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BRASIL-VERSAO BRASILEIRA Oduvaldo Vianna Fy itho BRASIL-VERSAO BRASILEIRA Oduvaldo Vianna Filho .- PERSONAGENS Vidigal Operéria C Prudente Operdrio A Presidente Operério B Lincoln Poficial 3 Claudionor Policial 4 Tiago Policial 5 Espartaco Capitalista 1 Didgenes Capitalista 2 José Capitalista 3 SLIDE voz SLIDE, 282. vane 6 Companheiro 1 Operério 1 Companheiro 2 Operério 2 Mulher Operétio 3 Policial 1 Mulher 2 Policial 2 Vozes Operdrio Coro Homem 1 slides Madame 1 Jornaleiro Link A luz se apaga. Masica, Um coro canta ‘‘Ou ficar a patria livre ou morrer pelo Brasil’. 0 coro continua cantando. Nao diz mais a letra, S6 a melodia. Variando dentro dela. Insistente. O mesmo verso. O simbolo da Petrobras. Um homem fazendo comicio em cima de yrea estétua. Epico. A polfcia dispersando manifestantes. Uma cara operdria, Corre sangue nela. O stmbolo da Petrobrds numa torre em praca publica. — A Petrobras estA ameagada, companheiro. O simbolo da Esso. Voz SLIDE VOZ 10 11 12 13 14 15 17 23 24 25 26 O simbolo da Petrobrés. . O stmbolo da Esso se superpde ao stmbole da Petrobras. Juscelino Kubistchek e Foster Dulles rindo. Sé Juscelino rindo. $6 Foster Dulles rindo. Augusto Frederico Schimidt indo. Horacio Léfer rindo. Carlos Lacerda rindo. Assis Chateaubriand rindo. Hisenhower rindo. Kennedy indo. — (A partir do slide 10.) A Petrobrés economiza... délares por ano para 0 Brasil, Com esse dinheiro... casas podem ser construidas... quilémetros de estrada. Com esse dinheiro pode-se produzir energia elé- trica para uma cidade de... habitantes. Um Petroleiro da Petrobrds. Um pogo de petréleo. Um operério sujo de petréleo ri. A Refinaria Duque de Caxias de noite. Dois politicos cochicham. Um politico cochicha com Juscelino num ban- quete. Um fanciondrio publico. Milhares de pastas diante dele. Uma pasta da Petrobras. Um general cochicha com Juscelino Kubistcheck. A pasta da Petrobras no lixo. — (A partir do slide 22.) A refinaria de Mataripe ainda njo terminou de construir sua unidade de refino de dteo lubrificante. HA seis anos as obras se arrastam Jentamente. Enquanto isso a Esso, em 1958, teve scte bilhdes de cruzeiros de lucro com a yenda de dleo lubrificante. Sete bilhdes de cruzeiros de lucro. 253 SLIDE 27 VOZ 28 29 30 31 32 SLIDE 33 VOZ 34 35 36 37 38 De lucro. De lucro, O pogo de Mapele pegando fogo. Bombeiros lutando contra o fogo. Operdrios chorando. Juscelino Kubistchek de olhos fechados. Carlos Lacerda rindo. Foto da Bahia com o pogo de Mapele incen- diando o céu. — (A partir do slide 29.) O pogo de Mapele 2, no Recéncavo Baiano, com uma reserva de... barris. Reserva que fomeceria petréleo para o Brasil durante... anos, esté pegando fogo h4 cinco meses. Foi criminosamente incendiado, Criminosamente. O simbolo da Esso perto de uma favela. O simbolo da Esso numa cidade africana, Em cima de miséria, Um exército de empregados da Esso com o uniforme da Esso. Uma festa da diregao da Esso nos Estados Unidos. O stmbolo da Esso gravado no mundo. Kennedy de olhos fechados. — Lucro da Esso... Lucro da Sheil... O custo de produgio de um barril de petréleo é de... E vendido a... O orgamento militar nos Estados Unidos 6... vezes maior que a renda nacignal do Brasil. E o lucro do petréleo que compra e paga as guerras. O Iucro do petréleo paga o siléncio, O lucro do petréleo paga a miséria. (A miisica de fundo para de estalo. Siléncio.) Slide de 39 a 60 Guerra. Exércitos desfilam. Hiroshima. Guerra. Guerra. Os slides se repetem. A luz abre em resis- | CORO | voz SLIDE 61 —_— téncia, Um foco baco de luz. Um coro de operario, Canta para o publico. — Brasil, Servil. Brasil. Sem gldria. Brasil. Sem histéria. Brasil. Sem céu cor de anil. A Petrobrés foi nossa vitéria, nossa primeira vitéria, . Ganha por um povo inteiro, povo que virou companheiro. Petrobras esté ameagada, brasileiro. Petrobras esti ameagada, companheiro. Petrobrés € sabotada. amordagada. encurralada. Petrobris estd ameagada, companheiro. Petrobris € da massa. Petrobris € tua. Ganha a grito na praca. Com berro no meio da rua. Brasileiro. Companheiro, (Seguem os slides.) . E preciso nova vitdria, outra vit6ria, em cima da vitéria, para outra vitéria; & assim > > > COD > > que se escreve hist6ria —— com vitéria sobre vitéria, para outta vitéria, em cima de vitéria. A Petrobras est4é ameagada, companheiro, (A luz se apaga.) Companheiro, Companheiro, —Fsta histéria comega por volta de 1955, A Petrobrés ja estava em pleno funcionamento pela lei n® 2.004, de 3 de outubro de 1953, A lei que criou a Petrobras 255 voz SLIDE VOZ SLIDE 256 63 64 62 —Dé & Petrobrés o monopdlio de pesquisa, de lavra, de refino ¢ de transporte de petrdleo. Comegaram a ser construfdas as refinarias dv Duque de Caxias, de Cubatdo. Mas jé existiam refinarias particulares em funcionamento antes da criagio da Petrobrés. Todas clas, pela Ici, sendo particulares, néo podiam continuar a refinar o petrdleo, Todas elas, pela lei, deviam ter sido encampadas. Nao foram. Cada uma delas recebeu uma cota de petréleo para refinar. As costas de refino: Refinaria de Manguinho: Refinaria (?). didrios. Refinaria de Capuava.e 20.000 barris didrios. (Esse slide deve ser feito como se fosse noticia de jornal. Recorte de Didrio Oficial. O nome da Capuava é grifado.) 10,000 barris didrios. 9,000 barris ~~ (Depois de um tempo.) Esta historia co- meca quandoacompanhia Kellog, firma ame- ricana encarregada da construgdo da Refina- ria Duque de Caxias —Refinaria Petrobras, do povo ~ pela terceira vez nfo cumpriu o prazo marcado para o término da construgao das obras. Na mesma época, descobriu que a Refinaria de Capuava, refinaria particular, clan- destinamente refinava mais petréleo do que era permitido. Nao refinava 20.000 barris didrios. Refinava 31.000. Onze mil a mais. A Refi- naria Duque de Caxias praticamente parada, Capuava refinando onze mil barris a mais. O governo devia tomar uma atitude a respeito. Foi marcada uma reunido do Conselho Nacional de Petréleo. Fachada de fabrica — ‘‘Fundicio Vidigal’’. Operdrios trabalhando com cadinhe, Ferro 65 66 67 68 69 70 7 72 73 74 75 716 17 78 719 87 88 89 90 91 96 97 98 99 100 derretido no chao. Os operdrios descaigos, sem protegdo. O rosto de um operdrio. Rosto terminado, batido, fosco. O escritério da companhia. Persianas, tape- tes, Operdrios comendo marmitas nas ruas. Ar refrigerado no escrit6rio, Uma garrafa de whisky em cima do aparelho. Biscoitinhos. Vidigal embarcando num avido. Adeuses. Vidigal numa piscina. Um gargon serve-lhe @ mesa com whisky. Vidigal de smoking no baile do Municipal. Uma artista de cinema ao seu lado, Dé adeusinhos do seu camarote. Vidigal tem um chapeuzinho carnavalesco na cabeca. E ri. Vidigal embarcando nun avido, Adeuses. Vidigal no seu automdvel. Um chofer lhe abre a porta. Uma assembléia de operdrios. Sala esfuma- cada, A cunha. Um velho operdrio falando, Sem denies. Um operdrio joven, Punhos cerrados. Uma mulher amamenta seu filho. Operdrios batem palmas de pé. Um velhinho e uma velhinha ouvem. Barraquinhas pegando assinaturas. Uma mulher fazendo um discurso numa camioneta. Deputados dormem.. Muro pichado: “‘Comisséo para o capital estrangeiro’’. Dados relativos as denincias feitas pelas comissées parlamentares de inquérito. Porta de fabrica. Tabuleta ‘‘NGo hd vaga"’ Fila de genie procurando emprego. Fila de gente dormindo na rua. Manchete de ‘0 Globo” — Néo hé petréleo no Brasil’. Manchete de ‘“‘O Semandrio” — Hé petrdleo 257 101 102 103 104 105 106 107 108 109 110 1 112 VIDIGAL 258 no Brasil’’. Manchete de ‘‘O Correio da Manh@’ - “Petréleo ha. Mas nao & comercidvel’’. Presos engavetados numa cela, Presos de motim de presidio ajoelhados. Um homem pendurado no pau de arara. Os othos esbugalhados. Um corpo de homem. Queimaduras de cigarro. "E necessdrio o infcio das atividades inter- nacionais do Brasil em matéria de exploragdo petrolifera através da associagéo da Petrobrds com outras companhias nacionais e estran- geiras ou por intermédio de empresas bra- sileiras’’. (Do programa de governo publi- cado no Didrio do Congresso em 29 de setembro de 1961.) Um estudante fala. Atrds dele, o stmbolo da UNE, Um padre com camponeses. Discurso. Brizola fala. Sérgio Magalhdes fala. Francisco Julido fala. Luis Carlos Prestes fala. (Abre a luz. Quatro caldeirées em cena. Servirdo para tudo. Uma pequena mesa, cadeira e telefone em cada lateral. No fundo estado trés homens. Prudente de Sotto Maior. O presidente da Repiblica, com a faixa presidencial. Lincoln Sanders. Hipélite Vidigal, no proscénio, dirige-seao pitblico.) ++ — Meu nome é Vidigal. Hipélito Vidigal. Brasileiro. Industrial. Em minha fabrica no hA um centavo estrangeiro. Nem um centavo. Oitenta por cento do que produzo é comprado pela Petrobrés. Sou o representante da Confederagio das Indistrias no Conselho Nacional do Petréleo. Amanha o Conselho vai se pronunciar sobre as irregularidades que se PRUDENTE VIDIGAL PRUDENTE VIDIGAL PRUDENTE YVIDIGAL PRUDENTE VIDIGAL PRUDENTE tém verificado na construgdo da Refinaria Duque de Caxias. Fui chamado, no meio da madru- gada, para uma reunio a portas fechadas com © presidente da reptiblica, (O Presidente se levania), com Mr. Lincoln Sanders (Lincoln se levanta.), tepresentante da Esso no Brasil e com Prudente de Sotto (Prudente se levan- ta), presidente do Banco do Brasil e um dos maiores acionistas da Refinaria Capuava. Eles sabem que vou votar pela suspensdo do contrato com a Kellog, firma americana que constréi a Refinaria Duque de Caxias. Querem que eu mude meu voto... (Vai para eles.) Ja disse que ndo. Nao mudo meu voto. Sou pela suspensiio do contrato com a Kellog. Suspensiio de contrato imediata! — 8 uma loucura, senhor Vidigal. Uma ofensa a um pais amigo! — Suspenséo do contrato. Suspensio... — & preciso verificar primeiro quais as razbes do atraso, estudar o que... —— Sabotagem. Sabotagem pura e simples e des... — Isso é uma ofensa a um pais amigo, é uma... — Parece que Ihe deram corda, senhor Prudente: uma ofensa a um pais amigo, uma ofensa a um pais amigo, uma ofensa a um. — N&o admito que fale assim, cu... — Pode nao admitir, mas eu falo assim c... — J disse que nao admito. 259 VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRUDENTE VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRUDENTE VIDIGAL PRUDENTE VIDIGAL PRESIDENTE 200 — JA disse que falo. _— Meus senhores. Meus senhores. (Siléncio) Por favor, senhores, Estamos no Palécio do Governo. (Pausa longa.) — Queira desculpar. — Confesso que me excedi. (Apertam-se as mdos.) — Nao posso mudar meu voto, Exceléncia. Perdido. Esta companhia por trés vezes jA adiou © prazo do término da construgfo da Refinaria Duque de Caxias. Perdio. Nao posso mudar meu voto. — Talvez Vossa Exceléncia nfo esteja sentindo bem a repercusstio politica de uma atitude, assim. Como pensarao os capitalistas ame- ricanos? Continuarfo a trazer dinheiro para um pafs que suspende contratos?... — Nao posso mais pensar como pensario os capitalists americanos, Exceléncia. Preciso pensar no Brasil. Nao acha, Exceléncia? — Vossa Exceléncia sabe perfeitamente que estamos pensando no Brasil, — Eu estou, senhor Prudente. +* — Vossa Exceléncia sabe perfeitamente que sem © Capital americano este pais para. — Este pafs csté parado, senhor Prudente. Este pais esté paralisado ¢... — Por favor, senhor Vidigal. Por favor. Bstamos discutindo um assunto vital. Estamos VIDIGAL PRUDENTE VIDIGAL PRUDENTE VIDIGAL PRUDENTE VIDIGAL PRUDENTE VIDIGAL LINCOLN PRESIDENTE PRUDENTE procurando conciliar pontos de vista, — Nao ha conciliacao. E isso. Todos nés sabemos que ndéo ha conciliagdo. Todos nds sabemos por que a Refinaria Duque de Caxias nio foi construfda até agora. Sabotagem. Sabotagem deslavada. Enquanto isso a Refinaria Capuava estA refinando onze mil barris a mais de sua cota. Ganhando dinheiro que devia ser da Petrobras. — A Refinaria Capuava est4 refinando além da conta porque trabalhou. B a livre inicia- tiva. A superioridade da iniciativa privada sobre as empresas do Estado. Trabalho livre. Viva o trabalho livre! — Trabalho de contrabandear aparelhagens pelo Porto do Pard, comprando meio Brasil! Com empréstimos do Banco do Brasil, que Vossa Exceléncia mesmo fazia a sua empresa. Me comove as lgrimas o esforgo da Capuava. As lagrimas. Assim, até meu cachorro fox- terrier refina mais petréleo... _— Vossa exceléncia esta colocando em xeque minha gestio 4 frente do Banco do Brasil? Esta colocando em xeque? — Claro que estou. O Banco do Brasil sé empresta dinheiro a americano, O Banco do Brasil segura as verbas da Petrobras! — Prove isto. Prove isto. —— Deixe de ser estipido, Prudente. — Cale a boca, Cale a boca. — Mesmo que eu cale a boca, vocé continua sendo estipido. (Vidigal e Prudente se seguram. Lincoln é o presidente procuram segurd-los.) — Exceléncias. Exceléncias. — Parem com isso. O decoro... —— Inocente til. Inocente util. 261 VIDIGAL LINCOLN PRESIDENTE LINCOLN My) _—— Cavalo de aluguel dos americanos. — Protesto. Protesto. _— Parem com isso. Parem com isso. (Os dois se soltam. Siléncio demorado. Muito demo- rado.) Nao conseguimos nos entender. Tao pouca coisa nos UNC... (Siléncio. Outro silén- cio demorado.) _— Exceléncia. Estou perfeitamente de acordo com o senhor Hipélito Vidigal. Nao haverd conciliagdo possivel se pensarmos 36 nos nossos pobres interesses. preciso buscar alguma coisa comum ¢ bela que seja minha, de Vossa Fxceléncia, de todos nés. Usamos gravala, jemos unhas limpas... Que mais? Existe outra coisa que nos ligue ¢ nos faga iguais? Bxiste. Felizmente existe, senhor presidente: 0 poder. Somos nés que temos 0 poder politico om mais da metade do mundo. Temos a respon- sabilidade do seu destino. Para isso somos obrigados a ser inteligentes, amar 0 proximo, conhecer leis enfadonhas. B® muito dificil ser responsével, no ter medo do mundo. Ilusio pensar que o povo pode se dirigir. Tlusdo pensar que sem auto idade ele continuaré a trabalhar e a respeitar scu semelhante. E dificil, to dificil descobrir que somos semelhantes. BE esse 0 mundo que temos para defender. Tudo o que fazemos 86 pode ser certo se 0 mundo continuar a scr nosso. A Petrobras nos ajuda a isso? Nao, Exceléncia. Nao, Exceléncia. Nao pelos lucros que conta a meu pafs>.Isso é 0 de menos: somos ricos. E 0 mau exemplo que a Petrobrés d4 a0 mundo, Se todos os paises fizerem como o Brasil, em pouco tempo o prego do petréleo caird. Caird ixremedia- velmente, Sera a catstrofe, Exceléncias! Nao teremos mais délares para emprestar a0 Brasil. Nao podem existir Petrobrases, Exceléncias. Sob pena de perdermos mais pedagos do mundo, © senhor Vidigal tem yao: 0 alraso na YRUDENTE LINCOLN VIDIGAL PRESIDENTE LINCOLN VIDIGAL LINCOLN VIDIGAL construgio da Duque de Caxias foi delibe- rado... — Mas, st. Lincoln, por favor... — Houve contrabando no Par. A sinceri- dade 6 necessfria, senhor Prudente. Estamos juntos, Como jrmaos siameses. Juntos. A pergunta € essa: a Petrobris interessa a quem? ‘A nis ou ao povo? Entdo, precisa desaparecer. Aos poucos, com cuidado, mas precisa de- saparecer. Mesmo que tenhamos de agir om siléncio. Mesmo que as vezes nos repugnem nossas agdes. Nés dizemos 20 povo que 6 ele quem decide, mas nao precisamos acreditar nisso, senhor Vidigal. (Siléncio.) _— Me recuso a acreditar no que ouvi. Me recuso a acreditar. _—_. Realmente, senhor Lincoln. Sua_sinceri- dade é espantosa. Espantosa. — (A Vidigal.) & que Vossa Exceléncia defende a Petrobras e esquece que defende sua propria morte, Exceléncia. _— Morte? Por que morte, senhor Lincoln? Que morte? Que morte? — Eu explico, Exceléncia. Sempre explico: se os Estados Unidos niio fizerem mais empréstimos para 0 Brasil, o Brasil cairé nas mios do povo faminto ¢ desesperado, B onde o povo conseguira dinheiro para viver, Exceléncia? Ah, senhor Vidigal, conseguiré dinheiro cortando suas contas bancérias, seu conforto, sua roupa elegante, seu automével de luxo, sua casa de praia... _— Na&o me importat Nido me importa. Serd uma vida mais humana, Bstou cansado de viver dando dentadas, distribuindo coices. Farto. Farto! 263 LINCOLN VIDIGAL LINCOLN VIDIGAL LINCOLN VIDIGAL PRUDENTE VIDIGAL PRUDENTE VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE 264 — Isso € facil de ser dito, Exceléncia. Mas é muito dificil ver 0 povo nos nossos escri- t6rios, muito dificil passar a andar a pé. Muito dificil receber ordens de operdrios magros ¢ suados, Muito dificil. — Pego licenga para me retirar. — Mude seu voto, senhor Vidigal. ~~ Nunca. — O voto de Vossa Exceléncia vai ser o nico voto contrdrio. Era preciso uma votagiio undnime, — N&o sei se serei o tinico voto contrério. — Vamos ganhar esta votago, Vidigal. Vamos ganhar, —Eo que veremos. Ho que veremos, Prudente, — Nao precisamos do seu voto, — Entdo, por que vieram pedi-lo? ~~ Senhores. Senhores, Tenho uma proposta. Vamos ver, senhor Vidigal. EZ uma proposta conciliatéria. Vossa Exceléncia votar a favor da firma american... te — Nunca... — Um momento, senhor Vidigal. Por outro lado, o lucro que a Refinaria Capuava obtém com os onze mil barris que refina a mais serio entregues ao Fundo de Pesquisa da Petrobris, (Pausa) VRUDENTE PRESIDENTE VIDIGAL PRUDENTE PRESIDENTE LINCOLN PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL — Eh, aceito, presidente. Accito cm nome dos acionistas da Capuava. Fere meus inte- resses particulares, mas acima de tudo os interesses da patria... — Senhor Vidigal. Que nos diz? — Mas dizer o qué? Todos nds sabemos que no Fundo de Pesquisa da Petrobras esto homens de confianga dos americanos. Todos nés sabemos que a Capuava nfo vai dar nem um centavo para o Fundo, Nao sabemos, presidente? -— O senhor est4 me chamando de desonesto? (O presidente vai conduzindo Lincoln e Prudente @ sada.) Eu desonesto? Eu? Sou da familia Sotto Mayor, entende? Meu bisavé foi 0 brago direito do Império. Meu avé desenhou a farda do exército brasileiro... — En conversarei com ele. — Muito hébil, senhor presidente. Os nacionalistas nfo podem reclamar, Muito habil. A América Latina precisa de mais homens como Vossa Exceléncia, (Sai. O presidente yolta. Longa pausa. Se olham.) — Est4 mais calmo, Hipdlito? — Dionisio! O que € que vocé esté fazendo? Dionfsio! — & preciso andar com cuidado. Muito cuidado... — Vocé! Vocé ajudando a enterrar a Petro- bris? A Petrobras € onde ainda garantimos um pouco de dinheiro! Vocé ajudando a enterrar o Brasil? Meus operirios estdo caindo de cansaco, de falta de vontade de viverl E pedem 205 PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE CORO 266 mais salérios e ndo posso dar um centavo. Um tostio furado! E eles caindo em farrapos! — Vocé nao esif no meu lugar. Hles sito fortes, terrivelmente fortes. As Forgas Armadas, Hipélito. Eles ensinam esses generais a serem a favor dos americanos. Passam a vida fazendo issol Sao fortes! — Como € possivel aiguém se transformar assim? Vocé parece feito de manteiga agora. Ainda me lembro dos seus gritos nos comf- cios: 0 petréleo € nosso, o petréleo é nosso... — Conto com sen voto, Hipélito. — Yocé esté apertando meu braco, Dionisio. — Conto com vocé. Conto com a Confe- deragao das Indiistrias. Nao esqueca que a Petrobrés compra na sua fabrica por inter- feréncia minha e... — Vocé est4 me ameagando, Dionfsio? Ameagas? Ameagas? — Widigat saindo.) Hip6lito. O que fazem de nés? O que fazem de nds? Nao posso terminar minha carreira politica, Hip6lito. Entenda isso, E preciso conceder um pouco. (Vidigal sai.) Sou um politico, vote comigo. Sou seu amigo, Hipélito. Hei de libertar 0 Brasil. Aos poucos. Hei de libertar esta terra. E ent&o cantaremos: “Ouviram do Ipiranga as margens plécidas.,.”” Nés dois, Hipdlito, "Ouviram do Ipiranga as margens... Cante, Hipélito. Cante. Margens de merda.., Margens de merda... (Senta-se. Um coré éntra. Mulheres com criangas no colo, velhos, operérios, Cantam e ddo tapas na cabeca: do presidente, que os recebe com a maior dignidade, sem othar, sem reclamar, Aceitando.) — Ah, esses politicos que sabem o que 0 povo sofre, Ah, esses politicos que sabem o que o povo vive. Ah, eles sabem o que € preciso ser feito, CLAUDIONOR VIDIGAL CLAUDIONOR VIDIGAL CLAUDIONOR Ah, mas eles todos tm um grave defcilo. Tém cama macia, mulher redondinha, S6 se lembram do povo em dia de Natal, Gostam muito da cadeira onde pdem a bundinha, $6 de pensar que precisam ser homens, se sentem mal. Ah, esses politicos querem vida sossegada. Nao querem mais vida vivida, Querem vida amansada, Sossegada, regalada, Recostada, descansada, Desmanchada, atapetada. Mesmo que seja castrada. N&o se importam com o Brasil. Ele pode ir pra... Pra onde nunca se viu. (A luz se apaga. Baixa a tela. Slide 63 a 68 sob a tela. A luz acende, Claudionor vem para 0 piiblico. No fundo, Tiago, filho de Clau- dionor.) — Meu nome é€ Claudionor da Rosa. Sou o presidente do Sindicato dos Metalurgicos. Vim saber a resposta do doutor Hipélito Vidigal sobre o pedido de aumento de salério feito pelos operérios da empresa. Quinhentos operarios... . ; — (Entra no fundo. Papéis na méo. Os dois se aproximam. Vidigal se senta.) Nao é possivel o aumento. Nao € possivel. Esta fabrica produz quase que sé para a Petrobras. B uma questio de patriotismo! Os operdrios n&o s&o capazes de entender isso? A Light aumentou o prego da energia elétrica, o Estado dobrou a taxa de 4gua. Nao € possivel o aumento. — Eu entendo, doutor, mas € que... — Ainda nao terminei. Nao admito dentro de minha fAbrica agitagio de comunistas! — Sou catélico, doutor. Quase fui padre, 207 TIAGO CLAUDIONOR VIDIGAL CLAUDIONOR VIDIGAL CLAUDIONOR VIDIGAL CLAUDIONOR TIAGO CLAUDIONOR 268 — Néo é comunista, nao, doutor, Foi cle que afastou o Didgenes do sindicato. Didges € comunista. O senhor conhece o Didger nao € doutor? (Siléncio) — Deixe o doutor falar, Tiago, (Tiago sw cala.) _— Que adianta aumentar salério num pals pobre? E preciso esperar. Primeiro vamos faze um Brasil forte, rico, satisfeito. Comunisti € contra o Brasil. Nés andamos devagar, mi livres, entenderam? Livres! — 0 doutor tem muito de razao. — Passar bem. (Siléncio) Mais alguma coisa’? — _ Entendo tudo isso, doutor. Mas é que o salério anda mesmo muito pequenino. Teve um companheiro, antes de ontem, que nio tinha dinheiro nem pra comprar remédio para 0 filho. — Nada posso fazer. Também tenho pro- blemas. — 0 menino morreu. (Siléncio) — Nés lutamos contra os comunistas na assembléia, doutor. Eles queriam pedir ciiiqtienta por cento e mais abono. A assembléia acabou pedindo trinta por cento e o senhor... - — _ O doutor no perguntou sobre isso, Tiago. (Siléncio) Vou ocupar sua paciéncia mais um instante, doutor. Perdoe. Nao sei se tenho forga de evitar uma greve se voltar assim de mao abanando, E dificil operério entender que precisa apertar mais ainda a barriga na costela. VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE Eu mesmo n&o entendo muito, Se vé tanta riqueza esbanjando por ai... — Aonde vamos, Brasil? (Vem até 0 proscénio. Senta-se para telefonar, O presidente da Repiiblica aparece do outro lado.) E Vidigal, Dionisio. — Hipdélito. Meu bom, Hipélito. Ainda esté zangado comigo? — Nao é prudente ficar zangado com o presidente da Republica. — Isso, meu bom Hipélito, Suas ordens, meu amigo. — Meus operdrios est&o aqui com um pedido de aumento, Ser4 que consigo um empréstimo no Banco do Brasil? Coisa pouca. — # uma ordem, Hipélito. — Preciso sé de um bom prazo de pagamento. — Pois ndo, Hipdlito, Vocé vota hoje comigo, nio 6? — Nio, Dionfsio. Claro que nfo. — Ora, ofa, ora, Vamos 1A. — Por favor, Dionfsio. — Esté bem. (Siléncio) Nao se fala mais nisso. — Quando posso sacar o empréstimo? — O empréstimo? VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL TIAGO CLAUDIONOR TIAGO CLAUDIONOR TIAGO CLAUDIONOR TIAGO CLAUDIONOR TIAGO CLAUDIONOR TIAGO CLAUDIONOR TIAGO CLAUDIONOR 270 ~~ Amanha? — Nao sei se sera possivel tio j4, Vidigal. Temos que pagar as Forgas Armadas, o café... — Vocé disse que era possivel para... — Me lembrei agora das Forgas Armadas ¢ vocé... — E coisa pouea... — Acho que nao seré possivel, Vidigal. (Siléncio prolongado.) Sua senhora vai bem? (Siléncio) Um grande abraco, Hipélito. — Ouwo. (Desligam. O presidente sai. Vidigal cabisbaixo.) — Ele tem muito de razdo, nao é pai? — Tem, meu filho. E patrio honesto, tra- balhador. Tem muito de razdo. — Mas por que a gente ganha pouco? A gente é trabalhador, € honesto, — Doutor Vidigal é homem estudado. A gente tem cabega pequena. — Se eu fosse estudado, era como cle, nao era? — Deus sé ficou trinta e trés anos na terra; nao limpou o mundo de gente malvada por inteiro. Gente sem coragao, — Por que os comunistas est&o errados, pai? — O que eles dizem € bonito: querem que tudo seja de todos. Mas para conseguir isso brigam, gritam, xingam, fazem mais raiva ainda. Mais desconfianga. Envenenam a alma do operdrio, operério desacredita de justiga, perde Animo de trabalhar. Patrio reclamat ‘ts vezes reclama forte demais. Daf ninguém mais segura a vida, como Deus pediu. — Eles tiram a liberdade da gente? — EH — O que & que eles fazem? — Se vocé quiser construir uma fabrica, eles nio deixam, — Operdrio constréi fébrica no Brasil? — Nao conhego nenhum. Mas pode cons- TIAGO CLAUDIONOR TIAGO VIDIGAL LINCOLN VIDIGAL LINCOLN VIDIGAL LINCOLN VIDIGAL LINCOLN VIDIGAL TIAGO VIDIGAL tuir, se quiser. . — Tudo de todos? E dificil. — Mas & bonito. (Vidigal liga o telefone outra vez. Lincoln atende.) — Senhor Lincoln? Aqui fala Vidigal. Hipélito Vidigal. Quero saber se o Citibank pode me fazer um empréstimo? — Com muito prazer, senhor Vidigal. — So quinhentos operdrios, com um au- mento médio de dois mil cruzeiros. Dois milhdes, senhor Lincoln. — Com muito prazer, senhor Vidigal. O Citibank, est4 aqui para ajudar a industria brasileira. — Mnito obrigado, senhor Lincoln. — Nés fazemos somente uma pequena exi- géncia, senhor Vidigal. Ficariamos muito gratos se Vossa Exceténcia nao votasse pela suspen- sfio do contrato com a firma americana, que constr6i a Duque de Caxias. Vote conosco, senhor Vidigal. — Nii posso fazer isso, senhor Lincoln, (Pau- sa) Vamos, senhor Lincoln. (Pausa) Preciso desse dinheiro. (Pausa) En votarei com vocés, Eu votarei com vocés. — Agradecido, senhor Vidigal. Emocionado e agradecido. Recomendagdes A senhora Vidigal. Seu filho vai bem? Jé est4 curado da catapora? (Vidigal desligou. Esmagado na cadeira), Senhor Vidigal. (Destiga) Cretino, (Sai. Vidigal yai para os dois.) — Vinte por cento, nada mais que isso. — A assembléia pediu trinta, doutor. — Esses comunistas, E preciso acabar com os comunistas! Vinte por cento, mogo. Nem mais um centavo! Estou sendo esmagado, entendem? Fagam greve, fagam o que qui- ser; eu abro faléncia, mogo. E vocé, os comunistas, os filhos que morrem, todos ficarao 271 TIAGO CLAUDIONOR TIAGO LINCOLN VIDIGAL LINCOLN VIDIGAL ESPARTACO 272 Na rua, apanhando comida nas latas de lixo, se sobrarem latas de lixo! — Mas, doutor. N&éo foi comunista... — Vamos embora, Tiago. Deixe o doutor. O doutor tem trabalho. (Cumprimentam e saem silenciosamente.) — Aumentar o saldrio prejudica o Brasil. Nao aumentar salério faz a gente passar fomc. E dificil. B dificil, hein, pai? (Saem.) — (86 a voz. No filtro.) Se os Estados Unidos, nao fizerem mais empréstimos para o Brasil, onde o Brasil arranjarf dinheiro para conti- nuar a viver? Ah, senhor Vidigal: conseguiré dinheiro cortando suas contas bancdrias, cortando seu conforto, sua roupa elegante, scu automdvel de luxo, sua casa na praia, na praia... — N&o me importa, senhor Lincoln. Nao me importa. — Isso € facil de ser dito, Exceléncia, Mas é muito dificil ver 0 povo nos nossos escri- t6rios. Muito dificil passar a andar a pé. Muito dificil receber ordens de operérios magros v suados. Operdrios magros e suados, Operdrios magros e suados. — Merda. (A voz de Lincoin péra de estalo. Vidigal sai. A luz se apaga. Baixa a tela de slide.) (Slides 69 a 73). (A luz se acende. Espdrtaco, um jovem, adiarta* se para o pitblico. No fundo, Diégenes José e mais dois operdrios: Lucio da Baiana c~ Martinho.) — Meu nome é Espdrtaco. Nome grande demais que nem parece que cabe em mim. Tenho mais cara de Quintino, Bnio, André, Altair... max me chamo Espértaco. B nome de um homem ipo su BT DIOGENES ESPARTACO DIOGENES ESPARTACO DIOGENES JOSE DIOGENES ESPARTACO DIOGENES RSPARTACO DIOGENES NSPARTACO que foi escravo e brigou. Desses que carregam um pedago de povo atrés dele. Desses homens que brilham feito sol. Quem me botou esse nome foi meu pai Didgenes. Aquele ali, Meu pai 6 comunista. Também sou. Nés trabalha- mos na Fundigio Vidigal. Essa é uma reuniao da base do Partido Comunista na fabrica. Vamos decidir 0 que € que os comunistas vio dizer na assembléia de hoje & noite. O patrio disse que sé d4 vinte por cento de aumento. A assembléia pediu tinta.. (Vai para a reuni- do.) — Os companheiros podem ver que eu tinha razio. Podem ver que aquilo que falei foi dito e feito. O presidente do nosso sindicato, o Claudionor, é um vendido, Foi fazer conchavo com o patrio. Vem propor vinte por cento hoje de noite. Um capacho da burguesia, Um vendido, Nao foi a toa que ele me afastou do cargo de conselheiro do sindicato. —- O companheiro nao pode se esquecer... — Estou falando, companheiro. Estou falan- do. — Eu s6 queria... — Estou falando, companheiro. Acho que a gente deve € desmascarar esse traidor, da classe operfria, 14 na assembléia... — Me d& um aparte, companhciro? — Nao dou aparte, — Precisa dar um aparte, companheiro. — En ainda nao terminei. Os companhciros estio me perturbando. Um pouco de disci- plina, camaradas. (Siléncio) Agora esqueci o que estava dizendo. — Desmascarar o Claudionor, na assembléia e., — Ah, nao adianta mais. Perdi a meada. Era s6 isso que eu tinha a dizer. (Pausa) — O patrio ofereceu sé vinte por cento de aumento. Eu acho que se a gente ainda for 273 DIOGENES ESPARTACO DIOGENES ESPARTACO DIGGENES ESPARTACO DIOGENES ESPARTACO COMPANHEIRO 1 ESPARTACO DIOGENES ESPARTACO JOSE 214 brigar com o Claudionor na assembléia al * que a massa se divide de uma vez © uu consegue nem os trinta que pediv. — Cingiienta por cento e abono. B isso aw Os comunistas querem. Foi a nossa devisy — Ainda nao terminei, companheiro. Mas tenho que interromper. O companhc: est4é querendo conciliar com o traido. — Nao estou querendo, 8 | — QO companheiro est4 querendo passar xu cima da decisto da base. — Precisa me deixar falar, companhceiro, — Nao posso deixar falar quem fala. bestcita — Nao estou falando besteira, nao 6, pat? Estou discordando de vocé, -- Calma, Espartaco. — Nao sou eu quem est4 tumultwando a reunite, companheiro! — E sou eu? O companheiro nado entonde nada de politica, o pouco que sabe aprenden de mim e agora vem ditar padre nosso a vigafid?! Tenho vinte anos de partido, BE. Ai é que é! — (Siléncio) Vai ser dificil fazer revolugin assim, companheiro. $6 0 companheiro entende de politica no Brasil. (Didgenes se levanta de estalo, vem para a frente.) — Que calor, hein? COMPANHEIRO COMPANHEIRO (OMPANHEIRO Jose COMPANHEIRO JOSE COMPANHEIRO DIOGENES HSPARTACO DIOGENES USPARTACO DIOGENES ESPARTACO DIOGENES 2— #B. 1 — Calor é mim, que a gente suja mais a roupa. 2 — Pois é — Mas come menos... 1 — Pois 6 ~~ Ando com uma dor de dente... 2 — Pois 6... (Didgenes volta.) — Esté mais calmo, companheiro? Bstou. (Didgenes senta.) Como eu dizia, nao acho que o Claudionor seja um vendido. E um homem honesto. Precisa escutar, companheiro. — Estou escutando, — Sei que ele afastou o companheiro do cargo de consclhciro no sindicato. Mas eu disse que cle é honesto, nfo disse que ele faz as coisas certo. Se o Claudionor faz luta anticomunista, os comunistas também tém culpa nisso. Nés vivemos fazendo agitacio ¢ mais nada. Longe da massa. Nem aumento de salario a genie pede porque aumento de salrio é Iuta reformista! Acabamos pedindo cingiienta por cento de aumento, sem nenhuma base, legal, sabendo que a massa no ia aceitar. Ficamos isolados! . — Os comunistas sao isolados. E diferente. Somos _isolados! -—— Quando o companheiro estava no sindi- cato queria que © sindicato nfo reconhecesse mais as decisées da Justiga do Trabalho! E ai que a gente se isola. A massa nao entende isso. Se divide. Foge de Sindicato, Nao pode- moslevar mais divisio ainda l4 na assembléia. — © sindicato € dirigido por um catélico que s6 sabe arranjar festinha para operario. Que sé sabe comprar mesa de pingue-pongue. E culpa dos comunistas se o Claudionor acha que operério deve passar a vida com fome e jogando pingue-pongue? Os comunistas sfio Ce POT Upto, Arter Siabone ‘PEN eS RET ESPARTACO DIOGENES ESPARTACO DIOGENES José DIOGENES JOSE DIOGENES JOSE DIOGENES JOSE 276 culpados de haver patrio, de haver explora- ¢80? Entio é melhor mesmo acabar com o comunismo, companheiro! — Quando comunista pede coisa que a massa nfio entende deixa de ser comunista, compa- nheiro! — Defensiva. Isso é linha pena abertal O companheiro nao esté atuando de acordo com alinha do partido. Isso é reunido de comunista, companheiro. Nao é reuniao de guarda salva vida. (Siléncio) — Nao tenho mais nada para dizer. Nao sci. Nao sei. — Proponho que denuncie o Claudionor na assembléia. Cingiienta por cento e abono. Mais alguém vai falar? (Siléncio) José. — Bem, companheiros... Nao sei se devo votar. Vou me desligar aqui da base. Agora you trabalhar na Refinaria Duque de Caxias... Comego amanha.. Vou me ligar & base de 1a... — Hoje vota aqui, companheiro, — A Refinaria Duque de Caxias é coisa bonita. 4s — Vamos, companheiro. — Nao sei. B melhor no votar, — E matéria importante, companheiro ¢ a... — Acho que o Espértaco tem razio, Também sinto assim. E isso. Sou pelo Espfrtaco... eta YIP DIOGENES COMPANHEIRO 1 DIOGENES COMPANHEIRO 2 DIOGENES JOSE DIOGENES JOSE DIOGENES JOSE DIOGENES JOSE SLIDES 74 a 79 — Sei. Sei. Martinho. — Didgenes. — Liicio da Baiana. — Com vocé, Didgenes. Com vocé. — (Levanta) Vamos denunciar o Claudionor da Rosa. (Os outros também vao se levantando.) — Didégenes, vocé desculpa. — © qué? — Votei com Espartaco... —- Nada. — A amizade 6 a mesma, hein? — Tenho vinte anos de partido. (Sai) — Ainda Ihe dedico a mesma consideracio, Didgenes. A Espartaco. Grande homem. Esp4rtaco. Um pouco zangado demais. Ah, um dia isso melhora, menino, Aparece por 14, Espdrtaco. Me ajuda a dar martelada no barraco. Me ajuda a cuidar das criangas... Bom convite, o convite de pobre, nfo €? Vai 14. (Saem) (A luz se apaga. Desce a tela.) (A luz se acende, Claudionor sentado, Uma campainha na mao, Diégenes trepado em cima 277 DIOGENES CLAUDIONOR DIOGENES CLAUDIONOR DIOGENES CLAUDIONOR DIOGENES CLAUDIONOR DIGGENES 278 de uma cadeira, E a tribuna.) ~— Nés, os comunistas, quercmos denunciar © presidente Claudionor da Rosa. — Estamos discutindo o aumento, compa- nheiro Didgenes. Pego que o companheiro nao saia da matéria em pauta. (Palmas) — A matéria em pauta é a vida do operdrio. O companheiro traz uma contraproposta do patrao e¢ pede para a assembléia bater palma. Traz miséria ¢ pede para bater palma? —— Nao estou obrigando ninguém a fazer nada, companheiro, Neste pais, os homens aindg sdo livres para decidir. (Palmas) —— Quem decide é 0 sindicato. O companhei- ro sabe disso, Sabe que o sindicato foi feito para decidir em nosso nome, que a gente 6 muito fraco para falar sozinho. Para decidir bonito, sindicato tem que ser macho. Tem que pensar sempre que operdrio € gente esquecida. Sindicato para ser macho tem que ser politico. Nao pode correr atrés de conciliagdo sempre, com rabo entre as pernas! Sindicato tem que ensinar operério a falar grosso. O que é que 0 sindicato est4 fazendo em nosso nome? Esta enterrando a classe operdria! Claudionor Ros vende o trabalhador em troca de elogio de patrio do SESI e do vigério! — Vendo operdrio porque ndo quero matar ele de pancada. Porque nao quero ver policia invadindo nossa casa honesta. Vendo operario porque quero que ele tenha tranqiiilidatle. — Que trangiiilidade, companheiro? Com fome! Com fome em casa? Devendo dinhcirc. para todo mundo? Fugindo do botequim, da venda, do tintureiro, para nao ser cobrado’ Sem escola, sem Agua, sem luz? — Nao é€ o sindicato que dé dgua, compa nheiro. O sindicato ndo é o Departamento de Aguas e Esgotos, (Risos e paimas.) ---Cingiienta por cento ¢ abono. Sendo é greve CLAUDIONOR DIOGENES ‘TIAGO DIOGENES TIAGO DIGGENES TIAGO Sendo € grevel -—— Vamos evitar a greve, companhciros. Greve é fome, é desemprego, ¢ parar a producto, € anarquia... —- Precisa dizer mais, companhciros? Pre- cisa? Olha af. Claudionor da Rosa & pelego. & vendido! E pelego! (Tiago aparece em cena.) — # assim. E assim que sio os comunistas, companheiros. Quem nado concorda com eles & pelego. Quem nao pensa com raiva é corno manso, quem nao quer brigar é covarde, é vendido, € patronal. Que respeito eles 1ém pela gente? Isso € que cu pergunto. Eu nao trabalho tanto quanto comunista? Como € que pode me jogar na cara que sou a favor de patria? Nao foram os comunistas que ficaram na presidéncia do sindicato faz dois anos? O que é que cles fizeram? Passeata que nao ia ninguém e mais qué? Nao reconheciam a Justiga do Trabalho. Os operarios perderam todas as questdes. Que mais? Queriam tirar greve até para mudar o relégio de ponto da fabrica! — Os comunistas néo lutam por migalhas de patrao, Os comunistas lutam pela felicidade da classe operdria! -- E felicidade € viver fazendo greve, companheiros? E viver xingando, pintando muro, sem dar bom-dia? B viver inventando inimigo? Se wdo isso aqui no Brasil fosse nosso, © que é que a gente tinha? Mis¢ria do mesmo jeito, Trabalho que precisa. Aprender a ser melhor operdrio. — Vocé quer aprender a trabalhar para patrao, os comunistas querem aprender a fazer um mundo scm patrao! — Mundo sem patrio? Ent4o nao se d4 mais prémio para quem trabalha ¢ aprende a se esforgar? O que adianta trabalhar, entio? Vida de uniforme? Onde todo mundo é igual. Quem cospe Deus e quem respeita Deus ¢ igual? 279 DIOGENES TIAGO DIOGENES TIAGO DIOGENES CLAUDIONOR DIOGENES OPERARIO CLAUDIONOR VOZES DIOGENES 280 Vai demorar ainda muito para o homem ser gente como Deus pediu. O que nao pode é fazer 0 homem nfo ter mais paixto de viver. — tabalho e trabalho. Nao € feio ser pobre nZo, companheiro! Feio & nao respeitar a vida! — E feio ser pobre sim, menino. & muito feio, O seu Deus estd bébado por af se ele disse que é bonito ser pobre. Cada vez tem menos patrio no mundo ¢ mais operario. B brigar, companheiro. Se o seu Deus disse que ver morrer filho, morrer mulher, morrer cachorro nao lutar é bonito, seu Deus nao vale nada. Scu Deus vive no céu. De Id nfio se vi miséria. De 14 s6 se vé avitio, onde passa gente rosada e satisfeita, O seu Deus fugiu. — Isso é comunistal Isso € comunista! — Isso € catédlico. Isso é catélico. Capacho por natureza! Tem vergonha de deixar de ser pobre. Tem vergonha de ficar de pé. Quer ficar crucificado como Cristo. Mas Cristo brigou. Cristo era macho! — (Vaias aumentam.) Respeito, companhei- ro. Respeito. — Papa-héstia vocés sao, pelegada! Acredi- tam em Virgem Maria, nao €? Aqui que cla é virgem! Aqui. (Tiago pula em cima dele. Vaias e€ vais.) — Tiago. — Que € isso, menino? Vai apanhar agora, Vai apanhar na bunda. (Bate em Tiago. Entra um outro operdrio.) te — Comunista. Comunista cachorrao. Vai aprender o devido respeito. — Tiago. Tiago. (Toca a campainha. Ala- rido. Mais operdrios chegam.) — Comunista. Isso aqui nfo é Riissia, nol Antes de falar em Deus precisa lavar a boca. N@o tem respeito pela gente? Como é que diz que luta por nds? — Vem. Vem, seus papa-héstia! Vem. Vem BSPARTACO TIAGO CLAUDIONOR DIOGENES ESPARTACO DIOGENES ESPARTACO que tem homem, Deus nao vale nada. (Os operdrios em cima de Didgenes. Os operdrios comunistas entram procurando separar. Espdrtaco no meio.) — Sai dat. Sai daf. Vocés nao sto catélicos? Est@o massacrando o homem! Companhei- ros... (Para a assembléia.) Nao pode dividir, companheiros. Nao sei se Deus existe ou nao. Sei que a gente vive mal junto! Gente, Precisa ouvir... (Pega Tiago.) Sai dai. Sai dat. Catélico, nao 6? Olha 14, catélico. Olha 14... — Vamos parar com isso. Vamos parar com isso. (Os operdrios deixam Didgenes aos poucos. Os comunistas procuram cuidar de Didgenes. Didgenes os afasta. Saem todos). — Didgenes, companheiro, o que fizeram com vocé! Precisa cuidar disso, companheiro. O que fizeram com vocél — Sai daf. Sai daf. (Tiago puxa Claudionor. Saem lentos.) Vem. Vem de novo, seus papa- héstia. Aposto que o vigério come a mulher de vocés todos... Vem, vem de novo... — Chega, pai. Chega. Viv? Viu o que adiantou dividir e mais o qué. Nao tirou ago. Nunca a gente vira agio. Viu? Accitaram os vinte por cento... Nem sabe se aceitaram. Até o Claudionor era capaz de aceitar os winta por cento... Vin? Viu o que vocé fez? — Tu vai ser sempre escravo. Tu vai ter sempre os comos no chao. Tu s6 sabe ser coisa nenhuma. Tem medo do ideal que aprendeu. Tu tem medo de decidir sozinho. Tu quer estar sempre de rastro por af. Af tu te conforma. (Levanta com dificuldade, Da um tapa em Espdrtaco. Sai. Dé alguns passos. Cai.) Vem ca. Me levanta. Me levanta... (Pausa. Espdrtaco ndo vai. Didgenes se levanta lento e sai.) — (Canta) Ah, meus senhores, vida € dificil ligdo. 281 MULHER ESPARTACO MULHER ESPARTACO MULHER ESPARTACO MULHER JOSE ESPARTACO JOSE ESPARTACO JOSE 282 Tudo o que fago vem cheio de vontade De yer © homem afinado, sem maldade. Mas a vontade nao basta, morre afogada, No meio de tanta certeza desencontrada. A vida € uma dificil ligdo. (Entra uma mulher) — Espartaco, — Vai embora. Vai embora. — Ih, Que € isso? — Vai embora. — Que 6 isso? Preciso de dinheiro e nfo sai hoje com marinheiro americano por sua causa. Minha filha doente. Que embora é esse? — Vai embora, Vai embora. — Depois nio vem me procurar, meu filho. Vai dormir com galinha se qfiiser. Depois nao ver me procurar, nao... (A mulher sai. Entra José, Espdrtaco se abraca com ele. Chora). —~ Espdrtaco, Esp4rtaco, meu irmgo. Que & isso? — Estou na merda, nfo est4 vendo? Tem que chorar todo mundo. Vive essa mesma vida esfarrapada e briga. E briga. Chora ai. O que € que vocé viveu? Hein? Tem um filho magro € que mais? Divida na farmdcia. Que mais? Sabe que amanha tem que trabalhar. Para qué? Para quem? Que mais? — O qué € que honve com vocé?... 4 — Didgenes me bateu na cara. Didgenes me bateu na cara. Nao vou voltar para casa. (Espdrtaco sai.) — Onde vai, menino? Isso melhora, filho, B mundo errado mas, € operario que constréi ele, € mais facil constrnir mundo certo. Isso melhora, menino. Vai, Espdrtaco. Vai brigar por ai. Tua vida vai valer mais que a minha sim. JA tem mais operdrio no mundo. Isto esti ESPARTACO TIAGO ESPARTACO TIAGO ESPARTACO UM DOIS TRES QUATRO CINCO CORO UM DOIS que & sé companheiro, Vai, menino... Wosé sai. Espdrtaco volta. Garrafa de cachaga na mio. Tiago entra. Pelo outro lado da cena.) — Tiago. Tiago da Rosa. (Tiago para.) Catélico, no €? Vocé viu como ficou Diégenes? Vocé sabe se ele ainda esti vivo? Como 6, catélico? (Comeca a entrar gente e rodear.) A bondade? Onde est4 a bondade? — Né&o sei, Espartaco. Nao sei. — Fala agora. Tem que dar na cara para todo mundo ficar bom? Como é? — Nao é tudo de todos? Como € que diz que a gente nfo vale nada? Nao é tudo de todos? Como € que pode ser de todos se eu nado valho nada? — Nao sei, nao sei. — Pega ele, crioulo. — Sou mais o branco, Sou mais o branco. — Sou o crioulo. Cinqiienta pratas? — Amarro. Vamos, branguinho, Mostra que raga é raga. — Nao vai brigar, nfo. Nada de brigar. — 8, palhago. Ih, esse € padre enrustido. — Ninguém vai fazer o bonzinho que quero ver essa briga. — E se nao brigar, os dois entram no brago, est bem? 283 TRES QUATRO ESPARTACO TIAGO ESPARTACO TIAGO UM DOIS TRES UM CINCO DOIS TRES ESPARTACO UM VOZES UM DOIS PADRE 2A — 8, Tenho cingtienta pratas, amarradas af. — Vamos 14. Chega de blé-blé-blé. Quem decide no blé-bl4-bl4 & locutor esportivo. Como 6? Vao brigar ou estio apaixonados? (Risa- das). — (Se engalfinkam.) Vai ver minha bondade, sacristaio. — Vai pagar todos os pecados hoje, Stélin. — Comega a rezar, sacristio. — Vou rezar por voce. (Rolam no chao.) — Ih. Que briga mais cheia de falatério, — Estio brigando ou estéo brincando de minhoca? — Como €? Isso é macho on frescura? (Um dé um pontapé nos dois, que rolam no chao). — Como é? — Vamos parar com isso. (Um empurra Cinco.) — Scus maricas. Quero ver porrada. — #ssa calga é para qué, crioulo? F disfarce? Est4 fantasiado de homem? (Continuam cutucando e dando pontapés.) — (Pega Um pelo pé.) Vem cd, safado. Vocé é€ meu. — Que é isso? Quer me pér no rolo, €? Eu you, meu. Eu vou. (Dd um'soco em Espértaco. A confusdo se generaliza.) — Ah, mordida vale, 6? Mordida vale. Tira a mio daf, cachorro. Pé, cara. Briga limpo. Ah. Mordida outra vez, é? EB. (Ouve-se um apito. Os homens saem correndo. Espértaco e Tiago no chao.) rn — Eu te pego, crioulo, Nao fica assim. —Seus cachorros. Marquei a cara. Marqueia cara. (Os dois sentados no chito. Cansa- dos. Passa um padre depois de um tempo.) — Como é? Nem a rua mais se respcita? Nao se pode mais andar na calgada? B? Quer dizer que tenho que andar no meio da rua, com perigo de ser atropelado? 6? B? Sei, entendi. Ah, Onde vamos parar, mundo? Tenho a garganta BESPARTACO TIAGO ESPARTACO ESPARTACO TIAGO VOZES seca de rezar, Onde vamos parar? (Sai. Espdrtaco olha Tiago. Comega a rir. Ri cada vez mais.) — E tio fécil resolver tudo. Basta nao sentar na calgada. — Vai, Espdrtaco. Vai. _— B s6 aumentar a calgada. Mais dois palmos de calgada ¢ olha o mundo florido. Vamos aumentar a calgada, companheiros, (Comega a marchar.) Vamos aumentar a calgada, com- panheiros. (Bebe) (Canta.) Pra fazer calgada, precisa operario, Operdrio para andar precisa calgada. Mais calgada, mais operdrio € tome calgada. E a rua nunca deixa de ficar entulhada. © que cagada. © que verdadeira cagada. Para a mua nao ficar mais atapetada. % melhor acabar com operério e filharada. Ficava sé a gri-finada. Mas sem operdrio ela nao vale nada, Que gr-fino s6 trabalha para tomar laranjada. 6, outra cagada. 6, uma segunda cagada. Mas como gri-fino nfo precisa de mio, Podia comer a mao ao invés de comer pao. Acabava operdrio, acabava problema de calgada. 6, que linda solugdo. 6, 6, 6, que linda solugio, (Tiago durante a canglio comegou @ rir, Rola no chdo de rir.) — (Grita) O mundo est podre, gentel Podre da_ silval —— Ai daquela grande cidade que estava coberta de linho finfssimo ¢ de escarlate ¢€ que se adornava de iro... __ Sil@ncio. Cala a boca, vagabundo. Deixa 285 USPARTACO TIAGO VOZES ESPARTACO TIAGO VOZES ESPARTACO TIAGO VOZES ESPARTACO TIAGO ESPARTACO ‘TIAGO. HSPARTACO 280 os outros dormirem! — Dormir para qué, palhago? Acorda e fica pensando, Acorda sua mulher também. Fica olhando um para a cara do outro. — Agquele que matar & espada, importa que seja morto a espada. Aqui est4 a paciéncia e a {6 dos santos. Acorda para ouvir Deus! — Deus de noite ndo quer baruiho. Vai fazer sermao na... Missa é de manha, 6 Sdo Sebastiffo. -—— Didgenes me bateu na cara. Didgenes me bateu na cara. — Didgenes bateu na cara dele. Vio ficar dormindo? Diégenes bateu na cara dele. — Didégenes fez muito bem, Didgenes bateu pouco. Psiu. Psiu. — Vem pra cé4, pra rua. Vem. Vem dizer psiu na minha cara. — Vem dizer psiu na cara dele. Vem cd. Nao vim trazer a paz, mas a espada. A espada, Engole o psiu e engole os dentes, — (Aumentam) Vou chamar a policia. Siléncio. Tenho minha sogra doente. Fica quieto, comunista. Meu pai é general. Ele também vai trazer a espada. — Que siléncio. Siléncio é que existiu sempre. Seus merdas. Seus merdas. — Precisa é botar a boca no mundo! Precisa ouvir Deus! (Com icio) Brasileiros! Porque todas as nagées beberam ovinho da ira da sua Pprostitnigfo; e os reis se corromperam e os mercadores se fizeram ricos.. Cala a bpga que estou fazendo um discurso. (Comecam a cair latas e dgua em cima deles.) Vai mothar a mae. Vai molhar a map. — O companheiro estA se dirigindo ao pove. Atengio. (Pega as latas e comeca a atirar de volia.) Essa & para vocé, careca, — Aguele 14. Aposto que aquele 14 tem ffbrica de cueca. ~~ Rouba no pano, nao é cuequeiro? Aposto TIAGO ESPARTACO TIAGO POLICIAL 1 TIAGO POLICIAL 1 POLICIAL 2 POLICIAL 1 SOM VOZ que diminui um botio em cada cueca que fabrica. — FE por isso que cueca de proletariado brasileiro fica sempre solta dentro da calga. — Companheiros. B preciso acabar com a cueca solta. (As latas caem. A policia e apitos se fazem ouvir.) N6s enfrentaremos a policia. N6s enfrentaremos a policia. — © operariado brasileiro nfo teme a forga das armas, Ele tem Deus consigo, Seus cuequeiros, Seus alcagiietes. Pau mandado. (Entram dois policiais. Tiago e Espdrtaco atiram latas sobre eles.) — Vamos 14. Vamos 14. Com calma... — Com calma € a mae. Vem me buscar, soldadinho, Vem me buscar. (Atiram latas ¢ saem correndo. Os policiais vacilam.) — Puxa vida. Nem uma descansada a gente pode dar. Amanhi as sete pego no batente. — Nao vou corer atrés deles nao. — Agora jé comegou. (Correm atrds.) Depois tem reclamagio na chefatura. Bairro rico é uma merda, (Saem) . — (Escuro total, Ruido de assisténcia vai aumentando. Emendando como tema caracteristico do Reporter Esso.) — Terrivel explosio na unidade de craquea- mento da Refinaria Duque de Caxias no fim da tarde de hoje. Oito mortos. Perto de vinte feridos, Trégico acidente enluta a familia brasileira. A firma americana Kellog, que constr6i a refinaria, pagara a hospitalizagdo de todos os acidentados. Os Estados Unidos sio o primeiro pais a hipotecar solidariedade. Plasma sangiiineo foi enviado pelo pais irmfo do Norte. Voltaremos as 22 horas ou a qualquer momento em Edigéo Extraordindria, sempre numa cortesia da Esso do Brasil (O rufdo da assisténcia aumenia.) Sempre numa cortesia da Esso do Brasil. 287 VOZES VOZ 1 vOZ VOZ 2 Voz VOZES MULHER TIAGO ESPARTACO 288 — Me salva. Me salva. — Meu brago. Nao sinto meu brago. Me salva... —— Sempre numa cortesia da Esso do Brasil. — Estou morrendo devagar. Estou morren- do. Nao quero fechar os olhos, Me salva. -— Sempre numa cortesia da Esso do Brasil. —~ Me salva, Me salva. (Pdra tudo de estalo. A luz se acende. Siléncio. José esté morto. No meio do palco. Uma mulher estendida ao lado dele, morta. Siléncio. Entra uma mulher, Procura.) — Wé José. Para. Pausa.) 0, José. Foi vocé que morreu? Que pena! Logo hoje que o filho disse que nfo quer mais estudar. Logo hoje que precisa pagar a conta na birosca. Que pena! Ia te avisar que o Ramiro disse que quer entrar para o Partido, que vocé tinha razio. O Ramiro, José. Comissério de policia. Voc aumentou esse Partido, hein José? O Ramiro. O Tadeu. Tadeu era gigol6é. Que pena, José! Vai faltar um homem em casa. Essa gente € abusada. (Espdrtaco entra. Tiago com ele, Aproximam-se_lentos.) — José est4 morto, Espartaco. Hoje era dia de folga dele. Veio por causa dos operdrios. (Tiago se ajoetha. Espdrtaco se agacha ao lado de José. Tiago reza baixinho.) Ave Maria, cheia de graga, o Senhor é convosco.., Ave Maria, cheia de graca. José ndo acredi- tava nisso.., Ave Maria... (Didgenes e Claudionor aparecem no filo da cena.) . a — Nio consigo chorar, José. Tenho medo, mas tenho vergonha de vocé, José. Assim estendido, quicto, cheio de terra no cabelo, essa cara de susto. Isso nfo vai acontecer comigo, José. $6 penso nisso. B feio termi- nar assim, José, No chiio, na rua, com todo MULHER TIAGO ESPARTACO MULHER ESPARTACO OPERARIO SOM mundo olhando. Agora vio tirar fotografia tua, José. Nao choro uma gots. Vou lutar. S6 isso. Mas termino em pé, com respeito, morrendo na hora de morrer com canto cin volta de mim, com trombeta, com banda tocando coisa triste. Naéo choro, José. Nao choro, Nilo adianta que nao choro... — E bom ele tomar um copo de dgua com agticar. —— Vem, Espértaco, vem com a gente... — E feio perder, José. Lutar e perder 6 feio. Tem que ganhar. Lutar é para ganhar. S6 para ganhar. — Vocé pode continuar 14 no barraco se quiser, Espfrtaco. Me ajuda a dar um jeito na vida dos _filhos. — £ lutar para ganhar. $6 para ganhar. (Saem. Didgenes e Claudionor se aproximam. Clau- dionor tira 0 chapéu e faz o sinal da cruz. Didgenes pée a mao no rosto. Siléncio. Entra um operdrio, vai direto para a mulher.) — Anita! Anita! Foi vocé mesmo, Anita?! Foi vocé? (Siléncio longo.) Ela s6 veio me trazer a marmita. Filho da puta que sou, companheiro, Deixei minha mulher morrendo porque fui beber cachaga em hora de trabalho. Essa explosio. Desde um més a gente avisava que o ago era franzino. José até greve quis fazer, Nao ia agiientar o calor. Eu avisei, avisei, Mas tenho a lingua pequena. Nem explicar direito consigo. Comego a contar uma_his- toria, quando vejo estou brigando... (Slide desce. Lentamente eles saem. Slides 10 uo 17. Caras rindo. Rindo que voliam e voltam e voltam.) — (Gargathadas. Um minuto inteiro de gargalhadas. Um jornaleiro passa na frente da cena. Sé um foco iluminando o jornaleira @ os mortos. As gargalhadas e os slides con- tinuam.) ao ii JORNALEIRO SLIDES HOMEM 1 HOMEM 2 MADAME 2 SOM VOZ A) — (Canta.) Trdgico acidente. Morreu_ gente. O Brasil esté doente. Quem € o culpado? Culpado € o homem que gosta de viver. Culpado é o homem que arrisca viver. Ninguém € o culpado pois se trata de acidente. Mesmo que tenha morrido muita gente. Muitos dizem que o culpado & a miséria. Mas miséria € outro acidente também. Pois neste Brasil nao se conhece ninguém. Ninguém que seja a favor da miséria, — (Os politicos voltam numa segiliéncia impressionante. As gargalhadas sao ouvidas no palco agora. Uma valsa. ‘‘Dantbio Azul’’. A luz se acende. Dois pares valseiam. E riem, riem muito. Com copos de champanhe na mdo. Os mortos continuam em cena. Uma vela esté acesa ao lado da muther morta.) ~~ Onde esté o seu marido, meu amor? — No banheiro. Ele vive no banheiro! (Riem). — Quando chegou de Paris, Heleninha? — Cheguei hoje. S6 para a festa da embai- xada, Mas volto amanha. O Brasil est4 cada vez mais malcheiroso. Minha pele logo embola. horrivel. Brasil di urticaria. (Riem. Os pares continuam valsando em torno dos mortos.) ++ — (© prefixo do Repérter Esso em ritno de vaisa.) i -—— A embaixada americana recebe hoje a alta sociedade brasileira para saudar a chegada do senhor Walter Link, que assumird a diregio das pesquisas da Petrobras. Novas noticias as 22 horas ou a qualquer momento em edigaio extraordinéria, sempre numa cortesia da Esso VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE CORO do Brasil. (Entram Vidigal e o presidente.) — # preciso uma Comissio Parlumentar de Inquérito, Dionfsio. Esta sabotage nfo pode passar em brancas nuvens. Matamon ito operdrios... — Um acidente, Hipdélito, Um triste aciden te, —— Vamos, Dionisio. Vocé esta falando comipo, nao est4 na televisto. Eles explodem a re- finaria nas nossas fugas e nés ainda accitamos esse Walter Link? Isso no é uma festa. I um velério. Aqui esté se enterrando o pats. — Vidigal, entenda. Estou negociando um empréstimo com os americanos. Hstou ameagando com a Comissio-de Inquérito... Mas ela nJo pode sair. — Mas, assim? Conseguimos empréstimos em troca de mortes? Somos pagos para continuar a morrer? . — Nio posso. Nao posso, Vidigal. E o Brasil. Nao posso pedir abertamente uma Comissio de Inquérito. E o Brasil, Mal ou bem: é 0 Brasil. — Pelo menos, n&o aceite esse Walter Link. — N&o posso, Vidigal. B o Brasil, Mal ou bem: & o Brasil. (Eniram Lincoln, Prudente e Walter Link, tudo pdra. Todos batem palmas. Inclusive Vidigal. Todos cantam, Inclusive Vidigal.) — Chegou, chegou. Chegou a mais importante figura. Chegou, chegou, Veio direto do pais das figuras. Chegou, arrebatou. Traz o jeito de pais grandc. Talvez agora o Brasil ande, Brasil. ous PRESIDENTE LINK LINCOLN LINK LINCOLN LINK CRIADO LINCOLN VIDIGAL LINCOLN VIDIGAL LINCOLN VIDIGAL LINCOLN 292, — Bem-vindo, senhor Walter Link. — What? — Welcome. — Oh, yes. Welcome. OK. Is he the president? — Yes, — Big shot, hey? Big shot! (Entra um cria- do.) —— O jantar est4 servido, Exceléncias. (Walier Link e o presidente saem abracados na frente. Coro atrds. Vigidal e Lincoln conversam.) — Nés nunca poderemos chegar a um acordo, senhor Vidigal? O senhor é um homem in- teligente. Sabe que meu pais joga um papel decisivo no mundo de hoje. . ~~ Sei. Decisivo para o senhor, sua familia, Rockfeller. E quem mais? — E jogando um papel decisivo nado pode ter contemplagio com quem pretende tolher seus passos, ~~ E entio? + — E ent&o n&o nos interessa a formacdo de uma Comissio Parlamentar de Inquérito sobre as atividades do capital estrangeiro no Brasil! — Que mais, senhor Lincoln? Fale claro. — Sempre falo claro, senhor Vidigal. Pensei que o senhor j4 havia se acostumado, O senhor nos deve quantias importantes. Com esse VIDIGAL ESPARTACO dinheiro o senhor tem pago a campanna para a formagio dessa comissio. Ou o senhor suspende a campanha ou cobraremos a divida imediatamente. — Pagarei, Lincoln. Pagarci. Uma vez cu cedi. Matei oito operirios, niio me submeto mais, Pagarei a dfvida mesmo que termine nu, mas a Comissiio Parlamentar de Inquérito ha de sair. (Apaga a luz. Desce a tela. Slides 87 a 90. Acende a luz. Espdrtaco se dirige ao piiblico.) — A Comissio de Inquérito saiu, sim senhor. Foi bom. Mostrou a mio do americano om todo lugar, enforcando a gente, Americano em todo lugar. Dono do Brasil, Nossa Senhora. Na Petrobris, furam pogo onde nfo ten petrdico, arrebentam aparelhagem, compram engenhei- ro. Pagavam cinco cruzeiros por cada jornal, desses respeitaddes, para vomitar mentira cm cima da gente. Nossa Senhora! Ii gente decidida a raspar-nos a vida até o fim, sem vamos- com-calma. Cinco cruzeiros por cada jornal, Brasileiro no é sé nascer no Brasil nfo. Brasileiro € ser explorado. A nova linha do Partido estava certa, certa. ‘Todo mundo tem conta pra ajustar com americano, E a gente trabalhando mais e¢ ganhando menos. LA na fébrica todo mundo sai as scis horas ¢ ainda vai fazer extraordinério. Zizinho vai vender amendoim na Leopoldina, o Adolfo Bigode, java patio de hospital, Serzedelo vende 4gua na Catacumba, Mané Grosso é camelé de meia de homem, Salatiel toca pandeiro em festa de pervertido, Eustéquio engole lista de jogo de bicho, Reminho vigia casa de prostituta de policia. Nepomuceno, nem sei o que faz. Ninguém fala com ele... vive dormindo pelos 293 DIOGENES USPARTACO DIOGENES ESPARTACO DIOGENES ESPARTACO DIOGENES ESPARTACO DIOGENES ESPARTACO 294 cantos. (Didgenes entra. Siléncio.) Como vai? — Amanhi tem reunifo na minha casa. — Sei. —— Vamos tirar um documente denunciando © Claudionor. Vai reccber dinheiro do SESI. Vai fazer quadra de bola-ao-cesto, os cambau. Mas nao vai falar em politica... — Denunciar o Claudionor outra vez? — £ —— Precisamos dele para pedir que o governo tome providéncias. Precisa acabar com 0 que a Comissio Parlamentar de Inquérito denun- ciou. — Precisa acabar 6 com 0 operdrio capacho. — E a nova linha do Partido. —— Na minha opiniao é linha burguesa. As sete. (Pausa) Lembra de onde eu moro, nio €? Sai) — A deniincia ficou no papel. Faltou forga para fazer o governo tomar uma atitude. Faltou apoio de muito Claudionor da Rosa, que chiste por af, B a culpa era muito nossa. No fim, americano continuou, Walter Link continuou.,. (Apaga a luz. Escuro, ouve-se a voz de Lincoln Sanders. Acende a luz no meio da fala. Walier Link esté terminando de escrever um rela- tério. S6 em cena.) LINCOLN CORO LINK PRESIDENTE VIDIGAL PRUDENTE VIDIGAL PRUDENTE VIDIGAL PRESIDENTE — A Petrobras, precisa desapareccr. Aos poucos. Com cuidado. Mas precisa desapa- recer, — (Fora de cena.) Chegou. Chegou. Chegou a mais importante figura. Veio elevar o Brasil a Brasil. Veio tornar o Brasil, Brasil. Veio fazer do Brasil, um Brasil. (Quando Link comega a ler o relatério que tem nas méios, entram o presidente, Prudente e Vidigal. Vidigal senta-se numa cadeira. Afunda, desmoronado.) _— E concluindo men relatério, posso afirmar com seguranga que nao hd petréleo comer- cialmente explorivel no Brasil. Afirmo isso sem nenhuma paixdo politica, sem nenhum outro interesse, senda o de colaborar na cons- trugao de um Brasil verdadciroc belo. Nao ha petréleo no Brasil. — Hi espantoso! HE espantosol — Mentira, Empulhagaio. H4 petrdteo no Biasil, HA petrdleo. — Eu compreendo seu furor, scnhor Vidipal. Sei que seus negécios vio piorar... — Va a merda. V4 a merdal — Como? Como disse? Como disse’? — V4 a merdal V4 1 merdal — Siléncio. 295 VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE LINCOLN PRESIDENTE LINCOLN PRESIDENTE LINCOLN VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL PRESIDENTE VIDIGAL 296 —— Empulhagio, empulhagao, — Siléncio. — Perdio. Nao sei mais o que dig E a terceira vez que peco siléncio. (Vidigal se cala.) Pela previsio do relatério do senhor Link, nés sé podemos conseguir 90.000 barris diarios. O pais precisa de 270.000. Temos portanto um déficit de 180.000 barris. Esse déficit nao pode ser coberto com o fosso petréleo. Nao o temos. — A Esso esté disposta a fornecer a quan- tidade que falta, Exceléncia, — EB uma confortavel noticia, Exceléncia, — Sabemos que nossos depésitos poderaio ser confiscados de uma hora para outra, Mas confiamos no Brasil. Confiamos nos seus lideres. — Agradecemos. — 86 queremos uma garantia, Exceléncia. Um contrato minimo de cinco anos. Preci- samos de prazos longos para nossas opera- ges. Cinco anos, 6 o mfnimo que precisamos. — Cinco anos? Cinco anos? Mas é uma loucural Para comprar esse petréleo da Esso durante cinco anos nfo poderemos mais tirar uma gota de nosso petrélee, Niio poderemos furar mais um pogo sequer. Vamos ficar parados no que jA produzimos. Loucura! Loucura! — Vossa Exceléncia parece que ainda nao entendeu. Nio hd mais petréleo no Brasil. Temos que parar as exploragdcs, — Se nfo houver mais exploragées de petzdJeo, minha fabrica vai parar. A Petrobrés nao vai comprar mais nada de ninguém. Muitas fabricas vio parar. Entenda. Estamos parando o Brasil. ~—- Nio hd mais petréleo em nossa terra. — Ser4 a faléncia, o desemprego. E estare- mos nas mos da Esso. Durante cinco anos, para qualquer maquina andar neste pats, precisaremos da Esso. Teremos de andar com as pemas deles. Para onde? Para onde cles LINCOLN VIDIGAL PRUDENTE LINCOLN VIDIGAL LINCOLN VIDIGAL PRUDENTE PRESIDENTE quiserem, Para suas guerras alucinadas, jrara... — Protesto. Protesto com veeméncia. — Nao assino esse contrato, Dionfsio, Hora com essa gente de nossa terra! Fora com os Prudente, os Walter Link... — Subversio. Subversio da ordem! — Protesto, Em nome do scnhor Walter Link © em meu nome pessoal. — Vamos lutar, Dionfsio. Vamos lutar! (Siléncio profundo.) Néo assine esse contrato. Fora com 0 acordo Esso-Brasil. Eu farei dump- ing. Fecharei as portas de todas as fabricas. Nao haverd o que comer. Sou diretor da Federagiio das Indiistrias. Eu paro toda essa merda! — Péra a fabrica de quem, senhor Vidigal? Do industrial Miranda ¢ Silva? Nos deve dezoito milhdes. A do industrial Pacheco Marques? Nos deve dez milhGes e quatrocentos ¢ vinte e sete mil, A do industrial Gonzaga Ferreira? Nos deve cinco milhdes... — E a minha faléncia... Tenho que despedir operdrios... A quem apelar? Ao pove? Mas tenho que despedir o povo. Vendidos. Voces terminarao mais cedo ou mais tarde. Ningucm compra povos. Ninguém. Vendidos... (Ao pre- sidente.) Dionisio, Dionisio, meu irmfo. i a faléncia, Dionisio. Dionisio? (Berra) Dionfita, (Saindo e berrando.) Dionfsio, Dioniio, (? presidente esté de cabega baixa.) — (Tinka o contrato na mio.) Quer wiitnat aqui, Exceléncia? (Pausa. O presidente tevanta a cabeca.) — Eu gostaria talver de relletir pouco. (Pausa longa.) Nilo. Par que rel Est4 tudo claro, nfo é? (Assind. Os homens cumprimentam-se, emocionados, sacm, O presidente, lentamente xe ajoelha, Apaga a luz, Desce a tela.) 297 JORNALEIRO MULHER JORNALEIRO MULHER JORNALEIRO OPERARIO C MULHER OPERARIO C MULHER OPERARIO C VOZES JORNALEIRO 298 Slides de 96 a 101. (Entra o jornaleiro. O presidente ndo chegou a sair de cena.) — Olha O Globo. O Globo: ‘‘Nao ha petréleo no Brasil’, Olha O Semandrio: O Semandrio: ““H4 petréleo no Brasil’, Olha O Correio da Manha! O Correio: ‘‘Petréleo hd. Mas nao € comerciavel’’. (Entra um operdrio. Operd- rio C e@ uma mulher. Mulher chora no ombro do Operdrio C. Operdrio C compra um jornal.) E dez mil réis agora. (Operdrio pée a mao no bolso. Nao tem dinheiro.) — He foi despedido, mogo. L4 da Fundigao Vidigal... — Eu sei. Mas agora € dez mil réis... — Ele foi despedido. Eu quero procurar emprego... — En sei, mas agora é dez mil réis... — Vocé nfo vai trabalhar fora, no... Nio agiienta. J4 lava roupa, cuida da crianga. Essa asma... — Vou tabalhar fora, sim... — A gente vai ter que largar o barraco... — N&o fala. Nao fala. — Seo filho ainda fosse vivo... (Saem. Passam operdrios.) — O sindicato ajuda a gente. Sindicato nao tem dinhciro! Nao posso ficar na rua, companheiro. Minha mulher tem que fazer radiografia.. EH methor quando a gente é solteiro... Vai dormir na Praca da Republica... (Saindo) & melhor ser solteiro... -—~ (Canta) Desemprego, desemprego. ‘ O Brasil est4 doente, Quem 6 o culpado? Culpado € o homem que quer trabalhar. Culpado é o homem que é viciado em comida. Ninguém é culpado, pois se nio hd trabalho Deve ser porque tudo come muito bem. Pois no Brasil nfo se conhece ninguém, SLIDES 96 a 101 Ninguém que seja a favor do descmprego. (Sai de cena. Apaga a luz, Baixa a tela, voltam os slides 96 a 101.) (Abre a luz, Reunido da base do Partido na Vidigal. Companheiro 1 distribui um boletim entre eles. Tem mais dois pacotes com ele.) COMPANHEIRO 1 — Greve. Vamos A greve. COMPANHEIRO 2 — Greve. Temos que defender os quarenta DIOGENES ESPARTACO DIOGENES ESPARTACO DIOGENES ESPARTACO operdrios que foram despedidos. — Greve para defender operdrio que é contra nés? Greve para reforgar esse sindicato vendido e o Claudionor vendido? Deixa ir para a rua. Precisa aprender, Precisa aprender. — Operdrio sé aprende alguma porra se agir politicamente, companheiro. Nao adianta miséria aumentar, perder filho e 0 diabo, sc ele n&o age politicamente. — Sou contra. Sou contra, (Fica repetindo isso em cima da fala de Espdrtaco.) — Precisa mostrar para a massa que os operdrios foram despedidos, porque a Petrobris etd com o trabalhador. (A Didgenes.) Por favor, companheiro.., — (Pegando o papel.) Sou contra, Sou conta... Isso & baboseira. Sou contra. Sou contra essit nova linha do Partido. Eu lutei toda a minha vida e agora o Partido vem me dt patrdo e operdrio sto aliados? Minto merda. Pensei que havi lula de classe. — Nos vamos fazer uma reve. Isso ¢ huta de classe ou no? fio pole esquecer que tem um inimigo principal, que cst4 apodre- cendo o Brasil inteiro. Precisa 6 tirar 0 americano 299 DIOGENES ESPARTACO DIOGENES ESPARTACO DIOGENES ESPARTACO DIOGENES LiSPARTACO DIGGENES ESPARTACO MH) daqui. Se burgués quer tirar americano também, pode vir. Eu quero é um Brasil novo, JA. Amanha, —— Partido de menina agora. Partido de enfermeirinha, Vao ajudar quem mata a gente, quem comeu minha vida, quem me deixou velho mais cedo, quem me tirou a mulher e filho pequeno, quem me meteu num barraco no meio de porco. N&o quero assim. Tenho vinte anos de Partido! Tem que me respcitar, Nao vai ter Revolugo assim. Chega de reuniiio, Chega de reunifo. —— Quem pée a gente na merda € todo mundo. Até vocé, até ev que no entendo as coisas direito. Tem € que descobrir o mais filho da puta e acabar com ele, Acabar primeiro com ele... -— Chega de reuniado. Chega de reunifo. — Que acabou a reunifio é esse? Que acabou a reuniio é esse? — Sou o secretério da base. Tenho vinte anos de Partido. Nao admito. — Chega de nfio admito. Chega de falar sozinho. Aqui nfio tem mais nao admito. Nao tem mais. +e — Tenho vinte anos de partido. i — Essa base tem quatro comunistas ha trés anos. Nao aumenta, Chega. Chega. — Tenho vinte anos de partido. — Vamos votar. COMPANHEIRO 1 — Greve. COMPANHEIRO 2 — E greve. DIOGENES ESPARTACO MULHER ESPARTACO OPERARIO A ESPARTACO OPERARIO B VOZES TIAGO —- Hu saio desse Partido. Eu saio desse Partido. (Quer pegar os folhetos.) Me dé isso. (Levanta e vai saindo, Nao pegou os folketos.) Tonho vinte anos de luta, De borracha.. Bu saio desse Partido. Eu saio.., — (De pé na cadeira, Os operdrios vio chegando, mulheres com criangas. Os com- panheiros distribuem os folhetos.) E porque a Petrobrés esté sendo sabotada. Por causa de um acordo com a Esso que fizeram. Precisamos ir A greve, companheiros. Parar essa fabrica. (Aponta) E todas as outras. (Tiago entra em cena.) — Fazer greve agora, companheiro? Qua- renta j4 vio embora. Vai acabar todo mundo ma rua. — Vai acabar todo mundo na rua sc a gente no reage, companheira, — Eles despedem a gente © arranjam outros vagabundos para trabalhar. — Se a gente nao reagir, no vai mais: ter trabalho. Nem para nés nem pari os vapi bundos nem para ninguém. — Greve & coisa de comunista, at. Coisa de comunista. — Coisa de comuni Coisa de comunista. —- (Sobe no cadeiriiv.) Que & que tem que 6 coisa de comunista? lcs querem que a gente 301 OPERARIO A TIAGO OPERARIO A TIAGO OPERARIO C CORO viva melhor. A diferenga é que cles dizem que precisa brigar. — Coisa de comunismo, Claudionor tem razio. N&o deve se meter... — Claudionor esqueceu uma coisa, compa- nheiro, Até hoje nds nao fizemos greve, fizemos? EB a miséria nfo aumentou? Quem tem mais de cingitenta mil réis no bolso? Cada dia como menos e o mundo foge mais de mim, cada vez fico mais no canto... — Tiago virou comunista. Tiago virou comunista. — N&o, companheiro. Eu descobri meu Deus. Meu Deus diz que obrigagdo do homem nio € sofrer, € fazer vida sem sofrimento, Eu descobri que nossa vida, do jeito que vat jA est4 escrita. Minha vida ja est4 escrita e eu ngo me mexo? No. Deus nfo aceita isso, Céu néo é 14 em cima, néo. E aqui. Dentro da gente! Deus diz que nao pode deixar qua- renta companheiros no infortinio. Se o Gmico jeito € greve, 6 greve, companheiros. E greve! E greve, companheiros! EB greve, companheiros! — E greve, companheiro. E greve, com- panheiro, — E greve, companheiro. greve, companheiro. Queremos vida por inteiro. Queremos Brasil brasileiro. E greve, companheiro. (Espdrtaco e Tiage se abracam.) COMPANHEIRO 1 — (Distribuindo os boletins.) Precisa falar, ESPARTACO 302 com os outros. Precisa parar tudo. Precisa ir para todas as portas da fabrica.. (Os ope- rérios sae cantando. Ficam o Operdrio C eo A, Didgenes entra no meio deles. Didgenes avanca, cego, cambaleante.) — (Corre até Didgenes.) Aonde vai, com- panheiro? DIGGENES ESPARTACO DIOGENES OPERARIO A ESPARTACO DIOGENES ESPARTACO TIAGO DIOGENES OPERARIO A ESPARTACO DIOGENES OPERARIO C POLICIAL 1 — Vou entrar na fabrica. Por qué? — O que & — Vou entrar na fabrica. Vou entrar nessa merda que hoje é dia de trabalho! — Estou com o Diégenes. Também vou ta- balhar. — Vio tabalhar coisa nenhuma. — Nao fago greve de perfume, menininho. N&o sou de seu Partido de fresco. — (Corta Didgenes que avangou.) Nés vamos fazer greve, companheiro. — Que € isso, Didgenes? — Quem € que vai me segurar? — EB. Quem é que vai me segurar? — Ora, Eu, porra. Seguro tudo, esti bem? Seguro qualquer porra, porra. Vocé est expulso do Partido, Diégenes. — Sai daf. Sai daf, menino. (Avanga. Hspartaca segura, Apito de policia.) -—— Nao faz assim. A gente € operfrio, Polo amor de Deus. Eu vou ser despedido, ‘Lem que me ajudar. Eu ¢ os quarenta, Minha mulher tem asma... (Entram dois policiais. Um segura Espartaco. Outro pega Tiago.) - -Greve, nao é, comunista? Nao deixando os outros trabalhar? Greve, ndo 6? Nao ouviu 303 OPERARIO C ESPARTACO OPERARIO C OPERARIO A DIOGENES o discurso do presidente? (Dé um soco em Espértaco.) N&o pode fazer baderna... — Estio prendendo Espfrtaco. Est&o pren- dendo Tiago, Tenho medo de ajudar. — Didgenes, filho da putal (Levam. O coro no fundo. Néo sain nunca. O Operdrio C cospe nos pés de Diégenes.) »— Prenderam Espértaco e Tiago. (Sai.} — Bem feito. Eu quero trabalhar. Sou livre, néo sou? Entao! — Espdrtaco. Espdrtaco. Esp4rtaco. (A tela desce. O coro continua no fundo. Bai- x0.) SLIDES 102 a 105 POLICIAL POLICIAL lisPpARTACO VOLICIAL POLICTAL. 4Ol 1 2 1 2 (A sirene de policia se ouve em cima disso. Sobre a tela. Acende a luz. Espdrtaco e os dois policiais. Uma barrica preta cheia de dgua. Os dois tiras afundam a cabega de Espdrtaco de ida e volta na dgua.) — Fala, cachorro, fala. — Quem que est4 na cabega da grove? Falat Desembucha. — Juro que... (Afunda) Para com isso... (Afun- da) Minha mie... (Afunda) Por favor... mogo... (Afunda) Mogo. (Afunda) — Ele quer que pare. — Entio p4ra. Entio pra. Coitado! Vai ver ESPARTACO POLICIAL 1 POLICIAL 2 POLICIAL 1 POLICIAL ESPARTACO POLICIAL 2 TIAGO POLICIAL 3 TIAGO POLICIAL 3 © menino est4 se sentindo mal. O menino ¢ tho bonzinho. Ele cumpre as ordens ¢ as Icis. Aposto que nao faz greve, niio 6? Aposto que é contra o comunismo! Aposto que quer ver todo mundo livre, nesta terra. Nao 6? Nao é, meu cachorro? (Afunda) Nao é, meu cachorro? (Afunda) Nao &, meu cachorro? — Nao agiien... (Afunda) Para com... (Afunda) Nao agiien... (Afunda) Nao sei de nada... — Quem 6 que esté fazendo greve na fabrica Vidigal? — Quem 6 que est4 arrumando greve na Lopes Coelho? — Quem é que esté fazendo greve na Gonzaga e Cia? — Fala. — Né&o sei de nada.. Juro. Nem sei onde é a fabrica Lopes Coelho... (Os policiais o trazem de volta.) Nao. Na 4gua nao. Pelo amor de Deus. Na d4gua, néo! Na Agua, nao! (Afunda. Comega a engolir mais Ggua.) Eu no fago mais, juro... (Afunda.) Me d& uma chance... (Afunda) Vou morrer. (Afunda) Vou morrer... — (Afundando Espdrtaco desmaiado.) Tu és cachorro, menino, Tu és cachorro, menino... (Raiva. Quase chora.) Te fago falar, menino. Pela minha mae que esté no céu. Vai acabar comunista nessa terra, meu filho, Aqui vai ter liberdade sempre, entendcu? Sempre! (Para cansado. Puxa Espdrtaco pelo chéo, Policial 3 aparece tratendo Tiago.) — Espdrtacol Espdrtacol O que fizeram com ele? O que vocés fizeram com ele? O que € que voces fizeram? — Calma, men filho. Calma. Que € isso? B 86 uma conversa que a gente vai ter... _ Operdrio quer viver de jeito decente.., — Ah, sei. 8 coisa justa. Mas vocé nfo queria deixar um operdrio trabalhar. Isso é coisa justa? 305 TIAGO POLICIAL 3 TIAGO POLICIAL 3 TIAGO POLICIAL 3 TIAGO POLICIAL 3 TIAGO POLICIAL 1 TIAGO POLICIAL 1 TIAGO POLICIAL 1 TIAGO POLICIAL 1 TIAGO ESPARTACO TIAGO POUICIAL 1 PORTAL, 2 ux — Hle ia furar uma greve. — E nfo pode furar greve, meu filho? — N&o pode. Nao pode furar greve. — Vocé sabe quanto uma greve dé de pre- juizo para o Brasil? — N&o sei. Para mim nado dé prejuizo. — Quer dizer que o Brasil nfo importa? — O Brasil se importa comigo? —- Acho que sim, meu filho, Brasil constréi estrada, arranja comida para a gente. Brasil é muito importante! Sabe, comunista? Brasil é muito importante! Nao 6? Nao é, comunista? Nao € comunista? (Afunda) — Que & isso? (Afunda) Isso é contra a lei. (Afunda) Para com isso. (Afunda) Vou re- clamar isso... (Afunda) — P4éra. Péra, César, Péra. (Puxa Tiago para ele.) No se faz assim, César. O rapaz € menino decente. Nao 6 assassino. Nao € ladrio. Seu amigo j4 deu o servigo todo. J4 deu o nome de todo mundo que anda fazendo desordem, Falta o nome da turma da fabrica Lopes Coelho, Quem sido? — Espértaco falou? — B bom menino. — E mentira. — Eu ia mentir para vocé? — £ meaniira. — Fala comigo. Nao deixo fazerem malva- deza com vocé... — Espértaco ndo falou nada. te — (Fora de cena, grita.) Nao. Para. Para. Pelo amor de Deus... — Espértaco. Espartaco. Falou nada. Espar- taco é homem, mogo. Espartaco é feito de classe operiria, mogo. E feito de sofrimento. Espfrtaco! Estou contigo, Espértaco! (Os policiais pegam Tiago.) ~— Fala, puto. — Fala, cachorro. Vou te arrancar os olhos, TIAGO POLICIAL 2 CORO SLIDE 106 CAPITALISTA CAPITALISTA CAPITALISTA CAPITALISTA CAPITALISTA VIDIGAL PRUDENTE VIDIGAL Vewne menino. Fala, sendo tw fica velho nqui dente. — Estou contigo, Espfrtaco, Uviou contiga, Espartaco! (Afundam Tiago com firia.) Viton contigo, Espar... (Afunda) Nilo acredita neler (Afunda) eles nJo podem nadu... (Afunda) t greve, companheiro... (Comega a cantar ¢ afundar) (A luz vai diminuindo, O Polictul 2 aparece na frente do palco. Claudionor ¢ mais operdrios em comissdo aparecem na frente dele. A luz vai diminuindo.) — Espértaco Santos e Tiago da Rosa. Nhu. Nao est4 aqui n&o, companheiros. Nido sci onde esto! Vai ver nem foram presos.., Vai yer andam na farra por af e vocés proacu- pados... Isso € farra, Farra. (A fuz diminui de todo. Escuro. O coro canta no escuro em aumento.) — E greve, companheiro... (Descem a tela.) (Acende a luz. Trés capitalistas e mais Vidigat em reunido com o presidente da Repiiblica, bébado. Quem se dirige aos capitalistas & Prudente. O presidente tem a cabeca afun dada numa das mesas laterais da cena. — Absurdo! Absurdo! — E 0 caos. — Este governo perde toda a autoidutel — Pais 4 matroca! — Navio sem rumo. Navio-fantasina — Nao podemos aceitar as decistes dia Tithw do Trabalho. Ela dé ganho de causa non operat Temos que readmitir os operdtion que toute despedidos. Como? Estamos & porta da falta J Como receber os operdrios de valtut Com? (Palmas) — Senhores. Senhores. — Nao é possfvel que seya a tndhistiin banvaletit wy PRUDENTE VIDIGAL PRUDENTE VIDIGAL CAPITALISTA 1 CAPITALISTA 2 CAPITALISTA 3 PRUDENTE, VOZES PRUDENTE 4K quem pague 0 desatino do governo! Para readmitir os operdrios, mossas fabricas pre- cisam ter para quem vender. O govemo fez um acordo com a Esso. A Petrobras foi paralisada. Nao pode nos comprar nada! Nio podemos receber 0s operdrios de volta, Nao ha para quem vender! (Palmas) — Por favor, senhores. Um pouco de sobrie- dade. A situagio € grave. — Abaixo o acordo Esso-Brasil. (Palmas) — Por favor, senhor Vidigal. Estamos diante de uma situagho de fato: ndo ha petréleo no Brasil, Havia rios de petréleo sé mas nossas cabegas. Voltemos & yealidade: nao h4 petré- leo em nossa terra. O acordo Bsso-Brasil € inevitavel. — Empulhagdo. — Derrotismo _— Estamos & beira da faléncia. — Greves e greves € greves... — Quando os senhores se acalmarem, 0 governo expord seus pontos de vista. (Siléncio) Viemos aqui reconhecer um ¢rro: 0 governo sabia das repercussées que teria oO acordo Esso-Brasil, Sabia que haveria desemprego. Nao previmos a reagdo popular. Foi nosso erro. As greves estalaram com forga imprevista. LA estéo os comunistas, senhores. H preciso pensar que antes de tudo estamos diante do fantasma do comunismo! ae — Diante da fome. Desemprogo. Misérial O ‘inico responsavel 6 0 governo! — O tinico responsivel é a vida. O governé ndio pode ser culpado por nao haver petrdleo no Brasil. Tentaremos reprimir as greves. Mas elas ganharam as ruas, Nao podemos mais continuar com as fe] . Fomos obriga- dos a fazer com que a Justiga do Trabalho desse ganho de causa aos operarios, O movimento operdrio com isso vai se dividir, Uma boa VOZES VIDIGAL VOZES PRUDENTE DION{S10. PRUDENTE DIONISIO PRUDENTE DIONISIO PRUDENTE parte dos opcrdrios pode voltar a0 trasalho. Isso os dividiré. Fomos obrigados a Jangar mio desse recurso, senhores, Em nome de nossa paz. _— Nao posso receber operdrios de volta, Nilo tenho para quem vender. Faléncia, Ser a faléncia. —— Absurdo. O governo passa uma scmuna dando borrachada nos operarios e agora thes da ganho de causa? _— Nao aceitamos. Nao aceitamos a decisio. — Siléncio, Siléncio. Sou obrigado a usar energia. Esta rounifio foi convocada porque temos propostas a apresentar. Até agora nado pudemos falar, Sua Exceléncia, o presidente da Repiiblica vai apresentar as propostas que solucionartio os impasses. (Siléncio. Dionfsio se ievanta. Est4 bébado.) —— Vocés gritam. Gritam ¢ gritam e daf? O Brasil é esta merda. N&o admito o Brasil assim, entendem? Sou o presidente. Sou o Brasil. — Exceléncia... — Siléncio. E vocé, Vidigal. H voc’ quem fez tmdo isso. Querem se libertar dos nig ricanos, ndo 6? Mas nés somos americanos, & impossivel ser brasileiro, cntendernm’? Brasileiro € um homem sujo... — Exceléncia... _—— Sei. Sei. As propostas... Ilex nfo queria a verdade. Querem propostis. Nés propos que... N6s propomos quc... (Volta para o seu lugar. Senta-sé olhando fixo para eles. Canta baixo.) God save America... (Resmunga.) — (Depois de prolongado siléneio) Sua Exceléncia est4 fatigado. Peyo que entendam, (Siléncio) Firmas brasileiras vila se associar a empresas estrangeiras para explorar petrd- leo boliviano. Pstas firmas comprargo de Vossas Exceléncias. As ffbricas nfo parardo. Ofere- cemos empréstimos. Bons empréstimos, Houve 309 VIDIGAL PRUDENTE PRESIDENTE CAPITALISTA CAPITALISTA CAPITALISTA VIDIGAL CAPITALISTA CAPITALISTA CAPITALISTA PRESIDENTE VOZES 310 1 2 3 1 2 3 cortes... na verba da Satide... Bons emprésti- mos... — Nao posso aceitar. Nao posso aceitar. Nao posso aceitar. & a morte da Petrobrds. Definitiva, Estas companhias vdo comprar nossa produ- 40, muito bem. Mas séo elas que vio nos vender petréleo, nio 6? Nao é a Esso? Nao € a Esso? Vado nos vender petréleo a preco de ouro. E cada vez mais caro. Cada vez mais caro, Teremos que parar da mesma maneira. Nao sobraré dinheiro nem para comida. (Pal- mas) — Ou isso ou a faléncia, senhores. Previno que as Forgas Armadas est&o de acordo conosco! Ou isso ou a faléncia! (Siléncio) — God save America... — (Prudente dd contratos.) Nao hd outro remédio, —— Pelo menos teremos paz... — O Brasil precisa de paz. (Comegam a assinar 08 contratos.) — Nao assinem! B a nossa morte. A Petro- brés nfo vai tirar mais uma gota de petréleo! Tudo ficar4 insuportavelmente caro, Teremos que vender nossas estradas, nossas fabricas... Nao assinem isso. Naéo podemos mais voltar atrés no tempo. S6 se assassinarmos nosso povo. E nosso atestado de Gbito. No assi- nem... — As Forgas Armadas concordam, senhor Vidigal. fe — A faléncia, senhor Vidigal. -— Lembre-se de sua familia. Seus netos. O « senhor tem netos? — (Cantando e resmungando durante a fala de Vidigal.) God save America... (Apaga a luz.) — (No escuro.) Vitéria. Ganhamos na jus- OPERARIO 1 OPERARIO 2 OPERARIO 3 MULHER 1 MULHER 2 MULHER 3 VOZES CLAUDIONOR VOZES DIOGENES tiga. Vamos voltar ao trabalho. Ninguém seré punido. Vitoria. Vit6ria. Viva Claudionor, Viva a classe operdrial (Acende a luz. Um grupo de operdrios carrega Claudionor em triunfo). — Vitéria! Vitéria! Vamos voltar ao traba- lho, — Viva a classe operdria! — Viva o Sindicato dos Metalirgicos! —- J& estava com medo, Nao havia mais feijaio em casa. — Eu também. Ontem nao jantei. Hoje nao almocei, —— Vai melhorar, agora. Agora a gente ganhou. —— Claudionor! Claudionor! Claudionor! (Claudionor & deixado em cima do cadeirao.) — Companheiros. Vencemos. Os companhei- ros sabem que sou contra greves. Sabem da minha posigao. Mas esta foi uma greve justa. Patréo de vez em quando esquece da gentcl Foi isso que descobri. A gente precisa falar entio! Sem fazer baderna. Mas precisa falar sim, E estamos af com uma vitéria, compa- nheiros. Deus abengoe a classe operdria, Deus abengoe o Brasil... Podem voltar ao tabna- Iho... (Entram Didgenes e 0 Operdrio C. O velhinho, Diégenes estd abatido, Caminha firme porém.) — (Waias em cima deles.) Fura-greve. Didgencs fura-greve. Comunista, nao ¢? Espdrlaco cstd preso por sua causa... (Empurram Didgenes que vai firme.) Vamosbotar saia nele. Fura- greve... Nem devia mais passar na frente da fAbrica. Sai. Sai. (Didgenes subiu no cadei- rao.) ~— (Fala, As yaias continuam.) Companhei- ros, Bonita vaia, Bonita vaia, companheiros. 311 OPERARIO C CLAUDIONOR OPERARIO C VOAUS. dD Assim é que 6! Nao pode traidor nao. Nao pode perdoar. Figuei velho em dois dias, companheiros. Minha cabega ardendo. Acho que errei tudo em minha vida, Errei tudo. Terminei provocador até. Queria fazer tanta coisa boa. Acho que tive muita raiva do mundo, demais para querer mudar ele! Vai ver queria distancia. Errei tudo. Me oigam agora, companheiros. Me oigam. # coisa importan- te... Nao pode voliar para © trabalho, companheiros. B manobra de patrdo. E manobra de americano para dividir a gente, Tem muito operério na rua ainda. Tem muita fabriqueta fechando. Essa fabrica trabalhava para a Petrobrés, Agora vai trabalhar para a Esso. A Esso gasta dinheiro em bomba. A Petrobras néo. Gasta em coisa pata a gente viver. greve politica, companheiros. Nao pode deixar vitéria na metade... me oicam... (O velhinho sobe no cadeirdo.) — Companheiros... Oigam 0 Didgenes, Ele tem razio, Claudionor. Oiga isso. (As vaias diminuem. Diégenes batido.) Companhciros. A gente viveu essa semana bonita, como? Foi com 0 dinheiro que 0 Sindicato dos Traba- thadores em Estanho na Bolivia mandou para nés. Nao foi? Agora a gente vai trabalhar para a companhia que vai tirar petroleo da Bolivia? ‘Vamos cuspir nos nossos companheiros? Vamos enterrar os bolivianos naquelas minas? (Alguwmas palmas) ve — No, companheiros. Noés ja conseguimos yitéria. O resto € agitagao. — Fala, Diégenes. Nao sei falar. Fala, Vamos yoltar para o trabalho com Espirtaco e Tiago na cadeia? A gente néo tem vergonha na cara? —— (Palmas. Divisio.) Vamos trabalhar! Nao. Santinho tem muito de razdo. Vamos deixar vit6ria na metade? Didgenes tem razio, gente! Diégenes 6 fura-greve. Quer desordem! VIDIGAL VOZES OPERARIO C VOZES CORO VOZES COMPANHEIRO 1 VOZES VOZES {A discusséo aumenta. Entra Vidigal. Pana de longe. O povo 0 yé, Vaia. Vaia firme Vidigal espera, A vaia pdra quando Chau nor levanta o brago). _— Esto retalhando 0 povo nos pabinetes, minha gente. Retalhando. Precisa voces ago, o povo brasileiro. Minha fébrica vai few fechada. Podem fazer 0 que quiser essex rent Podem cortar empréstimos, cortar cnengtit elétrica. Podem fazer. Fica fechada. Até acabar com esse acordo Brasil-Esso. Até esse Walter Link ir embora. Até se poder viver n tern. Estou com vocés, estou com yoots, (Pausit longa. Sai. Vai para dentro da fabrica.) — (Depois de siléncio. Ao longe comegam a se ouvir sirenes de policia.) Didgenes lem muita razio. Nao pode frabalhar para a Usvo. Muita gente na rua. Miséria vai aumentit... —— EF greve, companheiro. E greve, companheiro. — (A minoria) Vamos trabalhar. — (A maioria) Queremos Brasil brasileiro. B greve, companheiro. — Greve, companheiro. Vamos trabalhie Desordem no pode. (A sirene aumentou. ‘Lites se ouvem, Entra o companheiro i) — £ a policia! Prenderam Liicio da. Bait no barraco dele. Vem com tiro. ‘Tudo animiule Que é proibido fazer grove politica... Haw pode ajuntamento... Vem com tire... (Os fees se aproximam.) Men Deus do céu. Socorro! Vamos colentn Nao foge. Para a fabrica, Para civst — (No filtro) Vamos, cachorada, Nite pod fazer greve politica. ‘Trabalhael ‘Vrabattar! Comunista. Comunista. (A massa corns, trot ela se encosta num canto. Uns ae) pretegett nos outros, Claudionor cont ela Dhdyeney tte cima do cadeiriio.) AWA CLAUDIONOR, DIOGENES OPERARIO C MULHER DIOGENES DIOGENES Stl — Eles nao podem fazer nada. Ndés temos o direito de discutir... — (Comeca a cantar. Os tiros aumentam. As yozes no filtro também, como se um alto- falante se aproximasse.) Levanta, Brasil, Levanta, Brasil, Nunca mais servil. O dono desta terra & 0 povo Vamos comegar um Brasil de novo (Faia) Vamos, gente. Forga. Eles tém medo. Forga, Eles nfo podem matar um povo... (Didgenes volta a cantar.) — (Os tiros aumentam.) Vamos, companhei- ros. (Canta.) Vamos. — Vamos, gente. B pela nossa vida... (Vem chegando ¢ cantando junto com Didgenes). — Levanta, Brasil. Levanta, Brasil. Nunca mais a boca calada. Nunca mais vida emprestada. Queremos vida na nossa mio, Vamos fazer um Brasil irmio. (Todos cantam agora. Epicos.) Levanta, Brasil. +e Levanta, Brasil. Nunca mais servil. (Um tiro forte. Diégenes € atingido. Nao cai. Fica apoiado por Claudionor.) — Ah, cachorro! Ah, cachorro! Ah, cachorro! (Siléncio prolongado. Os tiros continuam.) CLAUDIONOR, CLAUDIONOR CORO SLIDES 107 a 112 TIAGO — Levanta, Brasil. Levanta, Brasil, Nunca mais servil. (O coro volta mais forte. Mais forte que nunca. Didgenes esté morto de pé, apoiado em Clau- dionor.) — Didgenes. Meu velho Didgenes. Fale comigo! Didgenes. (Os tiros diminuem. A sirene comega @ se afastar e€ core cresce.) -— A gente estava s6 discutindo. Mataram Didgenes! Mataram meu Didgenest Mataram meu Didgenes! E greve! E greve! E grevel {A luz pdra de estalo. O coro continua repetindo o que j& foi cantado. Desce a tela.) (Péra tudo de estalo. Siléncio. Escuriddo total. Acende a luz. Didgenes esiendido no chdo. Um coveiro do lado dele, todos os operérios e um padre. Claudionor, Vidigal. Siléncto. Espdrtaco e Tiago. O velhinko chora. As mu- theres.) -—— Companheiro Didgenes, adcus, Te suiide em nome dos operérios catdélicos, Aprende mos muito com vocé, companheiro. Apren- demos a falar forte. Aprendemos a confiar em nds. Descobrimos que temos obrigagho de mandar em tudo! Em tudo, companheiros. Voct nio acreditava cm Deus. Mas Deus cstd esperando vocé, companheiro, De bragos abertos, Tua luta foi para o homem ser Deus. Nés chegaremos 14, até Deus. Salve, compa- nheiro Didgenes. (Siléncio) 315 usPARTACO | CORO ESPARTACO CORO 416 — Camarada Didgenes. Comunista Didge- nes, Os comunistas brasileiros te saidam. Nin- guém vai esquecer de voce, camarada. Belo camarada, Vocé esté em nds. Tua luta € nossa. Eles nfo sabem, camarada Didgenes. Eles ndo sabem que nés ndo paramos nunca! Voc’ esté morto, camarada. Mas deixou quantos no seu lugar? Quantos melhores que vocé? Quantos mais perto da vida? Ninguém mata o homem, camarada. Podem matar Didgenes. Mas nao matam o homem que existe em vocé, O homem que est4 em nés. O acordo Esso-Brasil continua, ‘Walter Link foi embora ¢ deixou outros Walter Link. Eles séo poucos, Nés somos a huma- nidade! E ela chegar4, camarada. Com ou sem tiros. O homem chegard, carregando um outro nos bragos, wazendo a verdade consigo, com a vida nas mos como tochas a queimar as distancias que nos separam. EB finalmente, seremos um 86, porque seremos todos. E todos existirio. E o homem que esmaga existird, © homem seré Deus, do seu verdadeiro tamanho, com a cabega nos céus, com os séculos nos olhos. EB os deuses estario nas ruas! — Levanta, Brasil. (Comegou @ cantar com a boca fechada no meio do discurso.) Levanta, Brasil. — Adeus, camarada. Adeus, comunista Didgenes. ae — Nao & mais hora de fraternidade. (Todos se ddo os bracos. Espdrtaco fica com Did- genes.) Levanta, Brasil, levanta, Brasil. L& na frente est4 a humanidade. (Coro avangando para o piiblico. Espértaco e o coveiro ficam.) Trazendo um novo mundo nos bragos. Revolta pelo primeiro amanhil, Revolta pelo etemo amanhi. Levanta, Brasil. Levanta, Brasil. LA na frente est a humanidade! Fevereiro de 1962. 317

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