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3, A INSCRIGAO AUTOBIOGRAFICA NA CENA CONTEMPORANEA. NOVAS EXPERIENCIAS DE SUBJETIVIDADE NO CAMPO TEATRAL. panorama teatralcontempordneoapresenta uma Imerstio sobre as miltiplas experiéncias do sufelto comum diante das novas formas de representacdo cénica. E 9 sujelto contemporéneo exercitando a documentagao da sua propria historia, de vida através das distintas artes e das Novas TTecnologias da Informacso e da Comunicacao, Notamos que a encenagdo do homem comum dé para esse sujelto um novo status de Importancia ha medida em que a sua visibilidade e 0 seu espaco de intimidade ganham mais notoriedade ros dilemas da subjetividade contemporénea. O espaco privado € compartilhade. Logo, torna-se publico. AS instancias de publico e privado se confundem. O que trataremos de investigar neste ‘capitulo & como esta experiéncia se configura no teatro, 0 sujelto € biografado, as vezes por si proprio: daf vem o status da autobiografia na cena Contemporénea. 0 biodrama propde levar uma pessoa comum ao centro da cena. Asua vida pode Ser contada por ela mesma, por atores ou podem também ser miiltiplos os procedimentos utilizados para desenvolver esta experincia, A autobiografia_apresentada no teatro & diferente da tradicao. biogréfica_na_ literatura fe no cinema, Em cena, a intimidade dessa personalidade desconhecida é exposta naquilo que © teatro mals se diferencia das outras linguagen: presenga fisica dos atores ou no atores contando Sobre si mesmos para e com os espectadores. A ‘qualidade da presenca viva permite que performer e espectador compartilhem num ritual teatral By Davi Giordano afetos, subjetividades, experiéncias ereflexdes, © perforimertrabalha com a exposico do material de ‘ua prépria vida como possiblidade de dramaturgia c@nica.. 0 tom confessional é explorado na sua inteireza e plenitude. O fenémeno teatral permite que as memérias sejam presentificadas a cada apresentagao, fazendo com que 0. espectador @ as suas reacbes sejam um complemento do documento ‘cénico que est sendo exposto e ‘riado. Aexperiéncia de vida é encenada e recriada pelo préprio artista. A identidade do artista Constfulda na sua reiacio direta com o espectador. Ha uma relavengao do artista em relacéo a si préprio na confrontacdo do seu presente com as suas memérias.. Ha ume fala naturalista provinda diretamente do’ seu prdprio cotidiano. Sobre isso, incluimos as girias, as afetagbes e as expressbes pessoais que qualifcam o registro particular de eada ser humano. Do outro lado do alco, vernos um nitido crescimento de pilblico e de interesse por esse tipo de teatro Biodramstico e documentario. Talvez Seja a identificacio. direta do publico © a sua Gunosidade em relagdo 20s relatos autobiogrsficos. © ‘testemunho 20 vivo desse performer parece Instigante do ponto de vista da recepcao.. 0 Cotidiano Invade 0 alco como centro temético © possibiidade estética em contraposicao 0 teatro dramitico tradicional que privilegia 0 star system em termos de interpretacdo e as grandes figuras e os herbis-em termos de narracdo. AS personalidades andnimas retratadas no palco do teatro de biodrama, ainda que n&o possuindo uma referéncia marcante na. cultura de midia, S80 fontes de alto interesse para os espectadores Que va0 assistir a tais espetdculos. Instalados Piblico e espectadores dentro do teatro, cria-se 8 Teatro Documentério brasileiro e argentino um ambiente de confissdo, nos quals os relatos so contados diretamente para 0 espectador este vira o cimplice desse compartilhamento de memérias autobiograficas. ‘Ao Invés de um teatro de representacéo, estamos diante de um teatro de presentacio 0 qual busca acentuar a sua marca de autorreferéncla.. J6 no se trata mais de personagens © acées “ramaticas, sequenciais e narrativas propriemente ditas. Estamos em busca de artistas ou néo atores Cujos corpos s80 transformados num sujelto- objeto, ou seja, que se desenvolvem cenicamente hum espago e num tempo real. Desa maneira, dentro das modalidades de _presentificacio, Podemos dizer que o teatro biodramatico é ‘algo que se aproxima mais do happenging e da performance, ou seja, de uma expressio teatra} que questiona a nocdo tradicional de teatro. Sobretudo um teatro que proporciona através de sua investigacao de linguagem uma experiéncia distinta para o espectador. © material autobiogréfico duplica o efelto do real em cena. Tensionam-se a estética da Tealidade e a crise da ficc8o, gerando um proceso de hibridizacdo. marco blografico esvazia 0 sentido da representaco. 0 espectador percebe lum desdobramento nao fiecional. Criarse_ um desconcerto que gera interrogantes sobre o que é real e aquilo que éficcional. 1ss0 revela o desejo de investigar aquilo que vem da realidade do ator que festd em cena. Ainsergéo do real em cena gera uma criseentrea mimesis, arepresentacdo, ocontrolavel € 0 incontrolével. Aqui o real néo’s6 faz parte da ficgdo como também € coautor do espetaculo, Porque causam no espectador um impacto em termos de questionamento entre as camadas de ficcdo e realidade. As inst&ncias se tornam dibias 9 Davi Giordano @ 2 encenacéo esté composta por hibridismos deszas nogdes de ordens Reterogeneas,. 0 nosso Papel ao Investigar o biodrama nao é separar os, Conceltos de crise de ficcdo e estética da realidade, mas sim de entendé-los como um processo dé hibridizagéo, assim como aponta Cardoso (2009, 154). Afinal, todo ato autoblogréfice é uma ‘construgo, uma interpretacgo e uma performance desi mesmo endo uma verdade auténtica. 3.1. DEPOIMENTOS, TESTEMUNHOS E RELATOS COMO [NOVAS INSEROOES DA DRAMATURGIA CONTEMPORANEA, “Contar é, entéo, criar mundo, vinculos, desejos, ‘esperancas; contar é crer no outro”™! (Crastoy, 2002, p.1) Narrar € uma forma de comunicagio que atravessa os mals cistintos nivels de percepcdo e cognigo humana, principalmente no teatro onde © performer e-0 narrador do relato autoblografico coincidem na. presenca fisice do sujelto em cima do palco e diante do publico. ‘A narracao autoreferencial esbarra no debate cléssico entre ficgSo e realidade, se partimos do principio de que toda a arte & em'si a representagdo de algo. No 250, a representagdo teatral tem como base a plurelidade de enunciadores e a simultaneidade Tempo-espaco da producdo. e recepcao do ato. criativo. ‘Estas duas especifcdades do ‘acontecimento teatral no s8oexcludentes no ‘campo da encenagéo autobiografca. Esta uitima & também um recorte representacional daquele que estd em cena contando de si. No caso do © Teatro Documentério brasileiro e argentino biodrama, o mediado do relato é a prépria pessoa ‘Que viverciou © mesmo. Logo, estamos situados num campo de criaggo onde néo ha um ator ou profissional responsdvel por mediar a fungao de recriare transmitira voz de um personagem ou de uma insténcia dramattirgica. A especificidade da condicéo de enunciagso no teatro como a presenga fisica do performer também & um primeiro direcionamento para vaidar © principio de verdade daquilo que esté sendo dito, "Outro motivo que Sustenta a autenticidade do contar autobiografico € quando 0 mesmo é realizado por um individu que nao pertence 28 prética teatral. Porque a sua habllidade de Nmentie” (representar) @ suficientemente menor que a de um ator. Desa maneira, a credibiidade advinda da relacio entre 0 nao ator e o publico € justicada do" ponto de vista pragmatic. A autobiografia pertence originalmente ao campo da literatura de testemunhos. Porém, quando vemos uma autobiografia sendo encenada nos. palcos, Presenciamos 0 cruzamento diegético entre o harrador portador do relato © 0 conteido desse Sltimo sendo o seu préprio passado. Sem divides, & importante enfatizar que a encenacdo de autobiografias em cena pode Genher uma diversidade de formas. Isto pode Ser comprovedo, por exemplo, nos espetéeulos produzidos dentro do Ciclo Blodrama, como descreverios anteriormente no segundo ¢apitulo. Porém, algo em comum que podemos verihicar em todos esses espetaculos é quenuncaencontraremos de forma pura a narragao da autobiografia. Ao invés disso, verios que € recorrente a construcéo de um autorretrato, moldado tanto pelos olhos do indo ator como também pela ética do diretor. 6 Davi Giordano Para o projeto Biodrama, no houve nenhuma restricao em relacéo ao relato autobiogréfico ser intermediado por um terceiro, no caso um. ator que personaliza a voz de um terceiro (desde que este ator tivesse um contato direto com a pessoa biogratada durante o processo de criacao). ‘Tampouco ficou estabelecide que o relato devesse ser dito obrigatoriamente em terceira pessoa ou em. primeira, embora a autobiografia seja comumente marcada pela juncao da primeira pessoa do singular fe da Identidade do autor / narrador / protagonista do relato. Isso permite que o teatro adquira uma liberdade poética de acordo com a proposta cconceitual de cada trabalho em especific. “0 teatro surgiu para mim como a oportunidade de, através do fazer artistico, olhar com os olhos do ‘outro, alarganda minha visBo de mundo. Foi quase de Imediato que percebl, por meio da experiéncia fisica dda encenagdo, que a’platela me estaria ‘eternizando’ fem seus corpos e mentes. A arte, portanto, era por ‘mim entendida como um ‘testemunho de existéncias”” (SOLER, 2010, p.10). © contar em cena se caracteriza por uma narracdo que se refere a um acontecimento pasado. No contar, a pessoa que executa tal acdo std organizando as suas imagens num espaco e tempo adequado para estimular a comunicacao como receptor daquele a quem esté sendo dirigido 0 relato. A narracBo oral se estabelece ‘através de um pacto de confianca entre o artista e o espectador. Em certa medida, parece-nos de real valia interrogar sobre até que nivel a narracdo oral se constitu! por uma sdlida teatralidade ao invés de somente uma vertente literéria, Talvez a a Teatro Documentario brasileiro e argentino especificidade teatral esteja na relacdo que se estabelece entre os produtores e os receptores da narragdo. HA um caréter cénico que dé para a narraggo oral um lugar préprio de pertencimento do teatro, Dessa maneira, no teatro a narracdo oral ganha uma modalidade expressiva na medida fem que 0 lterério e 0 comunicacional esto sustentados pela caracteristica fundamental e essencial da arte teatral: a presenca fisica tanto do ator que performa a narracao oral como também do espectador que reage numa recepsao criativa, tendo em vista que o ator leva em consideracdo para o seu trabalho o olhar e as reacdes psico- fisicas de seus espectadores para reelaborar & reinventar 0 relato que esta contando. Porque fa narracio néo se faz para o publico, mas sim com 0 puiblico, Rompida a quarta parece, o ator estabelece um vinculo direto com o piblico, 0 qual se torna também um cimplice determinante deste acontecimento, Para o teatro blodramético que estamos Investigando, podemos perceber que a narracdo oral esté sendo trabalhada na mistura de diversas modalidades expressivas advindas da fala: a prépria narracgo, a conversa intima ou em grupo, 0 didlogo, o dizer, a leitura em voz alta etc. O artista se sente num ‘campo de cruzamento e criagées, das diversas possibilidades e manelras criativas de lexecutar esta narracdo para o seu trabalho cénico. “Nessa _tentativa de sintetizar diversas modalidades expressivas, oequilbrio entre a intimidade © espetacularidade é, por consequéncia, © grande esafio que deve enfrentar tade o narrador oral, porque se contar para um pablico reduzido supde recorrer 3 formas menos cénicas e mais intimas da conversacSo, lum auditérlo numeroso obrigaré 2 ampllar 0 trabalho ‘ avi Giordano com @ voz, 0 gesto @ os movimentos corperals para ‘conseguir um maior efeito de espetacularidade sem perder o clima da intimidade”” (TROSTOY, 2002, p.188/183)». Esta nova modalldade de inscrico do relato permite que as imagens sejam criadas a partir de uma participagao mitua na producio de sentido, tendo em vista que o performer através de suas palavras estimula imagens que se formam na mente do espectador-receptor. Dessa maneira, 0 marco de referéncia pessoal do ator se transforma, num marco de referéncia coletiva e cultural. E certo que 0 teatro autobiogréfico sofre em certa medida por parte da critica especializada e parte dos profissionais de teatro um tipo de preconcelto, Especialmente quando se diz que a producao de relatos e da autobiografia em cena faz com que © teatro renegue a sua atividade artistica. Para fessa_problematica, tomamos a definic¢éo do que é teatro segundo @ afirmacdo da teérica Beatriz ‘Trostoy (2002): “A t6o dlscutida diferenca entre teatro © no teatro nfo pode se estabelecer a partir de caracteristicas intrinsecas de cade discurso estético em particular, mas sim depende do papel que uma comunidade eterminada, num momento também determinado, atribui para’ um evento espetacular. Trata-se de uma nocao histérica e, por tanto, fundamentaimente Pragmiatica, jé que o teatro seria, entdo, tudo aquilo ue se recotheca como tal (...) Teatro é aquilo que ‘asi a rn Sat err ini ame ren Sr po pst St 6 Teatro Dacumentario brasileiro e argentino uma comunidade reconhece como tal” (p.194/197)"*, Tendo vista esta proposicao, cabe-nosindagar 2 Inscrigfo do biodrarma como uma linha de teatro specifica dentro do contexto contemporaneo, J ue possui o seu péblico especifico que ihe atribul Importéncia e necessidade de existéncia em funcdo de seu cunho estético e investigativo, Buscamos problematizarcomoorrelato, principalmente aquele Ge natureza autobiografica, ests dlretamente Telacionadod instanciadaidentidadee subjetividade do ‘sujet. Quando o relato tem como base a autorreferencialidade, coloca-se a evidéncia de uma inscrigdo de autorrepresentacgo. O discurso do performer blodramético esta enriquecido de tudo aquilo que atravessa a literalidade das Palavras. Para isso, podemos inclu: os ritmos, a entonagio, a gestualidade, as marcas proxémicas, 95 siléncios, as pausas, as contradicbes, as ironias, 95 paradoxos e as multiplas Rguras de linguagens que estdo implictas tanto na linguagem verbal uanto na linguagem no verbal. 0 interlocutor~ receptor & quem se responsabiliza por decodificar as camadas semnticas do discurso do performer. Este ditimo a0 falar de si préprio desempenha uma experiéncia viva e crlativa de autoconhecimento gue faz tocar 0 nBo ato e os tabus pareulres do ser, Quando se trata de um n8o ator, a condicéo de enunciacdo prépria e caracteristica do teatro se complica pela necessidade da presenca fisica Sublease, Stoney, a par crane trast Gee ‘criéad‘ceernntas ss omelette Soerasade Te ‘Sebuje sum even expects So tat urn naan nat et ‘Stans fncorertinerte ogre, ye gue wage sl nonce tse 6 Davi Giordano do performer biodramético na realizaco do seu relato. Esta questo pragmética faz com que Isto se torne mals crivel em cena do que num teatro de ficedo. Nunca podemos esquecer que a narracéo é a construcéo de uma representacéo cconscientemente dirigida para o olhar de uma ou mais pessoas, como no caso do teatro, No teatro blodramatico, o performer conta ‘as suas préprias experiéncias pessoals como transmissdo de uma meméria em prol de uma recepgo coletiva. Cria-se um vinculo direto para uma’ experiéncia compartihada, seja através de relatos proximos ou entao por historias advindas. de terceiros. No caso, a transmissao cria uma heranca do material narrado na sua atualizac3o do presente. A narracdo oral estende a experiéncia teatral para um campo social. Assim, 0 teatro se apresenta como uma comunicagéo alternativa da narragio desses relatos. Vale problematizar que a historiografia contemporénea permite que o relato oral e os depoimentos sirvam como possibilidades de Inscrico da Histéria Oficial. Logo o teatro funciona como’ uma possibilidade de registro baseado na_meméria do performer biodramético como legitimago de conhecimento histérico, social e cultural.’ Isto seré melhor apresentado no préximo capitulo referente & andlise do espetéculo Mi vida después. Tornar a meméria oral como uma possivel roducio de conhecimento permite que 0 teatro se legitime como um campo ligado a outras éreas do conhecimento humano que ndo sé as Artes. No século XX, surge uma disciplina chamada Historia Oral. A’ escola francesa Les annales influenciou toda a historiografia moderna, provecando reviséo e modificaggo em relacéo 4 Cy yy Teatro Documentério brasileiro e argentino Ideia de documento. A supremacia do texto como valor documental comecaa ser questionada. Depois, da Segunda Guerra Mundial, a Universidade de Columbia nos Estados Unidos comeca a investigar a Fecompilacéo de depoimentos de ex-combatentes como possibilidades de documentacio histérica da experiéncia da guerra. Nos anos sessenta, com 0 surgimento do gravador, os investigadores comecam a registrar relatos orals como fontes de estudo. A partirdos anos sequintes, principalmente os anos oltenta e noventa, as instituigdes Universitérias comecam a dar maior atencao paraas perspectivas metodolégicas em relacao a oralidade ‘como produgéo de conhecimento histérico. ‘A Histéria Oral consiste em contribuir para a Historia Oficial a partir de outras fontes de saberes {ue no s6 os documentos textuals. Desa maneira, ‘surgem outros tipos de fontes documentais com tons préximos & intimidade e 4 subjetividade. © biodrama partilha vinculos Ideolégicos com @ Histétia Oral na medida em que engloba Pessoas comuns que no tiveram oportunidade de expressar sua voz como contribuicso de saberes © conhecimentos para a Historia Oficial. A Histéria Oral incorpora as experiéncias de vidas como significados histéricos, fazendo com que 2 subjetividade se torne informactio objetiva. A lexperiéncia pessoal de um individuo se tora fonte de saber cultural. Surgem outras categorias de documentos além dos textos escritos. Dentro das muitas novas possibilidades de fontes historicas, © relato oral se toma de grande importéncia. S80 {9s novos métodos de inscricao da histéria coletiva. Segundo Le Goff, isso seria @ revolugdo documentai do século XX, dando nascimento & historiografia moderna (1991, p.230). A necessidade de ‘ampliar a nogéo de documento permitiu que alm 6 Davi Giordano do documento escrito, consideremos também documentos llustrados, imagens, registro sonoros, videograficos etc. Desa maneira, a meméria coletiva e de massa se organiza como patriménio, cultural. Isso comprova um maior reconhecimento a0 valor histérico de um documento advindo da A partir do projeto levantado pelo professor Allan Nevins na Universidade de Columbia, a academia americana comegou a legitimar os Felatos de Individuos como inscrigéo_histérica e cultural. Segundo Gary Fisher Dawson, o teatro. documentério, principalmente 0 Seu desenvolvimento dentro dos Estados Unidos, € uma consequéncla das manifestacdes dentro da tradicao da Histéria Oral (1999, p.110). A relevéncia da vyoz humana para a cena documental é uma prética de significagao das performances orais. 0 teatro documentério permite que a histéria nao seja ‘apreendida somente pela forma classica da leitura de livros, mas também sim apreendida em outras possibilidades de experiéncias, e aqui incluimos 2 ‘cena teatral na qual 0 espectador esta em contato direto com @ presenga fisica do que est4 sendo Performado. A Histéria vem sendo transformada fem teatro e performance, fazendo com que a Historia possibilite uma experiéncia de contato direto com uma massa de espectadores a partir do tencontro teatral. Entender o teatro documentério como parte da Histdria Ora/ é possibilitar que ele seja uma experiéncia que ultrapassa as fontes acessivels de informacéo permitidas pela Histéria tradicional. © teatro documentério permite que © registro documental seja_presentificado em cena pela meméria viva e ativa, em estado de experiéncia, de danga, de movimento. 8 yt Teatro Documenta brasileiro e argentino vPobreza de experiencia: nfo se deve imaginar ‘que 0s homens aspirem a novas experiéncias. NO, {les aspiram a libertar-se de toda experiéncia, aspiram ‘2 um mundo em que possam ostentar to pura e to claramente sua pobreza externa e interna, que algo de decente possa resultar disso. Nem sempre eles $80 Jignorantes ou Inexperientes, Multas vezes, podemos afirmar e opesto: eles "devoraram’ tudo, a"cultura” eos “homens”, ¢ flcaram saciedos e exaustos” (BENJAMIN, 1933, p.t). No seu texto YExperiéncia_e pobreza” (1933), 0 autor Walter Benjamin discorre sobre a possibilidade de falar do vivido, traduzindo uma experiéncia de vida numa expressio artistica. 0. ‘autor traz o exemplo da experiéncia da Primelra Guerra Mundial para mostrar que o Impacto gerado aquele momento incapacitou os individuos de narrarem as suas experiéncias. Benjamin roblematiza que antes, essestipos de experiéncias ‘no eram possivels, tendo em vista a carga de trauma que sofreu 2 geraco que viveu os anos de 1914-1918. A negatividade gerada pela guerra fez com que os individuos se sentissem pobres em relatos. Dai a metéfora da “pobreza” para falar da escassez de experiéncias, 0 vazio do narrer. O que defende Benjamin & que devemos tirar proveito dessa condigdo de sensagiodo vaziocomoum ponto de partida do zero, sendo um lugar que impulsiona esses individuos a se situarem e preencherem esse vazio num momento tardio, transformando luma experiéncia de vida em expresso artistica, Trazemos esta questo, porque dante do excesso de produces midiaticas, gerou-se uma sensacdo de esgotamento diante da cultura de celebridades. Esta ainda permanece, porém criou-se um espaco ara que 0 sujeito comum fale sobre a sua experiéncia e traduza a mesma numa experiéncia 6 artistica. Em outro texto “Experiéncia”” (1913), Walter Benjamin esciarece o seu entendimento sobre 0 conceito de experiéncia alegando que nao se trata de uma acumulacde de conhacimentos sabedoria, mas sim de uma possibllidade de ‘qualquer individuo estar sensivel e conectado com aqullo que the passa, que Ihe acontece e que ihe toca (LARROSA, 2001, p.1). Segundo Benjamin, 2 experiencia & uma’ constatagao consciente da sua perda, Esta perda gera por consequéncia © desaparecimento das formas tradicionals de narrativa. Isso nos faz pensar que a dificuldade de transmitir uma narrativa (entendida aqui como uma experiéncia) esté atrelada a dificuldade que 2 sociedade moderna tem para criar um didlogo interno entre os seus individuos. —Porém, & importante situar que Benjamin escreveu sobre fessas_indagacées num momento posterior 3 Primeira Guerra Mundial. © autor acreditou que esse momento, houve um desaparecimento da figure do narrador que ficou em extinggo na histéria da civilizagao, porque a guerra fez com ‘que as pessoas empobrecessem a Sua experiéncia de comunicagao mutua. Isso em certa medida fo! Prejudicial porque, para Benjamin, a narrativa é uma forma de expressao artistica da experiéncia @ producdo de sabedoria. Isso se justifie na ‘medida em que @ narrative ¢ uma fornia artesanal de comunicagéo ne qual o narrador expressa muito do seu Universo subjetivo na maneira como conta sua narrativa. Benjamin acredita que seja importante resgatar a cultura do narrador, tendo ‘em vista que narrar devidamente é uma faculdade de intercambiar experiéncias (BENJAMIN, 1987, p.1). No teatro de biodrama, a arte de narrar sé torna uma configuracdo artistice da Historia Oral. ‘O narrador retira da experiéncia o que ele conta: sua prépria experiéncia ou a relatada pelos outros. n Teatro Documentario brasileiro e argentino E Incorpora as coisas narradas & experiéncia dos seus ouvintes” (ibidem, 1987, p.3). Em relacgo 20 biodrama, podemos dizer’ que, por se tratar de_uma experiéncia, a historia’ contada pelo performer blodramatico se gravaré na memiéria ‘do espectador, fazendo com que ele a assimile & ‘sua propria existéncia. Benjamin acredita que, entre o narrador e sua materia artistica, existe me relagdo artesanal.. A vida humana, a relacso centre 0 performer blodramatico e seu espectador também é artesanal. “Q narrador também seria a figura do trapeiro ‘ou do chiffonnier (figura de Baudelaire), do catador de sucata © de lixo, este personagem das grandes idades modemas que recolhe 0s cacos, os restos, fs detritos, Se estes cidadsos So, por um lado, ovidos pelo desejo de descobrir objets Utels no lixo, Certamente so 0s mesmos que impedem que coisas Ssejam perdidas e esqueciéas, ressignificando aquilo ‘que 8 foi considerado imprestével pelas elltes, pelos ‘afortunados” (BESSA, 2006, p.1). Walter Benjamin, em 1936, desenvolve uma conceitualizagéo clissica sobre 2 presenca co arrador no romance literdrio em seu ensalo 0 narrador - consideracdes sobre a obra de Nicolai Leskov (1936). 0 autor relaciona a arte de narrer com a troca de experiéncias e sabedoria que a mesma pode proporcionar. Acreditamos que os conceltos de tradicéo, experiéncia e narracdo Segundo Walter Benjamin podem ser iluminadores. para compreendermos légicas de transformacéo de experiéncias e memérias em relatos cénicos. Isso permite que 0 biodrama se encaixe num. sistema flloséfico que soma uma multiplicidade de conhecimentos. Walter Bejamin compreende n avi Giordano ; Teatro Documentério brasileiro e argentino a experiéncia desde um &mbito comunitério; da Ele narra da platéia, da arquibancada ou de uma mesma forma, compreendemos o biodrama como um compartilhamento conjunto. 0. blodrama também acredita que a experiéncia de um ser humano pode ser considerada um reservatério de saber e conhecimento cultural. No caso do iodrama, 0 conhecimento é invocado @ partir do momento em que a experiéncia & transformada elo performer e pela encenaggo numa narrativa cénica. A tradi¢go possibilita um modo dos individuos se relacionarem um com o outro e de estarem no mundo. 0 performer biodramatico transmite e comunica a sua experiéncia de vida. Neste mesmo ensaio citado anteriormente, Walter Benjamin identifica 0 enfraquecimento da narracao como género iterdrio, J4 0 blodrama revé 0 fortalecimento da narracdo dentro do teatro, ‘consequentemente uma revalorizacdo da tradicéo, ‘como veremos abaixo com a releltura da discussao de Walter Benjamin por Silviano Santiago (2002). Para Benjamin, o ato de narrar esté para extinguir-se, porque esta cada vez mals dificl encontrar pessoas que saibam narrar bem as suas experiéncias de vida. O autor vai mais longe 20 identificar que no seu tempo encontramos Individuos isolados e ligados a literatura. A ossibilidade de intercambiar experiéncia através da cultura oral € que esté escassa. O teatro se difere da literatura justamente pela presenca fisica do performer e da transmissso corporal & oral da mensagem. Para o nosso presente estudo, ‘adotamos 0 ponto de vista de Siiviano Santiago em seu texto O narrador pés-moderno no qual 0 autor faz.uma relacdo com a proposta de Walter Benjamin somando uma nova perspectiva: ““Aquele que quer extrair a si da acéo narrada, em atitude semelhante 8 de um repérter ou de um espectadon, n poltrona na sala dé estar ou na biblioteca; ele ‘Go narra enquanto atuante’” (SANTIAGO,2002, | p.45)._ Siiviano Santiago também acredita que 3 farracdo e 2 cultura oral sao uma possibilidade de trocar experiéncias. “Agora ha o entendimento de que-o sentido € fruto da criagio de um espago Interdiscursivo. A virada do século XX.para'o século XXIesté marcada pela transformacao na teoria lteréria daqullo que Silvano Santiago viria a denominar como a categoria de narrador pds= ‘moderno. sta evidencia novos modos narratives que visam noves perspectives. 0 conceito de arrador pés-moderno na verdade deve ser fentendido como uma continuacdo do concelto de arrador ciéssico. 0 autor coloca em questéo a revalorizacéo da tradi¢ao. Para o narrador pds- Inoderno de Siiviano ‘Santiago, 0 ato de narrar € mais mediado pelo olhar-e’ pela imagem do que pela palavra. Isso gere um novo tipo de experiéncis, consequentemente um novo narrar. Alem disso, © narrador pés-moderno transmite 2 sabedoria de uma experiencia ou vivéncia que diga respetto a0 outro. 0 narrador pés-moderno pode ser considerado um puro ficcionista, capaz e dar autenticidade para uma aggo narrativa da qual no possuiu uma vivencia direta. Hé uma Consciéncig por parte do. narrador pés-moderno de que o ‘real’ eo. “auténtico” podem ser originados por uma construcdo de linguagem. Por isso, & fundamental que no discurso do narrador ppos-moderno esteja explicita uma consciéncia da presenca de um espectador, aquele @ quem seu Giscurso esté sendo transmitido e compartiInado. No caso do biodrama, o lettor do narrador pés- Imoderno se transforma nesse espectador que é um Darticipante ativo do relato. O biodrama se constitul Como tum Jogo lidico onde o narrador, mesmo que B

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