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MaDu Gaspar A Arte Rupestre no Brasil segunda edicéo Jorge ZAHAR Editor Rio de Janeiro Edligfo anterior: 2003 CIP-Brsil. Catalogacso-nafonte Sindicato Nacional dos Eicores de Livros, RJ Gass, Mad 2524 Anns repre m0 Bra MaDe Git — 2. i ean Joe 2 Ed, 206 ee ; zi il, - (Descobrindo o Brasil) Inch ibaa Tian 8371107075 iscrica ~ Brasil. 2. Pintutas upestres ntiguidades, 1, Tiel, 1 Série. ‘EDD 709.01130981 06-1741 DU 7.031.1681) 1, Arte pré = Basil. 3. Brasil Sumario Introdugio 7 ‘Arte nas sociedades simples. 9 Diferentes maneiras de perceber a arte rupestre 21 Breve histérico do estudo da arte rupestre no Brasil 32 Os primeiros artistas 38 Catacterizagao e distribuicio espacial dos grafismos brasileiros 44 Estudo dos grafismos através do tempo 60 Contextualizagio dos grafismos Por associago com vestigios de solo 72 Conclusio 77 Referéncias e fontes 78 Sugesties de leitura 80 Agradecimentos 81 Sobre a autora 82 Ilustragées (entre p.48-49) Conta 0 arquedlogo André Prous que a pesquisadora francesa Anette Laming-Emperaire costumava dizer que a arte rupestre parecia o campo mais facil de ser estudado na arqueologia: 0 “aficionado” nao tem dificuldade em discursar sobre vestigios — tio visiveis sem precisar de escavacéo, ¢ tio mudos que aceitam qualquer interpretagéo —, mas acrescentava que, na realidade, trata-se de seu capitulo mais complexo, ¢ no qual se cometem os m: res erros. Introdugio © que é atualmente o territério brasileiro esta repleto de testemunhos arqueolégicos que guardam importan- tes evidéncias da histéria da colonizagéo humana em nosso continente. S40 0s sitios arqueolégicos com vestigios dos cagadores que iniciaram a ocupacéo da América do Sul, os monumentais sambaquis do litoral, as intimeras aldeias de grupos ceramistas dispersas por todo o pais que contém informagées sobre o pasado do que é hoje o territério brasileiro ¢ a diversidade ota MADU GASPAR: cultural que foi, passo a passo, aqui se instalando. Um. tipo especial de manifestagio, em decorréncia de seu apelo estético, destaca-se entre as demais, Sao as pin- turas e gravuras que foram feitas nas paredes de grutas, abrigos, blocos, lajes e costes por diferentes grupos sociais, em varios perfodos. Cacadores, pescadores € horticultores deixaram belas marcas de sua presenga; ja no Brasil Colénia tanto os europeus expressaram suas crengas religiosas nesses suportes como os afticanos € seus descendentes mantiveram a forte tradicio existen- te em seu continente, deixando suas préprias sinala- ges. Mais recentemente, 0 comércio e a politica tam- bém divulgaram mensagens nos mortos, garantindo alta visibilidade para seus reclames. Atualmente, no espago urbano, grupos de jovens grafitam suas marcas € quadrilhas de traficantes assinalam sua presenga em muros € prédios. Sao sinalagdes que transmitem men- sagens pertinentes 20 grupo que as realizou ¢ a seus contemporaneos. Muitas vezes, esses grafismos fazem referéncia ao territério, as préticas eas condutas de seus autores, bem como indicam locais importantes e de forte apelo emocional. © habito de perpetuar mensa- gens em pedras e paredées tem longa duragao ¢ dife- rentes significados. Este livro enfoca os grafismos pré-histéricos que, na medida do possivel, serio correlacionados a outros aspectos da vida cotidiana dos grupos que os confec- cionaram. Apresentarci, inicialmente, uma breve dis- ‘A ARTE RUPESTRE NO BRASIL cussio sobre a arte em sociedades ditas “simples”. Depois, um histérico das pesquisas realizadas no Brasil. Caracterizarei as principais tradigdes arqueolégicas de grafismos, tanto no espago como no tempo, ¢ apresen- tarei as principais descobertas ¢ os estudos mais ressantes sobre o tema. Arte rupestre nao tinha sido, até entao, um tema de meu interesse cientifico, mas sempre me fascinaram a beleza, todo trabalho envolvido na confecsio de sinalagées, a diversidade e a perenidade dessas marcas. Escrevo com a viva lembranga da primeira vez que vi um painel com pinturas. Integrava uma equipe de estagidrios do Museu Nacional que realizava prospec- es no interior da Bahia, e nenhum de nés havia visto pinturas rupestres. Ao me deparar pela primeita vez com o lindo painel repleto de figuras em vermelho que configura a “Pedra Escrita’, a realidade superou minha imaginacao. Nao podia imaginar que no Brasil existis- sem pinturas mais bonitas que as de Lascauxe Altamira ¢ é com prazer que apresento a diversidade e a heleza dos grafismos rupestres brasileiros. inte- A arte nas sociedades simples Os cientistas sociais, 20 pensarem sobre as diferentes sociedades, propéem que elas podem ser agrupadas em dois grandes conjuntos: sociedades simples e comple- 9° MADU GASPAR xas, Nas primeiras todos participam do proceso de produgio, distribuicéo ¢ consumo de bens, com a divisio social do trabalho apoiando-se em classes de idade e sexo, }é as sociedades complexas so marcadas por forte hierarquia social que assegura privilégios ¢ deveres para diferentes segmentos, No que se refere & produgio de arte, caracterizam-se pela dissociagio en- tre 0 produtor e 0 consumidor de bens artisticos. Tal dissociagio néo ocorre nas sociedades simples; nelas é possivel até mesmo contar com a presenga de certos especialistas, mas nao com um corpo de profissionais que produzem para o mercado ¢ obtém o seu sustento através dessa pritica. Assim, 0 dominio da arte nas sociedades considera- das simples estd particularmente integrado & rotina da comunidade, reforca tradig6es e tende a estar vincula- do a0 dominio ritual. Alguns arquedlogos chegam a sugerir que “arte” é um termo inadequado, sendo mais, pertinente denominar as sinalagdes pelo termo “grafis- mo”. Considero “arte rupestre” uma expressfo jd con- sagrada e que pode ser mantida, especialmente se tra- tada no sentido sugerido por André Prous — ao enfa- tizar que as palavras “arte” e “artista? tém a mesma raiz, latina que “artesio”, sendo arte o conhecimento de regras que permitem realizar uma obra perfeitamente adequada a sua finalidade. E esse 0 sentido que atribuo 8 expresso “arte rupestre”. As hei para este livro apéia-se na prépria tradigio de 0 recorte que dese- 10+ [A ARTE AUPESTRE No BRASIL pesquisa arqueolégica brasileira. Ao mesmo tempo que constitui um campo de saber com problemas ¢ estraté- gias de pesquisas préprias, que serio aqui abordadas, a arte rupestre € um dominio integrado aos demais aspectos da vida social do grupo que a produziu. O estudo de Nancy D. Munn sobre a iconografia dos Walbiri, da Austrilia, é um bom exemplo de como os grafismos rupestres podem estar articulados com outros conjuntos de manifestagées graficas e integrar a Vida social dos grupos que os elaboraram. Os Walbiri representam as suas habilidades pictogréficas em dife- rentes situag6es: sio desenhos totémicos feitos durante oritual no préprio corpo, em tébuas ou pedras sagradas e desenhos na areia que complementam graficamente histérias sobre varios acontecimentos. Munn diz. que a arte grifica Walbiri tem sido equivocadamente rotula- da de “geométrica” ou “abstrata’, chamando a atengio para suas conexdes com noges relacionadas a ances- trais, nagio e sonhos em uma tinica mattiz de idéias. Os ancestrais totémicos so representados por dese- hos gréficos, cada um se associando a uma ou mais formas com explicita referencia semantica. Dessa for- ‘ma, as pinturas nao sio meramente formas decorativas. Ji os desenhos feitos na areia so parte do discurso no qual experiéncias sao trocadas e eventos comunica- dos. Como a conversa entre os Walbiri geralmente ‘corre com as pessoas sentadas no chéo, o desenho é um complemento da expressfio verbal e gestual. Sio We IMADU GASPAR. cercade 12 elementos regularmente usados, sendo que cada um representa um conjunto de significados. Um simples trago de forma geométrica muito simples pode representar langa, bastio de lua, bastao de cavar, ho- mem, animal (cio ou canguru) ou fogo. Jé elementos combinados formam cenas que podem se passar no acampamento, no espago ritual, fora do acampamento e referem-se & caga, coleta ou procura por dgua, entre outros temas. Com este exemplo quero enfatizar que as diferentes manifestagées de arte rupestre brasileira também inte- gravam a vida cotidiana dos diferentes grupos pré-his- t6ticos que a produziram. Em certos casos, poderiam set complementares & fascinante pintura corporal ain- da praticada por algumas tribos brasileiras. Porém, fundamentalmente, é preciso ressaltar que o grafismo era parte integrante do sistema de comunicagio do qual se preservaram apenas as expresses gréficas que resistiram ao tempo, Trata-se de um dominio em que estio representados sistemas de idéias e de que se pode apenas aventar a complexidade e diversidade a0 con- templar o caso Walbi Gabriela Martin, estudiosa da arte rupestre do nor- deste do Brasil, assinala que grafismos tio comuns nos registros rupestres como espirais, citculos radiados linhas paralelas onduladas podem significar, ao mesmo tempo, dependendo do grupo cultural, simbolos femi- ninos ou masculinos, incesto, o movimento das 4guas 12+ [ARTE RUPESTRE NO BRASIL ou a piroga anaconda que transporta a humanidade. Quem poderia imaginar que uma simples linha, con- jerada em nossa cultura uma das mais simples formas geométricas, pode conter tantos significados? Se por um lado tragos simples podem conter varios significa- dos, André Prous ressalta que sinais vistos como sim- bdlicos em algumas interpretagdes de arte rupestre podem ser simples esquematizagées, Um bom exemplo éa figura do tridngulo, que pode ser tanto um desenho geométrico ou uma simples representacao realista. Este € 0 caso do desenho composto de dois triangulos opostos, feiro pelos Bororo, que representa uma realista vértebra de peixe. Para complicar ainda mais, estudos realizados por André Prous ¢ Alenice Baeta, em lamina extraida de um paredao do sitio arqueolégico Santana do Riacho, em Minas Gerais, e analisada em microscépio, indicou a existéncia de muitas pinturas que nao podem ser visualizadas nem a olho nu nem com o auxilio de fotografia com filme infravermelho. Além disso, nio se deve esquecer a fragilidade relativa de cada tinta utili- zada pelo pintor pré-histérico. Os pigmentos verme- thos fixam-se melhor nas paredes que os mais pastosos, como os amarelos e brancos, ¢, desta forma, os amare~ los aparecem geralmente na forma de manchas € po- dem estar sub-representados. E possivel, ainda, que tenham sido feitas pinturas com pigmentos vegerais e que desapareceram totalmente com o pasar do tempo. 13. MAOU GASPAR, Além do mais, uma série de alteragbes ticas, que incluem desde efeitos naturais relacionados com a incidéncia da luz ou mesmo decorrentes da sobreposi- fo de grafismos, moldam a percepgio atual da arte rupestre. E preciso, ainda, levar em conta que a organizacio dos painéis e até mesmo das figuras que os compoem. pode ser o resultado final da intervengio de intimeros pintores que se sucederam através de geragées. Prous e Baeta mostraram que cada pintor, ao actescentar uma figura num painel, interpretavaas obras anteriores, sua contribuigio nao sendo inserida como elemento isola- do, mas como uma nova parte de um conjunto prees- tabelecido. Ao pintar um veado, acima ou ao lado de outro jé existente, o artesio podia querer reafirmar ou atualizar 0 significado do primeiro desenho ou entio negi-lo, substituindo o animal. Ainda podia enrique- cer o significado original da primeira pintura ao acres- centar, por exemplo, uma corga ao animal preexistente, com tal atitude evocar a dualidade procriadora, dan- do um novo significado ao desenho anterior. ‘Ao contemplarmos um painel pré-histérico, senti- mos a tentagio de atribuir um sentido global ou final as figuras que o integram, pois ¢ assim que apreciamos as obras de arte produzidas por nossa sociedade, onde hé um distanciamento entre a produgio e 0 consumo de arte. A inauguracéo de uma exposicéo de arte é a ritualizagio do momento de apresentagao do produto 14. |N ARTE RUPESTRE NO BRASIL final, Através desse rito, somos treinados a perceber as obras de arte como a fixagio de um Ginico momento, © momento em que © artista resolve mostrar o seu. trabalho. No caso dos grafismos pré-histéricos, muitas vezes as figuras s4o acrescentadas progressivamente aos painéis, afirmando, modificando ou negando o signi- ficado das figuras preexistentes. Para os pesquisadores de Minas Ge sentado atualmente nos abrigos é, na melhor das is, acima referidas, 0 que esté repre- ips teses, 0 estado final da decoragio dos paredées rocho- sos. A arte rupestre esté impregnada de todas as marcas decorrentes do tempo, que climinow algamas cores, figuras ¢, eventualmente, actescentou tonalidades re- sultantes da aco de fungos e outros agentes naturais. Arte rupestre consiste em manifestagées graficas realizadas em abrigos, grutas, paredées, blocos ¢ lajes feitas através da técnica de pintura e gravura. As gravu- ras podem ser elaboradas através de picoteamento ou incisio; ja as pinturas foram realizadas por meio de diversas téenicas: algumas, com a frieso de um bloco de pigmento seco e duro na pedras outras, com o uso de um pincel feito de galhos de drvore; em outros casos, a pintura foi feita com o préprio dedo ou 0 pigmento foi transformado em pé e soprado na rocha. Ao analisar os grafismos rupestres os pesquisadores costumam fazer unfa classificagio inicial apoiada na técnica de confecgéo dos grafismos, opondo principal- mente pintura & gravura. Esse contraponto parece ser +18. MADU GASPAR. pertinente para certas regides onde sé ocorre uma ou outra técnica, ou no caso de motivos que s6 foram representados de uma maneira ou de outra. Numa primeira abordagem do tema, levantamentos sistemd- ticos desenvolvidos pela equipe de Minas Gerais mos- tram que em alguns motives representados foram uti lizadas ambas as técnicas ¢ que gravuras, muitas vezes, foram preenchidas por pintura, 0 que corna a classifi- cagio bastante complicada. Como muitas gravuras estéo em areas abertas, bem iluminadas, geralmente perto de aguas, picotear ou fazer incisées na pedra talvez fosse o tinico recurso para demarcar, de mancira duradoura, locais na paisagem. ‘Também é bastante variado o tipo de suporte esco- Ihido para os grafismos. Paredées expostos & agio do mar como os existentes na costa de Santa Catarina, paredes de grutas e de abrigos e até mesmo rochas isoladas as margens de rio. Alguns artestios escolheram locais de dificil acesso para executar os grafismos; em virtude da altura em que se encontram foi necesséria a construséo de andaimes ou de algum tipo de escada para se tet acesso aos paredées. Alguns grafismos tém alta visibilidade e parecem ter funcionado como uma espécie de marco na paisagem, em outros casos foram feicos em locais de dificil visualizacio e acesso. Pode-se dizer que foram feitos para permanecerem escondidos «, talver, fossem locais restritos aos iniciados. 16+ [A ARTE RUPESTRE NO BRASIL As vezes, a implantagio das pinturas na paisagem pode fornecer um caminho para a interpretagao do grafismo. Este parece ser 0 caso do que Leila Maria Pacheco ¢ Paulo Tadeu de Albuquerque denominam “sitio cerimonial” do Lajedo da Soledade, em Apodi,, Rio Grande do Norte. No afloramento calcireo com cestreitas grutas, galeria longas e baixas, pequenos abri gos sob rochas ¢ ravinas, alguns grafismos esto escon- didos e s6 foram descobertos porque Paulo Tadeu de Albuquerque realizou uma minuciosa busca de inscri Ges procurando desenhos em locais de dificil acesso. Parte da prospecsao arqueolégica foi realizada com auxilio de espelho para que reentrancias da pedra pudessem ser inspecionadas. Para Gabriela Martin no interes- Lajedo da Soledade encontra-se uma das mai santes representagées rupestres relacionadas com a ob- servacio celeste. Para penetrat no pequeno abrigo, com cerca de 50cm de altura, ¢ observar as pinturas € preciso rastejar de costas. Completa o cendrioo fatodeas imagens ficarem iluminadas apenas pela luz que atravessa um otificio na rocha situado ao fundo do abrigo. No centro do teto, uma figura radiada aparece atravessada por uma linha sinuosa de grafismos na forma de setas, que percotrem uma trajetéria desde o orificio por onde a lua penetra até se perder no fundo do pequeno abrigo. Para a pesquisadora, toda essa ambientagio sugere 0 registro da trajetéria de um astro, provavelmente o Sol. Os motivos que decoram a Toca do Cosmo, na Bahia, +7. (MADU GASPAR, também levaram Maria Beltrio a considerar que ali estdo representados fendmenos astrondmicos. No que se refere aos corantes, é possivel obter uma série de informacées através de andlises fisico-quimicas de pigmentos. Maria da Conceic¢ao Soares Meneses estudou as pinturas rupestres da Serra da Capivara, no Piaut, e estabeleceu a composigao quimica das tintas. ‘A cor vermelha é constituida de éxido de ferro mistu- rado com uma substéncia rica em célcio; a amarela é goetita, um dxido de ferro hidratado. A cor branca eta feita com duas espécies de tinta, kaolinita e gipsita; 0 cinza, por sua vez, é uma mistura natural dos pigmen- tos vermelho e branco. A coloragio azul, obscrvada na ‘Toca do Veadinho, nao existia no momento da realiza- fo da pintura: trata-se de um pigmento preto que, com o passar do tempo, foi recoberto por mineral silificado que alterou sua coloracio. O preto foi conse- guido de duas manciras: através de carvéo vegetal obtido com a queima de madciras ou de carvao animal resultado da queima de ossos. O estudo dos pigmentos negros traz em si a possibilidade de datagio da prépria tinta e, portanto, a possibilidade de estabelecer 0 pe- rfodo em que a pintura foi feira. Seu estudo permite, também, a identificagéo das espécies animais que fo- ram queimadas. No futuro, poderemos ser surpreendidos pela noti- cia de que ossos humanos foram queimados e utiliza- dos em pinturas rupestres, costume que nao estaria em +18. [ARTE RUPESTRE NO BRASIL contradicéio com os habitos de grupos nativos que habitaram o nosso tertitério, Manipular ossos huma- nos — cremando, marcando, pintando — é um cos- tume antigo e muito bem documentado na pré-histé- tia brasileira. Andlises de pigmentos encontrados na Aus ina existente no sangue humano foi usada na confeccéo de maos que decoram ace Existe uma série de procedimentos para a realizagio dlos estudos de arte rupestre. O primeiro de todos é a prospec sistemética para a localizagéo dos sitios arqueolégicos; depois 0 estudo detalhado dos grafis- mos, que sio fotografados com diferentes tipos de filme geralmente decaleados com a utilizacio de plisticos transparentes que recobrem os desenhos. Com canetas pilot de diferentes cores sao feitas enormes cépias em tamanho natural dos paingis. Levadas para o laboraté- rio, sio minuciosamente estudadas, tentando-se iden- tificar e ordenar as figuras, bem como estabelecer estilos, motivos, maneiras de representar e de distribuir espacialmente os grafismos. A fotografia com diferen- testipos de filmes eas filmagens também sio oportunas para contextualizar os achados. rdlia indicam que a prot werna Judds, na Tasmania. Uma série de eseudos detalhados realizada, tudo dependendo do momento da pesquisa ¢ das questoes colocadas pelos pesquisadores. Datar os grafismos pres- supde encontrar evidéncias que indiquem 0 momento de sua confecgio — sejam vestigios orginicos nos +196 ‘Mapu @aspaR. pigmentos (datagéo por meio de métodos fisicos), sejam blocos caidos ou pigmentos de corante (datacéo por meio dos materiais orginicos associados). Jé 0 estudo da evolugao cronolégica busca discernir, nos painéis, sobreposigées de figuras para estabelecer a seqiiéncia de elaboragio de estilos. Avaliar a dispersfo espacial de determinada maneira de decorar rochas exige prospecgSes sistematicas em amplas regises e a comparagio de grafismos estudados por diferentes arquedlogos, pois, dificilmente, uma Sinica equipe de pesquisa consegue realizar trabalhos detalhados em toda a érea coberta por um tipo de pintura ou gravura. Pata que os arquedlogos possam compartilhar suas informagées, a comunidade cienti- fica investe na elaboragao de uma nomenclatura cien- tifica ¢ na divulgacio de técnicas e estratégias de regis tro da arte rupestre. Sio etapas distintas do trabalho de pesquisa que vao sendo realizadas e que, passo a passo, petmitem construir um quadro de referéncia para a arte rupestre do Brasil No que se refere 4 andlise dos grafismos, é preciso considerar que mesmo as primeiras prospeccies sio procedimentos marcados pela orientacao teérica ado- tada pelos pesquisadores. A seqtiéncia de tarefas desen- volvidas no campo que visa estudar da melhor maneira possivel os grafismos ¢ fruto de escolhas teérico-meto- dol6gicas que delineiam a produgao de conhecimento 20+ ‘A ARTE RUPESTRE NO BRASIL m certo sentido, a prépria escolha dos sitios estu- dlados jé & permeada pelos pressupostos teéricos abra- gados pelo pesquisador. Vejamos um exemplo de ficil entendimento, Se o estudioso considera os grafismos como um sistema de comunicagao, uma espécie de linguagem, a0 estudar gravuras que tém como tema exclusivamente linhas, pontos ¢ cfrculos, corre o risco dle se perder num cmaranhado de combinages de figuras ¢, dificilmente, conseguiré construir uma inter- pretagao que dé conta da realidade observada. Certa- mente, seu trabalho serd mais interessante se estiver estudando uma regio onde as pinturas se caracterizem por cenas complexas com a participagio de virios seres humanos e das quais se possa depreender 0 tipo de atividade ali representado. Quero dizer que alguns conjuntos de manifestagdes artisticas si objeto de estudo muito mais instigante para quem esté procu- rando entender o significado simbélico dos grafismos do que outros conjuntos. Diferentes maneiras de perceber a arte rupestre Distintos pressupostos orientaram os estudos sobre arte rupestre ao longo do tempo. No século XIX, a idéia predominante era que esse tipo de arte era resultado do prazer puramente estético do homem pré-histérico: a +21 ‘MADU GASPAR arte pela arte. Com a descoberta de grafismos em locais de dificil acesso e de uma certa coeréncia interna aos paingis, ficou evidente 0 aspecto restrito desse ponto de vista. i segundo as reflexées encabecadas pelo abade Henti Breuil (1877-1961) — uma autoridade em arte do paleolitico que descobriu intimeras cavernas e regis- trou enorme quantidade de grafismos na Europa —, a arte era tratada em cermos de magia simpatica. Os desenhos de animais teriam sido feitos com 0 objetivo de controlé-los na vida real. Por exemplo, 0 que se chamou de magia da caga pressupunha que 0 homem do paleolitico decorava as paredes das cavernas com imagens de animais para, através da magia, set favore- cido nas cagadas. A magia da fertilidade também expli- cava alguns grafismos: os artistas teriam feito os dese hos para assegurar a reprodugéo dos animaise garantir alimentos no futuro, Explicages apoiadas no totemis- mo também orientavam as interpretages da época, sendo recorrente a elaboragio de analogias simplistas com grupo tribais que estavam sendo estudados pelos etnélogos. De acordo com esse ponto de vista, os paredées teriam sido decorados pela simples acumula- fo de figuras isoladas, sem planejamento algum. Em 1940, quatro adolescentes franceses descobri- ram na Dordogne, regio sudoeste da Franga, a caverna de Lascaux, que apresenta um dos mais famosos € espetaculares conjunto de grafismos do paleolitico. +225 A ARTE RUPESTRE NO BRASIL Apesar de sua importincia para a ciéncia, nao foram feitas escavagées nas areas principais da caverna em decorréncia de sua adaptacéo para o turismo, que atrai Jum grande néimero de visitantes. Segundo Paul Bahn, ¢ ilo intensa a visitagio que em 1963 constatou-se um forte impacto ambiental com bactérias atacando as imagens. Para atender ao ptiblico, as autoridades deci diram pela construgie de uma réplica denominada Lascauws 1, inaugurada em 1983 e que recebe cerca de 400 mil pessoas por ano. ‘A anilise de carvio recuperado em escavagio ar- quicoldgica indicou que Lascaux foi ocupada por volta de 15.000 anos AP’, ¢ os estudos sugerem que acaverna foi um local de breves visitas periédicas para atividades autésticas ow rituais, néo havendo indfcios de ter sido lum local de moradia. A caverna é bastante conhecida pelas pinturas mas, na realidade, a maioria das figuras {0 sao esto pintados quatro enormes cimpressionan- {es touros e, em menores dimensbes, cavalos e veados. executada através da técnica de gravura, No prim * AD significa “antes do presente” que, por convengao, & 1950, Trata-se de uma mengio 2 descoberta da téenica de datagao através do Carbono 14, que se deu em 1952. Assim, um evento ocorrido 500 anos AP ovorreu 500 anos antes de 1950 — ou seja, 1450. As foferéncias eronolégicas obtidas através de métados fisicos slo sempre acompanhadas de suas respectivas margens de erro, que ‘Mio expressas com o sinal positiva e © negativo (4). Para muitos, © nascimento de Cristo & a principal referéncia eronolégica e 0 lempo € dividido entre antes e depois de Cristo. +235 MADU GasPaR Em uma das galerias ocorre a transigao da pintura para a gravura, No interior da caverna esta representada a famosa cena do homem com cabeca de ave e falo ereto acompanhado por bisées e outros animais. Artefatos relacionados com a decoragao das paredes foram encontrados no interior da gruta, além de muitas Iamparinas, fragmentos de mineral, alguns com marcas. de retirada, ¢ trituradores com pigmentos. Anilises quimicas revelaram que os varios minerais eram mis- turados ou aquecidos para que fossem obtidas diferen- tes tonalidades. Com a descoberta de Lascaux e as profundas trans- formagies ocorridas nas ciéncias sociais — relaciona- das as inovagdes tedricas do estruturalismo —, consti- tuiu-se uma nova maneira de perceber os grafismos rupestres. Essa nova abordagem tem suas origens nos trabalhos do lingiiista suico Ferdinand de Saussure (1857-1913), cuja teoria revolucionou o entendimen- to da linguagem ao consider4-la como um sistema de comunicagio. A tarefa do lingitista passan a ser desco- brir regras inerentes 20 ato de falar. Claude Lévi Strauss, um dos mais importantes teéricos do estrutu- ralismo, enfatizou principios que estruturam a mente humana numa série de oposig6es binérias, tais como direita/esquerda, dia/noite e cru/cozido, mediante as quais a cultura é criada e pode ser entendida. Jé para Roland Barthes (1915-80), um tedrico da literatura ¢ da semidtica, a cultura humana constitui um enorme 24. [A ARTE RUPESTRE NO BRASIL eddigo simbélico ¢ os métodos da semiética seriam 0 camninho para decifré-lo, Essa nova perspectiva teérica eve importante repercussio na maneira de se fazer arqueologia. De uma perspectiva estrutural, artefatos integram sistemas de signos que comunicam significado nao- verbal de uma maneira andloga & linguagem. Sem eamiugar o tema, pode-se vislumbrar todo o campo de toflexdo sobre arte rupestre que seabriu em decorréncia dlessas inovagées nas ciéncias sociais. Os painéis passa- fain a ser vistos como tendo uma organizagio interna ¢ foram abandonadas as interpretagdes que se apoia- vam em explicagées externas aos grupos culturais que executaram os grafismos. O foco deixou de ser a des- crigio pormenorizada de figuras isoladas, procurando- se lidar com 0 conjunto e sua disposigio no espaco. A forma no é 0 Unico aspecto a ser estudado, pensa-se em ritmo, combinagées de técnicas, luminosidade, hiierarquia entre grafismos, jogo entre forma e fundo e até a actistica das cavernas é considerada. André Leroi-Gouthan ¢ Anette Laming-Emperaire, arquedlogos que se tornaram os principais pesquisado- tes de arte rupestre apés a morte de Henri Breuil ¢ foram fortemente influenciados pelo estruturalismo, buscaram estabelecer uma ordenagio das figuras sem tecorrer a analogias simplistas com grupos tribais e {entaram relacioné-las com o préprio modelo de socie- dade que as produziu. As contribuigées de Anette 25+ [MADU GASPAR Laming-Emperaire so especialmente importantes para nés, jd que ela teve forte influéncia na formagao de arqueélogos brasileiros. Na década de 1950, os dois pesquisadores conclu(- ram que as cavernas tinham sido decoradas de maneira sistematica, ¢ no a0 acaso. Os grafismos foram trata- dos como composigées individuais realizadas em ca- vernas individuais, e as representagées de animais dei- xaram de ser consideradas teprodusées fitis, sendo interpretadas como s{mbolos. Estudaram-seas relagbes centre as figuras e foram enfocadas as associagBes entre elementos que se repetiam. Verificou-se que os animais que apareciam em maior ntimero ¢ com destaque no painel representavam a dualidade basica que ordenava a sociedade que os produziu e que esta dualidade era sexual. Para Laming-Emperaite, os cavalos correspon- diam & mulher ¢ os bovideos, aos homens. Esta idéia foi estendida aos sinais (geométricos) identificados como representagées de homem (falo) e de mulher (vulva). Muitas criticas foram feitas a esta corrente interpretativa em virtude do cardter subjetivo das and- lises estatfsticas realizadas. Nao pretendo aqui esgotar o assunto, apenas ressal- tar, como ja foi feito por André Prous, a existéncia de varias correntes tedricas e modismos que se sucedem no tempo. Nao cabe aqui listar todas as perspectivas, apenas mencionar algumas que norteiam a mancira como 0s grafismos séo estudados. Para alguns pesqui- +26. | ARTE RUPESTRE NO BRASIL sadores, os grafismos podem ser explicados através do ‘que se chama de arqueozstronomia, que pressupse que jyrafismos representam fenémenos celestes como parte lo céu: estrelas, cometas ¢ eventos astrondmicos. Para ‘outros, as figuras sao expresso de viagens xamanisticas decorrentes da ingestio de drogas — supostamente fesponsaveis por imagens causadas pelos fosfenos cor- felacionadas as figuras geométricas. Isso nao significa que os fendmenos celestes nao tenham sido observados ¢ representados — o Lajedo da Soledade, em Apodi, no Rio Grande do Norte, parece ser um bom exemplo de tal prética. Tampouco quero negar o uso de aluci ndgenos por populagdes nativas, pois esta foi e ainda € luma prética recorrente entre muitos grupos. Porém, wrilhar esse caminho interpretativo ao se deparar apenas com circulos ou borrées pode ser uma armadilha que restringe outras possibilidades analiticas. Somo vimos, a0 longo do desenvolvimento das ciéncias sociais prevaleceram diferentes perspectivas de anilise da arte rupestre. Cabe ao pesquisador pingar 0 que é interessante ¢ compor um corpo tedrico que ba dado. Simples modismos passam rapidamente, mas conttibuigdes de correntes tedricas bem fundamenta- das sfo incorporadas definitivamente na produgio do saber. Muitas das inovagées trazidas pelo estruturalis- mo podem estar aquém do patamar explicativo alcan- gado pela arqueologia moderna; porém, nogées deri- lize a interpretagéo do conjunto de grafismos estu- 27s IMADU GASPAR vadas de seus ensinamentos demonstraram que os gra- fismos devem ser entendidos a partir das prdprias figuras representadas e dos arranjos dos painéis, e nao recorrendo-se a explicagdes exdgenas. Ou seja, ¢ equi- vocado interpretar grafismos antigos produzidos ha milénios a partir da experiéncia gréfica de grupos atuais. Mesmo havendo uma clara filiagio cultural, é indispensével levar em conta a dinamica da cultura ¢ as profundas ¢ inevitéveis transformagées acarretadas pelo passar do tempo. No caso brasileiro, convém apontar a desestruturagio advinda do contato com 0 europeu e as muitas mudangas daf resultantes. Da mesma forma, dentre as contribuigées definiti- vas trazidas pela Nova Arqueologia — movimento que ocorreu na década de 1960 em paises de lingua inglesa — destaca-se 0 estudo dos aspectos espaciais das ma- nifestagdes arqueolégicas. A Nova Arqucologia ou Ar- queologia Processual teve como principal destaque o arquedlogo norte-americano Lewis R. Binford. Um. dos postulados que orientou essa linha de pensamento sustenta que o comportamento humano € altamente padronizado e que, portanto, artefatos produzidos pe- los homens seguem um padrio no que se refete aos aspectos formais e as suas propriedades espaciais. Por conseguinte, o registro arqueolégico (produto do com- portamento humano) também apresenta forte padro- nizacio, revelando-se como uma possibilidade de estu- do da organizacao social. Na agenda proposta, forte +28. A ARTE RUPESTRE NO BRASIL enfoque foi dado & adogao de novos métodos e técni de investigagao, especialmente as abordagens estatisti- as como estratégia para identificar os padrées. Essa perspectiva fornece um viés para a andlise dos igrafismos classificados como geométricos, muito po- dendo ser dito acerca da distribuigao espacial, implan- \acio ambiental, filiagao cultural e demais caracterist cas desses testemunhos. Este ¢ 0 caso dos grafismos dos Lajedos de Corumbé, no Mato Grosso do Sul, cuja uniformidade da compos pete que as gravagbes tenham sido realizadas por um, mesmo grupo cultural. Considerando a energia gasta na produgao dos imensos painéis, 510m? de drea o maior déles, fica evidente o trabalho envolvido em sua produgao. Avaliando sua distribuigao espacial ¢ de outros tipos de testemunhos arqueolégicos na regio, Jo temitica e estrutura su- sugetiu-se que foram confeccionados pelos construto- res dos aterros que ocuparam as Areas alagadicas. Os ongos sulcos sinuosos ligindo grafismos circulares sugerem tratar-se de 1epiesentagSes do ambiente onde se encontram, isto é, um emaranhado de rios, canais € Jagoas. Segundo Maribel Girelli, em decorréncia das dimens6es e de sua implantagio ambiental, so extre- mamente visiveis em dreas abertas. Para pesquisadora, as formas representadas insinuam trilhas, passos e rit- mos a serem seguidos. Quando vi as enormes transpa- réncias feitas em tamanho natural, no laboratério do +295 MADU oASPAR Instituto Anchietano de Pesquisas, tive a clara sensagao de que estava observando um mapa, Mas quem garante que nao estamos diante da parte grifica de um mito que envolve animais, homens e deslocamentos de es- pititos ou seres fantésticos através das éguas do Pan- tanal? Nesse caso, um dos caminhos a seguir ¢ aproveitar os ensinamentos da Nova Arqueologia ¢ correlacionar 08 grafismos aos sitios arqueolégicos da regio ¢ inves- tigar a sua implantagao na paisagem, como bem fez a equipe do Instituto Anchietano de Pesquisas, A arte rupestre foi considerada um aspecto importante de um, grupo cultural que ocupou a regido e deixou intimeros tragos de sua passagem. A Nova Arqueologia foi um importante movimen- to, ecriticas e desdobramentos apontaram novos passos pata a arqucologia. Outra vertente a Arqueologia Comportamental, de Jefferson Reid, Michael Schiffer ¢ William L. Rathje, da Universidade do Arizona, que entre outras contribuigées aborda os processos de for- magio dos sitios arqueolégicos pondo em foco fend- menos culturais ¢ naturais que agiram na formagio do testemunho arqueolégico, Essa linha de pesquisa sa- licnta que o registro arqueolégico, seja qual for (um paredio com pintura rupestre ou um sambaqui), chega aos dias de hoje marcado por transformagées naturais © por agoes de outros grupos culturais. Ressalta que & trabalho do arquedlogo desvendar todos esses proces- 30+ [ARTE RUPESTRE NO BRASIL sos que causam modificagées profundas nos testemu- nhos pré-histéricos. No caso dos grafismos, € preciso investigar o componente dos diferentes pigmentos que compéem o painel para que nao prevaleca uma visio fortemente marcada pela impressio das cores mais, resistentes & ago do tempo. E preciso identificar, tam- bém, os grafismos que foram adicionados por outros, grupos para que se possa tragar a “histéria de vida” de determinado painel. Porém, a maior reagfo veio da chamada Arqueologia Pés-Processual, cuja denominagao jé ¢ uma referencia critica & corrente que a antecedeu. O termo pés-pro- cessual foi utilizado pela primeira vez em 1985, por lan Hodder, da Universidade de Cambridge. Ao contritio dacorrente anterior, nao hé uma agendaa seguit, como também nao se buscam leis de comportamento. © foco reside na interpretacio: podem ser percebidos como textos interpretados por aqueles que 0s fizeram ¢ os utilizam, Como um texto admire diversas leituras, isso inclui nao sé os “leitores” da sociedade que 0 produziu, como também 05 “leitores” da sociedade que pretende estudar tais textos — os préprios arquedlogos. No momento, desenvolve-se um saber estruturado ages € matei sobre o potencial explicativo da cultura material, ¢ diferentes perspectivas tedricas so adotadas. Atlanti- das, fenicios e alfabetos so cartas fora do baralho das pesquisas arqueolégicas, Por outro lado, muitas vezes 2 Bh MADU GASPAR © excessivo rigor metodolégico que caracteriza esse dominio da arqueologia acaba por engessar interpreta ‘ges posstveis. Nesse momento, uma tendéncia preva- lece nos estudos de arte rupestre e, independentemente da orientagao teérica, as pesquisas vém sendo marcadas por grande rigor técnico no que se refere & descrigio de formas, de painéis, & anélise de pigmentos etc. Esse movimento soa como uma reagéo & série de interpre- tagées fantasiosas ou pouco fundamentadas que mar- cou o estudo desse campo. Breve histérico do estudo da arte rupestre no Brasil No perfodo inicial da arqueologia brasileira (1870- 1930), o tema que mais chamou a atengio dos pesqui- sadores foi a antigiidade da ocupagio da regiéo de Lagoa Santa, especialmente as descobertas que tenta- tam telacionar os primeiros cacadores com os ossos de megafauna encontrados em grutas ¢ abrigos de Minas Gerais. As culturas do baixo Amazonas, os sambaquis © a arte rupestre também foram temas importantes no comego da formagio da arqucologia brasileira. Os grafismos rupestres sio mencionados desde 0 século XVI. Alfredo Mendonga de Souza oferece um interessante histérico das pesquisas, ¢ assinala que as Lamentagées brastlicas, obta do padre Francisco Teles eserita entre 1799 ¢ 1817, registram 274 sitios arqueo- 132. [A ARTE RUPESTRE NO BRASIL ligicos com gravagoes e pinturas no Cearf, Paraiba, Rio Grande do Norte, Piaué e Pernambuco. Acreditan- do que tais sinais teriam sido feitos por indigenas e por ie laptlases' ei queidechinny coteinin devtensuscendeibigh decifré-los, cotejando-os com os alfabetos grego he- braico, signos zodiacais ¢ tébuas astronémicas. O padre Francisco Teles no sé realizou um levantamento deta lhado de sitios rupestres, como, em certo sentido, inaugurou duas importantes correntes interpretativas deste tipo de testemunho arqueolégico: a vertente que vé os grafismos como uma linguagem ea que os toma como referéncias astronémicas. Cientistas de varias procedéncias registraram manifestagdes rupestres du- rante suas expedig6es: Karl Friedrich Philipp von Mar- tius (1818-21), Auguste de Saint Hilaire (1816) e Charles Frederich Hartt (1870). Jean-Baptiste Debret (1834) copiou as pinturas que esto is margens do rio Japuré e Rugendas (1835) desenhou algumas manifes- tages pelos caminhos por que passou. Boe Z. ef Inscrigdes indigenas copladas por Debret 23a

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