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OBRAS DO MESMO AUTOR: LA VIE FAMILIALE ET SOCIALE DES INDIENS NAMBIK- WARA (Paris, Société des Américanistes, 1948). LBS STRUCTURES BLEMENTAIRES DE LA PARENTS (Prix Paul-Pelliot) (Paris, Presses Universitaires de France, 1949). RACE BT HISTOIRE (Paris, UNESCO, 1952). TRISTES TROPIQUES, 22° milhoizo. Colegio Terre Humaine. (Librairie PLON, 1955). LE TOTEMISME AUJOURDHUL (Patis, Presses Universitaires ‘de Franee, 1962). LA PENSEE SAUVAGE (PLON, 1962). | MYTHOLOGIQUBS La Gru et le Cuit (PLON, 1964). MYTHOLOGIQUES Du Miet aus cendres (PLON, 1966). COLABORAGAO: Charbonnier: ENTRETIENS AVEC L&VI-STRAUSS ONJULLIARD, 1961). CLAUDE LEVI-STRAUSS ANTROPOLOGIA ESTRUTURAL ‘Traduefo do CHAIM SAMUEL KATZ ° ‘EGINARDO PIRES CAPITULO IL A ANALISE ESTRUTURAL EM _ LINGUIS- TICA E EM ANTROPOLOGIA (1) No conjunto dag ciéncias sociais ao qual pertence indis- cutivelmente, a lingtiistica ocupa, entretanto, um lugar excep- ional: ela nio & uma ciéncia social como as outras, mas a se, de hi muito, realizu os malores progresoe: 8 dic, sem dityida, que pode reivindicar o nome de ciéncia ¢.que-che- ‘gou, ao mesmo tempo, a formular um método_positivo ) conhécer a natufeza dos fatos_submetidos-& sia _analise, situagio privilegiada acarreta algumas dependéncias: o lingitista ‘yeré ‘muitas vézes pesquisadores provenientes de disciplinas vizinhas, mas diferentes, se inspirarem em seu exemplo ¢ ten- tar seguit seu caminho, Noblesse oblige: uma revista lingitis~ tica como Word nao pode se limitar a ilustracio de teses ¢ de pontos de vista estritamente lingitisticos. Tem também que aco- Ther os psicélogos, socidlogos e etndgrafos ansiosos por apren- be da lingifistica moderna 0 caminho que conduz ao conhe- 38 fatos sociais. Como ja escrevia, ha vinte Snos, Marcel Mauss: “A socologia estas, certamentey muito mais avangada se tivesse procedido, om todas as situagées, A)” maneira dos lingiistas...” (2). A’ estreita analogia de mé-)" ‘todo que existe entre as duas disciplinas thes impoe um dever | ‘especial de colaborasao. ¢ lyse Structurale en fn guistique ot anthropologie, Word, Jo of the Linguistic Cirele oF New York, vol 1, n® 2 agtaio (2) Rapports reels of pratigues, Anthropologie, Paris, 1981. ‘im! Sociolagie et 45 Desile Schrader (8), nfo hi mais necessidade de demons- trar que assisténcia a lingtistica pode traber a0 socidlogo io cestudo dos problemas de parentesco, Foram lingiistas ¢ fl6- logos (Schrader, Rosé) (4) que demonstraram a improbabili- dade da hipdtese —A qual tantos sociélogos ainda se aferravam ‘na mesina época— de sobrevivéncias matrilineares na familia antiga. O lingtiista fornece ao socidlogo etimologias que permi- tem estabelecer, entre alguns térmos de parentesco, vinculos que fio eram imediatamente perceptiveis. Inversamente, 0 s0ci6- logo_pode fazer conhecer ao lingtista costumes, regras posti- vas & proibigdes_que fazem compreender a persisténcia de certos. gos da linguagem, ou a instabilidade de térmos ow de grupos de térmos. Durante ‘uma sesso recente do Cieulo linguistico de Nova Torque, Julien Bonfante ilustrava éste ponto de vista, relembrando a etimologia do nome do tio em certas linguas Fomanas: 0 grego theios dando, em italiano, espanhol © por- tugués, zio e fi0; e acrescentava que, em algumas regides da tila, 0 tio se chama barba. A “barba”, o “divino” tio, quan~ tas slyesties Estes térmys ido trazem ‘a0 sociélogo! As. pes- quisas do lastimado Hocart sdbre o cariter religioso da relagio avuncular ¢ 0 roubo do sactificio pelos parentes maternos, nos vém logo & meméria (8), Qualquer que seja a interpretacio que convenha dar aos fatos recolhidos por Hocart (a sua no oF certo inteiramente satisfat6ria), € indubitivel que o lin- giista colabora para a soluéo do problema, revelando, no vo- cabulario contemporineo, a persisténcia tenaz de relagdes desa- wecidas. Ao mesmo tempo, 0 soei6logo”explica a0 lingiista ‘a razio de sua etimologia ¢ confirma sua validade. Mais re~ centemente, foi dedicando-se; como Hingiista, aos sistemas de parentesco da Asia do Sul, que Paul K. Betedict pode trazer (3) 0. Scunapm, Prehistoric Antiquitice of the Aryan Pooples, trad. P. B. Jevons’ (Londres, 1890), eap. XII, parte &. (4) 0. ScHRapm, oe. cit.: H. J. Rosm On the Alleged Ey+ dence for Mother-Right in Barly Greece, Folitore, 22 (1911). Ver também, sObre esta questao, aa outras mais recentes de G. ‘Thom- 20n, favordvel & hipdtese de. sobrevivéocias ‘matrilinesres. (5) A. M. Hocanr, Chiettainship and the Sister's Son in the Pacific, American Anthropologist, n. 70), 17 (1919) ; The Ute- rine Nephew, Man, 28 (1928), n® 4; ‘The Cousin in Vedie Ritual, Indian Antiquary,'vol. 64 (1925) ; ete. \ ‘uma contribuigio importante A sociologia da familia desta parte do mundo (6). Mas, procedendo déste modo, lingiiistas ¢ socidlogos pros seguem independentemente suas respectivas rotas. Sem davida, de vez em quando fazem uma parada para comunicar uns aos outros, alguns resultados; contudo, éstes resultados provém de entos diferentes, e nfo se tenta nenhum esfOrco para fazer beneficiar um grupo com os progressos téenicos meto: dolégicos conseguides pelo outro. Esta atitude podia ser enten- dida numa época onde a pesquisa lingiista se apoiava sobre- tudo na andlise histérica, Em relagio & pesquisa etnologica, tal como era praticada no mesmo periodo, a diferenca era de grau, ‘mais do que de natureza. Os lingiistas tinham um método mais Fieeowo; seus resultados cram mls bem etableiots 8 20 ciol6gos_podiam se inspirar em_seuexemplo, “renunciando a tomar por base de suas classifieagdes a considetacio no _espago das espécies atuais” (7); mas, afinal de contas, a antropologia ea sociologia sh eaperavam ligfes da “adda fazia prever uma revelasio (8). = © nascimento dai ia) subverteu esta situagio, Ela no renovou apenas as perapectivas lingiisticas: uma transfor- magéo dessa amplitude nao esté.limiteda a uma disciplina par- ticular, A fonologia nio pode deixar de desempenbar, perante as ciéncias sociais, 0 mesmo papel renovador que a fisica mu clear, por exempio, desempenhou no conjunto das ciéncias exa- tas, Em que consiste esta evolugio, quando tratamos de en- cari-la em suas implicagées mais gerais? fo ilustre mestre da fonologia, N. Trubetzkoy, quem nos forneceré. a resposta a ©) P. K. Busicr, Mbstan and Chinese Kinship, Terms Horsont Journ. of anaite Stade", (os) Seis in Tal Kitcip'Gonmlioley, down. of tho Amer Oriente Sooty, ( L, Baunsonvice, le Progris de la conscience dant a ie" oeeidentale, I (Paris, 1927), p- 562. (8) Entre 1900 1920, 00 fundadores, da ling®istica mo- derna, Ferdinand de Saussure ¢ Antoine Meillet, situam-se reso lutamente sob = protecio dos socidlogus. Somente apée 1920 que ‘Mareel Biauss omega, como dizem os economistas, a inverter @ tendéncia. — ‘esta questo. Num artigo-programa (9), éle reduz, em suma ,o método fonolégico a quatro procedimentos. fundamentais: em rimeiro lugar, a fonologia passa do estudo dos fendmenos Tin- Gilisticos conscientes ao estudo de sua infraestrutura. inc iente; cla se recusa a tratar os térmos como entidades pendentes, tomando, ao contrario, como base de sua anilise as relagédes entre os térmos; introduz a nogéo de sistema —"A for | nologia atual nao se limita a declarar que os fonemas sio sem- pre membros de um sistema, ela mostra sistemas fonolégicos concretos e tora patente sua_estrutura” (10)— enfim, visa a deseobera dees geri, quer encontraas por induio, “que. deduzidas logicamente, o que Ihes di um caréter absoluto”” (11). pela primeira vez, uma ciéncia social consegue for~ mular relagoes necessérias, Tal € 0 sentido desta iiltima frase de “Trubetzkoy, a0 paseo que as regras precedentes mostram como a lingtistica deve se arranjar para chegar a éste resul- ado, Nao nos cabe mostrar agui que as pretenses de ‘Tru- betzkoy sto justficadas; a grande maioria dos lingiistas mo- dernos parece suficientemente de acdrdo sobre éste ponto. Mas quando se di um acontecimento desta importéncia numa das ciéncias do homem, néo sémente € permitido aos representan- tes das disciplinas vizinhas, mas exigido déles, veriicar ime- diatamente suas conseqiiéncias e sua aplicasio’ possivel a fax 105 de outra ordem, Novas perspectivas se abrem entio. Nio se trata mais ape- nas de uma colaborasio ocasional, onde o lingiiista e 0 sociélogo, cada qual trabalhando em seu ‘canto, se atiram de vez em -quando o que cada tm acha que pode interessar 20 outro, No -estudo dos problemas de parentesco (e sem divida também no studo de outros problemas), e socidlogo se vé numa situagio formalmente semelhante & do lingiiista fonélogo: como os fo- rnemas, os térmos de parentesco so elementos de significagio; comio éles, 6 adguirem esta significagio sob a condigdo de se integrarem em sistemas; os “sistemas de parentesco”, como “sistemas fonoldgicos”, So elaborados pelo espirito no est 5 iC 2 3 vy (Paris, 1998). ‘Trunprzxoy, la Phonologio actuelle, in: Paychologio (ao) + Be 288, Op. in Ba [) ) f ‘pensamento_inconsciente; enfim a recorréncia, em regiGes afastadas do. mundo e em sociedades profundamente di de formas de parentesco, regras de casamento, atitudes i ticamente prescritas entre certos tipos de parentes, etc, faz crer que, em ambos os casos, os fendmenos observiveis. resul- ‘tam do jégo de leis gerais, mas ocultas. O problema pode en- tio se formular da seguinte maneira: numa outra ordem de ‘realidade, os fendmenos de parentesco so fendmenos do mesmo fipo que 09 feniémenos linglisticos. Pode o sociélogo, utilizando tum método andlogo, quento & forma (senio quanto 20 con- tetido), a0 método introduzido pela fonologia, conduzir sus cigneia’ a um progresso anilogo ao que acaba’ de se realizar nas ciéncias Tingiisticas? ‘Sentir-nos-emos ainda mais dispostos a nos empenhar nesta diregio, quando tivermos feito uma constatagio suplementar © estudo dos problemas de parentesco se apresenta hoje em dia nos mesmos térmos, e parece que as voltas com as mes- amas dificuldates, que « Tingiifstica na véspera da revolugio for nolégica. Entre a antiga lingtistica, que procurava, antes de tudo, na histéria seu principio de explicagio, e algumas ten- tativas de Rivers existe uma notivel analogia: nos dois ca- 0s, sbzinho, —ou quase que s6— 0 estudo diacrénico deve cexplicar_fenémenos sincrénicos. Comparando a fonologia ¢ @ antiga Tingiistica, Trubetzkoy define a primeira como um “es- ‘raturalismo e um universalismo sistematico”, que opée ao in- dividualismo e a0 “atomismo” das escolas anteriores. E. quando Ale considera 0 estudo diaerinico, o faz numa perspectiva pro- fundamente modificada: “A evolugio do sistema fonolégico a cata momento dado, ditigida pela tendéncis a uma final —> dade... Esta evolugéo tent pois um sentido, uma logica inter- Tia, que se exige da fonologia historica_ que torne patente” (Tz Ea inerpreiee idualista”“atomista”, ‘Esa interpretagio “i r ‘exclusivamente fundada na contingéncia historic, criticada por Trubetzkoy Jakobson, & exatamente a mesma, com efeito, que a geralmente (12), Op. cit, p. 246; R. JAKowsoN, Prinzipen der historischen Phonologio, Pravaue’ du Corele linguistique de Prague, 1V; tam- bém, as Remarquer aur Devolution phomotogique du russe, do mea ‘mo autor, ibid, I. 49 x / ¥ splicada aos problemas de parentesco (18), Cada detalhe de terminologia, cada regra especial do casamento, é ligada a um costume diferente, como uma conseqiiéncia ou vestigio: cai-se num excesso de descontinuidade, Ninguém se pergunta como sistemas de parentescd, ‘em sew conjunto sincréni- co, poderiam ser o resultado arbitrario do encontro entre muitas instituig6es heterogéneas (a maior parte, alias, hipotéticas), ¢ contudo funcionar com uma regularidade e eficdcia qual- quer (14). Contudo, uma dificuldade preliminar se ope a transposi- do do método fonolégico aos estudos de sociologia primitiva, A analogia superficial entre os sistemas fonolégicos © os sis~ | temas de parentesco é tdo grande que impele imediatamente a |/uma pista falsa, Esta consiste em assimilar, do ponto de vista de seu tratamento formal, os térmos de parentesco aos fonemas da linguagem, Sabe-se que, para atingir uma lei de estrutura, © lingiiista analisa os fonemas em “elementos diferenciais”, que Podem entzo ser ofganizados em um ou varios “pares de’opo- sigdes” (15). O socidlogo poderia ser tentado a dissociar os ‘térmos de parentesco de um sistema dado, seguindo um método anilogo. Em nosso sistema de parentesco, por exemplo, 0 térmo. poi tem uma conotagéo positiva no que concerne, 90 sexo, 4 idade relativa, & geragio; ao contrario, tem uma ex- tenséo nula, € ndo pode traduzir uma relagio de alianga. As- sim, perguntar-sed, para cada sistema, quais sio as relagGes ‘expressas, e para cada térmo do sistema, que conotagio —po- sitiva ou negativa— possui com referéncia a cada uma destas relagdes: geragio, extensio, sexo, idade relativa, afinidade etc. & neste estigio “microssociolégico” que se espera descobrir as leis de estrutura mais gerais, como o lingiista descobre as suas inira-fonémico, ou o fisico no esta ‘molectilar, con®, Hie Eire, The Haory of Meta, sooty aie i ae Social” Organization, ed. W. J. Perry (4)" No. mesmo 8, Tax, Some Problems of Onranistins én: Social Anthropology of Mort Amerie Tbe, Fe gga 1937). (1b). KOBSON; Observations sur le classement phonolo- dios consonnes, Toe. ft | | ¥ isto é no nivel do tomo. Nestes térmos, poder-se-ia inter- pretar’ a interessante tentativa de Davis © Wamer (16). Mas imediatamente, uma triplice objesio se apresenta. Uma nilise verdadeiramente cientifiea deve ser real, simplificadora explicativa. Assim os elementos diferenciais, que esto no térmo da anilise fonolégica, possuem uma existéncia objetiva no triplo ponto de vista psicolbgico, fisilogico e até fisico; les so menos numerosos que 05 fonemas formados por sua combinasio; enfim, permitem compreender ¢ reconstruir 0 sis tema, Nada disto resultaria da hipdtese precedente. O trata ‘mento dos térmos de parentesco, tal como acabamos de ima- sgind-lo, s6 € analitico na aparéncia: pois de fato, o resultado € mais’ abs i afastamo-nos\do_concreto ao aves dg noe dieiomes 2-2, « &-sistema_definiivo —se que tema ak poder sr coveciuaD Em segundo lugar, a experiéneia d&-Davis © Warller prova que o sistema ; obtido por éste processo infinitamente mais complicado © ifieil de interpretar que os dados da experiéncia (17). Fn fim, a hipdtese nio tem nenhum valor explicativo: ela nio faz compreender a natureza do sistema; permite menos ainda reconsttuir sua génese ‘Qual é a razdo déste revés? Uma fidelidade demasiado literal a0 método do lingiista trai, na tealidade, seu espirito. 's térmos de parentesco néo tém apenas uma existéncia so- Golégica: sio também el discurso, & preciso. no Se esquecer, esforcando-sé para transpé-los aos métodos de and~ Tise do lingiista, que, enquanto parte do vocabulério, éles de- pendem déstes métodos, nfo de maneira analégica, mas direta. ‘Ora, a lingiiistca ensina precisamente que a anilise fonolégica (16) K. Dans ¢ W. be Wane, Structural Analysis of Kinship) Americen Anthropologist, ny V9} 81. (1980). i anoim ue, no fim da’ andlice destes autores, 0 terme sttuido pela forme Cree & UT 8/Beg0 (Joe. oit))=Haire Aproveitarcios a coasito para indicar dois extudos rocentes, utitiando sim aparelbo Togico Mais Tefinedo ©. dus oferecem Um frande.imereace quanto ao método, © aos resullades, Ch. F. G. Equvoneer, A’ Semantic Analysis of the Pawnee Kinship Usage, Tanguage, val 82, ne 1, 1986. W. HL. CotounoveR, The Corpor” nti Astaiysis of Kinabip, 1D, iad | nio incide diretamente sobre as palavras, mas sdmente sobre as palavras préviamente dissociadas em fonemas. Ndo existem relasdes necessérias no nivel do vocabulirio (18). Isto 6 ver- dade para todos os elementos do vocabulizio —ai compreen- didos os térmos de parentesco. Isto ¢ verdadeiro em lingiis- tica, e deve pois ser verdadeiro ipso facto para uma sociologia da linguagem. Uma tentativa como esta, cujas possibilidades iscutimos agora, consistiria entio em estender 0 método fo- nolégico, mas esquecendo seu fundamento. Kroeber, num ar- bem previu esta dificuldade de maneira profé- tica (19). E se concluiu, naquele momento, pela impossibili- dade de’ wma andlise estrutural dos térmos' de parentesco, & que a prépria lingiistica se encontrava entéo reduzida a uma anilise fonética, psicoldgica e historica. As citncias sociais de- ‘vem, com efeito, partilhar as limitagées da lingiistica; mas elas podem também se aproveitar de seus progressos, preciso néo negligenciar também a diferenga muito pro- funda que existe entre 0 quadro dos fonemas de uma lingssa © © quadro dos térmos de parentesco de uma sociedade, No primeiro caso, néo ha divida quanto a fungio: sabemos todos para que serve uma Tinguagem; serve para comunicagéo. O que © lingiiista ignorou durante muito tempo, pelo contrério, © que te a fonologia the permitia descobrir, é 0 melo pelo qual em_ehega a éste resultado. A fungio era evidente; 0 cido. A éste respeito, 0 socidlogo se encontra em situasio inversa: que os térmos de parentesco constituem sistemas, nés 6 sabemos claramente desde Lewis H. ‘Morgan; pelo contrério, sempre ignoramos para que uso s¢ estinam, © desconhecimento desta situagio inicial redux a ieior parte das anilises estruturais de sistemas de parentesoo || a paras tautologias, Flas demonstram 0 que é evidente, e ne ligenciam 9 que permanece desconhecido, Tsto no significa que deviamos renunciar a introduzit tuma ordem e descobrir uma significagio nas nomenclatiiras de parentesco, Mas & necessétio 20 menos reconhecer 93 proble- Como so notaré Londo, © cap V, ox usaria presente ON Ar Ksomms, Saiatory Systane of Be Sie Keone, “las of Relationship, Journ. of the Royal Anthropol. Institute, vol. 39, 1909. — ‘mas especiais que supée uma sociologia do vocabulirio, ¢ 0 fariter ambiguo das relagées que unem seus métodos aos da lingiistica. Por esta razio, seria preferivel nos limitarmos & discussio de um caso onde a analogia se apresenta de mancira simples. Felizmente, temos esta possibilidade, © que se denomina geralmente “‘sistema de parentesco”” recobre, realmente, duas ordens bem diferentes de realidade, Tnicialmente, existem ai térmos, pelos quais se exprimem os iferentes tipos de relagées familiais. Mas 0 parentesco ni se exprime tinicamente numa nomenclatura; 0s individuos, ou as classes de individuos que utilizam os térmos, se sentem (ou nfo se sentem, conforme o caso) obrigadas uns em rela so aos outros a uma conduta determinada: respeito. ow fami- liaridade, direito ou dever, afeigéo ou hostilidade. Assim, ao ado do que propomos nomear 0 sistema terminolgico (e’ que constitui, para sermos exatos, um sistema de vocabuldrio), existe outro sistema, de natureza igualmente psicoldgica e social, que esignaremos como sistema de atitudes. Ora, se & verdade (como © mostramos acima) que 0 estudo de’ sistemas termi- nolégicos nos coloca numa situagio andloga aquela na qual rnos encontramos face 205 sistemas fonolégicos, mas, inversa, esta situagio se encontra, por assim dizer, “retijicada” quando se trata de sistemas de atitudes, Adivinhamos o papel repre- sentado por éstes iltimos, que € assegurar a coesio € 0 equic Tibrio do grupo, mas nfo compreendemos a natureza das co- nexies existentes entre as diversas atitudes, e nao percebernos sua necessidade (20). Em outros térmos, ¢ como no caso da inguagem, nés conhecemos a fungio, mas o que nos falta ¢ 0 Sistema, Entre sistema terminolégico ¢ sistema de atitudes vemos pois uma diferenga profunda, © nos separamos neste ponto de AR if se Ale realmente acreditou, como ho censuraram as que 0 segundo era apenas a’ expresso, (20) # necessério excotuar a notével obra de Wy Lioyd Wanwex, Morphology and Functions of the Australian Murngin ‘Typo of Kinship, Amor. Anthrop, n. 2, voL32-83 (1990-1031), onde a anélise do sistema de atitudes, discutivel quanto ao fundo, ho deixa de inaugurar uma ‘nova {ase no estado dos problemas, do. parentasco, 58 I ou a tradusio no plano afetivo, do primeiro (21), Ao longo dlstes lias anos, foram foraecidoe tumarone aug grupos onde 0 quadro dos térmos de parentesco no reflete cxalamente 0 das. atitudes: familiais, e reciprocamente (22). Enganar-nos-iamos acreditando que, em qualquer sociedade, © j sistema de parentesco constitui o meio principal pelo qual se | regulam as relagdes individuais; ¢ mesmo nas sociedades onde ste papel the & destinado, éle nilo o preenche sempre no mes- mo grau. Adetais, € necessirio distinguir sempre entre dois tipos de atitudes: primeiramente as atitudes difusas, nio-crsta- Tizadas e desprovidas de caréter institucional, das quais se pode admitir que séo, no plano psicoldgico, 0 reilexo ou a eflores- céncia da terminologia; e concomitantemente, ou além das pre- cedentes, as atitudes estiizadas, obrigatdrias, sancionadas por tabus ou privilgios, € que se exprimem através de cerimonial fixo. Longe de refletir automaticamente a nomenclatura, estas alitudes aparecem freqientemente como elaboragées secundarios estinadas a Tesolver contradigoes superar insuficiencias ine rentes ao sistema terminoligico, Bste caréter sintétio ressalta, de maneira particularmente surpreendente entre os Wile Mun- kan da Australia; neste grupo, os privilégios de zombaria vim sancionar uma contradigio entre as relagoes de parentesco que tunem dois homens, préviamente a seu casamento, ¢ a relagio tebrica que seria necessirio supor entre éles para explicar sex ceasumento subseqiiente com duas mulheres que nio se encon- tram, entre si, na relasio correspondente (28), Ha contradigao ‘entre dois sistemas possiveis de nomenclatura, ¢ o acento pésto fons atitudes representa wim esforgo para integrar, ou ultrapas- | sar, esta contradigio entre os térmos. Concordaremos sem di ficuldade com Radeliffe-Brown para afirmar a existéncia de Gi A. Buows, Kinship Terminology in Calic forala, “Amer. yy Sy Vol. 87 (1995); The Study of ‘Kinship Systems, Journ. of the Roy. Anthrop. Inst., vol. 71 (1941). (22) M. E. Orta, Apache Data Concerning’the Relation of Kinship Terminology to Soclal Classification, “Amer. Anthrop., fhe Vol, 89 (10873 A. M. HaLpenn, Yuma Kinship Terms, :bid, 44 (1942). (23). D, F, THOMBON, The Joking-Relationship and Organized keer i Nor Gueesland, Amer. Anthro, cs vo. 37 4 _ antes uma integracio dinamica-do sistema terminolégico. ~~ [: “relagdes reais de interdependéncia entre a terminologia e 0 resto do sistema” (24); ao menos alguns de seus criticos se yam, concluindo, da auséncia de um paralelismo rigoroso fenire afitudes © nomenclatura, a autonomia reciproca das duas ») fordens. Mas esta relacio de interdependéncia néo é€ uma,cor- \ respondéncia térmo a termo. O sistema de-alitudes constitui Mesmo na hipétese —a que aderimos sem reserva— de ‘uma relacio funcional entre os dois sistemas, temv-se pois 0 ireito, por Tazbes de méiodo, de tratar os problemas aferen- tes a cada um como problemas separados. £ 0 que nos pro- pomos fazer aqui para um problema considerado com justiva ‘como 0 ponto de partida de qualquer teoria de atitudes: 0 do ‘materno, Tentaremos mostrar como uma transposigio for- mal do método seguido pela fonologia permite esclarecer ést ‘problema sob uma nova luz. Se os socidlogos Ihe atribuiram fuma atengio pafticular, é realmente, apenas porque a relacio tntre 0 tip tmutcius © o sobrinho ‘parecia 2 conetituir em objeto de um importante desenvolvimento nium grande aximero de sociedade primitivas, Mas nao basta constatar esta freqiién- cia € preciso descobrir sua razio, ‘Recordemos ripidamente as principals etapas do desenvol- vvimento déste problema, Durante todo o século XIX ¢ até Sydney Hartland (25), interpretou-se naturalmente a impor- tincia do tio materno como uma sobrevivéncia de um regime Imatrilinear. Bste continuava puramente hipotético, e sua pos- sibilidade era particularmente duvidosa em vista dos exemplos europeus. Por outro lado, a tentativa de Rivers (26) para ex- plicar a importincia do tio materno na India do Sul como um Tesiduo do casamento entre primos cruzados terminava num (24) The Study of Kinship Systems, op. cit, p. 8. Esta

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