. Uma dinâmica sem estes. A ênfase deve ser focada na capacidade de
de autoridade confusa pode ser diretamente associada à uma equipe em reconhecer ameaças e erros, bem como
emergência de acidentes e incidentes. Autoridade não no gerenciamento destes, de forma que incidentes e
legitimada pode se transformar em autoritarismo ou acidentes sejam evitados (Anca et al., 2010:68-9).
apatia. No primeiro, ocorre a emergência da imposição A Consciência Situacional é a capacidade de integrar
e coerção, no segundo, da omissão. operacionalmente a tripulação com a aeronave, de forma
A Autoridade legitima o uso do poder e da que os pilotos estejam constantemente conscientes
influência, sendo uma construção simbólica de ordem dos eventos, ações e consequências relacionados ao
institucional que institui a anuência. Portando, a processo em si (Anca et al., 2010:129). Efetivamente, as
autoridade se estrutura no princípio da dominação tripulações estarão vigilantes, monitorando o ambiente
legal que é a possibilidade de se encontrar obediência e coletando informações adicionais, procurando e
num cenário de legitimidade e aceitação das ordens esclarecendo a natureza das ameaças. A avaliação de
instituídas (Weber, 1994:139-41). uma situação passa pela identificação e definição do
A Liderança pode ser conceituada como um processo problema e nível de risco associado, determinando
de interação social entre líderes e seguidores. É um o tempo necessário para a resolução da demanda. A
fenômeno de grupo. Aparentemente, o comportamento correta avaliação do tempo disponível representa o
dos líderes impacta decisivamente no desempenho fator mais relevante no equacionamento das estratégias
das equipes (Anca et al., 2010:94-5). Este processo subsequentes. Tempo disponível pode ser ampliado em
possui elementos estruturais como a capacidade, ou procedimentos de espera, redução da carga de trabalho
até mesmo, a vontade da organização em legitimar e reordenamento de tarefas. Redução na carga de
os seus líderes, bem como aspectos individuais, como trabalho pode ser obtida pela coordenação do trabalho
a capacidade de persuasão dos indivíduos investidos em equipe, enfaticamente sinérgico. O risco pode ser
no papel de dirigentes. A liderança somente pode ser avaliado e gerenciado por meio da correta percepção
exercida sob o princípio da autoridade. de ameaças. A probabilidade na emergência de um
O Cargo significa a posição que uma pessoa evento e as possíveis consequências deste representam
ocupa dentro de uma estrutura organizacional. A duas dimensões do risco. Qualificação, treinamento e
Função é o conjunto de tarefas e responsabilidades aderência aos procedimentos preconizados, bem como
que correspondem a este cargo. O cargo de piloto é experiência operacional influem positivamente no grau
subdividido nas funções de comandante e co-piloto de consciência situacional dos tripulantes, mitigando a
que podem se alternar nas funções de piloto que voa e emergência de riscos.
piloto que monitora. Portanto, PM (Pilot Monitoring) A Tomada de Decisões é a necessidade de elencar
é o piloto que desempenha tarefas de monitoramento alternativas. Estas podem ser adequadas, menos
e suporte numa cabine de comando, complementando eficientes ou erradas, lembrando que o erro faz parte
a atuação do outro piloto. E PF (Pilot Flying) é aquele da condição humana (Anca et al., 2010:20). Desta
que opera os comandos de voo de uma aeronave. forma, agências reguladoras, fabricantes de aeronaves,
Aviation in Focus 2014; 5(2):68-77 74
O riginal A rticle Villas Bôas PCR – A relação entre instituições, fatores humanos ...

empresas aéreas e órgãos de investigação e prevenção o estado no qual o risco de lesões às pessoas ou danos
de acidentes tentam simplificar as decisões a serem aos bens é reduzido ou mantido em um nível acei-
tomadas pelas equipes, estabelecendo ou recomendando tável, ou abaixo do mesmo, por meio de um processo
alarmes, alertas, ações automatizadas, bem como contínuo de identificação de perigos e gerenciamento
procedimentos padronizados e listas de verificações dos riscos. Portanto, a expressão se refere ao foco
(checklists) que antecipem e abranjam falhas ou institucional na segurança das operações em aeronaves,
condições de emergência. Decisões equivocadas podem conhecido anteriormente por segurança de voo
surgir a partir de interpretações incorretas e avaliações (ANAC 2011).
inapropriadas dos riscos envolvidos. As decisões podem A Organização de Aviação Civil Internacional
ser influenciadas por informações imprecisas, ambiente (ICAO), bem como as agências reguladoras, em
estressor, estresse oriundo da esfera privada, ameaças especial dos países filiados a ONU, tem cada vez mais
latentes e pressões de ordem organizacional. focado sua atenção em prol da segurança operacional,
A Comunicação entre as equipes tem correlação de forma que o transporte aéreo apresente índices
direta com o incremento no automatismo das decrescentes de incidentes e acidentes.
aeronaves. Esta tem uma função social quando ajuda na Esta cultura baseada em segurança das operações
formação das relações em grupo, criando um ambiente de voo tem permeado cada vez mais as empresas aéreas
que afeta o desempenho operativo das equipes (Anca por meio de procedimentos impostos pelas agências.
et al., 2010:125). O processo comunicativo pode ser Estes mecanismos evidenciam os fatores humanos
verbal ou não verbal e é baseado fundamentalmente em aviação, bem como adotam os cursos de CRM
em expectativas, ou seja, os interlocutores estruturam na rotina de qualificação e treinamento das equipes.
a informação transmitida e recebida de acordo com Acidentes e incidentes são produto de ameaças e erros
suas visões de mundo e o contexto sociocultural no indevidamente gerenciados pelas equipes operacionais.
qual estão inseridos. Desta forma, o transporte aéreo, A partir da premissa que ameaças e erros são inerentes
marcado pelo viés globalizante, sempre procurou ao cenário operativo e a condição humana, existe o
padronizar procedimentos e dizeres, evitando formas de desafio em evitar o avanço destes condicionantes por
comunicação que possam degradar o nível de segurança meio de contramedidas apropriadas. Este desafio é
operacional. Outro aspecto se refere a doutrina de cotejar mais bem equacionado quanto maior for o domínio das
ou explicitar o entendimento da mensagem, permitindo equipes em relação aos regulamentos, procedimentos
que confusões sejam prontamente corrigidas. Briefings e programas.
e Debriefings representam a efetiva comunicação verbal É importante salientar que o simples cumprimento
entre os membros de uma tripulação. Os briefings são das diretrizes emanadas pelas agências reguladoras
necessários para ressaltar as tarefas e responsabilidades pode não garantir um arranjo institucional focado na
de cada membro da equipe, bem como apontar as segurança operacional e na importância dos fatores
características operacionais do voo. Os debriefings humanos em aviação. O fato de cumprir um currículo
enfatizam o trabalho em equipe por meio do repasse imposto pela regulação pode não significar a efetiva
das atividades executadas, salientando aspectos que aderência aos procedimentos propostos. A cultura
devem ser aprimorados. O aspecto mais importante de organizacional necessita valorizar e fazer cumprir
um debriefing é o quê, e não quem está errado, e como estes preceitos, adequando equipes e influenciando
prevenir as falhas ocorridas. Operacionalmente, se faz positivamente o grau de segurança operacional de
necessário que os tripulantes verbalizem, verifiquem e uma empresa aérea. Neste cenário, faz-se importante o
monitorem todas as instruções e ações que interfiram na verdadeiro comprometimento dos gestores e dirigentes
condição do automatismo. A comunicação deficiente destas organizações, patrocinando verdadeiramente
entre pilotos e controladores com o consequente risco estas políticas, enfatizando a correlação entre segurança
potencial a segurança operacional é o item mais citado operacional e fatores humanos na mitigação de sinistros
pela NASA no seu Sistema de Reportes para Segurança em aviação.
da Aviação.
Considerações finais

3 Segurança Operacional A aplicação dos princípios do CRM permite a


na Aviação detecção incipiente de ameaças e administração efetiva
dos erros. A ideia central de todos os cursos de CRM é
Segurança é a ausência de riscos inaceitáveis a de adotar as melhores práticas no gerenciamento de
(ICAO, 2009). Entende-se por Segurança Operacional ameaças e erros, reduzindo ou eliminado os elementos
Aviation in Focus 2014; 5(2):68-77 75
O riginal A rticle Villas Bôas PCR – A relação entre instituições, fatores humanos ...

potencialmente perigosos que possam ser os percussores O produto de uma ação coletiva é dado pelas
de um incidente ou acidente. características individuais dos seus membros, pelo
Pilotos devem estar qualificados e recorrentemente arranjo institucional da organização e pela qualidade
treinados a perceber que o voo seguro não engloba a da liderança existente. O desempenho eficiente de uma
total ausência de erros, e sim como estes problemas equipe, inserido num ambiente de atividades complexas,
são administrados e conduzidos pela tripulação. requer que seus membros atuem de forma organizada,
Os elementos que conduzem ao acidente são o cumprindo tarefas no tempo disponível, realizando
gerenciamento deficiente de uma situação errática ações e interações conhecidas e compreendidas por
até a consumação da consequência resultante, e não todos.
o erro do piloto em si. Desta forma, qualificação e O arranjo institucional ou cultura de segurança
treinamentos em simuladores e checks devem ser operacional de uma organização deve ser estruturado e
conduzidos no contexto de uma tripulação efetuando difundido pela esfera diretiva, checadores e instrutores.
ações coordenadas e não avaliações de caráter Desta forma, o grau de aderência adotado pelas
individual. tripulações tende a ser consistente. As organizações
O erro humano deve ser apreendido como um devem monitorar os procedimentos praticados
sintoma e não como a causa de algum problema. As pelos tripulantes e demais funcionários, fazendo
pessoas estão sujeitas a limitações independentemente cumprir o arranjo institucional proposto. Processos
do grau de qualificação, treinamento e experiência induzidos e balizados pelas organizações apresentam
prévia. Por meio de treinamentos recorrentes é maior efetividade quando comparados com aqueles
possível mitigar a ocorrência de erros, praticando os essencialmente capitaneados por seus atores. Neste
procedimentos corretos, bem como as contramedidas. cenário, os cursos de CRM e programas como o LOFT
No entanto, a emergência de cenários secundados passam a ter maior efetividade ao invés de simplesmente
pelo erro é potencialmente infinita, impedindo o atenderem as exigências da agência reguladora.
treinamento perfeito. O desafio passa pela utilização Finalmente, ressalta-se a importância da cultura
de um sistema de gerenciamento de erros, na qual as organizacional na estruturação das em fatores humanos,
tripulações reconheçam as ameaças e corrijam erros, que objetivando a redução de incidentes e acidentes
inevitavelmente irão ocorrer, antes do aparecimento na aviação, influenciando positivamente o grau de
das consequências negativas. O processo de instrução segurança operacional das organizações.
e avaliação deve abandonar o viés da culpabilidade
no treinamento, proporcionando que as tripulações Referências
desenvolvam habilidades de reconhecer ameaças,
detectando e administrando erros. Em termos práticos, ANAC 2011. [Acesso em: 24 nov. 2014]. Disponível em: http://
se uma falha é rapidamente detectada pelos tripulantes, www.pilotopolicial.com.br/sgso-sistemas-de-gerenciamento-da-
seguranca-operacional/
o erro em si, não ocorreu. Portanto, monitoramento
Anca J, Helmreich R, Kanki B. Crew Resource Management.
efetivo se traduz em importante elemento na avaliação San Diego: Elsevier; 2010.
de erros.
Arato L, Cohen J. Civil Society and Political Theory. Cambridge:
Numa visão sistêmica, a função do co-piloto MIT Press; 1999.
existe como elemento de suporte, reduzindo a carga Blain ANJ. Pilots and Management: Institucional Relations in
de trabalho do comandante, mitigando a possibilidade the UK Airlines. London: George Allen and Unwin; 1970.
de falha humana, desconstruindo a visão tradicional de Bourdieu P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrend; 1998.
ator redundante a ser utilizado como reserva eventual. CENIPA 2014. [Acesso em: 16 dez. 2014]. Disponível em:
Pela doutrina CRM o co-piloto é um participante ativo file:///C:/Users/Owner/Downloads/nsca%203-13%20(1).pdf
na construção de uma cultura operacional baseada na Cox G, McCubbins M. Legislative Leviathan: Party Government
atuação em conjunto. in the House. Berkley, Los Angeles, Oxford: University of
A eficiente e segura operação de uma aeronave California Press; 1993.
passa por um processo integrativo, não segmentado de Downs A. Uma teoria econômica da democracia. São Paulo:
EDUSP; 1999.
ações e comportamentos baseados em comunicação
efetiva; consciência situacional em estado de alerta; Goodin R. Institutions and Their Design. In: Goodin R. (Org.).
The Theory of Institutional Design. Cambridge: Cambridge
capacidade coletiva na resolução de demandas, University Press; 1996.
tomada de decisões e julgamento; liderança e anuência Goodin R, Klingemann H. (Org.). A New Handbook of Political
ratificadas pela tripulação; gerenciamento do stress Science. Oxford: Oxford University Press; 1998.
e fadiga, bem como do relacionamento interpessoal Green R, Muir H, James M, Gradwell D, Green L. Human
proativo. Factors for Pilots. Brookfield: Avebury Aviation; 1996.

Aviation in Focus 2014; 5(2):68-77 76


O riginal A rticle Villas Bôas PCR – A relação entre instituições, fatores humanos ...

Hall P, Taylor R. Political Science and the Three New Skocpol T. Protecting Soldiers and Mothers: The Political
Institutionalisms. Cambridge: Harvard University; 1996. Origins of Social Policy. Cambridge: Cambridge University
[Political Studies, XLIV]. Press; 1992.
ICAO 2009. Doc. 9859, 2.2.4. [Acesso em: 16 dez. 2014]. Tsebelis G. Jogos Ocultos: Escolha racional no campo da política
Disponível em: www.ulc.gov.pl/_download/.../safety_management_ comparada. São Paulo: EDUSP; 1998.
manual_edycja_i.pdf Weber M. Economia e Sociedade. Brasília: UNB; 1994.
North D. Institutions, Institutional Change and Economic
Performance. New York: Cambridge University Press; 1990.
Olson M. A lógica da ação coletiva. São Paulo: EDUSP; Correspondence address:
Paulo Cezar Rodrigues Villas Boas
1999. Rua Cel. Bordini, 882, apto. 602 – Moinhos de Vento
90.440-003 Porto Alegre, RS, Brasil
Peters G. Institutional Theory in Political Science: The New Tel.: (51) 8105-4701
Institutionalism. London and New York: Printer. 1999. <pvillas@gmail.com>

Aviation in Focus 2014; 5(2):68-77 77

You might also like