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YELLOW KID, O MOLEQUE QUE NAO ERA AMARELO A histéria em quadrinhos nao foi criagdo de norte-americanos; uma galeria de artistas e desenhistas, incluindo nosso Angelo Agostini, os precederam A personagem do Yellow Kid alcangou uma importincia de Ambito internacional. Desde 1995 a imprensa ja Ihe presta homena- gens de centendrio, com grande estardalhago ¢ foguetdrio— 0 nascimento do mito. Moleque Amarelo passou a ser 0 mar- co da criagio do mundo novo das histérias em quadrinhos: "Exatamente no dia 5 de maio de 1895, um domingo", confirmam com seguranga os historiadores!. Um do- mingo, exatamente 0 primeiro dia da Cria- do, como ensina a sagrada Biblia. “Nesse dia histérico”, os fais deslum- brados com fato to grandioso, sé comparé- vel ao ato divino, clamam em coro: "No principio, era 0 Amarelo", 0 Moleque, sa- cramentando, nesta hiperbélica parafrase a0 Livro dos Livros, a Histéria da Histéria em Quadrinhos: in principio erat Verbum?, a Palavra Divina. O AUTOR Anténio Lufs Cagnin Professor Doutor do Departamento de Cinema, Rédio e Televisio da ECA-USP. Autor de Os Quadrinhos. 2. "No principio era o Verbo", Os Estados Unidos foram o palco do memoravel acontecimento. Nas portas da passagem para 0 século XX, época de pro- fundas mudangas na sociedade americana: a grande guerra contra monopélios ¢ trustes; © nouveau riche ¢ a plutocracia ianque; Roosevelt; a grande imprensa; a explosao tecnolégica; a maravilha do telefone a ma- nivela; a magica da luz elétrica e da maqui- na falante com o seu fragil cilindro de cera; 0s carros sem cavalos abrindo caminho para os automéveis; 0 avido. Sobretudo, a época da emigragio européia: irlandeses, alemaes, russos, suecos, italianos; catélicos ¢ judeus — cujos estranhos costumes e sotaques eram as delicias dos comediantes de vaudeville; todos no grande e borbulhante cadinho em que se formou o modo de ser americano. Era este o guisado cultural que nutriu a nova forma de arte americana: 0 comic strip, como € 14 conhecido. Esta é a consta- taco de William Laas na Saturday Review of Litterature (Sabado Revista de Literatu- ra), que assim confirmou com orgulho: o comic strip foi o mais vivo rebento de nossa turbulenta civilizagao. A América e 0 comic strip foram feitos um para 0 outro}. MOYA, Alvaro de, Historia da Histéria em Quadrinhas. Sao Paulo: Brasiliense, 1993. p.18. rase biblica do Apocalipse, de Sio Joo Evangel Foto, [, 3. ROBINSON, Jerry. The Comics, an Lustrated History of Comics Strip Art. (Tiras de humor, uma histéria ilustrada da arte das tiras de tumor) New York: Putnam's Sons, 1974. Jerry Robinson, escritorfcaricaturista de antiga cepa, de icreverente sati- ra polftica € social, rabathow no Chicago Tribune-New York News Syndicate ¢ New York Daily News. Foi presidente da ‘National Cartoonist Society. diretor da American Association of Editorial Cartoonists, diretor consultor da Graham Gallery de Nova longue, onde criou o Cartoon & Comic Strip Art, em 1972; professor de jomalisme grafico, por 10 anos, na Sctool of Visual Arts. E, o que interessa principalmente aos quadrinheiros, foi © criador de Robin, o companhciro de Batman, Comunicagao & Educacao, Sao Paulo, (7): 26 a 33, set./dez. 1996 27 AMARELO, POR ACASO Todos os ingredientes essenciais dos quadrinhos estavam ali, envolvendo sécu- los das mais diversas sociedades e cultu- Tas, esperando apenas pela correta combi- nago de tempo, Ingar e modelo. pontifica Jerry Robinson, com ufania‘, Dois atores, Joseph Pulitzer e William Randolplh Hearst, os gigantes da imprensa, encena- ram o grande ato, cuja rivalidade profunda serviu de catalisador para a surgimento do comic strip. O drama come- gou em 1893, quan- do Pulitzer comprou uma rotativa Hoe a quatro cores, com a intengao de imprimir as mais famosas obras de arte no su- plemento dominical do seu New York World. Nao teve su- cesso, € a rotativa foi usada, ao invés, pa- ra reproduzir gran- des desenhos. Morril Goddard, editor da pagina dominical, de- fendeu ferrenhamen- te aproveitar o equi- pamento para a arte dos quadrinhos. Pulitzer, dispondo de largos recursos para o experimento, aceitou. Mas os melhores talentos dos comics, na época, j4 estavam contratados pelos periddicos Judge, Puck ¢ Life, quando, entio, seguindo os con- selhos de Roy L. McCardell, foi contratado 0 artista Richard Felton Outcault. Graduado pela Universidade de McMiken, em Cinci 4. ROBINSON, Jerry, op. ct. Yellow Kid, moleque amcrelo nati, estudou arte em Paris ¢ tinha um pendor para o desenho humoristico. Um dos seus primeiros trabalhos fora A origem de uma Nova Espécie, em 1894. Agora, para atender ao tema comico proposto, Outcault criou 0 Down in Hogan's Alley, titulo adaptado das palavras de abertura da cangio Maggie Murphy's Home. ‘O cenério era um bairro pobre da cida- de, esqudlidos cortigos, quintais cheios de cles e gatos, pessoas vulgares, vagabundos e desocupados. Uma favela do subirbio. Per- sonagens, os mole- ques de rua, um me- nino cabecudo, uns sete anos, de grandes orelhas de abano, ban- guela, feicdes orien- tais, um sorriso ma- landro a correr-lhe nos labios, mas que, de inicio, mal foi no- tado. Vestia uma ca- misolona suja, que Outcault freqiiente- mente usou como su- porte para o texto e as falas do cartum, pois ainda nao empregava baldes. Mas o tiltimo elemento, essencial para produzir o tao desejado impacto visual nos leitores, a cor, ainda nao tinha encontrado o seu lugar. Enquanto, de um lado, em princfpios de 1895, os problemas de impressao em cores jd tinham sido resolvidos, de outro, o ama- relo ndo secava bem ¢ teimava em deixar manchas. O sucesso s6 aconteceu depois e acidentalmente. 5. Esta €a forma correta, ndo FeNton, como 8 majozia dos autores vém geatando. 28 Comunicagao & Educagao, Sao Paulo, {7 Foi quando Charles Saalberg, chefe do setor de impresso em cores, optou por uma tinta amarela graxa, de secagem ra- pida; pegou um desenho qualquer de Outeault e, a esmo, escolheu para teste a camisola do moleque orelhudo. Naquele domingo, uma mancha de pu- ro, vivo amarelo atraiu os olhares de todo mundo para 6 cartum de Outcault. O Yellow Kid tinha nascido! "e com ele 0 comie strip, a mais auténtica forma de arte americana, que agora € lida por mais de 200 milhies de pessoas todos os dias, cerca de 7 bilhdes por ano, tornando 0 quadrinhista 0 profissional grdfico mais amplamente lido ¢ visto no mundo..."6 e, nos Estados Unidos, 0 mais bem pago. Era um grande quadro de pagina intei- ra. Emoldurava um desenho atraente: numa grande cena complexa, de ricas cores, os pobres guris do bando do Hogan's Alley, anénimos todos, revivem acrobracias de circo; as paredes do beco ecoam algazarra, berros, falas, slogans de protesto ral dos nos muros, nas tabuletas, na camisola do chinezinho moleque, agora de esplendo- roso amarelo, arrebatando, irresistivel, a atengdo de todos os leitores, a construcio do mito, Deslumbrados ainda pela narragiio do apotestico aparecimento do Yellow Kid, to- dos, todo 0 mundo passou a aceité-lo como a primeira personagem dos comics. E, em decorréncia, que foram os americanos os primeiros, os "inventores" da linguagem do novo sistema narrativo iconografico, ou fout court, da histéria em quadrinhos, que todos também se esforgam, hoje, para corod-la com 0 titulo de “nona arte". ery. op. cit 6 a 33, set./dez. 1996 E © que confirma Jerry Robinson, e enfaticamente: "This cartoon has the essen- tial criteria to credit it with being the first comic strip (Este cartum preenche os crité- rios essenciais para ser considerado a pri- meira tira de humor)"?. AHISTORIA DA HISTORIA EM QUADRINHOS O fantéstico e surpreendente di magao € a maneira extremamente facil por que todo mundo passa ingénuo e deslumbra- do de um conceito para 0 outro, sem o menor arremedo de questionamento. Quando um ‘oceano separa os significados dos vocabulos Yellow Kid ¢ comics, a mera proximidade deles na frase induz a conclusées muito além do que dizem. De fato, na frase acima, ca- muflada na naturalidade da afirmagio, des cobre-se a ufania propria do americano que se julga sempre o primeiro, se no o dono do mundo, e, mais, que o Menino Amarelo te- ria sido nao s6 a primeira personagem, como também a primeira histéria em quadrinho, mas nao fica ai. Fomos ainda levados a mais um fatal equivoco, ou dois. E que traduzimos indevidamente o termo comic strip por histéria em quadrinhos. Ora, sfrip nio 6 quadrinhos mas apenas um tipo de quadrinhos, a que chamamos nés, numa versio ao pé-da-letra, de tira. A traducao de comic strip por “histéria em quadrinhos” amplia ao infinito 0 sig- nificado do original inglés. Dessa maneira, afirma-se que o Yellow Kid foi a primeira das histérias em quadrinhos, de todos os tipos e formas. Comunicacao & Educagao, Sao Paulo, ( E mais, Di- zendo “primeira historia em quadri- gular e no plural amplia o seu signi- ficado abarcando genericamente nao 86 as muitas, todas as historinhas pu- blicadas por ai, mas também 0 sig- nificado de hist6- ria em quadrinhos enquanto lingua- gem, a linguagem propria dos qua- drinhos, 0 sistema narrativo icono- grafico, isto é, o sistema de sinais fi- gurativos que formam um cédigo especifico da comunicagio por ima- gens. E isso que afirmamos, portan- to, quando vertemos inocentemente comic strip por "historia em quadri- mhos". Mais uma traigao, armadilha armada por nds mesmos, em nossa prépria tradugao brasileira. E ainda mais. Onde Robinson fez ponto-final, nds, nfo satisfeitos com tra- duzir mal comic strip, compulsivamente, fascinados ainda pelo primazia da revelacdo, continuamos a frase e sacramentamos 0 dog- ma: 0 Menino Amarelo foi a primeira hist6- ria em quadrinhos... do mundo! Passamos a afirmar muito mais do que estd na superficie do que ele disse. Exalta- mos agora, boquiabertos, nada menos que os “inventores”, os primeiros, no mundo. Passamos a admitir que os americanos é que foram os criadores, dotados do poder divino de tirar do nada um novo cédigo de comuni- cagio através da imagem, o sistema narrati- vo iconografico, ou, simplesmente, que fo- 6 a 33, set./dez. 1996 29 ram eles os que “criaram" a Histéria em Quadrinhos, ¢ aio apenas uma personagem ou um discutivel pri- meiro comic strip do mundo, Foi assim que, passo a passo, de significado em significado, caimos como patinhos na armadilha final, armada ali, outra vez, agora sob a fachada do centenério do Yellow Kid, que nés comemoramos. Capa do jomal Don Quit xote,publicado por Angelo ‘Agostini de 1895. 1903, Desde entio, a partir dessa mo- lecagem semanti- ca, a Histéria dos Quadrinhos passou a ser contada a partir do Mole- que Amarelo, co- mo um divisor de aguas: tudo o que vem depois do Yellow Kid é his- téria em quadrinhos; tudo 0 que veio antes, toda a copiosa produgao européia, Tépffer, Nadar, Gavarni, Cham, Doré, Busch, Tra- vié, Robbida, Caran d'Ache, incluindo o nosso Agostini, pode ser relegado ao esque- cimento ou ao lixo das varreduras didrias. Depois de seduzir os leitores de todo 0 mun- do, 0 Menino Amarelo continuou ainda suas molecagens, cémicas e seménticas: ganhou a intelectualidade européia: Umberto Eco, Eveline Sullerot, Alain Resnais, Francis La- cassin, Romano Calisi, Pierre Couperie, en- tre muitos outros. Reunidos em Bordighera, Itélia, no primeiro Congresso Internazionale dei Fumetti, em 1965, evento que se repeti- 30 Comunicacao & Educacao, Sao Paulo, (7): 26 a 35, set./dez. 1996 ria anualmente, sacramentaram, com 0 aval da ciéncia, a instituigdo do prémio Yellow Kid, equivalente ao Oscar do cinema. Os americanos sobem ao pedestal, for- jado por eles ¢ festejado por nds, a0 emo- cionados e convictos que nem sequer liga- mos para a afirmagdio em que Jerry Robin- son, se nao nega, compromete seriamente a propria versio sobre 0 aparecimento do Yel- low Kid, quando, logo em seguida, ali mes- mo no seu livro, declara o seguinte: "O histérico debut do Yellow Kid co- mo 0 primeiro comic strip tem sido datado por muitas autoridades no assunto em 16 de fevereiro de 1896, com The Great Dog Show in M'’Googan Avenue. Quando o Yellow Kid surgiu de maneira explosiva, nao foi sua primeira aparicdio, nem era esta a primeira vez em amarelo, ¢ no era na sé- rie do Hogan's Alley, que Outcault mudow depois. (Durante 1895, Outcault experi- mentou varios locais, como Riley's Pound, Coney Island, Casey's Alley ¢ Shantytown, enquanto moldava 0 conceito bésico ¢ a personagem.)"®. Para por ordem nas datas € cores, e atenuar a confusio armada por Robinson, ¢ aproveitando sua propria pesquisa, serd efi- ¢az mostrar quantas vezes 0 travesso Mole- que apareceu no jornal, rindo sempre em varias cores até ostentar 0 seu sorriso ama- relo, sempre entre o satnico ¢ 0 angelical: —em 5 de maio de 1885, de camisola AZUL, At the Circus in Hogan's Alley (No circo de Hogan's Alley); - em 7 de julho de 1895, ainda de AZUL, em The Day After "The Glorious Fourth" Down in Hogan's Aliey; — em 15 de dezembro de 1895, de bolinhas VERMELHAS, em The Merry Xmas; e, finalmente, 8, ROBINSON, Jerry, op. cit. — em 5 de janeiro de 1896, de atraente AMA- RELO, em Golf —- The Great Society Sport as Played in Hogan's Alley (Golfe — 0 esporte da alta sociedade da maneira como é jogado na Hogan's Alley), quando entiio foi batizado pelo sucesso e pelos fa- naticos leitores de Yellow Kid ¢ ~ em 16 de fevereiro de 1896, em The Great Dog Show in M'Googan Avenue. de ago- raem diante sempre de AMARELO. Curiosamente, é essa a edigdo que ¢ ti- da como o debut glotioso do endiabrado guri. A 17 de maio de 1896, foi publicada a Gltima edigdo desenhada por Outcault, que deixou 0 jornal, atraido pela oferta irrecusavelmente maior do New York Journal, de Hearst. Disso se conclui que diversos cartoons (termo do préprio Jerry, nfo histérias, nem em quadrinhos) vieram antes no Down in Hogan's Alley, com a personagem ainda ver- de, nado amadurecida, do Kid, o desconheci- do Moleque que ainda nao era Amarelo. E Jerry Robinson, com suas tiltimas afirmagées, instalou a confusio e, com ela, a desconfianga naquelas primeiras afirma- goes, to categoricas, Moya seguiu os mes- mos passos. Chega-se 4 estranha conclusio: nem Robinson nem os americanos sabem quando nasceram realmente os comic strips, muito menos a histéria em quadrinhos. Nem seo Yellow Kid era mesmo amarelo. Do exposto ainda, fica claro que 0 Moleque Amarelo nao fol e nem pode ser 0 primeiro dos comic strips, muito menos a primeira hist6ria em quadrinhos do mundo, porque, em 1895, 0 MOLEQUE AMARELO nem era HISTORIA, mas uma simples grande cena; nem era QUA- DRINHOS, mas um grande cartum, nem era STRIP, nem tinha BALOES e NEM. mesmo era AMARELO ! Comunica¢ao & Educa¢ao, Sao Paulo, (7): 26 a 33, set./dez. 1996 31 E porque, ainda, nada, muito menos uma nova linguagem pode ter brotado, as- sim, de repente, como cogumelo, acabada, com todos os elementos da técnica e do c6- digo narrativo da histéria em quadrinhos perfeitamente estruturados. Natura non fa- cit saltus (A natureza nao da saltos, vai de- vagar), sentenciavam os romanos. Desde quando os homens deixaram a marca da pal- ma de suas mos nas paredes das cavernas € se puseram a tracar com o dedo figuras ¢ en- trelagados, testemunho do seu poder cria- dor, descobriram, deslumbrados, que po- diam contar histérias com imagens. Os qua- drinhos se fizeram devagar e desde sempre, dependendo dos instrumentos dispontveis em cada época. E mais, os proprios ameri- canos, é $6 olhar a histéria, j4 faziam qua- drinhos antes de Outcault e de 95, com ba- Tio e tudo. O fato é que o Yellow Kid nao é mes- mo a primeira histéria em quadrinhos do mundo. Jerry Robinson se vangloria de uma prioridade contestavel. SUCESSO EMPRESARIAL O que nfo se pode negar, porém, é que o Yellow Kid tenha sido um primeiro suces- so empresarial sem precedentes, de venda e marchandaise, na imprensa americana ¢ no mundo. Bem depressa haviam descoberto 0s pragmaticos ianques 0 ébvio, quadrinhos vendiam jornais, e passaram a povoar 0s pe- riédicos com os daily comic strips (tiras did- rias seriadas) e as sunday comic pages (tiras das paginas dominicais), passando mais tar- de a0s comic books (livros de tiras ou gi- bis)®. A fundagao dos Syndicates, compa- nhias distribuidoras, possibilitou estabele- cer um novo império americano, o da indts- tria cultural, e inundar o mundo com os seus heréis e, com eles, sua cultura. O inaceitavel da trama € se arvorarem os americanos em “criadores" dos comics. A mais rapida e despretensiosa mexida no batt da Histéria descobre quadrinhos aos mon- tes. Realmente muitas histérias ja foram contadas em imagens, muito antes que aquele Moleque balbuciasse os primeiros baloes de suas gags no jargao das favelas de Nova Iorque. No inicio do século XIX, quando a lito- grafia possibilitou a difusao da imagem, a imprensa periédica, jornais e revistas passaram a povoar de histérias o imagi- nario popular. Seria um sem-fim de citagdes. Em 1811 aparecem as estampas populares do imagi- nério napoleénico; em 1812, Rowlandson cria o Dr. Syntax, um her6i fixo, como nas HQ atuais. Em 1820, de cidade em cidade, os vendedores de livros desenrolam, diante de um piiblico avido de imagens, os péste- res do primeiro imaginério popular, com hist6ria toda dividida em vinhetas, que ou- tra coisa ndo era sendo quadrinhos. Em 1824, a Imagerie d'Epinal espalha por to- da a Franga e Europa os mais diversos con- tos em figuras coloridas. Em 1827, Tépf- fer, © professor sufgo, conta em élbum as historinhas de Mr. Vieuxbois, que dese- nhara para seus alunos, e esboga as primei- ras linhas teéricas sobre as histérias em quadrinhos, a nova forma de contar com imagens e texto. Em 1830, surge a revista La Caricature, que alinha, ao lado das fe- rinas charges contra o rei Luis Felipe, La Poire (O Trouxa), uma série de hist6ria em 9, Astras" dirias, em geral seriadas (que também nao s40 invengao americana); as maravilhosas ¢ feericamente coloridas "pa ginas dominicais” de quadrinhos; , Finalmente, 08 livros, élbuns ou revistas de historias em quadrinhos ou os nossos "gibis” 52 Comunicacao & Educagao, Sao Paulo, (7): 26 a 35, sel./dez. 1996 imagens dos mais habeis contadores, Dau- mier, Philippon, Cham, Grand-Ville, Gava- rani é Traviés, Em 1847, Doré, com 12 anos apenas, publica o album Os Traba- Thos de Hércules. Em 1848, Nadar, o fa- moso fotdgrafo, cria, ¢ sob encomenda de campanha eleitoral, a abjeta figura politica de Monsieur Réac (Senhor Reac). Em 1859, as primeiras histérias de Willelm Busch, ¢ em 1865, scus terriveis moleques, Max und Moritz, cujas traquinagens de- vem ter inspisado 0 Yellow Kid e, bem de- pois. (897, foram plagiadas nos Katzen- jammer Kids americanos, nossos conheci- dos Sobrinhos do Capitao, primeira graphic novel. Com seqiiéncias verdadeiramente cinematozraficas, verda- deiro story board! E isso em 1869! Muito tempo antes do Kid e 0 cinema, quase 30 anos! Desmascarado o engodo, 6 bom comecar a valorizar 0 nosso, comemorar as revis- tas em que brilharam bem antes os nos- sos quadrinhistas: 05 90 anos do revista Tico-Tico, 05 100 anos do Don Quixote, os 130 do Diabo Coxo". Deixar de lado a diabdlica idéia de embar- car de carona um Moleque que ainda NAO. era Amarelo, no ENTRE OS PIONEIROS, ANGELO AGOSTINI E nessa gale- ria de pioneiros de- ve-se colocar tam- bém, ¢ muito justa- mente, 0 nosso An- gelo Agostini, por- que foi um dos primeitos a fazer quadrinhos, muito antes que Outeault tabiscasse as mole- cagens do seu Yel- low Kid pelas fave- Jas de Nova lorque As Aventuras de embalo de um cen- tendrio que, parece, vem na cola dos cem anos do cinema para compensar o fiasco de nao terem sido os americanos, mais uma vez, os primeiros (como tei- mam sempre, em tudo), os inventores dessa nova arte. Quais os ocul- tos interesses que se agacham sorrateiros atras desta fachada? Mostrar que a his- f6ria deveria ser contada de outra forma? Assim, por Nhé Quim, histé- ria em muitos ca- pitulos € a primeira novela-folhetim de que se tem noticia, ou como se diz hoje, a ‘0. ef. CAGNIN, Antinio Luis, 130 anos do Diabe Coxo. Comunicagio & Rducagao. ald. setdeken-1994, p.27-31 exemplo: 1895. O Yel- low Kid irrompe explosivo, vitorioso na imprensa americana © multiplica a tiragem do New York World Paulo: CCA/ECA-USP: Moilerns, Comunicacao & Educagao, Sao Paulo, (7): 26 a 35, set./dez. 1996 33 para atender ao atropelo dos leitores, ofus- cados pelo brilhante ¢ vivo amarelo; do ou- tro lado do Atlintico, o tosco cinematégrafo de Lumiére mal consegue atrair uma fila, ainda que longa, de curiosos espectadores diante do salao indiano do Grand Café, no boulevard des Capucines, em Pari Resumo: O artigo analisa 0 aparecimento da personagem Yellow Kid do cartoon criado por Richard Felton Outcault no New York World, em 1895. Contesta, vee- mentemente, com argumen- ** tos historicos e tedricos, Say que o Moleque tenha si- do a primeira persona- gem dos comics e que os americanos tenham cria- do a histéria em quadri. nhos. Entre os que o an- tecederam, ressalta An- gelo Agostini. Palavras-chave: Yelow Kid, Historias em Qua- drinhos, Angelo Agos- tini, cartum. Dom Quixote ¢ Sancho Panga, por Angelo Agostini, no jornal Don Quixote. Se, na realidade, as duas artes nao nas- ceram juntas, nfo h4 por que tinir as tagas num brinde comum. Nao seria melhor esperar mais um ano? quando todas as atengdes se voltariam somente para o Moleque, fruto do amadurecimento de um projeto, entéo ainda verde, que s6 em 1896 ficou Amarelo?!!. Abstract: The article is about the coming out of the character Yellow Kid from the cartoon created by Richard Felton Outcault in the New World, in 1895. Based upon theoretical and historical arguments it denies that Mo- leque (Kid) has been the first character of the comics and that the Ameri- cans have created the comic books. Among who ca- me before him, an outstanding na- me is Angelo Agostini. Key-words: Yel- low Kid, comic books, Angelo Agostini, car- toons, ‘que estd fazendo, neste ano de 1996, o Salo Expocomics, de Roma, ¢ 0 Cartomics, de Milo, em oposigio ao tradicio- nal de Luca e & exposicao de Verona, realizados em novembro de 1995.

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