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2011
ABSTRACT – (Comparisons between a savanna on rocky soil tree-shrub community at Chapada dos Veadeiros, Goiás, and cerrado
sensu stricto areas of the Cerrado biome). The floristic composition and the structure of a savanna on rocky soil (cerrado rupestre)
tree-shrub community, including monocots, in the municipality of Alto Paraíso de Goiás, state of Goiás, were determined. Our
objectives were: 1. To compare floristic and structural aspects between the tree-shrub community studied and 14 other cerrado sensu
stricto areas, with and without monocots. 2. To evaluate phytogeography patterns of the 15 compared areas. We sampled 71 species,
including five monocots (Velloziaceae = 3; Arecaceae = 2). Including monocots, the studied community was the most dense (1,977
individuals ha-1) and showed the second basal area (11.25 m2 ha-1) among the 15 compared areas. On the other hand, excluding
monocots, density and basal area decreased to 892 individuals ha-1 e 7.55 m2 ha-1, respectively. The diversity and equability indices
were low (H’ = 2.81; J’ = 0.66, respectively) when monocots were included; however, excluding species of this group, H’ and J’
increased to 3.63 and 0.86, respectively. Increases in richness, density and basal area, with the inclusion of monocots, suggested high
importance of Velloziaceae and Arecaceae families in the studied community. The flora was mostly represented by deep-soil cerrado
species. Nevertheless, five of the ten highest IV species are considered cerrado rupestre habitat specialists (Vellozia variabilis Mart.
ex Schult. f., Wunderlichia cruelsiana Taub., Schwartzia adamantium (Cambess.) Bedell ex Giraldo-Cañas, Hyptis pachyphylla
Epling and Vellozia tubiflora (A. Rich.) Kunth). Moreover, the low floristic similarities between the studied community and the
others suggest floristic particularity of the Alto Paraíso de Goiás rocky cerrado. The phytogeographical patterns revealed through
cluster (UPGMA) and ordination (DCA) analyses indicated the influence of altitude, of geographical closeness between the areas
and of their location in relation to the Cerrado neighboring biomes (Amazonian Forest, Atlantic Forest and Caatinga).
Key words - conservation, habitat specialist, phytogeography, rocky soils
RESUMO – (Comparação da vegetação arbustivo-arbórea de uma área de cerrado rupestre na Chapada dos Veadeiros, Goiás,
e áreas de cerrado sentido restrito do Bioma Cerrado). Foram determinadas a composição florística e a estrutura da vegetação
arbustivo-arbórea, incluindo monocotiledôneas, em uma comunidade de cerrado rupestre, no município Alto Paraíso de Goiás,
Goiás. Os objetivos desse estudo foram: 1. Comparar os aspectos florísticos e estruturais da área estudada com aqueles de outros
14 estudos com comunidades arbustivo-arbóreas, com e sem a presença de monocotiledôneas, 2. Avaliar os padrões fitogeográficos
das 15 áreas comparadas. Foram amostradas 71 espécies, sendo cinco espécies de monocotiledôneas (três Velloziaceae e duas
Arecaceae). Considerando as monocotiledôneas, a comunidade inventariada foi a mais densa (1.977 indivíduos ha-1) e apresentou
a segunda maior área basal (11,25 m2 ha-1), entre as áreas comparadas. No entanto, sem as monocotiledôneas a densidade e área
basal reduziram para 892 indivíduos ha-1 e 7,55 m2 ha-1, respectivamente. Os índices de diversidade (H’ = 2,81) e equabilidade
(J’ = 0,66) foram baixos com a presença das monocotiledôneas, mas se elevaram, com a exclusão das espécies desse grupo
(H = 3,63, J’ = 0,86). Os aumentos nos valores de riqueza, densidade e área basal, com a inclusão das monocotiledôneas indicaram
elevada importância das famílias Velloziaceae e Arecaceae na comunidade de cerrado rupestre estudada. A flora foi representada
predominantemente por espécies de cerrado sentido restrito sobre solos profundos. No entanto, cinco das dez espécies com
maiores VI são consideradas habitat especialistas de cerrado rupestre (Vellozia variabilis Mart. ex Schult. f., Wunderlichia
cruelsiana Taub., Schwartzia adamantium (Cambess.) Bedell ex Giraldo-Cañas, Hyptis pachyphylla Epling e Vellozia tubiflora
(A. Rich.) Kunth). Além do mais, foi observada baixa similaridade florística entre a área de estudo e as áreas comparadas,
sugerindo particularidade florística do cerrado rupestre de Alto Paraíso de Goiás. Os padrões fitogeográficos, revelados por
análises de agrupamento (UPGMA) e ordenação (DCA), indicaram influência da altitude, da proximidade geográfica entre áreas
e de suas localizações em relação aos biomas adjacentes ao Cerrado (Floresta Amazônica, Mata Atlântica e Caatinga).
Palavras-chave - afloramentos rochosos, conservação, especialistas de habitat, fitogeografia
1. Universidade do Estado de Mato Grosso, Departamento de Biologia, 3. Universidade de Brasília, Departamento de Ecologia,
Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação, BR 158, km Laboratório de Ecologia de Ecossistemas, 70919-900 Brasília,
148, Caixa Postal 08, 78690-000 Nova Xavantina, MT, Brasil. DF, Brasil.
2. Universidade de Brasília, Departamento de Engenharia Florestal, 4. Autor para correspondência: eddielenza@yahoo.com.br
Programa de Pós-graduação em Ciências Florestais, Caixa Postal
04357, 70919-970 Brasília, DF, Brasil.
248 E. Lenza et al.: Comparação da vegetação arbustivo-arbórea em cerrado rupestre
de 10 km da cidade de Alto Paraíso de Goiás, pela rodovia os mesmos métodos, critérios e intensidade de amostragem.
GO 327. Foram demarcadas e georeferenciadas 10 parcelas Para as comunidades de cerrado sentido restrito sobre solos
de 20 × 50 m, totalizando 1,0 ha de área amostral, conforme profundos, sempre que possível, foram selecionados estudos
recomendado por Felfili et al. (2005). As parcelas foram conduzidos em áreas localizadas nas diferentes províncias
estabelecidas aleatoriamente nas áreas de afloramentos florísticas do bioma Cerrado (Ratter et al. 1996, 2003, Castro
rochosos, com altitudes que variaram entre 1.180 a 1.210 m & Martins 1999, Bridgewater et al. 2004). Para comparar o
acima do nível do mar e dispostas perpendicularmente índice de diversidade registrado na área do presente estudo
a encosta, como sugerido por Oliveira Filho (1994). Foi com o das demais, aplicou-se o teste t de Hutchenson (Zar
respeitada a distância mínima de 100 m entre parcelas para 1999).
garantir independência das unidades amostrais e melhor A avaliação fitogeográfica, com base na similaridade
representar a possível heterogeneidade e variação florística florística, entre as áreas de cerrado sentido restrito sobre
da comunidade. solos profundos e de cerrado rupestre foi realizada por meio
O levantamento da vegetação foi realizado no interior da análise de agrupamento hierárquico, com base na média
das parcelas identificando as espécies e tomando as medidas de grupo (UPGMA) (Sneath & Sokal 1973), utilizando o
de altura total e diâmetro do tronco de todos os indivíduos programa NTSYS v. 2.1 (Rohlf 2000). O processo de fusão dos
arbustivo-arbóreos vivos (incluindo monocotiledôneas grupos se baseou na distância média mínima entre indivíduos
das famílias Velloziaceae e Arecaceae) que apresentaram e grupos (Kent & Coker 1992). Esse mesmo conjunto de
diâmetro da base igual ou superior a 5 cm, medido a 30 cm dados também foi ordenado pelo método de DCA (Análise de
do solo (Db30 cm ≥ 5 cm). Para os indivíduos que apresentaram correspondência distendida) (Kent & Coker 1992), através de
ramificações abaixo de 30 cm de altura, em relação ao nível do uma matriz de dados de presença e ausência das espécies em
solo, foi calculada a raiz quadrada da soma dos diâmetros das cada uma das 15 áreas, usando o programa Pcord 5 (McCune
ramificações ao quadrado, ou diâmetro quadrático, conforme & Mefford 2006).
adotado por Pinto et al. (2009), pois esse procedimento Alguns dos estudos aqui comparados incluíram e
evita superestimar e subestimar o cômputo dos valores de outros excluíram da amostragem espécies não lenhosas,
densidade e área basal da comunidade. como indivíduos das famílias Velloziaceae e Arecaceae.
As espécies foram identificadas no campo e nos casos em Para permitir comparações padronizadas dos parâmetros
que isso não foi possível coletou-se material botânico, o qual comunitários entre as áreas (riqueza, densidade, área basal,
foi herborizado e identificado através de consultas à literatura H’, J’, UPGMA e DCA), as análises foram realizadas
específica, a especialistas e ao acervo do Herbário da UnB excluindo as espécies dessas duas famílias. No entanto,
(UB). O material botânico coletado fértil foi depositado no para aqueles estudos que incluíram espécies não lenhosas,
UB como coleção testemunho. A classificação botânica foi são apresentados os resultados com e sem a presença desse
realizada com base no APG (APG III 2009) e os nomes das grupo, permitindo assim avaliar os efeitos da exclusão das
espécies foram conferidos com a base de dados disponíveis monocotiledôneas arbustivo-arbóreas sobre os parâmetros
na página eletrônica do Missouri Botany Garden (http://www. florísticos e estruturais das comunidades de cerrado sentido
mobot.org). restrito e cerrado rupestre.
A suficiência amostral, em termos florísticos, foi avaliada
por meio da construção de curva de rarefação (Gotelli &
Colwell 2001), com 1.000 aleatorizações, e da comparação Resultados
entre a riqueza observada e a calculada para a área pelo
Foram amostrados 1.977 indivíduos ha-¹,
estimador Jackknife 1 (Magurran 1988), no Programa
EstimateS 8.2 (Colwell 2008). A estrutura da vegetação pertencentes a 71 espécies, 49 gêneros e 29 famílias,
foi descrita com base nos parâmetros fitossociológicos perfazendo 11,25 m2 ha-1 de área basal total (tabela
de densidade, frequência, dominância e índice de valor 1). O índice de diversidade de Shannon-Wiener (H’)
de importância (Müeller-Dombois & Ellenberg 1974). A foi de 2,81 e o índice de equabilidade de Pielou (J) de
diversidade e a equabilidade de espécies foram calculadas 0,66 (tabela 2). Excluindo-se as espécies das famílias
através dos índices de diversidade de Shannon-Wiener (H’) Velloziaceae e Arecaceae, os valores de densidade,
e de equabilidade de Pielou (J’), respectivamente (Brower & riqueza e área basal reduzem para 892 indivíduos ha-¹,
Zar 1984). Os parâmetros fitossociológicos e os índices de 66 espécies e 7,55 m2 ha-1, respectivamente, enquanto
diversidade e de equabilidade foram calculados no Programa que H’ e J’ aumentaram para 3,63 e 0,86 respectivamente
Mata Nativa 2 (Cientec 2006).
(tabelas 1 e 2).
As comparações das características florísticas (riqueza,
diversidade, equabilidade e similaridade) e estruturais Com base no estimador de riqueza Jackknife 1, o
(densidade e área basal) da comunidade estudada e aquelas número total esperado para a área foi de 81 espécies. A
registradas em áreas de cerrado rupestre e cerrado sentido riqueza registrada contemplou aproximadamente 89% do
restrito sobre solos profundos, amostradas no Planalto Central número potencial estimado de espécies. Adicionalmente,
brasileiro, foram realizadas apenas com estudos que adotaram a curva de acumulação de espécies estabilizou a partir
250 E. Lenza et al.: Comparação da vegetação arbustivo-arbórea em cerrado rupestre
Table 1. Families and tree-shrub species (Db30 cm ≥ 5 cm) sampled in the phytosociological survey in one hectare of cerrado
rupestre (10 plots of 20 × 50 m) located in Alto Paraíso de Goiás, state of Goiás. (DA = absolute density; DR = relative density;
FA = absolute frequency; FR = relative frequency; DoA = absolute dominance; DoR = relative dominance). Species registered
in less than 1% (#) and in more than 50% of the areas (†), compiled by Ratter et al. 2003; * = habitat specialist species.
continuação
da sexta parcela (figura 1), na qual já haviam sido abundâncias de Vellozia variabilis (794 indivíduos ha-1),
registradas 65 espécies (90,2% do total amostrado). Vellozia squamata (113) e Syagrus flexuosa (101). Por
Assim, podemos assumir que a suficiência amostral, outro lado, foram amostradas seis espécies consideradas
em termos florísticos, avaliada pela curva de rarefação localmente raras, ou seja, que apresentaram um indivíduo
e pela estimativa da riqueza potencial da área, sugere por hectare, sendo elas Tetrapterys microphylla, Psidium
que a amostragem adotada foi representativa da área de myrsinoides, Cybianthus gardneri, Miconia rubiginosa,
cerrado rupestre estudada. Banisteriopsis latifolia e Aniba heringeri, que juntas
As dez espécies mais abundantes foram Vellozia correspondem a 8,3% da riqueza e 0,3% da densidade
variabilis, Vellozia squamata, Syagrus flexuosa, registrada na área (tabela 1).
Chamaecrista pachyclada, Hyptis pachyphylla, Vellozia Em termos estruturais, novamente merece destaque
tubiflora, Wunderlichia cruelsiana, Bauhinia pulchella, Vellozia variabilis, cujo valor de importância (VI)
Schefflera macrocarpa e Schwartzia adamantium (tabela representou 22,6% do VI total da comunidade, devido
1). Estas espécies (13,9% do total) representam 71,8% principalmente a sua elevada densidade (40,14% da
dos indivíduos amostrados, com destaque para elevadas densidade total) (tabela 1). As espécies com segundo e
252 E. Lenza et al.: Comparação da vegetação arbustivo-arbórea em cerrado rupestre
Tabela 2. Parâmetros florísticos e estruturais de estudos fitossociológicos, utilizando método de parcelas (1 hectare), com
espécies arbustivo-arbóreas (Db30 cm ≥ 5cm) em áreas de cerrado rupestre e de cerrado sentido restrito sobre solos profundos, em
ordem decrescente de altitude. († = Bridgewater et al. 2004 – Províncias: NE = Nordeste, CO = Centro Oeste, CSE = Central e
Sudeste; * = apenas indivíduos vivos; S = número de espécies; AB = área basal; H’ = índice de diversidade de Shannon‑Wiener
e J’ = índice equabilidade de Pielou. IS = índice de similaridade de Sørensen com a área do presente estudo; t = teste t de
Hutcheson para comparação dos IS e --- = Sem informação).
Table 2. Floristic and structure parameters of phytosociological studies, using plots establishment method (1 hectare), with
tree-shrub species (Db30 cm ≥ cm) in cerrado rupestre and deep-soil cerrado sensu stricto areas, in altitude descending order.
(† = Bridgewater et al. 2004 – Provinces: NE = Northeast, CO = Midwest, CSE = Central e Southeast; * = only a live individuals;
S = number of species; AB = basal area; H’ = Shannon-Wiener diversity index e J’ = Pielou equability index. IS = Sørensen
similarity index with the present area; t = Hutcheson’s t-test for the IS comparison and --- = No information).
terceiro maiores VI foram, respectivamente, Wunderlichia decrescente de VI foram Vellozia squamata, Syagrus
cruelsiana (5,27% do VI total) e Schwartzia adamantium flexuosa, Chamaecrista pachyclada, Hyptis pachyphylla,
(4,06%), ocuparam posição de destaque na estrutura da Vellozia tubiflora, Bauhinia pulchella e Callisthene
comunidade em função dos elevados valores de área basal mollissima. Juntas essas dez espécies contribuíram com
individual (1,2 m² ha-¹ e 0,8 m² ha-¹, respectivamente). 53,2% e 61,7% dos valores totais de VI e área basal,
As outras sete espécies mais importantes em ordem respectivamente (tabela 1).
Revista Brasil. Bot., V.34, n.3, p.247-259, jul.-set. 2011 253
primeiro eixo separou: 1. Áreas de cerrado rupestre Chapada dos Veadeiros e outras áreas do Planalto Central
e cerrado sentido restrito sobre solos profundos do brasileiro. A Chapada dos Veadeiros está entre as regiões
Planalto Central, sítios I a VIII (Goiás e Distrito Federal), com mais elevadas altitudes do bioma Cerrado (Felfili et
posicionadas na parte central do diagrama; 2. Áreas de al. 2007a, Ribeiro & Walter 2008), além de apresentar
cerrado rupestre em Goiás acima de 1.300 m de altitude, extensas áreas de formações savânicas sobre relevo
sítios IX e X; 3. Áreas de cerrado sentido restrito sobre acidentado e solos rochosos (Silva et al. 2006, Felfili
solos profundos localizadas no Estado de Mato Grosso et al. 2007c, Lima 2008). Segundo Simon & Proença
(sítios XI e XII), posicionadas no quadrante inferior (2000) essas características abióticas podem explicar
esquerdo do diagrama; e duas áreas isoladas, o sítio XV, a peculiaridade florística e o elevado endemismo em
cerrado sentido restrito em solo profundo no Maranhão, espécies do gênero Mimosa na região.
e o sítio XIV, cerrado rupestre do presente estudo. O Apesar da elevada riqueza florística, os índices
segundo eixo separou o sítio XIII, amostrado em de diversidade de Shannon-Wiener (H’ = 2,81) e de
Paraopeba, MG, em área de cerrado sentido restrito sobre equabilidade de Pielou (J’ = 0,66), quando se considera as
solo profundo, posicionando-o no quadrante superior monocotiledôneas, são os mais baixos já encontrados em
esquerdo do diagrama, como uma das áreas de menor relação às áreas de cerrado rupestre comparadas (tabela
similaridade florística com as demais, semelhante ao 2). Esse fato se deve a elevada abundância de Vellozia
observado na análise de classificação. variabilis, Vellozia squamata, Syagrus flexuosa e Vellozia
A divergência florística, revelada pela UPGMA e tubiflora, uma vez que estes índices, de acordo com
DCA entre o cerrado rupestre de Alto Paraíso de Goiás Magurran (1988), são baseados na abundância relativa
e as demais áreas comparadas, foi também evidenciada das espécies e reduzem quando há domínio numérico
pela baixa similaridade florística, cujos índices de de uma ou poucas espécies na comunidade. No entanto,
Sørensen foram sempre inferiores a 0,4, independente quando as monocotiledôneas foram excluídas das
do tipo de substrato (tabela 2). análises, houve reduções de 7% na riqueza de espécies
e os índices de H’e J’ assumiram valores elevados (3,63
Discussão e 0,86, respectivamente) e configuraram entre os mais
altos entre todas as áreas comparadas (tabela 2).
A riqueza da flora arbustivo-arbórea registrada no Desse modo, as elevadas densidades e a importância
presente estudo (71 espécies com monocotiledôneas e estrutural de monocotiledôneas no cerrado rupestre
66 espécies sem monocotiledôneas) foi a maior entre de Alto Paraíso de Goiás, também registradas por
as áreas de cerrado rupestre comparadas e semelhante Walter & Guarino (2006) em cerrado típico do Distrito
àquela registrada em áreas de cerrado sentido restrito Federal, chamam a atenção para a necessidade de
sobre solos profundos com elevada riqueza florística, estudos florísticos e fitossociólogicos em fitofisionomias
amostradas no Brasil Central (tabela 2). Compilações savânicas do bioma Cerrado, incluírem espécies das
de dados em áreas de cerrado sentido restrito, feitas famílias Velloziaceae e Arecaceae. Muitas vezes essas
por Fonseca & Silva Júnior (2004) e por Felfili et al. famílias são ignoradas no processo de amostragem, uma
(2004, 2007a) para o Planalto Central brasileiro, também vez que dos 15 estudos aqui comparados apenas cinco
evidenciaram tendência da vegetação savânica da região incluíram as monocotiledôneas nos levantamentos da
da Chapada dos Veadeiros apresentar elevada riqueza vegetação.
arbustivo-arbórea. Estudo desenvolvido por Prevedello Das 38 espécies lenhosas consideradas por Ratter
& Carvalho (2006) com modelagem computacional et al. (2003) como de ampla distribuição no Cerrado, ou
com dados de campo e conhecida como “Método Pan seja, aquelas registradas em mais de 50% das 376 áreas
Geográfico” também apontam a Chapada dos Veadeiros de cerrado sentido restrito compiladas pelos autores,
como uma das 11 regiões mais importantes para a apenas sete delas foram registradas no cerrado rupestre
conservação da riqueza e biodiversidade da flora do estudado (9,7% do total de espécies amostradas no
bioma Cerrado. presente estudo): Byrsonima pachyphylla, Erythroxylum
A Chapada dos Veadeiros é ainda considerada um suberosum, Qualea parviflora, Byrsonima coccolobifolia,
dos centros de endemismos de espécies vegetais (Simon Hancornia speciosa, Ouratea hexasperma e Kielmeyera
& Proença 2000). Essas informações são corroboradas coriacea. Por outro lado, também sete espécies
pelas análises de classificação e ordenação aqui realizadas – Wunderlichia cruelsiana, Schwartzia adamantium,
e pelo estudo de Felfili et al. (2004, 2007c) que indicaram Ocotea pomaderroides, Mimosa manidea, Copaifera
elevada dissimilaridade florística entre os cerrados da oblongifolia, Wunderlichia mirabilis e Miconia irwinii
Revista Brasil. Bot., V.34, n.3, p.247-259, jul.-set. 2011 255
– inventariadas neste estudo, foram registradas em até Amaral et al. (2006), com apenas dois indivíduos e baixo
três das 376 áreas avaliadas (< 1%) por Ratter et al. valor de VI. O cerrado rupestre inventariado em Caldas
(2003), sendo aqui consideradas raras no bioma Cerrado Novas-GO (Lima et al. 2010) foi aquele que apresentou
e conferindo certa peculiaridade florística ao cerrado maior semelhança em relação às espécies com maior
rupestre da Chapada dos Veadeiros. importância estrutural, pois Wunderlichia cruelsiana
Essa peculiaridade é confirmada pela baixa e Schwartzia adamantium também destacaram em
similaridade florística registrada entre a área do presente Valores de Importância (VI) naquele estudo, apesar da
estudo e as demais áreas comparadas, mesmo com a similaridade florística entre as duas áreas ter sido baixa
exclusão das monocotiledôneas (índice de similaridade (IS = 0,30).
de Sørensen sempre inferior a 0,4). Apesar de geralmente A inclusão das espécies de monocotiledôneas
baixos, os valores mais elevados de similaridade nas análises também causou grandes mudanças na
florística, foram sempre registrados com áreas de cerrado densidade e área basal registradas no cerrado rupestre
sentido restrito sobre solos profundos e cerrado rupestre de Alto Paraíso de Goiás. Dessa forma, considerando
em elevadas altitudes do Planalto Central brasileiro as monocotiledôneas, os valores de densidade (1.977
(acima de 1.000 m) e pertencentes à Província Florística indivíduos ha-¹) e área basal (11,25 m² ha-¹) do presente
Central e Sudeste (CSE – sensu Bridgetwater et al. 2004) estudo estão entre os maiores já registradas para
(tabela 2), sugerindo maior semelhança florística entre fitofisionomias de cerrado rupestre e cerrado sentido
as formações savânicas de elevadas altitudes do Brasil restrito sobre solos profundos (tabela 2). Por outro lado,
Central. Assim, os padrões fitogeográficos evidenciados quando as espécies de monocotiledôneas são excluídas, a
por outros autores (Ratter et al. 1996, 2003, Castro & densidade (892 indivíduos ha-¹) e área basal (7,55 m² ha-¹)
Martins 1999, Felfili et al. 2007b), para áreas de cerrados em Alto Paraíso de Goiás estão entre os menores valores
sobre solos profundos, foram mantidos mesmo após a registrados para áreas de cerrado típico e rupestre. Assim,
inclusão de áreas de cerrado rupestre. a comunidade estudada apresentou estrutura horizontal
Algumas espécies aqui amostradas são citadas na pouco comum se comparada com outras áreas de cerrado
literatura como habitat especialistas (sensu Rabinowitz rupestre e de cerrado sentido restrito, particularmente
1981), ou seja, de distribuição restrita a ambientes em função da elevada abundância das espécies de
rupestres como: Wunderlichia cruelsiana, Schwartzia monocotiledôneas, como Vellozia variabilis (n = 794
adamantium, Wunderlichia mirabilis e Hyptis indivíduos), V. squamata (n = 113), V. tubiflora (n = 63)
pachyphylla (Munhoz & Proença 1998, Ratter et al. e Syagrus flexuosa (n = 101). Essas características
2000, Mendonça et al. 2008, Ribeiro & Walter 2008), florísticas e estruturais garantem o desenvolvimento de
Vellozia variabilis (Silva et al. 2001) e Vellozia tubiflora uma vegetação muito peculiar e chamam novamente
(Munhoz & Proença 1998). Wanderley (1989) afirmou a atenção para a necessidade de se incluir espécies de
ainda que W. cruelsiana é restrita apenas à região da monocotiledôneas em futuros estudos estruturais da
Chapada dos Veadeiros. Todas estas espécies, com vegetação arbustivo-arbórea.
exceção de W. mirabilis, estão entre as dez de maior Os baixos valores medianos de diâmetro (6,37 cm)
VI na comunidade e, portanto, configuram-se como bem como as alturas médias e mediana, inferiores a
importantes na determinação da estrutura da comunidade 2 metros, registradas no presente estudo indicam que
estudada (tabela 1). Destaca-se ainda que Schwartzia a estrutura vertical do cerrado rupestre estudado é
adamantium e Wunderlichia mirabilis apresentaram predominantemente subarbustiva e arbustiva, semelhante
elevados valores de área basal e de altura, sendo assim ao descrito por Ribeiro & Walter (2008) em que áreas
determinantes também na estrutura horizontal e vertical de cerrado rupestre, em geral, possuem em média 2 a
da comunidade. 4 m de altura. Segundo Pinto et al. (2009), a vegetação
Considerando ainda que as dez espécies mais arbustivo-arbórea do cerrado rupestre apresenta estrutura
importantes na estrutura da comunidade estudada da comunidade semelhante às áreas de cerrado ralo do
representam mais da metade do VI total (tabela 1), bioma (sensu Ribeiro & Walter 2008). No entanto,
nota-se que o cerrado rupestre amostrado na Chapada estudos fitossociológicos conduzidos em cerrados
dos Veadeiros difere marcadamente dos demais cerrados rupestres do Brasil Central registraram alturas medianas
rupestres já estudados no Brasil Central. Apenas mais elevadas ((3,18 m em Moura et al. (2010), 2,70 m
Schwartzia adamantium foi citada entre as dez com em Pinto et al. 2009)), sugerindo ampla variação na
maior VI no estudo de Pinto et al. (2009) e somente estrutura vertical dos cerrados rupestres, que podem estar
Wunderlichia cruelsiana foi inventariada no estudo de associadas a fatores locais, ainda não investigados.
256 E. Lenza et al.: Comparação da vegetação arbustivo-arbórea em cerrado rupestre
Os resultados encontrados no presente estudo são, da flora e fauna do bioma Cerrado (Felfili et al. 2004,
em partes, corroborados pelos achados de Pinto et al. Prevedello & Carvalho 2006, Mendonça et al. 2007,
(2009) e Lima et al. (2010), de que a vegetação arbustivo- Felfili et al. 2007b). A Chapada dos Veadeiros é a região
arbórea em áreas de cerrado rupestre do Planalto Central com maior representatividade de cerrados rupestres do
brasileiro é composta predominantemente por espécies Estado de Goiás (Lima 2008), além de apresentar alta
típicas e de ampla distribuição nas formações savânicas riqueza florística (presente estudo, Felfili et al. 2007a,
sobre solos profundos e com poucas espécies de habitat Mendonça et al. 2007), particularidade florística (presente
especialistas, mas com elevada importância na estrutura estudo, Ratter et al. 1996, Munhoz & Proença 1998)
da comunidade. Dessa forma, há, de fato, seleção de e elevada heterogeneidade geomorfológica e edáfica
algumas espécies arbustivo-arbóreas mais adaptadas a (Haridasan 2007, Lima 2008). Segundo Felfili (2007b),
ambientes rupestres, mas com flora típica de formações a única Unidade de Conservação na região é insuficiente
savânicas sobre solos mais profundos e cuja distribuição para manutenção da elevada riqueza e heterogeneidade
geográfica não é homogênea, provavelmente em função florística. Sugerimos, portanto, que novas Unidades de
das diferentes altitudes e da influência florística de Conservação sejam criadas na mesorregião da Chapada
biomas adjacente, como discutido a seguir. dos Veadeiros, preservando assim o mosaico vegetacional
As análises fitogeográficas conjuntas das áreas de dessa região com importante e peculiar patrimônio
cerrado rupestre e cerrado sentido restrito sobre solos florístico e genético do Bioma Cerrado.
profundos indicaram, por um lado, que áreas em altitudes
elevadas e médias do Brasil Central apresentaram maior Agradecimentos – À Profa Carolyn Proença, Profa Lúcia
semelhança florística, concordando com as afirmações Helena Soares Silva (UnB – Botânica), Prof. Manoel
de diferentes autores de que a altitude exerce forte Cláudio da Silva Júnior (UnB – Engenharia Florestal) e
influência sobre a flora do Cerrado (Castro & Martins ao Dr. Benedito Alísio da Silva Pereira (IBGE) pela ajuda
1999, Ratter et al. 1996, 2003, Bridgewater et al. 2004). na identificação botânica. Ao Igor A. A. Oliveira e Gabriel
Por outro lado, a proximidade geográfica do bioma Damasco do Valle pela ajuda nos trabalhos de campo. Ao Sr.
Narciso por disponibilizar sua propriedade para realização
Floresta Amazônica (áreas XI e XII, no Estado do Mato
deste estudo. Ao CNPq/UnB pela concessão da bolsa de
Grosso); Mata Atlântica (área XII, em Minas Gerais);
Iniciação Científica à Elisa Pereira Bruziguessi. À Fundação
e Caatinga (área XV, no Maranhão) coincidiu com a Grupo Boticário de Proteção à Natureza pelo financiamento
formação de três grupos, sugerindo a influência florística da pesquisa.
de biomas adjacentes sobre a flora lenhosa do cerrado
sentido restrito, como sugerido por Méio et al. (2003)
para áreas de transição com os biomas Mata Atlântica e Referências bibliográficas
Floresta Amazônica e por Castro & Martins (1999) em
áreas de transição com a Caatinga. AMARAL, A.G., PEREIRA, F.F.O. & MUNHOZ, C.B.R.
2006. Fitossociologia de uma área de cerrado rupestre da
No entanto, os resultados aqui encontrados não
Fazenda Sucupira, Brasília, DF. Cerne 12:350-359.
evidenciam, inequivocamente, o padrão latitudinal
APG III. 2009. An update of the Angiosperm Phylogeny
proposto por Castro & Martins (1999), provavelmente Group classification for the orders and families of
porque a influência latitudinal predita pelos autores é flowering plants: APG III. Botanical Journal of the
mascarada pela influência florística dos três biomas Linnean Society 161:105-121.
adjacentes ao Cerrado. Finalmente, não houve ASSUNÇÃO, S.L. & FELFILI, J.M. 2004. Fitossociologia
agrupamento claro entre áreas pertencentes às mesmas de um fragmento de cerrado sensu stricto na APA
províncias florísticas propostas por Bridgewater et al. do Paranoá, DF, Brasil. Acta Botanica Brasilica
2004. Em resumo, as análises fitogeográficas sugerem 18:903‑909.
forte influência da altitude, da proximidade geográfica BALDUINO, A.P.C., SOUZA, A.L., MEIRA-NETO,
entre áreas, bem como da posição geográfica da área em J.A.A., SILVA, A.F. & SILVA JÚNIOR, M.C. 2005.
Fitossociologia e análise comparativa da composição
relação aos biomas adjacentes ao Cerrado. Sugerimos
florística do cerrado da flora de Paraopeba-MG. Revista
a condução de novos estudos, com metodologia Árvore 29:25-34.
padronizada, em áreas de cerrado rupestre e suas inclusões BENITES, V.M., SCHAEFER, C.E.G.R., SIMAS, F.N.B.
em novas análises fitogeográficas para confirmar os & SANTOS, H.G. 2007. Soils associated with rock
resultados aqui encontrados. outcrops in the Brazilian mountain ranges Mantiqueira
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