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| aed i, thee FRANCISCO BETHENCOURT 0 IMAGINARIO DA MAGIA FEITICEIRAS, ADIVINHOS E CURANDEIROS EM PORTUGAL NO SECULO XVI Digitalizada com CamScanner isco Bethencourt 17 by Francisco Bet! or o'© 2004 by Francisco Bethencourt Immente em Portugal em 1987, pelo Projecto Universidade Aberta, vista pelo autor. Copyright ©} Copyright do p? Publicado original Edicao brasileira re € ria Ixsrrruto Pontucués Do Livno F pas BrntioTecas : ts Edicio apoiada pelo Instituto Portugues do Livro e das Bibliotecas. em Ac | aT Capa Ettore Bottini sobre detalhe de Saul ea feiticeira de Endor (1526), 6leo sobre madeira de Jacob Cornelisz van Oostsanen Preparagao Olga Cafalechio Revistio ‘Ana Maria Barbosa | Carmen S.da Costa | Dados internacionais de Catalogacto na Publicagio (cP) (Cémara Brasileira do Livro, Brasil) Bethencourt, Francisco 0 iimaginério da magia : feiticeras, adivinhos e curandeiros em Portugal no século XVI / Francisco Bethencourt — Sao Paulo + Companhia das Letras, 2004 Bibliograia Isa 85-359-0541-3, 1. Antropologia cultural 2. Portugal - Usos e costumes reli BSiosos- Século 16-3. Superstigio- Portugal - Século 16 1. Titulo 04-5523 i: Indice para catlogo sistematico: 1. Portugal: Supertigi :Follore 398.09169 [2004] ‘Todos os direitos desta edigdo reservados & EDITORA SCHWARCZLTDA, Rua Bandeira Paulista 702 ¢j.32 04532-002— sio Paulo —sp ‘Telefone (11) 3707-3500 Fax (11) 3707-3501 Wwww.companhiadasletras.com.br Introdusao os IND{cIos Eusou Genebra Pereira, Que moro ali d Pedreira, Vizinha de Joao de Tara, Solteira, jé velha amara, Sem marido e sem nobreza; Fuicriada em gentileza Dentro nas tripas do Pago, Epor feiticos qu’eu fago, Dizem que sou feiticeira. Porém Genebra Pereira Nunca fez mala ninguém; Masantes por querer bem Ando nas encruzilhadas As horas que as bem fadadas Dormem sono repousado; 31 Eewestou com um enforcado Papeando-lhe a orelha: Isto provard esta velha Muito melhor do que o diz. Ora agora Estevaio Dis Dizque defendedes isto: Ui! dou-vos a Jesu Cristo; Para queera ora tirado Quanto tenho experimentado Eusado quarenta anos, Estorvando muitos danos Per esconjuros provados, Fazendo vir dez finados Por saber uma verdade? Ehavendo piedade De mulheres mal casadas, Paraas ver bem maridadas, Ando pelos adros nua, Sem companhia nenhuma, Sendo um sino samao, Metido num coragao De gato preto e nao al, Isto, Senhor, nao é mal, Pois € para fazer bem. Outrossi, quando ami vem Namorado sem conférto, Desejando antes ser: ‘morto, Que ter aquela |paixao; 32 Cavalgo no meu cabrao Evou-me a Vale de Cavalinhos, Eando quebrando os focinhos Por aquelas oliveiras, Chamando frades e freiras Que morréram por amores. Oh, se visseis os temores Que passo nesta canseira Nao temeria a Pereira ‘Tanto os corregedores. Sempre ando neste marteiro: Vem-se a mim homem solteiro, Que quer casar com Constanca, Sem nenhuma esperanga, Triste, morto de paixaio. Euc’o sangue de Ledo, Mexido ¢’o rabo da Huja Eali o feldecoruja, Ei-lo mancebo aviado. Vem um frade excomungado, Que o benza do quebranto; Vou e fago-Ihe outro tanto, Assim, Senhor, veja eu prazer. Vem, a modo de dizer, Gongalo da Silva a mi, Ediz-me que é fora desi Pela Francisca da Guerra; Queres que seja eu tao perra Que 0 néio encomende 6 demo, Queo livre do extremo 33 Em queé posto seu esprito? Ese vier Gaspar de Brito Por Caterina Limao, Nao irei no meu cabrio Enfeitigar a limeira? Eassim desta maneira Sevier o Marechal Por Guimar do Ataude Buscar a minha saude, E por forga por-mea risco. Ese me rogar Dom Francisco Que lhe enfeitice a Benim, Seu nao for muito ruim, Mal Ihe posso negar cousa. Elé.o Martim de Sousa, Que morre pola Primentel, Nao lh’ei de ser infiel. Assim queas tais feiticarias Sao, Senhor, obras mui pias, Endo hé mais na verdade, Saiba Vossa Magestade Quem é Genebra Pereira, Que sempre quis ser solteira, Por mais estado de graca, ; ° fato de Gil Vicente ter acrescentado a sua galeria de tipos sociais a figura de Genebra Pereira 6 por sis6, um elemento si : i ficativo da importancia que a feiticeira assumia no cotidi i €poca. Alids, a propria ago da farsa Auto das fadaspoeem ie Conjunto de elementos necessariamente familiares ao puiblico d co da 34 e; Genebra Pereira, em defesa da utilidade dos seus feiti¢os, nao 6 se justifica no longo arrazoado transcrito (no qual so con- densadas, de forma muito perspicaz, as préticas de feiticaria), como procedea uma demonstracao, invocando o deménio e orde- nando-lhe que leve ali trés fadas marinhas com o objetivo de lan- gar sortes (fados) sobre cada um dos presentes, a comecar pelo rei corté epelarainha. Otrecho que escolhemos para abertura do livro é particular- mente significativo: Genebra Pereira declara-se mulher solteira, yelha amarga, sem marido e sem nobreza, especializada em feiti- gos no paso régio; nega ter feito mal alguma vez a alguém, é por querer bem que anda nas encruzilhadas de noite e fala a enforca- dos; evita muitos danos através dos seus conjuros; sabe a verdade \ ao falar com dez mortos; comunica com o outro mundo por um | sino-saimao metido num cora¢ao de gato preto; cavalga em seu | cabrdo para Vale de Cavalinhos, onde chama frades e freiras que morreram de amores para ajudar os namorados sem conforto; usa feiticos, benzeduras, invocagdes do deménio, tudo por querer bem. Ao longo deste livro, poderemos constatar como Gil Vicente utilizou todos os estereétipos correntes na época para criar sua personagem, com uma liberdade de linguagem que desapareceria na segunda metade do século xv1, perfodo modelado pela censura inquisitorial. Eexemplo disso 0 a-vontade com que Gil Vicente fala do sabé em Vale de Cavalinhos, da encomenda ao deménio ou do estatuto social de Genebra Pereira —“sempre quis ser solteira por mais estado de graca” —, em que estabelece um paralelo humoris- tico com o estado clerical. A personagem construida por Gil Vicente obedece, no essen- cial, a esteredtipo literério da feiticeira fixado pela Celestina de Fernando de Rojas’ velha alcoviteira, solteira e amarga, produ- tora de feiticos e invocadora do deménio—; embora saia benefi- 35 ciada pelo olhar ctimplice e irénico do autor, que preferiu salien- tar os aspectos benignos da feitigaria amorosa. a esterestipo, alids, é retomado no Auto da barca do inferno com Brizida Vaz.’ Na mesma linha da Celestina, embora com outra arquitetura e dimensio, insere-se igualmente a Comédia Eufrosina de Jorge Ferreira de Vasconcelos,‘ o maior sucesso literdrio registrado em Portugal no século dos Quinhentos (quatro edi¢Ges entre 1555 ¢ 1556). A figura de Filtra (cujo nome decorre dos filtros de amor utilizados pelo tipo de feiticaria em questao) foi justamente apre- ciada, numa perspectiva comparada, por Eugénio Asensio: “Filtra a alcoviteira perdeu a grandeza, a auréola satanica, a sabedoria do mal da sua antecessora. Sabe as artes da mie Celestina que [...] sio © engano, a ciéncia do amor, a bruxaria, a hipocrisia religiosa, a mentira ea embriaguez”? Na comédia Os vilhalpandos, de S4 de Miranda,‘ escrita por volta de 1538, ou seja, poucos anos antes da Eufrosina, mas com caracteristicas muito diferentes, voltamos a encontrar uma figura semelhante, o alcoviteiro Milvo, que se confessa a servico do deménio. Nessa comédia e, sobretudo, na Ulyssipo de Vasconce- Jos,’ encontramos numerosas indicagdes sobre Praticas “supersti- ciosas”. Essa matriz jé tinha sido complicada na Comédi representada em 1521, embora Gil Vicente Tes essenciais. Rubena, filha deum abade, est em trabalho de parto de um filho natural sem o conhecimento deseu pai.A. Parteira, entre- tanto chamada pela criada, resolve entregaro casoauma feiticeira, para que a rapariga Possa parir em segredo e enjeitar a crianga. A feiticeira faz vir quatro diabos pelas suas artes € ordena-lhes que levem Rubena para a montanha e a tra 'gam depois de Parida. Os espiritos acabam regressandocoma Tecém-nascida, Rubena fugira, moribunda, pedindo quelhe cuidass, A feiticeira, aceitando 0 encargo, manda vir diay iia de Rubena,* peite seus tracos Cismena, pois em da crianga. “fadas maiores”, 36 por intermédio dos diabos, para que fadassem a menina. As fadas. acompanham Cismena ao longo da vida para que se cumpra sua sorte. A feiticeira continua aqui ligada a um universo erético, no’) caso caracterizado por uma série de transgressdes: a origem de | Rubena, sua gravidez, o propésito de manter o parto secreto enjei- | tando obebé. Eneste ultimo passo que surge a feiticeira,agoracom | uma vertente malévola explicitamente assumida, pois serve de \ intermediéria com o mundo inferior para consumar a terceira transgressao. A rentincia (ou melhor, o sacrificio) de Rubena per- mite a “libertagao” da filha (légica inspirada, para nao irmos mais longe, no modelo de Cristo), e af se revela,denovo,avertentebené- : encarrega-se de arranjar ama para a criangae vola da feiticei manda vir as fadas, que lhe asseguram um bom destino, / Aposicdo mediadora da feiticeira, sua dupla faceea ambigi es da época, como em relacao & dicotomia mundo superior/mun- do inferior, é sublinhada, na comédia em anilise, pelo fato de invocar ao mesmo tempo santos e deménios para a realizado de seus propésitos.’ Essa profundidade de caracterizacao nao tem paralelo, tanto quanto sei, na literatura portuguesa do século xvi. Contudo, 0 tipo social do magico esta presente em quase todos os géneros liter4- rios, embora de uma forma fragmentéria, particularmente nos romances de cavalaria (mas nao s6, lembremo-nos do Auto de Filo- demo de Camées” ou do Auto da Sioza de Anténio Prestes)." Ape- nas na Crénica do imperador Clarimundo de Joao de Barros'* encontramos personagens como a gigante Calarma, grande encantadora (1, 192-5), 0 mago Vilambo (1, 305-6), a encantadora Melina (11, 115-6), a feiticeira amiga de Rialto (11, 161-3) queotinha encantado, fazendo com que repudiasse a mulher, a feiticeira Far- pinda, que dera a Clarimundo uma beberagem para lhe fazer per- 37 ee LE eae | He \ dade de sei estatuts, tanto em relagio ao sistema central devalo- { He & kp ge ria (1m, 12), bem como o vidente Fanimor, Para quem dera mem das, presentes € futuras lhe sao manifest,» “todas as cousas passa as, pr as’ ee ed Jo dessas personagens nao é inteiramente manj_ a iceiras e a gigante tém um papel claramente apel benévolo, a Melina e Vilambo é atyj. bufdo um papel neutro. Esse aspecto nao esta desligado de outro; em todaa economia da ao verifica-se que tanto 7 for ‘gas do mal como as do bem precisam do concurso de intermedidrios magicos para superar as maiores adversidades. Fanimor, por exemplo, intervém nos momentos mais desesperados da vida de Clari- \_, mundo, para que se realize seu destino glorioso. Apesar da posigao critica de alguns humanistas de relevo na peninsula, como frei Luis de Granada, Lufs Vives ou Anténio de Guevara, que classificam as novelas de cavalaria como sermoné- rios do diabo,” revelando assim sua distancia em rela¢ao ao uni- verso mental af representado, o sucesso editorial desse género lite- rério em Portugal é um fato inegdvel até 0 inicio do século xvu, influenciando o préprio teatro (caso das comédias Dom Duardos e Amadis de Gaula, de Gil Vicente). Se considerarmos apenas as obras impressas de autores por- michinmasiionidhenagee neers een entre aniivela de a aie 7 fa eeneip bucblica)," dues edigbes, em ad 7 . la. sentimental eanovela da seoundathiolared 3 © Memorial das ‘proezas i egun la tavola redonda, de Jorge Ferreira de Vascon el edisdo em 1567s0 Palmeirim de Inglaterra, le Franci celos, uma quatro edicoes (duas primeiras Perdidas, ade iebred, de Moraes, terceira e quarta parte do Palmeirim, a crescentad, ea ide 1592);a nandes, uma primeira edi¢ao em 1587 euma ‘4s por Diogo Fer- por fim, a quintae sexta parte do Palmeirim, 4 Segunda em 16045 Lobato, foi publicada em 1602, » de Baltasar Goncalves queista, pois se as feiti malévoloe Fanimor um P’ 38 A edicao do Don Quijote em 1605 vem por um ponto final nas publicages de romances de cavalaria na peninsula Ibérica. Contudo, se o género deixou de estar na moda devido ao“enterro” docavaleiro andante, omaravilhoso quelhe servia de suporte con- tinuou a se reproduzir em outras 4reas da literatura, apesar do clima adverso que entao se respirava (0 rol de livros proibidos de 1581" € muito mais restritivo do que os anteriores, depurando as Obras de Gil Vicente e incluindo textos como a Menina e moga,a Celestina ea Eufrosina).Com efeito, os Contos e historias de proveito e exemplo de Gongalo Fernandes Trancoso conhecem sucessivas edigdes ao longo dos séculos xvi e xvi (segundo Inocéncio, em 1585, 1589, 1596, 1608, 1633, 1646, 1660, 1671, 1681, 1710, 1722e 1734), reveladoras de um éxito duradouro, Além disso, o prodi- gioso e o fantastico estéo presentes em obras de indole tao diversa comoa Urbis olisiponis descriptio, de Damiao de Gois,"* Os lustadas de Camées,” ou a Peregrinagao, de Fernao Mendes Pinto."* Os vestigios da feitigaria e da magia ilicita encontram-se em muitos outros campos, nomeadamente na toponimia, apesar de todos os esforgos feitos pela Igreja para “rebatizar” os diversos lugares, sobretudo com nomes de santos. Uma leitura répida do numeramento de 1527 e das corografias posteriores permite-nos constatar essa apropriacao simbdlica do espaco pelo cristia~ ora escapem alguns topdnimos nas margens dos Vila Pouca, que confronta com o termo da vila de Avé e da vila de Coja (entre Coimbra ea Covilha), da “aldeia da Demoninho’, no termo de Torres Vedras, da aldeia de Bemquerengas, no termo de Castelo Branco, da vila de Salvaterra de Magos, do Terreiro das Bruxas, no atual concelho de Meimao ou de Janas, no atual con- celho de Sintra. 39 OS PROBLEMAS eraensinar a leer, uma das obras impressas mais divulgadas aolongo do século xv! devidoaseus uate (d. Manuel teria enviado 2 mil cartinhas paraa i¢ 9p em 5, ji ismos € cem confessiondrios),” depara- juntamente com 42 catecis shea ako wh wilicet 0 go “os inimigos da mos com a afirmagao “0s ! m ; diabo”® e, mais 2 frente, “quatro cousas impe- aminho de bem verdadeiro, scilicet, carne, Na Cartinhap mundo, a carne € 0 dem e torvam 0 ¢ mundo, diabo e homem”.” , ‘ Essa idéia, vulgarizada pela cartilha de leitura, esta presente nuais de doutrina crista impressos em Portu- nos principais mai ; Ximenez Arias, por gal no periodo considerado. Frei Diego exemplo, que dedicaad. Joao mseu Enchiridion, pergunta: “Quan- tos so os inimigos principais do homem, dos quais é tentado: R. ‘Trés. A propria carne, o deménio eo mundo. A carne convida- nos a coisas brandas; o deménio a desabridas e speras; € 0 mundo a coisas vas”.” A visao tragica do cristao cercado pelas tentagdes, vivendo miseravelmente sua condigao humana (ela propria inimiga da alma), é acentuada por frei Bartolomeu dos Martires no Cathe- cismo: “Se tu determinas viver como cristio, aparelha-te para sofreres pedradas porque sem divida nao hao-de faltar os apedre- jadores. E 0s trés gerais apedrejadores (que sao 0 deménio, carne e mundo) entao se hao-de aperceber contra ti com mais e maiores } pedras de tentacdes”.” A existéncia humana, devido ao pecado original, tem uma natureza viciosa, precaria ¢ efémera, sendo constantemente asse- oo pe ae = we Pprocura evitar 0 acesso sublime das almas ao reino dos céus. Nessa perspectiva, 0 antes de mais nada, contra si proprio, meen enideliias ¢ quanto a acado 40 insidiosa do deménio, que se faz sentir direta ou indiretamente, através de seus agentes na Terra. Oprimeiro problema, a saber, ticeira (e do magico em geral) na visio de mundo. catélica dos Qui- nhentos, resulta dessa série de raciocinios por analogia, oposicaoe inverséo: a um mundo superior dominado pelas forcas do bem opde-se um mundo inferior dominado pelas forgas do mal; 0 mundo terreno, intermediério, surge como Palco de disputa des- sas forgas, impondo ao homem uma vida constantemente amea- gada, pois sua natureza o inclina paraomaleparao castigo eterno; aos agentes divinos na Terra, os. sacerdotes, opdem-seosagentesdo deménio, ou seja, os magicos, as feiticeiras e os adoradores de fal- sos deuses. Os manuais de confessores, catecismos e tratados de teologia moral que, regra geral, utilizam a mesma estratégia discursiva; baseada no comentario detalhado dos dez mandamentos, dos sete pecados capitais e dos sacramentos da Igreja, tratam do problema da feiticaria justamente no quadro do primeiro mandamento, “amar a Deus sobre todas as coisas”. O. inquisidor frei Joao Soares, mestre do infante d. Joao e futuro bispo de Coimbra, explicita essa relacao no Libro de la verdad de la fe:“Mas quanto a nao invocar deménios: bem se segue se um s6 deus ha-de ser amado e ele governa todas as coisas nao se deve outro chamar Para nenhuma necessidade ou obra” Assim, pecam contra o primeiro mandamento “aqueles que de todo coracao e vontade o nao amam, nem temem, nem ado- tam, nem nele tém firme fé ¢ es} invocacdes de deménios e here deus ¢ suas escrituras”: claro, \peranga, antes créem em agourose 'sias e falsas doutrinas, mais queem * Mas frei Bartolomeu dos Martires é mais Pois designa og transgressores: damento pecam todos Os que tém co: deménio, “Também contra este man- mpanhia e comércio com o ouo chamam eusam de seu poderio: como sao todos os 4 qual a posicao eo papel da fei-_ feiticeiros ¢ feiticeiras, benzedeiros e benzedeiras, adivinhadores, agourciros, lan¢adores de sortes eassim todos aqueles que vao bus. car a qualquer destes para Ihes administrar alguma cousa ou lhe pedirem qualquer outra ajuda”.* Poder de Deus/poder do deménio (mesmo sendo este tltimo apenas um poder de ilusio—masafas opinides nao sao undnimes) éa dicotomia que transparece dessa primeira abordagem das fon- tes teolégicas. No fundo, o poder do primeiro, nessa época, afirma- se pela dentincia do poder do segundo, que é apresentado como uma figura atuante, visivele palpavel no cotidiano dos homens, Dai aafronta que constitui o desespero ea descrenca quanto a obtencao- do favor divino para o alivio dos males fisicos e espirituais; dai a valoriza¢ao, pela propria Igreja, do papel do magico como um intermediario, mesmo sendo considerado “ilegitimo”, Esse primeiro problema é importante, pois sabemos que, no século Xv1, a vida privada ea publica estavam dominadas pela reli- gido, sendo os homens banhados pelo cristianismo desde o nasci- mento até a morte.” Além da imposigio dos sacramentos do batismo e do matriménio, a Igreja supervisionava os testamentos e fazia sentir sua presenga no dia-a-dia (através do sino da igreja, da missa dominical, dos cortejos fiinebres, da visita do padre ou das procissées). A influéncia que exercia sobre a palavra dita (em que as pregacdes ¢ os sermoes assumiam um papel derelevo) tinha seu prolongamento no controle da palavra escrita. Nao nos referi- mos apenas ao seu papel preponderante no nivel da censura, que condicionava e orientava toda a producio intelectual: a Igreja desde cedo se apercebeu do efeito multiplicador da tipografia, pelo que dominou boa parte da atividade editorial dos Quinhentos — cerca de 37% do total de publicacées do periodo considerado dizem respeito a religido ea Igreja.” Avisao da elite eclesidstica sobre o problema da feiticariae da magia ilicita tem sua correspondéncia na visio das elites laicas, 42 nomeadamente da elite juridica, que transforma a feiticeira eo magico, enquanto desclassificados religiosos, em desclassificados sociais. Esse aspecto, visivel na tipificagao dos delitos. subjacente as Ordenagoes do Reino, surge ao correr da pena do corregedor do Funchal, quando escreve uma carta ao rei em 23 de maio de 1557, na qual se queixa de que na ilha hé muitos ladrdes, amancebados e feiticeiros.” Essa hipdtese suscita uma segunda ordem de questées, a saber: se a viséo da elite eclesidstica é unanime e se 6 aplicada da mesma forma no espago e no tempo; em que medida as elites lai- cas, na sua pluralidade de vis6es, se aproximam ou afastam da pri- meira. Oproblema se complica quando sabemos quea feiticaria (ea magia, em geral) é definida como crime de uma forma detalhada tanto nas ordena¢ées régias como nas constituicdes sinodais enos diplomas organizativos da Inquisicao, o que implica uma sobre- posicao de jurisdic6es, nem sempre facil de deslindar, por parte de instituicdes com estratégias de atuacao diferenciadas, As crengas e as atitudes das elites no tocante a magia ilicita podem ser reconstitufdas, com maior ou menor rigor, dado que nos legaram todo um conjunto de fontes teolégicas, narrativas, normativas e judiciais, manuscritas e impressas. A dificuldade residena percepcao das formas queassumiaomitodo homo magus em Portugal entreas camadas populares, mito esse ‘que esténa base de todo o trabalho de reinterpreta¢ao teolégica a que vimos nos teportando, Com efeito, esse problema remete a um nivel de cultura oral, gestual e tétil no qual as formas de comunica¢ao condicionam ‘odos os procedimentos intelectuais, num quadro de relagées interpessoais marcadas pela afetividade e pelo sentido pratico.” Essentvel de cultura nao nos deixoutestemunhos diretos, pelo que 6¢possivel desvendé-lo através de uma andlise cuidada de fontes B damente dos processos da Inquisigao, em que indiretas, nomeaca” | deformado das maneiras de pensar ¢ d temos acesso a um i ubalternas. 7 agir das camadas niet bem como as crencas que as escg, / yi as a od parte de um universo mental mais amplo, ( ram e exp] “asiessod niveis de cultura ¢ em que se movimentam Sadan (saludadores, segundo a terminologia da época), adj. vinhadores, langadores de sortes, rf dondoday slenay tox marinas Esse universo mental, estruturado em torno de uma visio magica do mundo e de uma tradi¢éo plu- / rifacetada de pensamento mitico (expressa pelo mito do homo magus, que dé origem 3 figura literéria do Fausto, e pelo mito da ( bruxa, que estd na base da derivacao demonolégica), constitui \\_ Principal objeto de nossa investigacao. ; Essa abordagem, credora da antropologia e da filosofia das formas simbélicas,nao est desligada de todo um conjunto de pro- blemas e métodos de inspiracao sociolégica que visam esclarecer 0s quadros sociais do conhecimento, bem como a posi¢ao do magico no espaco dos poderes, tanto no campo social como no religioso. Na construcio desse objeto recorremos ainda ao método com- parado, cujos fundamentos foram langados por Emile Durkheim € por Marc Bloch.” Nessa perspectiva ha um fato saliente: en- quanto nos paises do Centro edo Norte da. Europaa repressio sobre a bruxaria e a feiticaria conhece um grande impulso ao longo da segunda metade do século xvi e da primeira metade do xvu, nos paises meridionais, sobretudo em Portugal e na Espanha (com excecao do Pais Basco, durante um curto perfodo), tal fendmeno nem nessas mesmas Propor¢ées, periodizacao. videntes e nigromantes (evoca. nao se registra hem com a mesma 0 TERRITORIO A magia constitui, # meu ver, um revelador social e, sobre- tudo, um observatorio privilegiado para a compreensio da socie- dade do Antigo Regime ©m Scus niveis de profundidade. Nese quadro,a elucidacao das praticas reais e dos discursos simbdlicos que se produzem 4 propésito desse fendmeno sé tem sentido se nos permitir uma aproximacao dessa questo de fundo: como é que uma sociedade utiliza determinados mitos para se exprimire representar. Por isso escolhemos como perfodo de investigacao o século xvt,época de mudanga em varios nfveis, procurando referéncias anteriores € posteriores que nos permitissem ensaiar algumas hipéteses explicativas quanto a diversidade de atitudes perante a magia tanto em termos de espaco como de tempo. O campo de observacao é necessariamente vasto e foi se ampliando ao longo do inquérito a que procedemos. A caracteri- zacio da feiticaria, como producao e administracao de feiticos, conduziu-nos a considerac¢ao da medicina tradicional, da adivi- nhago, da nigromancia e da magia; a caracterizacao social e reli- giosa do magico conduziu-nos consideragao de suas relagdes coma clientela eos restantes agentes religiosos; a caracterizacao da repressao conduziu-nos & consideracao de todo 0 processo de aculturagao religiosa e de assimilagao das periferias (entendidas nao num sentido estritamente espacial, mas, como indica Edward Shils, em sua relacao com o sistema institucional central e o sis- tema central de valores).” Na definicao do campo revelou-se de grande importancia 0 “vaivém” entre os instrumentos conceituais forjados pela produ- ao cientifica contemporanea e os conceitos utilizados na época, quer no nivel do senso comum (revelado, em certa medida, pelos processos da Inquisico), quer no ambito do saber erudito (reve- 45 literdrias, teoldgicas € juridicas, bem como pelos S lado pelas obra: s ee icionarios e vocabularios, que desempe: Pp neni izacao € normatizasao). Dessa forma, procura- i ean odo de operar que evitasse as armadilhas do mos construir um m anacronismo. Os conceitos posto! bruxaria, nem sempre se , dade quinhentista. Em primeiro lugar, ha um problema de método: nao podemos utilizar com ligeireza conceitos claborados para a anilise de fendmenos ocorridos em sociedades dispares eg por isso mesmo, com contornos diferentes. Segundo Durkheim, “os fatos sociais dependem do sistema social de que fazem parte; nao podemos compreendé-los isolados do conjunto. Dois fatos, ocorridos em sociedades diferentes, nao podem ser comparados de forma pertinente apenas porque se assemelham; é necessdrio que as proprias sociedades se assemelhem”.”” Em segundo lugar, hd um problema de sociologia do conhe- .s em moda pela antropologia, como o de revelam adequados ao estudo da reali- cimento, ou seja, de compreensio critica das condic6es sociais e intelectuais em que se forjaram esses mesmos conceitos (estou pensando na teoria funcionalista que dominou as monografias classicas sobre a bruxaria de Evans-Pritchard e Clyde Kluckhohn). Em terceiro lugar, existe um problema de “traducao” mos usados em épocas diferentes ou em sociedades diferentes, de modo a torné-los inteligiveis Para o leitor moderno. Esse pro- blema é extremamente delicado, pois os estudos de Lucien Febvre ede Norbert Elia sobre os termos ‘cultura? €“civilizaco”™ mos- traram como o léxico de uma época Pode ser objeto de uma abor- dagem sociogenética reveladora do quadro social ¢ mental que as palavras ajudaram a organizar, dos ter- socialmente desaprovadas, Para Kluckho} (witch icraft) cobre todo tipo de: atividades nenamento, encantamento, sortilégio, transe — witchery, sorcery, hn, o termo “bruxaria” malévolas (como oenve- feitico, adivinhacdo por wizardry ou frenzy wi ther ’ ZY witchcray sihimaassergao nao éalheia a uma nocéo do se ae em voga na época — a dicotomia ma, resultante do raciocinio dual entao do: cientificos. Para os africanos azande, segundo a monografia de Evans- Pritchard," umato de bruxaria (witchcraft) éumaemanacio,a dis- tancia, de uma substancia nociva que obruxo Possuiem seu corpo, através da qual provoca danos a satide e aos bens de seus inimigos, Os azande distinguiriam claramente bruxos (witches) de feiticei. 10s sorcerers), operando os primeiros através de atos “psiquicos” (0 termo é de Pritchard) e os segundos através de ritos mégicos considerados ilicitos pela comunidade. Essa distingao revelou certo sucesso, sobretudo entre os autores de lingua inglesa, que procuraram sua correspondéncia (mutatis mutandis) no ambito especifico da bruxaria européia. Assim, witchcraft é o termo geralmente utilizado para designar o mito que envolve pacto com o deménio, véo noturno e participa- do em assembléias coletivas (sabas), enquanto sorcery cobre um conjunto de técnicas ¢ ritos magicos que se inserem no espaco cotidiano. Oléxico inglés revela-se particularmente rico e especializado nesse dominio, fato que nao ocorre em outros paises. Na Franga, por exemplo, apenas podemos contar com um termo, sorcellerie, que cobre todo 0 campo semantico de witchcrafte sorcery. Na Ale- manha, ja encontramos dois termos, hexenei e zauberei, embora as fronteiras dos respectivos significados sejam bastante fluidas. Situagao semelhante se verifica na Itdlia, onde as palavras stregone- tia e fattucchieria poderiam ser identificadas, respectivamente, ; ‘NSO comum muito gia branca/magia negra, munante, mesmo nos meios 47 ora stregoneria seja utilizada m witchcraft e com sorcery, emb' . Nain oo ancia, cobrindo os dois campos. Na Espanha, om mais freqiiéncia, co! . . ‘ lingiifstico paralelo (brujeriae hechice. detectamos um fenémeno ling! Seal al (bruxaria e feitigaria). ria), tal como em Portug' . imad No caso portugués, 0s investigadores passam por cima desses tos por brasas, detendo-se apenas na diferenca problemas como gatos p . ae 7 entrea figura da bruxa ea da feiticeira. Moises Espirito Santo, em Freguesia rural ao norte do Tejo,” sé registra a presenca de bruxas, que distingue de curandeiras, sendo as primeiras caracterizadas como mulheres solitdrias e idosas, que langam mau-olhado e pac- tuam com o deménio. Em sua anilise de inspira¢ao psicanalitica, a bruxa funciona como o bode expiatério das frustragdes da comunidade, apresen- tando-se como um modelo antifeminino e um simbolo da m4 mae. Contudo, se a bruxa é vitima de um processo de segregacio pela comunidade, que acumula em torno dela um quadro fabu- loso do qual nao consegue se libertar, ela propria parece conhecer uma realidade objetiva, pois adquire tal“personalidade” por trans- missao de uma vizinha moribunda, detentora dos segredos e dos poderes. Aprimeiravista,a caracterizaco acima referida parece apro- ximar-se do conceito de witch. Mas tal nao acontece: sea bruxa lanca maleficios sobre os bens que inveja (pelo menos a comuni- i q P dade esté persuadida disso), elatambém: administra filtros amoro- sos a pedido dos interessados (fato quea aproxima do conceito de Sorcerer), No estudo domesmoautordeA religiao popular portuguesa,* 0s termos “bruxa” e “feiticeira” sao utilizados in acrescentando as caracteristicas da Persona; receitas magicas. Além disso, noturna, correspondendo esta Ultima ao campo semantico tradi- cional de witchcraft. diferentemente, 'gem a preparacao de distingue a feiticaria diurna da 48 Num contexto diferente, € certo, José Cutileiro, em Ri pouresn0 Alentejo,” apresenta-nos uma anilise rigor a a . aqual as mulheres especializadas nos assuntos saprado el tuem 0 primeiro elo da cadeia de relacdes de patronato entre ig homens € a divindade. Essas mulheres, que o autor evita designar (caracteriza-as apenas por fazerem benzeduras e praticarem ritos curativos, 0 que parece aproximéa-las da sorcerer), desfrutariam de yma reputagao ambigua entre a populagao (benéfica/maléfica, yirtuosa/iniqua, agente de Deus/agente do deménio), explicada pela posicao relativa das pessoas “na teia varidvel de amizades e de inimizades subjacentes avida na aldeia’.” Jorge Dias,em Vilarinho da Furna," considera que nao ha dis- tingao clara,nessa comunidade do Alto Minho, entre bruxas, feiti- ceiras, mulheres de virtude e benzedeiras, embora nem sempre estas tiltimas tenham o poder magico das bruxas, derivado do pacto com 0 deménio. A capacidade de se transformarem em outros seres, de cometerem desacatos contra vidas e bens, ou de manipularem feitigos, seriam tracos comuns das crencas em rela¢ao aessas mulheres. Em sua breve anilise, Jorge Dias tem a percep¢ao daambigiiidade dos poderes mégicos das feiticeiras e considera que “ao contrério dos lobisomens, as bruxas j4 nao cumprem um fado, mas servem-se voluntariamente da magia para poder exer- cerem depois 0 seu poder sobre os homens”. Francisco Manuel Alves (0 abade de Bacal), nas suas Memérias arqueolégico-histéri- casdo distrito de Braganca,” usa indistintamente os nomes debru- nsidera que 0 povo da regido as confunde no xae feiticeira, pois cot depois da aplicagao mesmo conceito; tornam-se invisiveis e voama deuma pomada feita de sebo de sapo ¢ de salamandra; reinem-se em assembléias coletivas noturnas (geralmente em areais e encru- zilhadas), nas quais prestam culto ao dem6nios Jangam maleficios, através de mau-olhado, sobre pessoas € animais. Oautor salienta, contudo, certa diferengaentrea feiticeiraea 49 bruxa: “Na crenga popular, a bruxa é sempre uma velha e relha mal-encarada ea feiticeira uma nova, de aspecto mais agradavel, embora uma e outra tenham poder para ferir, de olhar repassado, homens ¢ animais, matd-los repentinamente ou secé-los pouco a pouco, até definharem mirrados, se bem que os poderes maléficos da bruxa so mais latos e podem vencer os das feiticeiras”. “A bruxa nasce, a feiticeira faz-se” — este ditado popular fo registrado por José Leite de Vasconcelos na Etnografia portuguesa, Mais & frente explicita seu sentido: “Ser bruxa é um fado. A feiti- ceira €um modo de vida, é preciso ter arte” Apesar de essa distin- 40 poder indicar uma aprendizagem técnica por parte da fei ceira, em contraste com as capacidades naturais ou o destino determinado 4 nascenca no tocantea bruxa, o conjunto dos verbe- tes organizados sob as rubricas “adivinho”, “benta’, “benzedeira” “bruxa’; “curandeira”, “feiticeira”, “fada”, “Sa” e“sdbia” nos dé uma idéia da enorme complexidade e flutuacdo das acep¢es populares nessa matéria. Dessa breve incursio pelos terrenos da etnografia e da antro- pologia constata-se uma grande diversidade de termos e significa- dos respeitantes aos fendmenos da feiticaria e da bruxaria, que decorre das especificidades regionais, das fontes escolhidas e, em alguns casos, da propria formacao do investigador. Daf a necessi- dade de procurarmos estabelecer um confronto entre 08 vestigios atuais ¢ 0 léxico utilizado na época moderna nos varios niveis de cultura, Os termos referenciados em José Leite de Vasconcelos esto Presentes, quase todos, no Dictionarium de Jerénimo Cardoso,” primeiro dicionario de autor portugués im aqui, € identificada com a magica ars, a maga (também traduzida por encay trum, e enfeiticar com philtrum irre Presso. A feiticaria, afeiticeira coma veneficaou ntadora), o feitiso como phil- tire. Abruxaé traduzida simul- taneamente por lamiae strix, adivinha por saga e benzedeira por 50 benedictrix. Hodos os sintagmas substantivos, com excegao de pruxa, tém aindica¢ao expressa de seu correspondente masculino, que surge normalmente em primeiro lugar. A visdo do século xvi, portanto, ndo era tao sexista como a contemporadnea neste assunto. A sensibilidade de Agostinho Barbosa" na traducao dos ter- mos em anélise revela-se semelhante a de Jer6nimo Cardoso. Fei- tigaria continua a ser identificada com magia, bem como bruxa com strixe lamia. Os matizes sao detectados em “feiticos’, em que ele acrescenta veneficum a philtrum e, sobretudo, em “feiticeira’, termo ao qual acrescenta saga a venefica (assimilando, assim, adi- vinhadoraa feiticeira). Bento Pereira, no Thesouro da lingoa portuguesa,” continua a traduzir feiticaria por magia, acrescentando veneficum (0 que ja acontecia com feitico), feiticeira por veneficae saga, acrescentando malefica, bruxa por lamiae strix. Encantadora, que na tradugao de Cardoso aparecia como maga, aqui esté confinada a incantatrix. Os demais termos obedecem a tradugao idéntica, tanto no mascu- lino como no feminino. Avisio das elites intelectuais no perfodo, considerado tem por referéncia a cultura classica, que satura todo o seu universo men- tal, a par da patristica e da escolastica. Esse aspecto € visivel nos diciondrios de latim-portugués, em que 0 léxico romano éreinter- pretado. Assim, é interessante saber o que alguns termos acima teferidos, nomeadamente lamiae strix, significavam exatamente. No Lexicon de Ximenez Arias” afirma o autor: “Eram entre os antigos Lamias umas fantasmas de deménios en forma de mulhe- tes formosas, que atraindo con afagos os meninos y mo¢0s os tra- gavan, Na Africa interior hé umas feras con rosto de mulheres, ditas também Lamias, que con sus formosissimos peitos descober- tos,atraem os homens y os tragan.Nebri. diz. Lamia ser certaaveou 51 ga os meninos. Thren. 4. ubi pro Lamia. N.T., habet bruxa que afo: b. Lilijth pro quo quidem vertunt draconem et Esa. 34. ubi est Hal - erigem”S* ja: alii Furia, alii strigem” . as ee oe do fabuloso, a auséncia de fronteiras entre o fan- amp tAstico eo real — tragos caracterizadores da mentalidade da €poca, como mostrou Magalhaes Godinho — * aparecem aqui al sua maxima expressao, nao sendo de menosprezar as referéncias a Lilith das Escrituras, as furiae strigem da literatura classica, figuras que sao assimiladas ao mito da mulher-deménio ou da mulher- animal queasfixia crian¢as, mogos e homens no interior da Africa. Esse mito é explicitado com maior pormenor por Bento Pereira no Elucidarium: Est differentia inter striges, Lamias et Sagas. Lamia sic dicta, quasi Jania, teste S. Gregor. 34. Mor. belva est, quae habet humanum spe- ciem, et corpus bestiale, scilicit caput muliebre, et pedes equinos: adeo crudelis ut filios suos dilabet. Strix avis nocturna est, dicta stridendo, quae juxta Plin. 1. 1, c. 39, fabulosé sertur, ubera infan- tium labris in mulgera. Hinc Lamiae et Striges mulierculae dicun- tur, quae infantium sanguinem sugunt: item puellellos suo con- tactu, et lactis ablatione fascinant, vulgo Bruxas dicimus. Saga dicitur venefica, quod sitis agat, et ea est quae carminibus, et herbis mala hominibus, vel arcet, vel impellit. Philtra, de quibus Azor, p.1. lib 9. cap. 26 init. sunt pocula, vel carmina amatoria, quae allicunt ad amandum, Philacteria, de quibus Gregor. 3. Cap. si quis ariolos 26. q. 5, vocantur chartae in quibus continentur incantationes. Essa citaco, extraida da sega 1x De superstitione et ejus spe- Ciebus, parégrafo 1385 (que abre com a distincao entre venerarios, veneficos, maleficos e magos), € preciosa, pois cobre quase todo 0 campo semantico que nos tem ocupado, esclarecendo alguns pon- tos dificeis. 52 Assim, a lamia tem um ci i i sa de mulher e pés de cavalo (podemos encontrar um vestigio deste mito na narrativa medieval adaptada por Herculano sob o titulo “A dama pé-de- cabra”).* Strix é uma ave noturna que partilha com a lamiaa carac- teristica de chupar o sangue das criancas (dai o mito do voo noturno edos maleficios contra os recém-nascidos atribuidos as bruxas). A saga ou venefica, como vimos, normalmente traduzida por feiti- ceira, manipula formulas magicas e ervas maléficas, sendo associada a pratica dos filtros amorosos, adivinhagGes e encantamentos. No Vocabuldrio de Raphael Bluteau encontramos a mesma linha interpretativa: “Em portugués chamamos Bruxas umas mulheres que se entende que matao as criangas, chupando-lhe o sangue”;®“Feiticeira. Mulher que faze da feiticos”;“Feiticeria. Fei- teceria. Magica. Deriva-se do italiano Fattuchieria, que significa o mesmo. Magice, es. Fem. Plin. Hist. Vid. Magia”; “Feiticeria. En- canto, fascinagao, obra magica. Veneficum, ii, Neut. Fascinatio, onis. Fem. Cic” e“Feiticeiro. Homem que com arte diabélicae com pacto, ou explicito ou imaplicito, faz. cousas superiores as forgas da natureza”.* ‘As “formas clementares” de alguns dos mitos que marcam profundamente o quadro mental quinhentista e seiscentista ja se encontravam, como vemos, naliteratura classica, servindo de refe- réncia aos nossos humanistas. A teologia medieval encarregara-se, entretanto, de acrescentar uma pega fundamental em todo esse complicado cendrio, subvertendo-o € dando-lhe um outro sen- tido: trata-se do conceito de pacto com o deménio.” Esse conceito, gerado numa realidade social imersa em valo- Tes ecrencas cristas, é aplicado por nossos tedlogos ¢ juristas tanto A feitigaria como a bruxaria. O primeiro termo, contudao, é valori- zado em todo um conjunto de diplomas legais e de processos judi- ciais, designando inclusive narrativas de voos noturnos. 53 A fluidez de conceitos e 0 uso indistinto dos dois tern, encontra-se igualmente entre os réus, testemunhase. denunciants dos processos da Inquisicao, inseridos num nivel de cultura ont “ouviu ela testemunha dizer quea dita Frazoa é grande alcoviteira ebruxa [...] antes que ela testemunha soubesse que era feiticeirg?: 8 Contudo, quando se trata de maleficios a criangas, aplica-se g termo“embruxar” e designa-se o presumivel agente por “bruxa”» De tudo isso resulta a necessidade de utilizarmos os dois ter- mos —“feitigaria” e“bruxaria” — com indicagdes muito precisas dos significados atribuidos, pois designam o nucleo central das praticas e crencas que constituem 0 objeto de nosso trabalho. PARTE II As crencas / frm 4. A mentalidade magica 0 SIMBOLISMO DOS RITOS Os atos de magia implicam, como vimos, um conjunto de gestos e de palavras nao casual, regulado de uma forma sistematica € transmitido por tradi¢do, de cuja repeticao estrita, ritual, depende sua eficacia. Daf podermos falar de ritos mégicos,' que revelam uma grande capacidade de abstracao,’ patente na atribui- 40 de propriedades especificas aos materiais utilizados, na esco- Tha delocais qualificados, na observancia de horas, dias da semana e€pocas do ano simbolicamente valorizados, bem como naarticu- lagdo entre os ritos manuais ¢ os ritos orais, os quais remetem a um fundo mitico, Entre os espacos privilegiados para a pratica da magia’ sobressaem as préprias igrejas, enquanto locais sacralizados. A valorizacao do espaco interior dos templos cristaos é manifesta, Por exemplo, nas adivinhacées de Madalena Correia e Camila Bota, feitas junto do altar da igreja de Nossa Senhora dos Remé- dios, em Evora. A valorizagao do espaco exterior, concretamente 31 = — O atu array rio, j4 decorre de uma Outre y, ‘ado, através da comunicacs, < & “ely i ité do adro que servia de cemit ‘ contato entre o profano ¢0 sag} las. com . oe soficiais e 0s objetos dos templos também ey, sri a veitadosparaatos defeiticaria: lembremo-nos dopoder ata, aos encantamentos proferidos na presenca de clétigos Vestid, paraa celebracao da missa; lembremo-nos do Poder MAgico con, ferido ao momento alto da missa, a consagragao da héstia, uti. zado para a consagra¢ao simultanea de feiticos; lembremo.no, ainda, do comércio de pedra de ara, de héstias, de Agua denta oy dos dleos do batismo, destinado a potenciar 0 efeito dos feiticos, Os pelourinhos e as forcas, locais de exercicio do Poder de punir e de matar, eram objeto de uma procura muito especifica: ossose baracos de enforcados, Nesse caso, 0 local era apenas yalo. « Tizado pelo fato de ter ocorrido af uma morte violenta— e ngs Sabemos como essa categoria de mortos fornece espititos conside- ¥ rados particularmente sensiveis a manipulagdo do mégico. A \ explicasdo dessa crenga resideno fato de se considerar que os esp _ytitos dos mortos Por meios violentos (enforcados ou “a ferro”) Permanecemligados por longo tempo ao cadaver (eao mundoter- Teno), irredutiveis aos ritos funerdrios de apaziguamento e afasta- Ppento. (_ Asencruzilhadas constitufam outro lugar privilegiado paraa hn deespiritos ou: Paraaobtencao de materiais necessdrios Praticas magicas (nomeadamente Pedras ¢ ervas). Sua impor Hicissimbélica como local de passagem do muds dees 0 mundo dos mortos decor da propria connigaragao do crime mento decaminhos, que transforma aencruzilhada numa espécie_ decentro do mundo.A tentativa de apropriacao desses locais pot Parte do cristianismo, através de Oratérios, capelas e cruzes, cons- sesdeel oragao de ritos magicos, mas sobre; ta tudo como} ode lugare: jcios a ocorréncia de sonhos reveladores, a » Visdes e aparices, dafontecomo boca ¢ boca que simboliza a origem da graca ea origem prop! Esses' Sj jejguaviva0u de agua virgem, boca que cura, porige™ da vida, a origem do poder, aspectos nao sao estranhosa. Sacralizagao, do saber. Amesma nogao de pureza esta presente na valorizacao da msontanibaenquantolocalescolhidoparaesritesmmégicos oars damente de invoca¢ao € comunicacao com os espii idade propria da montanha remete a um duplo simbolisme por umlado de eixo (e de centro) do mundo, Por outro lado de proxi- midade com 0 céu, © que torna 0 local Particularmente atrativo para os espiritos. cs “Nos ritos de cardter doméstico encontramos, como lugares privilegiados, o oratério, o lar, a cama, a soleirada Porta darua, as janelas e as portas interiores. Se 0 aspecto sacralizado e sacraliza- dor do oratério torna evidente sua utilizagao, nos demais casos recenseados precisamos nos deter com mais vagar. Olar, como vimos, era utilizado para fervedouros, paraenter- rar ou desenterrar imagens na cinzae até ‘Para semear ervas de vir- tude. Além de seu simbolismo genérico de centro de vida, 0 calor, aluze o fogo do lar tém, na tradigao crista, uma analogia com pro- priedades idénticas atribuidas ao inferno (embora, naturalmente, com um sentido diverso, ligado ao tormento ea penaeterna), Dai que a invocagao dos deménios, no quadro doméstico, seja feita geralmente junto do fogo vivo da lareira. A cama constituia outro local de invocagao dos espiritos (deménios, almas ou santos), sendo o conjuro sublinhado pela Posigao do corpo. Os dois padroes de gestualidade ritual —cruci- feasio de Cristo eo finado amortalhado — permitem desvendar °Pr6prio simbolismo da cama: nao se trata apenas, nos casos “ventariados, de um centro sagrado dos mistérios da vida ou de 133 umlocal de regeneragao pelo sono epeloamor, 25,0 ed Sobr um lugar de morte, propiciador da comunicacag come, Udo, ce Senet for! ic os espiritos inferiores eas almas, pi superiores, As portas simbolizam a)passagem entre dois estado, f Z s dois mundos. Essaa fo € comprovavel na devocag da tte Ss, Cty las, feita freqiientemente a porta da rua, ponto de Passa, Ie. interior para o exterior, do mundo humano para o chm profano para o sagrado ( embora aquia relacao seja ambiy, len Os ritos de ligamento, como vimos, utilizam de Preferénci,. portas interiores, que simbolizam a vulva. A analogia da entra, naportacoma penetra¢ao sexual eda saidacom aimpoténciansy pode ser mais evidente. Os conjuros feitos a janela, embora lige. } dos a uma simbélica idéntica, remetem a outro problema, respi. 0 / tante a concep¢ao do ar como um poderoso meio de comunic. a0 a distanci ~ Se os espacos onde decorrem os ritos magicos nao sao objeto de uma escolha casual, 0 mesmo se pode dizer dos momentos de realizacao desses ritos. Nesse plano do tempo, ou seja, da valoriza- ¢4o simbélica de certos momentos adequados a pratica da magia, nao restam duvidas sobre a importancia do calendario solar, do calendario lunar, do calendério romano e do calendario cristao. v7 Ociclo solar diario explica, em certa medida, a preferéncia | das feiticeiras pelo p6r-do-sol, quando das praticas exteriores (v.g. | conjuros em encruzilhadas). Trata-se de um perfodo delicado de | passagem entre o dia e a noite, a luz e as trevas, a ordem ¢ 0 caos, 4. particularmente favordvel a libertagao dos espiritos do mundo \inferior e 4 sua penetragao no mundo dos vivos. As praticas /domésticas obedecem a um simbolismo idéntico, embora se real- / zemauma hora mais tardia, entre as dez e a meia-noite (conside- | rado 0 ponto alto desse periodo de trevas e, por isso mesmo, pro- \ Picio a comunicagao com os deménios). \U Ociclo solar anual nao é estranho a celebragio do dia de sa0 134 do calendario littirgico cristao que se sobrepés a cele- 4” do solsticio de verao, apogeu do aparente curso do 9 do poder desse astro como fonte de vida. Dai a nana desao Joaoser considerada particularmente favordvel para abter ervas de yirtude ou para praticar determinados ritos (v. & encantament0s). , Oculto da Lua, que esta presente em certos ritos, tem a ver imbélica complexa, em que a Lua padroniza os ritmos pioldgicos (cresces declina, morre e renasce), a medida do tempo (ocidlo semanal eo ciclo mensal),o principio feminino (por opo- joao Solealigagao com a noite, a umidade ea 4gua) eo conhe- com uma s) viento indireto (pois reflete a luz solar). Nos casos concretos recenseados sobressai 0 culto da lua nova, periodo em que a Lua morte temporariamente, preparando seu regresso pujante. Além do simbolismo dos ritmos bioldgicos, que remete a0 mito do eterno retorno, trata-se de um perfodo naturalmente propicio ao contato com as almas, a interpenetracao entre o mundo dos vivos eo dos mortos. ‘Avalorizagao de certos dias da semana nao é alheia ao ciclo lunar e as sucessivas sobreposicées da mitolo; ja classica e da cos- imogonia crista. Embora Portugal ° 0 pais da Europa latina que “desmitificou” os dias da semana, removendo a nomen- datura original baseada nos deuses da Antigitidade classica, a tra- digdo popular eo conhecimento do castelhano evitaram que se perdessem esses referenciais. Dai pensarmos que @ escolha da sexta-feiracomo um dia privilegiado paraas raticas dan magianao esteja desligada da simbologia de Vénus, deusa do amor, bem como da simbologia do sexto e diltinio dia da cria¢do.*Aescolhada quarta eda segiinds feira (nessa ordem de importancia) como dias subsididrios para a realizacao dessas praticas jase torna mais diffi de explicar: poderia se tratar da valorizagao de pares de seis, u, igualmente, das referéncias a Mercirrio (como deus do comér- 135 WYO cio, simbolo do contrato, ou como protetor dos ladroes daastticia e do intelecto pervertido) ea Lua. Oaproveitamento das datas maiores consagradas Pelo dério liturgico cristéo, ou seja, 0 nascimento de Cristo, Sta paixg morte e ressurreicao, esta patente na celebracao de certos i mégicos, nomeadamentena semeadura de ervas de virty as < quadra da Pascoa, 0 dia preferido pela maioria das fetieires es quinta-feira de “endoengas’, outras referem a sexta-feira, deni da linha sincrética que vimos observando. Seo espaco eo tempo estabelecem as condi¢ses de Tealizacig dos ritos mégicos, a simbologia do numero estrutura e consagra grande parte dos ritos manuais ¢ dos ritos orais. Em primeiro lugar aparece-nos eer nas devogies, ordenando o niimero de candeias acesas, dé oragées e de missas, como nos ligamentos, ordenando o ntimero de nés e de passagens pela porta, como nos conjuros e encantamentos), que simbolizaa superacao da rivalidade latente contida no nimero dois, expri- mindo a sintese, a ordem espiritual em Deus, no cosmos e no homem. O Deustrinitario cristao, quesurge como oreferentemais préximo das praticas recenseadas, simboliza justamente a perfei- a0 da unidade divina. _ Entre os multiplos de trés sobressai 0 niimerdscis) |que apa- rece na preferéncia dada a sexta-feira e no desenho freqiiente do sino-saimao (signo-de-Salom4o), uma estrela de seis pontas cons- tituida por dois triangulos invertidos e enlagados. O mimero seis simboliza a ambivaléncia, pois reine dois complexos de: atividades ternérias — pode pender para o bem ou para o mal, para a unido com Deus, ou para a revolta. Essa ambivaléncia decorre, na tradi tind, cardter| incompletoe imperfeito das criaturas no se Deutz cruioa eine um. equilibrio instdvel entre o ne teza divina, presente ie Oia at ) _ onjungao dos dois triangulos opostos a Simo), Cale, 236 nemsempre éseguido:a besta do apocalipse, ada pelo ntimero 666. Noscasos conhecidos, 0 sino-saimao ‘inscreve- gos amuletos, pois tem funcGes de Preservacao d trando-sesua representaso €m matcas de tabelides, ombreiras de portas de casas Particulares eabébodas de igrejas.’O fato deas fei- ticeiras tracarem sinos-saimoes quando da invocagio dos demé- nios constitui apenas um rito de Protecao perante as forcas desen- cadead: objetivo consiste em garantir a integridade numa comunicacao que envolve grandes riscos. Essa forma de sacraliza- gio do espaco para o contato com os espiritos inferiores tem como referencia proxima a cruz de Cristo: algumas feiticeiras utilizam a imagem da cruz para descrever o sino-saimao, Ontimeronove aparece-nos varias vezes, tanto na organiza- aodos periodos de tempo necessdrios a realizacao eficaz de certas devogdes e ensalmos, como na defini¢ao do ntimero de missas a encomendar, do numero de pedras a colher em encruzilhadas ou domimero devezes que se devem proferir determinados ‘conjuros. Seu poder simbélico decorre, originalmente, do fato de represen- tara totalidade dos trés mundos 6 céu, a terra e o inferno, sendo cada qual simbolizado por um triaiigulo;umntimerctterné- tio (como jé vimos). Se essa simbologia nao nos parece alheia a alguns dos procedimentos descritos (nomeadamente as nove Pedras ritualmente apanhadas em trés encruzilhadas), noutros Procedimentos é explicito o simbolismo do nove como medida da Sstacao, sendo referida freqtientemente a gravidez de Maria. Nas formulas de encantamento detectamos certa insisténcia Pontimerycinco, que simboliza a perfeicao, a harmonia eo equi- "brio peo bso de resultar da soma do primeiro niimero pare do Prine impar, situando-se no centro dos nove primeiros nuime- 1°S Nos casos inventariados, o mimero cinco é utilizado, por um "do, como stmbolo da totalidade do mundo sensfvel (0s cinco Porexemplo, érepre. sent ‘Se na categoria ‘0 mal, encon- 37 i outro como referéncia as cinco chagas de Cristo cenit die saimao tanto aparece representado por 4,” Além disso, ° ct (podendo significar 0 macrocosmos ou estrela de ee como por uma estrela de cinco pontas (po. a o tnicrocosmos ouo homem, particular), embora a fun¢éo protetora eja idéntica. Alvaro Martins, lavrador deAlca. ria (termo da Covilha),assinasistematicamente seus depoiment, na InquisicZo com uma estrela de cinco pontas.' O ntimero ete apenas é mencionado por um saludador fan. farrdo que afirmava possuir sete virtudes. Essa Tepresentacio nig casual, decorrendo da idéia da perfeicao dinamica emanada dos sete dias da semana (como se sabe, modeladosa partir de idénticas fases do ciclo lunar). Além dessa referéncia original, o ntimero, sete representa, na cosmogonia biblica, o acabamento do mundo ea plenitude do tempo. Nos relatos de devogGes a estrelas, a santo Anténio ea santo Erasmo aparece com freqiiéncia o ntimero’ frézéna definicao das oracoes a rezar e dos dias a cumprir. Se o numero é considerado de mau augurio desde a Antigiiidade, crenga reforcada, na tradicao crista, pela traicao a Jesus pelo décimo terceiro comensal presente a Ultima Ceia, nao nos Parece que os casos indicados obedecama tal simbologia. O mesmo nfo se pode dizer de outra interpretagio, segundo a qual o principio de atividade contido no numero trés, a0 sobrepor-se a uma unidade de(dez(o limite estdtico), simboli- Zaria um sistema ao mesmo tempo organizado e dinamico, uma Poténcia geradora, boa e md, Bluteau aplica essa idéia a simbolo- Bia das idades: “Estar nos seus treze. Estar com todo o seu vigor. Tet todas as suas forcas, Os treze anos sdo a flor da idade, porque esté0 ie is mosas, 80s quatorze, que séonos moses _ ©” Essa simbologia nao é alheia a forga 40 ae ™ - de Cristo. Como refere frei Diogo do Rosé: a sido revelado ao Povo gentio treze dias depois 338

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