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Victor Hugo Do Grotesco e do Sublime ‘Tradugio do“Prefdcio de Cromwell” ‘Tradupéo e notas de Celia Berretini Wy, D 2 EDITORA PERSPECTIVA Awe CROMWELL PREFACIO © drama que se vai ler nada tem que o recomende atengdo ou a benevoléncia de piblico, Nao tem, para atrair 0 interesse das opiniGes politicas, a vantagem do Yeio da censura administrativa, nem mesmo, para con- ciliar-Ihe de inicio a simpatia literdria dos homens de gosto, a honra de ter sido oficialmente rejeitado por um infalivel comité-de-leitura *. Ele se oferece, pois, aos olhares, sozinho, pobre ¢ nu, como 0 enfermo do Evangelho ® solus, pauper, nudus *. Nao é, além disso, sem alguma hesitacdo que o autor deste drama tomou a decisio de carregé-lo de notas preficios. Habitualmente, estas coisas sao muito indife- rentes aos leitores. Eles se informam antes sobre 0 talento de um escritor que sobre suas manciras de ver; c, se uma ‘obra é boa ov mé, pouco Ihes importa sobre que idsias std assentada, com que espirito germinou. Nao se visitam 1. Arner il elds em pode SEIT. A ete nates Bis a vate eae Cm soma ee 2, Conte Tithe? ata ie ha Fare eusich’ eigen nto ages rosea x0 Binge “sons oo Aes dow Apincloe CHE, 3)'s'o ‘Apanline GIL, 17). it, nko suse es dit pines paler 13 14 ‘quase 0s pordes de um edificio cujas salas foram pereor- ridas, ¢ quando se come 0 fruto de uma érvore, preo- cupa'se pouco com a raiz. Por outro lado, notas © prefiicios so algumas vezes um meio cémodo de aumentar 0 peso de um livro © de engrandecer, pelo menos em aparéncia, a importincia do trabalho; € ‘Utica semelhante desses’ generals do exér- Cito, que, para tomar mais imponente sua frente de ba- talha, poem na linha até suas bagagens. Depois, enquanto 68 criticos se enfurecem contra © preficio © os eruditos ‘contra as notas, pode acontecer que a propria obra thes escape e passe’ intacia através de seus fogos cruzados, como um exército que se safa de um apuro entre dois combates de posto avancado e de retaguarda, Estes motivos, por mais considerdveis que sejam, nfo sio os que decidiram 0 autor. Este volume nao tinha necessidade de ser inflado, no € ja sendo por demais grande. Em seguida, c 0 autor nfo sabe a raziio, seus prefécios, francos ¢ simples, sempre serviram em face dos criti¢os antes para comprometé-lo do que para pro- Longe de Ihe serem bons e fitis escudos, Ihe regaram a ma partida destas roupas estranhas, que, 25- sinalando na batalha o soldado que as traja, atraem todos, 0s golpes nao so & prova de nenhum. Consideracdes de outra ordem influfram no autor. Parecen-lhe que se, com efeito, quase nio se visitam por prazer os pordes de um edificio, algumas vezes nio se abortece. de examinar-lhe os fundamentos. Entregar-se-4 is, ainda uma vez, com um prefdcio, a célera dos criticos. Che sara, sara, Nunca se preocupou muito 4, (8 cxreo Hann Cin ce rs, rae canal a: ane ter de com a sorte de suas obras, © se assusta pouco com a opiniéo pablica literdria, Nesta flagrante discussdio que faz com que se afrontem os teatros ¢ a escola, o priblico © 2s academias, nao se ouviré talvez sem algum interesse 4 vox de um solitério aprendiz de natureza ¢ de verdade, que cedo se retirou do mundo literério por amor das Tetras, e que traz boa #€ na falta de bom gosto, convicgao na falta de talento, estudos na falta de ciéacia, Limitar-se~d, alids, a consideragdes gerais sobre a arte, sem pr de modo algum.anteparos diante de sua ‘obra, sem pretender escrever uma acusagio nem uma defesa pid ou contra quem quer que seja. O ataque ou a defesa de seu fivro 6 para ele menos importante que ara qualquer outro. E depois, as Tutas pessoais nao Ihe convém. & sempre espetéculo miseravel ver amores-pré- prios esgrimindo. Ele protesta, pois, antecipadamente, contra qualquer interpretagio de suas idéias, qualquer aplicagéo de suas palavras, dizendo com o fabulista espan Quien haga aplicaciones Con su pan se io coma’, Na verdade, varios dos principais campedes das “sis doutrinas literérias" Ihe fizeram a honra de desafié-lo, até na sua profunda obscuridade, a ele, simples imper= ceptivel espectador desta curiosa batalha. Nio terd a fatuidade de responder ao desafio. Fis, nas paginas que Se seguirdo, as observacdes que thes poderia opor; eis 6. Tinuese de Tomi de Inane, ‘elit capanbel, em Fébmls Lite irae (782) fue ser apengei/Can te See Yea, 15 16 sua funda © sua pedra; mas outros, se quiserem, as os- tentarao diante dos Golias classicos *. Dito isto, nao insistamos *. Partamos de um fato: a mesma natureza de civili- ‘ago, ou, para empregar expressiio mais precisa, ainda que mais extensa, a mesma sociedade nao ocupou Sempre a terra. O género humano no seu conjunto, cresceu, de- senvolveu-se, amadureceu como qualquer ‘de més.” Foi crianga, foi’ homem; assistimos-Ihe agora a imponente vvelhice. Antes da época que a sociedade moderna chamou antiga, existe outra era, que os Antigos chamavam fabu- Josa, ¢ que seria mais exato chamar primitiva. Eis, pois, trés grandes ordens de coisas sucessivas na civilizagao, desde a origem até nossos dias. Ora, como a poesia se sobrepde sempre 2 sociedade, vamos tentar desvendar, segundo a forma desta, qual deve ter sido 0 cardter da outra, nestas trés grandes idades do mundo: nos tempos rimitivos, nos tempos antigos, nos tempos modernos. Nos tempos primitivos, quando 0 homem desperta mum mundo que acaba de nascer, a poesia desperta com cle, Em presenga das maravilhas que 0 ofuscam © 0 embriagam, sua primeira palavra nfo 6 sengo um hino. Ele toca ainda de tio perto a Deus que todas as suas meditagbes sfio Extases, todos os seus sonhos visies. Ex- pande-se, canta como respira. Sua lira tem somente trés cordas: Deus, a alma, a criacio; mas este triplo mistério envolve tudo, mas esta tripla ‘idéia compreende tudo. © Jesaate ©. siante Golias aparece nn Hila Iatando ci Dav ee nee oem ‘expor «ua “Teoria das tela Mlades si TNE ea" Sleton CH, 1, an, Mago expe oma sxacnsto A terra est ainda mais ow menos deserta. Hé familias, € no povos; pais, ¢ no reis. Cada raca existe 4 vonta. le; niio ha propriedade, nao hi lei, nfo hé melindres, nfo ha guerras. Tudo pertence a cada um ¢ a todos, A so- Giedade € uma comunidade, Nada incomoda o homens Ele passa esta vida pastoril © némade pela qual come. gam todas as civilizagdes, € que & tio propicia as con Hemplagiies solitrias, is caprichosas fantasias. NUO opoe nenhuma resisténcia, ‘abandona-se. Seu pensamento, como Sua vida, se assemelha a nuvem que troca de forma ¢ de eaminho, segundo o vento que o impele. Eis o primeira . cis © primeira pocta. E jovem, 6 litice, A prece € toda a sua religifo: a ode toda a sua poesia i, Este poema, esta ode dos tempos primitives, 6 a Génese, Pouco a pouco, no entanto, esta adolescéncia do Mundo se vai. Todas as esferas crescem; a familia se toma tribo, a tribo se faz. nagio. Cada um destes grupos dde homens se amontoa ao redor de um centro comum, © eis 0s reinos. O instinto social sucede a0 instinto no” made, © acampamento dé lugar & cidade, a tenda ao Pialiicio, a area a0 templo. Os chefes destes’ Estados nas. entes so ainda pastores, mas pastores de povos; seu jade pastoril tem jé a forma de eetro. Tudo se decém Se fixa. A religi’o toma uma forma; os ritos regulam @ prece: o dogma vem emoldurar 0 culto. Assim 0 sie eerdote © 0 rei dividem entre sia paternidade do povo, assim & comunidade patriareal sucede a soviedade too! critica. No emtanto as nagdes comecam a ficar demasiado ‘comprimidas no globo. Elas se incomodam e se ferem; 40. tntebacia ae Coteau 7 18 dat 0 choques de impérios, a guerra", Elas se_ultra- passam, umas sobre as outras; dai as migragdes de povos, as viagens 2. A poesia reflete estes grandes acon fecimentos; das idéias ela passa as coisas. Canta os sé- tculos, os povos, os impérios, Torna-se épica, gera Homero. Homero, com feito, domina a sociedade antiga. Nesta sociedade, tudo é simples, tudo € épico. A poesia Greligizo, a religido é lei. A virgindade da primeira idade sucedeu a castidade da segunda. Uma espécie de solene gravidade se gravon por toda a parte, nos costumes do- Imésticos, como nos costumes piblicos. Os povos somente conservaram da vida errante 0 respeito do estrangeiro ¢ do viajante. A familia tem uma pétria; af tudo a prende; hh o culto do lar, o culto dos sepuleros. Repetimos, a expresso de uma semelhante civiliza- gio nao pode ser senio a epopéia. A epopéia tomard Sarias formas, mas jamais perderd seu carter. Pindaro é mais sacerdotal que patriarcal, mais épico que lirico '*. Se 0s historiadores, contempordneos necessirios desta segunda idade do mundo, se poem a recolher as tradi- gees € comecam a considerar os séoulos, eles o fazem Em vio, a cronologia no pode expulsar a poesia; a his- toria permanece epopéia, Herddoto ¢ um Homero '*, Mas € sobretudo na tragédia antiga que a epopéia sobressai por toda a parte, Ela sobe 20 palco grego sem nada perder, de alguma forma, de suas proporedes gi- ‘A Ghats Nota de: Hage, 76. tite Soe: ae alte eludices, te dde de Pindar so x obra rina’ do ite reso wi ite ctr Heroes om lugar de Meridoto, o Winerador gem (asedio a gantescas ¢ desmedidas. Suas personagens stio ainda he- ‘is, semideuses, deuscs; suas molas, sonhos, ordculos, fatalidades; seus’ quadros, enumeracoes, funerais, comba- tes. O que cantayam os rapsodos, declamam-no os atores, eis tudo. HA mais. Quando toda a agio, todo o espeticulo do pocma épico passaram para o paleo, o que resta, 0 coro toma. O coro comenta a tragédia, encoraja os he- is, faz deserigoes, chama ¢ expulsa o dia, regozija-se, Jamenta-se, apresenta as vezes a decoracio, explica 0 sentido moral do assunio, lisonjeia povo que 0 escuta. Ora, que é 0 coro, esta’ estranha personagem colocada entre 0 espeticulo ¢ 0 espectador, se nfo o posta a com- pletar sua cpopéia? © teatro dos Antigos 6, como seu drama, grandioso, pontifical, pico. Pode conter trinta mil espectadores; desenrola-se ao ar livre, & ineleméncia do sol; as repre sentagGes duram todo o dia, Os atores aumentam a ¥oz, disfarcam os tragos, elevam a estatura; fazem-se gigantes, como seus papéis. O palco é imenso, Pode representar 40 mesmo tempo o interior eo exterior de um templo, de um palicio, de um acampamento, de uma cidede, De- senvolvem-se ‘enormes espeticulos. E, ¢ nfo citamos aqui senao de meméria, € Prometeu na sua montanha 5; € Antigona a procurar, do cimo de uma torre, 0 innio Polinice no exército inimigo (As Fenicias) "5; ¢ Evadne, Tangando-se do pincaro de um rochedo nas chamas em que arde 0 corpo de Capanen (As Suplicantes de Euripe- 3s. Prom, nde Tay cu uy sh ann ara db ap Promeies acoreniads tesetln atiusida '» Eoyies GBS0e a C Ti de Rene, tagetia Se areas e000 4 €)e Astra at far tis Sscrign cs Huge cosions come wn Seaveae etic 19 20 des) 7 € um navio que se vé surgit no porto, € que de- sembarca no palco cingiienta princesas com seu séquito (As Suplicamtes de Esquilo) ¥, Arquitetura © poesia, 1a, ‘tudo apresenta cariter monumental. A Antigtidade nada tem de mais solene, nada de mais majestoso. Seu culto ¢ sua historia se misturam a seu teatro. Seus primeiros atores sto sacerdotes; scus jogos eénicos sdo ceriménias religiosas, festas nacionais. Uma iiltima observagiio que acaba de assinalar 0 cariter épico destes tempos € que, pelos assuntos que trata, ago menos que pelas formas que adota, a tragédia niio faz sendo repetir a epopéia. Todos os tragicos antigos retalham Homero. As mesmas fébulas, as mesmas catés- trofes, os mesmos herdis. Todos vio buscar inspiracio no tio homérico. E sempre a Iliada ¢ a Odisséia. Como ‘Aquiles que arrasta o corpo de Heitor, a tragédia grega gira em torno de Tréia. No entanto a idade da epopéia chega ao fim. Assim como a sociedade que ela representa, esta poesi sirando sobre si mesma. Roma decalca a Gi copia Homero; , como para acabar dignamente, @ poesia pica expira neste ultimo parto. Era tempo. Nova era para a poesia. Uma religido espiritualista, que supera o paganismo material ¢ exterior, desliza no coracio da sociedade an- somecar para o mundo ¢ 17, Capac gm dor sete choles argives que_haram Teins com ‘ftiada'afTaripete nt kee an" argitoe meter ep 2 atean dor ever. Te"avtraséie de Kanata, cingbema princes, que jh deeufarea tam no comest da pth, opie spre do 7al'da" Arges, ple cx Fide Soe"Siacataeetandestr “seuss tiga, mata-a, e neste cadaver de uma civilizagéo decrépita deposita o germe da civilizagio moderna. Esta religido & Completa, porque € verdadeira; entre seu dogma e seu eulto, ela cimenta profundamente a moral. E de inicio, como primeiras verdades, ensina ao homem que ele tem duas vidas que deve viver, uma passageira, a outra imor- fal; uma da terra, a outra do céu. Mostraclhe que ele é duplo como seu destino, que hé nele um animal ¢ uma inteligéncia, uma alma © um corpo; cm uma palavra, que ele 60 ponto de intersec¢ao, 0 anel comum das dias scadeias de seres que abracam a criagio, da série dos seres materiais © da série dos. seres incorpéreos, a primeira, Partindo da pedra para chegar ao homem, a segunda, par. tindo do homem para acabar em Deus, Uma parte destas verdades tinha talvez sido suspei tada por certos sabios da Antigtiidade, mas é do Evan- gelho que data sua plena, luminosa e ampla revelacio. As escolas pagis andavam as cegas na noite, agarrando-se iis mentiras como as verdades no seu caminho de acaso. Alguns de seus filésofos lancavam as vezes sobre os bjetos fracas luzes que nfo os iluminavam senfo de um lado, ¢ tornavam maior a sombra do outro. Dat todos estes fantasmas criados pela filosofia antiga. Nao havia Sendo a sabedoria divina que pudesse substituir por uma vasta ¢ igual claridade todas estas vacilantes ilumina- goes da sabedoria humana, Pitégoras, Epicuro, Sécrates, Plato so archotes; Cristo é 0 dia. Ademais, néio hé nada de tio material como a teo- gonia antiga. Longe dela ter pensado, como o cristianis mo, em separar do corpo o espirito; ela dé forma e fisionomia a tudo, ainda as esséncias, ainda as inteligén- Tudo nela é visivel, palpével, carnal. Seus deuses 21 22 tém necessidade de uma nuvem para se furtarem aos olhares. Bebem, comem, dormem. Ferem-nos, ¢ seu sangue corre " aleijam-nos, e ci-los mancando eternamen- te, Esta religiio tem deuses ¢ metades de deuses. Seu aio se forja em uma bigorna, e ai fizeram entrar, entre ‘outros ingredientes, trés raios de chuva torcida, tres imbris forti radios. Seu Jopiter suspende o mundo a uma cadeia de ouro; seu sol sobe em carro de quatro cavalos; Seu inferno € um precipicio e a geografia marca-the a boca no globo; seu céu € uma montanha. Também o paganismo, que amassa todas as suas ceiagoes com a mesma argila, diminui a divindade ¢ en- grandece o homem, Os hersis de Homero sio quase do mesmo tamanho que seus deuses. Ajax desafia Jupiter ™ ‘Aquiles vale tanto quanto Marte. Acabamos de ver como, a0 contrario, o cristianismo separa profundamente 0 espi- rito da matéria. Poe um abismo entre a alma e 0 corpo, um abismo entre 0 homem e Deus- ‘Nesta época, e para no omitir nenhum trago do esbogo ao quail nos aventuramos, faremos notar que, com © cristianismo e por ele se introduzia no espirito dos povos, um sentimento novo, desconhecido dos Antigos e singu- Tacmente desenvolvido entre os Modernos, um sentimento que é mais que a gravidade e menos que a tristeza: a melancolia®. E, com efeito, 0 coragdo do homem, até entao entorpecido por cultos puramente hierdrquicos € sacerdotais, poderia nfo despertar ¢ nele sentir germinar alguma faculdade inesperada, ao alento de uma religiio 19. Aves fl feta ror Diesel, conforms # tld (Vy vs 841990). ists tees oan Ena (VIN, v. 939) By, Xe batene IV, sit Be Myton on taindo otioniome (28 Pare, ero 11, capi) ain") as pace" humana porque é divina, de uma religifo que faz da prece do pobre @ riqueza do rico, de uma religiao de igual- dade, de liberdade, de caridade? Poderia deixar de ver todas as coisas sob’ um aspecto novo, desde que o Evan- gelho the havia mostrado a alma através dos sentidos, a teternidade empés da vida? lids, neste preciso momento, passava o mundo por aassaz profunda revolucio, que era impossfvel niio operar- se também outra nos espiritos. Até entio as catistrofes dos impérios tinham raramente chegado até 0 coracio das populagdes; cram reis que cafam, majestades que desa- pareciam, nada mais. O raio rebentava somente nas altas regides, ¢, como jf 0 indicamos, os acontecimentos parc- Giam desenrolar-se com toda a solenidade da epopéia. Na sociedade antiga, o individuo era colocado tao baixo, que, para que fosse atingido, cumpria que a adversidade des- ‘eesse até a sua familia. Portanto nao conhecia quase 0 infortinio, fora das dores domésticas. Fra quase inaudi- to que as infelicidades gerais do Estado lhe perturbassem a vida. Mas, no instante em que veio estabelecer-se a Sociedade crista, o antigo continente estava agitado. Tudo festava abalado até a raiz, Os acontecimentos, encarre- gados de srruinar a antiga Europa e de reconstruir uma nova, se chocavam, se precipitavam sem trégua, ¢ impe- iam desordenadamente as nagées, estas para 0 dia, aquelas para a noite, Fazia-se tanto ruido na terra, que era im- possivel que alguma coisa deste tumulto nao chegasse até {© coragéo dos povos. Foi mais que um eco, foi um contragolpe. O homem, coneentrando-se em si mesmo em presenga destas profundas vicissitudes, comecou a sentir 46 da humanidade, a meditar sobre as amargas irrisées da vida. Deste sentimento, que tinha sido para Catio Pagao 0 desespero, o cristianismo fez a melancolia, 23 24. Ao mesmo tempo, nascia o espirito de exame ¢ de ‘curiosidades. Estas grandes catistrofes eram também gran- des espeticulos, surpreendentes peripécias. Era 0 Norte precipitando-se sobre 0 Sul, 0 universo romano mudando de forma, as iiltimas convulsdes de todo um mundo em agonia. Desde que este mundo morren, eis que multiddes de retores, de graméticos, de sofistas, vim abater-se, como ‘mosquitos, sobre scu imenso cadaver. Vemo-los pulular, ‘ouvimo-los zumbir neste foco de putrefacao. Apressam-se ‘@ examinar, comentar, discutir. Cada membro, cada més- culo, cada fibra do grande coxpo jacente é revirado em odes 0s sentidos. Certamente, deve ter sido uma alegria, para estes anatomistas do pensamento, poderem, desde sua primeira tentativa, fazer experiéncias em grandes di- ‘mens6es; terem, para dissecar, como primeito paciente, uma sociedade morta. Assim, vemos ao mesmo tempo despontarem, ¢ como que de mios dads, 0 génio da melancolia ¢ da meditagii, © deménio da andlise e da controvérsia, Longino esté nu ma das extremidades desta era de transicdo; Santo Agos- tinho na outra, B preciso abstermo-nos de langar um olhar desdenhoso a esta época em que estava em germe tudo o que depois frutificou, a este tempo cujos menores escritores, se nos permitem uma expresso trivial, mas franes, serviram de esterco para a ceifa que devia seg se. A’ Idade Média esta enxertada no baixo império, Eis, pois, uma nova religido, uma sociedade nova; sobre esta dupla base, € preciso que vejamos erescer uma nova poesia. Até entéo, ¢ que nos perdoem expor um resultado que o leitor por si mesmo ja deve ter tirado do que foi dito mais acima, até entao, agindo nisso como © politefsmo e a filosofia antiga, a musa puramente épica dos Antigos havia somente estudado a natureza sob uma inica face, repelindo sem piedade da arte quase tudo 0 ‘que, no mundo submetido A sua imitagio, nio se referia 4 um certo tipo de belo. Tipo de inicio magnifico, mas, ‘como sempre acontece com 0 que é sistemitico, se tornou ‘nos tiltimos tempos falso, mesquinho ¢ convencional, O Cctistianismo conduz a poesia a verdade. Como ele, a ‘musa modema veri as coisas com um olhar mais elevado ¢ mais amplo, Sentiré que tudo na criagio nfo € huma- namente belo, que feio existe ao lado do belo, 0 forme perio do gracioso, 0 grotesco no reverso do sublime, ‘© mal com o bem, a sombra com a luz. Petguntar-se-4 se a razao estreita ¢ relativa do artista deve ter ganho de ‘causa sobre a razio infinita, absoluta, do criador; se cabe 20 homem retificar Deus; se uma natureza mutilada sera mais bela; se a arte possui o direito de desdobrar, por assim dizer, o homem, a vida, a criagio; se cada coisa andar melhor, quando Ihe for tirado 0 mtisculo e a mola; se, enfim, 0 meio de ser harmonioso € ser incompleto. E entéo que, com 0 olhar fixo nos acontecimentos 90 mesmo tempo risiveis e formidaveis, e sob a influéncia deste espirito de melancolia eristi e' de critica filoséfica {que notivamos ha pouco, a poesia dard um grande passo, lum paso decisivo, um passo que, semelhante a0 abalo de um terremoto, mudaré toda a face do mundo intelec- tual. Ela se pord a fazer como a natureza, a misturar nas Stas criagdes, sem entretanto confundi-las, a sombra com fa luz, 0 grotesco como sublime, em outros termos, 0 corpo com a alma, 0 animal com 0 espirito, pois © ponto de partida da religiao € sempre 0 ponto de partida da poesia. Tudo é profundamente coeso " ‘Assim, eis um principio estranho para a Antigtiidade, Jum novo tipo introduzido na poesia, E, como uma con- 25 26 diggo a mais no ser modifica todo o ser, eis uma nova forma que se desenvolve na arte. Este tipo, & 0 grotesco. Esta forma, € a comédia. E aqui, permitam-nos insistit, pois acabamos de in- dicar o traco caracteristico, a diferenca fundamental que separa, em nossa opinigo, a arte moderna da arte antiga, ‘a forma atual da forma extinta, ou, para nos servirmos de palavras mais vagas, porém, ‘mais acreditadas, a lite- ratura romdntica da literatura cléssica. — Entim, vio aqui dizer as pessoas que, desde algum tempo, véem nossa vida, nds os pezamos! Ei-los presos, ‘em flagrante! Entio, fazem do feio um tipo de imitagio, do grotesco um elemento da arte!® Mas, as. graces mas, 0 bom gosto... Nao sabem que a arte deve retificar a natureza? que € preciso enobrecé-la? que & prec'so escolher? Os Antigos empregaram alguma vez o fcio ¢ 0 ‘grotesco? Misturaram alguma vez a comédia ¢ a tragédia? © exemplo dos Antigos, senhores! Alids, Aristiteles. .. Aliés, Boileau... ® Alids, La Harpe...” — Certamente! Estes argumentos so sélidos, sem divida, e sobre- tudo de uma rara novidade. Mas nosso papel nfo con- siste em responder-thes. Nao edificamos aqui sistema, ‘porque Deus nos livre dos sistemas. Verificamos um fato. Somos historiador ¢ nfo critico. Que este fato agrade ou no, pouco importa! Fle existe. — Voltemos pois, ¢ ten- temos fazer ver que é da fecunda unio do tipo grotesco Ino, © do fio ma ek Canin, oh. 26, Tag arti cena as “A doy Sig nah pela excoasao”, "Nowe teense yor Mi ee i, nam, frie fects do claniciome (16361711, € o autor de Ane Kate iso framed, (L701), & A Licew'ou' Gere Ue Berane igs fedora (99). com 0 tipo sublime que nasce o genio modemo, tio ‘complexo, tio variado nas suas formas, tio inesgotavel nas suas ‘eriagdes, © nisto bem oposto 9 uniforme sim- plicidade do genio antigo; mostremos que 6 dai que preciso partir para estabelecer a radical ¢ real diferenga entre as duas literaturas. Nilo que fosse verdade dizer que a comédia e 0 ‘grotesco eram absolutamente desconhecidlos entre os An- gos. A coisa alids seria impossfvel. Nada vem sem raiz; a segunda época est sempre em germe na primeira. Desile a Miada, Tersites ® ¢ Vulcano™ oferecem a comé dia, um aos homens, 0 outro aos deuses, Hé na tragédia {grega naturalidade demais ¢ originalidade demais para que ‘ni haja algumas vezes a comédia, Assim, para no ci- tarmos sempre senfio o que nossa meméria nos lembra, a cena de Menelau ® com a porteira do palicio (Helena, ato 1) %; a cena do Frigio (Orestes, ato IV) §%. Os tri- tes %, os sétiros , os ciclopes®, so grotescos; as se- reias *, as firias ,’as parcas ®, as harpias ®, siio grotes- 2a; Te, aye pro tr, fata © wap. "Helene, que aparece varias vexes na Miada (I v. 574600, ee), : Mencha ef een mado de Helena, ajo Talo teria sido a aa Cierra de Teo ‘osetia de Bury 440-48) Meio divindades ‘rwarioias fiihas de Poscidio ¢ de An: ime (sos edo denen risioos que tem abo, comae © perans de "5. Or clebpes slo eiaates au tém sm nico clo on mci da tte, 36.) 82 sl, ag derailment ie ral "com_ acne Bangali ye sie, ead) anes OOF Se fic a Unidas ecla dan ramets ime. “Aa“pureas ako tees densa infernaie que favam, dobravams © cor tayo No us vidag Bamana a Wiintes Sonera, uae tes confuntiae com a cas; Polifemo é um grotesco terrivel ®; Sileno é um gro tesco bufo #, Mas sente-se aqui que esta parte da arte esté ainda nna infincia. A epopéia que, nesta época, imprime sua forma em tudo, a epopéia pesa sobre ela e a sufoca, O sgrotesco antigo’ é timido, e procura sempre esconcler-se, Sente-se que nfo esti no seu terreno, porque no esti nna sua natureza, Dissimula-se o mais que pode. Os sé- tiros, os tritdes, as sereias, so apenas disformes. AS areas, as harpias so antes horrendas por seus atributos ‘que por seus tracos; as flirias so belas, © chamam-nas euménides, isto 6, doces, benfazejas®. "HA um véu de ‘grandeza ou de divindade sobre outros grotescos. Polifemo & gigante; Midas ¢ rei ¥; Sileno & deus. Portanto, a comédia passa quase despercebida no ‘grande conjunto épico da Antigiidade, Ao lado dos carros olimpicos, que é a carroga-biscula de Téspis? “ Perto dos colossos homéricos, Esquilo, Séfocles, Euripedes, que sio Arist6fanes e Plauto? Homero os leva com cle, como ‘Hercules levava os pigmeus , ocultos em sua pele de leao. No pensamento dos Modernos, a0 contriio, 0 gro- tesco tem um papel imenso. Ai esté por toda a parte; de Wi & 6 cam de Polifeno, cicope ae Ulises cosa na Odutin (I, mance) por agtfeane c pata lonjara’ ama ate an, fig Cric6 oP Gi). Con we qeeArela, Vera Eaten, slate muse Ge ottto nh 0+ Sankey resins um lado, ctia o disforme, ¢ 0 horrivel; do outro, 0 cémico ©. bufo. Poe ao redor da religiéo mil supersticbes ori- fginais, a0 redor da pocsia mil imaginagbes pitorescas. E ‘ele que semeia, a mancheias, no ar, na 4gua, na terra, ‘no fogo, estas miriades de seres intermediérios que en- ontramos bem vivos nas tradicdes populares da Idade Média; é cle que faz girar na sombra a ronda pavorosa do sabé, ele ainda que dé a Sata os comos, os pés de Ibode, as asas de morcego. E ele, sempre ele, que ora Janga no inferno cristao estas horrendas figuras que evo- cara 0 aspero génio de Dante e de Milton, ora 0 povoa ‘com estas formas ridiculas no meio das quais se divertiré Callot , 0 Michelangelo burlesco. Se passa do mundo ideal a0 mundo real, aqui desenvolve inesgotiveis parédias, da Inumanidade. Sao criagSes de sua fantasia estes Scar muceias, estes Crispins, estes Arlequins ", tre Thuetas do homem, tipos completamente desconhecidos da Pe Aocitldade, © provesientcs, earetani, da clon tilia. E ele enfim que, colorindo alternadamente © mes~ mo drama com a imaginagio do Sul ¢ com a imaginacio do Norte, faz. cabriolar Sganarello a0 redor de D, Juan‘, rastejar Mifistéfeles a0 redor de Fausto. E como é livre e franco no seu andar! como faz ou- sadamente jorrar todas estas formas bizarras que a idade [precedente tinha to timidamente envolvido em cuciros! 6_ Calls, eravador francés (18921635), & autor de cose saison « BES saramonin Goer natin ‘Tien Fiy, Csin Ar eit shold "en Bate do seals XVTE, feck Race dale dramas 2 socio pet 9 29 30 A poesia antiga, obrigada a dar companheiros ao mano Vulcano *, tinha feito esforcos para disfarcar sua defor- midade, estendendo-o de alguma forma sobre proporgoes colossais. O génio moderno conserva este mito dos fer- reiros sobrenaturais, mas bruscamente Ihe imprime um cardter bem oposto e que o torna bem mais surpreendent transforma os gigantes em andes; dos ciclopes faz. 08 gn¢ mos, & com a mesma originalidade que & hidra, um pouco vulgar de Lema %, ele substitii todos estes dragoes locals de nossas lendas: a gargouille de Rouen, a Gra-ouilli de Metz, a chairsailée de Troyes, a drée de Montthéry, a tarasca de Tarascon *t, monstros de formas tao variadas © cujos nomes barrocos sio um cariter a mais, Todas estas criacdes vio buscar na sua propria ma- tureza este tom enérgico © profundo diante do qual pa- rece que a Antigiiidade as vezes recuou. Certamente, 2s cuménides gregas so bem menos horriveis, e, como con- seqiiéncia, bem menos verdadeiras que as feiticeiras de Macbeth, Plutio néo € 0 diabo %. Deveria ser feito, em nossa opinio, um tivro bem novo sobre 0 emprego do grotesco nas artes. Poder-se-ia mostrar que poderosos efeitos os Modernos tiraram deste ooo « do tro don metals; & 0 Sond istea” a & BE, ‘G. "Get sio ciilon da Gree dag somtonhas, uardands 16 “ men Sk, peyote lore tanal de ‘Lema "(Argéilia), tendo sd mors or Heracles = haS* Spurge € wa sapaste igroméa” gun araesrs a reife de Rowen, caddie mata gor an sme Mupe ks sna do eretann ove p woe TnI A nll share, a dre. sarasea,cvialentea mals San wadigoee x memiria ‘de urn moostto lend, boarando » hort ae Oe Rite etre fos do Sine 58. Pinedo &deas ouinersinco que reina sll’ of movin. Preside tombs a titees de agente: tipo fecundo contra o qual uma eritica estreita se encar- niga ainda em nossos dias. Jé seremos talvez levados por nosso zssunto a assinalar de passagem alguns tragos deste ‘asto quadro. Somente diremos aqui que, como objetivo junto do sublime, como meio de contraste, © grotesco é, Segundo nossa opinido, a mais rica fonte que a natureza pode abrir & arte. Rubens assim 0 compreendia sem di- vida, quando se comprazia em misturar com desenrolar de pompas reais, com coroagdes, com brilhantes. cerimé- ‘nias, alguna hedionda figura de ano da cone. Esta beleza universal que a Antigiiidade derramava solenemen- fe sobre tudo nao deixava de ser mondtona; a mesma impressio, sempre repetida, pode fatigar com o tempo. O fublime sobre o subline dciimente produ um contrasts, © tem-se necessidade de deseansar de tudo, até do belo. Parece, a0 contrério, que o grotesco € um tempo de pa- rada, um termo de comparacio, um ponio de partida, de fonde nos elevamos para o belo'com uma percepedo mais, fresca © mais excitada. A salamandra® faz sobressair a ‘ondina **; 0 gnomo embeleza o silfo ®. E seria também exato dizermos que © contato do isforme deu a0 sublime moderno alguma coisa de. mai puro, de maior, de mais sublime enfim que o belo antigo; © deve ser isso. Quando a arte & conseqiiente com ela ‘mesma, leva de maneira bem mais segura cada coisa para seu fim. Se 0 Elisio homérico esti muito longe deste en- canto etéreo, desta angélica suavidade do paraiso de Mil- ton é que sob 0 éden ha um inferno muito mais horrivel 37. As salemandeassfo epton do fogo gee ives no contro a te sexegio oy isin Sar seline@ ¢ to dae deus, eermnéo as crema opus Fo. S aite To ner otemdlivc idee o cdoende «© = fi, seemio 4s Hemine odious! erica 31 32 que 0 Tértaro pagtio™, Cré-se que Francesca da Rimini © Beatriz seriam tio arrebatadoras num posta que néo nos encerrasse na torre da Fome ¢ nilo nos forcasse a partilhar a repelente refeicio de Ugolino? Dante néo teria tanta graca, se nao tivesse tanta forca. As ndiades ccarnudas %, os robustos tritdes, os zéfiros ® libertinos tém a fluidez diéfana de nossos ondinos © de nossas silfides? Nao € porque a imaginacio moderna sabe fazer rondar horrendamente nos nossos cemitérios os vampiros, os ogres, 0% aulnes, os psylles, 0s gaules, os brucolaques, aspio~ les, que ela pode dar as suas fadas forma incorporea, € esta purcza de csséncia das quais se aproximam tio pouco as ninias pags? A Venus antiga é bela, admirave, sem diivida; mas quem yerteu sobre as figuras de Jean Goujon ® esta elegincia esbelta, estranha, aérea? quem Thes deu este carater desconhecido de vida e de grandio- sidade, se nio a vizinhanga das esculturas rudes € pode- rosas da Idade Média? Se, no meio destas exposigdes necessérias, © que poderiam ser muito mais aprofundadas, 0 fio de nossas idéias nfo se rompen no espirito do lIeitor, este com- preendeu, sem diivida, com que poder o grotesco, este germe da comédia, recolhido pela musa moderna, teve de ride det sls rans ce Sa. io 6 wo ine pao, cane’ oN Tarts "6 ae si tee Tecoma nee geet eee ee " (eel Ee eeete pice a ev eee into fanets (15103560), & 0 autor de ‘erescer e ampliar-se desde que foi trunsportado para um terreno mais propicio que 0 paganismo e a epopéia. Com feito, na poesia nova, enquanto o sublime representard @ alma tel qual ela purificada pela moral crista, ele Fepresentaré o papel da besta humana. O primeito tipo, livre de toda mescla impura, teré como apandgio todos $ encantos, todas as gracas, todas as belezas; & preciso que possa criar um dia Julieta, Desdémona, Ofélia ®, © ‘segundo tomard todos os ridicuios, todas as enfermidades, todas as feidras. Nesta partilha da humsnidade e da eria 0, 6a cle que eaberio as paixdes, os vicios, os crimes; ele que sera luxurioso, rastejante, guloso, avaro, pérfido, fenredador, hipécrita; € ele que sera aliernadamente Tago, Tartufo, Basilio; Poldnio, Harpagio, Bartolo; Falstaff, Scapino, Figaro. O belo tem somente um tipo; 0 feio fem mil, & que 0 belo, para falar humanamente, nao & Sendo a forma considerada na sua mais simples relacio, ‘na sua mais absoluta simetria, na sua mais in‘ima har ‘monia com nossa organizagao. Portanto, oferece-nos sem- pre um conjunto completo, mas restrito como 6s. O que chamamos 0 feio, a0 contrério, € um pormenor de um grande conjunto que nos escapa, e que se harmoniza, niio om o homem, mas com toda a criacio. E por isso que ‘le nos apresenta, sem cesar, aspectos novos, mas incom- petos. Seguir 0 advento e a marcha do grotesco na era moderna € um estudo curioso. E de inicio uma invasio, és, Taranas de Soegece, mas pray Rowen Sain, Ordo © or oat ase, ria, Sct tan yersnngens de Moers or 0 aearnie’ Geciacgte Mahe, Dale «lowes ae fgjmmtecns ae Bestnsteei de O' Bore ee euihee D amma 33, 34 +0 ae ft ets es gear / a tad ae eare ee uma irrupgdo, um transbordamento; é uma torrente que rompeu seu dique. Atravessa, a0 nascer, a Titeratura Ia- tina que esta morrendo, colota Pérsio ", Petrénio ®, Ju- venal™, © ai deixa O Asno de ouro de Apuleio”. Di espalha-se na imaginacao dos novos povos que refszem a Europa, Aparece abundantemente nos contistas, nos istes, nos romancistas. Vemo-lo estender-se do sul a0 setentrido. Diverte-se nos sonhos das nagdes tudescas, © 40 mesmo tempo vivifiea com seu alento estes admirivei romanceros espanhois, verdadeira Miada da Cat E ele, por exemplo, que, no Romance da rosa, assim pinta ‘uma cerimOnia augusta, a eleigao de um rei Un grande vilain lors ils élurent, Le plus ossu qu'entreux ils eurent ™. Imprime sobretudo seu caréter a esta maravilhosa arquitetura que, na Tdade Média, ocupa o Tugar de todas as artes. Prende seu estigma na fachada das catedrais, emoldura seus infernos e seus purgat6rios sob a ogiva dos portais, f{4-los flamejar nos vitrais, desenrola seus mons- tos, seus ciies de fila, seus demdnios 20 redor dos ca- pitéis, ao longo dos frisos, nas bordas dos telhados. Estende-se sob imimeras formas na fachada de madeira agin RGt ets Taino ED), & oar de tn de gral ee 12, "Petrbalo, autor ltl do pooeee afelo depts de Ces, & male seesian pat et Sat ae Seren sec cerns, Intima DUG), § » woke dn, Sehrats FES Aowiin, Econ Gi GaLith, Sa "ater 2e"O" eno” de os. euleg a ecard, “Ou Mraeapces arc) radio, avast Spill ie Ah Hy a das casas, na fachada de pedra dos castelos, na fachada de mérmore dos palicios. Das artes, passa para os cos- fumes; © enquanto faz com que 0 povo aplauda os graciosos da comédia™ dé aos reis os bobos da corte, Mais tarde, no século da etiqueta, nos mostrara Scarron "5 4 beira mesmo do leito de Lufs XIV. Até tal momento, 6 ele que oma o brasio, e que desenha no escudo dos avaleiros estes simbélicos hierSglifos do feudalismo, Dos Costumes, penetra nas Ieis; mil costumes bizarros teste- ‘Munham sua passagem nas instituigoes da Idade Média. Da mesma forma que tinha feito saltar na sua carroca ‘Téspis borrado de lia, danca com a basoche ®, sobre esta famosa mesa de mérmore que scrvia ao mesmo tempo de paleo para as farsas populares © para os banquetes feais. Enfim, admitido nas artes, nos costumes, nas cis, entra até na igreja. Vemo-lo ordenar, em cada parte da catolicidade, algumas destas ceriménias singulares, destas estranhas procissoes em que a religigo anda acompanha- dda de todas as superstigdes, 0 sublime rodeado de todos 5 grotescos. Para pinté-lo’ com um trago, tal é, nesta furora das letras, sua veia, seu vigor, sua seiva de cria- G40, que ele projeta com o primeiro golpe, no limiar da sia moderna, trés Homeros cOmicos: Atiosto, na Tta- ; Cervantes, nia Espanta; Rabelais, na Franga 7", i iso eran chive aoe ance mas peas do Séela ie Ouro span, deee Lope de: Yeon. Min dn caestn ‘einios” eee ia € eriou cnaletooarhat eth Ato FEA haroche £4 cnprasia do sess do Lportinies ivote de Feige’. Hei en 03, We Hofay trails, rensten “rgeoenace 35 36 Seria superabundante fazermos sobressair ainda mais, esta influéncia do grotesco na terceira civilizagio. Tudo demonstra, na época dita roméntica, sua alianga intima ¢ criadora com o belo. Até as mais ingénuas lendas popu- ares explicam, algumas vezes, com um admirdvel instinto, este mistério da arte moderna. A Antigiiidade nio teria feito A Bela e a Fera™, E verdade dizer que, na época em que acabamos de deter-nos, a precomindncia do grotesco sobre o sublime, nas letras, esta vivamente marcada. Mas 6 uma febre de reagiio, um ardor de novidade que passa; € uma primeira vvaga que se retica pouco a pouco. O tipo do belo retomaré Jogo seu papel ¢ seu direito, que no € de excluir outro principio, mas de prevalecer sobre ele. J4 & tempo de que © grotesco se contente com ter um canto do quadro 10s afrescos reais de Murillo, nas paginas sagradas de Vero- nese; com estar nos dois admiraveis Juizos finais dos quais as artes se orgulhardo, nesta cena de arrebatamento € de horror com a qual Michelangelo enriquecerd 9 Va- ticano, nestas assustadoras quedas de homens que Rubens Precipitardé ao longo das absbadas da catedral de Antuér- pia, Chegou © momento em que 0 equilibrio entre os dois, principios vai estabelecer-se. Um homem, um pocta-rei, Poeta soverano, como Dante o diz de Homero ™, vai tudo fixar. Os dois’ gnios rivais unem sua dupla chama, © desta chama brota Shakespeare *, Fis-nes chegando a sumidade postica dos tempos modernos. Shakespeare, é 9 drama; e o drama, que funde sob um mesmo alento 0 grotesco ¢ o sublime, o terrivel 7%. Conte ds eerters Lapin de. Resaent, 5. Dane tayrere sua cxpegiio na Disles Comflie, no canto TV do inna geadi ds Hage ‘al expe ago san ‘orn acne drama, © © bufo, a tragédia © a comédia, 0 drama é 0 cardter proprio da terceira época de poesia, da literatura atval. Assim, para resumirmos rapidamente os fatos que ‘observamos até aqui, a poesia tem trés idades, das quais eada uma corresponde a uma época da sociedade: a ode, & epopéia, o drama, Os tempos primitivos sio liricos, os empos antigos so épicos, os tempos modernos si. dra- miaticos. A ode canta a eternidade, a epopéia soleniza a hist6ria, o drama pinta a vida. © carter da primeira Poesia é a ingenuidade, o cariter da segunda é a sim- Plicidade, o cardter da terceira, a verdade. Os rapsodos marcam ‘a transigao dos poetas'liricos 20s poetas épicos, como os romancistas dos poetas épicos aos potas dra ‘iiticos. Os historiadores nascem com a segunda época; 5 cronistas © 05 criticos com a terceira. As personagens a ode sio colossos: Adio, Caim, Noé; os da epopéia shi gigantes: Aquiles, Atreu, Orestes *%; os do drama so homens: Hamlet, Macbeth, Otelo, A ode vive do ideal, 44 epopéia do grandioso, 0 drama do real. Enfim, esta ipla poesia provém de trés grandes fontes: a Biblia, Ho- ‘mero, Shakespeare. Tais so pois, € nisto nos limitamos a tevantar um resultado, as diversas fisionomias do pensamento nas di- ferentes eras do homem da sociedade, Bis suas trés 1. Di sto guna ata: “Ma, drsedy » came ni deers Smo hi i ‘hr Des ibe Be dle ae noe ere SS ds le he, Mouse, te, dementia Sperone ettay ta MAME ere Soe op ecient, the ance’. SE has ich Canc a, 32. Ate re’ Mra, mat inet 2rips ou Mee"Saan J Atriins” Reseach, Orenss e let eka lg Sobee aut watt som denied, 7 38 faces, de juventude, de virilidade © de vethice. Que se examine uma literatura em particular, ou todas as lite- raturas em massa, chegar-se-4 sempre ao mesmo fato: (08 poetas liricos antes dos poetas épicos, os poetas épicos antes dos poctas draméticos. Na Franca, Malherbe *? an- tes de Chapelain, Chapelain antes de Corneille; na an- tiga Grécia, Orfeu antes de Homero, Homero antes de Esquilo; no livro primitivo, a Génese antes dos Reis, os Reis antes de 16; ou, para retomar esta grande escala de todas as poesias que percorriamos hé pouco, a Biblia antes da Iiada, a iliada antes de Shakespeare. A sociedade, com efeito, comega por cantar o que sonha, depois conta 0 que faz, ¢ enfim se poe a pintar 0 que pensa. B, digamo-lo de passagem, por esta dltima razio que o drama, unindo as mais opostas qualidades, pode bem ser ao. mesmo tempo cheio de profundidade © cheio de relevo, filoséfico e piioresco, Seria conseqiiente acrescentar aqui que tudo, na na- tureza e na vida, passa por estas trés fases, do litico, do épico € do dramatico, porque tudo nasce, age ¢ morre. Se nfo fosse ridiculo misturar as fantdsticas aproximagdes da imaginacio com as severas dedugdes do raciocfnio, um pocta poderia dizer que 0 nascer do sol, por exemplo, € um hino; seu meio-dia, uma brithante epopéia; seu de~ linio, um sombrio drama em que lutam 0 dia ¢ a noite, £3, Matberie & pect Hiri fonsée (ISSS1628), além de téceo de T:. Chapeai, ova transla (15981674), selon de Srnlinonan de Aendomio whet eC" ater Se em pee ties: densa Ember BERS P Stas ele As Ba pic e286 tik ay Grieu’o mate celeb ence oa AnteSidade, devcew, ges Tnferros you relia Huis que ean de mores eo soe iss, HS f vida c a morte. Mas seria poesia, loucura talvez; ¢ que € que isso prova®? Atenhamo-nos aos fatos reunidos mais acima: com- ppletemo-los alids por uma observacio importante. E que Info pretendemos de maneira alguma atribuir as trés épocas, uum dominio exclusive, mas somente fixar seu + dominanie. A Biblia, este divino monumento i fico, encerra, como 0 indicévamos hé pouco, uma epo- péia e um drama em germe, os Reis ¢ J6%*, Sente-se em {todos 0s poemas homéricos um resto de poesia lirica e um comego de poesia dramitica. A ode e o drama se ‘cruzam na cpopéia. Ha tudo cm tudo; 36 que existe em cada coisa um elemento gerador ao qual se subordinam todos os outros, © que impe ao conjunto seu cardter proprio. © drama 6 a poesia completa, A ode e a epopéi ‘niio © contém sendo em germe; ele as contém, uma ¢ ‘outra, em desenvolvimento; ele as resume e encerra am ‘bas. Certamente, aquele que disse: 05 franceses nao 1ém cabeca épica, disse uma coisa justa e fina; se tivesse mesmo dio os Modemos, a frase espirituosa teria sido ‘uma frase profunda, £, no entanto, incontestavel que hd sobretudo génio épico nesta prodigiosa Atdlia, tio elevada f tio simplesmente sublime que o século real ndo a pode compreender ™, E corto ainda que a série dos dramas-or’- 2, ta earge comm; “Rinse mil veies shale gebudten gut diea sgt fe Totes oun Eo hat pert icon oe Carn de Be cia the outs tiga wie priaigaa aa Boor (Cio IB ctentee ts yore Lave Vs Can te Se iain, ao oct on ct Henrnde de Votive, teria repimiies Os rane, 30a tango ieaenterents Tombrado no Preficio. SP acing (1689.1609), dear 40 nicas de Shakespeare apresenta um grande aspecto de epopéia. Mas € sobretuco a poesia lirica que convém a0 drama; nunca o perturba, dobra-se a todos os seus ca- prichos, folga sob todas 2s suas formas, ora sublime em Ariel, ora grotesca em Caliba". Nossa ‘époce, dramitica antes de tudo, € por isso mesmo eminentemente lirica, E que hd mais de uma relacio entre 0 comego ¢ o fim; o por-do-sol tem alguns tragos do seu nascer; © ancido se forma novamente crianea. Mas esta ltima infancia nao se assemelha primeira; & to triste quanto a outra cra alegre. Passa-se 0 mesmo com a poesia lirica, Deslum- brante, sonhadora na aurora dos povos, reaparece som- bria e reflexiva no seu declinio. A Biblia se abre risonha coin 0 Génese, © se fecha sobre o ameacador Apocalipse. A ode modema ¢ sempre inspirada, mas no 6 mais ignorante. Medita mais do que contcmpla; seu sonho melancolia. Vé-se, por seus partes, que esta musa se uniu com o drama. Para tornar sensivels, por uma imagem, as idéias que acabamos de aventurar, ‘comparariamos a poesia Iitica primitiva a um lago trangtilo que reflete as nuvens ¢ as estrelas do e&u; a epopéia é 0 rio que dele provém e que corre, refletindo suas margens, florestas, campos ¢ cidades, para langar-se no oceano do drama. Enfim, como 0 Iago, © drama reflete 0 eéu; como 0 rio, reflete suas margens; mas s6 tem abismos e tempestades. B, pois, no drama que tudo vem dar, na poesia mo- derma. O Paraiso Perdido € um drama antes de set uma epopéia. £, sabe-se, sob a primeira destas formas que cle 91. Adil Colt ote peronagens dn Tempe ©, prncite'¢ eptito doy gracsas clever" 9 eon ‘Sala e wallace Se apresentou de inicio @ imaginacio do poeta, e que ppermanece sempre impresso na meméria do leitor, tanto @ antiga armacio dramética esta ainda saliente ‘sob 0 ‘edificio épico de Milton! Quando Dante Alighieri ter- minou o temivel “Inferno” ®, fechou suas portas, © nio Ihe testa mais senéo dar um nome a sua obra, o instinto de seu génio faz com que veja que este poema multifor- me é uma emanagio do drama, nfo da epopéia; e no frontispicio do siganteseo monumento, escreve com sua pena de bronze: Divina Comédia %, 'Vé-se, pois, que 05 dois Gnicos poctas dos tempos ‘maoxlernos que séo do porte’ de Shakespeare se retincm fa sua unidade. Coneorrem com ele para imprimir a finta dramética em toda a nossa poesia; sio como ele, ‘mescla de grotesco © de sublime; ¢, longe de o puxarem ita i mete grande conjunto litertio que se apdia em wikespeare, Dante © Milton sio de alguma forma os dois arcobotantes do edificio do qual ele € 0 pilar cen- tral, os contrafortes da absbada da qual ele é 0 fecho. Permitam-nos retomar aqui algumas idéias j4 enun- iadas, mas nas quais € preciso insistir. Aqui chegamos, ‘agora & preciso que de Id partamos de novo. Do dia em que o cristianismo disse 20 homem: “Voeé é duplo, voce € compost de dois seres, um pe- 22, Tende_o, Jovem pata, alt lon (LSB674)_ stm no's Ean nade"t Astin in ms ae de tit ‘petit cacti od mndins deat Loge nde om plies © pate Imi, “nue “melior‘coneense to efilo age, empreya, tao frente, om Bhs sick Ue ten Seat Nowe hes CASS, of en a a2 recivel, © outro imortal; um carnal, 0 outro etéreo; um, prisionciro dos apetites, necessidades © paixées, 0 outro levado pelas asas clo entusiasmo e da fantasia: aqucle, eafim, sempre curvado para a terra, sua mée, estoutro Jangado sem cessar para o céu, sua pétria” %; desde este dia foi criado 0 drama, Serd, com efeito, outra coisa este contraste de todos o dias, esta luta de todos os ins- tantes entre dois prinefpios opostos que sempre csiao em presenca na vida, ¢ que reivindicam 0 homem desde 0 berco até a sepultura? ‘A poesia nascida do cristianismo, a poesia de nosso tempo é, pois, o drama; 0 cardter do drama € 0 real; 0 real resulta da combinacio bem natural de dois tipos, 0 sublime e 0 grotesco, que se cruzam no drama, como se cmuzam na vida e na criacéo. Porque a verdadeira poc~ sia, a poesia completa, esté na harmonia dos contratios. Depois, é tempo de dizé-lo em voz alta, ¢ & aqui sobre~ tudo que as excegdes confirmariam a regra, tudo © que est na natureza esté na arte. E, colocando-nos sob este ponto de vista para julgar nnossaspequenas regres convencionais, para desenredar todos estes labirintos escolisticos, para resolver todos estes problemas mesqutinhos que os criticos dos dois Gltimos séculos laboriosamente levantaram ao redor da arte, ‘mos surpreendidos pela prontidiio com a qual a questio do teatro modemo se torna limpida. O drama nio precisa senio dar um passo para rehentar todos estes fios de aranha com que as milicias de Lilliput acreditaram assu- jeité-lo no seu sono %, 9% Tnfaiecin Se Chatontriand (Génio te criciniomo, 24 © 34 sinigy ele 'Mine de Sudi"(De hlraer 2. “alasta "is Viagour 5 Gute, de Swit Assim, pedantes estouvados (um nao exclui 0 outro) pretendem que 0 disforme, o feio, o grotesco, nunca deve ser objeto de imitacio para a arte; responde-se-lhes. quo ‘© grotesco & a comédia, e que, aparenizmente, a comédia faz parte da arte, Tartufo ndo & belo, Pourceaugnac nfo @ nobre; Pourceaugnac ¢ Tartufo sio admiriveis jatos da arte", Se, repelidos deste entrincheiramento na sua segunda Jinha de fiscalizacdo, renovarem sua proibicio do grotes- 0 aliado ao sublime, da comédia fundida na tragédia, faca-se com que vejam que, na poesia dos povos cristaos, © primeiro destes dois tipos representa a fera humana, 0 segundo a alma. Estes dois ramos da arte, se se impede que seus galhos se misturem, se sio sistematicamente se- ‘Parados, produzirao como frutos, de uma parte, abstragdes de vieios, de ridiculos; de outra, abstragdes de crime, de hheroismo e de virtude. Os dois tipos, assim isolados e entregues a si mesmos, ir-se-fo cada um por seu lado, deixando entre eles o real, um a sua diteita, 0 outto & sua esquerda. Consegiientemente, depois destas abstra- Ges, restard alguma coisa a representar: o homem, De- pois cestas tragédias e comédias, alguma coisa a fazer: © drama. No drama, tal como se pode, se nfo executi-lo, pe- Jo menos concebé-lo, tudo se encadeia e se deduz assim como na tealidade. O corpo representa o seu papel como alma; e 0s homens € os acontecimentos, postos em jogo [por este duplo agente, passam alternadamente, cOmicos terriveis, algumas vezes terriveis cémicos, ao mesmo tempo. Assim dird o juiz: “Condenado & morte, ¢ vamos 43 44 Jantar”!® Assim, 0 senado romano deliberaré sobre 0 rodovalho de Domiciano%, Assim Socrates, bebendo a icuta ¢ falando da alma imortal © do deus ‘inico, se interromperd para recomendar que se sacrifique um galo a Esculépio™. Assim, Elizabeth "™ blasfemara c falaré latim, Assim Richelieu suportaré 0 capuchinho José ! e Luis XI, seu barbeiro, mestre Olivier, © Dinbo. Assim Cromwell ira: Tenko 0 parlamento no meu saco ¢ 0 rei no meu bolso 5; ou, com a mio que assina & sentenca de morte de Carlos 1", borrard com tinta o rosto de um regicida que The devolverd rindo #, Assim César no carro do triunfo tera medo de tombar ™. Porque os homens de génio, por grandes que sejam, tém sempre sua fera que parodia sua intcligéncia, E por isso que entram em con- facto com a humanidade; é por isso que sio dramiticos. “Do sublime ao ridiculo ha apenas um passo”, dizia Na poledo2"?, quando se convenceu de que era homem; ¢ 98 Nee, om Sit fp cm ate nn de uns perma ims eforenemes priser weal” Vans jatar icons, imperadar romans (8190, pela “Favor era. fetes ans” reflwacs ithe lesa 4 faicaee"cen atone elects {ara teomalar wm pase tin grant 100. Fata sarralo por Pltie (Pedon, 118, 101, Blasted Tnelatera 102, Joseph dl Tremblay, conmbeire sariulac de Ricken 03; | Vileain, na Hinds de Cronin ete que Lert grettr, Crom ppt tlds Tattlatioenta "try et aed saw ls Cy Parken no Sie Ne Mie Cache, of, Ch 5, Ciple ge de Poaeres L006), ala emdemns © wert Segundo Villain, nx un Hite de Crome Dado cujn fonte & imorada Suetinin dS uma mezem diferente 10. Pease do Bispo de Pack. an Hlutinin de embaivade wo or dncale de Poraiva, on 1812. Sots 12 MShel cat oh ee 98 este relampago de uma alma de fogo que se entreabre, lumina ao mesmo tempo a arte e a historia, este grito de angistia € 0 resumo do drama e da vida. Coisa surpreendente, todos estes contrastes se en- contram nos prépries poetas, tomados como homens. A forca de meditarem sobre existéncia, de fazerem ressaltar tia pungente ironia, de Iangarem abundantemente o sar- easmo © a zombaria sobre nossas enfermidades, estes hhomens que tanto nos fazem rir se tornam profundamente frites. Esics Demécritos sio também Herdclitos. Beau- ‘marchais era tristonho ‘*, Moliére era sombrio, Shakes peare melancslico. B, pois, o grotesco uma das supremas belezas do drama, Nao & s6 uma conveniéncia sua; é freqlentemente Juma necessidade, Algumas vezes chega em massas homo- ‘géneas, em caracteres completos: Dandin, Prusins, Tris- Sotin, Brid’oison, a ama de Julieta; algumas vezes, matcado pelo terror, como: Ricardo TIT, Bégears, Tartufo, Mefis- {feles; algumas vezes, mesmo, velado pela graca ¢ elegincia, como: Figaro, Ostick, Mercutio, D. Juan *®. Infiltra-se por toda a parte, pois da mesma forma que os mais vulgares t8m varias vezes acessos de sublime, os mais elevados pagam fregiientemente tributo ao trivial e 40 ridiculo, Portanto, fregiientemente inapreensfvel, fre- iientemente imperceptivel, sempre esta presente no palco, finda quando se cala, ainda quando se oculta, Gracas a 10. Henman, drametungo frame eros “Semi pronto te OS ain Tein ec Molisre); Prisstss"de Ascomeder de Conpelles Trssotin, de ste sobichoras Se Mikey idiom te'Oeroments de are fe Waal 8 ae fiers, de 2. ide ninade te" ‘Roaumarchasy Mott tisoe, de Fausio do Bebe Sacha" A? tacreo Se Women's Seta’ de Sintnpnae 45 le, nfio ha impresses monstonas. Ora Langa riso, ora Janca horror na tragédia, Fara com que se encontrem 0 boticério ¢ Romeu, as trés feiticeiras ¢ Macbeth, 08 co- veiros e Hamlet 1°, As vezes, enfim, pode sem discordin- cia, como na cena do rei Lear ¢ seu buffio, mesclar sua voz gritante com as mais sublimes, as mais ligubres, as mais sonhadoras misicas da alma i, Eis o que soube fazer entre todos, da maneira que Ihe 6 propria e que seria to initil quanto impossivel imi- tar, Shakespeare, este deus do teatro, em quem parecem reunidos, como numa trindade, os trés grandes. gé ., Molitre, Beau- Vé-se como a arbitriria distingo dos géneros se desmorona depressa diante da razio e do gosto. Nao se poderia menos facilmente arruinar a pretensa regra das duas unidades. Dizemos duas ¢ nao trés unidades !%, vis- to que a unidade de agao ou de conjunto, a vinica vor dadeira e fundada, esta hé muito tempo fora de causa. Distintos contempordneos, estrangeiros ¢ nacionais, ja atacaram, ¢ pela pritica e pela teoria, esta lei funda- mental do cédigo pseudo-aristotélico. Além disso, 0 com- bate nfo devia ser longo. A primeita sacudidela, estalou, fanto estava carunchada esta viga do velho casebre esco- listico! © que hé de estranho, é que os rotincitos pretendem apoiar sua regra das duas unidades na verossimilhanga, a0 ‘slots, ma das promcien’ aster he a sucks de att sels Malet co die concen so centri, Referese Soot Low 1, Xe 11, Th Ea eaee’ dest (ce wikes Ue! Bln (Aste pote, HK, ppasso que ¢ precisamente 0 real que a mata. Que hé de ‘mais inverossimil c de mais absurdo, com efeito, que este vestibulo, este peristlo, esta antecimara, lugar banal em que nossas tragédias tém a complacéncia de se desenro- larem, a que chegam, nfo se sabe como, os conspiradores para declamarem contra o tirano, © tirano para declamar contra 0s conspiradores, cada um por sua vez, como se tivesse dito, bucolicamente: Alternis cantemus; amant alterna Camenae *, ‘Onde se viu vestibulo ou peristilo desta espécie? Que hh de mais contrario, nao dirémos A verdade — os esco- Igsticos nao Ihe dio importincia —, mas 2 verossimilhan- ga? Dai resulta que tudo © que € caractetistico demais, fntimo demais, local demais, para passar-se na antecdmara ou na encruzilhada, isto € todo 0 drama se passa nos bastidores. Ngo vemos, de certa forma, no teatro senio 05 Cotovelos da agio; suas mios esto alhures. No lugar de enas, temos narragdes 44; em lugar de quadros, descricdes. Graves personagens colocados, como o coro antigo, entre © drama e nds, vém contar-nos 0 que se faz no templo, no palicio, na praca ptiblica, de maneira que, muitas vyezes, somos tentados a gritar: “Realmente! mas condu- zam-nos pois alé lél Lé deve ser bem divertido! Deve ser bonito ver!” Ao que, sem divida, responderiam eles: “E possivel que isto os divertisse ou les interessasse, mas flo so trata disso; somos os guardas da dignidade da Melpomene francesa” 3. Pronto! 118, "Cotes m rece alernans ot Musa pesto da, seen” ‘tae Vinita naw ‘Buoylces Ut 39), age die "exolannia ag aie ied am rie poetics AID, S10, st 0 ase wo er His, ae ae tendo eget coy mana do wage miolela pean, a7 48 Mas, dir-se-i, esta regra que_o senhor repudia é emprestada pelo teatro grego. — Em que 0 teatro ¢ 0 drama gregos se assemelham 20 nosso drama € a0 nosso teatro? Alids, jd fizemos ver que a prodigiosa extensio do paleo antigo Ihe permitia abarcar toda uma localidade, de maneira que 0 posta podia, segundo as necessidades da aco, transporté-la A sua vontade, de um a outro ponto do teatro, o que bem equivale, aproximadamente, fis mudangas de decoracao. Estranha contradicdo! © teatro ‘grego, por mais assujeitado que estivesse a uma finalidade nacional ¢ religiosa, 6 muito mais livre que 0 nosso, cujo tinico objeto, no entanto, 6 0 praver, e, se se quiser, 0 ensino do espectador. E que um obedece somente as leis que Ihe so proprias, enquanto o outro se aplica condicoes de ser perfeitamente estranhas & sua esséacia, Um é artista, © outro € attificial, Comega-se a compreender atualmente que a focali- dade exata’é um dos primeiros elementos da realidade. ‘As personagens falantes ou atuantes no sfio as tnicas que gravam no espirito do espectador a fiel marca dos fatos. © lugar em que tal catistrofe se passou se forma uma testemunha terrivel ¢ insepardvel; ¢ a auséncia desta espécie de personagem muda tomaria incompleta, no dra- ‘ma, as maiores cenas da histéria. O pocta ousaria assas- sinar Rizzio " em outro lugar que nao fosse no aposento, de Maria Stuart "7? Apunhalar Henrique IV em outro lugar que nfo nesta rua da Ferronnerie, toda obstruida com veiculos? Queimar Joana D’Are em'outra parte que M6, Rilo 6,0 septic de, Maris Stusct, coe fot assatsnads, yor simi pelos ard de Yah wee Zs Alu 8 adaragio de bran da pce Maria Star, de Set inion Velho Mercado Enviar o Duque de Guise a ultra parte que no ao castelo de Blois '*, em que sua ambigio faz fermentar uma assembléia popular? Deca- pitar Carlos Le Luis XVI em outro lugar que nao nestas [racas sinstas de onde, se pode ver White-Hall ¢ ax uileties, como se cadafalsos servissem de pendente a seus palicios? A unidade de tempo no & mais sétida que a uni- dade de lugar. A aco, emoldurada a forca nas vinte © quatro horas, € tao ridicula quanto emoldurada pelo vest{bulo, Toda aco tem sua propria duracdo como seu lugar particular. Atribuir a mesma dose de tempo a todos 5 acontecimentos: Aplicar a mesma medida a tudo! Rir-se-ia de um sapatciro que quisesse pOr 0 mesmo sa- pato em todos os pés. Cruzar a unidade de tempo com @ unidade de lugar como as barras de uma prisio, ¢ af fazer entrar pedantescamente, em nome de Aristdteles, todos csics fatos, todos estes povos, todas estas figuras que a providéncia desenrola em tio grandes massas na ealidade! E mutilar homens e coisas; & caretear a hisiG- tia, Digamos melhor: tudo isso morrera na operagao; © € assim que os mutiladores dogméticos chegam a seu habitual resultado: 0 que era vivo na crénica esté morta nna tragédia. Eis porque, muito freqilentemente, a prisio, as unidades encerra apenas um esqueleto, E depois, se vinte e quatro horas podem ser com- preendidas em duas, seré légico que quatro horas possam conter quarenta e vito. A unidade de Shakespeare no seri, pois, a unidade de Comeille. Picdade '81 Kent chs usu ao Gone” ek aa ee gs 49. 50 Sio estas, entretanto, as pobres chicanas que hé dois séculos a mediocridade, a inveja e a rotina fazem ao génio! Foi assim que se limitou 0 impulso de nossos maiores poets, Foi com a tesoura das unidades que Ihes cortaram as asas. E que nos deram em troca destas penas de éguia cortadas de Comncille e de Racine? Campistron ', Imaginamos que poderiam dizer: — Hé nas mudan- gas de decoragao fregiientes demais alguma coisa que en- Toda ¢ fatiga o espectador, e que produz sobre sua atengio © cfeito do deslumbramento; pode também acontecer que ‘transferéacias méltiplas de um a outro lugar, de um 2 outro tempo, exijam contra-exposigées que o esfriam; € preciso temer ainda © fato de deixar no meio de uma agio Iacunas que impedem que as partes do drama adi- ram estreitamente entre si e que além disso desconcertem ‘0 espectador porque nio se dé conta do que pode haver nestes varios... — Mas so precisamente estas as difi- culdades da arte, Sio destes obstéculos pr6prios de tais ou tais assuntos, © sobre 0s quis nfo se poderia decidir uma vez por todas. Cabe a0 génio resolvé-los, ndo as odticas evité-los, Bastaria, enfim, para demonstrarmos o absurdo da regta das duas unidades, uma altima razio, tomada nas, entranhas da arte. E a existéncia da terceira unidade, a tunidade de acto, a Unica admitida por todos porque re~ sulta de um fate: 0 olhar e 0 espirito humano néo_po- deriam captar mais de um conjunto ao mesmo tempo. Esta € tio necesséria quanto as duas outras sao imiteis. E ela que marea 0 ponto de vista do drama. Ora, ¢ justamente por isso que exclui as duas outras. Nao € possivel tam- 121, Campstron, ¢ deamatere> fenoie(1¢si1725), 3. cla win cide Hage fat alm Searenes uo Tretia daw aes Hadas CH) pouco haver trés unidades no drama como trés horizontes ‘num quadro, ae 50, guardemo-nos de confundir a lunidade com a simplicidade de aco. A unidade de con- Junto nto repudia Ge manera alguma as agbes secundé- ias nas quais deve apoiar-se a acao principal. F. preciso somente que estas partes, subordinadas ao todo de ma- neira habil, gravitem sem cessar para a agdo central ¢ se fagrupem ao redor dela nos diferentes andares, ou antes, nos diversos planos do drama !#, A unidade de conjunto € a lei de perspectiva do teat Mas, exclamargo os fiscais do pensamento, grandes génios, entretanto, as suportaram, estas regras que 0 se- thor rejeital — Sim, infelizmente! Mas que teriam feito ‘estes. homens admirdveis, se Ihes tivessem permitido? Pelo menos, nao accitaram seus ferros, sem combate, Fpre- iso ver como Pierre Comeille, atormentado no inicio da Baca de se mural dosCid we batoace Mairet , Clayeret ™, d'Aubignac 2 ¢ Scudéry “1 Co- mo denuncia 4 posteridads as violéncias destes homens ‘que, diz cle, se escudam em Aristételes 211 & preciso ver ‘como Ihe dizem, e citamos textos da época: “Rapaz, € prscto, aprender antes de ensinar, e excetuados um Sea- igero ™ ou um Heinsius ©, isto nao é suportavel!” Cor- TE: Gere ea Hc ate Di de re ae Mabe te ethno een Se Siiah, Tiare asa cath rt, &iniign Go Corie, depts 8 NEMS TRE Fa aene cies dramito tomes (064070), & oer & Erste bo Take Cit), ob eee woe’ emoaaels “Tai "Sewtéer, sows, dramition fraasés, (16011667), tae Corelle sos Ghirpee Cid Teoma rept onan apa to Orson ei eae ae Sexier Senciy sobre 70, Ca set ‘aie contr a plimeirae’ Gane da dutrion canon TP). Tai, buna holandes (Se06S, Serena poe sa lay edgier Se tet aliens St 52 neille se revolta a este respeito © pergunta se querem fazé-lo descer ‘muito abaixo de Claverei!” 9° Nisso Scu- déry se indigna contra tanto orgulho ¢ lembra a “este trés, vyezes grande autor do Cid. .. as modestas palavras pelas quais Tasso, 0 maior homem de seu século, comecou a apologia da mais bela de suas obras, contra a mais azeda ¢ a mais injusta censura, que jamais se fard talvez. © ss. Corneille, acrescenta ele, testemunha bem em suas espostas que esti tio Jonge da moderagio quanto do mérito deste excelente autor”. O rapaz tao justamente € tlio docemente censurado ousa resistir; entio Scudéry volta 4 carga; pede socorro & Academia Eminente: “Pro- nunciai, O MEUS JUIZES, uma sentenca digna de vés, e que faca saber a toda a Furopa que 0 Cid nao é ‘obra-prima do maior homem da Franca, mas sim a me- nos judiciosa peca do st. Corneille. Vés 0 deveis, € por vossa giéria em particular, © pela de nossa nacio em geral, que esté interessada ‘niss0: visto que os estrangei- Tos que poderiam ver esta bela obra-prima, cles que ti- veram Tassos ¢ Guarinis "%, ereriam que nossos maiores mestres sao apenas aprendizes”. Hi nestas poueas linhas instrutivas toda a eterna tética da rotina inyejosa contra © talento nascente, aquela que continua ainda hoje, e que dedicou, por exemplo, aos jovens ensaios de Lord Byron ‘uma. tio curiosa pagina %, Scudéry no-la dé em quinta- -esséncia. Assim, as precedentes obras de um homem de génio preferidas sempre &s novas, a fim de provar que 151: Gute evi, rela inctnetseumio g orcgrais ‘timeline pace a itgio win da Carla ao Sr. Scudéry @agre dee semiig “Senin tata taband USSOtDS C0 nor Se tas age ‘nt a cae Pater met chide ome edie ele desce em lugar de subir: Melita e A Galeria do Pax Wacto ™* postas acima do Cid. Depois, os nomes dos que morreram sempre alardeados diante dos que vivem: Cor- neille Iapidado com Tasso e Guarini (Guarinil), como ‘mais tarde lapidar-se-4 Racine com Corneille, Voltaire com Racine, © como se lapida hoje tudo © que se eleva com Corneille, Racine e Voltaire. A titica, como se vé, esté gasta, mas deve ser boa, posto que serve sempre. No entanto, 0 pobre diabo do grande homem respirava ainda, B aqui que devemos admirar como Scudéry, o fanfarrio desta tragicomédia, tendo perdido a paciéncia, 0 mal trata € destrata, como deixa conhecer sem piedade sua artilharia clissica, como “faz com que veja” 0 autor do Cid “quais devem ser os episddios, segundo Aristteles, ‘que 0 ensina nos capitulos décimo ¢ décimo sexto de sua Poética’”, como fulmina Corneille, em nome deste mesmo Aristételes, “no capitulo déimo primeiro de sua Arte Poética, n0 qual se vé a condenagao do Cid”; em nome de Platéo “livro décimo de sua Repiiblica”; em nome de Marcelino, “no livro vigésimo sétimo; pode-se ver"; em nome das “tragédias de Niobe ¢ de Jefte”; em nome do “Ajax de Sofocles”; em nome do “exemplo de Euripe- des"; em nome de “Heinsius, no capitulo seis, Constitui- do da Tragédia; e Scaligero o filho, nas suas poesias”; enfim, em nome dos “Canonistas € Jurisconsultos, no ulo das Napcias”. Os primeiros argumentos se dirigiam 4 Academia, 0 iiltimo a0 Cardeal. Depois das alfinetadas, © golpe decisive. Foi preciso um juiz para resolver a questo. Chapelain decidiu. Corneille se viu ento conde- nado, 0 lefo foi amordacado, ou, para dizer como na- quela época, “la Corneille foi déplumée” (a gralha foi 134, Comins de inllo de carera do Conn. A insirs & de eas a sega de asd 53 4 depenada) '9, Bis agora o lado doloroso deste drama grotesco: foi depois de ter sido assim quebrado desde seu primeiro jato, que este génio, bem moderno, bem nutrido pela Idade Média ¢ pela Fspanha, forgado a ‘mentir para si mesmo ¢ a Iangar-se na Antighidade, nos deu esta Roma castelhana, incontestayelmente sublime, mas onde, exccto talvez em Nicomedes, tao zombado pelo iltimo século por sua altiva e ingénua cor, néo se eneontra a verdadeira Roma nem 0 verdadeiro Corneille. Racine experimentou os mesmos desgostos, sem ofe~ recer aliés a mesma resisténcia. Nao tinha, no génio nem no carter, a altiva aspereza de Corneille. Submeteu-se em silencio, e’ abandonou aos desdens dle seu tempo a arre- batadora elegia de Ester, a magnifica epopéia de Audlia. Por isso, deve-se crer que, se nfo tivesse sido paralisado como-o’ foi polos preconceitos de seu século, se tivesse sido menos freqiientemente torpedeado pelos” clissicos, nil teria deixado de Langar Locusta " no sew drama entre Narciso e Nero, ¢ sobretuclo nao tetia relegado aos bas- tidores esta admirével cena do banguete em que o aluno do Séneca envenena Britinico na taga da reconciliagdo ‘Mas pode-se exigir do pissaro que voe sob um recipiente pneumético? Quantas belezas enirelanto nos custam as pessoas de gosto, desde Scudéry até La Harpe! Compor- ‘se-ia uma belissima obra com iudo © que seu étido sopro secou em germe. Além disso, nossos grandes poetas sou- beram ainda fazer jorrar seu génio através de todas estas ificuldades. Foi muitas vezes em vo que se quis empa- redé-los nos dogmas e regras. Como o gigante hebreu, 135. Alu ang vere de Malyt, que imaging # vexcio de, Gol de Nae cade gM Cie Ste te hasty’ he Cora Sem ert tasers ot rrpnane la ‘mite dy larere ‘doe ‘Chto Voor orden de Astinina) de Mntsuuae (per erdem de Nero) Tevaram consigo para a montanha as portas de sua pri- sto, Repete-se entretanto, © repetir-se-d algum tempo ainda, sem divide"; — Sigam as regras! Imitem os modelos! Foram as regras que formaram os modelos —[Um momento! Hé neste caso duas espécies de modelos, ‘os que se fizeram segundo as regras, ¢, antes deles, os que segundo os quais, se fizeram as regras. Ora, em qual estas duas categories 0 génio deve procurar um lugar? ‘Ainda que seja sempre duro estar em contaio com os pedantes, nio vale mil vezes mais dar-lhes ligées que Usles receber? E depois, imitar? O reflexo vale como a Juz? O satélite que se arrasta sem cessar no mesmo cir~ eulo vale como o astro central e gerador? Com toda « sua pocsia, Virgilio € apenas a Ina de Homero. -E vejamos: quem imitar? — Os Antigos? Acabamos de provar que seu teatro no tem coincidéncia alguma com 0 nosso. Alids, Voltaire, que nao accita Shakespeare, Indo accita tampouco os gregos. Ele vai dizer-nos por que: "Os gregos arriscaram espetéculos nao menos revoltantes para nés. Hipélito, partido por sua queda, vem contar Seus forimentos © lancar gritos dotorosos. Filotecto cai hos seus acessos de sofrimento; um sangue negro corre de sua chaga. Edipo, coberto de sangue que goteja ainda do resto de seus ollios que acaba de arrancat, queixa-se os deuses ¢ dos homens. Ouvem-se os gritos de Clitem- nesira estrangulada pelo proprio fitho, e Electra grita no palco: ‘Fira, nfo a poupe, ela ndo poupou nosso pai’ Prometeu esté preso num rochedo com cravos que the Se ees Ovens: dtt!"Sfornn ae port-poo cotta. dae ena”. ie A donate: de 55 56 centerram no estémago e nos bragos. As Firias respondem & sombra sangrenta de Clitemnestra, com uivos sem ne- mhuma articulagio... A arte estava em sua inffncin no tempo de Esquilo, como em Londres no tempo de Shakes peare”. — Os Modernos? Ah! Imitar imitagoes! Gracas! — Ma, objetar-se-4 ainda, a maneira pela qual conecbe a arte, 0 senhor parece esperar somente gran- des poetas, contar sempre com 0 génio? — A arte nio conta com’ a mediocridade. Nao Ihe prescreve nada; no ‘a conhece; a medioctidade nio existe para ela. A arte di asas e no muletas. Ai! D’Aubignac seguiu as regras, Cam- pistron imitou os modelos. Que lhe importa! Nao constroi seu palacio para as formigas. Deixa-as fazer seu formi- gueiro, sem saber se elas virdo apoiar na sua base esta parédia de seu edificio. Os criticos da escola escolistiea poem seus poctas numa singular posigao. De uma parte, gritam sem parar: “Imitem os modelos!" De outra, tém o costume de pro- clamar que “os modelos sio inimitéveis!” Bem, se seus ‘operirios, & forca de labor, conseguem fazer pussar neste desfiladeico alguma pilida’ contraprova, algum decalque descolorido dos mestres, estes ingratos, a0 examinarem 0 refacciniento™ novo, exclamam ora: “Isto nio se assemetha @ nada!” Ora: “Isto se assemelha a tudo!” E, por uma légica feita expressamente, cada uma destas duas férmulas 6 uma critica. Digamo-lo, pois, ousadamente “2, Chegou o tempo isso, e seria estranho que nesta época, a liberdade, como ie: Bo aie ie ae sionfeg “returagh, ako Ue) tne" name 1. age 0S aut pede Eolas on ane a luz, penetrasse por toda a parte, exceto no que ha de mais nativamente livre no mundo, nas coisas do pen- samento, Destruamos as teorias, as potticas ¢ os sistemas. Derrubemos este velho gesso que mascara a fachada da ate! Nao ha regras nem modelos; on antes, ndo hé ov- tras rogras senao as Icis gerais da natureza’que plainam sobre toda a arte, e as leis especiais que, para cada com- posiglo, resultam das condigoes de existéncia propries para cada assunto™®, Umas sdo eternas, interiores, © permanecem; as outras, variveis, exteriores, ¢ nio set- Ver seno uma vez. As primeiras sio 0 madeiramento que sustenta a casa; as segundas, os andaimes que servem para construf-la e que se refazem para cada edificio, Estas so enfim 2 ossatura; aquelas 0 vestudrio do drama. ‘Além disso, regras ndo se escrevem nas posticas. Richelet no imagina #4. O génio, que adivinha antes de apren- der, extrai, para cada obra, as primeiras da ordem geral das coisas, as segundas do. conjunto isolado do assunto que trata, Nao @ maneira do quimico que acende seu fo- fareito, sopra seu fogo, esquenta seu cadinho, analisa © destidi; mas & mancira da abelha, que voa com suas asas de ouro, pousa sobre cada flor, e tira o mel, sem que 0 cdlice nada perca de seu brilhe, a corola nada de seu perfume. © poeta, insistamos neste ponto, niio deve, pois, pe- dir conselho Sendo 4 natureza, 2 verdade, © a inspiragio, que 6 também uma verdade e uma natureza. Diz, Lope de Vega: 142, 0, ave dita Molde, a4 Ciltica de, Hicaa don madtover: Ag soon inde Sten ene visor ‘ayn Set fosoe ot dina sem 9 aooutro ds: Horacio e Avidyne Het, “Rite nate CL sE8) code Pestieart trance 87 58 Cuando he de escribir una comedia, Encierro los precepios con seis Haves ¥6, Para encerrar os preceitos, com feito, nfo sio de- mais seis chaves. Que 0 poeta se guarde sobretudo de copiar quem quer que seja, Shakespeare como Moliére, Schiller como Cormeille. Seo verdadeiro talento pudesse abdicar a este ponto de sua propria natureza, ¢ deixar assim de lado sua originalidade pessoal, para transfor- ‘mar-se em outro, tudo perderia ao representar este papel de Sosia#, Eo deus que se faz valete. E preciso inspirar-se nas fontes primitivas. B a mesma seiva, espa- hada pelo solo, que produz todas as arvores da foresta, to diversas quanto ao porte, aos frutos, e a folhagem: E a mesma natureza que fecunda e nutte os génios mais diferentes, O verdadeiro poeta é uma arvore que pode Ser agoitada por todos os ventos e irrigada por todos 9 orvalhos,, que traz suas obras como scus fritos, da ‘mesma forma que o fabuleiro trazia suas fabulas "7. Para que prender-se a um mestre? Enxertar-se com um modelo? ‘Vale mais ainda ser o espinheito ou cardo, alimentado com a mesmna terra que cedro e a palmeira, que ser 0 fungo ou o liquen destas grandes frvores. O espinheiro nee Rigi rcsmer Saree fa dias ee a oe eee eee ree atts She eee gees Serer Ere cee vive, o fungo vegeta. Alids, por maiores que sejam, este cedro ¢ esta palmeira, nao 6 com o sco que deles se tira {que se pode ficar grande. A parasita de um gigante sera no maximo um ando, O carvalho, por mais colossal que seja, ndo pode produzir e alimentar senio 0 viseo, ‘Que nés nio nos enganemos. Se alguns de nossos porussuderam ser grandes, embora imitadores, mode- fando-se na forma antiga, escutaram ainda freqtientemen- te a natureza ¢ seu proprio génio, foram eles mesmos por tum lado, Scus ramos se agarravam & arvore virinha, mas raiz mergulhava no solo da arte. Eram a hera, ¢ no o visco. Depois, vieram 0s imitadores subordinadamente, que nfo tendo raiz na terra nem génio na alma, tiveram de limitar-se & imitagio. Como diz Chartes Nodier, depois da escola de Atenas, a escola de Alexandria, Pantao a mediceridade caiu como um dilivio; pulularam entio estas posticas, tio embaragosas para o talento, tio como- das para ela. Disseram que tudo estava feito, proibiram a Deus criar outros Molitres, outros Corneilles, Coloca- ram a meméria no lugar da imaginago, A questio mesma foi regulada soberanamente: ha aforismos para isso. “ma- ginar®, diz La Harpe com sua ingénua seguranca, “nao € no fundo sendio lembrar-se”. ‘A natureza pois"! A natureza e a verdade. — B aqui, a fim de mostrar que, longe de demolir a arte, as fdéias novas querem somenie reconstrui-la mais sélida e melhor fundada, tentemos indicar qual é 0 limite intrans- Ponivel que, em nossa opinio, separa a realidade segundo 2 arte da realidade segundo’ a natureza. Hai irreflexio fm confundi-las, como 0 fazem alguns partidérios pouco 68, Mago comeen 4 te des Hclages entre # arte © = nature 59. avaneados do Romantismo. A yerdade da arte niio poderia jamais ser. assim como vérios disseram, a realidade absolua 8, A arte ndo pode apresentar a propria coisa Suponhamos, com efsito, um destes promotores irrefleti- dos da natureza absoluta, da natureza vista fora da arte, ‘na representagio de uma peca romantica, do Cid, por exemplo: — Que € isso? diré ele a primeira palavra. © Gid fala em versos! Nao € natural falar em yersos ™, = Como quer entao que ele fale? — Em prosa, — Seja’ — Apés um instante: — Como, retomard ele se for conseqente, o Cid fala em francés! — E entao? — A atureza quer que ele fale sua lingua, ele nio pode falar senio espanhol. — Nio compreenderemos mada: “mas sejat ainda. — Créem que isso & tudo? Nao é; antes da décima frase castelhana, deve levantar-se ¢ perguntar se este Cid que fala 6 0 verdadeiro Cid, em came ¢ asso? Com que direito este ator, que se chiama Pedro ou Tiago, toma o nome de Cid? Isto € falso. — Nao hi rario alguma para que nao exija em seguida que se substitua esta rampa pelo sol, estes mentirosos bastidores por ér- Votes reais, casas reais. Pois, uma vez nesta via, a légica nos agarra pelo colarinho, nfo podemos mais deter-nos, Deve-se, pois, reconhecer, sob pena de absurdo, que © dominio da arte © © da natureza sio perfeitamente ferentes. A nalureza e a arte sio duas coisas, sem 0 q uma ou a outra nfo existiria. A arte, além de sua parte ideal, tem uma parte terrestre ¢ positiva. Por mais que faga, esta emoldurada entre a gramética e a prosédia, entre Vaugelas ¢ Richelet. Tem, para suas mais capri. Chosas criagSes, formas, meios de execugao, todo um 142. Mane do Stl fala da “tuo mas ast” (e Alononia, TE, XV). 280 Chetan jh pens no abouts Cie Tal) cn terra, Kee Michel Casta, 0 ST material para por em movimento. Para o génio, sio ins trumentos; para a mediocridade, ferramentas. Outros, parece-nos, j 0 disseram: 0 drama é um es- Priko em que se reflete a natureza. Mas, o ete espetho ‘um espelho ordinario, uma superficie plana e unida, devolverd dos objetos apenas uma imagem apagada ¢ sem relevo fiel, mas descolorida; sabe-se que a cor ea luz perdem & simples reflexio. 'R, pois, preciso que o drama seja um espelho de concentracdo que, longe de fenfraquecé-los, refina e condense os raios corantes, que faca de um vislumbre uma luz, de uma luz uma chama, $6 entio o drama é arte. 0 teatro € um ponto de Stica. Tudo 0 que existe no mundo, na histéria, na vida, no homem, tudo deve ¢ pode af refletir-se, mas sob a varinha mégica da arte. A arte folheia os séculos, folheia a natureza, interroga as cerinicas, aplica-se em reproduzir a realidade dos fatos, sobretudo a dos costumes © dos caracteres, bem menos Tegada & divida c & coniradigio que os fates, restaura 0 que 0s analistas truncaram, harmoniza o que eles desem- parelharam, adivinha suas omissies e as repara, preenche suas lacunas por imaginagdes que tenham a cor do tempo, agrupa o que deixaram esparso, restabelece 0 jogo dos, fios da providéncia sob as marionctes humanas, reveste © todo com uma forma a0 mesmo tempo poética e na- tural, e the dé esta vida de verdade e de graca que gera 4 ilusdo, este prestigio de realidade que apaixona 0 s- ppectador, e primeiro 0 posta, pois o poeta & de boa 6. Assim, a finalidade da arte é quase divina: ressuscitar, se trata da historia; criar, se trata da poesia. B uma grande © bela coisa ver desdobrar-se com esta amplidao um drama em que a arte desenvolve pode- 6 62 rosamente a natureza; um drama em que a acio cami- nha para a conclusao com um andar firme ¢ facil, sem difusio © sem estrangulamento; um drama enfim em que © poeta preencha plenamente’ a finalidade miiltipla da arte, que € abrir ao espectador um duplo horizonte, ilu- minar ao mesmo tempo o interior © 0 exterior dos homens; o exterior, pelos discursos e agdes; 0 interior, pelos apartes © mondlogos; cruzar, em uma palavra, no ‘mesmo quadro, 0 drama da vida’ e 0 drama da cons- ciéncia, Concebe-se que, para uma obra deste género, se 0 oeta deve escolher nas coisas (e ele 0 deve), nio é 0 To, mas 0 caracteristico #4. Nao que convenha dar, como se diz hoje, cor local #, isto 6, acrescentar tarde demaii alguns toques berrantes aqui ¢ ali num conjunto aliés perfeitamente falso © convencional. A cor local nao deve ‘estar na superficie do drama, mas no fundo, no proprio coracéo da obra, de onde se espalha para fora dela pré- pria, naturalmente, igualmente, ¢, por assim dizer, em Todos os cantos do drama, como a seiva que sobe da raiz & iltima fotha da arvore, O drama deve estar radi calmente impregnado desta cor dos tempos, ela deve, de alguma forma, estar no ar, de maneira que nio se note Seno ao entrar © ao sair que se mudou de século e de almosfera. F. preciso certo estudo, certo trabalho para ai chegar; tanto melhor. Esté bem que as avenidas da arte estejam obsirufdas por espinheitos diante dos erullte, A Segment grvindn da. paar, toes nite i eo jenni, "ie rime te aoe nee cxitivamente riprag de tal ertnda ca tars aaa Oe {Si penta cline que to nocey agra seycehsies Toemorl Su 'de Michel Cambie, oh ty fe ween quais tudo recue, exceto as vontades fortes: Alids, 6 este -estudo, sustentado por uma-ardente inspiragio, que pre- servari o drama de um vicio que 0 mata: 0 comum. 0 comum 6 0 defeito dos poetas de curta visio ¢ de curio folego. E preciso que nesta perspectiva do paleo, toda figura seja reduzida a seu traco mais saliente, mais individual, mais preciso. O vulgar ¢ 0 trivial mesmo de- vem ter um acento. Nada deve ser abandonado. Como Deus, 0 verdadeiro poeta esti por toda parle presente, ‘a0 mesmo tempo, na sua obra. O génio se assemelha a méquina de cunhar que imprime a efigic real tanto nas moedas de cobre como nos escudos de our, Nao hesitamos, ¢ isto provaria ainda aos homens de boa f€ quio pouco procuramos deformar a arte, mio hhesitamos em Considerar 0 verso" como um dos. meios mais proprios para preservar o drama do flagelo que facabamos de assinalar, como um dos diques mais po- erosos contra a irrupgao do comum, que assim como a democracia, corre transbordante nos espiritos. E aqui, que a jovem literatura j4 riea em tantos homens e tantas bras, nos permita indicar-Ihe um erro em que parece que ela caiu, erro aliés demais justificado pelas inacredits- eis aberragdes da velha escola, O novo século esté nesta ‘dade de crescimento em que se pode facilmente endi- reitar. Formou-se, nos iiltimos tempos, como uma pentil- tima ramificacio do velho tronco cléssico, ou. melhor, como uma destas excrescéncias, um destes polipos que a decrepitude desenvolve € que sio bem mais um signo de decomposigio que uma prova de vida, Formou-se uma 1283, Mago val tatar do Vera damien, 63 64 singular escola de poesia dramética. Esta escola nos pa- rece ter tido como mestre © como tronco 0 poeta que marea a transigio do século XVIII a0 séeulo XIX, 0 hhomem da descrigao © da perfrase, este Delille 54 que, ddizem, cerca do seu fim, se vangloriava, 4 maneira das enumeragies de Homero, de ter feito doze eamelos, qua- tro cles, trés cavalos, af incluido o de J6, seis tigres, dois gatos, um jogo de xadrez, um jogo de dados, um tabuleiro de jogo, um bithar, varios invernos, muitos ve- 18s, muitas primaveras, cingllenta pores-de-fol, e tantas auroras que ele se perdia a conté-las. Ora, Delille passou para a historia da tragédia, Eo pai (ele, © ndo Racine, grande Deus!) de uma pretensa escola de elegincia e bom gosto que floresceu recente mente. A tragédia no 6 para esta escola o que foi para © vellio “Gilles” Shakespeare, por exemplo, uma fonte de emogdes de toda natureza; ‘mas uma e6moda moldura para a solugio de um grande nimero de pequenos. pro- bblemas descitivos que ela se propde durante o percurso. Esta musa, longe de repelir, como a yerdadeira escola clissica francesa, as trivialidades © as baixezas da vida, procura-se a0 contrério eas reGne avidamente. O gro- tesco, evitado como se fora ma companhia pela tragédia de Luis XIV, nfo pode passar tranqiilo em frente desta. Ele deve ser descrito! isto & enobrecido, Uma cena de corpo de guarda, uma revolta de populacho, o mercado de peixes, © presidio, a tabema, a poule au pot de Henrique IV, sio para ela uma grande fortuna, Apo- 154. Dale € pec tants CRAH2) to adeinds yor sen SUSE "Richa soars 0 uae ML, anicomtnto € 9 Se LEE "Sapoesso ue tes guvias “Gomaia qe asus gene clmpinds ce ie lee nctee Sten peas Ge, pot Ce eliba aa pamela) Ex dindsam Glace © Shokespor, Cap TTD dlera-se disso, lava essa canalha, e cose nessas vilanias suas lantejoulas © adomos: purpureus assuitur pannus, Sua finalidade parece ser a entrega de certificado de obreza a toda esta plebe do drama. E cada um destes, cettificados da grande chancela € uma tirada Esta musa, imagina-se, € de uma rara hipocrisia Acostumada como esti as caricias da perifrase, a palavra Spa, que a maltrataria algumas veces, a horrorza iio convém A sua dignidade falar naturalmente. Subli nha © velho Comeille por sua maneira de dizer crui ‘mente: + Un tas dhommes perdus de dettes et de cri- mes « Chiméne, gui ets cru? Rodrigue, qui Pedt dit 1882 Quand Jeur Flaminius marchandait Anibal 1, Ah! ne me brouillez pas avec la république! Bie., ete 1, Nao pode suportar seu: “Tout beau, monsicur” 1 E foram necessérios muitos seigneur! e muitos madame? para poder perdoar nosso admirdvel Racine por seus 255, Sionital também critica ten 197. Clan, V, Ty s, 1490: “Um maate de Someone yerdldon de dividae 188, 0 Cid 1, 1, 997 “Chinen, gum tes ei? Rein 159. Nicmodes, T, Ts v.20: “Peo al tou Faminina neg mall “Hise action 5 Save aa erm io. Nicomedes, TTT, ¥. 308; “AN nto iniiponla contra mies 3 reve Gh Mare, 11, VT, v. 1008; “6 mews inion! — Cale staat a 65 66 chiens tio monossilabicos, ¢ este Claude tio brutal- mente mis dans le lit cle Agripina Esta Melpdmene, como ela se chama, fremiria se tivesse de tocar numa crdnica. Deixa uo empregado do ‘guarda-roupa 0 cuidado de saber em que época se pas- sam os dramas que ela inspira. A hist6ria, aos seus olhos, 6 de mau tom e de mau gosto. Como, por exemplo, to- lerar reise rainhas que blasfemam? E preciso eleva-los da dignidade real a dignidade tragica. Foi numa promo- fqdo deste tipo que cla enobreceu Henrique IV, Foi assim que 0 rei do povo, “impo” pelo st. Legouvé, viu seu Venire-saint-gris. expulso Yergonhosamente de sua boca pot duas sentencas, e que foi reduzido, como a. jovem do fabliau, a nio mais deixar cair desta boca real seniio pérolas, rubis e safiras "'. O falso total, na verdade. Em suma, nada € tio comum quanto esta clegiincia fe esta nobreza de convencio. Nada achado, nada ima- ginado, nada inventado neste estilo. Viram-se por toda a parte: ret6rica, empolacio, lugares-comuns, fleurs de collége, poesia de versos latinos. Idéias mio originais vestidas com imagens de pacotilha. Os poctas desta es- Cola so elegantes como principes e princesas do teatro, sempre seguros de encontrarem nos compartimentos. ca- © coroas de ouro falso, que idade de haverem servic Alito, HE, V, «500: “ue eden devoradores 52 alepuavam eae son Sein Jocon fpan?. tS TO * Bee, Kew ts fmncin 761, cle ee ate een Dresden Vsatre saint pris era ama Matai feraiar le Henrique TV. nfo tenham também seu grosso livro: 0 Diciondrio das rimas, E esta sua fonte de poesia, fontes aquarum Compreende-se cue, em tudo isto, a nalureza ea vyerdade se transformam no que podem. Seria puro acaso se pudesse sobrenadar algum resto delas neste cataclis- mo de falsa arte, de falso estilo, de falsa poesia. Eis 0 ‘que causou o erro de varios de nossos distintos refor- madores. Chocados pela rigider, pelo aparato, pelo pom ‘poso desta pretense poesia dramética, acreditaram que (5 elementos de nossa linguagem poética eram incom- pativeis com o natural ¢ 0 verdadeiro. O alexandrino os faborrecera tantas vezes, que. condenaram, de alguma forma, sem quererem ouviclo, © concluiram, talvez um pouco precipitadamente, que o drama devia ser escrito ‘em. prosa Enganavam-se. Se o falso reina, com efeito, no es- filo como na marcha de certas tragédias francesas, mio fra aos versos que se devia deitar as culpas, mas aos Yersificadores. Era preciso condenar, nao @ forma em- pregada, mas os que haviam empregado esta forma; os peririos, © nao a fertamenta, Para convencer-se dos poucos obstéculos que a natureza de nossa poesia opée a livre expressio de tudo © que 6 verdadeiro, nao € talvez em Racine que, se deve estudar nosso verso, mas freqiientemente em Cor~ neille, sempre em Moliére. Racine, divino poeta, € ele- s/aco, lirico épico; Moliére é dramético. E tempo de punir ritieas amontoadas pelo mau gosto do ‘iltimo séeulo contra este estilo admirdvel, e dizer em alta voz que Mo- 6s xpre lia “ue fou dag, uae ees dees Me" dstnde nn inte" Stall” (Do. Ataie, 1, IR g Sten (loeine'e Shabespoure. 67 68 fe ocupa o ponto culminante de nosso drama, nfo apenas como poeta, mas ainda como escritor #. Palmas vere habet iste duas #8, Nele, o verso abraca a idéia, nela se incorpora estrei- tamente, cinge-a © a desenvolve 20 mesmo tempo, con- fere-lhe uma figura mais esbelta, mais estrita, mais com- pleta ¢ no-la dé, de alguma forma, na sua esséncia mais pura. O verso € a forma ética’ do pensamento. Fis ‘Porque convém sobretudo & perspectiva cénica, Composto de uma certa maneira, comunica seu relevo a coisas que, sem ele, passariam insignificantes ¢ vulgares. Toma mais sélido © mais fino o tecido do estilo. E 0 6 que prende © fio, E 0 cinto que sustenta a roupa ¢ Ihe da todas as suas pregas. Que poderiam entao perder a natureza ea verdade a0 entrarem no verso? Perguntamos aos nossos “prosaistas” mesmos, 0 que elas perdem na poesia de Moligre 16°2 O vinho, permitam-nos mais uma trivialidade, deixa de ser vinho pelo fato de estar na garrafa? Se tivéssemos 0 direito de dizer qual poderia ser, em nosso gosto, 0 estilo do drama, quererfamos um verso livre, franco, leal, que ousasse tudo dizer sem hipocrisia, tudo’ exprimir sem rebuscamento e passasse com um movimento natural da comédia & tuagédia, do sublime a0 grotesco: alternadamente pos tivo ¢ poético, a0 mesmo tempo artistico e inspirado, profundo e repentino, amplo € verdadeiro; que soubesse quebrar a propésito’ © des- locar a cesura para disfargar sua monotonia de alexan- drino; mais amigo do enjambement que o alonga que 1s Mobeie ote Fok renimercs, pdiendo on alee VIEL "Ble tem resimente_chns_ alas 10. Hugo earera povseer, sem sep, « a0 Pr tre (prnanes. da inversiio que o embaraca; fiel & rima, esta escrava rainha™, esta graga suprema de nossa poesia, este ge- rador de ‘nosso metro; inesgotavel na variedade de seus giros, inapreensivel nos seus segredos de elegincia e de ‘execuga0; a tomar como Proteu !, mil formas sem mudar de tipo ¢ de caréter, evitando a tirada; divertir-se no idlogo; ocultar-se sempre atrés da personagem; ocu- parse antes de mais nada com estar em seu lugar, © quando Ihe acontecesse ser belo, sé-lo apenas de alguma forma, por acaso, contra a vontade © sem sabé-lo; lirico, épico, dramético, segundo a necessidade; poder percorrer toda a gama pottica, ir de alto a baixo, das idéias mais elevadas as mais vulgares, clas mais bufas as mais graves, das exteriores as mais abstratas, sem jamais sair dos li- mites de uma cena falada; numa palavra, tal como faria © homem a quem uma fada tivesse dotado com a alma de Corneille ¢ a cabeca de Molitre. Parece-nos que este verso seria de fato 120 belo quanto a prosa™, ‘Nao haveria nenhuma relacdo entre uma poesia deste género © aquela da qual h& pouco faziamos a autdpsia cadavérica. O matiz que as separa seré de fécil indi- cago, se um homem de espirita, a quem o autor deste livro deve um agradecimento pessoal, nos permite to- mar-lhe emprestada esta maliciosa distingfo: a outra poesia era descritiva, esta seria pitoresca, Repetimo-lo sobretudo: 0 verso no teatro deve des- pojar-se de todo amor-préprio, de toda exigtncia, de toda 0 faceitice. Nao é senfo uma forma, e uma forma que deve tudo admitir, que nada deve impor ao drama, a0 contrério deve dele tudo reccber para tudo transmitir a0 espectador: francés, Iatim, textos de leis, blastémias reais, locugdes populares, comédia, tragédia, riso, lagrimas, pros ¢ poesia, Aide pocta se seu verso se faz de rogado! Mas esta forma é uma forma de bronze que emoldura 0 pensamento em seu metro, sob a qual o drama 6 indes- trutivel, que o grava mais adiante no espirito do ator, adverte-o do que ele omite © do que ele acrescenta, im- pede-o de alterar seu papel, de substituir-se ao autor, toma sagrada cada palavra, © faz com que o que disse © poeta se encontre, por muito tempo depois, indelével ainda na meméria do ouvinte, A idgia, dominante no verso, toma de repente algo de mais incisive e de mais brilhante. B 0 ferro que se toma ago. Sente-se que a prosa, nccessariamente bem mais ti- mida, obrigada a privar o drama de toda pocsia lirica ‘ou épica, reduzida ao dislogo © ao positive, esti longe de ter estes recursos. Tem asas bem menos amplas. fem seguida, de um muito mais facil acesso; a mediocri dade ai se encontra a vontade; e, por causa de algumas obras notiiveis, como as que estes tltimos tempos viram aparecer, a arte estaria depress atravancada de abortos © embrides. Uma outra fracao da reforma se inclinaria para o drama escrito ao mesmo tempo em pros © em verso, como fez Shakespeare. Esta maneira tem suas vantagens. Poderia, no entanto, haver disparidade nas transig6es de uma forma a outra, © quando wm tecido € homogéneo, € bem mais solide. Além disso, que o Grama esteja escrito em prosa, que esieja escrito em ‘verso, que esteja escrito em verso ¢ em prosa, isto nfio € senio uma questo secundétia. A categoria de uma fobra deve ser fixada nao segundo sua forma, mas segundo seu valor intrinseco. Nas questdes deste tipo, s6 hé uma solugao; s6 ha um peso que pode fazer inclinar a balanca da arte: € © genio. ‘Além disso, prosador ou versificador, o primeito, 0 indispensavel mérito de um escritor dramético, & a corre- Gio. Nao esta corregio totalmente de superficie, qualida- de ou defeito da escola descritiva, que faz de Lhomond de Restaut as duas asas de’ seu Pégaso “5 mas esta correcio intima, profunda, medlitada, que esti impregnada do génio de um idioma, que sondow suas raizes, escavou fas etimologias; sempre’ livre, porque estd segura da sua fagdo, ¢ vai sempre de acordo com a ligica da lingua. Nossa Senhora a gramatica dirige a outra em tutcla; esta conserva a corda a gramitica™*, Pode ousar, arriscar, friar, inventar seu estilo; ela tem o seu direito. Pois. se bem que certos homens tenham dito que nao haviam Pensado no que diziam, e entre os quais € preciso colocar (specialmente o que escreve estas Tinhas, a Kngua fran- esa ndo esta fixa ¢ nfo se fixari 1”, Nao se fixa uma Hingua. © espirito humano esté sempre em marcha, ou, se se quiser, em movimento, ¢ as linguas com cle. As coisas so assim. Quando ‘0 corpo muda, como nio mudaria a roupa? © francés do século XIX nio pode 2. emi, i 9 arity, fm 12770. enti Be "Sim ‘asan’ da mitolgia grea, simbollen aqui 5 7e.” Hvcontenieste conkecer o que Hago, dit, 20 Pieficlo de Odes ¢ unas: “bt Yom aco. ado deve jamal Pledae eN ety fren ca slr sort de pretext 2 far Si ie erin pate Gee mas Tre ae “Ria & Sa ponatem do Preficio de Odes « Baader, u 2 mais ser o francés do século XVIII, tanto quanto este nfo ¢ o francés do século XVI, tanto quanto o francés do século XVII ndo é © do século XVI. A lingua de Montaigne no é mais a de Rabelais, a lingua de Pascal nao & mais a de Montaigne, a lingua de Montesquieu nao & mais a de Pascal, Cada uma destas quatro linguas, tomada em si, 6 admiravel, porque € original, Toda época tem suas idéias préprias; & preciso que tenha também as palavras prdprias a estas idéias. As Iinguas so como o ‘mar, oscilam sem parada, Num certo momento, deixam uma costa do mundo do pensamento ¢ invadem uma outra. ‘Tudo © que suas ondas assim abandonam seca ¢ se apaga do solo. .B desta mancira que idéias se extinguem, que alavras se vio. Sucede com idiomas humanos como com tudo, Cada século traz ¢ leva alguma coisa. Que é que se pode fazer? Isto € fatal, Seria, pois, em vio querer pettificar a mével fisionomia de nosso idioma sob uma forma dada. E em vao que nossos Tosués ™ literdrios gritam & lingua para que se detenha; as linguas nem o sol no mais se detém. No dia em’ que se fixarem, € porque esto mortas. — E por isso que o francés de uma Certa escola contemporanea ¢ lingua morta. Tais so, aproximadamente, e menos os desenvolvi- mentos aprofundados que poderiam completar a sua evi- dEncia, as idéias atuais do autor deste livro sobre o dra~ ee ee ee seu ensaio dram! qe, bem 40. contririo, do s40 talvez, clas “mesmas, para falar naturalmente, sendo revelagdes. da execugao. Ser-lhe-ia muito cOmodo, sem diivida, e mais habil, assen- tar seu livro no prefacio € defendé-los, um pelo outro. Fle prefere menos habilidade © mais franqueza. Quer, pois, ser o primeiro a mostrar a fragilidade do n6 que liga este preficio a este drama, Seu primeiro projeto, bem determinado de inicio, por preguiga, ora apresentar obra sozinha a0 puiblico; ef demonio sin las cuernas *®, como dizia Yriarte. Foi depois de té-la devidamente fechado e concluido, que, por solicitagio de alguns amigos provavelmente muitos cegos, decidiu dar-se importancia & si mesmo num preficio, tracar, por assim dizer, 0 mapa da viagem poética que acabava de fazer, expli- ear-se as aquisicoes boas ou més que dela trazia, © os novos aspectos sob of quais o domfnio da arte se the hhavia oferecido 20 espirito. Tirar-se-4, sem dévida, van- tagem desta confissio para repetir a censura que um eritico da Alemanha The dirigiu ™®, de fazer “uma poética para a sua poesia”. Que importa? Ele teve, de inicio, fntes a intencio de desfazer do que de fazer poéticas. Em seguida, nfo’ valerian mais fazer poéticas segundo uma poesia, do que poesia segundo uma poética? Mas nio, finda uma vez, cle nfo tem o talento para eriar, em fa pfetensio de estabelecer sistemas, “Os sistemas", diz espirituosamente Voltaire, “sao como ratos que passam por vinte buracos, e encontram enfim dois ou trés que nao podem admiti-los” 4, Teria sido pois dar-se a um trabalho instil ¢ acima de suas forgas. O que advogou, 40 contrério, foi a liberdade da arte contra o despotismo dos sistemas, dos cédigos € das tegras, ‘Tem por habito 479.0 ab wm os corn. Hugo ern “nr” de “atta Me one Ee nasa at a faasete i wade (100) one de a i crt mee do, de age RR SEA 0 a teas vance neem 2B 4 Seguit a0 acaso 0 que toma pata sua inspiragdo, mudar de molde tantas vezs quanto de composi¢ao. Do dog- matismo, nas artes, 6 do que foge antes de tudo. Nao queira Deus que ele aspire a ser destes homens, romin- ticos ou clissicos, que compéem obras em seu sistema, que se condenam a nio terem jamais sendo uma forma no espirito, a sempre provarem alguma co'sa, a seguitem outras leis e nifo as de sua organizagio e de sua natureza. A obra artificial desses homens, por mais talento que tenham alids, nao existe para a arte. E uma teoria, nao ‘mia poesia, Ap6s ter, em tudo 0 que precede, tentedo indica qual foi, segundo ns, a origem do drama, qual & seu cardter, qual poderia ser scu estilo, eis © momento de descermos destes cumes gerais da arte ao caso particular que 1d nos fez. subir, Resta-nos falar ao leitor sobre nossa obra, sobre este Cromwell; ¢ como ngo € um assunto que nos agrade, diremos pouca coisa em poucas palavras. Olivier Cromwell & do niimero destas_personagens da histéria que so a0 mesmo tempo muito célebres © muito pouco conhecidas. A maior parte de seus bidgrafos, © no mimeto estio os que so h’storiadores, deixou in- completa esta grande figura. Parece que néo ousaram teunir todos os tragos deste bizarro © colossal prototipo da reforma religiosa, da tevolucao politica da Inglaterra Quase todos se limitaram a reproduzir em dimensies m extensas 0 simples ¢ sinistro perfil que Bossuet tragou, desde seu ponto de vista mondrquico € catblico, de seu Pillpito de bispo apoiado no trono de Luis XIV +. 2, “Hage vat rane agora de aca pa, Chom 188. Bossee, no Duchy finer de Mowvignets de France, Como todos, @ autor deste livro a isto se_atinha. ‘© nome de Olivier Cromwell ihe despertava somente.@ fdéia suméria de um fandtico regicida, grande capit Foi bisbilhotando na erdnica, © que fez com amor, foi fscavando 20 acaso nas memérias inglesas do séeu'o XVII, Gque cle se surpreendeu de ver desenrolar-se pouco a pouco Giante de seus ohos um Cromvell completamente novo. Nao era mais somente o Cromwell militar, o Cromwell po- fitico de Bossuet; era um ser eomplexo, heterogéneo, malti- plo, composto de todos os contrérios, mescla de muito mal Pde muito bem, cheio de génio c de mesquinhez; uma tspécie de Tibério-Dandin ™, tirano da Europa e joguete de svia familia; velho regicida, a humilhar os embaixadores de todos os feis, torlurado por sua jovem filha realist; fustero © sombrio em seus costumes ¢ mantendo quatro ‘obos da corte ao seu redor; autor de maus versos;, so brio, simples, frugal, e guindado na etiqueta, soldado trosscito © politico penetrante; experimentado nas argt: Bias tcolégieas, nelas se comprazia; oradot pesado, di- fuso, obscuro, mas habjl em falar a lingua de todos os que queria secuzir; hipéerita ¢ fandtico: visionsrio domi fade ‘por fantasmas de sua inffincia, cria nos astrélogos © proserevia-os; desconfiado em excesso, sempre amea- ador, raramente sanguindrio; rigdo observador das Dresericdes puritanas, @ perder gravemente vérias horas por dia em chocarrices; brusco e desdenhoso com seus Familiares, catinhoso com os sectérios que temia; enga- fhava sem’ remorsos com subtilezas, usava de astacia para fom sua consciéncia; inesgotavel em habilidade, em arma- ithas, em. recursos; dominaya sua imaginagio por sua 1 senson (142), eh ereehinde «vide ie (eam SRE Spec “inet 16 inteligéncia; grotesco © sublime; enfim, um destes homens quadrados ‘pela base * como ‘os chamava Napoleio, 0 tipo © © chefe de todos estes homens completos, em sua lingua exata como a algebra, colorida como a poesia. © que escreve isto, em presenga deste rato © sur- preendente conjunto, sentiu que 0 perfil apaixonaclo de Bossuet néo mais the bastava, Pos-se a rodar em torno esta alta figura, © foi entdo tomado por uma ardente tentagdo de pintar o gigante sob todas as suas faces, sob todos os seus aspects. A matéria era rica, Ao lado do homem de guerra e do homem de Estaclo, restaya esbocar 0 teélogo, o pedlante, o mau poeta, o visiondrio, © bufio, © pai, o marido, © homem-Proteu, em uma pa. lavra, 0 Cromwell duplo, lhommo et vir 1% Hi sobremdo uma época em sua vida em que este cardter singular se desenvolve sob todas as sus formas. Niio 6 como se creria ao primeiro olhar, a do processo de Carlos 1, por mais sombria e terrivelmente interessante que cla seja; 6 0 momento em que o ambicioso tentou colher o fruto desta morte. Eo instante em que Cromwell, tendo chegado ao que seria para qualquer outro o pin caro de uma fortuna possivel, senhor da Inglaterra cujas mil facgdes se calam sob seus pés, senor da Escécia que ele torna um paxalato, ¢ da Irlanda, que ele tora um presidio, senhor da Europa por suas frotas, por seus exéreitos, por sua diplomacia, tenta enfim realizar 0 pri- meito sonho de sua infincia, o sltime objetivo de sun Vida, 0 de fazer-se rei. A hist6ria nunca ocultou mais alta ligdo sob um drama mais alto, © Protetor se faz 18s Siem, Mem te Sent Hee esas o bomen, Gon at caret gee citing de i de inicio rogar; a augusta farsa comeca por solicitagées de comunidades, solicitacies de cidades, solicitagdes de condados; depois € um projeto de Tei do parlamento. Cromwell, autor andnimo da pega, quer parecer descon- tente; € visto a estender a mao para 0 ceiro e reliré-la; aproxima-se com passos obliquos deste trono do qual ele varreu a dinastia, Enfim, decide bruscamente; por ordem sua, Westminster é embandcirada, levanta-se 0 estrado, fencomenda-sc a coroa 20 ourives, marca-se o dia da erimOnia. Fstranho desenlace! & neste mesmo dia, Giante do povo, da milicia, das comunas, nesta grande sala de Westminster, sobre este estrado do qual contava escer rei, que, subitamente, como num sobressalto, pa- rece despertar ao aspecto da corva, pergunta se sonha, © que quer dizet esta ceriménia, e mum discurso que ‘dura trés horas recusa a dignidade real. — Seria por gue seus espides 0 tinham advertido de duas conspi- agées associadas dos cavaleiros e dos puritanos, que Geviam, aproveitando o seu erro, estourar no mesmo dia? Seria revolucao nele produzida pelo siléncio ou pelos murmérios deste povo, desconcertado ao ver seu regicida finalizar no trono? Seria somente sagacidade do génio, instinto de uma ambicao prudente, ainda que desenfreada, que sabe quanto um passo a mais muda freqiientemente ft posigo © a atitude de um homem, e que nfo ous expor scu edificio plebeu a0 vento da impopularidade? Seria tudo isso ao mesmo tempo? £ o que nenhum docu- mento contemporineo esclarece de maneira soberana. Tanto melhor; a liberdade do poeta € mais completa, © 0 drama ganha com estas latitudes que Ihe deixa a histéria, Vé-se aqui que ele & imenso e nico; é bem a hora decisiva, a grande peripécia da vida de Cromwell 7” 8 Eo: momento em que sua quimera Ihe escapa, em que © presente Ihe mata o futuro, em que, para empregar uma vulgaridade enérgica, seu destino falha. O Cromwell inteiro est em jogo nesta comédia que se representa entre a Inglaterra c cle, Eis, pois, o homem; eis a época que se tentou esbocar neste livro. © autor deixou-se arrastar no prazer infantil de fazer mover as teclas deste grande cravo. Certamente, mais habe's teriam podido dele tirar uma alta ¢ profunda harmonia, nfo destas harmonias que afagam somente os ouvidos, mas destas harmonias intimas que comovem todo o homem, como se cada corda do cravo se atasse a uma fibra do coragio. Cedeu, ele, ao desejo de pintar todos estes fanatismos, todas estas Supersticdes, doencas das religiées em certas épocas; & vontade de tocar estes homens, como diz Hamlet”; de dispor abaixo ¢ a0 redor de Cromwell, centro e eixo desta corte, deste povo, deste mundo, associando tudo em sua unidade © impri- mindo a tudo seu impulso: € esta dupla conspiracao tramada por duas facgoes que se detestam, se coligam para derrubar 0 homem que os aborrece, mes se unem sem se misturar; e este partido puritano, fandtico, dliverso, sombrio, desintcressado, tomando como chefe 0 fiomem ‘menor para um tio grande papel, o egofsta e pusiléinime Lambert 188; © este partido dos. eavaleiros, estouvado, alegre, pouco eserupuloso, descuidado, devotado, dirigido pelo homem que, afora 0 devotamento, o ropresenta me~ 10S, 0 probo e severo Ormond 8; e estes embaixadores, 1g, Prone aut a Tmt ¢ Ph erw.aen, fo ron eagh de Ha tio humildes em face do soldado improvisado; ¢ esta esiranha coriz com a mistura de homens aventurciros ¢ de grandes senhores rivalizando em baixeza; ¢ estes quatro hhufoes que 0 desdenhoso esquecimento da hist6ria per- tmitia imaginar; ¢ esta familia da qual cada membro 6 uma chaga de’Cromwell; este Thurlo’ 3%, 0 Acates 1! do Protetor; ¢ este rabino judeu, este Israel Ben-Ma- nassé 2, espiao, usuririo e astrélogo, vil por dois lados, sublime por um terceiro; e este Rochester *%, este estranho Rochester, ridiculo e espirituoso, clegante e crapuloso, lasfemando sem parada, sempre apaixonado ¢ sempre Gbrio, assim como se vangloriava ao bispo Burnet, ‘mau poeta ¢ bom fidalgo, viciado ¢ ingénuo, que jogava sua cabeca sem preocupar-se com ganhar a partida, desde {que cla o divertisse, capaz de tudo, em uma palavra, de asticia ¢ de leviandade, de loucura ¢ de cdlculo, de torpeza e de generosidade; e este selvagem Carr, cuja histéria nfo desenha sendo um trago, mas bem curacte- ristico e bem fecundo; ¢ estes faniticos de toda ordem € de todo tipo, Harrison, fanético ladrio; Barebone, comercianie fanitico; Syndercomb, matador; Augustin Garland, assassino lacrimejante e devoto; 0 bravo coronel Overton, letrado um pouco declamador; o austero e rigido Ludlow, que foi mais tarde deixar suas cinzas © seu epitifio em Lausanne; enfim, “Milton e alguns outros que tinham espirito”, como ‘diz um panfleto de 1675 120, Thue, seo Ge Estado cut yor elo os reson, cig mips tel de Kan (Zmcie) iat fined "peta Ge"Hete, Na read, tase de Mansacs tg reek TSE" Richens, rade veabor © pvt mandany (2-680), 19k. Renee prea c"trcrisor nce Goasdit. yk 8 ee eae Ho de ain a 19 80 (Cromwell politico), que nos lembra 0 Dantem quendat da ersnica italiana ™, Nao indicamos muitas personagens mais secundérias, das quais cada uma tem, no entanto, sua vida real & sua individualidade marcada, e que todas contribuiam para a sedugio que esta vasta cena da hist6ria exercia Sobre a imaginaggo do autor. Desta cena ele fez este rama. Langou-o em versos, porque isto assim Ihe agradou: ‘Além do mais, ver-se~i pela leitura como ele pensava pouco em sua obra, a0 escrever este prefaicio, com que Gesinteresse, por exemplo, combatia o dogma das un dades. Seu’ drama nao sti de Londres, comeca no dia 25 de junho de 1657, as trés horas da manha e acaba no dia 26, 0 meio-dia, Vé-se que entraria quase na pres- crigio clissica, tal como os professores de poesia a redi- gem agora, Que eles nao The mostrem aliés nenhuma gratidZo, Nio é com a permissao de Arist6teles, mas com da hist6ria, que o autor assim organizou seu drama; © porque, com igual interesse, prefere um assunto concen- trado & um assunto disperso. B evidente que este drama, nas suas atuals pro- porgées, mio poderia enquadrar-se nas nossas represen- tagées d&nicas #97. longo demais. Reconhecer-se-4 tal- ver, no entanto, que ele foi em todas as suas partes compost para 0 paleo, Foi ao aproximar-se de seu unto para estudé-lo que 0 autor reconheceu ou acte- ditou reconhecer a impossibilidade de fazer admitir sua reprodugéo ficl em nosso teatro, no estado de exeecio em que esta colocado, entre o Caribde académico © 0 196. “Un caso Dante". Mas acini wi, fe ideatienda TB) Hage Ta cata aema ab Brclens da represent Scila administrativo, entre os juris literdrios © @ censura politica, Era preciso optar: ou a tragédia insinuante, dissimulada, falsa, e representada, ou o drama insolente- mente verdedeiro, e banido A primeira coisa nao vialia a pena ser feita; preferiu tentar a segunda. £ por isso que, desesperando por ndo ser jamais encenado, ele se entregou livre ¢ décil As fantasias da composicio, ao pprazer de desenrolé-la em mais amplas dobras, aos desen- volvimentos que seu assunio comportave, ¢ que, se aca- barem por distanciar seu drama do teatro, tem pelo menos & vantagem de torné-lo quase completo sob o aspecto hist6rico. Além disso, os comités de leitura sic apenas um obsticulo de segunda ordem. Se acontecesse que a censura dramética, compreendendo quanto esté inocente, exata e conseienciosa imagem de Cromwell © ‘de seu tempo esté tomada fora de nossa época, Ihe ppermitisse o acesso do teatro, 0 autor, mas somente neste ‘caso, poderia extrair deste drama uma peca que entio se arriscaria no palco, e seria vainda ™. Até 1, continuaré a manter-se afastado do teatro, E deixard sempre bastante cedo, pelas agitagdes deste mundo novo, ‘sen caro ¢ casto retiro. Queita Deus que cle jamais se arrependa de ter exposto a virgem obscuri- dade de seu nome ¢ de sua pessoa aos escolhos, as bor- rascas, as tempestades da platéia, ¢ sobretudo (pois que importa uma queda?) aos miserdveis aborrecimentos dos bastidores; de ter entrado nesta atmosfera varidvel, bru- ‘mosa, tempestuosa, em que dogmatiza a ignorincia, em ‘que vain a inveja, em que rastejam as cabalas, em que a 198. avi de_Lorme_« otean ony Hooray Bo Bec Mite tna’ rpneeninta te ‘Crom, 90 Lowe, ts stopagio te! Rene Bianco © Ridued Helse, 81 82 probidade do talento foi to freqiientemente desconhecida, em que a nebre candura do génio & algumas vezes tio inoportuna, em que a mediocridade triunfa em rebaixar fa seu nivel as superioridades que @ ofuscam, em que se encontram tantos homenzinhos para um grande, tantas hulidades para um Talma *, tantos mirmidones para um Aguiles %!! Este esbogo parecerd talvez tristonho e pou- co lisonjeiro; mas ndo acaba de marcar a diferenga que separa nosso teatro, lugar de intrigas e tumultos, da solene serenidade do teatro antigo? Qualquer que seja o fato que advenha, eré dever advertir antecipadamente 0 pequeno nimero de pessoas {que poderiam ser tentadas por um semelhante espstaculo, de que uma peca extraida de Cromwell nao ocuparia ‘menos do tempo de uma representacfo. E dificil que um teatro romdntico se estabeleca de outra mancira- Certa- mente, se se quiser um teatro diferente destas tragédias nas quais uma ou duas personagens, tipos abstratos de uma idéia puramente metafisica, pesseiam solenemente num {undo sem profundidade, apenas ocupado por algu- mas cabecas de confidentes, palidos “contra-decalques dos herGis, encarregados de preencher os vazios de uma ‘agio simples, uniforme ¢ monocérdica; se se entendiar com isto, nao € demais um. sarau inteiro para expor um pouco amplamente todo um homem de escol, toda uma Spoca de crise 2; um com seu cardter, seu génio que se junta a seu cardter, suas crencas que cominam a ambos, suas paixdes que véem desordenar suas crengas, seu sre Taima tani, aor wien feet CI763990, tei enon Soh "Nas endansotisay: Aguile ¢ 0 tel dos embione. 2b, Pigeons es SE hea ia cea ceariter e seu génio, seus gostos que marcam suas paixdes, seus habitos que disciplinam seus gostos, amordagam suas paixdes, © este numeroso cortejo de homens de todos os tipos que estes diversos agentes fazem rodopiarem a0 redor dele; a outra, com seus costumes, suas. leis, suas modas, seu espirito, suas luzes, suas supersticdes, seus acontecimentos, e seu povo que todas estas cau 8 primeiras amassam lternadamente como uma cera mole. Concebe-se que um semelhante quadro serd gigan- tesco. Em lugar de uma individualidade, como aquela com ‘a qual o drama abstrato_da velha escola se contenta, {er-se-i vinte, quarenta, cingiienta, — que sci cu? — de todos os relevos ¢ de todas as proporedes. Havers uma multidio no drama, Nao seria mesquinho me~ dit-the duas horas de duragio para dar o resto da repre- Senlago & Spera-cémica ou & farsa? Encolher Shakes- peare por causa de Bobéche *°. — E que no se pense, Se a agio est bem governada, que da multidao de figuras {que ela poe em jogo pode provir cansaco para o especta- dor ou ofuscamento no drama. Shakespeare, abundante fem pormenores, é ao mesmo tempo, € por causa disso mesmo, imponente por um grande conjunto. Eo carvalho que langa uma imensa sombra com milhares de folhas exiguas © recortadas. Esperemos que nfo tarde a Franca a habituar-se a saraus reservados a uma Gnica pega. HA na Inglaterra e na Alemanha dramas que duram seis horas. Os gregos, dos quais tanto nos falam, os gregos, ¢ & mancira de Scudéry invocamos aqui 0 cléssico Dacier™, Capitulo 200, ake, lee elbage franc, 2M, Dacirs Sllogn Srances (681-1722), & © tadenor dh Pati de Aridi ait’ de otian cra 83 84 VII de sua Poética, os gregos as vezes faziam representar aié doze ou dezesseis pegas por dia®8, Entre um povo amigo de espeticulos, a atengio € mais viva do que se ere. O casamento de Figaro, este n6 da grande trilogia de Beaumarchais, ocupa todo o sarau, e a quem alguma ver. ele aborrecen ou cansou? Beaumarchais era digno de arriscar 0 primeiro paso para este objetivo da arte modema, na qual é impossivel fazer, com duas. horas, germinar este profundo, este invenefvel interesse que nas- ce de uma acio vasta, verdadeira ¢ multiforme. Mas, dizem, este espeticulo, composto de uma tinica peca, se- ia monétono e pareceria longo. Erro! Perderia, 20 contrério, sua extensio e sua monotonia atuais. Com feito, que se faz agora? Dividem-se os prazeres do espectador em duas partes bem nitidas. Dé-se-lhe de inicio duas horas de prazer sério, depois uma hora de prazer galhofeiro; com a hora dos intervalos que nao contamos no prazer, em tudo quatro horas. O que faria © drama romintico? Trituraria ¢ misturaria artistica- mente juntas estas duas espécies de prazer. A cada ins- tante faria o auditério pasar da setiedade a0 iso, das excitagies cémicas is emogbes dilacerantes, do grave ao doce, do divertido ao severo?™. Porque, como ja estabe- lecemos, 0 drama, € 0 grotesco com o sublime, a alma sob 0 corpo, é uma tragédia sob uma comédia. Nao se percebe que, descansando assim de uma impressio por meio de outra, afiando alternadamente 0 tragico no cb~ mico, 0 alegre no terrivel, assimilando mesmo, se ne- cessirio, as fascinagdes da Spera, eslas representagdes, 205. Bia, afiemagto fi contentada por amon Fhe isha Bblcae: Ete yore arm veto, sabe com uma gecinpgfom eta dae, Deiat Ste ae, finda que nao oferecendo sendo uma pega, valeriam bem ‘outras mais? A cena romantica faria uma iguaria picant variada, saborosa, do que no teatro clissico € remédio dividido om duas’ drigeas. Eis como 0 autor deste livro logo esgotou 0 quz tinha a dizer ao leitor?7. Ignora como a critica acolhera este drama, ¢ estas idéins sumérias, desguarnecidas de seus corolitios, empobrecidas de suas ramiticagées, apa- fnhadas de corrida e na pressa de ecabar. Flas apareceriio sem divida aos “discipulos de La Harpe” bem descaradas ¢ bem estranhas, Mas se, porventura, por mais nuas © diminutas que sejam, pudessem contribuir para colocar no caminho da verdade este publico cuja educacio esti tao adiantada, © que tantos notdve's escritos, de criti ‘ou de pritica, livros ou jomais, j& amadureceram para a arte, que ele siga o impulso sem preocupar-se se este Ihe vem de um homem ignorado, de uma yor sem autori- dade, de uma obra de pouco valor. F um sino de cobre que chama as populagdes para 0 verdadeiro templo e para © verdadeiro Deus. Hé hoje o antigo regime literdr‘o como 9 antigo regime politico, © ultimo século pesa ainda quase inteiramenic sobre 0 novo. Oprime-o particularmente na critica. Os senhores encontram por exemplo, homens vivos que Thes repetem esta definicio do gosto emitida por Voltaire: “O gosto no 6 oulra coisa para a poesia sendo o que € para os atavios das mulheres”. Assim, 0 gosto é a garridice. Palavras notive's que descrevem maravilhosa- mente esta poesia pintada, mosqueada, empoada do 85

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