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Ensino e pratica da Medicina Interna: experiéncia brasileira Mario Castello Branco* 1- Intreduciio Ocensino da Clinica Médica no Brasil vem sofrendo gran- des reformulagdes a partir da décaida de 60. Varias mu- daneas forain efectuadas no sentido de tornd-lo mais ade- quado e actual, Entre elas eu ino da Clinica Médica integrand Propedeutica, itica € Doencas Infecto-Parasitari iplantacio da estrutura Departainental 3) Coordenacio dos programas de varias c 4) Permanés ia dos alunos em servico clinico varias horas por dia com supervi 5) Finfase no treine ori. 6) Internato de um ano enfatizando o treino em servigo em tempo integral nas areas de Clinica Médica, Clinica Cirdrgica, Pediatria, Ginecologta e Obstectricia Com a inauguracdo em 1978 do Hospital Universitario da ULER., hoje Hospital Universitario Cl Filho, a unio de clinicas ante: pitais foi Fundament Il- 0 Curso Médico No Brasil a entrada para a Universidade ¢ feita através de exame vestibular (pro 10 docente, mbul: smentino Frags distribuidas em varios hos: para esta integracio. de selecgio) com a propor- cao de cerca de 40 candidatos para cada vaga A maioria das Faculdades localiza-se nos dois maiores ccentros, S80 Paulo € Rio de Janeiro. S6 no Estaclo do Rio de Janeiro existem 11 Faculdades de Medicina: 4 federais, 7 particulares, Os dois primeiros anos do curso so de cadeiras hisicas Histolog cologia, ete. al. A fase clinica inicia-se no 3° ano. Ai comega o ensino da Clinica Médica, Dessa fase inicial até 4 complementacdo do treino, o ensino da Clini ca Medica é dividido em 4 fases: 1? fase: graduagio do 3° a0 5 2} fase: graduacao do 6° ano médico, separada da fase anterior porque essa fase do tiltimo ano do curso médico presenta caracter como Anatomia, Fisiolo, Farma funcionando fora do hospi ano médico, as diferenciadas aum grupo a part. » Professor Catedratico de Clinica Médica da Santa Casa da Misericardia do Rio de Janetro 3% fase: residéncia médica de 2 anos 4* fase: especializacio em Clinica Médica de 1 ano, S6 recentemente surgiram cursos designados especial- mente para os médicos que nao tém oportunidade de fa- zer resicéncia médica e para médicos formados hi muitos anos e que desejam recickarse. I* Fase: Graduagio — O curso médlico no Brasil tem a duracio de 6 anos. Existem no Brasil entre Fedei taduais, 80 Faculdades de Medicina, O ensino da Clini Médica comeca como ji foi dito, no 3° anon ano 0 curso é de Semiologia ou Propedéutica Médica que € a introducao a Clinic em tempo integral durante | ano, um servigo de Clinica édico. Nesse Médica. Os alunos frequentam Médica onde sio treinados diiria € repetidamente e1 anamnese, pritica co exame fisico com treino dlrio em palpacao, percussio, auscultagao carditca, exame neuro n doentes intesnados ou ambulatérios, en- descle essa fase inicial a correlagaio coma cl No 4° € no 5° anos médicos comegam a frequentar um, servigo de Clinica Medi comecam a aprender diversas patologias das sub-espe alidades clinicas. E dado énfase especial ao ensino priti- 0 com redugao cada vez maior nando © curso muito mais formativo que informative. 1 com aulas tedricas € priticas € aulas teéricas, tor Nessa fase 0 aluno comega a aplicar no doente 0 seu tre: no em Semiologia, fazendo ji diagndsticos e iniciando-se 1a terapéutica, Deve ser realgado que a sua formacio deve ser feita num servigo de Clinica Medica propriamente dita, e ndo em dreas especializadas como Cardiologia, Gastro enierologia, ete, Esst actividade idealmente deven set ininterrupta no mesmio servico durante 2anos (4° 5° anos médicos) Infelizmente na maioria das Universidades brasileiras © 5° ano é todo fragmentado com aulas avulsas ce especia lidades como Ortopedia, Otorrino, Oftalmologia, etc., 0 que nao permite a continuidade do treino em Clinica Mé- Uma tentativa de 9 1-0 problema tem sido rea- lizada no nosso servico colocando os alunos do 5° ano nat cenfermaria em todos 6s seus intervalos disponiveis, & no 2° semestre deste ano, quando ja dispoem de mais tempo, sio colocados no mesmio esquema de treino do Internato. No nosso servigo de Clinica Médica na 7# enfermaria da Santa Casa da Misericordia do Rio de Janeiro funciona universidades particulares com alunos distribuidos em gru pos de 6 a 8, do 3° a0 5® ano médico. $40 100 alunos (50 da Universidade Gama Filho e 50 «la Universidacle Souza Marques) distribuidos em horirios diferentes num servico que conta com 22 camas, ambulatério, pequenas salas para m2 aulas de demonstragio, anfiteatro ¢ biblioteca, O ambula trio inclui a Clinica Médica, a Pncumologia ea SIDA, O servico possui um "staff" de 12 professores com activic inte supervisada pela chefia do servigo, Todo © grupo desempenha actividade docente © assistencial de continua Medicina Intema 195 oh 1H. 3, 1994 ° MM ENSINO E FORMACAO MEDICA servigo funciona em tempo integral das 8 a5 17 horas com cobertura em regime de “plantio” a noite, aos sab: dos, domingos e feriados. O servigo dispoe de 2 residen- tes em tempo integral, IRI e 1R2. 2# Fase: Internato-Graduacao — £ 0 tiltimo ano do curso médico, Fase intermédia entre a graduaco € a pos- graduacio. Em realidade, por constituir treino em servigo, € a actividade que mais se assemelha a pos-graduagao, € de uma certa forma parecida com 2 residéncia médica. Enfatiza 0 treino integral das 8s 17 horas com “rounds” a beira do leito (discussio de casos clinicos em anfitea- tros, sess6es semanais, sessdes de actualizagio ter péutica, clube de revistas). £ estimulada também a pro- dugao cientifica, participando com o “staff” em traba- hos cientificos ¢ consulta bibliografica. E estimulado ‘0 uso da biblioteca do servico que dispoe, além de li- vr0s classicos de Semiologia, Clinica Médica e, princi- palmente, sub-especialidades, varias revistas médicas nacionais e estrangeiras. Pelas normas do Ministério da Educagao e Cultura (MEC), esse Internato € obrigatoriamente rotat6rioo que obriga, © aluno a passagem por 3 meses em tempo parcial pelas reas de Pediatria, Cirurgia, Obstetricia, Ginecologia, com grave inconveniente da interrupgio parcial do seu trei- ‘no. Em minha opiniao pessoal, a rotatividade nao € 0 ideal: 0 aluno pouco aprende em 3 meses em cada uma clessas Areas e gasta tempo precioso do seu treino principal. Deve ser enfatizado ainda que esse tiltimo ano de curso obrigat6ria, Na realidade a maior parte dos alunos termi- na ai em definitivo o seu treino. 3* Fase: Residencia Médica — No Brasil a residéncia médica representa um novo vestibular, uma vez que se formam 8 mil médicos por ano para 3000 a 5000 vagas na residéncia médica No Brasil a residéncia médica s6 é valida quando reali- zada em instituigao credenciada pelo Ministério da Edu- cago e Cultura (MEC) em hospital universitério, quando possivel. Foi regulamentada pela Comiss4o Nacional de Residéncia Médica (MEC) em 1981 ‘Arresidéncia em Clinica Médica tem a duragao de 2 anos, Representa treino em tempo integral no horario das 8 as 17 horas, 5 vezes por semana, acrescido de “plantoes” em média cada 72 horas. Idealmente deveria ser realizada exclusivamente em Instituigdes de Ensino Médico. A ca- réncia de vagas entretanto permite a sua realizagio em ;hospitais nao universitarios desde que apresentem quali- ficagao para tanto. Nas Areas clinicas, 0 1° ano de resicén- cia (RI) das sub-especialidades como Nefrologia, Neuro- logia, Dermatologia, Cardiologia, et., sio necessariamente em Clinica Médica. Também o residente em Clinica Médi- ca apés os seus 2 anos de treino pode optar por um tercei- ro ano (R3) em qualquer sub-especialidade clinica. $40 2 anos de treino em servigo com activiclade em enfermaria, ambulat6rio, sessdes clinicas, sessdes andtomo-clinicas, sessdes radiol6gicas, clube de revistas, etc. Sendo é fundamental, talvez mais importante até do que a resi- Quadro 3 déncia médica, uma vez que ao fim do ano o aluno deve . . cstr pepanide para exerecrs sus aavilage prtasio. |__Indicadores dos cursos de medicina nal. No Brasil o curso mé é terminal, nio sendo a residéncia médica, ou qualquer outra forma de treino, 1986 = 19881991 Quadro 1 Vagas 7.767 7.594 7.786 iro Distribuicéo das Escolas Médicas Inscrigdes no por regiao do pais vestibular 119.256 141.618 170.151 Preenchimento E Norte todos Escolas de vagas 7.69% 7.758 7.523 Nordeste 9 13 Contra Oeste 5 é Quadro 4 Sudese 3 18 Distribuigéo dos programas de residéncia Total 7 80 médica e residente por regiéo do Brasil Programas % Residentes % Quadro 2 Norte 5 2 93 (09 Distribuicdo dos Escolas Médicas Nordeste 49 19 1093 10,2 poblicas e privadas Centro Oeste 22 9 633-59 Sudeste 142 54 7139 67 Poblicas 45 56% Sul 41 16 1695 16 {_Privadas 35 44% Total 259 100 10653100 196 Medicina Interna VOL, N3, 1994 Wl ENSINO E FORMACAO MEDICA também estimulados a participar em actividades de pes- quisa e consulta bibliogrifica. Participam também em seminarios e mesas redondas. Tém intensa participa- ‘40 nas actividades do servico ajudando inclusive no treino dos internos, especialmente dos R2. O treino é basicamente formative com reducao cada vez maior da carga te6rica 4* Fase: Especializagio em Clinica Médica — A principal forma de treino pés-graduado em qualquer 4rea médica é a residéncia. Porqué entio a especializacao em nica Médica? Ela oferece uma oportunidade de treino para os que nao puderam fazer residéncia, e iguaimente uma oportunidade de reciclagem e actualizagio para mé- dicos jé formados ha muitos anos No Brasil ja existem cursos de especializagio hi mais de 20 anos, mesmo antes da residéncia médica ser oficia- lizada em 1981. Esses cursos eram quase que exclusivos de areas especializadas na sua maioria em Cardiologia, Obstetricia e Ginecologia. Os cursos de Clinica Médica sto recentes no Brasil. A existéncia desses cursos de Cli- nica Médica e 0 seu valor, passa pela filosofia do que €a Clinica Médica. Uma especialidade? E 0 que € 0 clinico? Quais sio os limites da sua competéncia? Fm nossa opiniio a Clinica Médica ainda € a principal das especialidades médicas, hoje reconhecida (1990) pelo Conselho Federal da Medicina como Clinica Médica ou Medicina Interna. E 0 clinico é sem divida o grande inte- ‘grador da pritica médica, trabalhando em conjunto com 0s especialistas. Hé entretanto uma desvalorizacio e desprestigio pro- gressivos da Clinica Médica com a consequent hiperva- lorizagao das sub-especialidades. Isto comegou na déca- da de 50 nos EUA e vem-se agravando. Nessa época no Brasil os grandes servigos eram de Clinica Médica com especialistas fazendo parte do seu “staff”. Os professores titulares eram de Clinica Médica. Nos tiltimos 30 anos em funcao da sua aposentadaria foram, por decistio da Con- gregacdo da Universidade, substituidos por professores de Cardiologia, Pneumologia, Gastroenterologia, Nefrologia e Hematologia. Nao ha mais professores titulares de Clini- ca Médica, Nos EUA a caréncia clinica € de tal ordem, que 0 pro- blema s6 seria resolvido se 50% das vagas na residéncia médica fossem para Clinica Médica, 0 que nao ocorre. Isto 6 uma das grandes preocupacdes do governo Clinton numa tentativa de reformulagao da assisténcia médica no Pat No Canada 0 Royal College of Physicians resolveu 0 problema: 50% das vagas em residéncia sdo de Clinica Médica e as consultas aos especialistas sao feitas por indi- cacao do clinico. No Brasil a gravidade da situacao sensibilizou a AMB e © Conselho Federal de Medicina que influenciaram deci- sivamente a criacdo da Sociedade Brasileira de Clinica ‘Médica em Sao Paulo em 1989. Desde entao 7 regionais foram criadas, incluindo a do Rio de Janeiro por mim fun- dada. Iniciimos em 1992.0 nosso primeiro Curso de Especial o em Clinica Médica reconhecido pelo Conselho Fe- deral de Educagao, © curso foi aprovado apés um longo processo com rigorosa avaliac3o da titulagaio do nosso “staff”, da carga horiria, da distribuigto das disciplina dos cursos de didtica, dz metodologia cientifica e ética médica, além da aprovacao do servico incluindo sua planta fisica: existncia de biblioteca, ambulat6rio e enfermaria O curso de especializagao € necessariamente treino em servic, com a duragio de um ano e uma carga horiria de 720 horas. Deve set ministrado em servico de Clinica Mé- ica qualificado, preferencialmente ligado a instituigdes de Ensino Médico, Eu destacaria como principais actividades do Curso: 1 Revisio da Semiologia logo nas primeiras semanas, que € essencial principalmente para a reciclagem de mé- dicos formados ha muitos anos. 2) Discussdo de casos com o “staff” a beira do leito. 3) “Rounds” didrios na enfermaria. 4 Sessbes clinicas semanas, 5) Sessdes andtomo-clinicas semanais. 6) Sessbes radiologicas 7) Pratica ambulatéria. 8) Pratica em emergéncias e CT, 9) Clube de revistas. 10) Mesas redondas, seminarios e conferéncias. Quadro 5 Quadro 6 Curso de especializagao em Clinica Médica Distribuicdo de médicos por regido do Brasil Duragdo: 1 ano, 720 Horas Estr. curricular - Clinica Médica | % Clinica Médica I Norte 6.815 32 - Dominios conexos Nordeste 35.070 16,6 -Correlagao clinico-radiolégica Centro Oeste 13.437 64 Correlacéo clinicopatolagica Sudeste 125.418 59,4 Epidemiologic clinica sul 30.342 14,4 Pedagogia Total 211.082 100 198 ‘Medicina Interna VOL, NC3, 1994 Me ENSINO E FORMACAQ MEDICA 11) Estudo da fisiopatologia dos principais sindromas clinicos. 12) Contacto com a medicina de ponta e avangos tecno- logicos em ultrasonografia, tomografia computorizada, ressonancia magnética nuclear, radiologia de intervencio, medicina nuclear e densitometria 13) Epidemologia clinica, 14) Metodologia cientifica 15) Etica médica. 16) Treino em SIDA No nosso curso 0s alunos sao de 2 tipos: recém-forma- dos (6696) e reciclagem apés 5 a 10 anos (33%). Apenas 10% fizeram residéncia médica. Esperamos que esses cursos de especializagio contri- buam decisivamente para o ensino da Clinica Médica. E que ajudem a resgatar a imagem do clinico, contribuindo para formagio de mais médicos generalistas mais adequa- dos para o atendimento da populacao. Editorial recente do New England Journal of Medicine (Margo de 93) conclui que a caréncia de clinicos nos EUA se deve ao facto de eles terem menos prestigio e ganha- rem menos dinheiro (menos 40%) do que os especialis- tas. ‘Um bom treino em Clinica Médica iniciado no 3° ano da faculdade e encerrado com a residéncia médica ou a es- sea, 200 Medicina Interna pecializagio, enfocando a grande utilidade para o pais da figura do clinico geral, certamente contribuira para mini- mizar 0 problema. Continuamos lutando por esse obje- tivo. Comentario final Apresentei um breve relato do que € 0 ensino da Clinica Médica no Brasil. Embora tenha passado por profundas reformulagdes, ainda necessita de grandes mudangas. Es sas modificagdes passariam necessariamente pela dis cussio da filosofia da Clinica Médica como especiali dade e da figura do clinico como integrador da pritica médica A.evasito de clinicos generalistas é um fenémeno mun- dial discutido exaustivamente em paises desenvolvidos na América e na Europa. No Brasil a nossa luta comegou em 1989 com a criacdo da Sociedade Brasileira de Clinica Médica. Em 1991 crié- mos a Regional do Rio de Janeiro. Somente em 1993 en- tretanto, a Clinica Médica foi reconhecida como especiali- dade pelo Conselho Federal de Medicina, com esse nome ‘ou Medicina Interna. Valorizar a Clinica Médica ¢ a figura do clinico, certa- ‘mente contribuird para melhorar 0 ensino da Clinica Mé- dica. Vol. 1H. 3, 1994

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